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BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS EDIÇÃO TEMÁTICA LUSÓFONA Nº 214 - janeiro/fevereiro 2020 - 7,50 G ENTREVISTA Nova Compliance Lab suscita interesse crescente entre profissionais e investigadores JULIA GRACIA Manuel Nobre Correia Andreia Costa Carlos Freitas Vilanculos Ricardo Néry Joana Maria Dente André Abrantes Isabel de Paiva Rui Patrício Jorge Serrote Miguel de Azevedo Moura Gonçalo Maia Miranda Miguel Matias COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-06-2014, referente ao processo 14/07.0TRLSB.S1, Conselheiro Raul Borges JOÃO LUZ SOARES NOTA DE ABERTURA As novas responsabilidades dos dirigentes das empresas ANTÓNIO RAPOSO SUBTIL OPINIÃO ENTREVISTA “Os processos terão a dimensão e duração que as circunstâncias impuserem” PROCURADOR-GERAL DE ANGOLA, HÉLDER GRÓZ

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BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS

EDIÇÃO TEMÁTICA LUSÓFONA

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20

Nº 214 - janeiro/fevereiro 2020 - 7,50 G

ENTREVISTANova Compliance Lab suscita interesse crescente entre profissionais e investigadoresJULIA GRACIA

Manuel Nobre CorreiaAndreia CostaCarlos Freitas VilanculosRicardo NéryJoana Maria DenteAndré Abrantes

Isabel de PaivaRui PatrícioJorge SerroteMiguel de Azevedo MouraGonçalo Maia MirandaMiguel Matias

COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-06-2014, referente ao processo 14/07.0TRLSB.S1, Conselheiro Raul BorgesJOÃO LUZ SOARES

NOTA DE ABERTURA As novas responsabilidadesdos dirigentes das empresasANTÓNIO RAPOSO SUBTIL

OPINIÃO

ENTREVISTA

“Os processos terão a dimensão e duração que as circunstâncias impuserem”PROCURADOR-GERAL DE ANGOLA, HÉLDER GRÓZ

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A obra é abrangente e sistemática, de todos os aspetos, com relevo, com referência não só às avaliações do autor como às diversas correntes de jurisprudência e da doutrina sobre cada um desses temas.

As diversas e atualizadas soluções jurisprudenciais e doutrinais constantes na obra são uma grande ajuda para o trabalho de magistrados e advogados

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EDITORIAL | 1VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

Reforçar a cooperação entre Angola e Portugal

João Luís de Sousa Diretor Adjunto

A cooperação e ajuda mútua com as autoridades portuguesas é uma prioridade para a Procuradoria Geral de Angola. Em entrevista à “Vida Judiciária”, Hélder Gróz, refere as convenções

internacionais já celebradas no âmbito da CPLP e os acordos e memorandos de entendimento entre as Procuradorias Gerais dos dois países.Em sua opinião, os processos devem ter a dimensão e a duração que as circunstâncias determinarem, manifestando uma preferência por um trabalho de qualidade que não tem que ser necessariamente rápido, atendendo à complexidade dos processos e dos meios de investigação envolvidos. Em relação à eficácia da prevenção e repressão da criminalidade económica e financeira, destaca a importância do investimento público e a envolvente social da luta contra a corrupção.Para o Procurador Geral de Angola não existe uma relação direta a entre a situação económica e o nível de criminalidade. E recorda que o país já passou por períodos de maior carência e agitação social sem que a criminalidade tivesse aumentado.Conforme refere, a causa primeira de criminalidade é a falha moral e a decadência de valores morais da sociedade. A conclusão clara e objetiva do Procurador Geral é válida para Angola, para Portugal, e para todos os países do Mundo.

Nº 214 janeiro/fevereiro 2020

Revista bimensal

ProprietárioVida Económica - Editorial, S.A.

Rua Gonçalo Cristóvão, 14 - 2º

4000-263 Porto

NIF 507 258 487

DiretorJoão Carlos Peixoto de Sousa

Coordenador de edição:Guilherme Osswald

PaginaçãoFlávia Leitão

Direção ComercialPorto:

Teresa Claro

AssinaturasMaria José Teixeira

E-mail: [email protected]

Redação, Administração Vida Económica - Editorial, S.A.

Rua Gonçalo Cristóvão, 14 r/c

4000-263 Porto

Telefone: 223 399 400

Fax 222 058 098

E-Mail: [email protected]

ImpressãoUniarte Gráfica / Porto

Publicação inscrita no Instituto

da Comunicação Social nº 120738

Empresa Jornalística nº 208709

Periodicidade: bimensal

Depósito legal: Nº 366694/13

2 | SUMÁRIOjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

Opinião• O estatuto do denunciante no regime

do branqueamento de capitaisMANUEL NOBRE CORREIA,Advogado na RSA - Raposo Subtil e Associados - Sociedade de Advogados, SP, RL

• Angola Nova Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais: um sinal de confiança para o mercado internacional

ANDREIA COSTA, Advogada em Angola e Portugal, RSA- Rede de Serviços de Advocacia de Língua Portuguesa

• Combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo em Moçambique.

O desafio da próxima década!CARLOS FREITAS VILANCULOS, Advogado em Moçambique, RSA-Rede de Serviços de Advocacia de Língua Portuguesa

RICARDO NÉRY , Advogado na RSA - Raposo Subtil e Associados - Sociedade de Advogados, SP, RL

• Breve incursão no dever de comunicação de operações suspeitas, pelas instituições bancárias, ao abrigo da Lei n.º 83/2017

JOANA MARIA DENTE, Jurista – Área de Acompanhamento das Operações no Exterior - Compliance Office, Millennium BCP

• AML 5G: prevenção do branqueamento de capitais na era das FinTech

ANDRÉ ABRANTES, Associado Sénior da PLMJ

• Branqueamento de Capitais: nem sempre um crime (às vezes um ato sem dono)

ISABEL DE PAIVA, Advogada. Formada em Direito da Insolvência, A frequentar a Pós-Graduação em Direito do Trabalho e da Segurança Social

• Compliance, o seis mais três (e as lições de Arturo Ui)RUI PATRÍCIO, Sócio da Morais Leitão

• A transposição da(s) Diretiva(s) em matéria de combate ao branqueamento de capitais

JORGE SERROTE, Advogado Associado Senior da DLA Piper

• O overcompliance e o princípio da proporcionalidade na aplicação de normas relativas à prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo

MIGUEL DE AZEVEDO MOURA, Professor Auxiliar da NOVA School of Law

• Alcance da atuação do supervisor preventivo do BCFT – breve subsídio para uma interpretação dos poderes conferidos pelo quadro normativo em vigor

GONÇALO MAIA MIRANDA, Coordenador de Área no Banco de Portugal

• Pessoas Politicamente Expostas na Lei 5/2020. Breve análise.

MIGUEL MATIAS, Sócio RSA – Rede de Serviços de Advocacia

pp. 20/45

LegislaçãoBranqueamento de capitaispp. 30/39

Nota de abertura

As novas responsabilidades dos dirigentes das empresas

p. 4

EntrevistasPROCURADOR-GERAL DE ANGOLA, HÉLDER GRÓZ,

“Os processos terão a dimensão e duração que as circunstâncias impuserem”

pp. 5/7

JULIA GRACIA, MEMBRO FUNDADOR DO NCL

Nova Compliance Lab suscita interesse crescente entre profissionais e investigadores

pp. 8/11

Comentário JurisprudencialComentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-06-2014, referente ao processo 14/07.0TRLSB.S1, Conselheiro Raul Borges

JOÃO LUZ SOARES, Advogado na RSA-Raposo Subtil e Associados - Sociedade de Advogados, SP, RL

pp. 12/19

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MADRID

NORDESTE

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RSA - Advogados

4 | NOTA DE ABERTURAjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

As novas responsabilidades dos dirigentesdas empresas

O modelo de governo das em-presas, que podem ter por base institucional uma sociedade,

uma fundação, uma cooperativa ou uma associação, tem permitido fazer uma distribuição formal das áreas de responsabilidade (pelouros) ou níveis de intervenção diferentes (adminis-tradores executivos e não executi-vos), mas terá de merecer alterações significativas para atender às novas exigências do quadro legal do bran-queamento de capitais.

Importa realçar que, o conceito de dirigente de uma empresa, para efei-tos da prevenção do branqueamento de capitais, não se limita, como no passado recente, à definição formal de administração ou gerente, como está prevista no Código das Socieda-des Comerciais.

Hoje, existem estatutos legais (con-junto de direitos e obrigações) para outros profissionais que integram as estruturas orgânicas das empresas, que são considerados “dirigentes”: responsáveis da proteção de dados, do compliance ou risco, do cumpri-mento normativo do BC/FT.

É recente e não conhecido (ou omitido) pelos “novos dirigentes” o extenso normativo da prevenção de branqueamento de capitais aplicáveis ao sector de actividade em que a em-presa actua, o que tem consequências ao nível da sua responsabilidade pelo cometimento de actos violadores do referido quadro legal, cujo regime sancionatório é muito grave: respon-sabilidade disciplinar, contraordena-cional e penal.

O legislador impõe que as empre-sas autonomizem algumas funções e

atribui obrigações concretas aos res-ponsáveis pelo cumprimento norma-tivo (RCN) do regime legal da pre-venção do branqueamento de capi-tais, independentemente da concor-rente competência dos tradicionais dirigentes das empresas e dos sócios das mesmas, que estejam em exercí-cio efectivo de funções. Encontra--se estabelecido na Lei 83/2017 (à semelhança de outros regimes legais aplicáveis nos países de língua por-tuguesa) que o RCN deverá ser um elemento da “Direcção de topo” da empresa (novo conceito),que deverá de forma independente, autónoma e exclusiva zelar pela aplicação efecti-va das políticas e dos procedimentos adequados à gestão eficaz dos riscos de branqueamento de capitais e fi-nanciamento ao terrorismo.

Ao nível das empresas, o RCN de-verá efectuar a “comunicação de ope-rações suspeitas” ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) , tal como todos os profissio-nais que participem na dita operação, “sempre que saibam, suspeitem ou te-nham razões suficientes para suspei-tar” que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido, provêm de activida-des criminosas ou estão relacionadas com o financiamento do terrorismo.

Aqui começam os problemas e as dificuldades resultantes de uma com-plexa legislação, que merecem análi-se em vários dos artigos publicadas nesta revista.

Se existe ao nível das empresas, por imposição legal, um responsável apto a zelar pelo cumprimento normativo da prevenção do branqueamento de capi-tais, mantendo-se as responsabilidades dos restantes titulares da Direcção de Topo (“qualquer dirigente ou colabo-rador com conhecimentos suficientes da exposição da entidade obrigada ao risco de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo e com um nível hierárquico suficientemente

elevado para tomar decisões que afe-tem a exposição ao risco, não sendo necessariamente um membro do ór-gão de administração” – cfr. alínea n) do artigo 2.º da Lei 83/2017), qual o fundamento para alargar esse dever a todos os profissionais externos (técni-cos de contas, auditores, avaliadores, advogados), que tenham uma inter-venção “acessória e não relevante” nas operações ditas “suspeitas”?

As comunicações têm aumentado, em especial as comunicações automá-ticas das instituições financeiras, mas não se conhecem grandes resultados!

A burocracia aumentou, mas não se conhecem grandes resultados!

Temos um quadro sancionatório muito rigoroso e grave, mas os “gran-des casos” recentemente divulgados foram concretizados e visualizados com o acompanhamento de notícias, que circularam nos meios gerais de comunicação social.

Como acontece nesta revista ao promover a análise do regime de branqueamento de capitais, que in-clui uma importante e muito rele-vante entrevista do Procurador Geral da República de Angola, é necessário e urgente debater outros temas /pro-blemas (ou opções legislativas), no-meadamente: a criminalização do en-riquecimento ilícito relacionado com o BC e crimes subjacentes específi-cos, os meios de obtenção de prova em crimes de BC/FT, o estatuto do denunciante em crimes de BC/FT, a prova indirecta e critérios admissíveis em crimes de BC/FT, etc.

Em verdade, a prevenção de bran-queamento de capitais, como o nome indica, é uma exigência compor-tamental de todos, mas deverá ser um poder e um dever de alguns, em especial na comunicação das ditas operações suspeitas e na punição de comportamentos violadores do qua-dro legal em vigor, que, em Portugal, irá no curto prazo sofrer alterações, como referido nos artigos publicados.

António Raposo SubtilAdvogado RSA LPPresidente da Comissão de Legislação da Ordem dos Advogados

ENTREVISTA | 5VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

Angola está empenhada ma prevenção e repressão do branqueamento de capitais. – considera Hélder Grós. Em entrevista à “Vida Judiciária”, o Procurador Geral de Angola refere que o novo diploma publicado em Janeiro responde às novas necessidades de prevenção e repressão do branqueamento de capitais, terrorismo e proliferação de armas. “Somos fiscais da legalidade” – salienta.O Procurador Geral angolano valoriza a cooperação com a

Justiça portuguesa e considera mais importante a qualidade da Justiça do que a velocidade na conclusão dos processos.

Vida Judiciária - Com a publi-

cação e entrada em vigor da Lei n.º 5/2020, de 27 de Janeiro, em cumprimento de diversas con-venções internacionais ratifica-das pelo Estado angolano, prevê--se um conjunto de medidas de difícil implementação. Como en-cara a PGR a prontidão da respos-ta a dar pelo Ministério Público?

Hélder Gróz - Não cremos que se deva considerar “dificil” a implemen-

tação das novas determinações, bas-tando que se criem as condições para o efeito e que os órgãos vocacionados se empenhem nas mudanças e adap-tações que se impõem, quanto mais não seja, porque o branqueamento de capitais, o terrorismo e a prolife-ração de armas há muito vêm sendo “combatidos”, tanto na vertente re-pressiva como na vertente preventiva. Somos fiscais da legalidade, por exce-lência. Logo, velamos o melhor que podemos pela observância das leis, tão logo são formalmente aprovadas para vigorar no nosso país.

VJ - Angola vive um momen-

PROCURADOR-GERAL DE ANGOLA, HÉLDER GRÓZ, ASSUME

“Os processos terão a dimensãoe duração que as circunstâncias impuserem”

6 | ENTREVISTAjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

to de particular atenção face ao manifesto combate encetado a operações tipificáveis como cri-minalidade de natureza financei-ra. A complexidade das investi-gações pode provocar processos gigantescos e muito demorados, como acontece em Portugal. Esta é uma preocupação da Procura-doria-Geral da República? Se sim, quais as medidas para evitar tal e combater este tipo de criminali-dade com eficácia?

HG - A complexidade das investi-gações merece o nosso respeito, mas não configura uma preocupação, na medida em que acreditamos na capa-cidade que o empenho coletivo nos proporciona, tanto na vertente inter-pessoal como na perspetiva interins-titucional, apesar da nossa carência quantitativa de quadros e da escassez de meios técnicos e tecnológicos com que nos debatemos. No que toca ao volume e “timing” dos processos, en-tendemos não dever ser um objetivo em si. Estamos preocupados com a qualidade do trabalho que apresenta-mos e com a nossa contribuição para a boa administração da Justiça. Os processos terão a dimensão e dura-ção que as circunstâncias impuserem, dentro dos limites que a lei estabele-ce. A eficácia da prevenção e repressão à criminalidade económica-financei-ra depende em grande medida do in-vestimento institucional que se faça e da envolvência social que se verifique no combate ao fenómeno corrupção.

VJ - Este novo diploma vem impor um elevado conjunto de regras a entidades financeiras e não-financeiras. De que modo se pensa criar os canais de comuni-cação directa com o Ministério Público para uma actuação céle-re e eficaz?

HG - Em boa verdade, os canais de comunicação entre a PGR e tais en-tidades existem e estão permanente-mente abertos. O que devemos fazer é maximizar a sua exploração, para garantir maior eficácia. Não obstan-te, estaremos sempre empenhados na busca de formas mais expeditas

de interação com os diversos órgãos e entidades.

Interesses a salvaguardar

VJ - A lei vem impor aos Ad-vogados um conjunto de regras que podem colocar em causa o seu segredo profissional, consa-grado no respetivo Estatuto. Não pode esta lei colocar em causa o exercício livre da advocacia? Foi ouvida a Ordem dos Advogados?

HG - Entendemos que todas as pes-soas e instituições devem respeito aos superiores interesses que as leis visam salvaguardar, devendo prevalecer o princípio da concordância prática entre direitos ou interesses de igual

dignidade, de modo que uns sejam observados com a menor restrição possível de outros. Acreditamos, no entanto, no mérito das diversas análi-ses que antecederam à aprovação des-ta lei, que, como é regra, terá tido o cuidado de afectar o mínimo possível o exercício de quaisquer direitos, li-berdades, garantias ou prerrogativas. A Procuradoria-Geral da República não é um órgão legislativo, não lhe cabendo definir os órgãos a consul-tar aquando da concepção das leis. O processo de auscultação prévia e colheita de contributos, a respeito de projectos ou propostas legislativas, é conduzido pelos órgãos encarregues da sua apresentação, não sendo o caso da PGR.

VJ - O Senhor Pprocurador Ge-

ral esteve recentemente em Lis-boa, em reunião com a sua homó-loga portuguesa. Como define o relacionamento e a disponibili-dade para colaborar, manifes-tada pelo Ministério Público de Portugal?

HG - Deveras salutar e positiva. Angola e Portugal, a par da relação cultural e institucional cimentada ao longo dos muitos anos de histó-ria comum, ratificaram Convenções Internacionais, no âmbito da CPLP, que ambos os Estados têm feito por cumprir, reforçadas por Acordos e Memorandos de entendimento en-tre as respectivas Procuradorias-Ge-rais da República. Tudo faremos para preservar esse espírito de cooperação e ajuda mútuas com a nossa congé-nere portuguesa.

VJ - Está a ser pensada do pon-to de vista organizacional a cria-ção de equipas especiais do Mi-nistério Público para investigação da criminalidade económico-fi-nanceira?

HG - A PGR tem órgãos específicos para o tratamento de questões dessa natureza, nomeadamente a Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção (DNPCC), a Direcção Nacional de Investigação e Acção Pe-nal (DNIAP) e o Serviço Nacional de Recuperação de Activos (SENRA), que colaboram entre si e com os de-mais órgãos, na medida em que as situações concretas o requeiram. O trabalho em equipa tem sido privi-legiado a todos os níveis, pois defen-demos uma actuação coesa da nossa instituição e cremos piamente que juntos somos mais eficazes.

O dever da divulgação das leis

VJ - As entidades financeiras obrigadas estão sensibilizadas para os níveis de exigência colo-cados pela nova lei de combate ao financiamento do terrorismo e ao branqueamento de capitais?

HG - As leis são publicadas e, por vezes, têm um período que interme-

A implementação das novas determinações implica que os órgãos vocacionados se empenhem nas mudanças e adaptações

ENTREVISTA | 7VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

deia essa publicação e a sua entrada em vigor, “vacatio legis” (que não ocorreu no caso concreto), precisa-mente para que seja do conhecimen-to de todos os destinatários em geral e dos diretamente visados pelo seu conteúdo, em particular. No entanto, uma das atribuições da PGR é pre-cisamente a divulgação das leis, para aumento da consciência jurídica ge-ral. Fazémo-lo o mais que podemos, com particular ênfase para as franjas e instituições a que os respetivos di-plomas digam respeito. No demais, a prática de aplicação das normas pos-tas a vigorar vai aprimorando os ní-veis de observância das respetivas leis.

Em Portugal, faz-se muito uma crí-tica à demora das investigações e ao término dos processos-crime, crian-do-se, de algum modo, uma sensação de impunidade para os visados.

VJ - De que forma o Ministério Público está consciente da gene-ralização desses perigos e de que forma pensa agir para os evitar?

HG - É compreensível que se pre-tenda a Justiça cada vez mais célere, é uma cobrança social legítima, mas não deve ser, “de per si”, um objetivo dos órgãos que intervêm na sua ad-ministração. Outrossim, é a natureza das situações que dita a complexidade dos processos e, consequentemente, a sua duração. A nossa pretensão é sempre cumprir a nossa missão com a maior brevidade possível, mas a ne-cessidade e o compromisso de bem fazer, de agir estritamente nos parâ-

metros legais, impõe limites à “veloci-dade” que se pode imprimir em cada caso concreto.

VJ - Tem ecoado exteriormen-te a ideia de um crescendo de violência em Angola, muita dela motivada por problemas finan-ceiros muito graves por que tem passado a população. Concorda? Qual e como tem sido a articula-ção do Ministério Público com os órgãos de polícia criminal nesse combate?

HG - Percebemos que a situação económica seja uma variável a con-siderar na análise dos fenómenos so-ciais, mas não a legitimamos como fonte primária da criminalidade. Basta recordar que Angola já atraves-sou períodos de maior carência e de

maior perturbação social, sem que no entanto a criminalidade tivesse “dis-parado” sob tal pretexto. Reconhece-mos, contudo, que a conjuntura so-cial pode propiciar a adoção de com-portamentos tipificados como crime.

No entanto, entendemos que a causa primeira da criminalidade é a falha moral, a decadência dos valores morais da nossa sociedade. Daí que, a par das ações de natureza repressiva e reativa que a PGR desenvolve em coordenação com a Polícia Nacional e o SIC. Em particular, temos sido intervenientes ativos no processo de moralização da sociedade, agindo de modo preventivo e proactivo, con-tando, também nesta vertente, com a colaboração da Polícia Nacional, de outros órgãos estatais e da socie-dade civil.

Os canais de comunicação entre a PGR e as entidades existem e estão permanentemente abertos

8 | ENTREVISTAjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

JULIA GRACIA, MEMBRO FUNDADOR DO NCL

Nova Compliance Lab suscita interesse crescente entre profissionais e investigadores

O Nova Compliance Lab é um grupo de investigação do Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade (CEDIS) da Nova School of Law. Julia Gracia admite que se trata de um conceito que atrai um número crescente de investigadores e profissionais, o que traduz sobretudo o interesse dos temas tratados, designadamente ao nível da anticorrupção. As atividades do NCL tiveram início em julho do ano passado.

Vida Judiciária – Qual a justifi-cação e a pertinência na criação do NCL?

Julia Garcia – O NCL nasceu a partir da investigação aplicada de duas doutorandas da Nova School of Law, Julia Gracia e Izabel Albuquerque, as quais são orientadas pelo Professor Francisco Pereira Coutinho. O número elevado de pedidos de adesão ao NCL por profissionais e investigadores demonstra o interesse que os temas tratados no laboratório têm neste momento em Portugal.

VJ - Quais são os objetivos de in-vestigação do NCL?JG – O NCL pretende ser um laboratório de ideias vocacionado para o estudo interdisciplinar do Compliance, em particular do Compliance Anticorrupção.

VJ - Qual o background dos in-vestigadores do NCL e que apport diferenciado trazem ao processo de investigação?JG – O NCL integra académicos, advogados, compliance officers e auditores. Esta diversidade é uma das suas mais-valias. O NCL é um laboratório de investigação puramente académico.

VJ - Que atividades têm sido di-namizadas pelo NCL?JG – Já organizamos seminários e workshops, cujos programas se encontram publicados na nossa pág ina da in t e rne t h t tp s : / /novacompliancelab.cedis.fd.unl.pt/.

VJ - Que relações esperam es-

Julia Gracia.

ENTREVISTA | 9VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

tabelecer fora do mundo acadé-mico e que contributo esperam trazer?JG – O NCL está aberto a parcerias que permitam avançar com ações conjuntas para a investigação de temas relacionados com o Compliance que nos permitam elevar a qualidade da nossa produção científica.

VJ - Qual a importância da cone-xão entre a academia e os seto-res privados, públicos e, concre-tamente, da sociedade civil, nas plataformas de transmissão de conhecimento relativo ao Com-pliance?JG – A academia surge como catalisadora do diálogo entre estes setores, diálogo este que reputamos como essencial para a partilha das eventuais dificuldades e consequente procura de soluções, sempre de forma conciliatória, produtiva e construtiva; permite também a

partilha de histórias de sucesso que possam servir de inspiração para outras organizações ou pessoas.

VJ - Quais os pontos de contac-to entre a realidade portuguesa, brasileira e espanhola (zonas de investigação referencial defini-da pelo NCL) no que concerne ao Compliance? E quais os pontos de divergência?

JG – Este é justamente o trabalho de investigação que estamos a desenvolver. Esperamos publicar, ainda este ano, trabalhos comparativos sobre o Compliance em Portugal e Espanha e, no próximo ano, sobre o Brasil.

VJ - Qual a justificação de es-tudo dessas zonas concretas e, complementarmente, que ou-tras realidades poderão servir de referência no trabalho de inves-tigação a ser realizado no NCL?JG – O estudo dos temas está ligado às áreas de interesse dos membros do NCL. No futuro, outras realidades podem ser analisadas, fruto de novos interesses ou de ações conjuntas via parcerias.

VJ - Existe algum modelo de Compliance que se adeque, aten-tas as especificidades do tecido empresarial, à realidade portu-guesa?

O NCL é sobretudo um laboratório de ideias

Izabel Albuquerque e Julia Gracia.

10 | ENTREVISTAjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

JG – Não existe um “modelo” de programa de Compliance. A ideia de um Compliance estandardizado pode ter como consequência a ineficiência do programa, já que este deve ser adequado a cada realidade empresarial e aos riscos concretos. Para tal, é necessário que a empresa considere diversas variáveis, como por exemplo: a complexidade do seu universo operacional; o número de funcionários, parceiros e colaboradores; o grau de risco da sua atividade; se o mercado em que atua é mais ou menos regulado. No caso da prevenção da corrupção, as melhores práticas identificam certas questões que contribuem para um programa adequado, tais como: a cultura organizacional voltada para a ética corporativa, com um código de conduta e de ética; se existe o

comprometimento e o apoio da liderança ao programa, em especial o chamado tone at the top; se há uma instância responsável com autonomia e independência suficientes para realizar a função de Compliance; a análise dos riscos; o canal de reporte. Mas isto não significa uma padronização, já que o programa

deve ser adequado aos riscos que a empresa enfrenta, bem como à natureza, dimensão e complexidade das atividades desempenhadas pela organização.

VJ - Quais os ganhos e, principal-mente, quais os custos inerentes à implementação de um progra-ma de Compliance?JG – Tudo dependerá da complexidade do programa de Compliance. Além dos fatores acima mencionados, a maturidade e o grau de conformidade que a organização já possua influenciam o processo de implementação. Quanto aos ganhos, diversas pesquisas já demonstram que implementar um programa de Compliance pode contribuir diretamente para o sucesso da organização, a sua perenidade e o seu crescimento sustentável. Quando a empresa reavalia os seus riscos e redefine processos internos com base em tais riscos, isto pode vir a ter impacto positivo na sua efetividade e, consequentemente, em ganhos económicos. Por outro lado, não podemos esquecer que uma eventual infração à lei ou a regulamentos internos pode trazer diversas consequências negativas, desde sanções pelas autoridades competentes, a dano reputacional e perda de confiança na organização, quer de parceiros de negócios, quer de clientes, quer de investidores e até dos seus próprios colaboradores.

VJ - Faz sentido, para uma PME, numa consideração custo/bene-fício, implementar um programa de Compliance?JG – Sim. O Compliance para as PMEs deve ser pensado em termos proporcionais e a aplicação das boas práticas considerar as circunstâncias específicas, tanto internas (como o tamanho da organização ou os recursos de que dispõe), como as externas (quão regulado é o mercado em que atua, por exemplo). Mas isto não quer dizer que a implementação seja custosa ou difícil. Ter um programa de Compliance não deve ser visto como um fim em si mesmo,

É um laboratório de de investigação puramente académico

Izabel Albuquerque.

ENTREVISTA | 11

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

mas sob uma perspetiva instrumental: destina-se a manter, melhorar ou mesmo criar a cultura ética, a avaliação dos riscos da atividade e o respeito aos requisitos legais ou regulatórios. Reforçar tudo isto supõe uma mais valia para a empresa, com os mesmos ganhos mencionados anteriormente.

VJ - Quais são as novas tendên-cias na implementação dos pro-gramas de Compliance?JG – A tecnologia pode trazer um contributo muito importante; um exemplo é a possibilidade de realizar parte da formação remotamente e a utilização de ferramentas avançadas para a due diligence de terceiros e para a própria monitorização da eficiência do programa de Compliance.

VJ - Numa perspetiva intercul-tural, existe lugar para uma con-vergência do Compliance? Se sim, em que moldes e com que desafios?JG – Um dos desafios é estar num novo ambiente regulatório, em especial quando a organização tem atuação em mais do que uma ordem jurídica e está sujeita

a fatores externos e/ou internos de volatilidade, ambiguidade, incerteza e complexidade. Estas experiências adquiridas noutro país podem representar uma mais valia na sua atuação. Um profissional de Compliance bem treinado e capacitado consegue replicar este

conhecimento e experiência noutros locais.

VJ - Concretamente, e relativa-mente ao que é um lastro de go-vernança regulatória europeia, quais as novas tendências e de-safios?JG – Um dos desafios é a qualidade regulatória; isto é, uma regulação com objetivos e políticas claramente identificados. Importa também que

a legislação seja eficaz na consecução de tais objetivos, seja clara e simples, seja eficiente, com benefícios que justifiquem os custos, e, por último, que tenha uma base sólida jurídica e empírica. Por outro lado, são cruciais temas como a criação e implementação da supervisão regulatória, a participação das partes interessadas e a participação social, bem como a análise do impacto regulatório. Em relação a este último aspeto, em fevereiro deste ano, a OCDE publicou, na série Best Practice Principles for Regulatory Policy, o relatório sobre Análise de Impacto Regulatório, cuja leitura permite compreender a importância desta ferramenta para aumentar a qualidade do ambiente regulatório.

