edição 25 vírus planetário completa

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VÍRUS PLANETÁRIO Porque neutro nem sabonete, nem a Suíça R$ 5 edição nº 25 julho 2013 Entrevista Inclusiva_Black Bloc_Violência contra a violência policial e opressão do capital Com conteúdo do MEDIA FAZENDO Um levante anticapitalista, como não se via há décadas, sacode o Brasil Não desaprendemos a sonhar ISSN 2236-7969 nº25 R$ 5,00

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Edição 25 (julho 2013) da revista Vírus Planetário completa

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Page 1: Edição 25 Vírus Planetário completa

Vírus PlanetárioPorque neutro nem sabonete, nem a Suíça

R$5edição

nº 25julho2013

Entrevista Inclusiva_Black Bloc_Violência contra a violência policial e opressão do capital

Com conteúdo do

MEDIAFAZEN

DO

amanhã será maior!Um levante anticapitalista, como não se via há décadas, sacode o Brasil

Não desaprendemos a sonhar

ISSN 2236-7969

nº25 R$ 5,00

Page 2: Edição 25 Vírus Planetário completa

Em defesa do projeto dos movimentos sociais para o petróleo, com monopólio estatal, Petrobrás 100% pública e investimento em energias limpas.

Vamos barrar os leilões do petróleo!

Participe do abaixo-assinado:www.tinyurl.com/nao11leilao

www.sindipetro.org.br

Notícias da campanha:www.apn.org.br | www.tvpetroleira.tv

organização:

Page 3: Edição 25 Vírus Planetário completa

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Page 4: Edição 25 Vírus Planetário completa

ExPEdiEntE:Rio de Janeiro: Aline Rochedo, Ana Chagas, Artur Romeu, Bruna Barlach, Beatriz Noronha, Caio Amorim, Catherine Lira, Chico Motta, Cristiano Magalhães (fotografia), Eduardo Sá, Gabriel Bernardo, Ingrid Simpson, Julia Campos, Julia Maria Ferreira, Livia Valle, Maria Luiza Baldez, Mariana Gomes, Matheus Lara, Miguel Tiriba, Noelia Pereira, Raquel Junia, Seiji Nomura e William Alexandre | Mato Grosso do Sul: Marina Duarte, Tainá Jara, Jones Mário, Fernanda Palheta, Eva Cruz e Juliane Garcez | Brasília: Alina Freitas, Edemilson Paraná, Luana Luizy, Mariane Sanches e Thiago Vilela | São Paulo: Ana Carolina Gomes, Duna Rodríguez, Gustavo Morais (ilustrações), Jamille Nunes, Jéssica Ipólito, Luka Franca e Sueli Feliziani | Minas Gerais: Ana Malaco, Laura Ralola e Paulo Dias diagramação e projeto gráfico: Caio Amorim ilustrações: Adriano Kitani (SP), André Dahmer (RJ), Aroeira(RJ), André Dahmer(RJ), Diego Novaes(RJ), Paulo Marcelo Oz(MG), Rafael Balbueno(RS), Rafael Costa(RS) Revisão: Bruna Barlach e Aline Rochedo Capa: Foto de Julia Maria Ferreira

Conselho Editorial: Adriana Facina, Amanda Gurgel, Ana Enne, André Guimarães, Claudia Santiago, Dênis de Moraes, Eduardo Sá, Gizele Martins, Gustavo Barreto, Henrique Carneiro, João Roberto Pinto, João Tancredo, Larissa Dahmer, Leon Diniz, MC Leonardo, Marcelo Yuka, Marcos Alvito, Mauro Iasi, Michael Löwy, Miguel Baldez, Orlando Zaccone, Oswaldo Munteal, Paulo Passarinho, Repper Fiell, Sandra Quintela, Tarcisio Carvalho, Virginia Fontes, Vito Gianotti e Diretoria de Imprensa do

Sindicato Estadual dos Profissionais de Edução do Rio de Janeiro (SEPE-RJ)

Muitos não entendem o que é a Vírus Planetário, principal-

mente o nome. Então, fazemos essa explicação maçante, mas

necessária para os virgens de Vírus Planetário:

Jornalismo pela diferença, não pela desigualdade. Esse é

nosso lema. Em nosso primeiro editorial, anunciamos nosso

estilo; usar primeira pessoa do singular, assumir nossa parcia-

lidade, afinal “Neutro nem sabonete, nem a Suíça.” Somos, sim,

parciais, com orgulho de darmos visibilidade a pessoas exclu-

ídas, de batalharmos contra as mais diversas formas de opres-

são. Rimos de nossa própria desgraça e sempre que possível

gozamos com a cara de alguns algozes do povo. O bom humor

é necessário para enfrentarmos com alegria as mais árduas

batalhas do cotidiano.

Afinal, o que é a Vírus Planetário?

Curta nossa página! facebook.com/virusplanetario

A Revista Vírus Planetário - ISSN 2236-7969 é uma publicação da Malungo Comunicação e Editora com sede no Rio de Janeiro. Telefone: 3164-3716#Tiragem: 2.000 exemplares

#Impressão:

www.virusplanetario.com.br

Anuncie na Vírus: [email protected]

Siga-nos: twitter.com/virusplanetario

ComuniCação e editora

O homem é o vírus do homem e do planeta. Daí, vem

o nome da revista, que faz a provocação de que mesmo a

humanidade destruindo a Terra e sua própria espécie, acredi-

tamos que com mobilização social, uma sociedade em que

haja felicidade para todos e todas é possível.

Recentemente, unificamos os esforços com o jornal alternativo Fazendo Media (www.fazendome-dia.com) e nos tornamos um único coletivo e uma única publicação impressa. Seguimos, assim, mais fortes na luta pela democratização da comunicação para a construção de um jornalismo pela diferença, contra a desigualdade.

Correio

>Envie colaborações (textos, desenhos, fotos), críticas, dúvidas, sugestões, opiniões gerais e sobre nossas reportagens para

[email protected]

Queremos sua participação!

Viral

Page 5: Edição 25 Vírus Planetário completa

Editorial

Amanhã será maior

Um estranho sentimento nos atravessa no presente: não existe melhor momento para se estar vivo. Após a redemocratização, vimos gradualmente um Brasil neoliberal tornando-se não menos militarizado, cada vez mais privatizado e sentenciador. Na medida em que perdía-mos paulatinamente as esperanças de lutas tão insistentes de outrora, assistíamos ao surgimento de desafios cada vez mais duros. Em pleno ano de 2013, ainda vivemos resquícios das chacinas de décadas ante-riores, ainda vemos uma Maré em luto, pagando o preço de um Brasil enfraquecido que de repente se levanta com seus diversos focos de insurgência. Acreditamos estar diante de um dos momentos mais difíceis, mais cruciais, e também dos mais resistentes já vividos, pelo menos para um início de século, dada a anestesia em que muitos se encontravam – a geração “saímos do facebook” vai ao encontro da geração que já dizia há muito tempo no morro, “no dia que a favela descer, a cidade vai parar”.

Quando câmaras legislativas são ocupadas, agências bancárias apedrejadas, barricadas armadas e centenas de milhares vão às ruas e retornam, mesmo após viver na pele o poder de fogo da polícia e sua ilusória não-letalidade, pelas manifestações, sabemos que há um novo Brasil de luta surgindo. Só se fala disso: em toda mesa de bar, em todo perfil de facebook, em aulas pelas escolas e universidades, reuniões familiares, esquinas e camelôs – e até no Leblon, bairro nobre onde mora o Governador do Rio, Sérgio Cabral. Da Turquia ao Brasil, estamos produzindo outros modos de lutar, de criar coragem, de estar na rua, de viver junto. Pois houve quem passasse um dia sem cumprimentos. Já hoje, levamos vinagre para a passeata, pois sabemos que alguém irá precisar em algum mo-mento – assim como roupas saqueadas (que momento...). Cada Amarildo desaparecido nas favelas e periferias de todo o Brasil nos importa MUITO e movimentamos meio mundo (na verdade bem mais que isso, como vemos no facebook) para achar e não aceitar nenhum direito a menos. Cada mãe moradora de favela que perde seu filho e sangra uma vida inteira pela brutal injustiça nos é nossa mãe, nossa filha, nossa irmã.

