elogio aos errantes

26
CORPOS E CENÁRIOS CORPOS E CENÁRIOS CORPOS E CENÁRIOS CORPOS E CENÁRIOS CORPOS E CENÁRIOS URBANOS URBANOS URBANOS URBANOS URBANOS T erri tórios urbanos e pot i c as c ul t ura is H e nri Pi erre Je udy Paol a B ere nst e i n Ja c qu es Organi zação

Upload: fernanda-stenert

Post on 25-Nov-2015

25 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • CORPOS E CENRIOSCORPOS E CENRIOSCORPOS E CENRIOSCORPOS E CENRIOSCORPOS E CENRIOSURBA N OSURBA N OSURBA N OSURBA N OSURBA N OS

    Territrios urbanos epolticas culturais

    Henri Pierre JeudyPaola Berenstein Jacques

    Organizao

  • 2006 by by autores.

    Direitos para esta edio cedidos EDUFBA. Feito o depsito legal.

    Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, sejam quais foremos meios empregados, a no ser com a permisso escrita do autor edas editoras, conforme a Lei n 9610 , de 19 de fevereiro de 1998 .

    CapaRosa RibeiroPaola Berenstein Jacques

    Projeto Grfico e Arte FinalGabriela Nascimento

    TraduoRejane Janowitzer

    Reviso TcnicaLilian Fessler Vaz

    RevisoTnia de Arago BezerraMage l Castilho de CarvalhoVera Paiva

    C 8 2 2 Corpos e cenrios urbanos : territrios urbanos e polticas culturais / [Organizadores]:Henri Pierre Jeudy e Paola Berenstein Jacques ; [textos : Henri Pierre Jeudy,Patrick Baudry . . . [et al.] ; traduo : Rejane Janowitzer ; reviso tcnica : LlianFessler Vaz. - Salvador : EDUFBA ; PPG-AU/FAUFBA, 2006 .182 p .

    Inclui ndices.ISB N 8 5-2 3 2-0 4 1 1-3

    1 . Cidades e vilas - Me lhoramentos pblicos. 2 . Embe lezamento urbano.3 . Renovao urbana . 4 . Administrao cultural. 5 . Arquitetura - Esttica .I. Jeudy, Henri Pierre . II. Baudry, Patrick .

    CDU - 711 .4CDD - 712 .2

    B iblioteca Central Reitor Macdo Costa - UFBA

    Beneficirio de Auxlio F inanceiro da CAPES

  • Sumrio

    Introduo 7Henri-Pierre Jeudy e Paola Berenstein Jacques

    I Metamorfoses do urbano

    Reparar: uma nova ideologia cultural e poltica? 13Henri-Pierre JeudyO urbano em movimento 25Patrick BaudryA acumulao primitiva do capital simblico 39Ana Clara Torres RibeiroCidades e Cultura: rompimento e promessa 51Ana Fernandes

    II Territrios culturais: Ruses e intervenes

    Cidade e culturas 67Mait ClavelTerritrios culturais do Rio 75Lilian Fessler Vaz e Paola Berenstein JacquesProjetos urbanos culturais na cidade do Rio de Janeiro 93Carmen Beatriz SilveiraRuses urbanas como saber 105Alessia de B iase

    III Corpos e imagens urbanas

    Elogio aos errantes 117Paola Berenstein JacquesPercepes corporais do mundo urbano 141Aurlie ChneVitrines e espelhos 153Laetitia DevelPanorama de imagens urbanas 165Adriana Mattos de Cala

  • CORPOS E CENRIOS URBANOS 117

    Elogio aos Errantes:a arte de se perder

    na cidade1

    Paola Berenstein Jacques

    No poder orientar-se em uma cidade no significa grandecoisa. Mas se perder em uma cidade como quem se perde

    em uma floresta requer toda uma educao.Walter Benjamin

    Errar enquanto experincia urbanaNeste ensaio tentarei observar sobretudo o que est a princpio

    fora, ou margem, do urbanismo enquanto campo disciplinar. Meinteresso ao que escapa ao urbanismo e aos projetos urbanos em geral,ao que est fora do controle urbanstico2 e, em par ticular, as errnciasurbanas, ou seja, um tipo especfico de apropriao do espao pblico,que no foi pensado nem p lane jado pe los urban istas ou ou trosespecialistas do espao urbano. Se anteriormente3 sugeri a possibilidadede um arquiteto urbano, que na verdade no seria um tipo ou categoriade arquiteto especfico, mas sim uma postura com relao arquiteturae, principalmente, com o outro na cidade ou com o que chamei dealteridade urbana, agora a minha preocupao principal estaria no quechamei de estado de esprito errante, ou melhor, um estado de corpoerrante, ou ainda, seguindo a maneira de pensar de Deleuze e Guattari,de um devir errante, que no caso mais extremo e especfico, seria o devir

  • 118 CORPOS E CENRIOS URBANOS

    errante do prprio urbanista (ou de qualquer outro especialista urbano),aquele que tambm poderia, paradoxalmente, ser chamado de urbanistaerrante.

    O urbanista errante que, como no caso do arquiteto urbano, seriasobretudo uma postura com relao ao urbanismo enquanto disciplina eprtica seria aque le que busca o estado de esprito errante , queexperimenta a cidade atravs das errncias, que se preocupa mais com asprticas, aes e percursos, do que com as representaes grficas,planificaes ou projees, ou seja, com os mapas e planos, com o cultodo desenho e da imagem. O urbanista errante no v a cidade somentede cima, em uma representao do tipo mapa, mas a experimenta dedentro, sem necessariamente produzir uma representao qualquer destaexperincia. Esta postura com relao apreenso e compreenso dacidade por si s j constitui uma crtica com relao tanto aos mtodosmais difundidos da disciplina urbanstica como o diagnstico, baseadoprincipalmente em bases de dados estatsticos, objetivos e genricos quanto prpria espetacularizao urbana contempornea.

    Tanto os mtodos de anlise contemporneos das disciplinas urbanasquanto o que poderia ser visto como um de seus resultados projetuais, acidade-espetculo4, se distanciam cada vez mais da experincia urbana,da prpria vivncia ou prtica da cidade. Errar poderia ser um instrumentodesta experincia urbana para o urbanista errante , uma ferramentasubjetiva e singular, ou seja, o contrrio de um mtodo5 ou de umdiagnstico tradicional e, assim, o devir errante do urbanista poderia servisto como o contrrio de um modelo6 urbanstico. A errncia urbana seriauma apologia da experincia da cidade, que poderia ser praticada porqualquer um. A questo central do devir errante do urbanista tambmestaria na experincia ou prtica urbana ordinria, diretamente relacionadacom a questo do cotidiano.