VJ - Quais os próximos eventos dinamizados pelo NCL?JG – De 16 a 22 de abril está prevista a realização na Nova School of Law da Semana da Integridade, que contará com várias atividades, incluindo um curso sobre Compliance para a prevenção da corrupção, cujas informações já estão disponíveis na página da Faculdade e na página do NCL.

Não existe um “modelo” de programa de Compliance

Julia Gracia e Izabel Albuquerque.

12 | COMENTÁRIO JURISPRUDENCIALjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

A abordagem do branqueamento de capitais, quer partindo do en-foque preciso no modelo de ilíci-

to típico, objetivo e subjectivo, previs-to no artigo 368.º-A do Código Penal, quer partindo daquilo que é o quadro legal de consideração do modelo de pre-venção, agora previsto na Lei 87/2017, tem que assentar num lastro mais pro-fundo consubstanciado, também, no contributo jurisprudencial, definidor do estado de arte do tratamento jurídi-co do fenómeno.

Assim, pretende-se analisar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-06-2014, referente ao processo 14/07.0TRL-SB.S1, relator Raul Borges, partindo da-quilo que são os patamares abordados pelo referido aresto, i.e. Branqueamento - Cri-minalidade organizada – Globalização; Aplicação da lei no espaço; Bem jurídico protegido; Conexão entre branqueamento e ilícito típico precedente (autoria); Pres-suposto: o crime/facto precedente; Punição do auto branqueamento, em direcção a uma reflexão crítica sobre as fragilida-des da nova Lei 83/2017 e, claro, aquilo que é a necessidade de um manual de prevenção de branqueamento de capi-tais que, partindo do apport teórico, seja, sobretudo, um contributo prático de identificação e resolução dos proble-mas e superação dos desafios existentes.

1. Introdução: o crime de branqueamento de capitais

O primeiro passo é claro e relaciona--se com a assunção do próprio concei-to de branqueamento de capitais e com

a sua consagração primária no Códi-go Penal. É que parece grassar alguma confusão entre aquilo que é a precisa previsão do ilícito criminal, no artigo 368.º-A do Código Penal, e aquilo que é um modelo/patamar de prevenção do fenómeno, com um modelo de ilícitos e sancionatório próprio, previsto na Lei 83/2017. Mas esta introdução, até pela exiguidade do espaço, será sempre nor-te de referência nos comentários infra oportunamente delineados.

O branqueamento de capitais en-quanto fenómeno é a transformação ilícita dos proventos resultantes de ati-vidades ilícitas, que visam a dissimula-ção da origem ou do proprietário real dos fundos, em capitais reutilizáveis nos termos da lei, dando-lhes uma aparên-cia de legalidade. O processo englo-ba, assim, três fases distintas: a fase de colocação (placement) onde os bens e rendimentos são colocados nos circui-tos financeiros e não financeiros; a fase de circulação (layering) onde os bens e rendimentos são objeto de múltiplas e repetidas operações, com o propósito de os distanciar da sua origem criminosa, apagando (branqueando) os vestígios da sua proveniência e propriedade; e, por último, a fase de integração (inte-gration) onde os bens e rendimentos, depois de reciclados, são reintroduzi-dos nos circuitos económicos legítimos (por exemplo, através da sua utilização na aquisição de bens e serviços).

A análise terá que sempre iniciar pelo número 1 do referido artigo, que es-tipula que “Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vanta-gens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores depen-dentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de ar-mas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos,

tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infrações referidas no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de setembro, e no artigo 324.º do Código da Proprieda-de Industrial, e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de dura-ção máxima superior a cinco anos, assim como os bens que com eles se obtenham”. Este número 1 funciona como previsão--elenco ou previsão catálogo, sendo que como refere MIGUEZ GARCIA1, “As principais dificuldades práticas na apli-cação do artigo 368.º-A não decorrem dos factos do catálogo, mas do princípio do lugar da proveniência, uma vez que sem esta determinação será bem difícil a comprovação do facto prévio. Se apenas se provar que a vantagem foi adquirida através de um crime, mas não que este é um crime de catálogo, o crime de bran-queamento não fica preenchido. Referimo--nos apenas às dificuldades prático-proba-tórias, naturalmente, por ser irrelevante, no plano típico, o local do cometimento do crime precedente, atento o disposto no n.º 4: a punição tem lugar ainda que os factos que integram a infração subjacente tenham sido praticados fora do território nacional, ou ainda que se ignore o local da prática do facto ou a identidade dos seus autores (…)”. No mesmo sentido, Paulo PINTO DE ALBUQUERQUE2 refere que “A enumeração dos crimes pre-cedentes conjuga-se, por um lado, com as infrações referidas no art 1 da Lei 36/94, de 29-09 e completa-se com os factos ilí-citos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seus meses ou de duração máxima superior a cinco anos”. Aponta-se a necessidade de uma limitação no tocante aos crimes do DL 28/84, “por forma a abranger apenas as cometidas por meios informáticos e atra-vés de associação criminosa, bem como as incriminações contra a economia, com

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-06-2014, referente ao processo 14/07.0TRLSB.S1, Conselheiro Raul Borges

JOÃO LUZ SOARESAdvogado na RSA-Raposo Subtil e Associados - Sociedade de Advogados, SP, RL

1. Tudo na anotação ao artigo 368.º- A do CP em GARCIA, M.Miguez; RIO, J.M. Castela. Código Penal. Parte Geral e Especial Comentado. Coimbra: Edições Almedina, 1280-1281.2. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto. Comentário ao Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Lisboa: Universidade Católica

Portuguesa, 2007, p.1090

COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL | 13

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

um elemento transnacional”. Parecendo haver, assim, e no entender do referido autor, uma consideração daquilo que são elementos de possível conexão in-ternacional nas incriminações contra a economia. No entanto, e aqui impor-tante, o catálogo referido no número 1 do artigo 368.º-A do CP revela-se primordial porque é um pressuposto de operacionalização da própria “apli-cabilidade” do artigo 368.º-A do CP. Como refere MIGUEL GARCIA3: “Não haverá branqueamento sem infra-ção precedente passível de incluir no n.º1, por fazer parte do catálogo, por ser uma das abrangidas pela remissão ou por se tratar de uma infração punida com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos”.

O número 2 do referido artigo defi-ne, por sua vez, as práticas proibidas e incriminadas, i.e., contendo os elemen-tos objectivos do tipo: “Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por tercei-ro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal, é punido com pena de prisão de dois a doze anos.” Refere o número 3 que “na mes-ma pena incorre quem ocultar ou dissi-mular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos”. No fundo os movimen-tos, entendidos como condutas, proi-bidos reportam-se a estes movimentos: converter, transferir, auxiliar ou facili-tar. Movimentos esses a que o número 3 do citado artigo acaba por adicionar, ainda, ocultar ou dissimular.

Por sua vez, o número 4 do referido artigo consagra que a punição pelos cri-mes previstos nos números 2 e 3 tem lugar ainda que se ignore o local da prá-tica do facto ou a identidade dos seus autores, ou ainda que os factos que inte-gram a infração subjacente tenham sido praticados fora do território nacional, salvo se se tratar de factos lícitos perante a lei do local onde foram praticados e

aos quais não seja aplicável a lei portu-guesa nos termos do artigo 5.º.

Acresce que, nos termos do número 6, a pena prevista nos números 2 e 3 é agravada de um terço se o agente pra-ticar as condutas de forma habitual, no que é uma assunção clara da punição do fenómeno em causa quando prati-cada numa égide de prática reiterada e eventualmente ligada a associação cri-minosa. Refira-se, ainda, que nos ter-mos do número 9 do referido artigo a pena pode ser especialmente atenuada se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a iden-tificação ou a captura dos responsáveis pela prática dos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens, no que pare-cer se uma abordagem aproximativa aos mundos conexos do(s) whistleblowers e da delação premiada.

2. Breve referência ao quadro legal de prevenção: da Directiva (UE) 2015/849 ao enquadramento legislativo nacional

Inicialmente, sempre será necessá-rio fazer um pequeno périplo sobre os principais momentos legislativos de enquadramento actual do fenómeno do branqueamento de capitais. Preten-de-se, obviamente, fazer um caminho inicial de enquadramento da legislação em causa que permitirá, a final, sentir o pulso as suas características, mas, mais importante, definir as suas fragilidades.

Se a evolução do quadro legal do branqueamento de capitais tem sido marcado por um certo vector hiperle-gislativo consubstanciado no apareci-mento de diversas leis, regulamentos e portarias que pretendem entender e dar resposta concreta ao fenómeno do branqueamento de capitais, urge referir que a construção do tipo legal base do crime de branqueamento de capitais, como vimos, se encontra prevista no artigo 368.º-A do Código Penal. Mas essa construção é, hoje, complementada com a previsão de um quadro legal de prevenção muito por imposição legis-lativa comunitária mas que entra (resta saber com que extensão) na compreen-são da figura.

Partindo também dessa base funda-

mental sempre teremos que referir, de forma breve, atenta a exiguidade des-te comentário em causa, algumas das mais recentes directivas europeias so-bre o tema assim como, claro está, o correlato movimento de transposição para o direito nacional. Nesse sentido, diga-se que a Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, tinha vindo já transpor a Direc-tiva n.º 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de ou-tubro de 2005, assim como a Directiva n.º 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de agosto de 2006, abrindo caminho para uma política eficaz que pretendeu alte-rar profundamente o sistema nacional de prevenção e combate ao branquea-mento de capitais e ao financiamento do terrorismo, com a previsão de um âmbito de actuação legal para as Uni-dades de Informação da Polícia Judiciá-ria (“UIF”), assim como o reforço dos deveres de cooperação das entidades obrigadas e a consagração do conceito de pessoas politicamente expostas.

Mas a Directiva (UE) 2015/849 de 20 de Maio de 2015, publicada a 5 de junho de 2015 no Jornal Oficial da União Europeia (“4.ª Diretiva”), veio tentar operacionalizar essa mudança de paradigma, aproveitando o lastro das directivas anteriores. Assume-se as-sim que aquele esforço representa tam-bém o reconhecimento expresso que o tema do branqueamento de capitais, do financiamento do terrorismo e do cri-me organizado representam realidades poliédricas de relevância primordial na construção da União Europeia (UE). Significa, também, que tais realidades encetam perigos concretos, i.e. conten-do aspetos susceptíveis de comprome-terem a integridade e estabilidade das instituições de crédito financeiras, bem como do sistema financeiro entendido como um todo orgânico que depende da estabilidade, coerência e validade de todos os seus componentes.

Assim, o fito da referida Directiva é precisamente tentar que haja uma as-sunção clara de todos os padrões defi-nidos internacionalmente no combate ao branqueamento de capitais e ao fi-nanciamento do terrorismo, nomeada-mente as Recomendações revistas em

3. GARCIA, M. Miguez, ob. cit., loc. cit.

14 | COMENTÁRIO JURISPRUDENCIALjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

2012 do Grupo de Acão Financeira (“GAFI”). Mas e aqui o factor diferen-ciador, existem alguns vetores em que as regras agora definidas acabam por extra-vasar os passos iniciais dados por aquelas recomendações no que parece ser um intuito de procura de uma maior segu-rança e efetividade nos procedimentos. Os exemplos de introdução conceptual de “relação de correspondência” ou de “direcção de topo”, ou de expansão conceptual de conceitos já existentes na anterior 3.ª Directiva, como o concei-to de “Pessoas politicamente expostas” (“PEP”) e respetivo regime, ou de revi-são do conceito de “beneficiário efeti-vo”, atestam o esforço na concretização de conceitos e na operacionalização do combate ao fenómeno. No fundo, as mudanças acabaram por se centrar em alguns vectores centrais: no alargamen-to das entidades obrigadas, na assunção de um processo de avaliação de risco, na concretização de medidas de diligência quanto à clientela, na importância da descoberta de informações sobre os be-neficiários efectivos e nos poderes san-cionatórios das autoridades.

Esta Directiva acabou por ser trans-posta pela Lei 83/2017 que pretendia fazer um esforço de enforcing no tra-tamento do fenómeno. De facto, gros-sus modus, prevê a nova proposta de lei uma esfera correlata de deveres para as entidades obrigadas, que passa pelos seguintes patamares subsequentes e co-municantes: o dever de comunicação de operações suspeitas (artigo 43.º), i.e., à UIF, a PGR e ao DCIAP, de todas as operações em que saibam, suspeitem ou tenham razões para acreditar que os fundos utilizados provêm de atividades criminosas; dever de abstenção, em que as entidades obrigadas se abstêm de exe-cutar qualquer operação, que saibam ou suspeitem poder estar relacionadas com fundos provenientes com a práti-ca de actividades criminosas; dever de colaboração, sendo que as entidades devem prestar toda a informação ne-cessária, disponibilizando documentos inclusive, perante pedido das entidades supracitadas; dever de não divulgação, não podendo revelar ao cliente ou a ter-ceiros que foram, estão a ser ou irão ser transmitidas comunicações ou infor-

mações com elas relacionadas, nem que se encontra ou possa vir a encontrar-se em curso uma investigação ou inqué-rito criminal.

Recentemente, o Regulamento 276/2019, de 26 de Março de 2019 vem alargar a aplicabilidade da Lei 83/2017, sendo que, num patamar ob-jectivo, visa estabelecer as condições de exercício e respetivos procedimentos, instrumentos, mecanismos e formalida-des inerentes ao cumprimento dos de-veres, gerais e específicos, estabelecidos na Lei e os demais aspetos necessários a assegurar o cumprimento dos deveres de prevenção e combate de branquea-mento de capitais e do financiamento do terrorismo (BC/FT) no setor imo-biliário. Os destinatários são, por isso, claros: entidades que exerçam a ativi-dade imobiliária em território nacional (sede estatutária ou efetiva ou agências, sucursais, delegações, representações) e ficam sujeitas à fiscalização do IMPIC, IP (cfr. artigo 1.º do Regulamento).

No entanto, esse quadro legal acaba, hoje, e para centralizar o presente esfor-ço, por se consubstanciar naquilo que é a rede legislativa que, resumidamente, aqui damos conta: i) a Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, que estabelece medidas de combate ao branqueamento de capi-tais e ao financiamento do terrorismo; ii) a Lei n.º 89/2017, de 18 de agosto, que aprova o Regime Jurídico do Regis-to Central do Beneficiário Efetivo e que entrou em vigor a 16 de Novembro de 2017; iii) a Lei n.º 92/2017, de 22 de agosto, que obriga à utilização de meio de pagamento específico em transações que envolvam montantes iguais ou su-periores a J3.000 (três mil euros); iv) a Lei n.º 96/2017, de 23 de agosto, que define os objetivos, prioridades e orien-tações de política criminal para o biénio de 2017-2019; v) a Lei n.º 97/2017, de 23 de agosto, que regula a aplica-ção e a execução de medidas restritivas aprovadas pela Organização das Nações Unidas ou pela União Europeia e esta-belece o regime sancionatório aplicável à violação destas medidas; vi) a Porta-ria n.º 200/2019, de 28 de junho, que estabelece os prazos para a declaração inicial do RCBE.

Neste devir, salientar a Directiva (UE)

n.º 2018/843 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2018 (“5.ª Directiva”), onde se prevê um con-junto de novas regras que passam pelo alargamento do acesso à informação so-bre os beneficiários efetivos, aumentan-do a transparência no que diz respeito à propriedade efetiva no caso de empresas e fundos fiduciários; abordando, tam-bém, os riscos associados aos cartões pré-pagos e às moedas virtuais, tendo como objectivo incrementar a coope-ração entre as unidades de informação financeira e, ultime, instituir contro-los melhorados sobre as transações que envolvem países terceiros de alto risco.

Com este quadro legal em mente, sempre será necessário delinear as ca-racterísticas definidoras do Acórdão a comentar, caminhando em direcção à identificação das fragilidades agora emergentes do novo quadro legal de prevenção.

3. Análise perfunctória do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-06-2014, referente ao processo 14/07.0TRLSB.S1, relator Raul Borges

Com este quadro legal em mente, e por referência a um Acórdão que é emblemático na consideração da ca-racterização do tipo legal de branquea-mento de capitais, sempre teremos que fazer uma breve crítica aos segmentos/vectores principais enunciados, tendo em conta, por um lado, a evolução do entendimento dos vectores levantados desde a redacção do aresto (que é de 2014), e, por outro lado, a consideração da evolução e entendimento do fenó-meno de prevenção do branqueamen-to de capitais.

Branqueamento - Criminalidade organizada - Globalização

O branqueamento de dinheiro é um problema que resulta em larga medida da abertura das economias ao exterior e da tendência para a mundialização da economia, tratando-se de uma consequên-cia negativa dessa abertura e, simultanea-mente, de um fenómeno que pode corrom-per e pôr em causa essa mesma abertura, se não for objecto de uma resposta adequada um fenómeno que ganhou especial vigor com a internacionalização da economia

COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL | 15

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

O crime organizado, universal e cienti-ficamente organizado, enquadra-se no fe-nómeno da globalização, sendo organiza-do verticalmente, e com todas as vantagens de uma sociedade secreta. O grande patrão do crime pode ser um cidadão respeitável, de peito medalhado, amigo do rei. Manda meter cheques na conta bancária e sereias na cama de nababos e poderosos. Chan-tageia e corrompe o mais Catão.

Tratando-se de um fenómeno novo, o branqueamento é fora de dúvida um pro-duto da internacionalização da economia, sendo o mundo globalizado, desregulari-zado, campo propício à expansão do fe-nómeno, ao exercício do nomadismo que o caracteriza, podendo escolher os tabu-leiros onde pode assentar as diversas fases de tratamento, as etapas que conduzam à extirpação da sujidade, à dissimulação da ilícita origem, à almejada limpidez do dinheiro que se pretende “reinvestir” no mercado das regras.

O branqueamento é como que o lado negro do processo de globalização, da li-beralização das trocas internacionais e dos movimentos de capitais, da abertura dos mercados financeiros, da maciça informa-tização e do comércio electrónico.

O branqueamento de capitais (dinheiro ou outros bens) consiste no procedimento através do qual o produto de operações cri-minosas ilícitas é investido em actividades aparentemente lícitas, mediante dissimu-lação da origem dessas operações; traduz--se no desenvolvimento de actividades, em resultado das quais um aumento de valo-res, que não é comunicado às autoridades legítimas, adquire uma aparência de ori-gem legal, sendo, no fundo, um processo de transformação.

Segundo o Relatório de Outubro de 1984 da President´s Commission on Orga-nized Crime, Estados Unidos da América do Norte, por branqueamento “designam--se os meios através dos quais se escondem a existência, a origem ilegal ou a utiliza-ção ilegal de rendimentos, encobrindo es-ses rendimentos de forma a que pareçam provir de origem lícita” ou, segundo outra tradução é “o processo através do qual se esconde a existência, a fonte ilegal ou a utilização ilegal de proveitos, e depois se disfarçam esses proveitos de forma a dar--lhes a aparência de legítimos”.

O branqueamento é algo diferente de

um Kavaliersdelikt, pois a luta contra ele coenvolve sempre, também, o combate à acção prévia, da qual nasceu a vantagem que carece de ser branqueada.

Daí, o afirmar-se o carácter subsidiá-rio ou acessório do branqueamento, pois a respectiva actuação pressupõe necessaria-mente, um facto ilícito prévio.

A privação dos lucros e das fortunas ili-citamente adquiridas por meio de activi-dades criminosas constitui uma das fina-lidades pragmáticas do branqueamento.

A criminalização do branqueamento de capitais faz parte de um claro ímpeto ac-tual com vista a atacar o lado patrimonial da criminalidade. Este movimento inclui designadamente um renovado interesse no fenómeno da corrupção e a sugestão de que se deveria criminalizar o facto de se ter património cuja origem lícita se não consegue demonstrar («sinais exteriores de riqueza não justificados»).

O branqueamento de capitais e outros produtos do crime corresponde a um fe-nómeno recente, relacionado com o crime internacionalmente organizado, à crimi-nalidade organizada, que se não confunde com o tipo legal de associação criminosa.

O branqueamento de capitais é uma categoria criminal nova, recente, moder-na, situando-se numa zona de confluên-cia com o da criminalidade organizada, no nosso caso, introduzida a partir de lei avulsa de Janeiro de 1993, em ligação es-treita e então única com o crime de trá-fico de estupefacientes, com recidiva, com previsão de maior amplitude, através de nova lei avulsa em Dezembro de 1995, e posteriormente, inserida nos catálogos das infracções codificadas,

O branqueamento de dinheiro ou de capitais é um fenómeno de amplitude mundial, que surgiu pela primeira vez, a nível mundial, associado ao tráfico de estupefacientes transnacional, que tem determinado que organizações interna-cionais e supranacionais tenham desen-volvido e continuem a desenvolver varia-díssimos esforços, com o objectivo de, em última análise, generalizar e tornar mais eficaz o combate a tal tipo de criminali-dade organizada.

O início da reacção das Nações Uni-das contra a criminalidade do branquea-mento pode localizar-se em 1975 com o 5.º Congresso das Nações Unidas para a

prevenção do crime e o tratamento dos delinquentes, realizado em Genève, onde foi abordada a temática do crime como empresa lucrativa.

A primeira iniciativa da comunidade internacional, em termos de elaboração de instrumentos sobre a questão de lava-gem de dinheiro, consistiu na Recomen-dação do Conselho da Europa, n.º R (80) 10, de 27 de Junho de 1980, relativa às disposições contra a transferência e a dis-simulação de fundos com origem ilícita.

O branqueamento de capitais e de ou-tros bens provenientes de actividades cri-minosas, nomeadamente os derivados de tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores, passou a ser objecto de combate específico a partir da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Subs-tâncias Psicotrópicas de 1988 (Convenção de Viena), adoptada em Viena na 6.ª Ses-são Plenária da Conferência das Nações Unidas, em 20 de Dezembro de 1988.

Esta mesma Convenção pode ser consi-derada como um dos instrumentos mais detalhados e de maior alcance no domí-nio do direito penal internacional, tendo--se operado a sua incorporação no direito interno com o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Manifestando as mesmas preocupações, o Conselho da Europa, na senda da Reco-mendação de 1980, promoveu a elabora-ção da Convenção Relativa ao Branquea-mento, Detecção, Apreensão e Perda dos Produtos do Crime (Convenção de Estras-burgo/Convenção de 1990/Convenção n.º 141 do Conselho da Europa, Council of Europe Treaty Series, STE n.º 141), aber-ta à assinatura, em Estrasburgo, em 8 de Novembro de 1990, data em que foi as-sinada por Portugal

A partir de Janeiro de 1993, com o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, opera-se uma verdadeira neocriminali-zação, com a tipificação da actividade de branqueamento de capitais obtidos com o tráfico de droga.

Comentário: a abordagem da im-portância do problema num espectro de “aldeia global” é fundamental. Mas pa-rece-nos, contudo, que o espaço percor-rido pelo acórdão permitiria, sempre, e ainda, alguma margem de desenvolvi-

16 | COMENTÁRIO JURISPRUDENCIALjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

mento que não terá sido plenamente conseguido. Neste ensejo o contributo daquilo que foi o pesado legado da cri-se económica do subprime sempre será essencial, uma vez que, este preciso qua-dro legal acaba por constituir e ser um desenvolvimento normativo (num certo espectro) daquele modelo/momento de mudança de paradigma. A principal ví-tima de toda aquela ambiência, nomea-damente no nosso país, foi, relembra-mos, o conceito relacional da fides, base e capital de confiança indispensável em que assentava a relação, em concreto, entre as instituições financeiras e a sua clientela. Os inúmeros escândalos, mais ou menos mediatizados, assim como os inúmeros processos com contornos duvidosos que assolaram a nossa aldeia global, transformaram a forma como as pessoas encararam as instituições finan-ceiras e seus produtos. Paralelamente a forma quase despudorada como alguns agentes financeiros multiplicavam e exponenciavam lucros, por caminhos sinuosos, fez com que a idade da ino-cência fosse superada, exigindo-se um esforço proactivo de reparação da con-fiança dos investidores. Mas estes laivos da crise e da perda de confiança também se repercutiram, até, no demarcado âm-bito do direito penal, nomeadamente, a montante, com uma maior preocupa-ção de abordagem a este fenómenos e aos denominados white colar crimes, as-sim como noutros âmbitos temáticos de Direito Penal Económico, e, a jusante, com o desenvolvimento legislativo (até por imposição de directivas europeias) de abordagem a essas realidades.

Precisamente, é também esta ambiên-cia que ajuda a justificar uma certa ten-dência que se relaciona com a tomada colectiva de consciência para os fenó-menos relacionados com esse mundo económico e, mais importante, a ne-cessidade de os prevenir e, subsequen-temente, a necessidade premente de a eles reagir. Situamo-nos, pois, e descen-do daquilo que era uma abordagem ge-nérica para uma consideração concreta, no âmbito da resposta à criminalidade económica. E é esta síndrome de Sísi-fo, aqui consubstanciado na inexistên-cia de um locus delicti, na pluralidade de crime cometidos e, muitas vezes, na

lentidão na resposta a este tipo de cri-minalidade, que também exige, quer no branqueamento de capitais, quer em todos os outros “crimes económi-cos”, a urgente definição de critérios de luta contra a criminalidade econó-mica, para lá das considerações prola-tadas no aresto.

E esse caminho assenta num duplo paradoxo. Vivemos numa aldeia global onde, com a destruição das fronteiras físicas (e psicológicas) e com o advento de todos aqueles novos espaços mercê do desenvolvimento informático e tec-nológico, partimos, pelo menos teorica-mente, e num plano de disponibilidade (quase e apenas de espaço físico) com maior facilidade para “os outros”. E é aí que radica, primariamente, a questão. Com essa diáspora humana (também tecnológica) surgem novas áreas onde, potencialmente, podem surgir novas tensões e relações de conflitualidade. No fundo, estaríamos a desenvolver--nos e a caminhar, no nosso iter de de-senvolvimento e crescimento enquanto sociedade em direcção a novas relações de tensão, consequentemente de con-flitualidade e, nesse sentido, de possí-vel deterioração dos laços e conquistas existentes. O crescimento, num círcu-lo enviesado potenciará assim, sempre, relações de conflitualidade que poderão desaguar em decréscimo ou destruição desse mesmo caminho? Mas este para-doxo revela-se ainda numa outra ver-tente. Perante a constatação daqueles novos focos de exigência de resposta à criminalidade é também importante considerar de que forma essa globalida-de, partindo dessa disponibilidade (apa-rentemente fictícia) para os outros, não nos está, verdadeiramente, a fechar em nichos isolados e não comunicativos. Daí que estas considerações, como ve-remos, até numa óptica da problemática de aplicação da lei no espaço, cada vez mais essencial, seriam sempre um vector importante naquilo que e o esforço de entendimento actual (para lá do acór-dão) do fenómeno do branqueamento de capitais.

Aplicação da lei no espaçoA punição pelo crime de branquea-

mento tem lugar ainda que os factos que

integram a infracção subjacente tenham sido praticados fora do território nacional, ou ainda que se ignore o local da práti-ca do facto.

Ultrapassada a definição do locus com-missi delicti tradicional, é irrelevante o lo-cal do cometimento do crime precedente; a punição pelos crimes de branqueamento abrange expressamente os casos em que os factos que integram a infracção principal tenham sido praticados fora do território nacional ou se desconheça o local do seu cometimento.

Comentário: a aplicação da lei no espaço afirma-se, cada vez mais, como o patamar de maior discussão (e im-portância) na consideração dos institu-tos de direito penal e, nomeadamente neste: no estudo do fenómeno de pre-venção, combate e mitigação do bran-queamento de capitais. Portanto, para lá do que é o caminho clássico percor-rido pelo Acórdão, sempre será necessá-rio sublinhar uma actuação concertada de combate à criminalidade económica, nos seguintes pilares: o papel do Estado como primordial para tal combate; a ne-cessária exigência de cooperação entre os estados; o contributo das questões ou pontos doutrinários, i.e. através da aplicação da lei penal no espaço.

De facto, se o princípio da territoria-lidade é o ponto de partida dentro da-quilo que são os parâmetros da nossa “actual civilização jurídico-cultural” da aplicação da lei penal no espaço, o sen-tido e o caminho tem sido feito, quando esse princípio basilar não actua, através da aplicação complementar de todos os outros princípios que integram aquele axioma, a saber: defesa dos interesses na-cionais, do pavilhão, da nacionalidade, do princípio da aplicação universal. Nas palavras de FARIA DE COSTA “o que permite que, mesmo quando não possa funcionar o princípio da territorialida-de, a lei penal nacional se aplique, desde que se verifique um conjunto de circuns-tâncias consagrado explicitamente pelo le-gislador”4. Interessante, na densificação destes critérios, é a consideração (defe-sa) do aumento dinâmico dos casos em que funcione a cláusula complementar que se sustenta no princípio da aplica-ção universal, propugnada por FARIA

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VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

DE COSTA5, que, ultrapassando a ra-dical ideia que as infracções visadas pelo analisando princípio sempre teriam que pertencer obrigatoriamente ao Código Penal, defende que “Nada há, em ver-dadeiro rigor, que impeça que sejam tam-bém consideradas infracções que integram o princípio da aplicação universal todas aquelas que o legislador julgue, em bom rigor, merecerem essa dignidade e que, todavia, pertençam ao direito penal aces-sório, ao direito penal secundário”. E no âmago desta problemática parece-nos profícuo dar nota deste preciso espec-tro: exige-se um esforço complementar na estipulação de critérios de luta contra a criminalidade que só será possível, hu-mildemente consideramos, partindo do passado (dos critérios de aplicação penal no espaço “tradicionais”), mas projectan-do para o futuro (em que o princípio da aplicação universal poderá ter também um papel importante). Esforço aquele que também é central na temática do branqueamento de capitais.

Bem jurídico protegidoPela inserção sistemática, o bem ju-

rídico protegido pela incriminação é a realização da justiça, na sua particular vertente da perseguição e do confisco pe-los tribunais dos proventos da actividade criminosa. Para alguns Autores, trata-se de um crime pluriofensivo.