Os gritos são vários. A partir dos exemplos de Porto Alegre e São Paulo, acabamos com o aumento das passagens no Rio de Janeiro. Mas ainda não paramos. Abrimos mão das leis de ex-ceção da Copa, queremos desmilitarizar a polícia e saber onde está Amarildo. Queremos que Cabral e Paes caiam, assim como todo o retrocesso dos direitos das mulheres e dos homossex-uais. Queremos que a esquerda se revigore, e mais, que seja respeitada, sem ser criminalizada como muitos companheiros foram por esses últimos meses. Mesmo sem saber para onde iremos, insistimos: todos temos uma certeza, há um estranho sentimento, uma nova coragem, uma criatividade, uma feli-cidade em se estar vivo. Pois é possível lutar, e descobrir-se cada vez mais coletivo. A Revista Vírus Planetário, desde o início presente pelos atos e passeatas, apoia o povo brasileiro e seu momento mais do que esperado. Somos todos Aldeia Maracanã, ainda; e somos todos inesquecíveis, insistentes, inesgotáveis. Parafraseando Sérgio Sampaio: Não tiremos o bloco da rua, brinquemos, botemos pra gemer

Sumário

7 Ana Enne_ O ano em que parte

do Brasil entendeu que precisa

ocupar e ser a mídia

8 Internacional_A venda do

Parque Gezi a R$0,20

10 Fazendo Media_Brasil de Fato

realiza mudanças ao completar 10

anos

11 Bula Cultural_Indicações e

Contraindicações

12 Bula Cultural_Música e

Reistência #2 Música também é

protesto

16 Fazendo Media_ O maior dano

que se tem ao patrimônio é o dano à

dignidade humana

20 Sórdidos Detalhes

22 Brasília_Lutar não é crime

25 CAPA_Movimentos Sociais_O povo

nas ruas

30 Política_Jacobino ou Girondino

32 Política_A Copa não é nossa

36 Entrevista Inclusiva_Black Bloc

38 Traço Livre

Page 6: Edição 25 Vírus Planetário completa

Ana Enne é professora do departamento de Estudos Culturais e

Mídia da Universidade Federal Fluminense

(UFF), jornalista formada pela PUC-Rio e doutora em Antropologia pelo

Museu Nacional (UFRJ).

AnA EnnE

Uma vez, preenchendo um do-cumento em um cartório, quando perguntada sobre minha profissão, respondi: “professora”. Lembro-me de meu pai me questionando: “mas você também é jornalista! Por que você nunca responde isso?”. Na hora respondi que era em parte por ter muito orgulho de ser professora, mas por também não ter me identificado com a profissão de jornalista, que eu escolhera por sonho e por considerar um dos ofícios mais importantes da história moderna. Mas a vida pro-fissional foi tão decepcionante que abandonei o jornalismo e, de forma geral, passei a considera-lo um em-buste.

Quando o Centro de Mídia Inde-pendente, há anos, criou seu sen-sível e preciso slogan, “Não odeie a mídia, seja a mídia!”, muitos de nós o adotamos como lema diário e forma de ação. Venho insistindo so-bre esse ponto, assim como muitos companheiros, com frequência: a luta

política necessariamente passa pela cultura, pelo simbólico, pela produção de sentido, pelo direito à significação. Por esta via, disputar as formas de expressão e comunicação é funda-mental, pois sem o direito à voz, à fala, ao texto, à imagem, sem a liber-dade do dizer, nos quedamos sub-metidos à hegemonia discursiva dos que constroem as representações dominantes. E sem acesso aos meios para divulgar as contra-vozes, as dis-sonâncias, os outros pontos de vista, a diversidade e as múltiplas represen-tações, ficamos presos ao poder mo-nopolista de divulgação daqueles que

controlam as informações e a pro-dução das ditas “verdades”, muitas vezes mentiras ideológicas, interesses políticos e econômicos, estratégias de distinção e submissão do outro.

A luta pela democratização da co-municação tem sido, dessa forma, pauta constante de diversos movi-mentos sociais já há décadas. E na corrente de protestos que varam o Brasil nas últimas semanas, essa pau-ta se transformou em emergente, gri-tante, pulsante, saindo das salas de aula dos cursos universitários mais críticos, das mobilizações mais seg-

2013:

ilustração: André dahmer

O ano em que parte do Brasil entendeu que precisa ocupar e ser a mídia

“ As grandes emissoras de televisão mentem, as grandes revistam mentem, os grandes

jornais mentem!”

Vírus Planetário - julho 20136

Page 7: Edição 25 Vírus Planetário completa

mentadas, dos “exércitos de brancaleones”, den-tre os quais me orgulho de ser parte ativa, que há tempos vêm chamando a atenção para isso. A escandalosa, mentirosa, aviltante cobertura da grande mídia hegemônica sobre os protestos escancarou o que não dá mais para esconder: as grandes emissoras de televisão mentem, as grandes revistam mentem, os grandes jornais mentem! Mentem (ou se omitem e silenciam, e não esqueceremos essa covardia) porque têm interesses, mentem porque estão alinhadas ao grande capital, mentem porque parte de seus profissionais nada pode fazer porque é submeti-do às regras do mercado e parte não tem vergo-nha na cara, endossando de forma vergonhosa a mentira que alimenta o senso comum, perpetua as injustiças, mantém essa desigualdade históri-ca acintosa. Não tem vergonha na cara porque não honram o juramento que fizeram como jor-nalistas, de lutar por uma sociedade mais de-mocrática e justa, de buscarem a verdade, de valorizarem a vida sempre. Não tem vergonha na cara porque não são dignos de seus outros tantos companheiros de profissão que lutam, se colocam, não aceitam as ordens hegemônicas, valorizam essa profissão tão importante nas conquistas da modernidade, muitos dos quais tenho a honra e o privilégio de conhecer.

Ações como a dos valorosos anônimos que filmaram e transmitiram ao vivo as manifesta-ções, como a do NINJA (Narrativas Independen-tes, Jornalismo e Ação), bem como os depoi-mentos, fotografias, posts, comentários, vídeos, artigos postados em sites, blogs, redes sociais, jornais e revistas alternativas, compartilhados, distribuídos, re-apropriados, discutidos, nos lem-braram mais uma vez que o jornalismo é vida, é prática, é luta. Dentre os muitos ganhos que as recentes manifestações públicas nos trouxeram, destaco neste momento esta: elas estão fazen-do cair as máscaras do jornalismo mentiroso e capacho e fazendo renascer um jornalismo de espírito, aquele que um dia me fez me apaixo-nar e escolher essa profissão. Esse jornalismo me representa e me enche de orgulho. E é em nome dele que precisamos dizer não só “Seja a mídia”, de forma independente e anônima nas múltiplas redes sociais, mas precisamos e temos o dever de lutar pela democratização da comu-nicação, incluindo aí a luta contra o monopólio da comunicação de massa, inconstitucional, ile-gítimo e injusto. “O monopólio da mídia sufoca a liberdade de expressão”, dizia uma das faixas dos protestos. “Ocupe a mídia”, dizia outra. É isso aí, estamos na luta.

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Vírus Planetário - julho 2013 7

Page 8: Edição 25 Vírus Planetário completa

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O que começou como uma ma-nifestação pacífica de centenas de pessoas contra a destruição do Par-que Gezi culminou numa mobilização de milhares, do dia para a noite. A violenta repressão policial, que teve como desfecho a morte de um ho-mem que protestava contra a des-truição do espaço, mostrou a conjun-tura pela qual passa a Turquia. Este movimento que visava parar a cons-trução de um centro comercial e da réplica de um quartel da época do Império Otomano num dos últimos lugares verdes em Istambul, acabou por expor o autoritarismo do gover-no do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, do partido islamita Justiça e Desenvolvimento (AKP).

A venda do Parque Gezi a R$ 0,20

Da Turquia ao Brasil, o mundo está em movimento!

internacional

No poder desde 2003, Erdogan conformou e aprofundou os planos neoliberais a partir do pretexto do fim da inflação e do necessário cres-cimento econômico para o país. No entanto, como no Brasil e em qual-quer país desse mundo capitalista, o desenvolvimento econômico não é igual a desenvolvimento social. A ín-fima parte rica ganha com os planos neoliberais em detrimento da explo-ração da população que trabalha e de sua crescente pauperização.

