ensino da arte no brasil: aspectos históricos e metodológicos d02

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Cursos de Especialização para o quadro do Magistério da SEESP Ensino Fundamental II e Ensino Médio Rede São Paulo de Ensino da arte no Brasil: Aspectos históricos e metodológicos d02

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  • Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESPEnsino Fundamental II e Ensino Mdio

    Rede So Paulo de

    Ensino da arte no Brasil:

    Aspectos histricos e metodolgicos d02

  • Rede So Paulo de

    Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESP

    Ensino Fundamental II e Ensino Mdio

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    sumrio

    Sumrio1. Ensino da Arte no Brasil: uma histria que vai da dependncia antropofagia ...................................................................................4

    1.1 - A atualidade da Misso Francesa .......................................................6

    1.2 - Os liberais e o ensino de arte anti-elitista ........................................ 11

    1.3 - O Modernismo ................................................................................ 15

    1.4 - Presses e mudanas: a ditadura de 1964 ......................................... 26

    1.5 - Os anos de 1980 e depois: o ps-modernismo ................................. 30

    2. Concepes e tendncias formativas .......................................39

    2.1 - Arte como um saber e a pedagogia tradicional ................................. 41

    2. 2 - Arte como expresso e a pedagogia renovada .................................. 43

    2.3 - Arte como linguagem ....................................................................... 46

    2.4 - Arte como cultura e a ps-modernidade .......................................... 47

    Referencias bibliogrficas ....................................................... 56

    Ficha da Disciplina: ................................................................ 60

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    1. Ensino da Arte no Brasil: uma histria que vai da dependncia antropofagia

    Vamos buscar compreender, nesta disciplina, como a histria do ensino da arte no Brasil est marcada pela dependncia cultural. Sabemos que o primeiro produto cultural brasileiro de origem erudita foi o Barroco. Trazido de Portugal, recebeu atravs da criao popular car-actersticas que podem ser consideradas de cunho nacional. Os artistas e artesos brasileiros maneira antropofgica criaram um barroco com distines formais em relao ao Barroco europeu. O ensino da arte barroca tinha lugar nas oficinas atravs do fazer sob a orientao do mestre. Estas oficinas eram a nica educao artstica popular na poca.

    Veremos inicialmente que a primeira institucionalizao do ensino de arte foi a Misso Francesa (1816) com o modelo neoclssico, um dos poucos modelos com atualidade no pas de origem no momento de sua importao para o Brasil. Quase sempre os modelos estrangeiros foram tomados de emprstimo numa forma j enfraquecida e desgastada. A Misso Francesa foi na realidade uma invaso cultural de cunho elitista.

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    Em contraposio, no final do sculo XIX, no contexto republicano, os liberais introduzi-ram o ensino do desenho na educao numa perspectiva anti-elitista como preparao de mo-de-obra para o trabalho nas indstrias, a partir do modelo norte-americano. A apropria-o deste modelo e seus desdobramentos analisada no segundo tpico, pois foi exercido de forma marcante e intensa at meados do sculo XX, deixando resqucios em livros didticos e no iderio educacional.

    No entanto, j no incio do sculo XX, o Modernismo transps para o campo educacional a idia de arte como expresso. Este o tema do terceiro tpico, onde vamos buscar com-preender as diversas interpretaes das idias de John Dewey nas reformas educacionais da Escola Nova, quando as atividades artsticas passam a ser aceitas no meio educacional. A idia de arte como expresso induziu tambm, na segunda metade do sculo XX, experincias bem sucedidas de arte para crianas e adolescentes como atividades extracurriculares. Foi neste contexto favorvel que na dcada de 1970 a Educao Artstica passou a ser obrigatria no ensino formal, carregando, entretanto, uma perspectiva conceitual e ideolgica desfavorvel configurada pelo tecnicismo e pela polivalncia.

    No final do sculo XX o movimento de arte/educao se revigora em sintonia com a ps-modernidade, resultado do amadurecimento de um campo de conhecimento que desenvolve pesquisas e busca se aproximar do campo das prticas artsticas. Chegamos a nossa contempo-raneidade que se caracteriza por mltiplas degluties e apropriaes de modelos, por trnsitos entre culturas.

    Temos aqui por razes didticas um percurso histrico que segue uma cronologia, porm precisamos compreender que esta nossa histria no apenas uma sucesso de fatos e acon-tecimentos isolados que se apresentam de forma linear e pertencem ao passado, mas uma constelao de proposies, idias e experincias sobre a arte e seu ensino que se sobrepem e co-habitam um mesmo espao e continuam ativas hoje no iderio educacional. Esperamos que ao revisitar a histria do ensino da arte possamos melhor nos entender no contexto de hoje e, sobretudo, nos ajude a construir possibilidades educacionais mais condizentes com nossos valores neste conturbado cenrio contemporneo.

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    1.1 - A atualidade da Misso Francesa

    Como sabemos, a primeira institucionalizao sistemtica do ensino de arte foi a Misso Francesa, e um dos poucos modelos com atualidade no pas de origem no momento de sua im-portao para o Brasil. Quase sempre os modelos estrangeiros foram tomados de emprstimo numa forma j enfraquecida e desgastada. A Misso francesa foi na realidade uma invaso cultural.

    Os integrantes da Misso Francesa que aqui chegaram em 1816 eram membros do Instituto de Frana que havia sido aberto em 1795 para substituir as velhas academias de arte suprimidas pela Revoluo Francesa. Sob a superviso e a influncia de Jacques Louis David1 (1748-1825), o mestre do Neoclssico, o Instituto de Frana logo alcanou reputao superior cole des Beaux-Arts e influenciou as escolas de toda a Europa por ser metodologi-camente a instituio mais moderna de seu tempo. Portanto, o Neoclssico, atravs do qual se expressavam os artistas da Misso Francesa quando para c vieram organizar a nossa primeira escola de arte, era o estilo de vanguarda naquele tempo na Europa.

    Todavia, os planos apresentados por Joachim Le Breton (1760-1819), chefe da Misso Francesa, para a Escola de Cincias Artes e Ofcios, criada por decreto de D. Joo VI em 1816, eram de cunho mais popular do que a orientao seguida no Instituto de Frana onde ele ensinava. O projeto repetia os mais atuais modelos de ensino de atividades artsticas ligadas a ofcios mecnicos empregados na Frana por Bachelier em sua cole Royale Gratuite de Des-sin, que existe at hoje com o nome de cole Nationale des Arts Dcoratifs. Bachelier, que era mestre de decorao em porcelana da fbrica de Svres, conseguiu combinar e conciliar em sua escola (1767) mtodos e objetivos de ensino de arte comuns s corporaes e s academias. Ele contornou a tradicional luta entre artistas e arteses, conseguindo apoio das academias para o seu trabalho pedaggico, exigindo, por exemplo, que os mestres de desenho de sua escola tives-sem obtido prmios da academia. A experincia de Bachelier, muito comentada e aplaudida na Europa, levou pases como a Alemanha e a ustria a introduzirem o desenho criativo no treinamento das escolas para trabalhadores manuais, e as escolas de belas artes a considerarem importante o ensino da geometria.

    1. Jacques Louis David e o Neocls-sico - para ter uma melhor compreen-

    so do estilo Neoclssico que acom-

    panhou o iderio da Misso Francesa

    sugerimos buscar na Web imagens do

    artista Jacques Louis David.

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    Era este casamento feliz entre as belas artes e as indstrias que Le Breton pretendia repetir no Brasil. Pelos planos de Le Breton nossa escola de arte seria uma entidade que no perde-ria de vista o equilbrio entre educao popular e educao da burguesia. Entretanto, quando aquela escola comeou a funcionar em 1826 sob o nome de Escola Imperial das Belas-Artes, no s o nome havia sido trocado, mas, principalmente sua perspectiva de atuao educacio-nal, tornando-se o lugar de convergncia de uma elite cultural que se formava no pas para movimentar a corte, dificultando, assim, o acesso das camadas populares produo artstica.

    A Escola Imperial das Belas-Artes inaugurou a ambigidade na qual at hoje se debate a educao brasileira, isto , o dilema entre educao de elite e educao popular. Na rea especfica de educao artstica in-corporou o dilema j instaurado na Europa entre arte como criao e como tcnica.

    Em 1855, Manuel Jos de Arajo Porto Alegre (1806-1879), baseado no iderio romntico, pretendeu revigorar a educao elitista que vinha tendo lugar na ento denominada Academia Imperial das Belas-Artes atravs do contato com o povo. Pretendia sua reforma conjugar no mesmo estabelecimento escolar duas classes de alunos, o arteso e o artista, frequentando jun-tos as mesmas disciplinas bsicas. A formao do artista era alargada com outras disciplinas de carter terico, especializando-se o artfice nas aplicaes do desenho e na prtica mecnica. Entretanto, a permanncia dos velhos mtodos e de uma linguagem sofisticada fez com que a procura popular por esses cursos fosse quase nula, assim como foi quase nula tambm a matrcula nos cursos noturnos para a formao de arteso criados em 1860 na Academia. Nestes ltimos, a simplificao curricular era quase pejorativa. Em ambos os casos a incluso da formao do artfice naquela instituio era uma espcie de concesso da elite classe ob-reira e por isso destinada ao fracasso.

    J o Liceu de Artes e Ofcios de Bethencourt da Silva (1831-1911), criado em 1856 no Rio de Janeiro, mereceu de pronto um alto grau de confiana das classes menos favorecidas, como atestou o grande nmero de matrculas j no primeiro ano de funcionamento. Coube aos liceus de artes e ofcios, criados na maioria dos Estados, com pequenas variveis do modelo do Liceu de Bethencourt da Silva, a tarefa de formar no s o artfice mas os artistas que provinham das classes operrias.

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    At 1870 pouco se contestou o modelo de ensino da arte da Academia Imperial das Belas-Artes, que foi em parte utilizado pela escola secundria. Nas escolas secundrias particulares para meninos e meninas, imperava a cpia de retratos de pessoas importantes, de santos e a cpia de estampas, em geral europias, representando paisagens desconhecidas aos nossos olhos acostumados ao meio ambiente tropical. Estas paisagens levavam os alunos a valorar esteticamente a natureza europia e depreciar a nossa pela rudeza contrastante.

    interessante notar que no sculo XIX poucos pases do Novo Mundo instituram o en-sino da arte para meninos nas escolas de elite. O mais comum que a arte tivesse lugar apenas nas escolas de meninas de alta classe. No Brasil isto ocorreu porque a elite brasileira esteve no perodo colonial mais ligada aos modelos aristocrticos do que aos modelos burgueses como nos outros pases americanos.