Comentário: o bem jurídico pro-tegido é, de facto, a realização de jus-tiça quanto à adopção das medidas necessárias à perseguição e à elimi-nação dos defeitos de determinadas actividades criminosas. No fundo, o crime de branqueamento é, por isso, um crime de perigo abstracto em que se consideram as condutas que possam por em perigo a realização da justiça. Obviamente que para além da óbvia inserção sistemática no Código Penal que atesta a protecção do bem jurídi-co referido, não podemos deixar de considerar que o fenómeno de bran-queamento de capitais, enquanto esta-belecendo pontes lógicas de contacto com outras realidades jurídicas, acaba por tocar, também, e poder ofender,

sobretudo, outros bens jurídicos, na-quilo que é uma vertente de possibili-dade pluriofensiva. Mas é esta verten-te pluriofensiva que é essencial, hoje, para a concatenação do fenómeno e que não foi explorada pelo acórdão. Mas, complementarmente, a concre-tização destas características essenciais revela, também, a necessidade de uma abordagem evolutiva do tipo penal: partindo dos tipos objectivos e subjec-tivos estipulados no artigo 368.º-A do Código Penal, mas com a densificação “complementar” da Lei 83/2017 e do conceito de branqueamento de capi-tais ali propugnado. Com uma voz de fundo que nos lembra que na articula-ção do regime previsto no Código Pe-nal com o regime previsto no espectro do quadro sancionatório próprio da Lei 83/2017, dificilmente atingiremos um equilíbrio sustentável.

Conexão entre branqueamento e ilícito típico precedente (autoria)

A punição do branqueamento de van-tagens, prescindindo do território nacional como lugar único da prática dos factos que integram a infracção subjacente, prescinde igualmente da punição do autor do facto precedente ou mesmo do conhecimento da sua identidade.

A punição do branqueamento não pressupõe que tenha de existir agente determinado ou condenação pelo crime subjacente.

A lei exige apenas o conhecimento da prática da infracção principal, e não a sua punição.

O crime de branqueamento e a res-pectiva reacção penal são autónomos em relação ao facto ilícito típico subjacen-te. Assim, não importa que este último não tenha sido efectivamente punido, por exemplo por inimputabilidade pe-nal do agente, morte deste, prescrição, ou simplesmente, impossibilidade de determinar quem o praticou e em que circunstâncias.

O tipo do branqueamento exige apenas que as vantagens provenham de um facto ilícito-típico, não de um crime, donde a punição do branqueamento não depende de efectiva punição pelo facto precedente.

Comentário: o número 4 do artigo 368.º-A do CP consagra que A puni-ção pelos crimes previstos nos n.os 2 e 3 tem lugar ainda que se ignore o local da prática do facto ou a identidade dos seus autores, ou ainda que os factos que inte-gram a infração subjacente tenham sido praticados fora do território nacional, salvo se se tratar de factos lícitos perante a lei do local onde foram praticados e aos quais não seja aplicável a lei portuguesa nos termos do artigo 5.º. naquilo que é a assunção de uma cláusula de irrele-vância do lugar da prática do agente e da identidade do agente. Mas este nú-mero parece referir uma aplicabilidade fora do território nacional menos lata, no ilícito criminal, do que a propugna-da pelo regime de prevenção. Embora em relação aos crimes precedentes, a aplicabilidade do crime de branquea-mento de capitais seja feita ainda que se ignore o local da prática do facto ou a identidade dos seus autores ou ain-da que os factos do crime precedente tenham sido praticados fora do terri-tório nacional, a verdade é que aí exis-tem restrições: salvo se se tratar de factos lícitos perante a lei do local onde foram praticados e aos quais não seja aplicá-vel a lei portuguesa nos termos do artigo 5.º. No entanto, naquela aldeia global, e com fenómenos de branqueamento de capitais a surgirem em campos não tradicionais (vejam-se os modelos de branqueamento de bitcoins, branquea-mento com utilização de blockchain, inter alia) surge aqui a dúvida funda-mentada: estaremos perante a necessi-dade clara de apostar num alargamento da previsão e diminuição das restrições supra elencadas?

Pressuposto: o crime/facto precedente

O “Branqueamento”, sem mais, (no-mem assumido com a codificação em 2004, presente na epígrafe do artigo 368.º-A, do Código Penal) pressupõe, ac-tualmente, um facto ilícito típico (dantes, um crime em sentido técnico) anterior, que tenha produzido vantagens (com a definição do texto explicativo do n.º 1, com a inclusão dos producta sceleris e ain-

4. Cfr. FARIA COSTA, J., ob. cit., p.94.5. Cfr. FARIA COSTA, J., ob. cit., p.97

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da dos bens que com eles - factos ilícitos típicos - se venham a obter).

A declaração de perda de bens a favor do Estado, ou o confisco, na via alargada ou não, e a punição do branqueamento, servem, por vias diversas, o mesmo desi-derato: a pretensão estadual de atacar as vantagens do crime.

A juzante, o branqueamento das van-tagens. A montante, o crime prévio, de onde aquelas provêm.

O branqueamento de dinheiro, para utilizar uma fórmula simplificada, su-põe uma infracção principal (predicated offence), com outras, variadas designações, ao nível do direito europeu e internacio-nal, como crime prévio, crime originá-rio, delito pressuposto, crime-base, crime primário, crime antecedente, crime pre-cedente, facto referencial, crime designa-do, infracção subjacente, facto ilícito tí-pico (designação presente nos n.º 1, 5, 7, 9 e 10 do artigo 368.º-A do Código Pe-nal, embora com simultânea referência, no n.º 1, a “infracções” referidas no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, estando o termo “infracções” igualmente presente no n.º 2, e ainda a expressão “infracção subjacente” no n.º 4), todas a significar a actividade criminosa (ou ilícita típica) de origem dos bens, a infracção cuja re-ceita está na origem do branqueamento, e a juzante, uma infracção criminal se-cundária, um pós delito, propriamente, o branqueamento.

O critério actual de definição do facto ilícito e típico de que decorre a vantagem é misto, conjugando um catálogo de cri-mes, uma cláusula geral reportada à gra-vidade da infracção principal, valorada pela pena aplicável (puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos) e ainda uma remissão (já presen-te desde 1995 – artigo 2.º, corpo, do DL n.º 325/95) para um elenco de infracções constante de lei avulsa (Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro).

Actualmente o facto precedente não tem que constituir um crime em sentido técni-co (um ilícito - típico culposo e punível), mas um simples ilícito - típico, prescin-dindo, pois, do carácter culposo e punível.

A actividade de branqueamento é uma criminalidade derivada, de 2.º grau ou induzida de outras actividades, pois só

há necessidade de “branquear” dinheiro se ele provier de actividades primitiva-mente ilícitas.

O branqueamento de capitais cons-titui uma criminalidade derivada ou de segundo grau, no sentido de que tem como pressuposto a prévia concretização de um ilícito.

Esta relação do branqueamento com o facto precedente, a relação genética entre a lavagem e o crime gerador das receitas, lucros necessitados de branquear, não im-pede a afirmação da autonomia do bran-queamento.

O branqueamento de capitais pode ser caracterizado como um tipo derivativo, secundário, acessório ou «de conexão», sendo, neste ponto, em tudo análogo ao favorecimento pessoal, à receptação e ao auxílio material ao criminoso, visto que todos estes tipos legais fazem em parte de-rivar o seu conteúdo de ilicitude, embora nem sempre da mesma forma, do facto principal, podendo denominar-se todos estes tipos que pressupõem um ilícito-tí-pico anterior de «adesões posteriores» ou «pós factos».

O crime de branqueamento de capitais é estruturalmente autónomo da crimina-lidade subjacente.

Desde que se tenha verificado a práti-ca do crime-base e sejam praticados actos subsumíveis ao tipo de branqueamen-to, este ganha autonomia, no sentido de que o respectivo agente será penalmente perseguido mesmo nos casos em que, por exemplo, o autor do crime-base seja pe-nalmente inimputável, morra, ou o pro-cedimento criminal por tal crime se en-contre prescrito.

Pode haver “crime de branqueamento”, mesmo que os factos subjacentes não sejam criminalmente puníveis.

Acolhendo os ensinamentos de Figuei-redo Dias, o conceito de facto ilícito típico é introduzido no Código Penal, aquando da terceira alteração, operada pelo DL n.º 48/95, de 15 de Março, surgindo associa-do ao pós delito, na definição dos crimes de receptação e auxílio material (artigos 231.º e 232.º), e em consideração a ju-zante, ao aproveitamento dos resultados do crime, na declaração de perda a favor do Estado dos producta sceleris (artigos 109.º, 110.º e 111.º), ou numa outra perspectiva relacionada com medidas de

segurança (artigo 91.º em conexão com artigo 20.º).

Já antes a categoria estava presente no artigo 35.º, versando perda de objectos, do Decreto-Lei n.º 15/93.

Com a codificação do branqueamento em Abril de 2004, o facto precedente pas-sou a designar-se facto ilícito típico, desig-nação presente nos n.º 1, 5, 7, 9 e 10 do artigo 368.º-A do Código Penal.

Comentário: o crime precedente por referência a um catálogo que, à data da elaboração do acórdão, se entendia ser taxativo, funcionava como uma fattispe-cie de pressuposto de aplicabilidade: se se provasse que a vantagem tinha sido adquirida através de um crime, mas que aquele não era um crime de catálogo, não haveria preenchimento do crime de branqueamento. Obviamente que remeter essa condição de punibilidade por referência a um catálogo que pouco tem evoluído faz surgir uma preocupa-ção de eventual possibilidade de criação de espaços de impunibilidade. E para lá das naturais dificuldades probatórias de inserção de uma situação num daque-les tipos de crime catálogo, a verdade é que essa preocupação é agravada com as consequentes sinergias de facilidade transfronteiriça (até digital) da prática do crime de branqueamento e, sobretu-do, com o surgimento de novos tipos de crime de onde podem surgir (emergir) vantagens que quebram com os mo-delos tradicionais. Assim, parece haver uma necessidade de consideração da-quilo que são elementos de possível co-nexão internacional nas incriminações, nomeadamente no âmbito económico, com a previsão de uma cláusula mais alargada do catálogo do crime prece-dente? Onde fica o equilíbrio?

Punição do auto branqueamento O autor do facto precedente pode ser au-

tor do crime de branqueamento, ou seja, o autor do crime base pode ser perseguido cumulativamente pelo de reciclagem dos produtos daquele.

Face à lei actual, é possível a punição por branqueamento, em concurso real, do próprio autor do crime subjacente.

Comentário: Uma breve nota para

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realçar que existe uma necessidade de combater o fenómeno para lá do auto-branqueamento, i.e., dos casos em que o autor do crime precedente é também o agente concreto do posterior crime de branqueamento, podendo haver concurso real pela prática de ambos os comportamentos. Se este figurino é recorrente, a verdade é que a comple-xificação das relações, nomeadamente num âmbito económico-financeiro, e por referência a ambientes de asso-ciação criminosa, faz com que sejam adoptados modelos cada vez mais sofis-ticados. Pelo que, para lá do autobran-queamento, naquele espectro, sempre teremos que falar em fenómenos de heterobranqueamento, com múltiplos actores e agentes que exigem uma res-posta também ela mais qualificada.

3. As fragilidades do quadro legal de prevenção e a necessidade de um manual de prevenção de branqueamento de capitais

Fast forward, da consideração do ilícito típico criminal e das opções de fundamentação do referido aresto, te-mos, agora e hoje, a consideração de um modelo de prevenção que, supra, na introdução, demos nota. No entan-to, e como o mundo prático impõe, a implementação da Lei 83/2017 e restantes ramificações legais tem sido marcada pela identificação de uma sé-rie de fragilidades que colocam a sua operacionalização em risco: 1) existe, desde logo, uma disparidade entre as baixas molduras penais previstas para os ilícitos criminais versus coimas de montante elevado (e passíveis de agra-vamento), que compromete o equi-líbrio na e da sua aplicabilidade; 2) consignou-se, também, uma previsão de competência instrutória e decisória disseminada que obsta, também, a efi-ciência no tratamento dos processos; 3) construi-se um dever de comuni-cação das operações suspeitas sem a adopção de um critério qualitativo claro, existindo, isso sim, um dever de denúncia alargada que comprome-te a qualidade do procedimento e da informação eventualmente veiculada; 4) consagrou-se, também, uma autên-tica disseminação das remissões cons-

titutivas de aplicabilidade de direito subsidiário que remete a aplicabilida-de dos regimes do Código Penal e do RGCO para situações limite e com-pletamente (e diríamos abertamente) residuais; 5) existe um fito pouco cla-ro e quasi economicista no tratamen-to concreto do destino das coimas e do benefício económico, sendo que, e no caso concreto de outras autori-dades sectoriais (para lá do Banco de Portugal e da CMVM) responsáveis pelo processo, aqueles valores rever-tem, precisamente, para a autoridade sectorial competente, que, a partir des-se momento (com bondade, uma vez que, na verdade, o momento será an-terior) fica com um interesse concre-to na prossecução e outcome do caso; 6) o caso concreto da punibilidade tout court da tentativa e negligência, e o caso concreto da proibição da re-formatio in pejus, que se afastam do regime geral e que estão no limite da violação grave dos direitos dos argui-dos assim como da consubstanciação de patamares de inconstitucionalida-de; 7) com a adopção de um elenco de 95 contraordenações, previstas no artigo 169.º da Lei, por violação de deveres previstos na Lei de BC/FT e no Regulamento (UE) 2015/847, que é, juridicamente, contranatura. Em conclusão, a prática jurídica no trata-mento destas questões vem demons-trar já, e em correlato apuramento de feedback junto das entidades obriga-das, a existência de alguns obstáculos inegáveis, que se consubstancia numa dificuldade de compreensão do catá-logo de contraordenações existente. E esta dificuldade repercute-se em três níveis diferenciados. A dificuldade de implementação e previsão, a montante, por parte das entidades obrigadas. A dificuldade, a jusante, das entidades competentes em subsumirem os even-tuais comportamentos violadores ao catálogo existente. E, ainda, num ter-ceiro nível cúpula, problemas de defi-nição de competência instrutória e de-cisória dos processos. Em suma, uma complexificação desnecessária dos pro-cessos de operacionalização.

O modelo da Lei 83/2017 estabele-ce, por isso, pontos de contacto lógico

(convergência e convergência evolu-tiva) com os regimes bases, mas tem uma nota de independência e autono-mia que o afirmam como um regime com características próprias, mas que sublinham a necessidade duma revisão profunda do RGCO e uma harmoni-zação entre os ditos regimes sectoriais, diminuindo as diferenças existentes que dificultam o seu estudo e a sua operacionalização. E, por outro lado, sublinham sobretudo a necessidade de recusa de uma transposição quase acrítica de instrumentos de Direito In-ternacional e da União Europeia, com sobreposições assinaláveis em relação a diplomas nacionais ou – o que é mais grave – com soluções legislativas opos-tas. Não bastava, sobretudo, que a li-gação formal àquilo que é um fenóme-no também complexo do terrorismo (e que só aparece na epígrafe da referida Lei) pudesse ser utilizado para justificar acriticamente qualquer movimento de supressão dos direitos de defesa dos Ar-guidos e, de forma mais lata, qualquer violação dos mais elementares princí-pios penais e processuais penais, o que, infelizmente, acontece.

Perante estas fragilidades, existem sobretudo dúvidas na operacionaliza-ção do modelo concreto de prevenção propugnado. Dúvidas essas que, para lá de um momento transitório de iní-cio de aplicabilidade da(s) própria(s) lei(s), correspondem a um reconheci-mento expresso da sua complexidade e, claro, acabam por alertar, sobretu-do, para uma futura ineficácia. Preci-samente por isso, torna-se importante sublinhar a necessidade da elaboração, de forma objectiva, formativa e siste-mática, de um manual onde constem os conceitos, normas e procedimentos de prevenção do branqueamento de capitais, dando inteligibilidade e alma a este figurino legal. No fundo, transi-tando de uma abordagem etérea e ge-ral que parece ainda reinar, para uma abordagem prática de prevenção do fe-nómeno, preparando clientes, empresas e instituições, afinando a sensibilidade necessária, garantindo a qualidade da informação transmitida e a automati-cidade, unicidade e eficácia dos proce-dimentos.

20 | OPINIÃOjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

A vertigem que causa a leitura dos diplomas que versam sobre a prevenção e combate ao bran-

queamento de capitais (e financia-mento do terrorismo, não nos esque-çamos) é compreensível: a densidade, detalhe e minúcia dos instrumentos legislativos, sejam os europeus (fonte da esmagadora maioria da legislação a este respeito), sejam os internos (que os transpõem), a interacção complexa com leis dos estados membros que re-gem realidades distintas mas conexas, a rápida evolução legislativa não faci-litam a percepção correcta de todas as particularidades de um regime ainda longe de sedimentado. A nosso ver, a forma mais eficaz de tornar inteligí-vel a legislação relativa ao branquea-mento será, como aqui ensaiaremos, decompor a análise por temas de mais fácil apreensão. Propomo-nos, assim, a fazer uma brevíssima incursão na protecção conferida às pessoas que denunciam violações no âmbito do regime anti-branqueamento, que nos parece inteiramente oportuna, dada a entrada em vigor da directiva comu-nitária relativa ao estatuto do denun-ciante e que, como adiante veremos, tem aqui aplicação.

A primeira abordagem a esta maté-ria foi operada pela 4.ª directiva con-tra o branqueamento de capitais e o fi-nanciamento do terrorismo, Directiva (UE) 2015/849 do Parlamento Euro-peu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, que, no seu artigo 38.º, impõe aos Estados-Membros garantirem que as pessoas que comuniquem actos ou operações suspeitas de branqueamen-to de capitais (ou de financiamento do terrorismo) sejam devidamente prote-

gidas de quaisquer ameaças ou actos hostis, particularmente, medidas la-borais desfavoráveis ou discriminató-rias. Entende-se perfeitamente a par-ticularização de medidas retaliatórias no âmbito laboral, posto que, prova-velmente, a maioria dos denunciantes serão tendencialmente funcionários ou representantes das entidades obri-gadas e sendo conhecida a denúncia são expectáveis represálias da hierar-quia daquela entidade. Para efeitos da protecção a conferir ao denunciante, é irrelevante perante quem sejam co-municadas as suspeitas, seja a respon-sáveis internos, seja a UIF (Unidades de Informação Financeira). Algo que sempre suscita alguma perplexidade, como é típico de formulações genéri-cas, é a forma como se aportou o cerne da norma, i. é, a obrigação protectiva dos estados ao denunciante é caracte-rizada como “devidamente”. Não te-mos a concretização de qualquer tipo de medida protectiva, mas somente um exortar a medidas eficazes, sem as exemplificar, o que salienta o pendor programático da norma.

A ratio da inclusão desta matéria na directiva resulta clara do considerando preambular 41 onde se diz que “Veri-ficaram-se vários casos de funcionários que foram vítimas de ameaças ou atos hostis após terem participado as suas suspeitas de branqueamento de capitais. Apesar de a presente diretiva não poder interferir com os processos judiciais dos Estados-Membros, é fundamental tratar esta questão, a fim de garantir a eficácia do sistema ABC/CFT. Os Estados-Mem-bros deverão estar cientes deste problema e deverão envidar todos os esforços possí-veis para proteger as pessoas, incluindo os funcionários e representantes da enti-dade obrigada, de tais ameaças ou atos hostis, e garantir, nos termos do direito nacional, a proteção adequada de tais pessoas, especialmente no que respeita ao direito à proteção dos seus dados pes-soais e aos seus direitos a uma proteção e representação judicial efetiva”. Não

surpreende que assim seja, não só pe-las pesadas sanções a que as entidades obrigadas estão sujeitas como pelo au-mento excepcional do conteúdo da obrigação de comunicar (vd. quando tenha fundadas razões para suspeitar). Os efeitos gravosos que podem advir para as entidades obrigadas da comu-nicação de uma suspeita justifica ple-namente o receio de retaliação contra o denunciante e, concomitantemente, a necessidade de medidas protectivas deste, de forma a não desincentivar a denúncia como parte integrante de um sistema ABC/CFT assente na co-municação de suspeitas pelas entida-des obrigadas.

A 4.ª directiva foi (parcialmente) transposta para a ordem jurídica in-terna pela Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto que aprovou as medidas de combate ao branqueamento de capi-tais e ao financiamento do terrorismo em que era de esperar um afinamento das medidas de protecção do denun-ciante, como veio a suceder. Assim, o artigo 20.º, n.º 6, do diploma, o stan-dard relativamente à comunicação de irregularidades, estatui a obrigação de as entidades obrigadas se absterem de ameaças, actos hostis ou, em particu-lar, de práticas laborais desfavoráveis ou discriminatórias contra as pessoas que, por força das funções que exer-çam na entidade obrigada, tomem conhecimento de violações à legisla-ção anti-branqueamento e as comuni-quem ao órgão de fiscalização. Acessó-ria, para não dizer redundantemente, também se proíbe que estas comuni-cações possam ser o fundamento da instauração pela entidade obrigadas, de procedimento disciplinar, civil ou criminal contra o autor da comunica-ção, excepto se as mesmas forem de-liberada e manifestamente infundadas. A nosso ver, era desejável uma maior concretização de conceitos tão genéri-cos como sejam ameaças e actos hos-tis, dado que a amplitude interpreta-tiva concebível para o preenchimen-

O estatuto do denunciante no regime do branqueamento de capitais

Manuel Nobre Correia Advogado na RSA-RAPOSO SUBTIL E ASSOCIADOS - SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, RL

OPINIÃO | 21

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

to destes elementos deixa em aberto a possibilidade de qualquer reparo ou comentário ser, em abstracto, qualifi-cado como uma ameaça ou acto hostil ao denunciante.

Mais adiante, o n.º 3 do artigo 56.º relativo à derrogação do dever de se-gredo e protecção na prestação de informações, reitera a imposição da mesma obrigação de abstenção das entidades obrigadas contra as pessoas que prestem informações, facultem documentos e os demais elementos necessários ao cumprimento do de-ver de comunicação de violações à legislação anti-branqueamento e que estejam sujeitas a dever de segredo ou sigilo. À semelhança do anterior, o n.º 4 deste normativo inibe a pos-sibilidade de utilização dessa pres-tação de informações ou entrega de documentos como fundamento para a perseguição criminal, disciplinar ou civil do denunciante, obviamente desde que este esteja de boa-fé. Ino-vatoriamente, o n.º 6 estatui que as entidades obrigadas garantam peran-te terceiros, nomeadamente clientes e demais colaboradores, a confidenciali-dade da identidade dos colaboradores que prestem informações ou facultem elementos no cumprimento do dever de comunicação.

Exceptuando a obrigação de garan-tir a confidencialidade da identidade do denunciante, as demais obrigações de abstenção são estatuídas quanto à denúncia de irregularidades para as autoridades sectoriais relevantes nos termos do artigo 108.º.

O artigo 169.º inclui dentro dos factos típicos que constituem con-traordenação a violação da obriga-ção de abstenção imposta pelo arti-go 20.º, n.º 6 (alínea n), e pelo artigo 108.º, n.º 4 e 5 (alíneas ww e nnn). Estranhamente, em nosso entender, a violação das obrigações de abstenção decorrentes do artigo 56.º não consti-tuem uma contraordenação, mas sim a violação da obrigação de garantia do anonimato do colaborador de-nunciante. Dizemos estranhamente porque esta conduta ilícita não ex-clui a possibilidade de concurso com a violação do dever de abstenção da

norma, pelo que sempre constituiria uma conduta típica. Pese embora ser passível de integração por analogia, seria desejável a rectificação dessa la-cuna da lei, em abono da eficácia do sistema. Ainda mais num momento em que Portugal é alvo de um proces-so de infracção emergente da trans-posição da directiva.

Cumpre ainda chamar a atenção para o aparente lapso legislativo rela-tivamente à exacta repetição do teor da alínea ww do artigo 169.º pela alínea nnn) da mesma disposição, o que, por ser evidentemente redun-dante, apenas se concebe como lapso.

O regime vigente de protecção dos denunciantes de violações consagra-do na lei de combate ao branquea-mento e financiamento, para além dos lapsos que aqui se apontaram, estabelece de forma excessivamente genérica as obrigações das entidades,

que deveriam ser mais concretizadas pelas dificuldades de aplicação que se antecipam.

Entretanto, é publicada a Directiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Eu-ropeu e do Conselho, de 23 de Outu-bro de 2019, relativa à protecção das pessoas que denunciam violações do direito da União, a qual, por força do artigo 1.º, n.º 1, a), ii), é aplicável às violações dos actos da União respei-tantes à prevenção do branqueamen-to de capitais e do financiamento do terrorismo.

Porém o artigo 3.º, referente à rela-ção com outros actos da União e dis-posições nacionais, dispõe que as dis-posições desta directiva são aplicáveis na medida em que uma matéria não esteja regulamentada de forma impe-rativa nos referidos atos setoriais espe-cíficos da União. O que, salvo melhor interpretação, significa que a directi-

va é aplicável supletivamente, ou seja, no que não seja expressamente regu-lamentado pela Lei 83/2017.

Só um exame detalhado, que não se compadece com a novidade da direc-tiva, permitirá estabelecer claramen-te quais as concretas disposições que coincidem com o regime de protecção instituído pela lei anti-branqueamen-to. Numa análise perfunctória, dire-mos que, mais evidentemente, serão aplicáveis em concurso com as nor-mas do regime anti-branqueamento as disposições relativas à extensão da protecção a alguns familiares dos de-nunciantes, a invalidade das obriga-ções legais ou contratuais de lealdade ou acordo de não-divulgação de con-fidencialidade impeditivos das de-núncias e, também, a distinção entre denunciantes, facilitadores e infor-madores.

Uma nota final para mencionar o

Comunicado do Conselho de Mi-nistros do passado 20 de Fevereiro de 2020 sobre a transposição para o ordenamento jurídico interno da Directiva (UE) 2018/1673, relativa à harmonização do direito penal dos estados membros no que concerne à tipologia dos ilícitos, às condições de procedibilidade, aos limites mínimos das penas e conflitos de competên-cia, Directiva essa omissa quanto ao tema que tratamos aqui, o que permi-te concluir pela aplicação subsidiária do estatuto do denunciante até à sua transposição efectiva.

Para terminar estas breves notas, diremos que o regime carece de ser testado na sua eficácia e aplicabili-dade prática pelos tribunais antes de poder ser alvo de uma verdadeira ava-liação, inexistindo substituto algum para o conhecimento que advém da experiência.

“Era desejável uma maior concretização de conceitos tão genéricos como sejam ameaças e actos hostis, dado que a amplitude interpretativa concebível para o preenchimento destes elementos deixa em aberto a possibilidade de qualquer reparo ou comentário ser em abstracto, qualificado como uma ameaça ou acto hostil ao denunciante.”

22 | OPINIÃOjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

Ainda distantes do que viria a ser o processo “Luanda Leaks”, em Outubro de 2019, a Assembleia

Nacional aprovava, na generalidade, a nova Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, do Fi-nanciamento do Terrorismo e da Pro-liferação de Armas de Destruição em Massa. Uma vez discutida na especia-lidade, a nova lei foi aprovada pela As-sembleia Nacional a 20 de Novembro e publicada como Lei n.º 5/20 a 27 de Janeiro de 2020, data também da sua entrada em vigor.

A Lei 5/20 revoga assim a Lei n.º 34/11, de 12 de Dezembro (derrogada pela Lei 19/17, sobre a Prevenção e o Combate ao Terrorismo), que versava sobre a mesma matéria, mantendo-se, por agora, em vigor legislação conexa como a Lei 3/14, de 10 de Fevereiro, sobre a Criminalização das Infrações Subjacentes ao Branqueamento de Ca-pitais, ou o Aviso n.º 22/12, de 25 de Abril, do Banco Nacional de Angola, relativo à supervisão e fiscalização do cumprimento das obrigações de pre-venção e combate ao branqueamento de capitais e do financiamento do ter-rorismo pelas entidades financeiras.

Numa economia fortemente depen-dente e assente no financiamento es-trangeiro, esta lei surge como resposta a algumas exigências da comunidade internacional, em particular, do Fun-do Monetário Internacional (FMI), que em Dezembro aprovou mais um pagamento de 247 milhões de dólares a Angola no âmbito do Programa de Financiamento Ampliado, num total de 3,7 mil milhões de dólares, e do Grupo de Ação Financeira Interna-

cional (GAFI), um organismo inter-governamental que tem como propó-sito desenvolver e promover políticas, nacionais e internacionais, de com-bate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo (BC/FT) através de recomendações que os países devem implementar com vista à proteção do sistema financeiro in-ternacional.

O GAFI avalia, à escala mundial, a implementação das suas recomenda-ções e publica regularmente uma lista dos países que constituem uma amea-ça ao sistema financeiro internacional por não seguirem as medidas de com-bate ao BC/FT. Em 2010, o GAFI fez constar Angola na Lista Cinzenta devido às deficiências estratégicas no combate ao BC / FT, tendo concluí-do que o País representava um risco para o sistema financeiro internacio-nal. Desde então o País tem envidado esforços com vista ao melhoramento do sistema de pagamento e as transa-ções, tendo visto o seu nome riscado daquela Lista em 2016.

Embora Angola não seja membro do GAFI (em África apenas a África do Sul é membro), este Grupo conta com 37 países, entre os quais destaca-mos – devido às estreitas relações co-merciais e financeiras com Angola – a França, Alemanha, Itália, Portugal, China, bem como os EUA e Reino Unido. Assim, o respeito pelas reco-mendações do GAFI é um sinal cru-cial à comunidade internacional da real intenção do Executivo Angolano em combater e penalizar o branquea-mento de capitais.

Não esqueçamos que Angola depen-de enormemente das importações e, consequentemente, da moeda estran-geira, e de como os níveis de corrup-ção e do branqueamento de capitais limitaram o acesso do país a essas di-visas, o que teve como efeito as óbvias e graves consequências económicas,

financeiras e sociais que o país ainda hoje atravessa.