    Michel de Certeau, em seu livro Linvention du quotidien, nos faladaqueles que experimentam a cidade, que a vivenciam de dentro, ouembaixo, como ele diz, se referindo ao contrrio da viso area, doalto, dos urbanistas atravs dos mapas. Ele os chama de praticantesordinrios das cidades, e dedica um captulo ao Andar pela cidade, o

  • CORPOS E CENRIOS URBANOS 119

    que ele considera a forma mais elementar desta experincia urbana.Vrios autores tratam da questo do andar, em particular do andar nacidade, talvez Balzac com a sua Thorie de la dmarche tenha sido umdos prime iros a tratar do tema , cer tamente a questo do andar significativa e est relacionada com a errncia, mas o errante urbanovai alm da questo do andar para chegar na experincia do percurso,do percorrer, do deslocamento urbano, que pode tambm se dar poroutros meios. De Certeau nos mostra que h um conhecimento espacialprprio desses praticantes, ou uma forma de apreenso, que ele relacionacom um saber subjetivo, ldico, amoroso.

    embaixo, ao contrrio, a partir dos limites onde termina a visibilidade ,que vivem os praticantes ordinrios da cidade . Forma elementar dessaexperinc ia , e les so os andari lhos, Wandersmanner, cu jo corpoobedece as plenitudes e discontinuidades de um texto urbano que elesescrevem sem poder ler. Esses praticantes brincam com os espaosque no so vistos; eles tm um conhecimento to cego do espaoquanto no corpo a corpo amoroso. Os caminhos que aparecem nessesencontros, poesias tiradas de cada corpo um e lemento assinadoentre vrios outros, que escapam da lisibilidade . Tudo acontece comose uma cegueira caracterizasse as prticas organizadoras da cidadehabitada. (t.d.a. , grifo nosso)

    Esta cegueira de que fala De Certeau seria exatamente o que garanteum outro conhecimento do espao e da cidade. O estado de esprito errantepode ser cego, j que imagens e representaes visuais no so maisprioritrias para a experincia. Para o errante, so sobretudo as vivncias eaes que contam, as apropriaes com seus desvios e atalhos, e estasno precisam necessariamente ser vistas, mas sim experimentadas, comtodos os outros sentidos corporais. A cidade lida pelo corpo e o corpoescreve o que poderamos chamar de uma corpografia7. A corpografiaseria a memria urbana no corpo, o registro de sua experincia da cidade.A imagem espetacular, ou o cenrio, s necessita do olhar. A cidade habitadaprecisa ser tateada, assim como esta possui sons, cheiros e gostos prprios,que vo compor, com o olhar, a complexidade da experincia urbana.Essa experincia da cidade habitada, da prpria vida urbana, revela oudenuncia o que o projeto urbano exclui, pois mostra tudo o que escapa aoprojeto, as micro prticas cotidianas do espao vivido, ou se ja , as

  • 120 CORPOS E CENRIOS URBANOS

    apropriaes diversas do espao urbano que escapam das disciplinasurbansticas hegemnicas, mas que no esto, ou melhor, no deveriamestar, fora do seu campo de ao.

    Os praticantes das cidades atualizam os projetos urbanos, e o prpriourbanismo, atravs da prtica dos espaos urbanos. Os urbanistas indicamusos possve is para o espao proje tado, mas so aque les que oexperimentam no cotidiano que os atualizam. So as apropriaes eimprovisaes dos espaos que legitimam ou no aquilo que foi projetado,ou seja, so essas experincias do espao pelos habitantes, passantesou errantes que reinventam esses espaos no seu cotidiano. De Certeaufaz uma distino entre o lugar, a princpio estvel e fixo, e o espao,instvel e em movimento. Podemos consider-los enquanto uma relaoe, assim, seria a inscrio do corpo do praticante em movimento nolugar que o transformaria em espao, ou como De Certeau mesmoescreveu: o espao o lugar praticado. Assim, a rua geometricamentedefinida pelo urbanismo transformada em espao pelos andarilhos(praticantes). A distino entre esses termos por vrios autores (espao,lugar ou ainda territrio) no to relevante aqui, j que o que interessa a prpria ao, prtica ou experincia da cidade, ou seja, o que, mesmode fora ou da margem, transforma, realiza ou atualiza, as intervenesplanejadas e os projetos urbanos.

    De Certeau cita ainda Merleau Ponty em Phenomenologie de laperception: existem tantos espaos quanto experinc ias espac ia isdistintas. De fato, a experincia urbana pode se dar de maneiras bemdiferentes o que podemos notar ao longo do histrico das errnciasurbanas mas possvel se observar trs caractersticas, ou propriedades,mais recorrentes nas experincias de errar pela cidade, e que estodiretamente relacionadas: as propriedades de se perder, da lentido e dacorporeidade. Talvez a caracterstica mais evidente da errncia seja aexperincia de se perder, ou como to bem disse Walter Benjamin, daeducao do se perder.

    Enquanto o urbanismo busca a orientao atravs de mapas eplanos, a preocupao do errante estaria mais na desorientao, sobretudoem deixar seus condicionamentos urbanos, uma vez que toda a educao

  • CORPOS E CENRIOS URBANOS 121

    do urbanismo est voltada para a questo do se orientar, ou seja, ocontrrio mesmo do se perder8. Em seguida, pode-se notar a lentidodos errantes, o tipo de movimento qualificado dos homens lentos, quenegam, ou lhes negado, o ritmo veloz imposto pela contemporaneidade.E por fim, a prpria corporeidade destes, e, sobretudo, a relao, oucontaminao, entre seu prprio corpo fsico e o corpo da cidade que sed atravs da ao de errar pela cidade. A contaminao corporal leva auma incorporao, ou seja, uma ao imanente ligada materialidadefsica, corporal, que contrasta com uma pretensa busca contemporneado virtual, imaterial, incorporal. Esta incorporao acontece na maiorparte das vezes quando se est perdido e em movimento lento. As trspropriedades podem se dar em ordens e intensidades variadas, masestas se relacionam mesmo que de formas variadas e, assim, caracterizama errncia.

    Franco La Cecla, em seu livro Perdersi trata da relao entre o seperder e uma conseqente reinveno das referncias espaciais daqueleque se perde, ou seja, ele adianta a hiptese de que se perder levaria aum estado sensorial que possibilita uma outra percepo do espao.Porm, o autor parece mais interessado no ps-perder-se do que noprprio momento em que se est perdido, uma vez que a sua questocentral est na idia de mente local, que seria uma reorientao noespao que se segue ao estado de desorientao. O errante vai almdisso, pois este seria aquele que consegue se perder mesmo na cidadeque mais conhece, que erra o caminho voluntariamente, e atravs doerro (e da errncia que este erro provoca) realiza uma apreenso oupercepo espacial diferenciada da sua prpria memria local. Perder-seno lugar conhecido uma experincia mais difcil, porm bem mais rica,do que a desorientao no espao totalmente desconhecido.