    Segundo o modelo aristocrtico, arte era indispensvel na formao dos prncipes. D. Joo VI deu o exemplo quando contratou Arnaud Pallire (1823-1887) para ensinar desenho aos prncipes. Seguindo este padro, a arte foi includa em 1811 no currculo do colgio do Padre Felisberto Antnio Figueiredo de Moura, uma escola para rapazes no Rio de Janeiro que de-terminou o modelo de educao para meninos de alta classe na poca.

    O contedo e a funo da arte nestas escolas foi sugerido por Raul Pom-pia no seu livro O Ateneu. A apresentao da exposio anual era o obje-tivo das aulas de arte e se constitua numa espcie de smbolo de distino para a escola. Vejam como Raul Pompia, que foi desenhista e romancista, nos transporta atravs da linguagem literria para o clima de uma exposio escolar no sculo XIX, numa escola de meninos de classe alta.

    Para a exposio dos desenhos foram retiradas as carteiras da sala de es-tudo, forradas de metim escuro as paredes e os grandes armrios. Sobre este fundo, alfinetaram-se as folhas de Carson, manchadas a lpis pelo sombreado das figuras, das paisagens, pregaram-se nas molduras de friso de ouro, os trabalhos reputados dignos desta nobilitao.

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    Eu fizera o meu sucessinho no desenho, e a garatuja evolura no meu trao, de modo a merecer econmios. A princpio, o bosqueiro simples, linear ex-perincia da mo; depois, os esbatimentos de tons que consegui logo com um matiz de nuvem; depois, as vistas de campo, folhagem rendilhada em bicos, pardieiros em demolio pitoresca da escola francesa, como runas de pau pobre, armadas para os artistas. Depois de muito moinho velho, muita vivenda de palha, muito casaro deslombado, mostrando misrias como um mendigo, muita pirmide de torre alde esboada nos ltimos planos, muita figurinha vaga de camponesa, leno em tringulo pelas cos-tas, rotundas ancas, saias grossas em pregas, sapates em curva, passei ao desenho das grandes cpias, pedaos de rosto humano, cabeas completas, cabeas de corcel; cheguei a ousadia de copiar com toda a magnificncia das sedas, toda a graa forte do movimento, uma cabra de Tibete !

    Depois da distino do curso primrio, foi esta cabra o meu maior orgulho. Retocada pelo professor, que tinha o bom gosto de fazer no desenho tudo quanto no faziam os discpulos, a cabra tibetana, meio metro de altura, era aproximadamente obra-prima. Ufanava-me do trabalho. No quis a sorte que me alegrasse por muito. Negaram-me a bela cabra a moldura dos bons trabalhos; ainda em cima considerem o desespero! exatamente no dia da exposio, de manh, fui encontr-la borrada por uma cruz de tinta, larga, de alto a baixo, que a mo benigna de um desconhecido traara. Sem pensar mais nada, arranquei parede o desgraado papel e desfiz em pedaos o esforo de tantos dias de perseverana e carinho.

    Quando os visitantes invadiram a sala, notaram na linha dos trabalhos suspensas duas enigmticas pontas de papel rasgado. Estranhavam, igno-rando que ali estava, interessante, em ltimo captulo, a histria de uma cabra, de uma obra-prima que fora.

    As exposies artsticas eram dois em dois anos, alternadamente com as festas dos prmios. Conseguia-se assim uma quantidade fabulosa de pa-pel riscado para maior riqueza das galerias. Cobria-se o metim desde o soalho at o teto. Havia de tudo, no s desenhos. Alguns quadros a leo,

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    do Altino, risonhas aquarelas acidentando a monotonia cinzenta do Faber, do Conte, do fusain. Os futuros engenheiros aplicavam-se aguadas de arquitetura, aos desenhos coloridos de mquinas.

    Entre as cabeas a crayon retinto, crinas de gineto, felpas de onagro lan-zudo, inclinando o funil das orelhas, cerdosas frontes hirsutas de javali, que arreganhavam presas, perfis de audcia em colarinhos de renda, abdas atrevidas de feltro, plumas revoltadas, fisionomias de marujo, selvagens, arrepiadas, num sopro de borrasca, barbas incultas, carapua esmurrada sobre a testa, cachimbo aos dentes; entre todas estas caras, avultava uma coleo notvel de retratos do diretor.

    O melindroso assunto fora inventado pela gentileza de um antigo mestre. Preparou-se modelo; um aluno copiou com xito; e depois, no houve mais desenhista amvel que no entendesse dever ensaiar-se na respei-tvel vernica. Santo Deus! que ventas arranjavam ao pobre Aristarco! Era at um esforo! Que olhos de blefarite! Que bocas de beios pretos! Que calnia de bigodes! Que inveno de expresses aparvalhadas para o digno rosto do nobre educador!

    No obstante, Aristarco sentia-se lisonjeado pela inveno. Parecia-lhe ter na face a cocegazinha sutil do crayon passando, brincando na ruga mole da plpebra, dos ps-de-galinha, contornando a concha da orelha, calcando a comissura dos lpis, entrevista na franja dos fios brancos, definindo a se-vera mandbula barbeada, subindo pelas dobras oblquas da pele ao nariz, varejando a pituitria, extorquindo um espirro agradvel a desopilante.

    Por isso eram acatados os desenhistas de vernica.

    Os retratos todos, bons ou maus, eram alojados indistintamente nas mol-duras de recomendao. Passada a festa, Aristarco tomava ao quadro o de-senho e levava para casa. Tinha-os j s resmas. s vezes, em momentos de spleen, profundo spleen de grandes homens, desarrumava a pilha; forrava de retratos, mesas, cadeiras, pavimento. E vinha-lhe um xtase de vaidade. Quantas geraes de discpulos lhe havia passado pela cara! Quantos afa-

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    gos de bajulao a efgie de um homem eminente! Cada papel daqueles era um pedao de ovao, um naco de apoteose.

    E todas aquelas coisas feitas animavam-se e olhavam brilhantemente. V, Aristarco, diziam em coro, v, ns aqui somos tu, e ns to aplaudimos! E Aristarco, como ningum na terra, gozava a delcia inaudita, ele incom-parvel, nico capaz de bem se compreender e de bem se admirar de ver-se aplaudido em chusma por alter-egos, glorificado por uma multido de si-mesmos. Primus inter pares.

    Todos, ele prprio, todos aclamando-o (POMPIA, 1997, p. 135-138).

    Contrrios ao uso da arte na escola como adorno cultural, alguns liberais a partir de 1870, e principalmente na dcada de 1880, defenderam a idia de que uma educao popular para o trabalho deveria ser o principal objetivo da arte na escola e iniciaram uma campanha para tornar o desenho obrigatrio no ensino primrio e secundrio. Devemos aos liberais o inicio do ensino do desenho industrial na escola, isto , do que hoje conhecemos como design. Se propunham a dar um conhecimento tcnico de desenho a todos os indivduos de maneira que, libertados da ignorncia, fossem capazes de produzir suas invenes. Educar o instituto da execuo para evitar que ele se tornasse um impedimento objetivao da inveno era o princpio bsico, isto , primeiro aprender como trabalhar, depois aplicar as habilidades tcni-cas solucionando os problemas e dando forma concreta s criaes individuais.

    1.2 - Os liberais e o ensino de arte anti-elitista

    Em torno de 1870, um surto de desenvolvimento econmico propiciou alguma abertura na organizao social e expanso de algumas idias contestadoras. A criao do Partido Repub-licano naquele ano abriu uma fase de severas e sistemticas crticas contra muitos aspectos da organizao do Imprio, incluindo a situao educacional. Ao mesmo tempo, eram frequentes os discursos feitos pelos abolicionistas acerca da necessidade de se estabelecer uma educao para o povo e para os escravos, demonstrando a preocupao com o futuro deles depois de libertos. Os principais temas educacionais discutidos eram a alfabetizao e a preparao para o trabalho. A necessidade de um ensino do desenho apropriado era referida como um impor-tante aspecto da preparao para o trabalho industrial.

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    Na busca de um modelo que estabelecesse a unio entre criao e tcnica, isto , entre arte e sua aplicao a indstria, os intelectuais e polticos (especialmente os liberais) brasileiros se comprometeram profundamente com os modelos de Walter Smith para o ensino da arte nos Estados Unidos que passaram a divulgar no Brasil. Os principais divulgadores de Wal-ter Smith no Brasil foram o jornal O Novo Mundo; Rui Barbosa, nos seus Pareceres sobre a reforma do ensino primrio e secundrio (BARBOSA, 1941), e Ablio Csar Pereira Borges atravs de seu livro Geometria popular (BORGES, 1959).

    A popularizao do ensino da arte, concebido como ensino do desenho, isto , ensino pre-paratrio para o design, era o objetivo da orientao que o ingls Walter Smith imprimia aos seus escritos e suas atividades como organizador do ensino da arte em Massachusetts (EUA). Influenciado pelas idias de Redgrave e Dyce, de quem foi aluno na South Kensington School of Industrial Drawing and Crafts em Londres, da qual s resta hoje o Victoria and Albert Museum. Smith chegou a se demitir do cargo de professor da Leeds School of Art quando a instituio (1868) comeou a subverter os objetivos para os quais havia sido criada, ou seja, vincular a arte educao popular, para enveredar pelo caminho do ensino da arte como verniz cultural obedecendo aos caprichosos desejos da classe mdia.

    O Novo Mundo2 destacou em vrias notcias e artigos o aspecto de democratizao da arte que caracterizava a ao de Walter Smith em Massachusetts, para onde ele fora contratado com carta branca para organizar o ensino da arte como desenho industrial. Tinha O Novo Mundo grande importncia cultural no Brasil daquela poca.

    A mais elogiada instituio americana era a educao. No campo da educao, foi dado especial relevo divulgao da educao feminina e da arte/educao. Impregnado da moral protestante, apresentava a arte e o trabalho como veculo de educao e valorizava a educao para as artes industriais ao extremo.

    Andr Rebouas escreveu para O Novo Mundo longos artigos defendendo a necessidade de se tornar compulsrio, como Smith havia conseguido em Massachusetts, o ensino do desenho geomtrico com aplicaes indstria.

    2. Novo Mundo - Tratava-se de um jornal publicado por Jos Carlos Rodrigues, em Nova York (1872-1889)

    e escrito em Portugus. Muitos dos mais importantes

    escritores brasileiros trabalharam neste peridico como

    Machado de Assis e Sousndrade, que era tambm

    secretrio do jornal. O principal objetivo do jornal era

    vender produtos americanos e o american way of life no

    Brasil, apresentando as instituies sociais americanas

    como modelos para a sociedade brasileira.

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    Um nmero especial de O Novo Mundo foi publicado acerca da Centennial Exhibition de 1876 em Filadlfia, onde se destacavam os trabalhos apresentados pela Escola Normal de Artes, criada e dirigida por Smith, assim como os trabalhos de 24 cidades de Massachusetts, todas elas orientadas em seu ensino de arte por Smith.