A Lei 5/20 veio assim juntar-se a ou-tras medidas legislativas que têm como fim último demonstrar ao mercado internacional que o atual Executivo é defensor da liberdade económica e está apostado na transparência e no com-bate e punição da corrupção, garan-tindo assim não só aos financiadores do Estado Angolano, mas também a potenciais investidores, um ambiente seguro para investir em Angola.

Percebe-se então a relevância desta novidade legislativa que, para além de procurar ir de encontro aos padrões internacionais e à estatuição efetiva de medidas legais com vista à prevenção e repressão do branqueamento de ca-pitais e financiamento do terrorismo, pretende também evidenciar sinais de mudança, estabilidade e confiança no mercado angolano.

Vejamos então as principais inova-ções da Lei 5/20. Para além de, na ge-neralidade, tecer uma malha bem mais apertada do que a lei a que sucede, a Lei 5/20 reforça os poderes das enti-dades de supervisão, em particular da Unidade de Informação Financeira, bem como os deveres de controlo e prevenção das entidades a ela sujeitas.

A definição de Pessoas Politicamen-te Expostas (PPE) terá sido, talvez, a questão mais polémica e que gerou maior debate entre os deputados da Assembleia Nacional. A anterior Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento do Ter-rorismo fixava um conceito demasiado restritivo de PPE, definindo-as como “pessoas singulares estrangeiras que de-sempenham, ou desempenharam até há um ano, cargos de natureza política ou pública, bem como os membros próximos da sua família e pessoas que reconhecida-mente tenham com elas estreitas relações de natureza societária ou comercial.”. A alteração deste conceito há muito que

Angola Nova Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais: um sinal de confiança para o mercado internacional

Andreia CostaAdvogada em Angola e Portugal RSA- Rede de Serviços de Advocacia de Língua Portuguesa

OPINIÃO | 23

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

era reclamada pelo GAFI, que emitiu diversas recomendações a este respei-to. O GAFI entende que a construção do conceito de PPE deve ter em con-sideração a realidade cultural e social de cada Estado. Considerando que, em Angola, o conceito de família é bastan-te alargado, a definição de PPE deve ir de encontro com essa realidade. Com a Lei 5/20, PPE passam a ser quaisquer “indivíduos nacionais ou estrangeiros que desempenham ou desempenharam funções públicas proeminentes em An-gola, ou em qualquer outro País ou ju-risdição ou em qualquer organização Internacional”. A esta definição mais ampla segue-se uma lista, bem mais extensa (agora com 19 alíneas contra as 10 alíneas da Lei 34/11), do que se consideram “altos cargos de natureza política ou pública” que, ao contrá-rio da lei anterior, não é taxativa, e

que elenca, designadamente, o Vice--Presidente da República e os órgãos auxiliares do Presidente da República.

Também a equiparação dos mem-bros de família e das pessoas muito próximas das PPE foi francamente alargada; para além do cônjuge ou uni-do de facto, passam a ser considerados todos os parentes (sem limitação) até ao 3.º grau da linha colateral e afins até ao mesmo grau, e respetivos cônjuges ou unidos de facto, e ainda as pessoas com reconhecidas e estreitas relações de natureza pessoal, a acrescer às rela-ções de natureza societária ou comer-cial já previstas na lei anterior.

Situação semelhante sucedeu com a definição de outro conceito-chave de qualquer normativo atinente a BC/FT, o de “Beneficiário Efetivo”. A Lei 34/11 limitava este conceito à proprie-dade ou controlo de, pelo menos, 20% do capital social, dos direitos de voto, ou do património de pessoas coletivas.

Agora para ser qualificado como Be-neficiário Efetivo basta que a pessoa detenha uma participação no capital de uma pessoa coletiva ou a controle (ainda que indiretamente), detenha a propriedade ou controlo do capital da sociedade ou dos direitos de voto, ou que tenha o deito de exercer influên-cia significativa ou controlo da socie-dade, independentemente do nível de participação.

Outra inovação a destacar é a cria-ção da Obrigação de Avaliação de Ris-co; as entidades sujeitas devem adotar medidas apropriadas para identificar, avaliar, compreender e mitigar os ris-cos de branqueamento de capitais, do financiamento do terrorismo e da pro-liferação de armas de destruição em massa, quer ao nível do cliente indivi-dual, como da transação e da institui-ção. As entidades sujeitas estão assim

obrigadas a implementar políticas in-ternas de controlo, gestão e mitigação do risco e criar medidas reforçadas ou simplificadas em função do risco ele-vado ou diminuto, respetivamente. O legislador pretende que as entidades sujeitas adotem procedimentos e me-didas ágeis, funcionais, e proporcionais ao risco identificado.

A gestão de risco na utilização de no-vas tecnologias é também uma preocu-pação da Nova Lei, estando as entida-des sujeitas obrigadas a implementar as políticas e medidas necessárias para evitar a utilização abusiva das novas tecnologias em esquemas de BC / FT e Proliferação de Armas de Destruição em Massa.

Outra novidade prende-se com as transferências eletrónicas; com a en-trada em vigor da Lei 5/20, as transa-ções ocasionais executadas através de transferência eletrónica num montan-te igual ou superior a USD 1.000 (em

moeda nacional ou estrangeira), estão sujeitas às obrigações de identificação e diligência.

Outra medida que destacamos tem que ver com a obrigação de comuni-cação das transações em numerário. A Lei 34/11 já previa a obrigação de co-municação à Unidade de Informação Financeira de todas as transações em numerário de valor igual ou superior, em moeda nacional, ao equivalente a USD 15 000,00. Presentemente, este valor é o limite residual, pois o legis-lador criou várias categorias de tran-sações em numerário para as quais o limite é reduzido para USD 5000,00, sendo que todos os casos se reportam a qualquer transação em numerário, independentemente da moeda.

A Lei 5/20 revela também especiais cautelas com as transações transfron-teiriças ao estabelecer novas obrigações de diligência reforçada, e o dever de a Administração Tributária (AGT) co-municar qualquer suspeita de ter tido lugar, estar em curso ou ter sido tenta-da a realização de movimentos físicos transfronteiriços de moeda estrangei-ra ou de instrumentos negociáveis ao portador, suscetíveis de estarem asso-ciados à prática do Crime de Bran-queamento de Capitais, do Financia-mento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa ou de qualquer outro crime.

Estas são apenas uma parte das ino-vações da nova lei de Branqueamen-to de Capitais, do Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa que optámos por destacar.

O primeiro passo foi dado. Ango-la tem agora uma Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Ca-pitais, do Financiamento do Terroris-mo e da Proliferação de Armas de Des-truição em Massa que cumpre com as principais recomendações do GAFI e do FMI, com mecanismos que, uma vez cabalmente em prática, serão ca-pazes de combater e prevenir o bran-queamento de capitais. Porém, fica por aferir a capacidade efetiva das autori-dades competentes para supervisionar, prevenir e, em última instância, punir os infratores.

“Percebe-se então a relevância desta novidade legislativa que, para além de procurar ir de encontro com os padrões internacionais e à estatuição efetiva de medidas legais com vista à prevenção e repressão do branquea mento de capitais e financiamento do terrorismo, pretende também evidenciar sinais de mudança, es tabilidade e confiança no mercado angolano.”

24 | OPINIÃOjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

Mesmo debaixo de forte con-testação da sociedade civil Moçambicana, o Governo

pagou no final de 2019 uma parcela da reestruturação das dívidas da Ema-tum, uma das três empresas envolvi-das nas dívidas ocultas, estimadas em cerca de 2 mil milhões de euros. No total, o valor da reestruturação é de 659,56 milhões de euros, emitidos em 2016, e agora Moçambique de-sembolsou uma “tranche” de 36 mi-lhões de euros.

A transação acontece justamente na altura em que decorre o julgamen-to de um caso de ilícitos financeiros nos EUA ligado às dívidas ocultas. A coincidência, ou não, acirrou as des-confianças da sociedade civil e lan-çou, uma vez mais, a discussão sobre o branqueamento de capitais no País.

Atualmente, a legislação aplicável em sede de prevenção de branquea-mento de capitais e financiamento ao terrorismo em Moçambique é regu-lada pela Lei n.º 14/2013, de 12 de Agosto de 2013 – Lei de Prevenção e combate ao branqueamento de ca-pitais (“Lei 14/2013”) (que revogou a Lei n.º 7/2002 de 5 de Fevereiro), com vista a adequar o seu conteú-do aos padrões normativos interna-cionais de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e finan-ciamento ao terrorismo, pelo Decre-to n.º 66/2014, que aprova o regu-lamento da referida Lei 14/2013, e pelo Aviso n.º 4/GBM/2015, de 17 de Junho, que aprova as diretrizes so-bre esta matéria.

No país, existe ainda o Gabinete de Informação Financeira de Moçam-

bique (“GIFIM”) criado pela Lei nº 14/2007, de 27 de Junho, que é um órgão do Estado, dotado de autono-mia administrativa, que funciona sob tutela do Conselho de Ministros e que tem por objeto a recolha, centra-lização, análise e difusão às entidades competentes, de informações respei-tantes a operações económico-finan-ceiras suscetíveis de consubstanciar atos de branqueamento de capitais e outros crimes conexos.

Segundo o GIFIM, o Estado e o sector privado devem trabalhar con-juntamente para proteger o sistema financeiro do crime organizado e do terrorismo, pois Moçambique lidera (ainda) a lista dos países com maior riso de branqueamento de capitais a favor do terrorismo. O GIFIM defen-de mesmo a mobilização do setor pri-vado no combate ao branqueamento de capitais e terrorismo, assinalando que os fluxos financeiros entre grupos criminosos são principalmente gera-dos por entidades não estatais.

A Lei n.º 14/2013 tipifica o crime de branqueamento de capitais e fi-nanciamento ao terrorismo no n.º 1 do artigo 4.º e do artigo 5.º nos se-guintes termos: (i) comete crime de branqueamento de capitais aquele que, intencionalmente ou devendo ter conhecimento converter, transferir, auxiliar ou facilitar qualquer operação de conversão, transferência de produ-tos do crime, no todo ou em parte, de forma direta ou indireta, com o ob-jetivo de ocultar ou dissimular a sua origem ilícita ou de auxiliar a pessoa implicada na prática das atividades criminosas a eximir-se das consequên-

cias jurídicas dos seus atos; ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, mo-vimentação ou titularidade de pro-dutos do crime ou direitos relativos a eles ou adquirir, possuir a qualquer título ou utilizar bens, sabendo da sua proveniência ilícita no momento da receção; (ii) comete crime de financia-mento ao terrorismo aquele que, por quaisquer meios, direta ou indireta-mente e intencionalmente, fornece ou recolhe fundos, com a intenção de que sejam utilizados ou sabendo que serão utilizados, no todo ou em par-te, para levar a cabo um ato terrorista por um terrorista individual ou uma organização terrorista.

Ao crime de branqueamento de capitais corresponde pena de 2 a 12 anos de prisão maior (artigo 75.º, n.º 1) e ao de financiamento ao terroris-mo pena de 10 a 24 anos de prisão maior (artigo 75.º n.º 2).

O tempo demostrou, no entanto, ser necessária uma melhor orientação da atuação das instituições financei-ras, que nos termos da Lei 14/2003 se encontram sob alçada de supervi-são do Banco de Moçambique, em relação a esta temática. Nesse sentido, em 2015 foi publicado o Aviso n.º 4/GBM/2015, que estabelece os proce-dimentos e medidas de prevenção e repressão ao branqueamento de ca-pitais e financiamento ao terrorismo.

Nestes termos, atualmente, as ins-tituições financeiras e as entidades não financeiras devem adotar pro-cedimentos para prevenir e sancio-nar a utilização do sistema financei-ro para branqueamento de capitais financiamento ao terrorismo e cri-mes conexos, dos quais destacamos os seguintes:

As instituições financeiras devem manter um registo da identificação dos seus clientes do qual conste, en-tre outras informações, no caso das

Combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo em Moçambique. O desafio da próxima década!

Ricardo NéryAdvogado na RSA-RAPOSO SUBTIL E ASSOCIADOS - SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, RL

Carlos Freitas Vilanculos Advogado em Moçambique RSA-Rede de Serviços de Advocacia de Língua Portuguesa

OPINIÃO | 25

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

pessoas individuais, o nome comple-to, estado civil, morada, número de identificação tributária (“NUIT”) e, no caso das empresas, a sua identifi-cação, NUIT e a identidade dos ti-tulares das participações no capital superiores a 20%; recusar a operação e enviar informação sobre a transa-ção suspeita ao GIFIM, sempre que exista suspeita da prática de crime; manter cópia dos documentos com-provativos do dever de identificação e verificação, registo de transações na-cionais ou internacionais que sejam suficientes para permitir a reconsti-tuição da operação, por um período mínimo de 15 anos a contar do ter-mo da relação de negócio e do encer-ramento da conta, bem como reunir informação sobre o nome do emiten-te, nome do beneficiário e o número de conta de destino, nas transferên-cias eletrónicas de montante inferior a 30.000,00 MT. Se a transferência for de montante igual ou superior a 30.000,00MT, deve conter a menção do nome do remetente, do número da conta de origem, do endereço do remetente, acompanhado do número do documento de identificação válido e do número da conta do beneficiário.

No caso dos casinos, os mesmos es-tão obrigados a proceder à identifica-ção dos jogadores ou apostadores que intervenham em jogo ou apostas de valor igual ou superior a 90,000,00 MT, ou sempre que exista suspeita de branqueamento de capitais ou fi-nanciamento ao terrorismo. Devem ainda proceder à identificação dos jogadores ou apostadores no ato de aquisição de fichas, créditos ou ou-tros símbolos de jogo independente do seu valor;

Os cartórios e as conservatórias devem proceder à identificação das partes intervenientes, o negócio rea-lizado, o montante envolvido e o ato notarial celebrado sempre que haja compra e venda de imóveis, gestão de valores, títulos e outros ativos, gestão de poupanças bancária, criação, ges-tão e exploração de sociedades;

Também as entidades que se de-diquem às atividades de mediação imobiliária e de compra e revenda de

imóveis, bem como as entidades cons-trutoras que procedam à venda direta de imóveis estão obrigadas a identi-ficar os seus clientes sempre que efe-tuem transações de compra e venda ou exista suspeita de branqueamento de capitais.

As instituições financeiras e não fi-nanceiras estão obrigadas a comunicar imediatamente ao GIFIM as transa-ções suspeitas de branqueamento de capitais e financiamento ao terroris-mo, em regra por via eletrónica.

A Autoridade Tributária de Mo-çambique, através da Direção-Geral das Alfândegas, deve, ainda, comu-nicar ao GIFIM sempre que exista declaração de entrada ou saída de moeda nacional ou estrangeira, títulos negociáveis ao portador, ouro amoe-dado ou em barra, de valor superior a 150.000,00 MT.

Refira-se, também, que em 2018 o Governo de Moçambique reforçou a

sua capacidade de supervisão, preven-ção e combate ao branqueamento de capitais com a aprovação, na genera-lidade, pela Assembleia da Repúbli-ca, da atualização da lei que criou o GIFIM, pretendendo-se, entre outras coisas, reforçar a competência do GI-FIM para receber a comunicação de transações financeiras suspeitas de estarem associadas a atividades ilíci-tas, como o financiamento do terro-rismo, por exemplo, e pretende, ain-da, criar brevemente uma unidade para recuperar ativos resultantes de atividades criminosas, com destaque para o branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo.

Existe, assim, um cada vez maior controlo e preocupação das entida-des de supervisão moçambicanas e, pela primeira vez, por violação da Lei 14/2013, o Banco de Moçam-bique sancionou recentemente vinte instituições financeiras, por infrações

cometidas entre 2014 e 2018, tendo sido a maior multa aplicada no valor de 1,1 milhões de euros.

No mais está prevista para este ano de 2020 uma avaliação do risco de Moçambique se envolver no finan-ciamento ao terrorismo e de bran-queamento de capitais pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) O escrutínio por esta orga-nização internacional será importante para um diagnóstico sobre o perigo de Moçambique ser usado para o finan-ciamento ao terrorismo e branquea-mento de capitais, pois esta avaliação serve para as instituições vinculadas ao GAFI conhecerem melhor os ris-cos de o país se envolver no financia-mento ao terrorismo e branqueamen-to de capitais.

Esta avaliação decorre da adesão do país ao Grupo de Prevenção e Com-bate ao Branqueamento de Capitais da África Austral e Oriental (ESAA-

MLG), instituição vocacionada à uni-formização de padrões internacionais de combate à criminalidade financeira internacional.

O GAFI é um organismo intergo-vernamental criado com o objetivo de desenvolver e promover políticas, nacionais e internacionais, de comba-te ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.

Em suma, as regras estão lançadas e o desafio dos próximos tempos será mesmo o de mostrar aos mercados internacionais que a capacidade das entidades moçambicanas de super-visão, prevenção e combate ao bran-queamento de capitais e financiamen-to ao terrorismo está reforçada num pais onde, segundo conforme previ-são do Fundo Monetário Internacio-nal, se espera que a economia venha a registar uma forte recuperação em 2020, a que associa uma taxa de in-flação baixa.

“Está prevista para este ano de 2020 uma avaliação do risco de Moçambique se envolver no financiamento ao terrorismo e de branqueamento de capitais pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI)

26 | OPINIÃOjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

Súmula de artigos principais Artigo 3 (Âmbito de aplicação)

A presente Lei aplica-se às institui-ções financeiras e às entidades não financeiras com sede em território nacional, bem como às respectivas sucursais, agências, filiais ou qual-quer outra forma de representação e a outras instituições susceptíveis de prática de actos de branqueamento de capitais e financiamento do ter-rorismo.

2. Para efeitos da presente Lei, são instituições financeiras:

a) instituições de crédito e so-ciedades financeiras definidas por lei:

– Instituições de crédito:i. bancos;ii. sociedades de locação finan-

ceira;iii. cooperativas de crédito;iv. sociedades de factoring;v. sociedades de investimento;vi. microbancos, nos diversos

tipos admitidos na legislação aplicável;

vii. instituições de moeda elec-trónica;

viii.outras empresas que sejam qualificadas como institui-ções de crédito por Decreto do Conselho de Ministros.

- Sociedades financeiras:i. sociedades financeiras de cor-

retagem;ii. sociedades corretoras;iii. sociedades gestoras de fun-

dos de investimento;iv. sociedades gestoras de pa-

trimónio;v. sociedades de capital de risco;vi. sociedades administradoras

de compras em grupo;vii. sociedades emitentes ou ges-

toras de cartões de crédito;viii. casas de câmbio;

ix. casas de desconto;x. outras empresas que sejam

qualificadas como sociedades financeiras por Decreto do Conselho de Ministros.

b) operadores de microfinanças definidos por lei;

c) seguradoras, resseguradoras, so-ciedades gestoras de fundos de pensões, mediadores de seguros, outras entidades de investimen-tos com estas relacionadas;

d) bolsas de valores;e) quaisquer outras pessoas ou en-

tidades que exerçam outras acti-vidades ou operações e que ve-nham a ser enquadradas como tal por legislação específica.

3. São entidades não financeiras:a) casinos e instituições que se de-

diquem a actividade de jogo de fortuna ou de azar;

b) entidades que exerçam activi-dades de mediação imobiliária e de compra e revenda de imó-veis, bem como entidades cons-trutoras que procedam à venda directa de imóveis;

c) agentes ou negociantes de pe-dras e metais preciosos;

d) vendedores e revendedores de veículos;

e) advogados, notários, conser-vadores e profissões jurídicas independentes, contabilistas e auditores independentes quan-do envolvidos em transacções no interesse dos seus utentes ou noutras circunstâncias, relativa-mente às seguintes actividades:i) compra e venda de imóveis;ii) gestão de fundos, valores

mobiliários ou outros bens do cliente;

iii) gestão de contas bancárias de poupança ou de valores mobiliários;

iv) organização de contribuições destinadas a criação, explora-ção ou gestão de sociedades;

v) criação, exploração ou gestão de pessoas colectivas ou de en-tidades sem personalidade ju-rídica, e a compra e venda de entidades comerciais.

f ) empresas de correios, na medi-da em que exerçam a actividade financeira;

g) prestadores de serviços a fun-dos fiduciários e empresas, não abrangidos pelas alíneas anterio-res, que forneçam os seguintes serviços numa base comercial:i) formação, inscrição e gestão

de pessoas colectivas;ii) exercício do cargo, ou ac-

tuando para que outra pessoa exerça o cargo de director ou secretário de uma empresa, sócio de uma sociedade ou de uma posição semelhante em relação a outras pessoas colectivas;

iii) fornecimento de escritório, endereço ou instalações para uma empresa, sociedade ou qualquer pessoa ou instru-mento jurídico;

iv) exercício do cargo de ou ac-tuando para que outra pessoa exerça o cargo de accionista em nome de outrem.

v) exercício da actividade de importação e exportação de mercadorias.

4. A presente Lei aplica-se igual-mente às sucursais, agências, filiais ou qualquer outra forma de repre-sentação em território nacional de instituições financeiras e entidades não financeiras estabelecidas no es-trangeiro, bem como, às representa-ções de entidades nacionais situadas no estrangeiro.

Lei 14/2013, de 12 de Agosto (Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo)

OPINIÃO | 27

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

Artigo 4 (Branqueamento de capitais)

1. Comete crime de branquea-mento de capitais aquele que, nos termos do artigo 7 da presente Lei, intencionalmente ou devendo ter co-nhecimento:

a) converter, transferir, auxiliar ou facilitar qualquer operação de conversão, transferência de produtos do crime, no todo ou em parte, de forma directa ou indirecta, com o objectivo de ocultar ou dissimular a sua ori-gem ilícita ou de auxiliar a pes-soa implicada na prática das ac-tividades criminosas a eximir-se das consequências jurídicas dos seus actos;

b) ocultar ou dissimular a verda-deira natureza, origem, localiza-ção, disposição, movimentação ou titularidade de produtos do crime ou direitos relativos a eles;

c) adquirir, possuir a qualquer tí-tulo ou utilizar bens, sabendo da sua proveniência ilícita no mo-mento da recepção.

2. O conhecimento, intenção ou propósito requeridos como elemen-tos constitutivos do crime podem ser inferidos de circunstâncias factuais e objectivas.

3. A punição pelo crime de bran-queamento de capitais tem lugar ain-da que o facto ilícito relativo ao cri-me conexo tenha sido praticado no estrangeiro, ou ainda que se ignore o local da prática do facto ou a identi-dade dos seus autores.

4. A tentativa de branqueamento de capitais é punível nos termos pre-vistos no Código Penal.

5. A cumplicidade e o encobri-mento são punidos nos termos do Código Penal.

Artigo 5 (Financiamento do terrorismo)

Comete o crime de financiamen-to do terrorismo aquele que, por quaisquer meios, directa ou indirec-tamente e intencionalmente fornece

ou recolhe fundos, com a intenção de que sejam utilizados ou saben-do que serão utilizados, no todo ou em parte:

a) para levar a cabo um acto ter-rorista;

b) por um terrorista individual ou uma organização terrorista.

O crime considera-se cometido independentemente da ocorrência de qualquer acto terrorista referido no n.º 1, ou de os fundos terem sido efectivamente utilizados para come-ter tal acto.

A punição pelo crime de financia-mento do terrorismo tem lugar ain-da que o acto terrorista tenha sido planeado em jurisdição estrangeira ou para o financiamento de terroris-tas ou de organizações terroristas em jurisdição estrangeira.

O conhecimento, intenção ou pro-pósito, requeridos como elementos constitutivos do crime, podem ser inferidos de circunstâncias factuais e objectivas.

A cumplicidade, o encobrimento e a instigação para cometer o crime de financiamento do terrorismo são pu-nidos nos termos do Código Penal.

Artigo 26 (Exclusão de responsabilidades)

As instituições financeiras e as en-tidades não financeiras ou os seus di-rectores ou empregados que, de boa--fé, comuniquem transacções suspei-tas ou forneçam informação ao GI-FiM, nos termos desta Lei, não estão sujeitos a responsabilidade adminis-trativa, civil ou criminal por violação de contrato e de segredo bancário ou profissional.

Nenhuma acção legal por bran-queamento de capitais e financia-mento do terrorismo pode ser inten-tada contra as instituições financeiras e as entidades não financeiras, nem contra os seus directores ou empre-gados em consequência da execução de uma transacção suspeita quando esta tenha sido comunicada nos ter-mos do número anterior.

Artigo 37 (Apreensão e confisco de bens e direitos)

Sem prejuízo do disposto em legislação diversa, os fundos, di-reitos e quaisquer outros objectos depositados em bancos ou outras instituições de crédito pertencen-tes ao suspeito ou sobre os quais ele exerce poder de facto corres-pondente ao direito de proprieda-de ou qualquer outro direito real ficam sujeitos à apreensão, como forma de preservar a disponibi-lidade desses activos, e ainda ao confisco.

Artigo 38 (Apreensão de bens e direitos)

O Juiz, a requerimento do Mi-nistério Público, deve, no prazo de 48 horas, decretar a apreensão de fundos, bens, direitos e quaisquer outros objectos em nome do sus-peito ou de terceiros, quando tiver fundadas razões para crer que eles constituem produto do crime, ou se destinam à actividade criminosa ou ainda haja indícios suficientes de prática de crime de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo.

O Juiz pode determinar a devo-lução dos referidos fundos, bens, di-reitos, objectos apreendidos ao sus-peito, quando se comprove a licitude da sua origem.

Artigo 72 (Prescrição)

Para efeitos de prescrição do pro-cedimento criminal e das contraven-ções, aplica-se o disposto no Códi-go Penal.

O procedimento relativo às con-travenções previstas neste capítulo prescreve no prazo de cinco anos, a contar da data da sua prática. As multas e medidas acessórias prescre-vem no prazo de cinco anos, a con-tar da data em que a decisão admi-nistrativa se torne definitiva ou da data em que a decisão judicial tran-sita em julgado.

28 | OPINIÃOjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

1. Introdução

O dever de comunicação de ope-rações suspeitas emergiu como um mecanismo muito importante no combate ao branqueamento de ca-pitais e financiamento de terrorismo, uma vez que determina que as enti-dades pelas quais passam determina-dos fluxos de fundos ou outros bens tenham de prestar particular atenção à eventual proveniência dos mesmos e, quando os considerem suspei-

tos, comunicá-los ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e à Unidade de Informação Financeira (UIF). Ainda que se possa contestar a consagração deste dever ou os moldes com que foi instituído, a verdade é que, sem a sua previsão, a generalidade das operações suspeitas passariam despercebidas às entidades de investigação criminal. O papel das entidades obrigadas é, por isso, essencial, no combate ao branquea-mento de capitais e financiamento de terrorismo. Esta afirmação é particu-larmente válida para as entidades fi-

nanceiras de crédito e de pagamento, uma vez que é por elas «que passam quase todas as grandes operações que influenciam a economia»1.

2. Previsão legal

O dever de comunicação de opera-ções suspeitas encontra consagração na Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto2, a qual «estabelece medidas de natu-reza preventiva e repressiva de com-bate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo» – art. 1.º, n.º 1. Tal dever está previsto, em traços gerais, no art. 43.º, n.º 1, complementado depois pelos n.os 2 e 3 do art. 43.º, e pelo art. 44.º. O dever de comunicação de operações suspeitas é um dos deveres que inte-

gra o mais geral dever de comunica-ção previsto no art. 11.º, n.º 1, al. c).

3. A Diretiva 2015/849/EU

A Lei n.º 83/2017 foi aprovada pela necessidade de dar transposição a algumas diretivas comunitárias, entre as quais, a Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, também co-nhecida por IV Diretiva3. O dever de comunicações de operações suspeitas encontra previsão, em traços gerais, no n.º 1 do art. 33.º da Diretiva.

4. Natureza do dever

O dever de comunicação é qualifica-do, pela própria lei, como um dever de natureza preventiva, ou seja, visa pre-venir a prática de operações suspeitas. Não obstante, parece-nos que o dever de comunicação pode ser qualificado como um dever de natureza «preventi-va» e «repressiva»4. A introdução desta segunda adjetivação tem a ver com o facto de que, ao ser efetuada a comu-nicação ao DCIAP, este poderá estar obrigado a abrir inquérito ou juntar a informação transmitida a inquéritos pendentes. Isso mesmo é admitido ex-pressamente no art. 56.º, n.º 7.

5. A derrogação do dever de segredo

A relação de confiança entre as ins-tituições bancárias e os seus clientes tem por base uma premissa funda-mental: o segredo, ou seja, a reserva ou confidencialidade das informa-ções relativamente à identidade do cliente e das relações de negócio. Recai, portanto, sobre as institui-ções bancárias um dever de segredo relativamente a todas as informações respeitantes aos seus clientes – art. 78.º do Regime Geral das Institui-ções de Crédito e Sociedades Finan-ceiras (RGICSF)5. Em abstrato, o dever de segredo parece incompatí-vel com o cumprimento do dever de comunicação de operações suspeitas, no entanto, a possibilidade da res-petiva derrogação encontra-se legiti-mada pelo disposto no art. 79.º, n.º 2, al. h), do RGICSF, e no art. 56.º, n.º 1, da Lei n.º 83/2017.

Breve incursão no dever de comunicação de operações suspeitas, pelas instituições bancárias, ao abrigo da Lei n.º 83/2017

Ainda que se possa contestar a consagração deste dever ou os moldes com que foi instituído, a verdade é que, sem a sua previsão, a generalidade das operações suspeitas passariam despercebidas às entidades de investigação criminal

Joana Maria DenteJurista – Área de Acompanhamento das Operações no Exterior - Compliance Office, Millennium BCP

1. Raimundo, M., Entrevista, in: Vida Judiciária, N.º 205, janeiro/fevereiro 2018, Vida Económica: Porto, 2018, (pp. 12-17), p. 16.2. Doravante, quando determinadas normas forem mencionadas sem identificação do diploma respetivo, presume-se a sua pertença à Lei n.º 83/2017, a menos que outra solução resulte do

contexto em que são mencionadas.3. Importa salientar que, no dia 20 de fevereiro de 2020, foi aprovada, em Conselho de Ministros, uma proposta de diploma que procede à transposição, para o ordenamento jurídico interno,

da Diretiva (UE) 2018/1673 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao combate ao branqueamento de capitais através do direito penal, e da Diretiva 2018/843/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, usualmente denominada como V Diretiva AML, a qual irá determinar alterações à Lei n.º 83/2017.