    Neste livro se perder significa a distrao episdica ou crnica decomo somos atingidos nas relaes com o ambiente que nos circunda.A tese das pginas que se seguem a de que: quanto menos intervimosno nosso entorno menos somos capazes de nos orientarmos neste .Porque se orientar, no sentido mais amplo e originrio, um atividadede conhecimento dos lugares e das organizaes destes em uma tramade refernc ias visve is ou no. [. . .] O processo do se perder ao se

  • 122 CORPOS E CENRIOS URBANOS

    orientar a condio de se ambientar que semeia histrias pessoais ecole t ivas, uma at ividade que neste l ivro chamada mente local.(traduo Alessia de B iase)

    Neste processo, que vai do se perder ao se (re)orientar, podemosidentificar trs relaes espao-temporais (temporalidades) distintas :orientao, desorientao e reorientao. Estas idias tambm estopresentes no pensamento rizomtico de Deleuze e Guattari, principalmentea travs das noes de terr i tor ia l izao , des terr i tor ia l izao ereterritorializao. O desterritorializar seria o momento de passagem doterritorializar ao reterritorializar. O interesse do errante estaria precisamenteneste momento do desterritorializar, ou do se perder, este estado efmerode desorientao espacial, quando todos os outros sentidos, alm da viso,se aguam possibilitando uma outra percepo sensorial. A possibilidadedo se perder ou de se desterritorializar est implcita mesmo quando seest (re) territorializado, e a busca desta possibilidade que caracteriza oerrante. Podemos fazer uma aproximao entre o errante e o nmade9

    caracterizado por Deleuze e Guattari:

    Se o nmade pode ser chamado de o Desterritorializado por excelncia, justamente porque a reterritorializao no se faz depois, como nomigrante , nem em outra coisa, como no sedentrio. Para o nmade ,ao contrrio, a desterritorializao que constitui sua relao com aterra, por isso ele se reterriorializa na prpria desterritorializao.

    Enquanto os errantes buscam a desorientao, a desterritorializao, ese reterritorializam atravs da prpria prtica da errncia, os urbanistas e asdisciplinas urbansticas em geral buscam, na maioria das vezes, a orientaoe a territorializao, e assim, tentam anular a prpria possibilidade de se perdernas cidades10. Gianni Vattimo escreve na introduo do livro de La Cecla:Assim, sobretudo o contrrio: o que se perde no espao homologado eplanejado da cidade industrial moderna a prpria possibilidade de se perder,ou seja, de se fazer essa experincia de desorientao e de uma eventualreintegrao que parte constituinte da existncia. A prpria propriedade dese perder seria uma das maiores caractersticas do estado de esprito errante,esta propriedade diretamente associada a outra, tambm relativa ao

  • CORPOS E CENRIOS URBANOS 123

    movimento: a lentido. Quando estamos perdidos, quase automaticamentepassamos para um movimento do tipo lento, uma busca de outras refernciasespao-temporais, mesmo se estivermos em meios rpidos.

    Para De leuze e Guattari , a lentido no seria , como pode-seacreditar, um grau de acelerao ou desacelerao do movimento, dorpido ao devagar, mas sim um outro tipo de movimento: Lento erpido no so graus quantitativos do movimento, mas dois tipos demovimento qualificados, seja qual for a velocidade do primeiro, e o atrasodo segundo11 . Os movimentos do errante urbano so do tipo lento, pormais rpidos que sejam, nesse sentido a errncia poderia se dar pormeios rpidos de circulao, mas esta continuaria sendo lenta. O estadode esprito errante lento, mas isso no quer dizer que se ja a lgonostlgico ou relativo a um passado, quando a vida era menos acelerada,como buscam os adeptos do neo-urbanismo. Porm, esta lentidotambm pode ser vista como uma crtica ou denncia da aceleraocontempornea, aquela buscada pelos urbanistas neo-modernos, vidosde meios de circulao cada vez mais velozes. Entretanto, a lentido doerrante no se refere a uma temporalidade absoluta e objetiva, mas simrelativa e subjetiva, ou seja, significa uma outra forma de apreenso epercepo do espao urbano, que va i bem a lm da representaomeramente visual. So os homens lentos, como dizia Milton Santos,que podem melhor ver, apreender e perceber a cidade e o mundo, indoalm de suas fabulaes puramente imagticas.

    Agora, estamos descobrindo que , nas cidades, o tempo que comanda,ou vai comandar, o tempo dos homens lentos. Na grande cidade ,hoje , o que se d tudo ao contrrio. A fora dos lentos e no dosque detm a velocidade elogiada por um Virlio em delrio, na esteirade um Valry sonhador. Quem, na cidade tem mobilidade e podepercorr-la e esquadrinh-la acaba por ver pouco, da cidade e domundo . Sua comunho com as imagens , frequen temen te pr-fabricadas, a sua perdio. Seu confor to, que no desejam perder,vem, exatamente , do convvio com essas imagens. Os homens lentos,para quem tais imagens so miragens, no podem, por muito tempo,estar em fase com esse imaginrio perverso e acabam descobrindo asfabu laes.

  • 124 CORPOS E CENRIOS URBANOS

    Quando M i lton Santos fa la dos homens lentos, e le se re fereprincipalmente aos mais pobres, aqueles que no tm acesso a velocidade,os que ficam margem da acelerao do mundo contemporneo. O erranteurbano seria sobretudo um homem lento voluntrio, intencional, conscientede sua lentido, e que, assim, se nega a entrar no ritmo mais acelerado(movimento do tipo rpido), de forma crtica. Um exemplo clssico a figurado flneur do sculo XIX que passeia sua tartaruga pelas passagensparisienses e assim critica a busca da velocidade dos modernos, preocupadosem no perder tempo. O flneur era um homem lento voluntrio, agia deforma crtica. Sem dvida, como nos indica Santos, os mais pobres, mesmode maneira no voluntria, experimentam ou vivenciam mais a cidade doque os cidados abastados, pois estes obrigatoriamente possuem o hbitoda prtica urbana no cotidiano, e assim desenvolvem uma relao fsicamais profunda e visceral com o espao urbano12. Os sem-teto por exemplopodem ser vistos como homens lentos contemporneos, pois so os queefetivamente praticam a cidade, uma vez que habitam literalmente o espaopblico urbano. Porm, da mesma forma que a lentido um outro tipo demovimento, o homem lento seria sobretudo uma postura, que no poderiaser limitada a uma questo de classe, etnia ou sexo13. O errante, ao contrriodaquele que mora nas ruas por necessidade, erra por vontade prpria, maspode se deixar inspirar pelas formas de apropriao do espao dos maispobres, na maneira como estes reinventam, por necessidade, formas prpriasde vivenciar e experimentar a cidade. Essas outras formas de apropriao doespao seriam fontes de inspirao para o urbanista errante. Este observacomo os outros, que habitam de fato o espao pblico, se apropriam deste,mesmo que temporariamente, como os sem-teto camels, ambulantes,entre vrios outros. Pierre Sansot, no seu livro Du bon usage de la lenteur,nos diz:

    Mas talvez ele (o urbanista) teria evitado vrios enganos, se tivesse sedado o tempo para se abrir, lentamente , s exigncias dos lugares queele deveria tratar, se ele tivesse aceitado ser modestamente um flneuresclarecido de sua cidade .