    O Novo Mundo em geral destacava a importncia dada por Smith aos exerccios geomtricos progressivos no ensino do desenho, a sua idia de que todo mundo tinha capacidade para de-senhar e a sua crena no ensino do desenho como veculo de popularizao da arte atravs da adaptao a fins industriais, colaborando para a qualidade e prosperidade da produo industrial.

    Rui Barbosa subscreveu as idias de Smith nos Pareceres sobre a reforma da educao primria e secundria. Chegou mesmo a traduzir um longo texto do seu livro Art education: scholastic and industrial (SMITH, 1872) que incluiu nos Pareceres como justificativa terica para a suprem-acia que confere ao desenho em relao s outras disciplinas do currculo. ainda em Walter Smith que se baseou para traar as recomendaes metodolgicas para o ensino do desenho.

    Inspirado nas idias defendidas por Rui Barbosa, o educador Ablio Csar Pereira Borges publicou uma Geometria popular que uma espcie de sumrio do Teachers manual for free hand drawing de Walter Smith (1873). O estudo propunha que o desenho comeasse por linhas verticais, horizontais, oblquas, paralelas, enfim, pelo que Smith, citado por Borges, chamava de alfabeto do desenho. Seguia-se o estudo dos ngulos, tringulos, retngulos, numa gradao idntica proposta por Smith, acompanhando o traado com definies geomtricas como o prprio Smith recomendava. Seguiam-se ditados e exerccios de memria idnticos aos do livro de Smith. Depois de estudar quadrados e polgonos, ele introduzia ornamentos e anlises de folhas em superfcie plana. Os exemplos botnicos eram organizados em forma de diagramas exatamente como o livro de Smith. Ele ainda propunha o traado de gregas, ros-ceas, repeties verticais, repeties horizontais, formas entrelaadas. Alguns objetos simples (vasos de gua, bacias etc.) tendo formas geomtricas como Smith prescrevia, eram propostos para desenhar. Finalmente, eram apresentados ornamentos e elementos arquitetnicos em diagrama (portais, arcos, colunas) de diferentes perodos, principalmente barrocos e neocls-sicos. Os ornamentos como motivos para o trabalho em ferro eram tambm usados por Smith. Os elementos arquitetnicos no eram apresentados no seu manual mas foram recomendados por ele no livro Art education: scholastic and industrial.

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    O livro de Ablio Csar Pereira Borges teve, no mnimo, 41 edies e foi usado em escolas pelo menos at 1959. O objetivo do livro, explicitado por ele prprio, era propagar o ensino do desenho geomtrico e educar a nao para o trabalho industrial.

    J os positivistas, atrelados ao evolucionismo, defendiam a idia de que a capacidade imagi-nativa deveria ser desenvolvida na escola atravs do estudo e cpia dos ornatos, pois estes representavam a fora imaginativa do homem em sua evoluo a partir das idades primitivas. No ensino do desenho, portanto, dominava o traado de observao de modelos de ornatos em gesso. Recomendavam que se devia comear pelos baixos-relevos compostos por linhas retas, porque esta composio de ornatos era a mais sumria e correspondia expresso ornamental dos povos primitivos da Oceania e frica, para depois passar para os modelos em curvas e linhas caprichosas encontrveis na decorao de povos mais evoludos, como os ndios perua-nos e mexicanos, e s ento introduzir o alto-relevo representando figuras da fauna e da flora, expresso mais complexa, caractersticas dos gregos no incio de sua histria.

    Como os liberais haviam ganho a corrente positivista durante as lutas pela Reforma Re-publicana na Escola Nacional de Belas-Artes (1890), tambm eles conseguiram impor sua diretriz ao ensino do desenho na escola secundria atravs da reforma educacional de 1901, consubstanciada no Cdigo Epitcio Pessoa. Esta lei transcreve sucintamente as propostas de Rui Barbosa para o ensino do desenho, usando muitas vezes as mesmas palavras dos Pareceres.

    portanto o modelo de Walter Smith, cujos contedos j haviam entrado no circuito da educao brasileira atravs de Ablio Csar Pereira Borges, que a partir de ento teramos imperando nos ginsios brasileiros. So contedos que permaneceram quase imutveis at 1958, atravessando vrias reformas educacionais e ainda h resqucios deles nas aulas de arte. Os exerccios foram preservados atravs dos livros didticos de educao artstica. Em quase todos os livros de educao artstica para o ensino fundamental, editados (dcadas de 1970, 1980 e 1990), ainda encontramos gregas, rosceas, frisas decorativas etc., um remanescente das propostas de Walter Smith consagradas pelo Cdigo Epitcio Pessoa.

    curioso imaginar que a aprendizagem destes elementos decorativos tinha sentido no incio do sculo, j que se pretendia atravs do desenho preparar para o trabalho e a arquitetura era generosa na utilizao de or-

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    natos sobrepostos para cuja criao e execuo as rosceas seriam exer-ccio preparatrio. Por outro lado, as paredes internas das casas ostenta-vam complicadas faixas decorativas em suas pinturas. Ainda mais, estes motivos eram tambm fartamente usados nas artes grficas. Hoje pouco se justifica sua permanncia como exerccio escolar. Alguns voltariam a ter sentido no contexto da ps-modernidade se os autores dos livros didticos tivessem conscincia da recuperao atual de alguns modelos visuais do incio do sculo XX.

    1.3 - O Modernismo

    A Semana de 22, que introduziu o Brasil estrondosamente no Modernismo, no repercutiu de imediato no ensino da arte. Quando a partir de 1927, o ensino da arte volta a ser objeto de discusses isto se deveu principalmente a modernizao educacional.

    Com a crise poltico-social contestatria da oligarquia e a tentativa de instaurao de um regime mais democrtico, uma reflexo sobre o papel social da educao aflora novamente. Desta vez a educao primria e a escola que se tornam o centro das atenes reformistas atravs do movimento que ficou conhecido pelo nome de escola nova. Defendia-se, ento, o mesmo princpio liberal de arte integrada no currculo, ou melhor, de arte na escola para todos. Entretanto, enquanto os liberais tinham como objetivo o ensino dos aspectos tcnicos do de-senho para preparar para o trabalho, a escola nova defendia a idia da arte como instrumento mobilizador da capacidade de criar ligando imaginao e inteligncia.

    Os pressupostos tericos para a valorizao da arte na escola nova foram principalmente inspirados em John Dewey e defendidos por seu ex-aluno Ansio Teixeira e incorporados s Reformas Educacionais do Distrito Federal de Fernando Azevedo e pelas Reformas de At-lio Vivacqua no Esprito Santo, de Carneiro Leo em Pernambuco e Francisco Campos em Minas Gerais.

    As interpretaes diversificadas das idias de John Dewey conduziram a caminhos distintos o ensino da arte no Brasil: observao naturalista; arte como expresso de aula; como intro-jeo da apreciao dos elementos do desenho (deturpada na prtica do desenho pedaggico).

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    Algumas experincias como as de Mrio de Andrade, criando atelis para crianas nos Parques Infantis e na Biblioteca Infantil, quando exerceu a funo equivalente a de Secretrio de Cultura de So Paulo em 1936, ou as classes de arte de Anita Malfatti na Escola Ameri-cana, hoje Mackenzie ou a criao de Escolas de Arte para crianas bem dotadas em arte pelo Jornal A Tarde em So Paulo foram significativas mudanas cuja disseminao foi interrom-pida pelo golpe de Estado que instituiu a ditadura do Estado Novo.

    Com a Ditadura muitos educadores foram perseguidos e uns poucos ex-reformadores se aliaram a ditadura para defender outros interesses, no os da criana.

    1.3.1 Influncia de John Dewey

    Os primeiro escritos de Dewey sobre arte e ensino da arte podem ser classificados como naturalistas, e foram exatamente estes escritos que maior influncia exerceram sobre a arte/educao no Brasil. O divulgador desta fase do pensamento esttico de Dewey foi Nereo Sampaio, um professor de desenho da Escola Normal do Rio de Janeiro. Em 1929, Nereo Sampaio defendeu sua tese de ctedra, intitulada Desenho espontneo das crianas: consideraes sobre sua metodologia, onde enunciava o chamado mtodo espontneo-reflexivo para o ensino da arte, apontando como pressuposto terico as idias de Dewey expressas em The school and society (1974). Neste livro, Dewey recomenda a estimulao dos impulsos naturais da criana para o desenho atravs dos processos mentais de reconhecimento e reflexo. Nereo Sampaio declarava que seu mtodo consistia em deixar a criana se expressar livremente, desenhando de memria e depois faz-la analisar visualmente o objeto desenhado para, em seguida, executar um segundo desenho integrando, neste ltimo, elementos observados do objeto real. O autor tenta resumir em sua tese as idias de Dewey que embasavam seu mtodo.

    John Dewey foi quem, realmente, compreendeu o alto valor educa-tivo da linguagem grfica das crianas. No seu livro A escola e a socie-dade, no captulo sobre a escola e a vida da criana, referindo-se aos vrios interesses ou instintos da criana, abordou a questo do desenho com tal clareza, que o caminho pedaggico ficou nitidamente traado. Depois das palavras de Dewey o problema somente exigia as experin-cias necessrias formao de sua metodologia. Vejamos em resumo o

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    pensamento de Dewey e a orientao que indicou. Diz ele: comum vermos nas crianas o desejo de se expressarem pelo desenho e pela cor. Se nos limitarmos a condescender com esse instinto, deixando que atue indefinidamente, no h procedimento mais acidental. necessrio, me-diante a crtica, as sugestes e as perguntas, excitar a conscincia do que fez e do que deve fazer, porque o resultado ser satisfatrio. Por exemplo, o desenho das rvores convencional: uma linha vertical e os ramos em retas inclinadas sobre a vertical de um e outro lado. Levemos a criana a observar as rvores para compar-las com os desenhos feitos e, assim, examinarem concisamente as condies de representao do seu trabalho. Ento, desenhar rvores observadas e no convencionais, porque a ob-servao obriga ao trabalho combinado da memria e imaginao, pro-duzindo expresses grficas de rvores reais (SAMPAIO, 1929, p. 16-17).

    Nereo Sampaio fez algumas pesquisas, para validar sua metodologia com crianas de es-colas primrias no Rio de Janeiro, conseguindo convencer acerca da eficincia de seu mtodo para desenvolver a qualidade da expresso.

    A Reforma Educacional de Fernando de Azevedo, no Distrito Federal (1929), recebeu di-reta influncia do trabalho e idias de Nereo Sampaio e cristalizou, atravs da recomendao metodolgica explcita, o desenho espontneo, seguido de apreciao naturalista, que vem sendo praticado em nossas escolas at hoje. Como sabemos, a Reforma Fernando de Azevedo teve larga influncia em todo o Brasil atravs do trabalho divulgador da ABE (Associao Brasileira de Educao) e do livro escrito pelo prprio Fernando de Azevedo: A cultura no Brasil.