4. O binómio natureza «preventiva» e «repressiva» é usado pela própria lei, no art. 1.º, n.º 1. 5. Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.

OPINIÃO | 29

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

6. O tratamento de dados pessoais e o dever de comunicação

O cumprimento do dever de co-municação exige o tratamento de um conjunto muito alargado de dados pessoais dos clientes das instituições bancárias, o qual, em princípio, só pode ser efetuado se o respetivo ti-tular tiver dado o seu consentimen-to, dispondo o titular dos dados pes-soais do chamado «direito de acesso», o qual lhe permite obter informações relativas ao tratamento que está a ser efetuado aos seus dados pessoais6. Na-turalmente, estas regras sofrem exce-ções, totais ou parciais, e assim neces-sariamente acontece no âmbito temá-tico que aqui abordamos, sob pena de frustração do dever de comunicação de operações suspeitas e dos objetivos que o mesmo pretende lograr – cfr. arts. 57.º a 61.º da Lei n.º 83/2017.

7. Consequências do não cumprimento do dever de comunicação

O não cumprimento do dever de comunicação de operações suspeitas pelas entidades obrigadas pode acarre-tar diversas consequências. Essencial-mente, o não cumprimento pode: (i) conduzir a que o DCIAP determine a suspensão temporária da execução das operações suspeitas – art. 48.º, n.º 2, al. a); (ii) determinar a obriga-ção de documentação e registo da ra-zão da não comunicação – art. 52.º, n.º 4; (iii) levar a que a entidade sec-torial competente determine medidas corretivas, recomendações ou contra-medidas – arts. 97.º, 98.º e 99.º, em particular, as als. a) e b) do n.º 3 do art. 99.º; (iv) determinar a responsabi-lidade contraordenacional da entidade obrigada – art. 169.º, als. cc) e uu).

8. Breve concretização do conteúdo do dever de comunicação de operações suspeitas

A norma nuclear do dever de co-

municação de operações suspeitas é o n.º 1 do art. 43.º, ao qual aqui se dá transcrição para melhor exposição e comodidade do leitor:

As entidades obrigadas, por sua própria iniciativa, informam de imediato o Departamento Cen-tral de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da Repú-blica (DCIAP) e a Unidade de Informação Financeira sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido, provêm de ati-

vidades criminosas ou estão rela-cionados com o financiamento do terrorismo.

Como bem se nota, este artigo é consideravelmente extenso e contém um conjunto relevante de informa-ção, que importa dissecar a fim de melhor se perceber o conteúdo e al-cance do dever de comunicação de operações suspeitas. Assim sendo, analisemos cada um dos trechos nor-mativos que o integram.

8.1. As entidades obrigadas

Por questões de economia e de téc-nica legislativa, a lei utilizou o concei-to de «entidades obrigadas», definin-do-o e concretizando-o em momento posterior. Da conjunção dos arts. 2.º, n.º 1, al. r), e 3.º, n.º 1, aliena a), da Lei n.º 83/2017, bem como do art. 3.º, al. a), do RGICSF, resulta que as instituições bancárias, vulgo ban-cos, são entidades obrigadas para os efeitos da Lei n.º 83/2017, nomeada-mente, para efeitos do cumprimento dos deveres que a mesma prescreve.

8.2. Por sua própria iniciativaEste trecho significa que o dever

de comunicação deve ser cumprido espontaneamente, por iniciativa pró-pria das entidades obrigadas. Esta so-lução traz maiores responsabilidades, porquanto faz impender sobre as en-tidades obrigadas um especial zelo e diligência na deteção de operações suspeitas, a fim de permitir a respe-tiva comunicação.

8.3. Informam de imediato

O dever de comunicação deve ser cumprido «de imediato». A lei utili-

zou aqui um conceito indetermina-do, de forma a dar cobertura a vários prazos, mas transmitindo uma men-sagem de urgência, de tal forma que «de imediato» significa que o dever de comunicação deve ser cumprido o mais rápido possível. Mas a partir de quando? A partir do momento em que as entidades obrigadas concluam que a operação é suspeita.

8.4. O DCIAP e a UIF

A norma regula também os desti-natários do dever de comunicação, ou seja, as entidades a quem a infor-mação relativa a operações suspei-tas deve ser enviada ou endereçada. Os destinatários de tal comunica-ção são o DCIAP e a UIF, solução que corporiza o chamado “sistema de dupla comunicação”7 ou “siste-ma dual de comunicação”8 de ope-rações suspeitas. Este sistema não é, contudo, usual noutras jurisdições: «Normalmente, o sistema de comu-nicação é apenas direcionado para uma entidade de tipo Financial In-

6. Art. 15.º do RGPD (Regulamento Geral de Proteção de Dados – Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016).7. Guerra, A., Entrevista, in: Vida Judiciária, N.º 205, janeiro/fevereiro 2018, Vida Económica: Porto, 2018, (pp. 6-11), p. 6.8. Raimundo, M., op. cit., p. 12.

Os destinatários de tal comunicação são o DCIAP e a UIF, solução que corporiza o chamado “sistema de dupla comunicação” ou “sistema dual de comunicação” de operações suspeitas.

30 | OPINIÃOjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

telligence Unit que recebe e analisa todas as comunicações de operações suspeitas»9. O DCIAP é um órgão integrado na estrutura do MP, ao qual compete coordenar e dirigir a investigação e a prevenção de deter-minado tipo de criminalidade, entre a qual se encontra, precisamente, o terrorismo e o branqueamento de capitais10. A UIF é a unidade cen-tral nacional com competência, no-meadamente, para receber, analisar e difundir a informação resultante de comunicações de operações sus-peitas nos termos da presente lei e para cooperar com as congéneres in-

ternacionais e as demais entidades competentes11.

8.5. Sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar

A norma identifica em que casos é que o dever de comunicação deve ser cumprido, determinando que o deve ser sempre que as entidades bancá-rias saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar de determinadas operações. Vejamos: (i) o verbo «saber» pressupõe conhe-cimento efetivo da natureza suspeita da operação; (ii) o verbo «suspeitar» indica um conhecimento meramen-te indiciário: há uma probabilida-de de a operação ser suspeita; (iii) a parte «tenham razões para suspei-tar» indica um conhecimento ainda mais residual, abaixo de suspeitar;

no fundo, é ter um feeling, uma in-tuição; mas estes têm de ser, ainda assim, fundamentados, não podem ser arbitrários.

8.6. Certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido

Esta parte norma refere-se à causa do conhecimento da operação sus-peita, ou seja, àquilo com base em que as entidades bancárias formam as suas suspeitas sobre determina-das operações: é por existirem ou estarem a ser movimentados certos

fundos ou outros bens que as enti-dades bancárias recolhem suspeitas de envolvimento no branqueamento e no financiamento de terrorismo. Os «fundos» referem-se a quantias ou valor pecuniários, geralmente movimentos envolvendo dinheiro, que podem traduzir-se em depó-sitos, pagamentos em dinheiro ou através de cartão de crédito, emis-são de cheques, resgates de contas, aplicações em ações ou em fundos de investimento, aquisições de moeda estrangeira, etc. Os «outros bens» referem-se a quaisquer coisas que possam estar relacionadas com as operações. Por exemplo: títulos de crédito, cheques, ouro, ações, etc.

8.7. Provêm de atividades criminosas

Esta parte da norma corporiza

uma das razões das suspeitas que a presente lei visa prevenir e comba-ter. Ou seja, uma operação é sus-peita, para efeitos da presente lei, porque se suspeita, se desconfia, que determinados fundos ou bens dessa operação provêm de atividades cri-minosas. Ao referir-se a fundos ou bens que provêm de atividades cri-minosas, a norma está a remeter--nos para o branqueamento de capi-tais, tal como definido no art. 2.º, n.º 1, al. j)12.

8.8. Estão relacionados com o financiamento do terrorismo

Este trecho normativo corporiza a segunda razão das suspeitas que a presente lei visa prevenir e comba-ter. Ou seja, uma operação também é suspeita, para efeitos da presente lei, porque se suspeita, se desconfia, que determinados fundos ou bens dessa operação estão relacionados com o financiamento do terrorismo. Ao referir-se a fundos ou bens que estão relacionados com o financia-mento do terrorismo, a norma está a remeter-nos para o próprio finan-ciamento do terrorismo, definido no art. 2.º, n.º 1, al. s).

9. Conclusão

O dever de comunicação de ope-rações suspeitas está previsto, essen-cialmente, nos arts. 11.º, n.º 1, al. c), 43.º e 44.º da Lei n.º 83/2017, a qual procurou transpor a Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Eu-ropeu e do Conselho. O núcleo es-sencial do artigo é aquele que cons-ta do n.º 1 do artigo 43.º, que pro-curámos aqui densificar. Este dever deve, porém, ser complementado pelas demais normas enunciadas, às quais não se dá cobertura por razões relativas à economia do pre-sente texto.

9. Casimiro Nunes, C., “O Ministério Público na prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo”, in: Revista do Ministério Público, Ano 39, N.º 153, janeiro/março 2018, Sindicato dos Magistrados do Ministério Público: Lisboa, 2018 (pp. 93-140), p. 109. Sobre as razões que justificam o nosso sistema dual, cf. Casimiro Nunes, C., op. cit., pp. 109-116.

10. Art. 58.º, n.º 1, al. g) e n.º 4, al. a), do Estatuto do MP (aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto).11. Art. 2.º, n.º 1, al. jj), incisos i) e ii).12. Sobre este conceito e sobre aquilo que o mesmo representa em termos de novidade relativamente ao regime anterior, cf. Salgueiro, A. C., “Branqueamento de capitais: da transposição da

Diretiva (UE) 2015/849 à pertinência de uma quinta diretiva”, in: Vida Judiciária, N.º 203, setembro/outubro 2017, Vida Económica: Porto, 2017, (pp. 28-29), p. 29.

O não cumprimento do dever de comunicação de operações suspeitas pelas entidades obrigadas pode acarretar diversas consequências

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32 | OPINIÃOjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

A relação entre a necessidade de aprofundamento dos deveres preventivos do branqueamen-

to de capitais e do financiamento do terrorismo e o surgimento de novas propostas tecnológicas para a presta-ção de serviços bancários e financei-ros é marcada pela tensão entre os objetivos de proteção do sistema fi-nanceiro e prevenção da sua utiliza-ção para branqueamento de capitais e o de estímulo ao desenvolvimento tecnológico e aproveitamento da ino-vação para a melhoria na prestação

de serviços bancários e financeiros. A compatibilização destes objetivos

no ambiente regulatório atual é um dos principais desafios das autorida-des reguladoras. Este desafio é tão mais difícil quão mais rápido é o de-senvolvimento tecnológico que, pela natureza destes processos de destrui-ção criativa, andará sempre um passo à frente das autoridades reguladoras e da legislação e regulamentação.

Os reguladores, por um lado, têm procurado aprofundar e densificar o elenco de deveres preventivos com o inerente aumento da carga buro-crática associada ao seu cumprimen-to como modo de diminuir o risco de utilização do sistema financeiro para fins ilícitos, ao mesmo tempo que pretendem incentivar a inovação tecnológica, procurando, por outro

lado, não prejudicar o lançamento e desenvolvimento de novas formas de prestação de serviços financeiros e bancários com indiscutíveis be-nefícios para os clientes e para o in-cremento da concorrência no setor, embora comummente pretenden-do enquadrar estas novas formas de prestação de serviços financeiros em quadros regulatórios preexistentes.

No entanto, estas dificuldades po-derão e deverão ser vistas como uma oportunidade de regular a utilização das novas tecnologias e de as aprovei-tar para um melhor e mais eficiente cumprimento dos deveres de preven-ção do branqueamento de capitais, protegendo este novo segmento de mercado da sua eventual utilização para fins ilícitos. Com efeito, a propa-gação de um sentimento generalizado de desregulação ou de menor grau de

cumprimento normativo das FinTe-ch, acompanhado do incremento dos deveres de prevenção do branquea-mento de capitais aplicáveis à desig-nada banca tradicional, comporta o inevitável de risco de utilização das FinTech por agentes com objetivos ilícitos, algo indesejável para as pró-prias FinTech que pretendem não só evitar o risco reputacional associado a uma eventual ligação a atividades criminosas como também manter re-lações comerciais com entidades ban-cárias e outras entidades financeiras, muitas vezes essenciais para os seus modelos de negócio, as quais ficariam prejudicadas num cenário em que uma Fintech pudesse ser qualificada como cliente de alto risco.

O esforço de adaptação da legisla-ção à inovação tecnológica é essencial

para garantir que os sistemas jurídi-cos conseguem prevenir eficazmente o branqueamento de capitais, sendo certo que o surgimento das FinTe-ch, em substituição parcial das fun-ções típicas da banca comercial, é já um processo económico irreversí-vel, devendo a legislação ser neutral e não servir como instrumento para a proteção da banca tradicional (no-meadamente através da imposição de um excesso de obrigações regula-tórias não necessariamente aliadas a uma maior eficácia na prevenção do branqueamento de capitais).

Por outro lado, a tecnologia utili-zada pelas FinTech poder-se-á revelar mais eficaz de que os meios tradicio-nais de cumprimento dos designados deveres de identificação (vulgo KYC) e diligência, porquanto estas entida-des poderão ter acesso a um nível su-perior de informação, ainda que não expressamente solicitada e transmi-tida pelos clientes, nomeadamente a constante nos dispositivos de comu-nicação, desde que, naturalmente, em respeito pela legislação aplicável em matérias de dados pessoais.

Aliás, sempre se refira que uma postura excessivamente conservadora dos reguladores portugueses sempre se revelaria ineficaz e prejudicial para as instituições com sede ou sucursal em Portugal, porquanto o princípio de aplicação da lei de prevenção do branqueamento de capitais do esta-do-membro de origem às entidades que prestem serviços noutros estados--membros em regime de livre presta-ção de serviços, solução acolhida na nossa Lei 83/2017, de 18 de Agos-to, sempre permitiria que entidades financeiras a desenvolver atividade em Portugal ao abrigo deste regime pudessem beneficiar das regras do seu Estado-membro ao operar em Portu-gal, ganhando assim uma vantagem competitiva face a outras FinTech nacionais.

Neste sentido, o Banco de Portugal

AML 5G: prevenção do branqueamento de capitais na era das FinTech

“O surgimento das FinTech em substituição parcial das funções típicas da banca comercial é já um processo económico irreversível”

André AbrantesAssociado Sénior da PLMJ

OPINIÃO | 33

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

já iniciou esse caminho no seu Aviso 2/2018, que regulamenta a Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, no qual já se prevê a possibilidade de recur-so à videoconferência (apenas para a identificação de pessoas singulares) ou o recurso aos designados prestado-res de serviços de confiança1 prevista no Regulamento (UE) n.º 910/2014, prevendo-se um conjunto de requi-sitos à admissibilidade de utilização destes meios comprovativos, tais como: (i) exigência de que a entrega de fundos inicial seja efetuada atra-vés de meio rastreável que permita a identificação do ordenante, com ori-gem em conta aberta junto de enti-dade financeira em país que aplique legislação equivalente em matéria de prevenção do branqueamento de ca-pitais; (ii) obrigatoriedade de recolha de cópia simples dos documentos de identificação dos clientes em supor-te físico ou eletrónico; (iii) controlo pelas entidades financeiras da fiabili-dade e autenticidade da cópia simples dos documentos de identificação dos clientes como requisito para a aceita-ção dos meios à distância como sufi-cientes. No mesmo sentido, espera-se que a versão final do projeto de Re-gulamento da CMVM em matéria de prevenção ao branqueamento de ca-pitais e financiamento do terrorismo, colocado em consulta pública em Fe-vereiro de 2019, aprofunde o cami-nho iniciado pelo Banco de Portugal neste domínio, prevendo e regulando a possibilidade de utilização de meios comprovativos à distância, algo que se encontrava omisso no projeto de regulamento inicialmente divulgado.

Com efeito, é decisivo que a utili-zação de meios à distância que per-mitam o cumprimento de deveres de identificação e diligência seja re-gulada de forma clara, tanto no que respeita à sua admissibilidade em conjunto com a adoção de medidas simplificadas, quanto também na sua aplicação para pessoas coletivas, na medida em que legislação e regu-lamentação existente nesta matéria em Portugal ainda nos parece essen-

cialmente focada no cumprimento destes deveres em relação a clientes pessoas singulares. Com efeito, a in-formação constante no registo co-mercial aliada àquela que é possível extrair no recente Registo Central do

Beneficiário Efetivo deverá permitir, pelo menos no que respeita a enti-dades que não apresentem um perfil de risco elevado, a adoção de meca-nismos à distância para o designado “onboarding” de pessoas coletivas, reduzindo os custos de transação na aceitação de novos clientes sem pre-juízo do cumprimento pelas Fintech de outros deveres preventivos no de-curso da relação com os seus clientes e na análise da respetivas transações.

Não se nega, no entanto, que a multiplicidade de FinTechs a atuar em vários Estados-membros, no-meadamente no mercado da pres-tação de serviços de pagamento, é suscetível de aumentar os riscos de utilização destas entidades para fins ilícitos, atendendo às menores estru-

turas de compliance destas entidades mas sobretudo à multiplicidade de prestadores, operações e jurisdições envolvidas que poderão dificultar a deteção de operações relacionadas. Estes riscos poderão ser mitigados

através de uma maior coordenação entre as autoridades nacionais rece-toras de reportes de atividades sus-peitas ou, mesmo, através da cria-ção de uma autoridade europeia que centralize estas comunicações e que seja capaz de cruzar as informações recebidas por várias entidades repor-tantes, permitindo mais facilmente detetar padrões de comportamento suspeito por parte de utilizadores de contas de pagamento em FinTechs, podendo inclusive estas plataformas emergir de sistemas de autorregula-ção destas entidades que pretendam limitar a exposição do setor a riscos de utilização ilegítima, incrementar a confiança nas mesmas e consolidar o seu papel na prestação de serviços financeiros e bancários.

“A tecnologia utilizada pelas FinTech poder-se-á revelar mais eficaz de que os meios tradicionais de cumprimento dos designados deveres de identificação (vulgo KYC) e diligência”

1 A lista de prestadores qualificados de serviços de confiança está prevista no Regulamento (UE) n.º 910/2014. A lista dos designados “trust service providers” poderá ser encontrada no website https://webgate.ec.europa.eu/tl-browser/#/, existindo serviços de reconhecimento mútuo e serviços de reconhecimento apenas a nível nacional.

34 | OPINIÃOjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

Muito se tem falado do Bran-queamento de Capitais que, naturalmente, passou

quase a ser um tema da moda. A fal-ta de menção ao termo “crime” pode dizer-se que, em parte, é justificada, pois o Branqueamento de Capitais, por si só nem sempre é crime.

O crime de Branqueamento ou

Branqueamento de Capitais, como na gíria é conhecido, que no ordena-mento jurídico português está pre-visto no artigo 368º-A do Código Penal, tem como objetivo encobrir a origem de bens e rendimentos ob-tidos ilicitamente, transformando-os em capitais reutilizáveis lícitos.

Quanto à forma de consumação deste crime, as operações de conver-são, transferência, ocultação e dissi-mulação dos bens e rendimentos são crimes de resultado e as operações de auxílio e facilitação são crimes de mera atividade.

De certa forma, poderá dizer-se que o crime de Branqueamento não é totalmente autónomo. Na verda-de, este crime depende da existência de um crime precedente. Para que a prática do crime de Branqueamento se verifique é necessário que a van-tagem que se pretende converter, transferir, ocultar ou dissimular seja

decorrente de um facto ilícito ante-rior. Ou seja, para que uma pessoa seja condenada pela prática de um crime de Branqueamento tem, obri-gatoriamente, que ter sido cometi-do um crime em momento anterior, que deu origem à vantagem ilícita que será encoberta através da práti-ca de um crime de Branqueamento.

Assim, os crimes precedentes são, entre outros, o crime de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de me-nores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psi-cotrópicas e tráfico de armas.

Fica então a dúvida de quem são os verdadeiros lesados pela prática des-

te crime e o bem jurídico protegido. Bem, no que concerne ao crime

de Branqueamento, é certo que o bem jurídico protegido será sempre o mesmo, a realização da justiça. No entanto, o bem jurídico protegido dos crimes precedentes não é, nem

poderia ser, sempre o mesmo. Por exemplo, se o crime de Bran-

queamento for cometido através de uma vantagem ilícita obtida pela prática de um crime de Extorsão, o verdadeiro lesado será a vítima do primeiro crime cometido e o bem jurídico aí protegido, além da rea-

lização da justiça será, também, o património da pessoa.

Por outro lado, se o crime de Bran-queamento for cometido através de uma vantagem ilícita decorrente da prática de Lenocínio, o bem jurí-dico protegido, além da realização da justiça será também a liberda-de sexual da pessoa que se dedica à prostituição e podem existir um ou mais lesados.

Existem ainda crimes precedentes em que o lesado poderá ser o Estado.

A nível de punição, a pessoa que comete o crime precedente e o crime de Branqueamento será condenada pela prática dos dois crimes, no en-tanto, a pena aplicada ao crime de Branqueamento não pode ser supe-rior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde pro-vêm as vantagens, ou seja, não pode ser superior à prevista para o crime precedente.

O Branqueamento de Capitais en-volve uma quantidade enorme de di-nheiro e, por essa razão, os impactos originados pelo cometimento deste crime a nível social e económico é impressionante.

A globalização dos mercados e os avanços das tecnologias permitiram às organizações criminosas alar-

garem a sua atividade para todo o mundo, conseguindo branquear o capital através de um “click”.

Além disso, o facto de este crime puder ser cometido além-fronteiras e apenas com o acesso à internet, tornou a sua detenção mais difícil.

Esta facilidade na “lavagem” de

Branqueamento de Capitais: nem sempre um crime (às vezes um ato sem dono)

Para que uma pessoa seja condenada pela prática de um crime de Branqueamento tem, obrigatoriamente, que ter sido cometido um crime em momento anterior

Isabel de PaivaAdvogada. Formada em Direito da InsolvênciaA frequentar a Pós-Graduação em Direito do Trabalho e da Segurança Social

A pena aplicada ao crime de Branqueamento não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens

OPINIÃO | 35

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

dinheiro é uma “galinha de ovos de ouro” para os traficantes, terroristas e comerciantes ilegais que podem expandir a sua atividade criminosa e dissimular a vantagem ilícita com mais facilidade.

Para este fim, são, também, mui-tas vezes criadas as designadas “em-presas de fachada” que servem para misturar os rendimentos obtidos através das atividades ilícitas com rendimentos provenientes de ativi-dades lícitas.

No entanto, acontece que muitas destas empresas acabam por fechar de um momento para o outro, cau-sando prejuízos a quem com elas trabalhava.

A criação destas “falsas empresas”, a maior parte das vezes, não visa a obtenção de lucros e do crescimen-to da economia, mas sim a prote-ção dos rendimentos obtidos ilici-tamente.

A nível social, os impactos são também bastante relevantes desde logo porque as pessoas que são con-tratadas para trabalhar nestas em-presas podem perder os seus postos de trabalho de um momento para o outro, criando desde logo uma si-tuação de desemprego em que não conseguem nem têm como reaver os créditos laborais devidos.

Também as empresas que traba-lham para as “empresas de fachada” ficam numa posição sensível, por vezes, na iminência de um processo de insolvência.

Além disso, a facilidade com que hoje em dia se comete este crime, de certa forma, atrai as pessoas para o cometimento do mesmo, uma vez que a perseguição destas quantias dissimuladas se torna muito difícil.

Basta equacionarmos a possibili-

dade de certa quantia ilícita circu-lar por um elevado número de con-

tas bancárias espalhadas por todo o mundo, de forma a que o seu rasto seja perdido. Nestas circunstâncias é praticamente impossível seguir estas transferências, face à rapidez com que elas se realizam.

De forma a tentar combater o branqueamento de capitais, entrou já em vigor a Lei 83/2017, de 18 de agosto, que estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate à prática deste crime.

Esta é uma lei mais extensa que a

anterior – já revogada – e introduz novos conceitos, legitima o acesso às informações por parte das autorida-des fiscais e alarga o âmbito das enti-dades sujeitas às medidas impostas.

Com a entrada em vigor desta lei o objetivo é que a prática do crime de Branqueamento se torne mais denunciada de forma a que os seus autores sejam punidos.

Espera-se, ainda, uma diminui-ção da prática deste crime e, em consequência, uma diminuição dos impactos económicos e sociais que advêm do mesmo.

Contudo, o normal crescimento e desenvolvimento do mundo atual a nível científico e tecnológico an-

dará sempre de mãos dados com o cometimento de crimes como, de igual forma, poderá aliar-se à deten-ção dos mesmos.

Mais do que um crime, fala-se da prova do seu cometimento… e que prova!

A facilidade com que hoje em dia se comete este crime, de certa forma, atrai as pessoas para o cometimento do mesmo, uma vez que a perseguição destas quantias dissimuladas se torna muito difícil

Esta lei introduz novos conceitos, legitima o acesso às informações por parte das autoridades fiscais e alarga o âmbito das entidades sujeitas às medidas impostas

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Venho dizendo, e escrevendo, desde há muito que seis passos são essenciais no compliance, e

até já escrevi algo como “complian-ce e a dieta dos seis passos”. Aí dizia que dietas estão – aliás, não é de ago-ra – na moda, mas fazê-las de qual-quer modo, começar e não acabar e/ou não seguir os passos todos pode

ser inútil, contraproducente ou até perigoso. E dizia também que com o compliance passa-se a mesma coisa, e é de tal forma algo que, depois de se estranhar (há dez anos ainda se per-guntava “o quê?”), se entranhou entre nós que muitas vezes se faz de qual-quer maneira, ou com a intervenção de qualquer um, ou começa-se e não se acaba, ou não se tem em conta que só tem utilidade ou não se volta con-tra a instituição/empresa se se seguir um caminho cuidado e completo. E onde está na frase anterior “ou” po-deria estar também “e”, pois os erros podem ser cumulativos. E quanto ao caminho a fazer, do princípio ao fim, e com cautela e acompanhamento de quem sabe, ele é como uma verda-deira, própria, eficaz e saudável die-ta. Tem de ter pelo menos seis passos, pelo que costumava chamar-lhe, e até o escrevi em título como já disse (num texto que aqui sigo de perto), “a dieta

dos seis passos”. Não que eu tenha a pretensão de saber muito do assunto, mas interesso-me por ele e cultivo-o há muito, desde os tempos em que o ver-bo era ainda estranhar, e não o sedu-tor entranhar de hoje, pelo que algu-ma coisa vou aprendendo e sabendo.

O primeiro passo é avaliar a situa-ção, fazer o diagnóstico, ponderar a realidade concreta em causa e o qua-dro e o contexto da mesma, e ver bem quais são as necessidades, as obriga-ções, os prós e os contras. E, como nas dietas, cada corpo é único, pelo que copiar ou recorrer sem mais ao pronto-a-vestir tem inconvenientes, insuficiências e riscos. O mesmo é

dizer que – e isso vale também para o segundo passo, que é o de elaborar, desenhar, tecer, construir, coser, cerzir e dar os acabamentos – é sempre pre-ferível um caminho tailor made, mes-mo que saia mais caro e mais traba-lhoso. Mas – já se sabe, especialmente num tempo de abuso de provérbios e clichés – o barato pode sair caro. E, depois de feito o fato, há que ter em conta que o corpo e o meio onde ele se move são organismos vivos, pelo que o fato não pode ficar emoldurado, tem de ser acompanhado na sua vida e no seu uso, e adaptado sempre que preciso. Este ponto é crucial, e pren-de-se muito, embora todos os outros (no como, não tanto no se) também, com um dos três elementos que aqui adicionarei aos “seis passos”. Mas já lá vamos. Para já repito, isto é essencial, e não é só abanar a cabeça concordante-mente em conferências e em palestras, é ser consequente com esse abanar.

E é também de vida que falam os terceiro e quarto passos, que são co-municar e formar. De nada serve ter um bonito programa de compliance, um elaborado código de conduta, um conjunto catita e bem apessoado de regras de procedimento e de integri-dade empresarial ou institucional, um elenco de princípios ou regras de defesa corporativa, ou um mais vasto programa de prevenção de riscos, se os mesmos não forem comunicados aos seus atores e estes não forem de-vida e regularmente formados sobre os seus meandros, conteúdos, pro-pósitos, pontos e vírgulas. É verda-de que nestas coisas conta muito a obra e a moldura, mas depois disso, e para além do imprescindível tom e impulso vindo do topo, são funda-mentais a capilaridade e, também, uma regular vivência bottom up. Não sendo assim, é como com os quadros expostos em museus onde ninguém vai, estão mortos e pesam na parede. E a formação tem também de passar e garantir a ideia de que cada um na instituição, além da obrigação, tem as “costas quentes” para cumprir, e para exigir cumprimento, ou mesmo denunciar, se for o caso.