  • CORPOS E CENRIOS URBANOS 125

    A lentido, enquanto propriedade da errncia, da mesma formaque tem relao com a desorientao do se perder, est diretamentere lac ionada com a questo do corpo, ou como d iz ia San tos, dacorporeidade14 dos homens lentos. Esta corporeidade lenta seria umade term inao, ou um esp rito de corpo , que tambm nasce dadesterr i tor ia l izao ou se ja , tambm est re lac ionada a umatemporalidade prpria (como o se perder e a lentido) , e teria relaocom aquela que Deleuze e Guatarri relacionam aos conjuntos de essnciasmateria is vagas (vagabundas ou nmades) que se distinguem dasessncias fixas, mtricas e formais (sedentrias): D ir-se-ia que asessncias vagas extraem das coisas uma determinao que mais doque a coisidade, a da corporeidade, e que talvez at implique umesprito de corpo. [...] Desprendem uma corporeidade (materialidade)que no se confunde com a essencialidade formal inteligvel, nem coma coisidade sensvel, formada e percebida. A cidade, atravs da errncia,ganha tambm uma corporeidade prpria, no orgnica15, que se ope idia da cidade-organismo, que est na base da disciplina urbana e daprpria noo de diagnstico urbano esta corporeidade urbana outrase relaciona, afetuosamente e intensivamente, com a corporeidade doerrante e determina o que chamamos de incorporao. A incorporao16,diretamente relacionada com a questo da imanncia, seria a prpriaao do corpo errante no espao urbano, atravs da errncia que, assim,oferece uma corporeidade outra cidade.

    Como pode-se notar, as trs propriedades mais recorrentes daserrnc ias se perder, lentido, corpore idade esto intimamenterelacionadas, e remetem prpria ao, ou seja, prtica ou experinciado espao urbano. O errante urbano se re laciona com a cidade , aexperimenta, e este ato de se relacionar com a cidade implica nestacorporeidade prpria, advinda da relao entre seu prprio corpo fsico eo corpo urbano que se d no momento da desterritorializao lenta daerrncia. Como veremos, essas trs propriedades esto presentes, mesmoque de forma distinta, ao longo do pequeno histrico das errncias. Pararesumir, pode-se dizer que o errante faz seu elogio experincia urbanaprincipalmente atravs da desterritorializao do ato de se perder, da

  • 126 CORPOS E CENRIOS URBANOS

    qua l idade len ta de seu mov imen to e da de term inao de suacorporeidade. As trs propriedades poderiam ser consideradas comoresistncias ou crticas ao pensamento hegemnico contemporneo dourbanismo que ainda busca uma certa orientao (principalmente atravsdo excesso de informao), rapidez (ou acelerao) e, sobretudo, umareduo da experincia e presena fsica (atravs das novas tecnologiasde comunicao e transporte).

    Apesar da intma relao entre essas propriedades da errncia, talvezseja a relao corporal com a cidade, na experincia da incorporao,que mostre de forma mais clara e crtica, o cotidiano contemporneocada vez ma is desencarnado e espe tacu lar. Esse encon tro dede term inaes de corpore idades, do erran te com a c idade ouincorporao (relao do corpo com a ao, experincia corporal outra) exp l ic i ta a reduo da cota de exper inc ia urbana d ire ta nacontemporaneidade, como, por exemplo, da experincia fsica de andarpela cidade, de que nos fala, por exemplo, Mrio de Andrade no relatode suas andanas por So Salvador da Bahia no dia 7 de dezembro de1928:

    Gosto de banzar ao at pelas ruas das cidades ignoradas [] S. Salvadorme atordoa vivida assim a p num isolamento de inadaptao que dvontade de chorar, uma gostosura. [. . .] E nem tanto questo deapreciar os detalhes churriguerescos dela, o mesmo do saber fsicoque d a passeada p . [] Passear a p em S. Salvador fazer partedum quitute magnific iente e ser devorado por um gigantesco deusOgum, volpia quase sdica, at .

    Diante da atual espetacularizao das cidades que se tornam cadadia mais cenogrficas, a experincia corporal das cidades, ou seja, suaprtica ou experincia, poderia ser considerada como um antdoto essaespetacularizao. O que chamo de espetacularizao das c idadescon temporneas1 7 que tambm pode ser chamado de c idade-espetculo (no sentido debordiano) est diretamente relacionado auma diminuio da participao mas tambm da prpria experinciaurbana enquanto prtica cotidiana, esttica ou artstica.

  • CORPOS E CENRIOS URBANOS 127

    A reduo da ao urbana pelo espetculo leva a uma perda dacorporeidade, os espaos urbanos se tornam simples cenrios18, semcorpo, espaos desencarnados. Os espaos pblicos contemporneos,cada vez mais privatizados ou no apropriados, nos levam a repensar asrelaes entre urbanismo e corpo, entre o corpo urbano e o corpo docidado, o que abre possibilidades tanto para uma crtica da atualespetacularizao urbana quanto para uma pesquisa de outros caminhospelos urbanistas errantes, que passariam a ser os maiores crticos doespetculo urbano. Atravs desta volpia quase sdica de que fala Mriode Andrade com relao a Salvador, o urbanista errante buscaria umareinveno corporal, carnal, sensorial das cidades.

    Ao se observar mais de perto a histria crtica do urbanismo, ahistria marginal, possvel se perceber um outro caminho, que critica aespetacularizao desde seus primrdios19. Nesta pista, as principaisquestes so as diferentes formas de ao, e participao, na cidade,mas tambm as relaes corporais, atravs das experincias efetivasdos espaos urbanos. As relaes sensoriais com a cidade que passampe las experinc ias corpora is destes espaos, em suas d iferen testemporalidades, seriam o oposto da imagem da cidade-logotipo. Oscenrios ou espaos espetacularizados, desencarnados, seriam propciossomente para os simples espectadores. Os praticantes da cidade, comoos errantes, realmente experimentam os espaos quando os percorrem,e assim lhe do corpo, e vida, pela simples ao de percorr-los. Umaexperincia corporal, sensorial, no pode ser reduzida a um simplesespetculo, a uma simples imagem ou logotipo. A cidade deixa de serum simples cenrio no momento em que ela vivida, experimentada.Ela, a partir do momento em que praticada, ganha corpo, se tornaoutro corpo. Para o errante urbano, sua relao com a cidade seria daordem da incorporao. Seria precisamente desta relao entre o corpodo cidado e deste outro corpo urbano que poderia surgir uma outraforma de apreenso da cidade, uma outra forma de ao, atravs daexperincia da errncia desorientada, lenta e incorporada a serrealizada pelo urbanista errante, que se inspiraria de outros errantes

  • 128 CORPOS E CENRIOS URBANOS

    urbanos e, em particular, das experincias realizadas pelos escritores eartistas errantes.

    Pequeno histrico das errnciasAssim como de forma simultnea histria das cidades, podemos

    falar de uma histria do nomadismo, ou melhor, como diriam Deleuze eGuattari, de uma nomadologia20, tambm podemos traar, de formaquase simultnea prpria hitria do urbanismo, um breve histrico daserrncias urbanas.

    Esse histrico seria construdo por seus atores, errantes modernosou nmades urbanos, herdeiros tanto de Abel quanto de Caim. Oserrantes urbanos no perambulam mais pelos campos como os nmades,mas pela prpria cidade grande, a metrpole moderna, mas recusam ocon tro le tota l dos p lanos modernos . E les denunc iam d ire ta ouindiretamente os mtodos de interveno dos urbanistas, e defendemque as aes na c idade no podem se tornar um monopl io deespecialistas.