    Outra iniciativa que muito influenciou a arte-educao brasileira foi a Reforma Francisco Campos (1927-1929) em Minas Gerais. Esta reforma divulgou outra linha de interpretao do pensamento de Dewey sobre ensino da arte, marcadamente a idia de apreciao como processo de integrao da experincia. No foi propriamente o texto geral desta reforma que divulgou esta abordagem, mas principalmente as atividades desenvolvidas para sua implemen-tao por um grupo de professores especialmente contratados da Blgica e de Genebra (Insti-tuto Jean-Jacques Rousseau). curioso que entre os sete professores estrangeiros contratados,

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    duas eram professoras de arte Jeanne Milde3 e Artus Perrelet -, o que demon-strava a importncia dada arte na es-cola pela reforma mineira.

    Artus Perrelet tinha uma orientao metodolgica para o ensino da arte basicamente influen-ciada pelas idias de John Dewey (1936), expressas em Democracia e educao e Affective thought.

    A concepo de desenho de Perrelet como integrao de corpo e mente, experincia e raciocnio, gesto e viso, vida e smbolo, indivduo e meio ambiente, sujeito e objeto, era centrada na idia de integrao orgnica da experincia.

    Esta integrao era proposta por Perrelet em seu livro O desenho a servio da educao (tradu-zido no Brasil em 1930), e, segundo seu mtodo, se dar atravs da apreciao dos elementos do desenho em movimento. A autora propunha, por exemplo, que se levasse a criana a perce-ber a funo da linha curva em seu prprio movimento, ao apanhar uma flor no cho ou car-regar um saco pesado, para depois desenhar o corpo em flexo procurando revelar a expresso da linha sem preocupaes de detalhes. Podemos dizer que ela foi precursora de algumas idias de Rudolf Arnheim4 quando afirmava que o impor-tante na representao grfica no a descrio de detalhes realsticos mas a expresso da linha. O seu livro est repleto de desenhos expressivos, porm muito esquemticos, porque era exatamente libertao da camisa-de-fora da representao realstica que ela procurava levar suas crianas.

    Sua influncia no Brasil se deu a partir dos resultados dos trabalhos das crianas que ela apresenta e no de suas idias. Como o resultado dos trabalhos sob sua orientao era es-quemtico, comeou-se a ensinar s crianas a desenhar esquematicamente, e surgiu nas esco-las o desenho pedaggico que consistia em levar os alunos a copiarem da lousa esquemas de figuras feitos pelo professor.

    3. Sobre Jeanne Milde ver o texto de Patrcia de Paula Pereira, Ensino de arte nos primrdios de Belo Horizonte: a contribuio

    de Jeanne Milde no incio do sculo XX, no livro organizado por

    Ana Mae Barbosa, Ensino da arte: memria e histria, p. 117-134.

    4. Rudolf Arnheim - O livro de Rudolf Arnheim, Arte e percepo visual:

    uma psicologia da viso criadora, es-

    crito em meados do sculo XX, tradu-

    zido no Brasil em 1980 ainda hoje

    uma importante referncia no campo

    da arte e psicologia da percepo.

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    A proposta metodolgica de Perrelet para o ensino do desenho era fundamentalmente a percepo e introjeo apreciativa da funo e expresso dos elementos do desenho. O traado de uma forma era secundrio e fase final de um longo processo de sensibilizao, reflexo e ao, algo semelhante ao que hoje feito nos projetos que procuram relacionar artes visuais e expresso corporal, artes visuais e som etc. No seu livro h o exemplo de um trabalho com ritmo que feito ainda hoje em nossas escolas. Ela pede que as crianas desenhem partituras usando sons recolhidos a partir de pesquisa no meio ambiente e de estados emocionais como alegria, tristeza, etc.

    Figura 1 A figura do livro de Perrelet mostra alguns resultados grficos do estudo do ritmo feito pelas crianas. (PERRELET,1930).

    Atravs de uma deturpao do trabalho desenvolvido por Perrelet, o desenho pedaggico tiranizou a capacidade de criao de nossas crianas durante pelo menos duas dcadas.

    Outra vertente da influncia de Dewey na arte-educao veio de sua idia de arte como ex-perincia consumatria. Identificou-se este conceito com a idia de experincia final, conclu-siva, no s no Brasil, mas tambm nos Estados Unidos, nas Progressive Schools supostamente inspiradas em Dewey.

    A consolidao desta idias veio da Reforma Carneiro Leo, em Pernambuco, mas foi ex-trema, e ainda hoje largamente difundida no Brasil. No livro de Jos Scaramelli (1931), Escola nova brasileira: esboo de um sistema, onde ele d os pressupostos tericos da Reforma Carneiro Leo e muitos exemplos prticos de aulas, a funo da arte est precisamente delineada, invo-cado de arte como experincia consumatria de Dewey.

    De acordo com as descries de Scaramelli, a arte era usada para ajudar a criana a orga-nizar e fixar noes apreendidas em outras reas de estudo. A expresso atravs do desenho e

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    dos trabalhos manuais era a ltima etapa de uma experincia para completar a explorao de um determinado assunto. A idia fundamental era dar, por exemplo, uma aula sobre peixes ex-plorando o assunto em vrios aspectos e terminando pelo convite aos alunos para desenharem peixes e fazerem trabalhos manuais com escamas, ou ainda dar uma aula sobre horticultura e jardinagem e levar as crianas a desenharem um jardim ou uma horta.

    A prtica de colocar arte (desenho, colagem, modelagem, drama-tizao etc.) no final de uma experincia, ligando-se a ela atravs do contedo, vem sendo utilizada ainda hoje na educao infantil e ensino fundamental no Brasil, e est baseada na idia de que a arte pode ajudar a compreenso dos conceitos porque h elementos afetivos na cognio que so por ela mobilizados.

    1.3.2 - Arte para crianas e adolescentes como atividade extracurricular

    no fim da dcada de 1920 e incio da dcada de 1930 que encontramos as primeiras tentativas de escolas especializadas em arte para crianas e adolescentes, inaugurando o fenmeno da arte como atividade extracurricular. Em So Paulo, foi criada a Escola Brasileira de Arte conhecida atravs de Theodoro Braga5 seu mais importante professor. Mas a idia partiu da professora da rede pblica Sebastiana Teixeira de Carvalho e foi patrocinada por Isabel Von Ihering, presidente de uma sociedade benefici-ente, A Tarde da Criana.

    A Escola Brasileira de Arte funcionava em uma sala anexa ao grupo Escolar Joo Kopke e l as crianas das escolas pblicas de oito a catorze anos, com talento (havia provas de de-senho), podiam gratuitamente estudar msica, desenho e pintura. A orientao era vinculada estilizao da flora e fauna brasileiras. Theodoro Braga desenvolvia o que podemos chamar de mtodo art nouveau. Em vrios artigos publicados em revistas e jornais do pas Braga rever-

    5. Theodoro Braga - Theodo-ro Braga artista e educador

    atuante no Par, onde nas-

    ceu em 1872, e em So Pau-

    lo, onde faleceu em 1953.

    Trouxe para o campo do en-

    sino de artes de sua poca

    preocupaes com um ide-

    rio esttico fundamentado na

    cultura brasileira.

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    berava contra o mtodo de copia de estampas e defendia um ensino voltado para a natureza. Tarsila do Amaral em uma entrevista ao Correio da Tarde de 28 de janeiro de 1931 elogia o trabalho de Theodoro Braga e de Anita Malfatti no ensino de arte, conferindo aos dois o mesmo valor.

    Anita Malfatti mantinha cursos para crianas e jovens em seu ateli e na Escola Macken-zie. Tinha uma orientao baseada na livre expresso e no espontanesmo. Com o curso para crianas, criado na Biblioteca Municipal Infantil pelo Departamento de Cultura de So Paulo quando Mrio de Andrade era seu diretor (1936-1938) esta orien-tao comeou a se consolidar.

    A contribuio de Mrio de Andrade6 foi muito importante para que se comeasse a encarar a produo pictrica da criana com critrios investigativos e luz da filosofia da arte. O estudo comparado do espontanesmo e da normatividade do desenho in-fantil e da arte primitiva era o ponto de partida de seu curso de filosofia e de histria da arte, na Universidade do Distrito Federal.

    Por outro lado, o escritor dirigiu uma pesquisa preliminar sobre a influncia dos livros e do cinema na expresso grfica livre de crianas de 4 a 16 anos de classe operria e de classe mdia, alunos dos Parques Infantis e da Biblioteca Infantil de So Paulo. Seus artigos de jor-nal muito contriburam para a valorizao da atividade artstica da criana como linguagem complementar, como arte desinteressada e como exemplo de espontanesmo expressionista a ser cultivado pelo ar-tista. As atividades das escolas ao ar livre do Mxico pa-recem ter influenciado grandemente sua interpretao do desenho infantil e sua atuao cultural. Em sua biblioteca, hoje no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de So Paulo, podemos encontrar revistas mexicanas da poca como a 30:30 e at o catlogo da exposio das Escuelas al Aire Libre do Mxico7 que viajou pela Europa.

    O Estado Novo interrompe o desenvolvimento da Escola Nova, perseguiu educadores e criou o primeiro entrave ao desenvolvimento da arte/educao. Solidificou alguns procedi-mentos antilibertrios j ensaiados na educao brasileira anteriormente, como o desenho

    6. Mrio de Andrade - Sobre a re-lao de Mrio de Andrade com

    a arte/educao ver o texto de

    Rejane Galvo Coutinho, Mrio

    de Andrade e os desenhos infan-

    tis, no livro organizado por Ana

    Mae Barbosa, Ensino da arte:

    memria e histria, p. 157-196.

    7. Escuelas al Aire Libre do Mxico - para saber mais sobre o assunto ver o

    texto de Ana Mae Barbosa, As Escuelas

    de Pintura al Aire Libre do Mxico: liber-

    dade, forma e cultura, no livro organiza-

    do por Analice Dutra Pillar, A Educao

    do Olhar no Ensino de Artes, p. 101-117.

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    geomtrico na escola secundria e na escola primria, o desenho pedaggico e a copia de es-tampas usadas para as aulas de composio em lngua portuguesa.

    o incio da pedagogizao da arte na escola. No veremos, a partir da, por alguns anos, uma reflexo acerca da arte/educao vinculada especificidade da arte, como fizera Mrio de Andrade, e que s o ps-modernismo voltaria a fazer, mas uma utilizao instrumental da arte na escola para treinar o olho e a viso ou seu uso para liberao emocional e para o de-senvolvimento da originalidade vanguardista e da criatividade, esta considerada como beleza ou novidade.