Finalmente, fechando o caminho desta “dieta” – que, aliás, deve ser cir-cular, porque viva, se quiserem mime-tizando o chamado ciclo de melhoria contínua (o ciclo PDCA, plan, do, che-ck, action) –, temos as quinta e sexta estações, que são vigiar e punir (mas em sentido mais benigno do que o da obra de Foucault). Fiscalizar o cum-primento do programa, do código, do manual, acompanhar a sua vivên-cia pelo topo, pelo meio e pelas bases, com atenção e com independência. E sancionar, se e quando for necessário. Não é preciso cortar mãos, narizes e orelhas, como nos tempos da febre da borracha no Congo sob a soberania de Leopoldo, mas sem uma censura dos comportamentos desviantes o cami-nho não se completa e não frutifica,

Compliance, o seis mais três(e as lições de Arturo Ui)

O compliance é para levar a sério, e não é para fingir ou para se fazer jogos florais. Quando se parte para ele, parte-se mesmo, e com consciência das exigências, dos riscos e dos cuidados. E que é algo que uma vez iniciado não acaba mais

Rui PatrícioSócio da Morais Leitão

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VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

nas várias e imprescindíveis vertentes do compliance.

Isto, mais coisa menos coisa (me-nos, porque agora aperfeiçoei e de-senvolvi, como sempre se faz quando se acrescenta uma camada ao palimp-sesto), escrevi e dizia eu no tal roteiro de seis estações. Mas há três pontos mais, que são essenciais, e transversais a tudo isto. E são todos eminentemen-te culturais, no sentido de necessaria-mente terem de estar enraizados no modo de ser e de agir da empresa ou da instituição.

O primeiro diz-nos que o complian-ce é para levar a sério, e não é para fin-gir ou para se fazer jogos florais. Quan-do se parte para ele, parte-se mesmo, e com consciência das exigências, dos riscos e dos cuidados. E que é algo que uma vez iniciado não acaba mais, a não ser que se queira correr o risco (tão grande ou maior do que nos ca-sos de inércia) de abortar ou parar a um terço, a meio ou a dois terços do caminho – caminho que sempre se re-nova, se bifurca, se altera, em desafio constante. Se não há essa consciência e essa vontade (e coerência com elas), não vale a pena, e pode até ser contra-producente. O segundo diz-nos que uma coisa é a seriedade, bem como a firmeza, e outra a histeria (essa marca tão presente na modernidade). Nisto,

como em tudo, tem de haver propor-ção, equilíbrio, bom senso, tanto mais que, apesar da cada vez maior regula-mentação e da crescente exigência, o compliance continua umbilicalmente ligado a uma ideia de gestão do ris-co, e aí nunca pode deixar de haver

sensibilidade e bom senso. Não sen-sibilidade e bom senso no sentido de permissividade ou weakness, mas no sentido de balance.

E o terceiro ponto serve para recor-

dar e enfatizar que numa instituição ou numa empresa o compliance tem de ser para todos, todos mesmo, e não há exceções. No dia em que há, seja no universo de destinatários, seja na tolerância ao incumprimento, seja nas consequências punitivas ou outras após constatação de incumprimento, então perdeu-se o fruto de grande parte de tudo o resto. E é a institui-ção ou a empresa que fica em risco, seja sobre aquela questão concreta, impedida ou fragilizada ou diminuí-da na sua defesa, seja para o futuro, quer em termos simbólicos, quer em termos práticos. Por muito que custe, sobretudo numa cultura amiga (tantas vezes de mais), diplomática e afetiva como a nossa, ainda muito domina-da por um nacional-porreirismo (sob o qual se acobertam iguais doses de bons e de maus sentimentos), no com-pliance não pode haver contempla-ções. Como se diz na peça magistral de Brecht “A Ascensão de Arturo Ui”, uma peça sobre exceções e seres e si-tuações tidos por excecionais, “quan-do cada um faz o que quer e o que o egoísmo lhe inspira, isto significa que estão todos contra todos e é assim que se instala o caos”. Pois é. Isso é o con-trário de uma cultura institucional. E uma erva daninha no compliance sério e levado a sério.

Numa instituição ou numa empresa, o compliance tem que ser para todos, todos mesmo, e não há exceções. No dia em que há, seja no universo de destinatários, seja na tolerância ao incumprimento, seja nas consequências punitivas ou outras após constatação de incumprimento, então perdeu-se o fruto de grande parte de tudo o resto

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No passado dia 12 de fevereiro a Comissão Europeia anun-ciou, no quadro da adoção do

seu pacote mensal de processos de infração aos Estados-membros por incumprimento da legislação comu-nitária, que Portugal não tinha ain-da notificado Bruxelas de quaisquer medidas de execução relativamente

à Diretiva (UE) 2018/843 do Parla-mento Europeu e do Conselho, de 30 de maio relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capi-tais ou de financiamento do terroris-mo (usualmente denominada como quinta diretiva relativa ao branquea-mento de capitais), que deveria ter sido integralmente transposta até 10 de Janeiro.

Só a 20 de fevereiro o Conselho de Ministros aprovou uma Proposta de Lei que procede à transposição da re-ferida Diretiva para o ordenamento jurídico português da quinta e, adi-cionalmente e cumulativamente com - sem que tal fosse previsível - a trans-posição da Diretiva (UE) 2018/1673, de 23 de outubro, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao

combate ao branqueamento de capi-tais através do direito penal.

Torna-se assim necessário analisar o impacto da implementação das refe-ridas Diretivas na legislação nacional.

A quinta diretiva visa, entre ou-tros aspetos, reforçar os poderes das Unidades de Informação Financeira, aumentar a transparência em torno das informações sobre os beneficiá-rios efetivos, bem como regulamentar as moedas virtuais e os cartões pré--pagos em matéria de prevenção do branqueamento de capitais.

No âmbito das medidas relativas às criptomoedas e a outros ativos vir-tuais pretende-se o combate aos riscos

relativos à anonimidade associada aos mesmos, considerando a aceitação destes como meio de pagamento e o facto de poderem ser transferidos, ar-mazenados e comercializados por via eletrónica. Assim, as entidades e os prestadores de serviços que exerçam atividades económicas relacionadas com estes ativos passarão a estar su-jeitos à supervisão do Banco de Por-tugal, designadamente em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terro-rismo. Será assim necessário alterar a Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto (lei relativa ao combate ao branqueamen-to de capitais e ao financiamento do terrorismo), por forma a acomodar esta nova realidade.

Outra matéria abrangida pela Pro-posta de Lei que aqui analisamos, e

que implica a alteração da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, bem como o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo, prende-se com a necessidade de garantir uma maior transparência das estruturas societárias e de outras pessoas cole-tivas, dos trusts e dos centros de in-teresses coletivos sem personalidade jurídica similares.

Conforme anteriormente referido, a Proposta de Lei veio também proce-der à transposição, da Diretiva (UE) 2018/1673 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2018, sem que tal fosse expectá-vel - até mesmo porque a data limite de transposição é 3 de dezembro de 2020 . Esta Diretiva define as infra-ções penais e sanções no domínio do branqueamento de capitais, com vista a facilitar a cooperação policial e judi-ciária entre os países da União Euro-peia. Por outro lado, permite também aos Estados-Membros criminalizar as situações em que o autor da infração “suspeitasse ou devesse ter sabido que os bens provinham de uma atividade criminosa”, alargando assim o espec-tro das condutas associadas ao crime de branqueamento de capitais

No âmbito da transposição desta Diretiva, o Governo esclareceu em comunicado que o ordenamento ju-rídico nacional se encontra já dota-do dos mecanismos substantivos e processuais necessários à prevenção e combate ao crime de branqueamen-to, estando em linha com os princi-pais instrumentos de direito inter-nacional e com as recomendações e orientações do Grupo de Acão Fi-nanceira Internacional (GAFI). Com efeito, no que se refere ao direito pe-nal, lê-se no Relatório de Avaliação Mútua de Portugal de dezembro de 2017, aprovado pelo GAFI, que «as sanções penais aplicáveis são propor-cionais e dissuasivas».

No entanto, para que a transposi-ção da Diretiva (UE) 2018/1673 seja

A transposição da(s) Diretiva(s) em matéria de combate ao branqueamento de capitais

Só a 20 de fevereiro o Conselho de Ministros aprovou uma Propos ta de Lei que procede à transposição da referida Diretiva para o ordena mento jurídico português da quin ta e, adicionalmente e cumulativa mente com - sem que tal fosse pre visível - a transposição da Diretiva (UE) 2018/1673, de 23 de outubro, do Parlamento Europeu e do Con selho, relativa ao combate ao bran queamento de capitais através do direito penal

Jorge SerroteAdvogado Associado Senior da DLA Piper

OPINIÃO | 39

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

plenamente realizada, será necessário alargar o quadro de ilícitos típicos subjacentes ao crime de branquea-mento e o espectro das suas condutas típicas, bem como agravar a moldura penal nos casos em que o infrator é uma entidade obrigada, e cometa a infração no exercício das suas ativi-dades profissionais.

Neste sentido é possível notar que algumas das infrações referidas pela Diretiva (UE) 2018/1673 e especifi-cadas noutros atos jurídicos da União Europeia não se encontram ainda, na sua integralidade, abrangidas pelo ar-tigo 368.º-A do Código Penal. Desta forma, parece necessário que a Pro-posta de Lei preveja que o catálogo dos ilícitos típicos subjacentes ao cri-me de branqueamento seja revisto e alargado.

Em concreto estabelece a Diretiva que os seguintes comportamentos, quando cometidos intencionalmen-te, constituem uma infração penal: i) transferência ou conversão de bens (ativos de qualquer tipo), com conhe-cimento de que esses bens provêm de uma atividade criminosa, com o fim de encobrir ou dissimular a sua ori-gem ilícita ou de auxiliar quaisquer pessoas implicadas nessa atividade a

furtarem-se às consequências jurídi-cas dos seus atos; ii) encobrimento ou dissimulação da verdadeira natureza, origem, localização, utilização, circu-lação ou propriedade de determina-dos bens com conhecimento de que tais bens provêm de uma atividade criminosa; iii) aquisição, detenção ou utilização de bens, com conheci-mento, no momento da sua receção, de que provêm de uma atividade cri-minosa; iv) cumplicidade, instigação e tentativa relativas a estas infrações.

Adicionalmente, a Diretiva deter-

mina que os seguintes comportamen-tos são considerados como atividade criminosa, ou seja, relevantes para o crime de branqueamento de capitais: i) qualquer tipo de envolvimento cri-minoso na prática de uma infração que, nos termos do direito nacional,

seja punível com pena ou medida de segurança privativa de liberdade de duração máxima superior a 1 ano ou um limiar mínimo superior a 6 meses; e ii) desde que tal comporta-mento não esteja já abrangido pela categoria atrás referida, as infrações constantes de uma lista de 22 catego-rias designadas de crimes, incluindo todas as infrações definidas pela legis-lação da UE designada pela Diretiva.

A Diretiva prevê ainda que as in-

frações abranjam os bens que pro-venham de comportamentos que tenham tido lugar noutro país da União Europeia ou mesmo num país terceiro, quando os comportamentos subjacentes constituíssem ativida-de criminosa caso tivessem ocorrido em território nacional. Os Estados--Membros devem assim garantir que as pessoas que cometeram ou que estiveram envolvidas nesta atividade criminal são devidamente punidas.

Nesta matéria assume ainda relevo o designado “autobranqueamento”,

isto é, quando certos tipos de ativida-des de branqueamento de capitais são cometidas pelo autor da atividade cri-minosa que gerou os bens, impondo a Diretiva que os Estados-Membros assegurem a sua punição.

Adicionalmente, determina a Dire-

tiva que os Estados-Membros devem assegurar a condenação por infrações de branqueamento de capitais uma vez determinada a proveniência cri-minosa dos bens, pese embora não se conheçam todos os elementos fac-tuais ou todas as circunstâncias rela-cionadas com essa atividade, incluin-do mesmo a identidade do autor da infração. Fica também previsto que a condenação por branqueamento de capitais não está dependente de uma condenação anterior ou simultânea por essa atividade criminosa que ge-rou os bens. Neste âmbito será ne-cessário alterar o artigo 368.º-A do Código Penal.

Em suma, a Proposta de Lei que será em breve discutida e aprovada na Assembleia da República levará a uma alteração de diversos diplo-mas legais em matéria de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. É im-portante que a discussão da Propos-ta de Lei seja acompanhada de um envolvimento dos stakeholders, em particular os reguladores, para ga-rantir uma fundamentação teórica e prática que responda às várias exi-gências sempre colocadas por uma reforma desta dimensão. Os próxi-mos tempos representarão assim um desafio para as empresas, reguladores e para todos os que trabalham nes-ta matéria.

Neste sentido é possível notar que algumas das infrações referidas pela Diretiva (UE) 2018/1673 e espe cificadas noutros atos jurídicos da União Europeia não se encontram ainda, na sua integralidade, abran gidas pelo artigo 368.º-A do Código Penal. Desta forma, parece necessá rio que a Proposta de Lei preveja que o catálogo dos ilícitos típicos subja centes ao crime de branqueamento seja revisto e alargado

É im portante que a discussão da Propos ta de Lei seja acompanhada de um envolvimento dos stakeholders, em particular os reguladores, para ga rantir uma fundamentação teórica e prática que responda às várias exi gências sempre colocadas por uma reforma desta dimensão

40 | OPINIÃOjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

Passados mais de dois anos des-de a entrada em vigor da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto

(“LBC”) que estabelece no ordena-mento jurídico português medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do ter-rorismo (“BCFT”), transpondo par-cialmente – quase maioritariamente – a Diretiva (UE) 2015/849 do Par-lamento Europeu e do Conselho (4.ª AMLD), já é tempo de fazer uma breve reflexão sobre o resultado da

sua aplicabilidade prática. Aquilo que me preocupa – e que me ocupa-rá nas próximas linhas – tem que ver com a forma como, de um ponto de vista comportamental, algumas en-tidades obrigadas têm vindo a ado-tar e aplicar certas políticas, proce-dimentos e medidas de execução no contexto do cumprimento dos de-veres preventivos, em especial, dos deveres de identificação e diligência (“DID”) e de recusa.

Desde o início do período de vi-gência da LBC que se tem assistido ao passar de diversas fases de “sensi-bilidade jurídico-social”. Encontro, pelo menos, três: (i) uma primeira fase de pânico sobre as “novas” regras

impostas pela LBC que, em bom ri-gor, não consubstanciam uma verda-deira alteração paradigmática face ao regime jurídico anterior; (ii) uma segunda fase, reativa, de “aparen-te” excesso de compliance por parte das entidades obrigadas ligadas aos setores de atividade mais críticos, muito por “culpa” do modelo san-cionatório e da má informação so-bre o conteúdo do regime aplicável, tendo esta fase sido largamente ex-ponenciada pela publicação de atos normativos regulamentares setoriais; e (iii) uma terceira fase – a atual – de ajuste do mercado ao overcomplian-ce, como se este tivesse ganho uma luta de forças.

Perante o medo generalizado e ins-talado sobre a forma como as enti-dades obrigadas deveriam conceber,

implementar ou ajustar as suas po-líticas e procedimentos internos de Know Your Customer (“KYC”) para efeitos do cumprimento dos deveres preventivos, e face ao modelo tripar-tido – já anteriormente conhecido – de aplicação de medidas de exe-cução em função de graus de risco, algumas entidades obrigadas deci-diram adotar um modelo hiper-rí-gido, transversal a qualquer relação de clientela. Estas características são mais sintomáticas quando o cliente é uma pessoa coletiva ou entidade equiparada. Neste modelo – e sem o dizer expressamente no texto das políticas internas – exige-se sempre ao cliente a identificação do(s) seu(s)

beneficiário(s) efetivo(s), informa-ção sobre a finalidade do negócio, origem e destino de fundos, entre outros elementos, sob pena de não se iniciar uma relação de negócio (ou transação ocasional).

A ideia subjacente é a de que, existindo políticas e procedimen-tos ultra-rígidos nos quais se trata o cliente, por defeito, como um cliente de alto risco, exigindo como pressu-posto necessário ao estabelecimento da relação comercial determinados elementos sem que tenha sido fei-ta uma análise ao risco concreto, o cumprimento dos deveres legais se encontra assim plena e corretamen-te verificado. Este pretensiosismo de se ser o “bastião” da prevenção e combate ao BCFT, numa lógica de alta vigilância padronizada pode trazer consequências graves para o mercado como estamos, infelizmen-te, a assistir.

Nem sempre o excesso de com-pliance é algo de positivo, que se pretende alcançar: ele pode ter um efeito perverso e nocivo, quer ao ní-vel das condutas das entidades obri-gadas e outros players do mercado, quer na forma como as autoridades setoriais exercem as suas prerroga-tivas. Ao contrário do que aquela conduta parece sugerir, a adoção de um modelo de medidas preventivas, abstrata e genericamente aplicável, sem o crivo da apreciação casuística é – isso sim – atuar contra o espírito da lei. Se assim é, então não estamos rigorosamente perante uma situação de overcompliance, a qual pressupõe condutas legalmente admitidas, mas numa situação de aparente excesso de compliance, que é o mesmo que dizer “situação potencialmente prae-ter ou contra legem”.

Vejamos: tal como acontece com

O overcompliance e o princípio da proporcionalidade na aplicação de normas relativas à prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo

“Algumas entidades obrigadas decidiram adotar um modelo hiper-rígido, transversal a qualquer relação de clientela”

Miguel de Azevedo MouraProfessor Auxiliar da NOVA School of Law

OPINIÃO | 41

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

a 4.ª AMLD, o regime jurídico es-tabelecido pela LBC quanto às exi-gências de cumprimento do DID e, por conseguinte, do dever de recusa, assenta nas ideias de proporcionali-dade, necessidade, razoabilidade e adequação. Estes princípios encon-tram-se plasmados em inúmeras passagens da lei: “…quando o perfil de risco do cliente ou as características da operação o justifiquem”, “…sem-

pre que necessário…” [artigo 27.º, alíneas b) e c), LBC]; obtenção de um “conhecimento satisfatório” sobre os beneficiários efetivos do cliente, ou adoção de “medidas necessárias” e “medidas razoáveis” para verificar a sua identidade [artigo 29.º (1) (2), LBC] Em especial, o artigo 28.º (1), LBC, consagra uma norma genérica de adequação das medidas de DID em função do risco concreto.

Note-se que o que está em verda-deiramente causa é um poder/dever e não apenas uma prerrogativa da entidade obrigada. Tal dever não só deriva dos textos legais nacionais e da UE, como também – e princi-palmente – dos princípios gerais de Direito que orientam o ordenamen-to jurídico. Tal como o instituto da equidade, o princípio da proporcio-nalidade, na vertente em que trans-cende as relações jurídicas verticais (de soberania), procura ajustar a norma ao facto. E é exatamente esse princípio (e todos os seus subprin-cípios como a adequação) que atri-bui uma natureza elástica aos graus de liberdade de atuação dos sujeitos, ligando, de forma racional, as ideias de igualdade e justiça.

Com efeito, as normas relativas aos deveres preventivos, em especial o DID e o dever de recusa, devem ser interpretadas tendo por base o

princípio da proporcionalidade e da adequação: o cumprimento ve-rifica-se com a adoção de políticas e procedimentos de análise de ris-co em função da situação em causa, bem como de medidas de execução reforçadas se esse risco for real ou potencial. Neste sentido, procura--se a alta vigilância sem a padroni-zação do elemento “risco elevado”. Medidas restritivas ou reforçadas

deverão ser impostas apenas nos ca-sos definidos como tais após análise concreta de risco.

O problema surge, por exemplo, quando o cliente não consegue iden-tificar o seu beneficiário efetivo, por facto que não lhe é imputável, não se verificando motivos factuais de prá-ticas ou suspeitas de práticas de cri-mes de BCFT, ou outros indicadores

de risco acrescido. Um caso comum é o das sociedades em relação de do-mínio ou de grupo, de vários níveis, onde o cliente é uma subsidiária e não tem conhecimento do(s) bene-ficiário efetivo(s) porque a holding se encontra numa jurisdição fora da UE, mas num país de risco reduzi-do no qual não existe uma obrigação de identificação dos sócios. O clien-te pode ver assim frustradas todas as expectativas que tinha em, por exemplo, abrir uma conta bancária, ou celebrar um contrato de forne-cimento, sem justificação racional para a recusa, pelo simples facto de

a entidade obrigada adotar o referido modelo hiper-rígido, que correspon-de ao seu modus operandi standard. Declarada a recusa, o cliente não en-contra outra alternativa senão pro-curar uma entidade obrigada con-corrente. Agora imagine-se se todas as entidades desse setor aplicassem a mesma metodologia… o impacto no mercado é, como se percebe, no mínimo, preocupante.

Claro que com esta nota não se prevê a obrigatoriedade em praticar o ato, celebrar o negócio jurídico, ou manter a relação comercial. A adoção de métodos hiper-rígidos é amplamente permitida pelo direito, nos termos tradicionais da liberda-de negocial. Tem, por isso, um li-mite: o da boa-fé. É que aplicação dos princípios da proporcionalida-de e da adequação face às condutas de (aparente) overcompliance pode resultar em casos de responsabili-dade civil obrigacional, incluindo a pré-contratual, ao contrário do que pode resultar de uma leitura lite-ral e descuidada do artigo 50.º (7) da LBC: há dever de recusa sempre que existam indícios ou suspeitas de práticas ilícitas ligadas ao BCFT

ou quando não se tenham obtido os elementos identificativos mínimos ou necessários para cumprimento do DID, tendo em consideração ao grau de risco concreto do cliente e da natureza da atividade, negócio ou transação.

Esta é, salvo melhor opinião, a for-ma mais adequada de compatibili-zar as prerrogativas atribuídas pela LBC e pela 4.ª AMLD às entidades obrigadas, com os princípios gerais que as norteiam, salvaguardando, por um lado, a finalidade da lei e protegendo, por outro, os interesses do mercado.

“Este pretensiosismo de se ser o “bastião” da prevenção e combate ao BCFT, numa lógica de alta vigilância padronizada pode trazer consequências graves para o mercado como estamos, infelizmente, a assistir”

“As normas relativas aos deveres preventivos, em especial o DID e o dever de recusa, devem ser interpretadas tendo por base o princípio da proporcionalidade e da adequação”

42 | OPINIÃOjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

Em abril de 2017, as Autori-dades Europeias de Supervi-são (ESAs)1 publicaram as suas

Orientações Conjuntas relativas às ca-racterísticas da abordagem baseada no risco em matéria de supervisão do an-tibranqueamento de capitais e do com-bate ao financiamento do terrorismo e às medidas a tomar ao exercer a super-visão baseada no risco (Orientações relativas à supervisão baseada no ris-co, doravante designadas de “Orien-tações Conjuntas”)2. Nessas Orienta-ções Conjuntas, as ESAs estabelecem as etapas em que se deve decompor o modelo posto em prática pelas auto-ridades responsáveis pela supervisão das instituições financeiras em ma-téria de prevenção do branqueamen-to de capitais e do financiamento do terrorismo (BCFT), identificando as fontes a considerar e os critérios para definir as ações mais adequadas ao acompanhamento das instituições supervisionadas.

Em linha com o disposto nas Orientações Conjuntas e na Reco-mendação 28 do Grupo de Ação Fi-nanceira (GAFI), atinente à regula-ção e supervisão das instituições fi-nanceiras em matéria de prevenção do BCFT, o artigo 102.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto (doravan-

te, “Lei n.º 83/2017”), determina às autoridades de supervisão (e demais autoridades setoriais previstas na lei) que, no exercício da sua atividade de verificação dos deveres consigna-dos na referida Lei, identifiquem e avaliem, numa base permanente, os riscos de BCFT associados às respe-tivas instituições supervisionadas, os quais, por sua vez, determinarão o tipo, a frequência e a intensidade das ações de supervisão a adotar. Para este efeito, as autoridades de super-visão devem exercer os seus poderes de modo a garantir o acesso a toda a informação relevante para a com-preensão daqueles riscos, aqui se in-cluindo, de acordo com as Orienta-ções Conjuntas, elementos sobre (i) a estrutura de propriedade e controlo da instituição supervisionada, (ii) a reputação e integridade dos mem-bros do órgão de administração, dos gestores de topo e dos participantes qualificados, (iii) a natureza e com-plexidade dos produtos, serviços, transações e canais de distribuição disponibilizados, (iv) a tipologia de clientes, (v) a área geográfica de atua-ção, (vi) a qualidade das estruturas de governo e controlo interno, de-signadamente ao nível das funções de auditoria e de compliance, (vii) a cultura de compliance prevalecente e (viii) o grau de conformidade com os requisitos legais e regulamenta-res e a eficácia das políticas e proce-dimentos em matéria de prevenção do BCFT. Com base nos elementos apurados, a autoridade de supervisão ajustará por exemplo a intensidade e

a intrusividade do plano individual de supervisão ao risco de BCFT da instituição supervisionada em causa, determinando nessa base, de acordo com as Orientações Conjuntas, a ex-tensão da revisão inspetiva dos fichei-ros de clientes, das amostras de tran-sações examinadas pela instituição e das comunicações de operações sus-peitas efetuadas. A este propósito, as Orientações Conjuntas reconhecem ainda que em situações de risco mais elevado é pouco plausível a suficiên-cia de uma mera análise das políticas e procedimentos declarados pela ins-tituição supervisionada, impondo-se uma avaliação da sua efetiva imple-mentação, com recurso às técnicas de revisão já descritas. Neste contexto, observa-se que nem as Orientações Conjuntas nem a soft law produzida pelo GAFI aludem, para efeitos de supervisão contínua, a expedientes de teor mais intrusivo do que as téc-nicas de amostragem, como seriam o acompanhamento em tempo real (ou a autorização prévia) de opera-ções pelo supervisor ou a realização por este, em substituição das insti-tuições supervisionadas, dos deveres preventivos do BCFT quanto a tais operações. Em todo o caso, o artigo 97.º da Lei n.º 83/2017 prevê, como mecanismo de última ratio, a possi-bilidade de as autoridades setoriais adotarem medidas corretivas desti-nadas a sanar ou prevenir incumpri-mentos aos deveres preventivos do BCFT, que poderão passar pela dimi-nuição ou eliminação da exposição a determinadas atividades ou opera-

Alcance da atuação do supervisor preventivo do BCFT – breve subsídio para uma interpretação dos poderes conferidos pelo quadro normativo em vigor

1. Autoridade Bancária Europeia, Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados e Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma. Observa-se, no entanto, que, com a publicação do Regulamento (UE) 2019/2175 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro, operou-se a concentração na Autoridade Bancária Europeia das competências em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo que se encontravam dispersas pelas três Autoridades Europeias de Supervisão.

2. Orientações emitidas em cumprimento do mandato consignado no n.º 10 do artigo 48.º da Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo. Disponíveis para consulta em https://eba.europa.eu/regulation-and-policy/anti-money-laundering-and-e-money/guidelines-on-risk-based-supervision .

Gonçalo Maia Miranda Coordenador de Área no Banco de Portugal*

OPINIÃO | 43

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

ções ou, bem assim, pela criação de novas obrigações de comunicação ou pela intensificação das comunica-ções existentes, nomeadamente sobre operações efetuadas.

Em suma, a lei portuguesa, em li-nha com as melhores práticas inter-nacionais, direciona os poderes das autoridades setoriais para a verifi-cação do cumprimento dos deveres preventivos do BCFT, com recurso a estratégias de supervisão focadas na aferição da eficácia dos procedimen-tos e controlos implementados pelas entidades obrigadas, cujo grau de in-trusividade deverá variar em função do concreto risco de BCFT. Tal não significa, contudo, o exercício dos de-veres preventivos em substituição das entidades obrigadas ou o exercício de competências investigatórias ou de “follow the money” que são pertença de autoridades que intervêm a jusan-te na cadeia de combate ao BCFT3.

Ora, se a lei entrega às entidades obrigadas a responsabilidade princi-pal pelo cumprimento dos deveres preventivos, incluindo o de comuni-car operações potencialmente suspei-tas, e se não compete às autoridades setoriais sindicar a eventual ilicitude criminal de operações concretas, co-loca-se a questão de saber se o atual sistema de combate ao BCFT encerra em si mesmo uma lacuna ou “ângulo morto”. Tal lacuna, a existir, situar--se-ia entre o sistema de prevenção e o sistema de repressão e consistiria na não previsão de mecanismos con-cretos para identificar e até impedir, numa fase pré-investigatória, opera-ções que, não tendo sido comunica-das pelas entidades obrigadas, pos-sam consubstanciar indicadores de suspeição.

A este respeito, recorda-se que as autoridades destinatárias das comu-nicações de operações suspeitas [De-partamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral

da República (DCIAP) e Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária (UIF)] dispõem, à luz do disposto no artigo 53.º da Lei n.º 83/2017, de prerrogativas de coope-ração por parte das entidades obri-gadas que transcendem em muito a obtenção de informação apenas so-bre operações comunicadas, como se afere do n.º 4 daquela previsão nor-mativa. No entanto, afigura-se ainda mais impressivo o n.º 3 da mesma disposição, naquilo que aparenta ser uma flexibilização do mecanismo de controlo de contas estatuído na Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, por-quanto permite àquelas autoridades determinarem às respetivas entidades executantes a imediata comunicação de qualquer operação proposta, ten-tada, iniciada ou executada.

Por outro lado, o artigo 81.º da Lei n.º 83/2017 atribui explicita-mente ao DCIAP a prerrogativa de realizar ações de prevenção do bran-queamento de capitais4 e da respetiva criminalidade subjacente, no âmbito das quais exerce também os poderes conferidos pelo n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 36/945, de 29 de setem-bro, na sua redação atual. De entre esses poderes conta-se a recolha de informação relativamente a notícias de factos suscetíveis de fundamentar suspeitas do perigo da prática de um crime, o que permite, também por esta via, atuar ex ante relativamente a operações potencialmente suspeitas. Nessa conformidade, e obedecendo a uma lógica de aproveitamento de toda a informação relevante, a alínea b) do n.º 2 do artigo 48.º da Lei n.º 83/2017 postula a admissibilidade da suspensão temporária da execução de operações, com base na informa-ção coligida no âmbito das ações de prevenção, ainda que a mesma não respeite a operações objeto do exer-cício dos deveres de comunicação abstenção.