Inicialmente, o primeiro-ministro afirmou que não recuaria no projeto urbanístico, que tinha como objetivo remodelar a Praça Taksim, e conti-

nuou com a violenta repressão aos manifestantes (com boatos de tor-tura dos presos políticos). Rumores a parte, o que aconteceu foi o con-fronto entre gás lacrimogêneo, balas de borracha e canhões de água da polícia contra pedras, panelas, potes e apitos das pessoas que estavam na resistência, até o seu limite.

Finalmente, o projeto urbanístico foi invalidado por um Tribunal de Is-tambul e o governo recuou. Porém, novas manifestações continuaram a surgir e um recente chamado de gre-ve pelos sindicatos, que vem tendo adesão também de representações de profissionais liberais, mostra que

Por Bruna Barlach e Julia Campos

Vírus Planetário - julho 20138

Page 9: Edição 25 Vírus Planetário completa

tantes, cada vez mais presentes nas ruas, vêm pedindo a deposição, ou até mesmo a renúncia, de Erdogan. Atualmente, existe uma resistência à conservadora direção política que caracteriza as ações do governo da Turquia.

Lendo a descrição do que vem acontecendo na Turquia, muitos devem se questionar “mas o que isso tem a ver com as manifestações no Brasil?”. Acompanhando esta edição da Vírus você deve estar sabendo tudo sobre as mobilizações e manifestações que tem varrido o país. Estes atos, pro-testos e resistências possuem dinâmica muito parecidas com o que está acontecendo em diversas partes do mundo.

“ Existe uma resistência à conservadora direção política que do governo da Turquia”

a mobilização da população turca tem uma pauta muito maior.

O povo turco vem sofrendo com um crescente autoritarismo e apro-fundamento da opressão, baseada numa aliança entre o fascismo e leis “islamizantes”. Duas destas leis são bastante significativas: a restri-ção do consumo e venda do álco-ol entre 22h e 6h e a proibição de demonstração de afeto em público – medidas que claramente visam regular vida das pessoas. Além dis-so o aborto via sistema público foi proibido (uma medida que atinge as mulheres mais empobrecidas, já que na rede privada ele é legalizado).

Mesmo com a reabertura da Praça Gezi, não há perspectiva de fim ds mobilizações. Pelo contrário, a prerrogativa é de um aprofunda-mento do sentimento de oposição ao atual governo turco. Os manifes-

A mistura do Brasil com a Turquia

À esquerda:Confronto no dia 31/05 em istanbul, turquia | Foto: Bulent Kilic/AFP/Getty images. À direita: Manifestantes fazem barricadas de fogo no centro do Rio. | Foto: Artur Romeu

Manifestantes levantam barricadas em frente à ALERJ, no centro do Rio

Foto: Artur Romeu

Vírus Planetário - julho 2013 9

Page 10: Edição 25 Vírus Planetário completa

Uma onda de manifestações tende a se iniciar por uma pauta espe-cífica e transforma-se em algo mais complexo e maior. Tanto no sentido quantitativo quanto qualitativo. O mais evidente é a intolerância à violenta repressão policial – que costuma ser o braço “direitoso” de todo Estado autoritário. A cada demonstração de truculência dos Estados e governos contra os manifestantes, mais parceiros e apoiadores aparecem. Inclusive, internacionalmente.

Ainda que as pautas iniciais das manifestações país a país sejam dife-rentes, se lançarmos um olhar mais atento poderemos notar que todas elas são sintomas de um problema comum: o mundo tal qual como está não vai bem. Em comum, há também a forma de enfrentamento: a mu-dança irá emergir das mãos do povo.

Percebemos que as populações de diferentes nações não tomam mais como “natural” e/ou se conforma com a forma que os governos encaram a radicalização dos protestos. E isso nos mostra que esse movimento também se inspira na ação de resistência dos países vizinhos e de ou-tros continentes que se levantam e se mobilizam contra reformas, leis, decretos e atuação dos governos que lhes parece duvidosas, que tentam regular diretamente a vida cotidiana e que são limitadoras política e so-cialmente.

Se o capitalismo é o sistema econômico que rege mundialmente as sociedades, então as lutas, as suas formas de resistência, suas rei-vindicações e a exigência de direitos, possuem a possibilidade de ul-trapassar as especificidades dos locais e se integrar a partir de solida-riedade internacional. Ao nos inspirarmos nas lutas de companheiros e manifestantes de outros países, conseguimos projetar uma unida-

de, tanto no descontentamento e mal-estar quanto nas possibilidades de mudança e transformação das sociedades, que, no fim das contas, é a mesma sociedade. Se todos lu-tam pela transformação, é preciso que nos unifiquemos internacional-mente e, de braços dados, ousemos construir uma nova sociedade, mais justa e igualitárias, que seja erguida pelas mãos do povo, esse mesmo povo que vai às ruas bradar pelos seus direitos. Que seja erguida pelos braços dos trabalhadores, esses que constroem dia a dia riquezas que são usurpadas de tal forma que ninguém mais pode ficar calado.

Que dessa mistura do Brasil com a Turquia, com o Egito, com a Gré-cia, com o Chile se unam mais a mais países, até que as fronteiras sejam derrubadas definitivamente.

internacional

A nossa luta é internacional

Protesto em Ancara (turquia) em 3 de

junho Foto: Umit Bektas/

Reuters

“ Ainda que as pautas iniciais das manifestações país a país sejam

diferentes, todas são sintomas de um problema comum”

Manifestante joga de volta bomba de gás lacrimogêneo em direção à polícia no confronto do dia 31/05 em istanbul, turquia

Foto: Bulent Kilic/AFP/Getty images

Acima: Apoiadores distribuem comida de graça em istambul no dia 03/06 Foto: Bulent Kilic/AFP/Getty images.

Abaixo: noivos celebram casamento em plena manifestação na Praça taksim no dia 02/06 | Foto:Gurcan Ozturk/AFP/Getty images

Vírus Planetário - julho 201310

Page 11: Edição 25 Vírus Planetário completa

ingerir em caso de marasmo

ingerir em caso de repetição cultural

ingerir em caso de alienação

POSOLOGIA

manter fora do alcance das crianças

nocivo, ingerir apenas com acompanhamento médico

extremamente nocivo, não ingerir nem com prescrição médica

Bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

ContraindicaçõesOrganizações fascistas na internet Não é nenhuma novidade

que a internet é o antro da diversidade ideo-lógica e como ferramenta pode ajudar e mui-to nas mobilizações mas, ao mesmo tempo, também potencializa a criação e articulação de grupos perigosos. Com as manifestações dos últimos meses diversos grupos fascistas têm se organizado em páginas do facebook para tentar se apropriar do movimento e di-zer “não ao comunismo que ameaça família brasileira.”

Facebook A rede social não é segura (vários usuários

são monitorados por agências governamen-tais) e tem uma política de publicação de conteúdo que reproduz o falso moralismo machista e homofóbico. Mas nos últimos me-ses a situação piorou: além de não bloquear páginas e imagens de opressão e discurso de ódio ainda deixou quase todas as páginas dos veículos de esquerda sem acesso às suas con-tas. Nunca é demais lembrar que no facebook nós não somos os clientes, nós somos os pro-dutos! E produtos não tem direitos.

IndicaçõesHumoristas de esquerda

Na contramão da onda do “humor” que apela para as opressões

e para o senso comum para arrancar risadas

fáceis e alienadas, dois humoristas de

esquerda se destacaram no último período:

Rafucko e PC Siqueira. Rafucko, humorista

e militante já há tempos tem usado de seu

humor como ferramenta de luta política.

Durante os protestos não foi diferente, tanto

que acabou sendo detido pela PM. Confira seu

trabalho em www.rafucko.com. Já PC Siqueira

surpreendeu a todos ao lançar no seu canal -

www.youtube.com/maspoxavida um vídeo

se posicionando, pela esquerda, a favor

dos protestos e explicando de forma

incrivelmente didática o que é direita

e esquerda. O vídeo já teve quase dois

milhões de acessos.