    1.3.3 - Arte para liberao emocional

    precisamente o argumento de que a arte uma forma de liberao emocional, que perme-ou o movimento de valorizao da arte da criana no perodo que se seguiu ao Estado Novo. A partir de 1947, comearam a aparecer atelis para crianas em vrias cidades do Brasil, em geral orientados por artistas que tinham como objetivo liberar a expresso da criana, fazendo com que ela se manifestasse livremente sem interferncia do adulto.

    Trata-se de uma espcie de neo-expressionismo que dominou a Europa e os Estados Uni-dos do ps-guerrra e se revelou com muita pujana no Brasil que acabava de sair do sufoco ditatorial.

    Deste atelis, os dirigidos por Guido Viaro (Curitiba), por Lula Cardoso Ayres (Recife) e por Suzana Rodrigues8 (Museu de Arte de So Paulo) so exemplos significativos. O primeiro existe at hoje com o nome de Centro Juvenil de Arte, mantido pela Prefeitura e continuava, pelo menos nos in-cios de 1990, ltima vez que o visitei, fazendo um timo trabalho. A escola de Lula Cardoso Ayres, criada em 1947, teve curta existncia e sua proposta bsica era dar lpis, papel e tinta criana e deixar que ela se expressasse livre-mente. Seguindo o mesmo princpio, outro pernambucano, Augusto Rodrigues, criou em 1948 a Escolinha de Arte do Brasil (o nome oficial da escola era escolinha e tinha uma conotao carinhosa), que comeou a funcionar nas dependncias de uma biblioteca infantil no Rio de Janeiro.

    8. Suzana Rodrigues - para conhecer a contribuio de Suzana Rodrigues ver o

    texto de Rita Bredariolli, A liberdade como

    mtodo: um projeto moderno em ao

    pioneira de ensino da arte no Museu

    de Arte de So Paulo, no livro organiza-

    do por Ana Mae Barbosa, Ensino da arte:

    memria e histria, p. 197-216.

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    A iniciativa de Augusto Rodrigues, qual estiveram ligados Alcides da Rocha Miranda e Clvis Graciano, logo recebeu a aprovao e o incentivo de educadores envolvidos no movi-mento de redemocratizao da educao como Helena Antipoff e Ansio Teixeira, que retor-nara da Amaznia onde se refugiara da perseguio poltica do Estado Novo e chegara a con-seguir ser um prspero empresrio. Depois que iniciou seus cursos de formao de professores, a Escolinha de Arte do Brasil teve uma enorme influncia multiplicado-ra. Professores, ex-alunos da Escolinha, criaram Escoli-nhas de Arte por todo o Brasil, chegando a haver vinte e trs Escolinhas somente no Rio Grande do Sul, consti-tuindo-se no Movimento Escolinhas de Arte (MEA)9. Usando principalmente argumentos psicolgicos, o MEA tentou convencer a escola comum da necessidade de deixar a criana se expressar livremente usando lpis, pincel, tinta, argila etc.

    Naquele momento parecia um discurso de convencimento no vazio, uma vez que os pro-gramas editados pelas Secretarias de Educao e Ministrio de Educao deveriam ser segui-dos pelas escolas e acabavam tolhendo a autonomia do professor tanto quanto os Parmetros Curriculares Nacionais em Ao de hoje.

    Houve, na poca, uma grande preocupao com a renovao destes programas. Lcio Costa (autor do plano urbanstico de Braslia) foi chamado para elaborar o programa de desenho da escola secundria (1948). Seu programa revela uma certa influncia da Bauhaus, principal-mente na preocupao de articular o desenvolvimento da criao e da tcnica e desarticular a identificao de arte e natureza, direcionando a experincia para o artefato. Este programa nunca foi oficializado pelo Ministrio de Educao e s comeou a influenciar o ensino da arte a partir de 1958.

    Naquele ano, uma lei federal permitiu e regulamentou a criao de classes experimentais. As experincias escolares surgidas nesta poca visavam, sobretudo, investigar alternativas ex-perimentando variveis para os currculos e programas determinados como norma geral pelo Ministrio de Educao. A presena da arte nos currculos experimentais foi a tnica geral.

    Merecem registro as experincias em arte/educao das seguintes escolas: Colgio An-drews (Rio de Janeiro), Colgios de Aplicao (anexos s faculdades de Educao do Rio

    9. Movimento Escolinhas de Arte (MEA) - Ver texto de Fernando Azevedo, Mo-

    vimento Escolinhas de Arte: em cena

    memrias de Nomia Varela e Ana Mae

    Barbosa, no livro organizado por Ana Mae

    Barbosa, Ensino da arte: memria e his-

    tria, p. 217-258.

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    de Janeiro, Pernambuco, Paran etc.), Colgio Nova Friburgo (Rio de Janeiro), Escolas Parque (Salvador e posteriormente Braslia), Centro Educacional Carneiro Ribeiro (Bahia), Escola Guatemala (Rio de Janeiro), SESI (especialmente de Pernambuco), Ginsios Vocacionais (So Paulo)10, Colgio Souza Leo (Rio de Janeiro), Escola Ulysses Pernambucano (Recife), Grupo Escolar Regueira Costa (Recife), Grupo Escolar Manuel Borba (Recife), Ginsios Estaduais Pluricurriculares Experimentais (So Paulo), Escola de Demonstrao dos Centros Regionais de Pesquisas Educacionais, Instituto Capibaribe (Re-cife), etc.

    Estas escolas continuaram a aplicar alguns mtodos renovadores de ensino introduzidos na dcada de 1930, como o mtodo naturalista de observao e o mtodo de arte como expresso de aula, agora sob a designao de arte integrada no currculo, isto , relacionada com outros projetos que incluam vrias disciplinas. Algumas experincias foram feitas, aproveitando id-ias lanadas por Lcio Costa em seu programa de desenho para a escola secundria de 1948.

    Entretanto, a prtica que dominou o ensino da arte nas classes experimentais foi a explo-rao de uma variedade de tcnicas, de pintura, desenho, impresso etc. O importante que no fim do ano o aluno tivesse tido contato com uma larga srie de materiais e empregado uma seqncia de tcnicas estabelecidas pelo professor. Para determinar esta seqncia, os professores se referiam necessidade de se respeitar as etapas de evoluo grfica das crianas. O livro de Viktor Lowenfeld, traduzido imediatamente para o espanhol como Desarollo de la capacidad creadora (traduzido no Brasil no incio da dcada de 1970 como Desenvolvimento da Capacidade Criadora), que estabel-ece as etapas da evoluo grfica, tornou-se ento uma es-pcie de bblia dos arte/educadores de vanguarda. Sylvio Rabello11 um intelectual pernambucano, havia escrito um livro no qual analisava as etapas do desenho da criana, porm passou despercebido pelos arte/educadores. Herbert Read era tambm freqentemente citado, mas pela anlise dos programas vemos que foi raramente utilizado como embasamento terico.

    Nomia Varela, criadora da Escolinha de Arte do Recife e posteriormente, diretora tcnica

    10. Ginsios Vocacionais (So Paulo) - Ver o texto de Ilsa Ka-

    wall Leal Ferreira, As Escolas

    Experimentais de So Paulo

    na dcada de 1960, no livro

    organizado por Ana Mae Bar-

    bosa, Ensino da arte: memria

    e histria, p. 275-292.

    11. Sylvio Rabello - Para conhecer a contri-buio do professor para o ensino da arte

    ver o texto de Rejane Galvo Coutinho,

    Sylvio Rabello: o educador e suas pesqui-

    sas sobre o desenho infantil, no livro orga-

    nizado por Ana Mae Barbosa, Ensino da

    arte: memria e histria, p. 135-156.

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    da Escolinha de Arte do Brasil, por meio dos Cursos Intensivos de Arte/Educao que orga-nizava no Rio, foi a grande influenciadora do ensino da arte em direo ao desenvolvimento da criatividade, que caracterizou o modernismo em Arte/Educao. Trs mulheres fizeram das Escolinhas a grande escola modernista do ensino da arte no Brasil: Margaret Spencer, que criou a primeira Escolinha com o artista plstico Augusto Rodrigues, era uma escultora americana que conhecia as Progressive Schools e o movimento de arte/educao j bastante desenvolvido nos Estados Unidos. A segunda destas mulheres que fizeram a Escolinha foi Lcia Valentim, que assumiu a direo da Escolinha de Arte do Brasil durante uma prolongada viagem de Augusto Rodrigues ao exterior. Influenciada por Guignard de quem foi aluna, imprimiu uma orientao mais sistematizada Escolinha e se desentendeu com Augusto quando este retor-nou ao comando. Entrou em cena, ento, Nomia Varela convidada por Augusto para assumir a direo da Escolinha, passou a ser a orientadora terica e prtica com total responsabilidade pela programao, na qual se inclua o j citado Curso Intensivo em Arte Educao que for-mou toda uma gerao de arte/educadores no Brasil e muitos na Amrica Latina Hispnica.

    A visibilidade de Augusto Rodrigues foi muito maior que a destas trs mulheres, assim como foi maior do que a de sua prpria ex-mulher Suzana Rodrigues, que criou o Clube Infantil de Arte do Museu de Arte de So Paulo no mesmo ano (1948), mas meses antes de Augusto ter criado a Escolinha de Arte do Brasil. Quanto a Margaret Spencer nada mais se soube, ela foi apagada da histria da arte/educao no Brasil. Augusto foi um excelente rela-es pblicas de sua Escolinha, comandada na prtica e orientada teoricamente por essas trs mulheres, das quais Nomia Varela foi a que mais tempo permaneceu, administrando teoria e prtica na Escolinha de Arte do Brasil por mais de vinte anos. Hoje, graas s reconsideraes feministas e s contnuas referncias que Las Aderne e eu sempre fizemos dela aos nossos alunos e alunas, Nomia Varela tem seu merecido lugar na histria do ensino da Arte .

    Augusto Rodrigues, era uma personalidade carismtica, seduzindo pela eloquncia e pela iconoclastia. Frequentemente usava sua expulso da escola como exemplo da ineficcia do siste-ma escolar, pois fora bem sucedido na sociedade apesar da escola, fazendo as jovens professoras, desiludidas do sistema, delirarem. Por outro lado, suas boas relaes com a burguesia ou classe alta protegeu a Escolinha de suspeitas durante a Ditadura Militar no Brasil (1964 1982).

    Alguns livros sobre artes plsticas na escola, escritos por brasileiros, foram publicados nas dcada de 1960 e incios de 1970. Eram, entretanto, redutores, todos eles traziam como n-

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    cleo central a descrio de tcnicas e me parece que a origem desta sistematizao de tcnicas foram as apostilas distribudas pela Escolinha de Arte do Brasil nos anos 1950. As tcnicas mais utilizadas eram lpis de cera e anilina, lpis cera e varsol, desenho de olhos fechados, impresso, pintura dedo, mosaico de papel, recorte e colagem coletiva sobre papel preto, carimbo de batata, bordado criador, desenho raspado, desenho de giz molhado etc.