Desta forma, crê-se ficar demons-trado que o sistema nacional de pre-venção e combate ao BCFT não de-nota lacunas na adequada monitori-zação de operações potencialmente suspeitas, estabelecendo competên-cias claras em cada uma das fases em que se decompõe:

– Fase de prevenção: a execução dos deveres preventivos compete às entidades obrigadas, cabendo aos su-pervisores a verificação dos respetivos controlos e procedimentos, com base em critérios de risco;

– Fase pré-investigatória: a UIF e o DCIAP dispõem de amplos poderes de análise e de averiguação não ape-nas quanto a operações comunicadas, mas igualmente quanto a quaisquer outras operações que, por qualquer motivo, apresentem indicadores de suspeição que tenham chegado ao seu conhecimento (destacando-se aqui os amplos poderes conferidos ao DCIAP em sede de ações de pre-venção);

– Fase de investigação: está a car-go das autoridades judiciárias com-petentes para o inquérito criminal, com a coadjuvação das autoridades policiais.

Não existindo lacunas ou dúvi-das quanto à esfera de atuação dos diversos intervenientes no circuito de prevenção e combate ao BCFT, relembra-se que a eficácia do siste-ma depende, em grande medida e tal como reconhecido nas Orien-tações Conjuntas, da intensifica-ção dos mecanismos de cooperação e de troca de informação entre os atores públicos das diversas fases, conferindo o artigo 124.º da Lei n.º 83/2017 uma base legal inu-sitadamente generosa para que tal possa suceder.

Qualquer opinião expressa neste artigo pertence unicamente ao autor, não representando a opinião do Banco de Portugal, a menos que expressamente se afirme que o autor está autorizado para tanto.

3. O disposto não obsta à comunicação de operações suspeitas pelas autoridades setoriais, em observância do disposto no artigo 104.º da Lei n.º 83/2017, sempre que, no exercício das suas funções, identifiquem possíveis suspeitas de BCFT que não tenham sido comunicadas pelas entidades obrigadas. Na mesma linha, a alínea d) do n.º 1 do artigo 95.º da lei habilita aquelas autoridades a sancionarem a posteriori quaisquer incumprimentos dos deveres preventivos a respeito de uma dada operação que não tenha sido adequadamente examinada e/ou comunicada pelas entidades obrigadas.

4. A promoção ou realização de ações de prevenção, neste domínio, pelo DCIAP, foi confirmada pelo n.º 4 do artigo 58.º do novo Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto).

5. Lei essa que atribui também à Polícia Judiciária a competência para a realização de ações de prevenção, incluindo quanto a infrações económico-financeiras.

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O crescimento do terrorismo e as dificuldades inerentes ao seu combate, não só ao ope-

rativo e directo mas também e sobre-maneira, o mais oculto e, por isos, mais difícil de identificar, tem sido, nos últimos tempos um devir das sociedades contemporâneas.

Um sinal de mudança de paradig-ma e um sinal de que, afinal, Angola não quer fazer mais parte dos Países onde a corrupção e o consequente branqueamento dos capitais adqui-ridos por via criminosa não podem continuar a passar impunes foi ma-nifestado através de legislação recen-te que urge, aqui, apreciar.

O combate ao terrorismo (vá-

-se lá saber se esta actual pandemia não tem também essa origem!!!) e o combate ao seu financiamento, têm constituído reforço de garantia de cidadania imposta pelas organiza-ções internacionais a que, também Angola, pertence.

Foi por isso que, em boa hora, ratificou as Convenções das nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Narcotráficos e Substâncias Psico-trópicas, contra o Crime Organiza-do Transnacional e sobre a Supressão do Financiamento do Terrorismo, as quais recomendam a definição de

um sistema optimizado de Preven-ção e Combate ao Branqueamento de Capitais.

Foi por isso também que, no dia 27 de janeiro de 2020, sob o numero 5, foi publicada Lei da Assembleia Nacional visando exactamente essa prevenção e combate.

Já abordei noutros locais e mo-mentos outras vertentes da Lei e sobre ela já pude lançar um olhar mais genérico.

Hoje, porque assim me parece im-portante, pela assunção de responsa-bilidades e atribuição de responsa-bilizações, entendo dever descrever, ainda que enunciativa e não exaus-tivamente, sobre as pessoas que, por terem assumido ou assumirem no momento da verificação dos factos, funções públicas proeminentes em Angola ou em qualquer País ou ju-risdição ou em qualquer organização internacional.

Quero falar, claro está, das deno-minadas “Pessoas Politicamente Ex-

postas” (PPE’s”) na denominação desta Lei e de muitas outras suas congéneres.

Falar em Pessoas Expostas, in casu, politicamente, traduzimos nós aque-las pessoas que, por força do exercí-cio de funções publicas tenham uma posição de maior fragilidade às ten-tações dos perpetradores dos ilícitos visados com a Lei.

Explica-se bem a razão pelo facto, simples, de cada uma destas pessoas ter ou ter tido capacidade natural de influenciar, de intervir, de condi-cionar e de alterar decisões políticas

que, em benefício de determinadas pessoas ou entidades subvertam os finas das normas tal como elas de-vem ser construídas. A obediência e respeito a princípios de igualda-de, de equilíbrio social e de trans-parência.

São muitas as identificadas na Lei, nomeadamente no considerando 31 da mesma. Desde logo o mais alto Magistrado da Nação, o Presiden-te da República, o Vice-Presidente, o Primeiro Ministro, os Ministros, os Deputados, os Magistrados Ju-diciais e do Ministério Público dos Tribunais Superiores e da Relação cujas decisões, em regra, não sejam passíveis de recurso, os chefes das missões diplomáticas, membros de órgãos de administração e de fisca-lização de empresas públicas e de sociedades de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, mem-bros das administrações locais e do poder autárquico, líderes de confis-sões religiosas, entre tantos outros.

De realçar que este normativo co-bre, no nível de exigência e controle excepcionais, não só as PPE’s em si mesmas mas também os familiares e amigos mais próximos. Também se compreende a especial acessibilida-de do meio.

Ao contrário das restantes pessoas, sejam elas singulares ou colectivas que vêm a sua actuação cair na al-çada deste diploma, as PPE’s assu-mem perante o mesmo um conjunto alargado de contingências resultan-tes da causa da sua exposição como antes mencionado e não da actua-ção que possa ser controlável ou, de forma mais profunda ser considera-da suspeita.

Também importa referir – pela natureza – não se restringir a noção de PPE’s a Cidadãos Nacionais, mas recaindo também a estrangeiros que exerçam ou tenham exercido funções publicas de relevo ou importância proeminente em território nacional.

Pessoas Politicamente Expostas na Lei 5/2020. Breve análise.

Miguel MatiasSócio RSA – Rede de Serviços de Advocacia

Falar em Pessoas Expostas, in casu, politicamente, traduzimos nós aquelas pessoas que, por força do exercício de funções publicas tenham uma posição de maior fragilidade às tentações dos perpetradores dos ilícitos visados com a Lei

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VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

Ao contrário de outras legislações similares, a Lei 5/2020 ora em apre-ciação não determina um tempo a partir do qual os “holofotes” da mes-ma deixem de incidir sobre as PPE’s.

Compreendo a intemporalidade pelas circunstâncias específicas vi-venciadas no momento angolano, pela força importada pelo diploma e, claro, pelo conjunto de imposi-ções internacionais (nomeadamen-te as do Banco Mundial), tudo para que, de facto e não só de Direito, o paradigma angolano mude de vez.

E o mudar de vez importa sinais! Sinais dados pelas autoridades

angolanas recentemente e visando a inexplicabilidade da alegada ou aparente utilização de dinheiros pú-blicos em benefício próprio levada a cabo por algumas antes, elas sim, pessoas politicamente expostas (em-bora com legitimação à data ques-tionável).

As obrigações decorrentes da lei e que incidindo sobre as PPE’s antes mencionadas, conferem às “entida-des obrigadas” um leque de obriga-ções que se iniciam logo no momen-to da verificação da identidade, seja dos clientes, dos seus representantes, seja dos beneficiários efectivos das transações ou relações de negócio pensadas levar a cabo. Será, portan-to, num momento anterior e logo que exista manifestação de inten-ção de realização das operações que devem dar-se início as obrigações.

Mas, como se vem de dizer e quen-to às restantes, as medidas, também elas passíveis de reforço, dizem di-rectamente respeito ao negócio, no que diz respeito às PPE’s as medidas de diligência acrescida que obrigam as entidades descritas na Lei, dizem respeito a elas próprias.

Devem ser acrescidas as medidas de diligência quanto à relações de negócio ou quanto às transações oca-sionais que envolvam PPE’s, deven-do as entidades obrigadas dispor de procedimentos adequados baseados no risco, para determinar, apurando, se o cliente, o representante, o bene-ficiário efectivo, podem ser classifi-cados como PPE’s. Devem também

tomar medidas que se mostrem ne-cessárias para determinar a origem do património e dos fundos envol-vidos nas relações de negócio ou nas transações ocasionais com PPE’s.

Aqui surge um aflorar das obriga-ções de declaração que devem recair, ainda que projectivamente sobre o

património dos titulares de cargos políticos e que tanta tinta tem fei-to correr noutras jurisdições, como a portuguesa onde, a inversão do ónus de demonstrar a origem lícita do património tem sido um entra-ve ao estabelecimento de normativos capazes de controlar, impedindo, posições patrimoniais injustificadas.

Devem, também, as entidades obrigadas, sejam do sector financeiro ou não, efetuar um acompanhamen-to contínuo e acrescido das relações de negócio que envolvam PPE’s, di-rectamente ou em situações de co--participação em posições sociais.

Por ultimo e concretizando o an-

tes aflorado, diga-se que o regime reforçado que se vem de aflorar deve continuar a aplicar-se a quem, tendo deixado de ter a condição de PPE’s, continue a representar um ris-co acrescido de branqueamento de capitais, de financiamento do terro-rismo e de proliferação de armas de

destruição em massa devido ao seu perfil ou à natureza das operações desenvolvidas.

Claro está que estas medidas ne-cessitam da criação, por parte das entidades obrigadas de um apport técnico e tecnológico que lhes per-mita – em tempo – sindicar todas as condições. Esta será, ao lado da formação a que as entidades (como em Portugal) se encontram obriga-das, a maior dificuldade de imple-mentação efectiva da Lei, muito a par do quem vem acontecendo nou-tras geografias.

Termino como comecei: Com es-perança!

Claro está que estas medidas necessitam da criação, por parte das entidades obrigadas de um apport técnico e tecnológico que lhes permita – em tempo – sindicar todas as condições

46 | LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIAjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

ANGOLA

Lei n.º 5/20, de 12 de dezembro Revogou a Lei n.º 34/11, de 12 de

dezembro, sobre a mesma matéria, e entrou em vigor no dia 28 de janeiro.

Principais alterações:Introdução de medidas contra a

proliferação de armas de destruição em massa;

A definição de “beneficiário efeti-vo” foi alargada, passando, nomea-damente, a incluir todas as pessoas que detenham, direta ou indireta-mente, uma participação de con-trolo numa sociedade, incluindo o controlo do capital social, direitos de voto ou que detenham uma in-fluência significativa na sociedade. Deixou de existir um limite míni-mo para determinar a existência do referido controlo;

“Pessoas politicamente expostas” abrangem qualquer pessoa nacional ou estrangeira que exerça ou tenha exercido cargos públicos em Angola ou em qualquer outro país ou juris-dição ou em qualquer organização internacional;

Existe agora uma obrigação autó-noma de avaliação de risco. As en-tidades sujeitas devem implemen-tar medidas e controlos apropriados para identificar, avaliar, compreender e mitigar o branqueamento de capi-tais, o financiamento do terrorismo e a proliferação de armas de destrui-ção em massa;

As obrigações de identificação e di-ligência são agora aplicáveis a transa-ções ocasionais executadas através de transferências eletrónicas num mon-

tante superior a 1000 USD, em moe-da nacional ou estrangeira;

Foram estabelecidas novas regras sobre diligência simplificada e medi-das de diligência reforçada aplicáveis às transações transfronteiras;

O âmbito da obrigação de comuni-cação de transações suspeitas em nu-merário ou através de transferências eletrónicas foi alterado, sendo ago-ra aplicável a transações entre USD 5000 e USD 15.000, dependendo da operação em questão;

Os prestadores de serviços de pa-gamento que controlem a ordem e a recepção de uma transferência eletró-nica devem ter em conta as informa-ções prestadas pelo ordenante e pelo beneficiário para determinar se existe dever de comunicação.

As Autoridades Fiscais têm agora o dever de comunicar pagamentos transfronteiriços suspeitos.

(https://www.mirandalawfirm.com/pt/conhecimento-media/publi-cations/alerts/novas-regras-para-pre-vencao-e-combate-ao-branqueamen-to-de-capitais-financiamento-do-ter-rorismo-e-proliferacao-de-armas-de--destruicao-em-massa)

Lei n.º 3/14, de 10 de fevereiroConsiderando que a República de

Angola ratificou as Convenções das Nações Unidas contra o Tráfico Ilí-cito de Estupefacientes e de Subs-tâncias Psicotrópicas, a Criminali-dades Organizada Transnacional e a Supressão do Financiamento ao Ter-rorismo, com vista a garantir a segu-rança territorial e do sistema finan-ceiro angolano;

Tendo em conta as exigências esta-belecidas nas 40 Recomendações do Grupo de Ação Fianceira Internacio-nal (GAFI/FATF) e nas Convenções das Nações Unidas, nomeadamen-te na Convenção contra a Crimi-nalidade Organizada Transnacional (Convenção de Palermo), Conven-ção sobre o Tráfico Ilícito de Estupe-facientes e Substâncias Psicotrópicas

(Convenção de Viena) e Convenção para a Supressão do Financamento ao Terrorismo;

Atendendo à Criminalização do Branqueamento de Capitais previsto na Lei n.º34/11, de 12 de dezembro – Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Ter-rorismo –, e uma vez que nem todas as infrações subjacentes ao branquea-mento de capitais e financiamento do terrorismo, incluídas nas catego-rias de infrações designadas elencadas estabelecidas nas 40 Recomendações do GAFI/FATF se encontram atual-mente tipificadas no ordenamento jurídico angolano, existe a necessi-dade premente de revisão do orde-namento jurídico garantir a confor-midade com as supramencionadas exigências internacionais;

Considerando a premente necessi-dade de tipificar as categorias de in-frações designadas que não se encon-tram ainda criminalizadas no atual ordenamento jurídico, bem como aditar alguns aspetos imprescindí-veis na tipificação dos crimes já em vigor no atual ordenamento jurídico de forma a assegurar a conformidade com os padrões internacionais.

Lei n.º 34/11, de 12 de dezembro Considerando que a República

de Angola aprovou a Resolução n.º 19/99, de 30 de julho, publicada no DR I.ª Série n.º 31, a Resolução n.º 21/10, de 22 de junho, publicada no DR I.ª Série n.º 115, e a Resolução n.º 38/10, de 17 de dezembro, pu-blicada no DR I.ª Série n.º 239 que ratificam as Convenções das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Es-tupefacientes e de Substâncias Psico-trópicas, a criminalidade transnacio-nal e a supressão do financiamento ao terrorismo, respetivamente, com vista a garantir a segurança territorial e do sistema financeiro angolano. Vi-sando a adopção e a implementação das disposições legais constantes nas mencionadas Convenções, a Repú-

Branqueamento de capitais

LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA | 47

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

blica de Angola publicou em Diário da República, a Lei n.º 12/10, de 9 de julho, sobre o Combate ao Bran-queamento de Capitais e Financia-mento do Terrorismo. Consideran-do a premente necessidade de revisão do sistema de prevenção e repressão do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento ao Ter-rorismo, no sentido de fortalecer o seu nível de conformidade com os padrões internacionais, bem como a necessidade de aditar alguns aspetos imprescindíveis ao referido sistema e de complementar outros referidos na Lei n.º 12/10, de 9 de julho, que representam uma considerável altera-ção à estrutura da referida lei, e que serão fundamentais no reforço do exercício das funções das autoridades angolanas na prevenção e repressão do branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo.

Lei n.º 12/10, de 9 de julhode 2010, I Série, DR n.º 128

Estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamen-to do terrorismo. – Revoga toda a le-gislação que contrarie a presente lei.

Impõe-se a necessidade de se esta-belecerem medidas de natureza pre-ventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de pro-veniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, porquanto esta prá-tica à escala mundial é um mal que está a atingir sobretudo as sociedades em desenvolvimento, cuja forma de operar é orientada pelo sigilo, não se sabendo, pela própria natureza, a sua real dimensão.

Tem sido frequentes os infratores utilizarem vários países para ocul-tar os seus proventos ilícitos, apro-veitando-se das diferenças existen-tes nos respetivos regimes legais e, por vezes, da difícil coordenação e cooperação internacional. Por não existirem estimativas fiáveis sobre a magnitude do problema do bran-queamento de capitais e do financia-mento do terrorismo a nível global e para prevenir a sua disseminação

pelo nosso País, cujas consequências são inimagináveis.

Regulamento n.º 4/16 de 2 de junho

Considerando que a Lei n.º 34/11, de 12 de dezembro, Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo, con-sagra um conjunto de obrigações a que estão vinculadas as instituições financeiras;

Atendendo que à Comissão do Mercado de Capitais (CMC), en-quanto organismo de regulação, su-pervisão e fiscalização das instituições financeiras não bancárias que atuam no mercado de valores mobiliários e instrumentos derivados, compete regular e supervisionar as referidas instituições;

Havendo necessidade de estabele-cer controlos adequados que visem tornar eficaz a implementação de medidas de prevenção e repressão às práticas que configurem crimes de branqueamento de capitais e finan-ciamento ao terrorismo, nas institui-ções financeiras não bancárias, nas sociedades gestoras dos mercados regulamentados e de serviços finan-ceiros sobre valores mobiliários e nas instituições financeiras bancárias que realizem serviços e atividades de in-vestimento em valores mobiliários e instrumentos derivados;

Tendo em conta os deveres de dili-gência, de informação e de comuni-cação a que estão sujeitas as entidades acima referidas, por força da Lei 1/12, de 12 de janeiro, Lei sobre a Designa-ção e Execução de Atos Jurídicos In-ternacionais e do Decreto Presidencial n.º 214/13, de 13 de dezembro, que regulamenta a referida Lei;

Considerando que é imprescindível o cumprimento dos referidos deveres, pelas entidades sujeitas à supervisão da CMC, permitindo assim à enti-dade competente o congelamento imediato dos fundos e demais ativos financeiros ou recursos económi-cos das pessoas que pratiquem atos qualificados como branqueamento de capitais ou financiamento ao ter-rorismo.

BRASIL

Lei n.º 12.683, de 9 de julho de 2012

Esta lei altera a Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998, para tornar mais eficiente a persecução penal dos cri-mes de lavagem de dinheiro.

Lei n.º 10.467, de 11 de junho de 2002

Acrescenta o Capítulo II-A ao Tí-tulo XI do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Pe-nal, e dispositivo à Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998, que “dispõe sobre os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores; a preven-ção da utilização do Sistema Finan-ceiro para os ilícitos previstos nesta Lei, cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), e dá outras providências.

Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998

Dispõe sobre os crimes de “lava-gem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financei-ras - COAF, e dá outras providências.

Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990

Define crimes contra a ordem tri-butária, económica e contra as rela-ções de consumo, e dá outras provi-dências.

Lei n.º 7.492, de 16 de junho de 1986

Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras pro-vidências.

48 | LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIAjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

Lei n.º 7.170, de 14 de dezembro de 1983

Define os crimes contra a seguran-ça nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências.

Lei Complementar n.º 105, de 10 de janeiro de 2001

Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências.

Decreto n.º 9.663, de 2019Aprova o Estatuto do Conselho

de Controle de Atividades Financei-ras – COAF.

Decreto n.º 5.687, de 31 de janeiro de 2006

Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezem-bro de 2003.

Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004

Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional.

Portaria n.º 330, de 18 de dezembro de 1998

Aprova o Regimento Interno do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF.

CABO VERDE

Lei n.º 120/VII/2016, de 24 de março de 2016

“Alteração e Republicação da Lei sobre a Prevenção do Crime de La-vagem de Capitais, aprovada pela Lei

n.º 38/VII/2009, de 27 de abril, alte-rando-se o que respeita à lista de defi-nições, às novas entidades de regula-ção e supervisão e suas competências, às entidades abrangidas pelo âmbito subjetivo da Lei, aos deveres de de-claração de transportes físicos trans-fronteiriços, de identificação e veri-ficação da identidade, de diligência relativo ao cliente, aos bancos corres-pondentes, à identificação através de intermediários, aos deveres de recusa de realização das operações, de dili-gência acrescida e de conservação de documentos, às obrigações relativas a transferências eletrónicas, ao dever de controlo, às filiais e sucursais, aos de-veres de colaboração e informação e de comunicação, à suspensão de execução da operação, exclusão de responsabili-dade, ao crime de lavagem de capitais, às penas aplicáveis às pessoas coleti-vas, à apreensão de bens e direitos, à informação à UIF sobre aplicação de sanções, às contraordenações graves e especialmente graves e às sanções aces-sórias, aditando-se novos deveres que impendem sobre as entidades sujeitas e bem assim regras sobre bancos de fa-chada, organismos sem fins lucrativos, sobre cooperação entre entidades na-cionais e estrangeiras, sobre prescrição e sobre o valor das coimas.”

Estabelece medidas destinadas a prevenir e reprimir o crime de la-vagem de capitais, bens, direitos e valores.

Resolução 13/2020, de 27 de janeiro

Comissão Interministerial de Coor-denação das Politicas em Matéria de Prevenção e Combate à Lavagem de Capitais: “(…)Esta Resolução cria, na dependência dos Ministérios das Finanças e da Justiça e do Trabalho, a Comissão Interministerial de Coor-denação das Políticas em Matéria de Prevenção e Combate à Lavagem de Capitais, ao Financiamento do Terro-rismo ao financiamento da prolifera-ção de armas de destruição em massa que tem como missão definir, acom-panhar e coordenar a identificação e respostas aos riscos advenientes da prática de lavagem de capitais e de fi-

nanciamento do terrorismo ao finan-ciamento da proliferação de armas de destruição em massa a que Cabo Ver-de está ou venha a estar, contribuindo para a melhoria contínua da confor-midade técnica e da eficácia do Siste-ma Nacional de Prevenção e Combate à Lavagem de Capitais e Financiamen-to do Terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa. Pretende-se reunir entida-des com responsabilidade na matéria, designadamente as representativas das Finanças, dos Negócios Estrangeiros, da Administração Interna e da Justiça, dentre outras, (…) Comissão Intermi-nisterial de Coordenação das Políticas em Matéria de Prevenção e Combate à Lavagem de Capitais, ao Financia-mento do Terrorismo (…) tem como atribuições, dentre outras, estudar es-tratégias e formular recomendações legislativas ou operacionais, visando adotar ações concretas para o combate à lavagem de capitais, ao financiamen-to do terrorismo e ao Financiamento da Proliferação das Armas de Destrui-ção em Massa se necessário for, com recurso à parceria com países, organi-zações internacionais e demais insti-tuições parceiras. Cabe, ainda, à Co-missão aprovar anualmente, o plano de ação do Estado contra a lavagem e capitais, ao Financiamento do Terro-rismo ao financiamento da prolifera-ção de armas de destruição em massa, instrumento de política que permite estabelecer objetivos e metas nesse domínio, em sintonia com os com-promissos assumidos a nível interna-cional e regional, assim como, emitir pareceres pontuais sobre temáticas de interesse na área de lavagem e de fi-nanciamento do terrorismo ao finan-ciamento da proliferação de armas de destruição em massa, aconselhando o Governo nos casos em que for chama-do a pronunciar sobre determinada questão em concreto.”

Aviso n.º 5/2017, de 7 de setembro, do Banco de Cabo Verde

Aviso sobre as condições, meca-nismos e procedimentos necessários ao efetivo cumprimento dos deveres

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VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

preventivos da lavagem de capitais e financiamento do terrorismo no âm-bito da prestação de serviços finan-ceiros sujeitos à supervisão do Banco de Cabo Verde.

GUINÉ-BISSAU

Lei 1/2012, de 05 de setembro (Lei de Luta contra o financiamento do terrorismo)

Aprova a Lei de Luta contra o fi-nanciamento do terrorismo nos Es-tados Membros da União Monetária Oeste Africana (UMOA), a qual de-fine o respetivo quadro jurídico na Guiné-Bissau. Assegura a interdepen-dência dos dispositivos de luta contra a criminalidade financeira transna-cional em vigor, completando e re-forçando os regimes relativos à luta contra o branqueamento de capitais.

Lei 3/2018, de 07 de agosto (Combate ao Branqueamento de Capital e Financiamento do Terrorismo)

Aprova a Lei do Combate ao Bran-queamento de Capital e Financia-mento do Terrorismo tendo por ob-jeto a prevenção e punição do bran-queamento de capitais e financia-mento do terrorismo, bem como a proliferação de armas de destruição massiva, estabelecendo medidas que visam detetar e desencorajar o bran-queamento de capitais considerando--se ilícita a origem de capitais ou de bens quando estes provêm da prática ilícita de uma das infrações enume-radas no diploma.

Decreto 1/2006, de 29 de maioCria a Célula Nacional de Trata-

mento de Informações Financeiras (CENTIF), por aplicação da Reso-lução n.º 4/PL/2004, entidade com-petente para a recepção, análise e tra-

tamento das informações específicas e capazes de estabelecer a origem ou natureza das operações e transações objeto de suspeita.

Resolução 4/PL/2004, de 02 de novembro

Aprova a Lei Uniforme Relativa à Luta Contra o Branqueamento de Capitais e da Lei Relativa às Medi-das de Promoção de Bancarização e da Utilização de Meios de Pagamen-to Escriturais.

MACAU

Lei n.º 6/97/M, de 30 de julho de 1997, alterada pela Lei n.º 2/2006, Lei 8/2017,Lei 6/2008 e Lei 9/2013

Estabelece o regime legal contra a criminalidade organizada.

Lei n.º 2/2006, de 03 de março de 2006, republicada pela Lei n.º 3/2017 de 22 de maio de 2017

Estabelece medidas destinadas a prevenir e reprimir o crime de bran-queamento de capitais.

Lei n.º 6/2016, de 29 de agosto Estabelece o regime de execução de

decisões de congelamento de bens.

Lei n.º 6/2017, de 12 de junhoEstabelece o sistema de controlo do

transporte transfronteiriço de nume-rário e de instrumentos negociáveis ao portador.

Regulamento Administrativo n.º 7/2006, de 15 de maio de 2006, republicado pelo Regulamento Administrativo 17/2017, de 29 de maio de 2017

Estabelece as medidas de natureza

preventiva dos crimes de branquea-mento de capitais e de financiamento ao terrorismo.

Despacho do Chefe do Executivo n.º 228/2017

Aprova o modelo de impresso de declaração de transporte transfrontei-riço de numerário e de instrumentos negociáveis ao portador, nas línguas oficiais e na língua inglesa.

Despacho do Chefe do Executivo n.º 227/2017

Fixa o montante de referência para efeitos de obrigações declarativas de transporte transfronteiriço de nume-rário e de instrumentos negociáveis ao portador.

MOÇAMBIQUE

Lei 2/2018, de 19 de junhoRegulação do Gabinete de Infor-

mação Financeira de Moçambique (GIFiM), entidade do Estado, de âmbito nacional, que tem por fina-lidade prevenir e combater a utiliza-ção do sistema financeiro nacional e outros setores da atividade econó-mica, para o branqueamento de ca-pitais, financiamento do terrorismo e outros crimes conexos, fixando-se as suas atribuições, competências e funcionamento.

Lei 14/2013, de 12 de agostoLei de Prevenção e Combate ao

Branqueamento de Capitais e Finan-ciamento ao Terrorismo que estabe-lece o regime jurídico e medidas de prevenção e repressão, em relação à utilização do sistema financeiro e das entidades não financeiras para bran-queamento de capitais.

50 | LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIAjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

Resolução 15/2003, de 14 de maio (Política e Estratégia de Prevenção e Combate à Droga)

Aprova a Política e Estratégia de Prevenção e Combate à Droga dan-do primazia ao reforço das ações de combate ao tráfico ilícito de drogas, ao branqueamento de capitais e à cri-minalidade conexa.

Aviso n.º 4/GBM/2015, de 17 de junho

Fixa as diretrizes e medidas de pre-venção ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, apro-vadas pelo Banco de Moçambique.

PORTUGAL

A atividade de branqueamento de capitais, comportamento ilícito cri-minoso tipificado no artigo 386.º do Código Penal, tem sido alvo de uma profícua intervenção legislativa, principalmente numa perspetiva de prevenção geral e especial deste tipo de conduta, em Portugal sempre as-sociado ao Terrorismo, pelo que se revela essencial esclarecer e desenhar uma imagem dos instrumentos nor-mativos aplicáveis.

Assim, no âmbito desta matéria, de seguida se apresenta, de forma cronológica, a legislação aplicável, como segue:

a: normas emanadas pela união eu-ropeia, aplicáveis na decorrência do princípio do primado e princípio do efeito direto:

Diretiva (UE) 2019/1153 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019

relativa à utilização de informações financeiras e de outro tipo para efei-tos de prevenção, deteção, investi-

gação ou repressão de determinadas infrações penais.

Diretiva (UE) 2018/1673 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2018

Relativa ao combate ao branquea-mento de capitais através do direi-to penal.

Regulamento (UE) 2018/1672 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2018

Relativo ao controlo das somas em dinheiro líquido que entram ou saem da União Europeia.

Diretiva (UE) 2018/843 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018

Altera a Diretiva (UE) 2015/849, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de fi-nanciamento do terrorismo.

Regulamento Delegado (UE) 2018/1108 da Comissão, de 7 de maio 2018

Completa a Diret iva (UE) 2015/849, estabelecendo normas técnicas de regulamentação sobre os critérios de nomeação e funciona-mento dos pontos de contacto cen-trais dos emitentes de moeda eletró-nica e dos prestadores de serviços de pagamento.