“Eu sou passiva, mas meto bala”

A música “é uma declaração de guerra das bichas do terceiro

mundo”, uma música de protesto bem-humorada e irreverente

que a drag K-trina Erratik compôs contra os pastores homofóbicos

que, indo contra a lei que diz que vivemos num país laico, tentam

legislar contra os direitos da diversidade sexual e de gênero. Um

dos melhores hits do momento, mostra que no que depender do

movimento LGBTT a homofobia não passará!

Tom Zé “Convite à Pira-

pora”, “Transporte Rock”, “Povo Novo” e “Discurso do Papa”. Em tempos de tanta movimentação po-lítica com milhões de pessoas indo as ruas primeiro para protestar pelos seus direitos, Tom Zé não se conteve e acompa-nhando o ritmo dos movimentos lançou quatro novas músi-cas, três delas sobre os protestos dos últi-mos meses e uma sobre a relação do papa (e da Igreja) com os in-

teresses financeiros. Tom Zé é Tom Zé, sem medo de ser polêmico

consegue, aos 76 anos, continuar na vanguarda musical brasileira.

A diferença entre Julian Assange (à esquerda), diretor do Wikileaks, que revela planos importantes dos países imperialistas e Marc Zuckerberg (à

direita), criador e dono do facebook

Vírus Planetário - julho 2013 11

Page 12: Edição 25 Vírus Planetário completa

Bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

Por Aline Rochedo

Mudamos um pouco a ordem da série. Diante das manifes-tações que estão acontecendo em nosso país, não poderia fa-

lar de outro assunto senão música e protesto.

A primeira música revolucionária que escutei na minha vida foi na escola ainda no 3º ano do 1º fundamental, antiga 2ª sé-rie primária. Eu lembro que houve uma confusão quando um dos meus amigos quis levar seu avô, que era cubano, para nos contar sobre seu país. Depois de muito tempo eu compreendi o motivo: uma escola municipal que tinha por nome “Getúlio Var-gas” com uma diretora de mais de 30 anos, receber um suposto comunista era causa de conflito, mesmo já estando na década dos anos 1990. Mas a visita aconteceu! Eu lembro aquele se-nhor negro, alto e sorridente com uma viola cantando com todo seu corpo e sua alma: Aquí se queda la clara/ La entrañable transparentia/De tu querida presencia/Comandante Che Gue-vara”. Fiquei encantada! Ele contava que quando os militantes cubanos ficavam desanimados cantavam a música em home-

nagem a Che. E a canção os dava novo ânimo.

música e

resistênciaO espaço da música é o da liberdade

2# música também é protesto

Page 13: Edição 25 Vírus Planetário completa

Quartier Latin, onde gritavam pelas ruas: “Sejamos realistas, exijamos o impossível” ou “Criemos comitês de sonhos”. A necessidade de gritar no canto também se registrava nos muros pichados com estas frases.

Sim, o costume de cantar hinos e canções revolucionárias no Brasil existe. Nas memórias de diversos militantes operários atuantes nas primeiras décadas do século XX e nos escritos de cronistas da época é possível encontrar alguns exemplos dessa tradição. Everardo Dias, importante operário gráfico e jornalista do início do século XX, des-crevendo sua participação nas primeiras manifestações públicas de 1º de Maio em São Paulo, conta que era de costume os trabalhadores cantarem, em plena rua, as estrofes vibrantes do hino socialista, ‘A Internacional’, representando todos os trabalhadores do mundo e se entoava em todas as marchas e demonstrações coletivas.

Para a antropóloga e estudiosa de música Raquel Sant’Ana, a músi-ca é um espaço privilegiado de disputas por significados. Esse tipo de construção social condensa memórias, experiências e significados de um determinado momento: “acho que a música carrega esses muitos significados, essa condensação de tempos, que, é claro, estão sempre sendo disputados quando as pessoas cantam, ouvem, acionam a mú-sica na prática”.

O Jornalista Carlos Meijueiro enfatiza uma questão importante du-rante nossa conversa sobre o tema, e eu concordo. Ainda hoje, quando

falamos sobre música de protesto, é recor-

Música e poesia no front.

Os movimentos de ideias, con-flitos e comportamentos se reve-lam na poesia ou na criatividade das canções de luta. Nos últimos anos surgiram alguns lançamentos reeditando canções libertárias e revolucionárias em diversos países do mundo. No final da década de 1980 a banda Chumbawamba lan-çou um LP somente com músicas populares da tradição rebelde da Inglaterra cantadas à capela. Na Espanha, busca-se recuperar a tradição dos hinos que foram cria-dos e cantados durante a Revolu-ção Espanhola, por meio de discos com gravações da época. Na Fran-ça, as melodias e as letras que se referem à Comuna de Paris são lembradas pelos libertários france-ses. E ainda na França a Coletâ-nea “Motives” lançada na década de 1990, reúne músicas de protes-tos cantadas em várias revoluções que aconteceram no mundo no século XX, em destaque na Amé-rica Latina.

Em maio de 1968, eclodiam vio-lentos choques entre policiais e estudantes. As fotografias da épo-ca lembram uma praça de guerra com centenas de feridos, carros incendiados, barricadas de parale-lepípedos (algum semelhança com a atualidade?). As pichações nos muros traduziam a criatividade daquela geração, no qual o epicen-tro foi justamente o bairro latino,

E no Brasil? Existe o costume de cantar em protestos?

trecho de canção do musical “Os Miseráveis”, baseado no romance de Victor Hugo

"Você ouve as

pessoas cantare

m?

Que não será escravo novamente"

É a música de um povo

Cantando a canç

ão dos homens furio

sos

Vírus Planetário - julho 2013 13

Page 14: Edição 25 Vírus Planetário completa

Bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

rente referência às décadas de 1960 e 1970, sobretudo à Tropicália. Há uma insistência de um senso comum preconceituoso a não legitimar as músicas que foram compostas em outras esferas. “Obviamente reconhe-ço a importância nas artes e nas lutas daquele rico período e jamais seria louco de contrariar este fato, mas acho que estamos no momento de radicalizar

essa virada artística e sair da sombra”, desabafa Carlos.

O jingle “Vem, vamô pra rua” do comercial da FIAT na voz do cantor Falcão, d’O Rappa, funcionou como

um paradoxo. O que deveria ser assimilado como todo um trabalho de publicidade em favor do ca-

pital, ganhou um novo significado ocupação das ruas. Segundo a antropóloga Raquel,

cresceu um sentimento de que a rua é lugar de política, de direitos, e não

apenas para dias de jogo: “Quan-do a FIAT cantava ‘Vem vamo pra rua’ as ruas concordaram e gritavam que vir pra rua era vir contra o aumento”.

“Vem, vem pra rua vem” que sempre foi um grito de protesto há vários anos, foi reafirmado como um grito genuíno dos mo-vimentos sociais, apesar da ten-tativa de apropriação por parte da Fiat. E o carro anunciado fi-cou cada vez mais pra escanteio (não teria lugar melhor pra um jingle que tentou ganhar as mas-sas pra torcer pela seleção brasi-leira na Copa das Confederações e teve tamanho fracasso publici-tário). Abafada pelo grito de verda-

“ A música é um espaço privilegiado de disputas por significados”

Canto! Pela diminuição do valor das tarifas e outras questões

Na América Latina, dentre outros movimentos, o impacto da Revolução Cubana e a imagem do Jovem Che Guevara tornou-se referencial para os jovens de esquerda em proporções mundiais. A imagem de Che, associada à noção de heroísmo, atitude, ação e urgência foi e é marcante para os mili-tantes. “O dever do revolucionário é fazer a revolução” era uma das palavras mais presentes e cantadas pelos militantes da época.

Na Argentina, é possível encontrar diversos tangos “Hino Libertário” que teve importante papel durante a Revolução Espanhola (1936-1939).