    Vejamos como era descrita uma destas tcnicas na apostila da Escolinha.

    Desenho com gua sanitria

    Materialpapel de cor escura ou branco anilina gua sanitria palitos de fsforo pincis

    Processo

    Em folha de papel colorida, ou pintada com uma ou vrias cores de anilina, desenha-se com um palito ou caneta molha-dos em gua sanitria. Depois do desenho seco, o local onde passou a gua sanitria fica descolorido, aparecendo ento a linha branca sobre o fundo de cor.

    ObjetivosVisa provocar experincia nova atravs do desenho, aguar a curiosidade para a pesquisa dos materiais e obteno de um desenho bem integrado na superfcie.

    A Lei de Diretrizes e Bases de (1961), eliminando a uniformizao dos programas es-colares, permitiu a continuidade de muitas experincias iniciadas em 1958, mas as idias de introduzir arte na escola comum de maneira mais extensiva no frutificou.

    1.4 - Presses e mudanas: a ditadura de 1964

    A ditadura de 1964 perseguiu professores e escolas experimentais foram aos poucos des-montadas sem muito esforo. Era s normatizar e estereotipar seus currculos tornando-as iguais as outras do sistema escolar. At escolas de educao infantil foram fechadas. A partir da, a prtica de arte nas escolas pblicas primrias foi dominada, em geral, pela sugesto de tema e por desenhos alusivos a comemoraes cvicas, religiosas e outras festas.

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    Entretanto, por volta de 1969, a arte fazia parte do currculo de todas as escolas particulares de prestgio, seguindo a linha metodolgica de variao de tcnicas. Eram, porm, raras as escolas pblicas que desenvolviam um trabalho de arte. Na escola secundria pblica comum, continuou imbatvel o desenho geomtrico com contedo quase idntico ao do Cdigo Epi-tcio Pessoa em 1901.

    Nos fins da dcada de1960 e incio de 1970 (especialmente entre 1968 e 1972), em escolas especializadas em ensino de arte, comearam a ter lugar algumas experincias no sentido de relacionar os projetos de arte de classes de crianas e adolescentes com o desenvolvimento dos processos mentais envolvidos na criatividade, ou com uma teoria fenomenolgica da percep-o, ou ainda com o desenvolvimento da capacidade crtica ou da abstrao e talvez mesmo com a anlise dos elementos do desenho.

    Um certo contextualismo social comeou tambm a orientar o ensino da arte especializada, podendo-se detectar influncias de Paulo Freire na experincia da Escolinha de Arte de So Paulo.

    Algumas escolas especializadas como a Escola de Arte Brasil (So Paulo), Escolinha de Arte do Brasil (Rio de Janeiro), e Escolinha de Arte de So Paulo, Centro Educao e Arte (So Paulo), o NAC Ncleo de Arte e Cultura (Rio de Janeiro) tiveram ao multiplicadora nos fins da dcada de 1960, influenciando professores que iriam atuar ativamente nas escolas a partir de 1971, quando a Educao Artstica se tornou componente obrigatrio nos currculos de 1 e 2 graus e na universidade nos cursos de Educao Artstica e licenciatura em artes plsticas, criados em 1973.

    Hoje pode parecer estranho que uma ditadura tenha tornado obrigatrio o ensino da arte nas escolas pblicas. Contudo, tratava-se de um mascaramento humanstico para uma lei ex-tremamente tecnicista, a 5692, que pretendia profissionalizar os jovens na escola mdia. Como as escolas continuaram pobres, sem laboratrios que se assemelhassem aos que eram operados nas indstrias, os resultados para aumentar a empregabilidade dos jovens foram nulos. Por outro lado, o fosso entre elite e pobreza se aprofundou, pois as escolas particulares continu-aram preparando os estudantes para o vestibular, para a entrada na universidade, embora os currculos apresentassem um discurso comprometido com a formao tcnica, que de fato no vieram acompanhados de polticas para tal formao. Enquanto isso o ensino mdio pblico nem preparava para o acesso universidade nem formava tcnicos assimilveis pelo mercado.

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    No que diz respeito ao ensino da arte, cursos universitrios de dois anos foram criados para preparar professores aligeirados, que ensinassem todas as artes ao mesmo tempo, tornando a arte na escola uma ineficincia a mais no currculo.

    A Reforma Educacional de 1971 estabeleceu um novo conceito de ensino de arte: a prtica da polivalncia. Segundo esta reforma, as artes plsticas, a msica e as artes cnicas (teatro e dana) deveriam ser ensinadas conjuntamente por um mesmo professor da primeira oitava sries do primeiro grau.

    Em 1973, foram criados os cursos de licenciatura em Educao Artstica com durao de dois anos (licenciatura curta) para preparar estes professores polivalentes. Aps este curso, o professor poderia continuar seus estudos em direo licenciatura plena, com habilitao especfica em artes plsticas, desenho, artes cnicas ou msica. Educao Artstica foi a no-menclatura que passou a designar o ensino polivalente de artes plsticas, msica e teatro. O Ministrio de Educao, no mesmo ano (1971), organizou em convnio com a Escolinha de Arte do Brasil, um curso para preparar o pessoal das Secretarias de Educao a fim de orientar a implantao da nova disciplina. Deste curso fez parte um representante de cada Secretaria Estadual de Educao, o qual ficou encarregado de elaborar o guia curricular de Educao Artstica do seu Estado.

    Entretanto, poucos Estados desenvolveram um trabalho de preparao de professores para aplicar e estender as normas gerais e as atividades sugeridas nos guias curriculares. Por outro lado, a maioria dos guias apresentava um defeito fundamental: a dissociao entre objetivos e mtodos que dificultava o fluxo de entendimento introjetado na ao.

    As Secretarias de Estado (educao e/ou cultura) que desenvolveram um trabalho mais efetivo de reorientao e atendimento de professores de educao artstica foram as do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. No , portanto, por acaso que tenham sido possveis, na dcada de 1970, experincias como a da Escola de Artes Visuais e do Centro Educacional de Niteri, no Rio de Janeiro, e em Minas Gerais a do CEAT (Centro de Arte da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte) e a Escola Guignard.

    Em 1977, o MEC, diante do estado de indigncia do ensino da arte, criou o Programa de Desenvolvimento Integrado de Arte Educao - PRODIARTE. Dirigido por Lcia Valen-

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    tim, seu objetivo era integrar a cultura da comunidade com a escola, promovendo o encon-tro do arteso com o aluno e estabelecendo convnios com rgos estaduais e universidades. Nos incios de 1979, dezessete unidades da Federao tinham iniciado a execuo de projetos ligados ao PRODIARTE. Os programas de maior consistncia foram os levados a efeito em 1978 nos Estados da Paraba (convnio com a Universidade Federal da Paraba e Secretaria de Educao), Rio Grande do Sul (convnio com DAC-SEC), Rio de Janeiro (convnio com Es-colinha de Arte do Brasil e SEC-RJ) e Pernambuco (convnio com a Secretaria de Educao).

    Estas propostas tinham sido explicitadas no Primeiro Encontro de Especialistas de Arte e Educao em Braslia pelo MEC e UnB em 1973, organizado por Terezinha Rosa Cruz. Outros encontros de arte/educao se sucederam, girando sempre em torno dos mesmos as-suntos j debatidos naquele ano de 1973, com a vantagem de alargar o nmero de debatedores.

    Um exemplo de sucesso quantitativo, em que se estendeu a um maior nmero de professo-res as perplexidades antes discutidas por um pequeno grupo, foi o 1 Encontro Latino Ameri-cano de Arte Educao que reuniu cerca de quatro mil professores no Rio de Janeiro (1977). Neste encontro, ficou demonstrada a ausncia e a carncia de pesquisas sobre o ensino da arte. As poucas pesquisas existentes eram: uma de carter histrico, financiada pela Fundao Ford e FAPESP (Ana Mae Barbosa) e outra que se resumia a mero recolhimento de depoimentos (IDART So Paulo). A FUNARTE e o INEP chegaram a colaborar com uma percenta-gem mnima de verba para registro, documentao ou descrio sistematizada de algumas experincias intuitivas em arte-educao.

    Apesar do grande nmero de professores, este Encontro evitou a reflexo poltica pois tinha como organizadora a mulher de um poltico extremamente comprometido com a ditadura. S em 1980 um outro encontro enfrentaria as questes polticas da arte/educao. Trata-se da Semana de Arte e Ensino que reuniu no campus da Universidade de So Paulo mais de trs mil professores e resultou no organizao do Ncleo Pro Associao de Arte Educadores de So Paulo.

    So Paulo estava sob o domnio de um poltico de direita, Paulo Maluf, que sugeriu aos professores de artes que passassem o ano treinando seus alunos a cantar algumas msicas para serem apresentadas em um coral de dez mil crianas, acompanhadas por ele ao piano, num es-tdio de futebol, no Natal. Como prmio os professores que preparassem suas crianas teriam cinco pontos de acesso carreira docente, quando um mestrado valia dez pontos.

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    Os arte/educadores se revoltaram, mas a nica associao de classe existente na poca era a Sobrearte (1970) considerada filial da International Society of Education through Art (In-SEA), que no ajudou os professores paulistas, pois alm de circunscrever sua ao princi-palmente ao Rio de Janeiro, era manipulada pela mulher de poltico da ditadura a qual j me referi. A nica soluo foi criar a Associao de Arte Educadores de So Paulo (AESP) que, aliada Associao de Corais, foi vitoriosa na sua primeira luta, conseguindo anular a promessa de maior salrio para os professores que participassem do coral do Maluf no Estdio do Pacaembu. A festa aconteceu mais ningum saiu ganhando, dada a campanha crtica .

    1.5 - Os anos de 1980 e depois: o ps-modernismo

    A Semana de Arte e Ensino fortificou politicamente os arte/educadores e j em 1982/1983 foi criada na Ps-Graduao em Artes a linha de pesquisa em arte/educao na Universidade de So Paulo constando de doutorado, mestrado e especializao, com a orientao de Ana Mae Barbosa. Em breve duas brilhantes ex-alunas, Maria Heloisa de Toledo Ferraz e Regina Machado integraram a equipe, tendo a ltima assumido tambm o curso de especializao. Outra linha de pesquisa em arte/educao veio a ser criada apenas em 1990 na Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul por Analice Dutra Pillar. Nos ltimos anos, outras linhas de pesquisa em ensino de arte foram cria-das em cursos de ps-graduao em artes. No entanto, para atender aos egressos das quase cem licenciaturas em artes o nmero de vagas nas ps-graduaes ainda insuficiente, criando-se um funil na formao dos arte/educadores, o que um contra senso, pois o desenvolvimento do ensino da arte no Brasil muito deve pesquisa gerada nas ps-graduaes. Outro fator que influiu positivamente na qualidade do pensamento sobre o ensino de arte foi a ao poltica desencadeada por vrios congressos e festivais, dentre eles os festivais de Ouro Preto; o Fes-tival de Inverno de Campos de Jordo de 1983, onde primeiro se trabalhou na arte/educao com leitura ou anlise de TV; o Congresso sobre histria do Ensino da Arte, em que primeiro se introduziu oficinas de arte e novas tecnologias na arte/educao (1984); o Simpsio sobre Ensino da Arte e sua Histria (MAC/USP, 1989), assim como a atuao de associaes re-gionais e estaduais reunidas na Federao de Arte Educadores do Brasil, a FAEB.