    Dentre os errantes e nmades urbanos encontramos vrios artistas,escritores ou pensadores que praticaram errncias urbanas, errnciasvoluntrias, intencionais. Aqueles que erraram sem objetivo preciso, mascom a inteno de errar. Errar tanto no sentido do vagabundear quantoda prpria efetivao do erro (de caminho, de itinerrio, de percurso).Atravs das obras ou escritos desses artistas, possvel se apreender oespao urbano de outra forma, partindo do princpio de que os errantesquestionam a apropriao desses espaos de forma crtica. O simplesato de errar pela cidade pode assim se tornar uma crtica ao urbanismoenquanto disciplina prtica de interveno nas cidades. Esta crtica podeser vista tantos nos textos quanto nas imagens produzidas por artistaserrantes a partir de suas experincias de andar21 pela cidade.

    Ao ler Baudelaire, por exemplo, podemos ver uma reao crtica re forma urbana do Baro Haussmann , que estava transformandocompletamente a velha cidade de Paris naquele exato momento22 . Parafotografar essas transformaes urbanas radicais, da cidade antiga sendodestruda para dar lugar a nova, Haussmann contratou um fotgrafo,

  • CORPOS E CENRIOS URBANOS 129

    Charles Marville, que retratou o desaparecimento de uma certa Paris poronde perambulava Baudelaire. No Rio de Janeiro se passou algo bemparecido, j no incio do sculo XX. Joo do Rio, cronista e errante urbano,descreve nos jornais suas errncias pela antiga cidade que tambm estavasendo destruda pelo nosso Haussmann tropical23, Pereira Passos, quecomo Haussmann, tambm contratou um fotgrafo oficial para retratara transformao em curso na cidade, Marc Ferrez.

    Um texto muito conhecido de Joo do Rio, por exemplo, chamadoA Rua, foi publicado na mesma poca na Gazeta de Notcias, maisprec isamente em 1905 . Esse texto de Joo do Rio (1881-1921 ,pseudnimo de Paulo Barreto) faz uma apologia da rua, do andar pelasruas:

    Eu amo a rua [] Para compreender a psicologia da rua no bastagozar-lhes as delcias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. preciso ter esprito vagabundo, cheio de curiosidades malss e osnervos com um perptuo desejo incompreensvel, preciso ser aqueleque chamamos flneur e praticar o mais interessante dos esportes aarte de flanar.

    A ttulo de comparao, entre os principais objetivos do plano demelhoramentos de Pereira Passos, citados por Alfredo Rangel em 1904 ,era: Dar mais franqueza ao trfego crescente das ruas da cidade, iniciara substituio das nossas mais ignbeis vielas por ruas largas arborizadas.

    O urbanismo enquanto campo disciplinar e prtica profissional surgiuexa tamente com o intu ito de transformar as ant igas c idades emmetrpoles modernas, o que significava tambm transformar as antigasruas de pedestres em grandes vias de circulao para automveis,reduzindo as possibilidades da experincia fsica direta, atravs do andar,das cidades. Podemos, a grosso modo, classificar o urbanismo moderno24

    em trs momentos distintos (mas que se sobrepem): a modernizaodas cidades, de meados e final do sculo XIX at incio do sculo XX; asvangua rdas mode rnas e o mov imen to mode rno (CongressosInternacionais de Arquitetura Moderna, CIAMs), dos anos 1910-20 at1959 (fim dos CIAMs); e o que chamo de modernismo (ou modernotardio), do ps-guerra at os anos 1970 .

  • 130 CORPOS E CENRIOS URBANOS

    O pequeno histrico das errncias urbanas tambm poderia serdividido em trs momentos, de forma quase simultnea a esses trsmomentos da histria do urbanismo moderno, que corresponderiam sdiferentes crticas aos trs momentos do urbanismo: o perodo dasflanries ou flanncias, de meados e final do sculo XIX at incio dosculo XX, que criticava exatamente a primeira modernizao das cidades;o das deambulaes, dos anos 1910-30 , que fez parte das vanguardasmodernas, mas tambm criticou algumas de suas idias urbansticas doincio dos CIAMs; e o das derivas, dos anos 1950-60 , que criticou tantoos pressupostos bsicos dos CIAMs quanto a sua vulgarizao no ps-guerra, o modernismo.

    O prime iro momento, flneries ou flannc ias, corresponderiaprincipalmente criao da figura do Flneur em Baudelaire, no Spleende Paris ou no Les fleurs du mal, que foi to bem analisada por WalterBen jam in nos anos 1930 . Ben jam in tambm prat icou a flnerie(principalmente de Paris e de suas passagens cobertas25), ou seja, asflanncias urbanas, a investigao do espao urbano pelo Flneur.

    O segundo momento, deambulaes, corresponderia s aes dosdadastas e surrealistas, as excurses urbanas por lugares banais, asdeambulaes aleatrias organizadas por Aragon, Breton, Picabia e Tzara,entre outros, que desenvolvem a idia de Hasard Objectif, ou seja, daexperincia fsica da errncia no espao urbano real que foi a base dosmanifestos surrealistas, do Nadja de Breton ou ainda do prprio Paysande Paris de Aragon . J o terce iro e l t imo momen to , der ivas ,corresponderia ao pensamento urbano dos situacionistas, uma crticaradical ao urbanismo, que tambm desenvolveu a noo de derivaurbana, da errncia voluntria pelas ruas, principalmente nos textos eaes de Debord, Vaneiguem, Jorn ou Constant. Tanto Baudelaire quantoos dadastas e surrealistas, ou ainda os situacionistas, estavam praticandoerrncias urbanas e relatando essas experincias atravs de escritosou imagens explcitas ou implicitamente crticas em uma mesmacidade, Paris, mas em trs momentos bem distintos. Paris se tornouassim , uma c idade parad igm t ica para os erran tes urbanos, as

  • CORPOS E CENRIOS URBANOS 131

    experincias parisienses serviram como uma referncia para outrasexperincias urbanas.

    Essas idias de errncias urbanas se desenvolveram tambm nome io artstico aps os situac ionistas. O grupo neo-dada sta F luxus(Maciunas, Patterson, F illiou, Ono etc), por exemplo, tambm propsexperincias semelhantes, foi a poca dos happenings no espaopblico, no caso do Fluxus, dos Free Flux-Tours, errncias por Nova Iorque,neste momento, anos 1960-70 , outros artistas trabalharam sobre otema, como Stanley Brouwn, Vito Acconci, Daniel Buren ou ainda RobertSmithson. Dentro do contexto da ar te contempornea, principalmentenos anos 1990 , vrios artistas trabalham no espao pblico com algumtipo de questionamento terico, como o grupo neo-situacionista italianoStalker, por exemplo. Alguns artistas propuseram errncias tambm,mas em sua maioria essas aes contemporneas so cada vez menoscrticas e cada vez mais espetaculares26. O denominador comum entreesses artistas, e suas aes urbanas, seria o fato de que eles vem ac idade como campo de invest igaes ar t st icas aber to a ou traspossibilidades sensitivas, e assim, possibilitam outras maneiras de seanalisar e estudar o espao urbano atravs de suas obras ou experincias.