Diretiva (UE) 2016/2258 do Conselho, de 6 de dezembro de 2016

Relativa ao acesso às informações anti-branqueamento de capitais por parte das autoridades fiscais.

Regulamento Delegado (UE) 2016/1675 da Comissão, de 14 de julho de 2016

Completa a Diret iva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, procedendo à iden-tificação dos países terceiros de risco elevado que apresentam deficiências estratégicas.

Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015

Relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de fi-nanciamento do terrorismo [alterada pela Diretiva (UE) 2018/843].

Regulamento (UE) 2015/847 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio 2015

Estabelece as informações sobre o ordenante que devem acompanhar as transferências de fundos.

b. normas gerais:

Lei n.º 5/2002Estabelece medidas de combate à

criminalidade organizada e econó-mico-financeira e procede à segunda alteração à Lei n.º 36/94, de 29 de setembro, alterada pela Lei n.º 90/99, de 10 de julho, e quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de de-zembro, alterado pela Lei n.º 65/98, de 2 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, e pela Lei n.º 104/2001, de 25 de agosto.

Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto (Lei de combate ao terrorismo)

Lei de combate ao terrorismo (em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/475/JAI, do Conselho, de 13 de junho) - décima segunda alteração ao Código de Processo Penal e déci-ma quarta alteração ao Código Penal.

Portaria n.º 150/2004Aprova a lista dos países, territórios

e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favorá-veis (diploma repristinado pelo arti-go 290.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro).

Decreto-Lei n.º 61/2007, de 14 de março

Aprova o regime jurídico aplicável ao controlo dos montantes de dinhei-ro líquido, transportado por pessoas

LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA | 51

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

singulares, que entram ou saem da UE através do território nacional, bem como ao controlo dos movimen-tos de dinheiro líquido com outros Estados-Membros da UE.

Menção à Resolução do Conselho de Ministros n.º 88/2015, de 1 de outubro

Cria a Comissão de Coordenação de Políticas de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo.

Lei n.º 15/2017, de 3 de maioProíbe a emissão de valores mobi-

liários ao portador e altera o Códi-go dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro, e o Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto--Lei n.º 262/86, de 2 de setembro.

Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015

Relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de fi-nanciamento do terrorismo, que alte-ra o Regulamento (UE) n.° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conse-lho, e que revoga a Diretiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Diretiva 2006/70/CE da Comissão (Texto relevante para efeitos do EEE).

Diretiva 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016

Altera a Diretiva 2011/16/UE no que respeita ao acesso às informações anti branqueamento de capitais por parte das autoridades fiscais.

Lei n.º 83/2017, de 18 de agostoEstabelece medidas de combate ao

branqueamento de capitais e ao fi-nanciamento do terrorismo, transpõe parcialmente as Diretivas 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, e 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016, altera o Códi-

go Penal e o Código da Propriedade Industrial e revoga a Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, e o Decreto-Lei n.º 125/2008, de 21 de julho.

Lei n.º 89/2017, de 21 de agostoAprova o Regime Jurídico do Re-

gisto Central do Beneficiário Efeti-vo, transpõe o capítulo III da Dire-tiva (UE) 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, e procede à altera-ção de Códigos e outros diplomas legais.

Lei n.º 92/2017, de 22 de agostoObriga à utilização de meio de pa-

gamento específico em transações que envolvam montantes iguais ou superiores a EUR 3 000, alterando a Lei Geral Tributária e o Regime Ge-ral das Infrações Tributárias.

Lei n.º 96/2017, de 23 de agostoDefine os objetivos, prioridades e

orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019

Menção à Diretiva n.º 1/2017, qual define diretivas e instruções

genéricas para a execução da Lei n.º 96/2017.

Lei n.º 97/2017, de 23 de agostoRegula a aplicação e a execução de

medidas restritivas aprovadas pela Organização das Nações Unidas ou pela União Europeia e estabelece o regime sancionatório aplicável à vio-lação destas medidas.

Decreto-Lei n.º 123/2017, de 25 de setembro

Estabelece o regime de conversão dos valores mobiliários ao portador em valores mobiliários nominativos, em execução da Lei n.º 15/2017, de 3 de maio.

Portaria n.º 233/2018, de 21 de agosto

Regulamenta o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo (Regime Jurídico do RCBE), aprovado pela Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto.

Portaria n.º 310/2018, de 4 de dezembro

Regulamenta o disposto no arti-go 45.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, definindo as tipologias de operações a comunicar, pelas enti-dades obrigadas, ao DCIAP e à UIF, bem como o prazo, a forma e os de-mais termos das comunicações.

B. NORMAS ESPECÍFICAS

B.1. - Setor dos Registos e Notariado

Deliberação do Conselho Diretivo do IRN n.º 01/CD/2014, de 27 de março

Estabelece regras para o cumpri-mento dos deveres gerais e específi-cos fixados na Lei n.º 25/2008, pelos conservadores e notários.

B.2. - Setores Sujeitos à Fiscalização da ASAE

Regulamento n.º 314/2018, de 25 de maio

Fixa as condições e determina o conteúdo do cumprimento dos deve-res gerais e específicos fixados na Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, pelas entidades obrigadas abrangidas pela fiscalização preventiva do BC/FT a cargo da ASAE.

B.3. - Setor Imobiliário

Deliberação n.º 988/2017, de 9 de novembro

Procedimentos atinentes ao cum-primento da obrigação de proceder à comunicação de início de atividade e das transações imobiliárias efetuadas.

Regulamento n.º 276/2019, de 26 de março

Estabelece as condições de exercí-cio e define os procedimentos, instru-mentos, mecanismos e formalidades necessários para assegurar o cumpri-mento dos deveres de prevenção e combate ao branqueamento de ca-pitais e ao financiamento do terro-rismo previstos na Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto.

52 | LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIAjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

B.4. - Setor dos Seguros e Fundos de Pensões

Norma Regulamentar n.º 8 /2009-R, de 4 de junho

Mecanismos de governação no âm-bito dos fundos de pensões – Gestão de riscos e controlo interno.

Norma Regulamentar n.º 14/2005-R, de 29 de novembro

Princípios aplicáveis ao desenvol-vimento dos sistemas de gestão de riscos e de controlo interno das em-presas de seguros.

Norma Regulamentar n.º 10/2005-R, de 19 de julho

Prevenção do branqueamento de capitais.

B.5. - Setor Bancário

Instrução do Banco de Portugal n.º 5/2019, de 30 de janeiro

Define os requisitos de informação a reportar periodicamente ao Banco de Portugal por entidades sujeitas à sua supervisão em matéria de preven-ção do BC/FT.

Aviso do Banco de Portugal n.º 2/2018, de 26 de setembro

Define os aspetos necessários para assegurar (i) o cumprimento dos de-veres preventivos do BC/FT, (ii) os meios e os mecanismos necessários para assegurar o cumprimento dos deveres sobre aplicação e execução de medidas restritivas e (iii) as medidas e os procedimentos que os prestado-res de serviços de pagamento devem adotar para detetar e gerir as transfe-rências de fundos com informações omissas ou incompletas.

Aviso do Banco de Portugal n.º 8/2016, de 30 de setembro

Regula os deveres de registo e de comunicação ao Banco de Portugal sobre operações correspondentes a serviços de pagamento que tenham como beneficiária pessoa singular ou coletiva sediada em qualquer or-denamento jurídico offshore, bem como as condições, mecanismos e

procedimentos necessários ao seu cumprimento.

Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2009, de 16 de setembro

Veda a concessão de crédito a enti-dades sediadas em jurisdição offsho-re considerada não cooperante ou cujo beneficiário último seja desco-nhecido.

Aviso do Banco de Portugal n.º 5/2008, de 18 de dezembro

Define os princípios e requisitos mínimos a que deve obedecer o sis-tema de controlo interno das insti-tuições financeiras.

B.6. - Autoridade Tributária e Aduaneira

Lei Geral Tributária (DL n.º 398/98, de 17 de dezembro)-- Artigo 63.º-C

Impõe a obrigatoriedade de utili-zação de contas bancárias exclusiva-mente afetas à atividade empresarial, bem como – no caso de faturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a 1000 euros – a utilização de meios de pagamento que permitam a identificação do res-petivo destinatário.

Regime Geral das Infrações Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 05 de junho)-- Artigo 129.º

Estabelece as coimas aplicáveis às contraordenações emergentes da vio-lação das obrigações previstas no ar-tigo 63.º-C da Lei Geral Tributária.

De forma indireta ou acessória:

B.7. - Unidade de Informação Financeira

Decreto-Lei n.º 42/2009, de 12 de fevereiro

Estabelece as competências das uni-dades da Polícia Judiciária.

Lei n.º 37/2008, de 6 de agostoAprova a orgânica da Polícia Ju-

diciária.

Decreto-Lei n.º 42/2009, de 12 de fevereiro

Disciplina as condições de acesso e análise, em tempo real, da informa-ção pertinente para a investigação dos crimes tributários pela Polícia Judi-ciária e pela administração tributária.

B.8. - Ministério Público

Despacho n.º 11076/2016, de 1 de setembro

Subdelegação das competên-cias delegadas pelo Despacho n.º 4536/2013, de 18 de março, e autori-zada pelo Despacho n.º 11631/2013, de 27 de agosto..

Despacho n.º 11631/2013, de 27 de agosto

Autorização de subdelegação das competências delegadas pelo Despa-cho n.º 4536/2013, de 18 de março, noutros magistrados do Departamento Central de Investigação e Ação Penal.

Despacho n.º 4536/2013, de 18 de março

Delegação de competências da Pro-curadora-Geral da República no Di-retor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, nos termos do artigo 63.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho.

JURISPRUDÊNCIA:

Acórdão do Tribunal da Relação de LisboaRelator: Cristina Almeida e SousaData: 30-10-2019Processo: 405/14.0TELSB.L1-3

O branqueamento de capitais é um crime de mera atividade e de perigo, cujo cometimento se verifica com a simples execução de um dos compor-tamentos típicos, independentemen-te do seu resultado. Objeto da ação típica são as vantagens patrimoniais resultantes de crime anteriormente cometido pelo próprio branqueador ou por outrém, desde que integrado no «catálogo».

Quanto às modalidades de ação, os

LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA | 53

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

verbos insertos no texto dos n.os 2 e 3 do art. 368º A do CP incluem no seu âmbito de aplicação uma grande va-riedade de condutas, com diferentes graus de intensidade, espelhados, de resto, na moldura penal abstrata de dois a doze anos de prisão.

Face à amplitude da configuração do crime de branqueamento de ca-pitais no art. 368º A do Código Pe-nal, deve entender-se que o processo trifásico – conversão; dissimulação e integração – de reciclagem dos bens ou vantagens patrimoniais resultantes de factos típicos e ilícitos das espécies previstas no seu n.º 1 pode ser mais ou menos elaborado, consoante a econo-mia de esforço necessária à produção do resultado antijurídico, pelo que a mera introdução de dinheiro prove-niente da prática de crimes base, ou da venda de bens obtidos através do co-metimento desses tipos de ilícito, por exemplo, através de um mero depósito bancário, ainda que menos grave e pe-rigosa do que outras mais sofisticadas e engenhosas, é já branqueamento de capitais, sob pena de restrição ilegal do âmbito objetivo do tipo e de desarti-culação funcional com o bem jurídico tutelado com a incriminação.

O crime de branqueamento de ca-pitais, tanto na modalidade tipificada no n.º 2 como na modalidade pre-vista no n.º 3 do art. 368º A do CP, é um crime de intenção que exige o dolo específico, traduzido no propó-sito, ou melhor, dois propósitos (os quais podem ser cumulativos ou al-ternativos), que acrescem à consciên-cia e vontade relativa aos elementos objetivos do crime – o agente tem de atuar com o fim de dissimular a ori-gem ilícita das vantagens em causa, ou com o fim de evitar que o autor ou participante das infrações subja-centes seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal.

Acórdão do Tribunal da Relação de LisboaRelator: Ricardo CardosoData: 06-06-2017Processo: 208/13.9TELSB.G.L1-5

Sumário: 1ª Portugal pune, no seu

ordenamento interno (art. 368º-A do Código Penal), o crime de branquea-mento de capitais como um crime de ação autónomo “mesmo que as ativi-dades que estão na origem dos bens a branquear se localizem no território de outro Estado-membro ou de um país terceiro,” porque o princípio da autonomia do crime de branquea-mento de capitais é imposto pelo artigo 9º, n.º 5, da Convenção do Conselho da Europa relativo ao bran-queamento de capitais, concluída em Varsóvia, em 16 de maio de 2005, e vigente na nossa ordem jurídica in-terna, desde 1 de agosto de 2010, no qual se afirma que deverá ser garan-tida a possibilidade de condenação por branqueamento, “independen-temente de condenação anterior ou simultânea pela prática de infração subjacente.”

2ª O que decorre também do disposto no art. 1º da Diretiva n.º 91/308/CEE, de 10 de junho de 1991, baseado no art. 3º, n.º 3, da Convenção de Viena das Nações Unidas, e no art. 6º, n.º 2, alínea c), da Convenção de Estrasburgo do Conselho da Europa, resultando ex-pressamente ressalvado do mesmo ar-tigo art. 1º da Diretiva n.º 91/308/CEE, de 10 de junho de 1991, que:

“Existe branqueamento de capitais mesmo que as atividades que estão na origem dos bens a branquear se loca-lizem no território de outro Estado--membro ou de um país terceiro.”

3ª O art. 368º-A do Código Penal concretiza a consagração no ordena-mento jurídico interno do princípio da privação dos criminosos do pro-duto das suas atividades, - afirmado como o primeiro de três objetivos principais da Convenção da Nações Unidas de 1988, - “suprimindo, des-te modo, o seu móbil ou incentivo principal, evitando, do mesmo pas-so, que a utilização desses fortunas ilicitamente acumuladas permita as organizações transnacionais invadir, contaminar e corromper as estrutu-ras do Estado, as atividades e finan-ceiras legítimas e a sociedade a todos os seus níveis.”

4ª O art. 368º-A do Código Pe-

nal resulta do compromisso interna-cional de admissão no ordenamento jurídico interno, do reconhecimen-to do próprio Estado Português do seu próprio interesse nacional, sujei-to aos princípios da nacionalidade e de defesa dos interesses nacionais, em evitar a invasão, contaminação e corrupção das estruturas do Estado, as atividades e financeiras legítimas e a sociedade a todos os seus níveis, punitivas do crime de branqueamen-to de capitais, mesmo que as ativida-des que estão na origem dos bens a branquear se localizem no território de outro Estado-membro da Comu-nidade Europeia ou de um país ter-ceiro, do que resulta que o crime de branqueamento de capitais é punido em Portugal quando os seus atos se-jam perpetrados no território nacio-nal, por força do art. 4º, alínea), do Código Penal.

5ª Não se trata, por isso, de uma questão de competência internacio-nal dos tribunais portugueses em matéria penal, mas tão só da com-petência dos tribunais portugueses para perseguir um crime perpetrado no território nacional, nos termos dos artigos 4º alínea a) e 368º-A, ambos do Código Penal.

6ª A verificação do crime de bran-queamento de capitais pressupõe, efetivamente, uma ilicitude prévia, mas não depende de uma condena-ção pelo crime anterior, nem sequer da sua perseguição criminal, no país de origem das produzidas vantagens, bens ou direitos, porque assim resulta o princípio da autonomia do crime de branqueamento de capitais previs-to no art. 368º-A do Código Penal.

7ª Por isso, o crime de branquea-mento de capitais é um crime de ação e autónomo em relação ao crime sub-jacente, pelo que não se verifica a ex-cepção da incompetência internacio-nal dos tribunais portugueses para perseguir o crime de branqueamento de capitais, perpetrado em Portugal, com fundamento em que os crimes precedentes ocorreram fora do terri-tório nacional, no caso em Angola, como ao entender aplicável o art. 5º do Código Penal.

54 | LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIAjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

9ª A decisão recorrida encontra-se fulminada de nulidade insanável, por incompetência do tribunal nos termos do art. 119ª, alínea e), do CPP, porque o juiz de instrução exorbitou flagran-temente o limite das suas competên-cias em fase de inquérito expressamen-te previstas nos art.os 268º e 269º do CPP, o que fez ao pronunciar-se sobre o mérito da causa, formulando um juí-zo de apreciação de uma alegada insu-ficiência indiciária no caso concreto e ao declarar a incompetência do MºPº para a direção do inquérito.

10ª A conclusão acabada de enun-ciar, segundo a qual o juiz de instru-ção em fase de inquérito declarou o MºPº “incompetente para julgar os crimes cometidos em Angola”, é o corolário da demonstração da in-compreensão pelo tribunal “a quo”, sobre o objeto dos autos que tinha perante si, os quais não versam so-bre os crimes precedentes cometidos em Angola, mas, outrossim, sobre o crime de branqueamento de capitais perpetrado em Portugal.

11ª No processo penal, não são aplicáveis as normas relativas à com-petência internacional dos tribunais portugueses do Código de Processo Civil, por não haver lugar à aplicação do art. 4º do CPP, dada a inexistência de caso omisso que permita o recur-so à sua aplicação, por contrariado pela previsão expressa dos art.os 32º e 33º, ambos do Código de Proces-so Penal, - o último dos quais prevê expressamente no seu n.º 4 que, “Se para conhecer de um crime não fo-rem competentes os tribunais portu-gueses, o processo é arquivado”, pelo que não pode ter lugar a “absolvição da instância”, a qual constituiria um verdadeiro encerramento do inquéri-to e despacho de arquivamento, inad-missivelmente proferidos por juiz de instrução em fase de inquérito.

12ª A apreciação jurisdicional da decisão de encerramento da fase de inquérito apenas pode ser tomada pelo Ministério Público, enquanto o despacho de arquivamento determi-nado pelo juiz de instrução, apenas é processualmente possível na fase de instrução, se o juiz de instrução for

para o efeito convocado por quem te-nha para tal legitimidade, nos termos dos art.os 286º e seguintes do Código de Processo Penal.

13ª Assim, a declarada verificação da excepção de incompetência abso-luta dos tribunais portugueses, nos termos das normas do processo civil invocadas na decisão recorrida, e a declaração de absolvição da instân-cia da denunciada, padece de viola-ção, por erro de interpretação, dos art. 4º, 32º e 33º, n.º 4, do Código de Processo Penal, enfermando ain-da da nulidade insanável por incom-petência do juiz de instrução em fase de inquérito para conhecer do mérito da causa, assim como para apreciar e declarar a alegada insuficiência in-diciária do preenchimento do tipo do crime de branqueamento, como finalmente para se pronunciar so-bre a incompetência do MºPº para perseguir tal crime, nos termos do art.119º, alínea d), do CPP.

14ª - Na fase de inquérito o juiz de instrução não tem poderes para impedir que o Ministério Público, o assistente ou outro sujeito processual, o convoquem a tomar posição sobre determinadas questões nos termos legalmente prescritos, não podendo deixar de apreciar todas as questões que, durante a fase de inquérito lhe venham a ser apresentadas, ainda que seja para se declarar incompe-tente para o efeito. (Sumariado pelo relator).

Acórdão do Tribunal da Relação de LisboaRelator: Cristina SantanaData: 14-02-2019Processo: 175/18.2TELSB.L1-9

I. Face à especificidade de deter-minado tipo de crimes, designada-mente o crime de branqueamento de capitais, perante a constatação da ineficácia das medidas preventivas e repressivas autorizadas pelo C.P.P., foram criados novos instrumentos preventivos e repressivos.

2. A decisão de suspensão de movi-mentação de saldo de conta bancária, ao abrigo dos artigos 49º, n.os 1 e 2,

e 48º, n.º 3, al. a) e b), ambos da Lei n.º 83/17, de 18 de agosto, constitui um meio de recolha de prova.

3. Para que seja tomada a supra re-ferida medida basta que haja suspeita da prática de crime de branqueamen-to de capitais.

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

Lei n.º 17/2018, de 29 de junho de 2018 - Regime Jurídico do Sistema Nacional de Pagamentos:

“Considerando o aumento das transações nos mercados financei-ros, tanto nacionais como interna-cionais e a consequente sofisticação dos produtos financeiros, propiciada pelos avanços tecnológicos, exigindo o desenvolvimento e o aperfeiçoa-mento dos sistemas de pagamento, de modo a assegurar eficazmente a transferência eficiente e segura de fundo entre particulares, entidades comerciais e outras, bem como ins-tituições financeiras;

Considerando, igualmente, a ne-cessidade de se rever o atual Regime Jurídico do Sistema Nacional de Pa-gamentos, de modo a dar cabalmen-te resposta às exigências dos tempos modernos impostas pelo acentuado desenvolvimento e complexidade das transações nos mercados financeiros;

Tendo em atenção a importância de que se reveste o Sistema Nacio-nal de Pagamento enquanto um dos suportes fundamentais da política monetária, estabilidade financeira e desenvolvimento económico global de um país;

Considerando ainda o papel pre-ponderante do Banco Central, em todo este processo, devendo estar capacitado para ser o principal inter-ventor no desenvolvimento do Sis-tema Nacional de Pagamento, bem como na implementação de procedi-

LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA | 55

VIDA JUDICIÁRIA | janeiro/fevereiro | 2020

mento e práticas internacionalmente aceites para os sistemas de pagamento conferindo-lhes, assim, maior eficá-cia, segurança e eficiência, é definido e Regime jurídico do Sistema Nacio-nal de Pagamentos.”

Lei n.º 8/2013, de 15 de outubro de 2013

“A globalização das economias, o aparecimento de novas formas de co-municação associadas às tecnologias de informação aplicadas nas transa-ções financeiras nacionais ou interna-cionais, onde se exige o sigilo bancá-rio, impulsionaram profundamente a prática de novas formas de atividades ilícitas com caráter organizado. Ativi-dades criminosas cujo objetivo princi-pal dos atores é precisamente ocultar ou dissimular a verdadeira origem e rastos deixados pelos objetos que fo-ram utilizados na prática das respetivas infrações subjacentes ou dos bens ou produtos resultantes da prática dessas infrações, integrando-os em circuitos normais da economia. Por ser uma ameaça crescente e a nível global, uma vez que envolve a prática de atividades ilícitas em diversos países, o fenómeno de branqueamento de capitais, mere-ceu o enquadramento em diversos instrumentos internacionais, nomea-damente na Convenção das Nações Unidas contra Tráfico de Estupefa-cientes e de Substâncias Psicotrópicas e, mais tarde, na Convenção das Na-ções Unidas contra a Criminalidade Transnacional Organizada (Conven-ção de Palermo) e na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC).

Embora o branqueamento de capi-tais estivesse inicialmente associado ao tráfico de drogas, devido às elevadas quantias envolvidas na referida ativi-dade, o certo é que nos dias que cor-rem tal fenómeno se estendeu a outros tipos de crimes, cujas práticas põem em causa bens jurídicos legalmente tutelados. Por outro lado, tem sido frequente o apoio e a mobilização de fundos ao nível global, relativamente a prática de atividades que envolvem o terrorismo, ameaçando o Estado de Direito em diversas sociedades com

implicações na paz, segurança e outros valores defendidos universalmente.

A Organização das Nações Unidas - ONU, através do Programa Mundial de Luta contra o Branqueamento de Capitais e o Financiamento do Terro-rismo, tem preconizado a criação de estruturas para o estudo, informação, aconselhamento e assistência técnica sobre o problema, o alargamento e o reforço da aplicação de medidas para prevenir estes fenómenos, aproveitan-do designadamente as experiências do Grupo de Ação Financeira Internacio-nal (GAFI) e os padrões adotados por esta instituição. Ao nível interno, a res-posta legislativa deve passar necessaria-mente pela transposição dos referidos instrumentos no quadro jurídico são--tomense, adotando medidas tanto de natureza preventiva como repressiva, com realce para a criminalização do branqueamento de capitais e do finan-ciamento do terrorismo, bem como a criminalização com maior amplitude e a designação das condutas ilícitas relacionadas com o referido fenóme-no. Do ponto de vista de conteúdo, o presente Diploma pauta-se não só pelo enquadramento das infrações relacionadas com o branqueamento de capitais e com o financiamento do terrorismo, revogando as disposições constantes no Código Penal sobre as matérias que apresentam insuficiên-cias, como igualmente reforça as me-didas de natureza preventiva, esten-dendo as articulações entre as autori-dades competentes no que se refere à disseminação de informação e à ins-trução de processos.

Por seu lado, o âmbito da respon-sabilidade penal alarga-se às pessoas coletivas de acordo, com o princípio consagrado no artigo 11.º do atual Código Penal. Relativamente à na-tureza, para além das infrações pe-nais contemplaram-se igualmente as infrações administrativas, assim como o regime da apreensão, perda e congelamento dos bens ou produ-tos conexos com o branqueamento de capitais e com o financiamento ao terrorismo. Com a presente revi-são da Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Fi-

nanciamento do Terrorismo as au-toridades são-tomenses visam agre-gar os padrões internacionais nesta área, recentemente atualizados. Neste propósito, garantiu-se harmonização com as disposições internacionais, nomeadamente, as Resoluções das Nações Unidas e os mecanismos de cooperação mútua internacional.”

NAP n.º 07/2018 (norma de aplicação permanente) - Avaliação e Gestão de Risco de Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo e NAP n.º 08/2018 - Indicadores de Risco e Suspeita do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo no Setor Financeiro:

“A Lei n.º 08/2013, de 15 de outu-bro, “Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Finan-ciamento do Terrorismo” estabelece medidas, de natureza preventiva e re-pressiva, de combate ao branqueamen-to de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, trans-pondo para a ordem jurídica interna as Recomendações do Grupo de Ação Fi-nanceira Internacional (GAFI) relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branquea-mento de capitais e de financiamento do terrorismo (BC/FT);

Considerando que, no quadro do dever de diligência relativa à clientela, as instituições financeiras estão obri-gadas a realizar diligências de identi-ficação, avaliação, gestão e mitigação dos riscos de BC/FT;

Considerando ainda a necessida-de de as instituições financeiras pro-cederem à avaliação de risco de BC/FT a que estão expostas, com vista a definir e aplicar as medidas de miti-gação reforçada ou simplificada) em função do risco identificado;

Nestes termos, o Banco Central de S. Tomé e Príncipe, no uso da compe-tência que lhe é conferida pelas alíneas d) e f ) do n.º 2 do artigo 8.° da sua Lei Orgânica, Lei n.º 8/92, conjuga-da com a alínea g) do n.º 2 do artigo 25.° da referida Lei 08/2013, veio de-terminar as referidas Normas de Apli-cação Permanente 7/2018 e 8/2018”.

56 | PUBLICAÇÕES VIDA ECONÓMICAjaneiro/fevereiro | 2020 | VIDA JUDICIÁRIA

Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas - Breves notas e JurisprudênciaMaria José Esteves, Sandra Alves Amorim

Esta obra surge na sequência das alterações efetuadas no âmbito do “Programa Capitalizar” do Governo, cujo objetivo principal foi o relançamento da economia portuguesa e que estabeleceu como prioritária a alteração do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Manual de Direito AdministrativoAntónio Francisco de Sousa

Com recurso a uma linguagem clara, objetiva e precisa, este manual constitui uma reflexão e abordagem crítica próprias, de cunho pessoal, e nesta medida um contributo à ciência jurídica.Trata-se de uma versão revista e aprofundada do Direito Administrativo, publicado em 2009 pela Editora Prefácio.

Código do Trabalho e Legislação ComplementarVida Económica

Código do Trabalho (Aprovado pela lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro e recentemente alterado pelas leis n.º 90/2019 e n.º 93/2019, de 4 de setembro)

Regulamento Geral de Proteção de Dados - Manual Prático 3ª Edição Revista e AmpliadaFilipa Matias Magalhães, Maria Leitão Pereira

O Regulamento Geral de Proteção de Dados introduziu no regime jurídico da proteção dos dados pessoais novos conceitos, novos direitos e novas obrigações. Em Agosto de 2019 foi aprovada a Lei nacional de execução do RGPD completando assim o regime de tratamento de dados em Portugal

Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas - Anotada e Comentada 2ª EdiçãoRui Correia de Sousa

Uma obra prática.Com mais de 2 dezenas de Minutas e Formulários que reforçam a utilidade e mais valia da obra.Um instrumento de trabalho essencial para todos aqueles que necessitam de conhecer a nova Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), em vigor desde 1 de Agosto de 2014.

Benefícios Fiscais em sede de IRCEduardo Sá Silva, Adalmiro Pereira e Susana Andrade

Com uma linguagem clara e acessível este livro tem como objectivo sintetizar os principais apoios ao Investimento, em sede de IRC .Trata-se de uma obra prática com a inclusão de diversos casos resolvidos numa matéria que nem sempre é de fácil interpretação e aplicação.Contém as alterações introduzidas pelo Orçamento do Estado para 2019

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ANTÓNIO RAPOSO SUBTILAdvogado RSA LPPresidente da Comissão de Legislação da Ordem dos Advogados

NOTA DE ABERTURA:

As novas responsabilidades dos dirigentes das empresas

9722017

002013

00214

JULIA GRACIA, MEMBRO FUNDADOR DO NCL

Nova Compliance Lab suscita interesse crescente entre profissionais e investigadores

OPINIÃO

MANUEL NOBRE CORREIAANDREIA COSTACARLOS FREITAS VILANCULOSRICARDO NÉRYJOANA MARIA DENTE

ANDRÉ ABRANTESISABEL DE PAIVARUI PATRÍCIOJORGE SERROTEMIGUEL DE AZEVEDO MOURAGONÇALO MAIA MIRANDAMIGUEL MATIAS

COMENTÁRIO JURISPRUDENCIAL

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-06-2014, referente ao processo 14/07.0TRLSB.S1, Conselheiro Raul BorgesJOÃO LUZ SOARESAdvogado na RSA LP - Rede de Serviços de Advocacia de Língua Portuguesa”.