Impossível não lembrar também da arrepiante “Latinoamerica” do trio de Hip-hop porto-riquenho Calle 13, que exalta as belezas do povo latino-americano, “um povo sem pernas, mas que caminha” e sua luta. “Não se pode comprar minha alegria, não se pode comprar as minhas dores”, lem-bra o refrão. Confira o clipe da música que conta com participação espe-cial de Maria Rita - www.tinyurl.com/lacalle13

Tais canções estimulam as gerações que não vivenciaram esses confli-tos a preservarem a memória destas batalhas, que não tem a imagem de apenas um, mas define toda a força do coletivo. A canção unifica.

A América Latina Canta

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de (e não cenográfico) das ruas, a propaganda se tornou apenas um lembrete de que a rua é do povo.

Para Carlos Meijueiro, uma músi-ca que falasse mais das nossas rea-lidades deveria ser mais bem difun-dida neste momento, “O Racionais MCs faz arte falando de guerra há mais de 20 anos, o RAP numa visão mais ampla faz isso há um tempão, o funk carioca tem a batida mais contundente e praticamente não foi utilizado nessas manifestações. Penso no funk e no maracatu, e imagino o quanto aquilo dali não seria mais forte e energizado com uma batida o tempo inteiro”, lamen-ta Carlos.

As músicas cumprem um papel importante de transformar algo que é conhecido por todos, em vocali-zação dos significados e reivindica-ções numa manifestação.

Mesmo que não tenha sido can-tada uma música em especial e sim mais palavras de ordem com melo-dias, a música esteve presente com muita força nos atos, confortando, estimulando e trazendo muita irre-verência para as passeatas. A anar-quista russa Emma Goldman já bem dizia “Se não posso dançar, não é minha revolução”. Não há revolução sem música; então que façamos do compasso de nossos corações o ritmo de nossos pés e base para nossas palavras de ordem e uto-pias bailarem no ar, rompendo as fronteiras e tornando o impossível, inevitável.

>> Qual música gostaria que todas as pessoas na manifestação

cantassem com você?

>> ”Pedras e Sonhos” do El Efecto. Lembrei desde os primeiros movi-mentos de atos e fiz questão de passar o clipe para meus alunos de

sociologia na sala de multimídia da escola. Keila Lúcio, RJ

“Pedras são sonhos na mão/ Voam na imensidão/Ideias que ganham vida e criam asas/Voam na imensidão/Meus sonhos, minha canção/Pe-

dras e sonhos são nossas únicas armas”

>> “Proteção” - Plebe Rude. Quando estava no fogo cruzado entre polí-cia e manifestantes lembrava a letra e pensava: quem estava protegen-

do quem? Gabriel Lain POA/ RS

“Tropas de choque, PM’s armados/ Mantêm o povo no seu lugar/ Mas logo é preso, ideologia marcada/ Se alguém quiser se rebelar/ Oposição

reprimida, radicais calados/ Toda angústia do povo é silenciada/ Tudo pra manter a boa imagem do Estado! Pra sua proteção (...)

>> “Tá tudo Errado” - MC Leonardo e Junior.

Não pude deixar de lembrar, nesses tempos de manifestação, e princi-palmente pelo ocorrido na maré nos versos de nosso amigo Mc. Leo-

nardo. Elizabeth de Lima, RJ.

“Tá tudo errado/ É até difícil explicar/ Mas do jeito que a coisa está indo/Já passou da hora do bicho pegar/ Está tudo errado/ Difícil entender

também/ Tem gente plantando o mal /Querendo colher o bem.

>> “E vamos à luta!” - Gonzaguinha.

Acho que ele é um poeta genuinamente carioca e, apesar de ser filho de uma figura importante dentro da música popular, cresceu em uma

favela e retrata sua experiência de vida em suas músicas. Thays Lacer-da, RJ

“Eu acredito é na rapaziada/ Que segue em frente e segura o rojão/ Eu ponho fé é na fé da moçada/ Que não foge da fera e enfrenta o leão /Eu

vou à luta com essa juventude/ Que não corre da raia a troco de nada/ Eu vou no bloco dessa mocidade Que não tá na saudade e constrói/ A

manhã desejada.

>> “Opinião“ - Zé Keti. Vivemos alguns momentos tensos, desgastan-tes e mesmo assim, muitas vezes eu me pegava cantando:”Podem me

prender. Podem me bater. Podem, até deixar-me sem comer. Que eu não mudo de opinião Daqui ‘da rua’

Eu não saio, não.” Leonardo Pierre, RJ

“>> Perfeição”, da banda Legião Urbana. Nem preciso dizer nada, a letra fala por si. mas é importante cantá-la até o final, senão você não com-

preende o sentido. Júlio César, BH, MG

“Venha! Meu coração está com pressa/ Quando a esperança está dis-persa/ Só a verdade me liberta/ Chega de maldade e ilusão/ Venha!/ O

amor tem sempre a porta aberta/ E vem chegando a primavera/ Nosso futuro recomeça/ Venha! Que o que vem é Perfeição!”

Toca mais na alma

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O maior dano que se tem ao patrimônio é o dano à dignidade humana

Março de 2013 | Ano 10 | Número 104 | www.fazendomedia.com | [email protected]

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Por Aline Rochedo e Eduardo Sá

Estamos acompanhando, desde as primeiras manifestações, os pro-cessos dos jovens presos de forma arbitrária e ilegítima pela polícia após as passeatas. Os manifestantes vêm sofrendo violência física e simbólica por parte da polícia e da mídia, res-pectivamente.

Diante da repercussão dos casos em redes sociais e mídias alterna-tivas, a mídia comercial procurou, insistentemente, para entrevistas, os advogados da organização não -governamental DDH (Instituto de Defensores dos Direitos Humanos), cuja sede abriga a redação da Revis-

ta Vírus Planetário e que advogam ativamente na defesa desses ca-sos. Algumas coletivas aconteceram, mas as informações não chegaram ao grande público. O que notamos foi uma constante utilização do dis-curso oficial do Estado como única versão nos noticiários desses meios,

a média que a mídia faz

Ignorar, cooptar e criminalizar: palavras de ordem da mídia hegemônica

Comunidade do Horto, próxima ao Jardim Botânico e à sede da Rede Globo na zona sul carioca, na luta contra as remoções. | Foto: Luiz Baltar

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reforçando o estereótipo criminal de perseguição aos integrantes das manifestações e aos movi-mentos sociais.

A cobertura nas mídias tradicio-nais incita a divisão nos atos de protesto, atribuindo um cenário de “bons” e “maus” manifestantes. Criminalizando grande parte dos movimentos sociais envolvidos, estimula as reações virulentas que vêm sendo cometidas pelas forças policiais, mostrando um jornalismo omisso no que concerne a ações de repressão dos governos do es-tado do Rio de Janeiro, São Paulo e outros - ocorridas de forma de-liberada e contínua.

Um exemplo desta prática foi o caso dos estudantes Caio e Juliana, no Rio de Janeiro, presos nos protestos do dia 17 de junho, quando mais de 300 mil pessoas foram às ruas. Aluno de Engenha-ria Metalúrgica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Caio Brasil Rocha, de 19 anos, ficou retido na Cadeia Pública Bandeira Stampa, no Complexo Penitenci-ário de Gericinó, Rio de Janeiro. Juliana Isméria Campos Vianna, de

20 anos, amiga de Caio, graduanda de História na Universidade Federal Fluminense (UFF), permaneceu na Cadeia Pública Joaquim Ferreira de Souza, no mesmo Complexo de Gericinó. Ambos acusados de roubo e formação de quadrilha.

A Secretaria de Estado da Administração Penitenciária do Rio de Ja-neiro (Seap) divulgou para a mídia fotos dos estudantes presos e com uniformes de presidiários. Juliana e Caio desconheciam a divulgação pela grande imprensa e estavam indignados com a forma pela qual os fatos estavam sendo veiculados. “Estou muito preocupada com a imagem que a mídia está fazendo da gente e ainda generalizando tal imagem a outros jovens que estavam na manifestação”, conta Juliana.

Os estudantes negaram que tenham praticado furto ao final da manifestação realizada no centro do Rio. Não deram detalhes da de-tenção, pois relataram que irão provar a inocência apenas diante do júri. Para Juliana, foi válido participar da Manifestação e mostrar o que o governo tem feito para reprimir os manifestantes. “Eu não me arre-pendo de ter sido presa e só não volto às ruas neste momento porque preciso proteger a minha imagem, já que a mídia destorceu totalmente os fatos. O povo continuará nos agredindo com o que a mídia está construindo”, criticou.