    No Brasil, tanto os artistas modernistas quanto os tropicalistastambm erraram pela cidade de forma crtica, em performances comoas Experincias de Flvio de Carvalho, prximo aos surrealistas parisiensesdos anos 1930 , ou o Delirium Ambulatorium de Hlio Oiticica, leitor27

    do mentor dos situacionistas dos anos 1960 , Guy Debord. Da mesmaforma que nas flanncias de Joo do Rio, com os textos de Baudelaire,F lv io de Carva lho (1 8 9 9-1 9 7 3) , que conheceu os surrea l istasparisienses em seus anos de estudo na Europa, ajudou na circulaodessas idias no Brasil, principalmente atravs de suas deambulaesurbanas. O engenheiro civil, arquiteto, escultor e decorador F lvio deCarvalho, como ele se denominava, ficou mais conhecido por suaspinturas e obras arquitetnicas, do que por suas errncias urbanas, queele denominou de Experincias.

    A Experincia n 2, rea lizada em 1931 e publicada em livrohomnimo (com o subttulo, uma possvel teoria e uma experincia),

  • 132 CORPOS E CENRIOS URBANOS

    consistiu na prtica de uma deambulao, no sentido contrrio de umaprocisso de Corpus Christi pelas ruas de So Paulo, como ele conta emseu livro: Tome i logo a resoluo de passar em revista o cor te jo,conservando o meu chapu na cabea e andando em direo oposta que ele seguia para melhor observar o efeito do meu ato mpio nafisionomia dos crentes. Depois de algum tempo, a multido se voltoucontra ele, que teve que fugir. Quando a polcia o prendeu, ele disse queestava realizando uma experincia sobre a psicologia das multides.Nos jornais do dia seguinte, as manchetes destacavam: Na procissouma experincia sobre a psicologia das multides resultou em sriodistrbio (O Estado de So Paulo, 9 de junho de 1931).

    Antes mesmo desta experincia, F lvio de Carvalho publicou umtexto interessante no jornal Dirio de So Paulo intitulado: Uma tesecuriosa A cidade do homem nu. J na Experincia n 3, que s foirealizada publicamente em 1956 , ele saiu andando pelas ruas de SoPaulo vestido com o traje de vero do novo homem dos trpicos (ounew look), desenhado por ele. A deambulao foi conturbada e polmica,mas segundo os jornalistas da poca: So Paulo nunca viu nada igual(Manchete, 1956). F lvio de Carvalho escreveu uma srie textos sobrea cidade e as questes urbanas em 1955 no Dirio de So Paulo, quetratavam sobretudo da questo do transporte e do trnsito urbano, e apartir de 1956 ele escreveu outra srie de textos no mesmo jornal sobreA moda e o novo homem onde explica:

    Entende-se por moda os costumes, os hbitos, os trajes, a forma domobilirio e da casa [] Contudo, a moda do traje que mais forteinfluncia tem sobre o homem, porque aquilo que est mais pertodo seu corpo e o seu corpo continua sempre sendo a parte do mundoque mais interessa ao homem.

    Assim como F lvio de Carvalho pode ser considerado um pioneiroda chamada arte de ao ou performance no Brasil em particulardesta relao entre a arte e a vida cotidiana que passa tambm tantopor questes corporais quanto por questes urbanas, chegando numarelao entre a experincia sensorial do corpo e a prpria experincia

  • CORPOS E CENRIOS URBANOS 133

    fsica da cidade Hlio Oiticica (1937-1980) pode ser considerado umdos mais inquietos seguidores desta linhagem terica no pas (juntocom Lygia Clark e Ligia Pape). A partir de 1964 , ano da morte de seupai e da descoberta da favela da Mangueira no Rio de Janeiro, Oiticicapassa a desenvolver os Parangols capas, tendas e estandartes,sobretudo capas que vo incorporar literalmente as trs influncias dafavela que Oiticica acabava de descobrir: a influncia da idia do corpo edo samba, uma vez que os Parangols eram para ser vestidos, usadose, de preferncia, o participante devia danar com eles; a influncia daidia de coletividade annima, incorporada na comunidade da Mangueira:com os Parangols, os espectadores passavam a ser participantes daobra, e a idia de participao do espectador (a mesma idia desenvolvidapelos situacionistas como antdoto ao espetculo) encontrou a toda suafora; e a influncia da arquitetura das favelas, que pode ser resumidana prpria id ia de abrigar, uma vez que os Parangols abrigamefetivamente e, ao mesmo tempo, de forma mnima (como os barracosdas favelas), os que com eles esto vestidos.

    Da mesma forma que as Experincias de Carvalho, os Parangolsde Oiticica causaram bastante polmica. Os Parangols, foram mostradosao pblico pela primeira vez em 1965 , na exposio coletiva Opinio 65no MAM do Rio. Na abertura da exposio, Oiticica chegou vestido comum desses Parangols, acompanhado por um cortejo de amigos daescola de samba da Mangueira, tambm vestidos com Parangols,tocando percusso, cantando e sambando. Mas Oiticica e os passistasda Mangueira foram efetivamente impedidos de entrar no Museu deArte Moderna, e os jornais da poca registraram que a festa teve lugarno lado de fora do museu, no espao pblico.

    Toda a obra de Oiticica, que cada vez mais se confundiu com suaprpria vida, buscou novas experincias fsicas, sensoriais, corporais, mastambm urbanas: Parangols, Penetrveis, Tropiclia, den, Barraco,entre vrias outras27. A partir de sua estadia em Nova Iorque, Oiticica seaproximou ainda mais do pensamento situacionista, ele passou a citarGuy Debord em vrios de seus escritos e chegou a propor um Penetrvel(P12) com textos escritos e declamados retirados do clssico de Debord,

  • 134 CORPOS E CENRIOS URBANOS

    A sociedade do espetculo (1967). Ao voltar ao Brasil, em 1978 ,participou do evento Mitos Vadios, realizado pelas ruas de So Paulo,onde apresentou o Delirium Ambulatorium, uma de suas ltimas derivasurbanas. No texto EU em MITOS VADIOS (de outubro de 1978) eledescreve essa experincia urbana e diz que a proposta era exatamente:o poetizar do urbano

    O poe t izar do urbano AS RUAS E AS BOBAGENS DO NOSSODAYDREAM DIRIO SE ENRIQUECEM V-SE Q ELAS NO SOBOBAGENS NEM TROUVAILLES SEM CONSEQUNCIA SO O PCALADO PRONTO PARA O DELIRIUM AMBULATORIUM RENOVADOA CADA DIA.

    As experincias de investigao do espao urbano pelos artistaserrantes apontam para a possibilidade de um urbanismo potico, quese insinua atravs da possibilidade de uma outra forma de apreensourbana, o que levaria a uma reinveno potica, sensorial, das cidades.Talvez a maior crtica dos artistas errantes aos urbanistas modernos tenhasido exatamente o que Oiticica resumiu de forma to clara no que elechamou de poetizar do urbano. Os urbanistas teriam esquecido, diantede tantas preocupaes funcionais e formais, deste enorme potencialpotico do urbano e, principalmente, da relao inevitvel entre o corpofsico e o corpo da cidade que se d atravs da errncia, atravs daprpria experincia do se perder, da lentido, da corporeidade doespao urbano, algo simples, porm imprescindvel, para possibilitar umaoutra forma de percepo ou apreenso da c idade . No urbanismocontemporneo, a distncia, ou descolamento, entre sujeito e objeto,entre prtica profissional e vivncia-experincia da cidade, se mostradesastrosa ao esquecer o que o espao urbano possui de mais potico,que seria prec isamente seu carter humano, sensoria l e corpreo.O su je ito urban ista , ao se esquecer de se re lac ionar fisicamente ,afetuosamente, com a cidade em si, o seu objeto, se distancia desta epor f im proje ta espaos espe tacu larizados ou desencarnados. Aabordagem da cidade pelos urbanistas errantes poderia tentar seguir os

  • CORPOS E CENRIOS URBANOS 135

    passos dos artistas errantes e, assim, ser mais potica, afetuosa e,sobretudo, encarnada.