    Para dar um exemplo da intensidade da produo em arte/educao no Brasil, oitenta pes-quisas foram produzidas para mestrados e doutorados entre 1981 e 1993 e nos ltimos anos

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    este nmero deve ter quintuplicado. Os assuntos so os mais variados e vo desde a preocupa-o com o desenho da criana at experincias com as novas tecnologias.

    Muitas destas pesquisas analisam problemas inter-relacionados com a Proposta Triangular. A Proposta Triangular foi sistematizada a partir das condies estticas e culturais da ps-modernidade. A ps-mod-ernidade em arte/educao caracterizou-se pela entrada da imagem, sua decodificao e interpretaes na sala de aula junto com a j conquistada expressividade.

    Na Inglaterra essa ps-modernidade foi manifesta no critical studies, nos Estados Unidos a mais forte manifestao foi o DBAE. O Disciplined Based Art Education baseado nas disciplinas: es-ttica, histria e crtica, e numa ao, o fazer artstico. O DBAE foi o mais pervasivo dos sistemas contemporneos de arte/educao e vem influenciando todo o mundo, sobretudo a sia.

    No Brasil a idia de antropofagia cultural nos fez analisar vrios sistemas e ressistematizar o nosso que baseado no em disciplinas, mas em aes: fazer ler - contextualizar. Portanto, a Proposta Triangular e o DBAE partem de pressupostos conceituais e metodolgicos diversos, so no mximo paralelos, pois se constituram no que se entende por ps-modernismo na arte/educao.

    O critical studies a manifestao ps-moderna inglesa no ensino da arte, como o DBAE a manifestao americana e a Proposta Triangular a manifestao ps-moderna brasileira, respondendo s nossas necessidades, especialmente a de ler o mundo criticamente. H cor-respondncias entre elas, sim. Mas, estas correspondncias so reflexo dos conceitos ps-mod-ernos de arte e de educao. A Proposta Triangular comeou a ser sistematizada em 1983 no Festival de Inverno de Campos de Jordo, em So Paulo e foi intensamente pesquisada entre 1987 e 1993 no Museu de Arte Contempornea da Universidade de So Paulo e na Secretaria Municipal de Educao sob comando de Paulo Freire e Mrio Cortela.

    Quando em 1997, o Governo Federal, por presses externas, estabeleceu os Parmetros Curriculares Nacionais, a Proposta Triangular foi a agenda escondida da rea de Arte. Nesses

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    Parmetros foi desconsiderado todo o trabalho de revoluo curricular que Paulo Freire de-senvolveu quando Secretrio Municipal de Educao (1989/1990) com vasta equipe de con-sultores e avaliao permanente. Os PCNs brasileiros, dirigidos por um educador espanhol, desistoricizam nossa experincia educacional para se apresentarem como novidade e receita para a salvao da educao nacional. A nomenclatura dos componentes da aprendizagem triangular designados como fazer arte (ou produo), leitura da obra de arte e contextualiza-o foi trocada para produo, apreciao e reflexo (da primeira a quarta sries) ou produo, apreciao e contextualizao (na quinta a oitava sries). Infelizmente os PCNs no esto surtindo efeito e a prova que o prprio Ministrio de Educao editou uma srie designada Parmetros em Ao, que uma espcie de cartilha para o uso dos PCNs, determinando a imagem a ser apreciada e at o nmero de minutos para observao da imagem, alm do dilogo a ser seguido.

    A educao bancria de que Paulo Freire falava ronda a arte/educao hoje no Brasil. Mas, apesar de equivocadas polticas educacionais temos experincias de alta qualidade tanto na escola pblica como na escola privada e principalmente nas organizaes no-governamentais que se ocupam dos excludos, graas a iniciativas pessoais de diretores e de professores e mes-mo de artistas.

    Finalizando

    Como podemos ver neste tpico, a histria sempre contada a partir de um ponto de vista, neste caso, procuramos demonstrar como a histria do ensino da arte no Brasil foi se con-stituindo a partir de apropriaes de modelos estrangeiros, deglutidos e antropofagicamente transformados por nossas necessidades. Desde a instaurao da Academia Imperial de Belas Artes, primeira instituio pblica e formal de formao para as Artes Plsticas no Brasil, at a formalizao da Arte como rea de conhecimento nos Parmetros Curriculares Nacionais, passando pelas diferentes iniciativas do final do sculo XIX e por todo o sculo XX, os mod-elos de ensino da arte foram se tecendo e se sobrepondo, correspondendo as demandas polti-cas e culturais de cada poca. Cada um desses modelos, para bem ou para o mal, se sustentam em concepes de arte e de educao, explcitas ou implcitas. Cabe a ns, educadores de hoje, analisar e avaliar a pertinncia dessas concepes, procurando entender os contextos que as

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    constituem. Como diz Alfredo Bosi,

    Agora, de minha parte, eu continuo achando que, na histria, o antes vem antes do depois. Existe certa experincia cumulativa pelo tempo (...).

    E, se voc no conhece esse fluxo que vem do passado, fica parecendo que cada gerao, digamos, inventou a roda. Voc no sabe porque certos temas voltam, e voltam de maneira diferente. Voc fica sem apoios de compara-o quando seu estudo todo assim fragmentado (BOSI, 2010, p. 14).

    Fica para vocs a tarefa de mapear nesta histria a sua prpria histria de formao!

    ARTE EDUCAO EDUCAO GERAL

    1550 1800

    Barroco ensinado em oficinas atravs do trabalho

    1550 1808

    Dominao jesutica

    1808-1870

    Influncia Francesa

    Fundao da Academia Imperial de Belas Artes

    Neoclassicismo

    Exerccios de cpias

    1808-1870

    Colgio Pedro II

    Modelo ingls para as escolas secundrias brasileiras

    1870-1914

    Ensino do desenho na educao popular,

    Educao para o trabalho

    Walter Smith

    Rui Barbosa

    1870-1914

    Partido Republicano

    Liberalismo versus Positivismo

    Reforma 1901

    Incio da influncia americana (escola dos missionrios)

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    21914-1927

    Pedagogia experimental

    Estudo das caractersticas do desenho infantil

    Incio da livre expresso da criana

    1914-1927

    Pedagogia experimental

    A escola voltada para a criana

    Laboratrios de pesquisas nas Escolas Normais

    1927-1935

    A modernidade

    Mrio de Andrade

    Anita Malfatti

    Influncias de John Dewey a arte como experincia

    Primeiros livros sobre o desenho infantil

    1927-1935

    O Movimento Escola Nova democratizao

    Reformas estaduais

    Escola Normal

    Educao infantil

    Adaptao dos modelos de Dewey, Decroly, Claparde

    1935-1948

    Perodo de retorno e diluio das propostas anteriores

    Esteretipos na sala de aula

    Trabalhos manuais

    Msica e canto orfenico

    1935-1948

    Ditadura de Getlio Vargas afasta grupo de lderes da Escola Nova

    1948-1958

    Supervalorizao da Arte como livre expresso

    Escolinha de Arte do Brasil

    Herbert Read e

    Viktor Lowenfeld

    1948-1958

    Redemocratizao

    Voltam alguns princpios da Escola Nova

    SENAC, SENAI, SESI

    1958-1963

    Classes experimentais com Arte

    1958-1963

    Paulo Freire

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    2UnB LDB 1961

    Organizaes populares, de classe e estudantis

    1964-1978

    Educao Artstica

    Curso Polivalente nas Universidades para formar professores

    1964-1978

    Regime militar-represso

    LDB 1971

    Educao profissionalizante de cunho tecnicista

    1980-1990

    Crticas s prticas anteriores

    Criao das associaes de professores de Arte

    Encontros nacionais e internacionais

    Reformas nos cursos universitrios

    Ps-Graduao na USP

    1980-1990

    Pedagogia sociopoltica

    Estudos tericos crticos

    Escola Pblica competente

    1990

    Proposta Triangular

    PCNs ARTE como disciplina

    Arte como conhecimento

    1990

    Construtivismo

    O conhecimento se constri na relao =

    Aluno professor - processos sociais

    Figura 2 - Marcos histricos do ensino de Arte (baseado em BARBOSA, 2001, p. 41-43)

    Ampliando o conhecimento

    Para complementar e aprofundar o percurso histrico que apresentamos nesta unidade, sugerimos a leitura dos seguintes livros de Ana Mae Barbosa:

    Ensino da Arte: memria e histria. So Paulo: Perspectiva, 2008.

    Este livro foi organizado por Ana Mae Barbosa e conta com o resultado de doze pes-quisas que mapeiam importantes contribuies para a histria do ensino da arte que vo do ensino de arte jesutico aos dias de hoje, mas principalmente discute o per-

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    odo modernista da arte/educao. Encontram-se captulos sobre alguns personagens que participaram desta nossa histria, como: Jeanne Milde, Sylvio Rabello, Mrio de Andrade e Nomia Varela. Anlises de como o projeto moderno de ensino da arte foi sendo apropriado a partir de experincias renovadoras tanto na educao formal quan-to em atividades extracurriculares. Os captulos deste livro aprofundam os tpicos apresentados no texto deste nosso material. A leitura, alm de trazer pontos de vista variados, pois so escritos por diferentes pesquisadores, prazerosa e rica de possibi-lidades de desdobramentos para aqueles que gostam de histria, cada captulo encerra apontando sugestes de pesquisas, timas dicas para trabalhos de final de curso!

    Arte-Educao no Brasil: das origens ao modernismo. So Paulo: Perspectiva, 1986.

    O livro analisa as complexas relaes culturais que influenciaram o ensino da arte nas escolas brasileiras, desde a chegada ao nosso pas da Misso Francesa at a ecloso do Modernismo. Esta leitura importante porque desnuda com esprito critico as idias filosficas, econmicas, sociais, artsticas e educacionais, ou seja, os propsitos e fi-nalidades determinantes da educao artstica do perodo em questo.

    John Dewey e o ensino da Arte no Brasil. So Paulo: Cortez, 2001.