Caio, que é ligado ao Partido Comunista Revolucionário (PCR), expli-cou que sua fiança, de R$ 2 mil, foi paga por três entidades sindicais com a ajuda de colegas de universidade. Já Juliana teve sua fiança de mesmo valor paga pela Associação dos Docentes da UFF, ADUFF. Os advogados do DDH, junto a um coletivo de voluntários da OAB, estão de plantão atuando de forma ativa e voluntária na defesa dos direitos humanos nos casos de prisões arbitrárias.

“ Há uma constante utilização do

discurso oficial do Estado como

única versão nos noticiários”

“Nem tão violentos como dizem, nem pacíficos

como desejam”

Foto: Julia Maria Ferreira

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Page 18: Edição 25 Vírus Planetário completa

nico. Até jornalistas independentes e da mídia tradicional, que chegou um pouco depois, também sofre-ram no conflito. O repórter do jor-nal A Nova Democracia saiu ferido na perna. A cena era de guerra em Laranjeiras, com várias barrica-das pelas ruas. Este cenário con-tinua a se repetir nos diferentes protestos até o fechamento desta edição.

Segundo George Orwell, “Jorna-lismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade”. Não é novi-dade dizer que a posição da mídia corporativa tem cumprido um pa-pel estratégico ao ignorar os rela-tos do povo. Nenhuma voz envol-vida nos conflitos ou de pessoas que lhes são solidárias é ouvida, de modo a apresentar apenas um lado da história. Priorizando um relato ‘oficial’ das manifestações, trazido pelas agências estatais, ela reforça a posição do governo. Re-produz sistematicamente os ter-mos “vândalos”, “baderneiros”, “de-predação”, e não explica por que os alvos são sempre os mesmos: bancos, pontos de ônibus, postos da polícia e, sobretudo, palácios e assembleias.

As manifestações representam a força do direito expressivo de “dizer” que estão nas ruas: seja

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Outros casos de pri-sões arbitrárias foram pre-senciados: cidadãos que transitavam pelas ruas no momento das manifes-tações, como mendigos, pessoas com problemas de esquizofrenia e sem docu-mentação. No protesto de 11/07 que ocorreu no Palá-cio Guanabara, sede do go-verno estadual do Rio de Janeiro, mais de 20 jovens foram presos. Detidos no mesmo local, moradores dos prédios no entorno piscavam as luzes e batiam nas panelas em solidariedade aos manifes-tantes. Alguns advogados os acompanharam até a 5ª DP, onde presta-ram depoimento e foram liberados.

A reportagem presenciou uma repressão truculenta por parte dos policiais, que ocuparam as ruas ao redor do palácio com centenas de agentes. Dois caveirões, um caminhão com jato d’água, dezenas de mo-tos e carros militares, além dos furgões para levar os presos. Presença da Força Nacional, Tropa de Choque e Polícia Militar, alguns deles sem identificação na farda e usando capuz, além de outros à paisana. Muito gás lacrimogênio, tiros de borracha e pistolas de choque. Revistas indis-criminadas, prisões arbitrárias, pessoas agredidas e moradores em pâ-

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Jornalismo Democrático X Imprensa Omissa

“ Eu não me arrependo de ter sido presa e só não volto às ruas neste momento porque

preciso proteger a minha imagem, já que a mídia destorceu totalmente os fatos.” - relata a

estudante Juliana Vianna

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Juliana, estudante presa por se manifestar em coletiva para a imprensa que nunca divulgou sua fala. | Foto: Aline Rochedo

por meio da música, cartazes, ves-timentas, gritos, pichações e tam-bém momentos de fúria. Estas movimentações do povo brasileiro não foram bem compreendidas e, tampouco, plenamente assimiladas pelas agências estatais, que recor-reram a velhas soluções calcadas numa lógica autoritária, caracterís-ticas típicas dos regimes ditatoriais para aplacar as vozes dos descon-tentes que ocupam, legitimamente e por causas necessárias estrutu-rais, as ruas do país.

Para o jornalista Gustavo Bar-reto, colaborador em vários coleti-vos de comunicação alternativa, as

restrições dentro da esfera da co-municação são recorrentes desde o período da ditadura militar. Bar-reto também defende que “quanto maior é a organização mais restrita é a informação por ela difundida”. Segundo ele, o problema talvez não seja o jornalista em si, pois no jorna-lismo profissional a grande questão é o editor central, o coordenador editorial de uma determinada mí-dia. “Isso vai desde uma mudan-ça de um texto como um todo, o que é uma manipulação evidente, a questões mais emblemáticas. Por exemplo, os jornalistas da revis-ta Veja não fazem ‘matérias’, eles

fazem relatórios. Os relatórios são entregues para os editores e estes fazem a ‘matéria’. Então é um nível absurdo de controle da informação”, explicou.

Os editores dessas mídias sele-cionam as questões que mais inte-ressam à política das suas empre-sas, refletindo um processo comer-cial na produção da informação, de modo a evidenciar a contradição entre sua função social e sua rela-ção capitalista.

Conversamos com dois jorna-listas da Rede Globo, que pediram para não serem identificados. Um deles afirmou que a questão não está na técnica do jornalismo em si, mas na política que a perpassa: “Eu já escrevi vários textos que foram alterados. Tenho amigos que se en-quadram facilmente nesta prática, mas eu sempre sofro muito. Não forjando os fatos, poderíamos de-senvolver um senso crítico nas pes-soas, evitando que todos fossem comprados por uma ideia apenas”, disse o jornalista. O outro repórter estava cobrindo um dos protestos, e relatou sua angústia por não se identificar nas manifestações devi-do à indignação dos manifestantes com a emissora. Ele não se queixou de intervenções editoriais, mas des-tacou sua falta de segurança e in-disposição dos seus superiores para tal situação. No entanto, ficou clara sua vontade de levar um “furo jor-nalístico” para a redação e agradar a hierarquia, fato que é estimulado nos cursos de jornalismo.

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Page 20: Edição 25 Vírus Planetário completa

Vivendo nos Horizontes

sórdidos detalhes...

A verdade varrida pra debaixo do tapete

O Rio de Janeiro continua sendo... propriedade de Jacob Barata. Em festa suntuosa organizada pelo Clã Barata e o Clã Cabral foi selado o novo contrato... digo... casamento. A união foi entre a Dona Baratinha, também conhecida como Beatriz Perissé Barata, neta do mafio...ops! empresário Jacob Barata, que controla mais da metade das empresas de ônibus do Rio de Janeiro, e Francisco Feitosa Filho, cujo pai é o ex-deputado cea-rense Francisco Feitosa. O casório, chamado de “casamento de ladrão” por populares, tinha como lista de presentes alguns faqueiros que custavam cerca de R$5 mil e parecia que ia ser outro suntuoso evento para constar nas colunas sociais.

Mas nesses tempos de povo acordado e facebook a mil, alguém vazou que ia rolar um casamento de insetos. Assim, foi todo mundo lá reivindicar uns “cocretes” pagos às custas da exploração diária no transporte do Rio de Janeiro. De acordo com o G1 (da Globo) eram apenas 50 manifestantes, apesar de terem mudado de ideia algumas vezes (até o fechamento da edição o número oficial era de 200 pessoas, leitores da Vírus afirmam que os manifestantes estão fazendo mitose). O número certo não se sabe, mas foi suficiente para o governador não ter sido visto entrando na festa e nem na igreja (será que entrou de helicóptero!?).

Como sempre, a lei foi aplicada com dois pesos e duas medidas, pois “o Estado esmaga o oprimido, ao rico tudo é permitido”, já diz A Internacio-nal. Convidados espirituosos que estavam presentes na festa resolveram atirar coisas nos manifestantes, primeiro foram notas de R$20 e depois foi um belo cinzeiro que atingiu em cheio o rosto de um manifestante. A polícia tratou de agir rapidamente e começou a atirar balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo para proteger o direito de ir e vir do cinzeiro, que não pode atingir o solo, tendo sido atrapalhado pelo manifestante.