    N o t asN o t asN o t asN o t asN o t as1 O presente texto um resumo introdutrio do livro de mesmo nome, emdesenvolvimento, que ser publicado pela editora Casa da Palavra (Rio deJaneiro). Gostaria de agradecer a leitura cuidadosa e detalhada, recheada decrticas construtivas, de Ana Clara Torres Ribeiro e Margareth da Silva Pereira,ao longo da redao deste ensaio durante o meu estgio ps-doutoural naFrana, e, tambm, os comentrios e ressalvas pertinentes da leitura recentede Ana Fernandes e Pasqualino Magnavita.2 O que poderia at mesmo ser considerado um no-urbanismo ou um anti-urbanismo, uma resistncia ao urbanismo, principalmente aquele de estadoou corporativo, autoritrio e dominante (ainda hegemnico hoje), ou como medisse Ana Clara Torres Ribeiro, tambm poderia ser visto como um direitobsico de qualquer cidado ao no urbanismo e ao no planejamento. Essaquesto, extremamente polm ica , mereceria ser debatida de forma ma isaprofundada, como bem me alertou Ana Fernandes.3 Cf. Paola Berenstein Jacques, Esttica da Ginga, Rio de Janeiro, Casa daPalavra, 2001 .4 Espetculo no sentido dado por Guy Debord em A sociedade do Espetculo,Rio de Janeiro, Contraponto, 1997 (verso original francesa de 1967). Vertambm IS (Paola Berenstein Jacques, org.), Apologia da Deriva, Rio de Janeiro,Casa da Palavra, 2003 .5 Segundo Deleuze e Guatarri: Um mtodo o espao estriado da cogitatiouniversalis, e traa um caminho que deve ser seguido de um ponto a outro.Mas a forma de exterioridade situa o pensamento num espao liso que eledeve ocupar sem poder medi-lo, e para o qua l no h mtodo possve l ,reproduo concebve l, mas somente revezamentos, intermezzi, re lances.In: Mil plats, So Paulo, editora 34 , vol. 5 , p. 47 .6 Deleuze e Guattari citam Plato para explicar a impossibilidade do devir setornar modelo: No Timeu (28 ,29), Plato entrev por um curto instante queo Devir no seria apenas o carter inevitvel das cpias e reprodues, masum modelo que rivalizaria com o Idntico e com o Uniforme. Se ele evocaessa hiptese , apenas para exclu-la; e verdade que se o devir ummodelo, no somente a dualidade do modelo e da cpia, do modelo e dareproduo deve desaparecer, mas at mesmo as noes de modelo e dereproduo tendem a perder qualquer sentido. Idem, p. 36 .

  • 136 CORPOS E CENRIOS URBANOS

    7 Termo que foi proposto por Alain Guez durante o seminrio de preparao aocolquio Lhabitar dans sa potique premire. (EHESS - Paris, 2005/Cerisy-la-Salle, 2006)8 Em Esttica da Ginga eu j havia tratado implicitamente dessa questo,sobretudo no captulo sobre o labirinto, uma vez que: A sensao de seperder est implcita na experincia labirntica.9 Seria interessante, como comentou Ana Fernandes, analisar como toda essaquesto do nomadismo vem sendo capturada pelo pensamento urbansticocontemporneo, sobretudo pelos neo-modernistas (Koolhaas & cia) ou porvezes pelos neo-situacionistas (como o grupo Stalker em algumas experinciasma is espetaculares), mas de forma completamente distinta do que estoutentando mostrar, sobretudo no pequeno histrico das errncias urbanas, queat os anos 1960 , estiveram a margem do sistema hegemnico da arte ,arquitetura e, sobretudo, do urbanismo. A referncia terica mais importantesobre o tema (apesar de no relacionada ao urbanismo propriamente dito,mas que explicita uma contraposio: Nomos contra Polis) est no captuloTratado de Nomadologia: a mquina de guerra. In: Mil Plats, op. cit. Maisdo que o nomadismo propriamente dito, o interessante seria discutir a questodo pensamen to nmade em re lao ao pensamen to seden tr io a indahegemnico e consensual hoje (principalmente na academia).10 O que , fe l izmente , nunca comp le tamente obtido (a anu lao dessapossib i l idade do se perder). Entre tanto, o extremo do se perder estariadiretamente associado a questes puramente psicolgicas, e at mesmo, atipos especficos de loucura ou mania (dromomania).1 1 Mov imen to e ve loc idade tambm prec isar iam ser d i ferenc iados: omovimento pode ser muito rpido, nem por isso velocidade; a velocidadepode ser muito lenta, ou mesmo imvel, ela , contudo, velocidade, Deleuzee Guattari, op.cit, p.52 .12 Ver essa questo de forma mais especfica no livro coletivo: Mar, vida nafavela, Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002 .13 A figura tradicional do flneur masculina, as mulheres que habitam asruas, mulheres de rua, sempre foram mal vistas, um trabalho sobre estetema especfico merece ser feito. Rgine Robin est trabalhando neste sentido,ela nos fala da flneuse.14 Vrios autores, para se opor questo do corpo, principalmente no campodas artes, vo propor a idia de corporeidade, s vezes mesmo como umanticorpo, como Michel Bernard, que define a corporeidade como espectrosensorial e energtico de intensidades heterogneas e aleatrias in: De lacorporit fictionnaire, Revue Internationale de Philosophie n4/2002 (Le corps).15 Sobre essa idia, ver a noo de Corpo sem rgos (CsO) que GillesDeleuze define a partir do termo de Artaud: O corpo sem rgos um corpoafetivo, intenso, anrquico, que s tm plos, zonas, limites ou variaes. uma potente vitalidade no orgnica que o atravessa. Critique et Clinique,Paris, Minuit, 1993 , p.164 .