    Este livro uma edio revisada e aumentada do Recorte e colagem: influncia de John Dewey no ensino da arte no Brasil (1982). Nesta reviso a autora refora a im-portncia das idias de Dewey para o ensino da arte na contemporaneidade. O livro analisa as diferentes interpretaes dos conceitos do filsofo no contexto das reformas educacionais da dcada de 1930 no Brasil. A leitura nos conduz a compreenso de como algumas idias sobre a expresso grfica da criana passaram a fazer parte do iderio educacional como normas, idias que levam a proposies didticas que esto profundamente entranhadas nas prticas escolares de hoje. Importante para avaliar processos de interpretao e apropriao de modelos, para pensar sobre como podem ser relativos os processos de normatizao de conceitos no campo educacional.

    Referencias bibliogrficas

    [textos, artigos, livros e sites utilizados na elaborao da unidade]

    BARBOSA, A. M. Ensino da arte: memria e histria. So Paulo: Perspectiva, 2009.

    BARBOSA, A. M. As Escuelas de Pintura al Aire Libre do Mxico: liberdade, forma e cultura,

    In: PILLAR, A. D. A educao do olhar no ensino de artes. Porto Alegre: Mediao, 1999. p. 101-

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    BARBOSA, R. Reforma do ensino secundrio e superior: 1882. Rio de Janeiro: Ministrio da

    Educao e Sade, 1941. (Obras Completas, v.9, t.1).

    ______. Reforma do ensino primrio: 1883. Rio de Janeiro. Ministrio da Educao e Sade,

    1947. (Obras Completas, v.10, 4 tomos).

    BORGES, A. C. P. Geometria popular. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1959.

    DEWEY, J. Democracia e educao. Traduo de Godofredo Rangel e Ansio Teixeira. So Pau-

    lo: Cia. Editora Nacional, 1936.

    ______. Affective thought in logic and painting, In: ARCHAMBAULT, R. D. (Ed.). John

    Dewey on education. Chicago: University of Chicago, 1974. p. 141-148.

    ______. The school and society. In: ARCHAMBAULT, R. D. (Ed.). John Dewey on education.

    Chicago: University of Chicago, 1974. p. 259-310.

    PERRELET, L. A. O desenho a servio da educao. Rio de Janeiro: Villas-Boas, 1930.

    POMPIA, R. O ateneu. So Paulo: Melhoramentos, 1997.

    SAMPAIO, N. Desenho espontneo das crianas: consideraes sobre sua metodologia. Rio de

    Janeiro: [S. n.], 1929.

    SCARAMELLI, J. Escola nova brasileira: esboo de um sistema. So Paulo: Livraria Zenith,

    1931.

    SMITH, W. Art education: scholastic and industrial. Boston: Osgood & Co., 1872.

    ______. Teacherss manual of freehand drawing. Boston: Prang, 1874.

    Bibliografia consultada

    BARBOSA, A. M. Teoria e prtica da educao artstica. So Paulo: Cultrix, 1975.

    ______. Arte educao no Brasil. So Paulo: Perspectiva, 1978.

    ______. Arte-Educao: conflitos/acertos. So Paulo: Max Limonad, 1984.

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    ______ (Org.). Histria da Arte-Educao. So Paulo: Max Limonad, 1986.

    ______. Arte-Educao: leitura no subsolo. So Paulo: Cortez, 2000.

    ______. A imagem no ensino da arte: anos 80 e novos tempos. So Paulo: Perspectiva, 2009.

    ______. Tpicos utpicos. Belo Horizonte: Com/Arte, 1998.

    ______. John Dewey e o ensino da arte no Brasil. So Paulo: Cortez, 2001.

    ______ (Org.). Arte/Educao contempornea. So Paulo: Cortez, 2005.

    ______ (Org.). Ensino da arte: memria e histria. So Paulo: Perspectiva, 2008.

    BARBOSA, A. M.; SALES, H. M. (Org.). O ensino da arte e sua histria. So Paulo: MAC-

    -USP, 1990.

    FERRAZ, M. H.; FUSARI, M. F. Metodologia do ensino da arte. So Paulo: Cortez, 1993.

    FUSARI, M. F.; FERRAZ, M. H. A arte na educao escolar. So Paulo: Cortez,1992.

    PILLAR, A. D. (Org.). A educao do olhar no ensino das artes. Porto Alegre: Mediao, 1999.

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    2. Concepes e tendncias formativas

    Nesta unidade, vamos fazer um esforo para depreender da histria do ensino da arte as principais concepes e tendncias formativas. um esforo de abstrao, pois sabemos que os modelos formativos surgem em condies socioculturais, econmicas e pedaggicas particula-res. Ademais, como vimos no percurso histrico, no processo de apropriao os modelos con-vivem e se mesclam uns com os outros. Apesar de saber das dificuldades e da limitao desta tarefa de abstrao, acreditamos que vale a pena nomear cada modelo e buscar compreender os fundamentos pedaggicos, estticos e culturais que os justificam. A proposta ordenar as idias para que cada um de ns se situe de maneira mais consciente na construo histrica, esclarecendo como estamos atuando e como queremos construir essa nossa histria. ne-cessrio que seja assim, pois sabemos que detectar os fundamentos e analisar as conseqncias de nossas prticas a melhor maneira de aprender a ser crticos com o que fazemos e assim, consequentemente, melhorar nossa ao docente.

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    REFERENCIAIS

    Nesta tarefa, vamos nos apoiar em pesquisadores que estudaram os modelos formativos de ensino de artes. Maria de Rezende Fusari e Maria Heloisa Ferraz no incio da dcada de 1990 publicaram juntas o Arte na Educao Escolar onde apresentam e analisam as tendn-cias pedaggicas a partir de perspectivas filosficas e educacionais. Imanol Aguirre, pesquisa-dor espanhol, em seu livro mais recente publicado em 2005, Teoras y Prcticas en Educacin Artstica, faz uma anlise aprofundada e sistemtica dos modelos predominantes, partindo das concepes de arte como saber, arte como expresso, arte como linguagem e arte como sistema cultural. Com nossa experincia como docente e formadora teceremos estas referncias com as informaes histricas, apresentando inicialmente os modelos fundadores e no final da uni-dade consideraremos as perspectivas contemporneas.

    O primeiro tpico trata da pedagogia tradicional que fundamenta a histria da educao, ver-emos sua relao com as aulas de artes a partir da concepo de arte como um saber institudo. Este modelo, como vimos na unidade anterior, se introduz no Brasil com a Academia de Belas Artes e permanece ainda ativo, sobretudo, nos cursos universitrios, onde nos formamos professores.

    A concepo de arte como expresso vai ser tratada no segundo tpico. Esta idia perpassa grande parte das proposta do perodo Modernista, das reformas educacionais baseadas na Escola Nova s experincias de artes para crianas e adolescentes como atividades extracur-riculares. Sob esta concepo se institui no Brasil o Movimento de Arte/Educao que divulga entre ns a idia da livre-expresso, tantas vezes distorcida e mal compreendida.

    A arte como linguagem analisada no terceiro tpico. Uma concepo que chegou tardia-mente ao Brasil tendo se instalado com conforto nos cursos tcnicos e universitrios de forma-o artstica de tendncia mais funcionalista, como cursos de comunicao visual. Merece uma avaliao atenciosa, pois a idia de arte como linguagem frequetemente usada em documen-tos e currculos escolares, sem uma clara definio do que se entende por linguagem e onde se situam os pressupostos de tal entendimento.

    No quarto tpico apresentamos os fatores que impulsionam as proposies ps-modernas de ensino de artes, como a educao para a cultura visual e a Proposta Triangular. O atual currculo de Artes da Secretaria de Estado de Educao se inclui entre estas proposies. A ideia compreender o contexto onde se assentam as propostas que vamos estudar de forma detalhada ao longo do curso.

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    Como j alertamos, faremos aqui um grande exerccio de abstrao, pois difcil encontrar um professor ou professora que use apenas um desses modelos em sua prtica pedaggica. O mais comum encontrarmos um modelo mesclado com outro e mais outro. Entretanto, ao buscar as caractersticas de cada um, seus fundamentos estticos e epistemolgicos, seus obje-tivos formativos, as estratgias metodolgicas mais comuns, avaliando sua atualidade, suscita-remos o debate sobre o devir do ensino de arte, como sugere Imanol Aguirre.

    2.1 - Arte como um saber e a pedagogia tradicional

    A pedagogia tradicional introduzida no Brasil no ensino da arte com a Academia de Belas Artes no sculo XIX, percorre todo sculo XX e permanece ativa ainda hoje, sobretudo, nos cursos universitrios, onde nos formamos professores. Carrega uma concepo idealista de educao que induz a acreditar que os indivduos so libertados pelos conhecimentos ad-quiridos na escola e podem, por isso, organizar com sucesso uma sociedade mais democrtica (FUSARI; FERRAZ, 1991, p. 22-23). Creditar educao e ao conhecimento um poder to determinante uma atitude ingnua e pouco crtica. O sistema educacional um dos sistemas que compem a sociedade, um sistema entre outros, dependente portanto de uma vasta rede de interesses e valores.

    A idia de um conhecimento adquirido j revela uma concepo de educao pautada em va-lores institudos, como um capital simblico, usando aqui a terminologia de Pierre Bourdieu. No campo do ensino da arte, a partir desta concepo o valor do capital simblico se define pelo valor do objeto artstico, valor esse predefinido pelas instituies que regem o prprio campo da arte. Portanto, esta uma concepo que visa a manuteno e reproduo de um sistema elitista.

    Imanol Aguirre nomeia esta concepo de logocentrista, ou seja, um modelo pedaggico que coloca no centro da ao educativa o prprio fato artstico e seus produtos (o conheci-mento), de forma que seu objetivo principal consiste em dotar os indivduos de ferramentas e conhecimentos precisos para conhecer e produzir tais artefatos (AGUIRRE, 2005, p. 205).

    Os fundamentos didticos que sustentam esta concepo, reforam a importncia da au-toridade do professor, aquele que detm o conhecimento, e se ampara no valor formativo do prprio modelo. Acredita que o processo de aquisio dos conhecimentos se d atravs de

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    elaboraes puramente mentais. So prticas que no levam em conta os aspectos sensoriais e emocionais, so apartadas da vida cotidiana dos sujeitos implicados no ato educativo. A con-figurao espacial e fsica de nossas escolas revelam ainda muito dessa concepo.

    No campo do ensino da arte a pedagogia tradicional se associa a teoria esttica mimtica que pressupe regras e princpios universais. Tem como fundamento metodolgico a imitao e a progresso das dificuldades para a aquisio da perfeio tanto das formas como da destre-za para executar tais formas. associada ao padro de beleza neoclssico e se fundamenta na historiografia da arte construda desde o Renascimento.

    Todas as prticas advindas do ensino divulgado pela Academia de Belas Artes e tambm pelo Conservatrio de Msica no sculo XIX se pautam neste modelo que se tornou tambm