Devido a sua brilhante atuação na segurança particular, tudo indica a PMERJ já está preparada para ser mais uma instituição do RJ a ser privati-zada. Qual será o novo nome da instituição? Será PMX?

Quantas crianças pequenas já foram assassina-das pela PM do governador do Rio, Sérgio Cabral nas favelas do estado? Pois é, e não é que em co-letiva de imprensa no dia 29/07, o governador ape-lou para a piedade com seus filhos pequenos para que cessem as manifestações na rua onde mora.

Cabral quis se vitimizar. Não foi a toa. No jogo político dos grandes partidos, crises são resolvidas com marqueteiros e não com negociações com o povo. Cabral, Pezão e Paes (a baratinha à esquerda que se esforça em vão pra que a crise não respin-gue nele) já ligaram os motores e fazem reuniões diárias com uma equipe de contenção de danos.

Isso, contudo, não impede os opositores de contragolpear esse marketing. Afinal, nada mais ridículo, em época de desaparecimento de Amaril-do, ele se vitimizar usando duas crianças que nada tem a ver com nada. O crápula usa os próprios fi-lhos para salvar sua carreira política! Temos que refletir sobre a sociopatia absurda de uma pessoa assim! E não arrefecer. Quem colocou os filhos dele na reta foi ele e não os manifestantes.

Afinal, nossa luta é pelos filhos dos removidos de suas casas por conta da Copa, dos mortos nas filas de hospitais, dos filhos de tantos Amarildo.

Aumentam os protestos, aumenta

a hipocrisia de Cabral“BARATAS!

Me deixem ver suas patas!”

ilustração: Aroeira | Créditos: Aroeira - jornal O dia

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Certamente essa hashtag passou por você. Em gritos, em cartazes, pessoas do mundo inteiro (li-teralmente) perguntam para o governo do Rio e para a PM: Cadê o Amarildo? Amarildo, pedreiro, pai, marido, morador da Rocinha, foi levado pela UPP para “averiguação” no dia 14/07. Desde então ninguém sabe, ninguém viu onde foi parar.

Não é novidade, casos como este acontecem o tempo todo nas favelas, a grande diferença é que dessa vez, o grande público ficou sabendo. Ficou sabendo porque as mesmas pessoas que estão nas ruas protestando, que estão na internet e no tra-balho discutindo política abriram os olhos para a realidade política do país.

Se o Amarildo não é o primeiro (e infelizmente não deve ser o último) não haverá mais silêncio com esse tipo de atitude. Cada um importa. Amarildo importa e importa para cada um de nós. O final dessa história certamente não será dos melhores para ele e para sua família, mas ela traz um fio de esperança de que não nos calaremos mais e unidos protegeremos uns aos outros contra a violência de Estado e contra a ditadura do capital que mata todos os dias.

Tem certeza que a Copa das Confede-rações foi no Rio de Janeiro? Não terá sido em alguma colônia brasileira nos países Bál-ticos? Populares relatam que o único ne-gro que se encontrava no estádio era o Can-tor Thiaguinho. Só torcedor Padrão FIFA. Ao que tudo indica o Padrão-Fifa será patenteado pelo Sheike Batista. Para respeitar o novo con-junto de regras imposto à torcida no Rio de Ja-neiro o cântico do Neguinho da Beija-Flor sofrerá “sutis” alterações. Vejam a nova letra atualizada:

“Domingo, não vou ao maracanã... Pra torcer pro time que sou fã.

Não pode foguete nem bandeira, Eles tão de brincadeira,

Acabou a tradição.

Só vai ter cadeira numerada Não tem mais arquibancada, nem geral e nem

povão.

E se teu time botar pra ferver, Não tire a camisa!

Eles podem te prender.

E se teu time botar pra ferver, Não tire a camisa!

Eles podem te prender

ÔôôôÔÔ ôôôôÔÔ ÔÔ CABÔ”

A presença da Dilma podia nem fazer tanta diferença na final da Copa das confederações, uma vaia a mais, uma a menos... Já o Caveirão do BOPE... esse não poderia faltar. O veículo, estra-tegicamente em frente ao Maracanã para evitar qualquer tipo de invasão dos que não deveriam estar na área da FIFA, virou o centro das atenções dos torcedores que chegavam ao estádio para assistir ao jogo entre Brasil e Espanha. Sim, esse aparato policial usado para matar nas favelas. Para eternizar o momento os torcedores pediam para a PM fazer os cliques... Como policiais, eles são ótimos fotógrafos.

Torcedor Fifa

Máquina de opressão nas favelas vira xodó

da classe média#Cadê o Amarildo?

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Foto: facebook.com/ MarchadasVadiasRiodeJaneiro

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Lutar não é crime!

Como o Governo do Distrito Federal e a mídia local criminalizam a ação dos movimentos

sociais

brasíliaFoto: Reprodução/internet

São seis horas da tarde e o pôr do sol vai tingindo de laranja o céu de Santo Antônio do Livramento, bairro do Distrito Federal. José San-tos Silva dirige tranquilamente seu velho caminhão, levando dois netos, menores de idade, para passear. É quando recebe uma ligação que mudará completamente o transcor-rer dos eventos dali em diante.

Pela manhã, José participou de um protesto organizado, entre ou-tros, pelo Comitê Popular da Copa e pelo MTST (Movimento dos Tra-balhadores Sem Teto). Depois de fecharem a Avenida Eixo Monu-mental e colocarem fogo em pneus, os manifestantes finalmente conse-guiram uma reunião com Antônio Carlos Lins, presidente da Terracap, companhia imobiliária de Brasília.

Entre outras pautas, os mani-festantes protestam contra o mo-delo de financiamento adotado na reconstrução do Estádio Mané Garrincha. Sem concordar com as regras do BNDES, que incluem total transparência no uso dos recursos, a Terracap preferiu vender terrenos do Distrito Federal para fazer cai-xa e bancar sozinha a obra. Assim, mais de 200 lotes foram vendidos, e o valor do estádio (inicialmente or-çado em 696 milhões) ultrapassou 1,5 bilhão de reais. É a Arena mais cara dentre as 12 cidades-sede do mundial.

- Alô?

- José Santos?

- É ele.

Por thiago Vilela

- Estamos em frente à sua casa, gostaríamos de fazer orçamento para um frete.

Sandra Oliveira, filha de José, está em casa. Ela ainda não sabe, mas os homens que bateram à porta há alguns minutos, querendo fazer o orçamento de um frete, são da Polícia Civil. Não há farda, não há viatura. Há a perseguição política. Sandra solicitamente revela o tele-fone de seu pai.

A poucos metros de casa, José foi rendido por esses homens, que apontaram suas armas para o cami-nhão. E assim foi até chegarem na Delegacia. As crianças acompanha-ram tudo, e ficaram sozinhas na 5a DP até que José conseguiu o direito

Vírus Planetário - julho 201322

Page 23: Edição 25 Vírus Planetário completa

Logo após a meia-noite, a Falha (ops, Folha!) de São Paulo publicou uma reportagem revelando o salário e a participação de alguns dos integrantes do B&D em cargos públicos do governo – tecendo teorias da conspiração e expondo a imagem dos manifestantes, apesar das investigações ainda estarem em andamento. No dia seguinte, qual não foi a surpresa ao ligar a televisão e ver o Secretário de Segurança Pú-blica do DF afirmando que Gabriel havia sido um dos organizadores do protesto e que estava foragido.

Gabriel acionou seu advogado, que entrou em contato com a De-legacia e seu nome não constava no inquérito. De fato, não havia ne-nhuma acusação formal contra ele. Apesar disso, na segunda-feira foi a vez do governador Agnelo dizer, em rede nacional, que Gabriel estava sendo procurado para prestar esclarecimentos.

Gabriel - Até a semana passada (final de junho) o Secretário de

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de ligar para a sua filha, que foi encontrá-los.

José foi o motorista do cami-nhão que levou os pneus à mani-festação mais cedo. Outras quatro pessoas ligadas ao MTST foram presas nesta sexta, 14 de junho, acusadas de dano ao patrimônio público. Motivo? Segundo a polí-cia, a tal queima de pneus teria causado prejuízos ao asfalto do Eixo Monumental. Imediatamente, uma rede de advogados populares organizou uma Assessoria Jurídica para os militantes, que a essa al-tura já estavam todos presos.