  • CORPOS E CENRIOS URBANOS 137

    16 Termo utilizado pelo artista Hlio Oiticica, ver Esttica da Ginga, op.cit, ouo ar tigo Por uma inCORPOrAAO in: ERR, Belo Horizonte, novembro de2 0 0 3 .17 Ver Espetacularizao Urbana Contempornea in: Cadernos PPG-AU/FAUFBA, nmero especial Territrios Urbanos e Polticas Culturais, PPG-AU/UFBA, Salvador, 2004 .18 No sentido de uma disneyficao urbana que leva a uma shoppinizaodos espaos pblicos, uma inverso de modelos, se os parques temticos eshoppings imitavam as cidades tradicionais inicialmente, hoje o que se passa o inverso, vrios projetos urbanos passaram, principalmente de espaospblicos ou reas histricas patrimonilizadas, a imitar os espaos globalizados,securitrios e homogn ios dos parques temticos e shopp ing centers (apaginao de p iso das praas pb l icas revita l izadas de vrias c idadesbrasileiras explicitam esta relao mimtica s avessas).19 A espetacularizao das cidades parece ter surgido com o prprio urbanismo,enquanto disciplina, com as primeiras modernizaes ou embelezamentosdas cidades, desde o incio da disciplina urbana as cidades j estavam emcompetio. A cidade, para o mercado internacional, sobretudo do turismo os tours tursticos so o contrrio das errncias, e o turista o anti-errante porexcelncia , se tornou uma imagem fixa espetacular, sem corpo, um logotipo.19 A errncia urbana no est necessariamente ligada ao andar a p. Como jfoi dito, podemos falar de um esprito errante que pode se estabelecer a partirde outras relaes entre o corpo do errante e a experincia do espao urbano.Nossa questo principal essa experincia urbana, mas, como dizia Michelde Certeau, a forma mais elementar dessa experincia urbana seria o simplesandar a p pela cidade. As ditas errncias virtuais atravs do ciberespao,hoje na ordem do dia e pauta de todas as discusses que se pretendematuais, no entram em nosso trabalho pelo simples fato de que estas aindano podem ser consideradas urbanas, pois ainda no promovem, de fato,outro tipo de experincia fsica do espao urbano (no me lhor dos casosquestionam a prpria noo de ciberespao). Entretanto, minha crtica no sedireciona propriamente ao uso de meios digitais e eletrnicos no urbanismo,mas sim, de uma forma indireta, ao uso espetacular e no participativo desses,e principalmente, ao esquecimento do corpo do corpo material, fsico, tantodo urbanista, do cidado, quanto da prpria cidade em si que a fascinaope los me ios digitais ou virtuais pode provovar. A questo est na posturaencarnada com relao a cidade, que tambm poderia ser obtida com o usodas novas tecnologias.20 Escreve-se a histria, mas ela foi escrita do ponto de vista dos sedentrios,e em nome do aparelho unitrio do Estado, pelo menos possvel, inclusivequando se falava sobre nmades. O que falta uma Nomadologia, o contrriode uma histria (. . .) Nunca a histria compreendeu o nomadismo () inG i l les De leuze e Fe l ix Guattari , M i l le P lateaux, Paris, ed . M inu it , 1980 .Pasqua l ino Magnavita tentou desenvolver um pouco ma is esta questo

  • 138 CORPOS E CENRIOS URBANOS

    espec fica em: Nomadologia e a H istria da Cidade e do Urbanismo noPensamento Ps-estruturalista, IX SHCU , So Paulo, 2006 , comunicao aser publicada nos Anais do evento.21 As obras de Haussmann vo de 1853 a 1870 , enquanto o livro Le Spleende Paris de Baudelaire, por exemplo, de 1855 .22 Cf. Jaime Larry Benchimol, Pereira Passos: um Haussmann tropical, Rio deJaneiro, B iblioteca Carioca, 1990 . Pereira Passos realizou um bota-abaixono cen tro do R io de Jane iro en tre 1 9 0 2 e 1 9 0 4 . Sobre a id ia deHaussmanizao tanto no Rio com Pereira Passos, quanto em Salvador emseguida com J.J. Seabra (1912-1916), ver Elosa Petti Pinhe iro, Europa,Frana e Bahia, difuso e adaptao de modelos urbanos, Salvador, Edufba,2 0 0 2 .23 O termo urbanismo moderno me parece um pleonasmo, uma vez que oprprio termo urban ismo , e a d isc ip l ina que lhe corresponde , surgemexatamente neste momento de modernizao das cidades ( termo usado pelaprimeira vez por Cerd em 1867 responsvel pelo plano de modernizaode Barcelona em 1959 na obra Teora general de Urbanizacion).Chego ame perguntar: ser que , mesmo aps o final do movimento moderno emarquitetura e urbanismo, j existiu algum tipo de urbanismo no-moderno oups-moderno? A prpria noo de plano, de planificao ou de planejamento(bases da prtica do urbanismo em geral), e at mesmo de projeto, soextremamente modernas. Mas a forma de c lassificar o urban ismo no consensual, muito pe lo contrrio, e muda segundo o historiador, ou se ja ,aquele que constri a(s) histria (s). Com o intuito de mostrar essas diferentesconstrues histricas, e sobretudo, o debate e a c irculao de id ias dopensamento urbanstico estamos realizando uma cronologia interativa quepoder ser consultada em: http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br.24 Ver Walter Benjamin, Paris, capitale du XIXme sicle, le livre des passages,Paris, Cerf, 1989 . As passagens, ruas cobertas, so exaltadas por Benjamin,pois representavam um espao intermedirio entre interior e exterior, entreprivado e pblico, entre arquitetura e paisagem: a flanrie pode transformartoda Paris num interior, numa moradia cujos aposentos so os quarteires,por outro lado, tambm, a cidade pode abrir-se diante do transeunte comouma pa isagem sem sole iras. Os arqu itetos modernos estavam propondoeliminar essa diferena entre o exterior-interior, Benjamin chega a citar Giedion(texto de 1928) falando de Corbusier: Os prdios de Corbusier no so nemespaosos nem plsticos: o ar sopra atravs deles! () Existe apenas umnico e indivisvel espao. Caem as cascas entre interior e o exterior.25 O andar, enquanto prtica artstica ou esttica, parece cada vez mais distanteda crtica que caracterizou esta prtica ao longo do histrico destas aesa r t s t ic as . ev iden te qu e os a r t is t as n o p a ra ra m de a nda r n acontemporaneidade, mas essas andanas perderam sua fora crtica e, ema lguns casos , se tornaram espe tacu lares e , na ma ior ia dos casos , seinstituc iona l izaram . por esse motivo que nosso pequeno h istrico das

  • CORPOS E CENRIOS URBANOS 139

    errncias pra nos anos 1970 . Depois disso a errncia urbana, entendidaenquanto prtica artstica, esttica, infelizmente perdeu seu poder de crtica,ao ser capturada, principalmente pelo mercado da arte ou os novos circuitoscu ltura is ofic ia is. Os errantes involuntrios, outros homens lentos, pornecessidade, continuam e at mesmo podem ser considerados um tipo deresistnc ia urbana , princ ipa lmen te os sem te to das grandes c idadesglobalizadas, que contrastam com os turistas (que seriam o oposto mesmodos errantes).26 Sobre esse aspecto na obra de Oiticica, em particular com relao s favelas,ver Paola Bereste in Jacques, Esttica da Ginga, a arquitetura das fave lasatravs da obra de Hlio Oiticica, Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2001 .27 Tudo indica que Hlio Oiticica s leu Guy Debord nos final dos anos 1970 ,em Nova Iorque, ao ler o clssico de Debord, A sociedade do espetculo, de1967 , ele descobre que j estava realizando aes bem prximas das idiassituacionistas desde os anos 1960 (incio com os Parangols).