Nas imediações da 5ª Delegacia de Polícia, mora Gabriel Santos Elias, militante do grupo Brasil & Desen-volvimento (B&D) e estudante de mestrado da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Apesar de morar no Plano Piloto e ter con-dições financeiras que lhe permitem pagar um aluguel, há dois anos ele participa de atividades do MTST, por acreditar na luta política como instrumento de construção de uma sociedade mais justa.

Na primeira coletiva de impren-sa após a prisão dos militantes do MTST, o diretor da Polícia Civil afirmou que estava à procura de Gabriel e de outros três integran-tes do B&D, que participaram do protesto. Segundo ele, haveria in-dícios de que eles teriam pago aos manifestantes pela participação no ato.

Gabriel foi para casa e aguardou uma intimação ou comunicação oficial pedindo que ele prestasse esclarecimentos. Nada.

Enquanto isso...

“ É um jogo de desinformação, que revela uma aliança entre o governo

do DF e a imprensa local”

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Page 24: Edição 25 Vírus Planetário completa

brasília

“ 5 pessoas ligadas ao MTST foram presas em 14 de junho”

Foto: Reprodução/internet

Para Gabriel, “É tudo um jogo de desinformação, que revela uma aliança entre o governo do Distrito Federal e a imprensa local. Juntos, eles trabalham para fabricar informações e perseguir mo-vimentos sociais”.

Quase um mês depois do ocorrido, os militantes do B&D ainda não tiveram ne-nhuma menção de seus no-mes nos inquéritos, apenas na mídia, que parou de falar do caso há poucos dias. Dos militantes do MTST, apenas um responde ao processo de destruição de patrimônio público, por ter sido quem efetuou o pagamento a José pelo frete dos pneus que fo-ram queimados na esplana-da.

Depois de tudo o que aconteceu, alguém realmen-te acredita que o processo é por uma sujeirinha no as-falto?

Segurança Pública estava falando meu nome praticamente todos os dias em tv aberta. Fica uma coisa muito estranha, porque é uma perseguição pública e mi-diática, em nenhum momento formal, em nenhum momento visando esclare-cer fatos!

No final das contas, foi esclarecido que o ‘pagamento’ prometido a quem fosse à manifestação não existia. Essa suspei-ta foi levantada porque a PM conseguiu acesso a um email (pode isso, Arnaldo?) enviado pelo Edson, um dos líderes do MTST, no qual ele dizia que no dia do protesto as famílias poderiam aproveitar para retirar o dinheiro do ‘auxílio’.

Que auxílio era esse? Nada menos do que um auxílio aluguel do próprio Governo do Distrito Federal, pago aos sem teto que aguardam vagas no Pro-grama Habitacional do próprio Governo. Por morarem em bairros rurais e muitas vezes não possuírem condições de se locomover às agências bancárias, a via-gem ao Plano Piloto era no mínimo uma ótima oportunidade e não faria sentido impedi-los de sacar seus próprios bene-fícios.

Pagamento?A perseguição continua

Vem aí a TV²írus!

Aguarde!virusplanetario.net

Em Breve, o jornalismo pela diferença, contra

a desiguldade que você já conhece aqui das páginas marcará presença também em

nossa webtv

Um espectro ronda a internet...

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O Movimento Passe Livre, que fomentou as manifesta-ções em São Paulo, estimulou fóruns populares no Rio de Janeiro e em outros estados. Rapidamente foi iniciado um movimento unificado que criaria uma grande mobilização em todo o país. Trata-se de uma demonstração de que o povo nas ruas pode gerar grandes mudanças ao impedir o aumento das passagens e abrir discussões sobre transporte público, privatizações, lucro de empresários e demais ques-tões que inquietam a todos.

A maior mobilização espontânea das últimas décadas pautou inicialmente o transporte, mas ganhou outras ques-tões que mal cabiam nos cartazes.

Independente de ter aumento ou não no transporte pú-blico, o Brasil vive uma conjuntura social onde as pessoas sentem a necessidade de expressar suas queixas, mesmo onde o aumento não aconteceu ou as passagens tinham valor baixo, e até onde o transporte não causava tanta comoção.

Amanhã será maior

Por Ana Carolina Gomes, Bruna Barlach, Eduardo Sá, Jéssica ipólito, Laura Ralola e Matheus Lara

movimentos sociais

Um levante anticapitalista, como não se via há décadas, sacode o Brasil

Foto: Julia Maria Ferreira

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O grande símbolo para toda essa indig-nação, o maior estupro que Brasil sofreu desde o ciclo de privatizações alavancado pelo PSDB na década de 90, é A COPA!

Enquanto rolava a bola na copa das confederações e o Brasil recebia as de-legações de diversos países, este even-to ficava entalado na garganta de todos. Aproveitando a presença da mídia inter-nacional, o povo tinha uma mensagem a divulgar pelo mundo a fora. Os gritos eram “OOOOooo Foda-se a Copa” e os cartazes diziam “Quero educação padrão FIFA”. Parecia até que pão e circo não ti-nham mais AQUELE efeito. O povo esta-va nas ruas mostrando aos governos que sabiam que foram violados, que não con-cordavam com estádios de bilhões e que “Aahhh, professor vale mais que Neymar” ou que “Da Copa eu abro mão. Quero dinheiro pra saúde e educação”.

O resultado foi uma grande movimen-tação popular no dia 17 de junho, onde 12 capitais (sedes da COPA) e mais várias outras cidades se unificaram, colocando mais de 1 milhão de pessoas nas ruas do Brasil. Neste dia São Paulo parou, no Rio mais de 300 mil marcharam e o Congres-so Nacional foi ocupado em Basília. O jogo que acontecia no Mineirão, em Belo Horizonte, tornou-se secundário perante tudo o que acontecia no País.

A Favela nunca dormiu e não se calará!

Em 2 de julho seis mil moradores das favelas do Complexo da Maré desceram até a Av. Brasil em repúdio à chacina de dez pessoas pratica-da pelo Bope (Batalhão de Operações Espe-ciais) na semana anterior, em represália a con-flito que teria ocorrido durante manifestação contra aumento da tarifa do ônibus. Este mo-vimento representaria em grande parte o au-to-reconhecimento da força desta população favelada que expulsou com cartazes e gritos o caveirão pela primeira vez do seu território.

O morro tem sido sufocado por um suposto Estado de paz que despotencializa o reconhecimento dos moradores de seu próprio poder de transformação e reivindicação, estes que er-gueram seu lugar. Assim surge o ato da favela Santa Marta. A concentração foi ali embaixo, na pracinha da entrada do morro, na Rua São Clemente, em Botafogo. Segunda-feira, dia 08 de Julho de 2013.

“Chega de chacina, polícia assassina!” – moradores de ou-tras comunidades também estavam lá, e juntos ao coro, a Maré também resistia. Aldeia Maracanã, presente. E pautas preenchiam faixas e me-lodias. Chega de remoção! Chega de dizer por aí que somos favela mode-lo quando há esgoto a céu aberto. Cartazes perguntavam “Modelo de Que?”. Crianças gritavam por mais educação enquanto aprendiam a fazer passeata, e se divertiam com essa… essa.. como chama? Seria a tal liberdade de expres-são? Ou Livre Manifestação? A descoberta era alegre. Os pequenos tinham um gogó e tanto. Pulavam “Sai do chão, sai do chão, quem é contra o caveirão!”. A força vinha do estar lá, de se descobrir junto.

Se agora a classe média, os moradores do asfalto estão sentindo a repressão policial em forma de bombas de gás e balas de borracha, a verdade é que os moradores da favela sentem cotidianamente a força da violência do Estado que controla suas vidas, cerceia a sua liberdade de ir e vir e os reprime sem medo de usar armas letais. Virou jargão, mas é verdade: se no asfalto a bola

é de borracha no morro ela continua sendo de verdade. E mata. “A luta é antiga, amigo, já estamos nessa luta há muito tempo”. A

verdade é dura, a favela nunca pode dormir, mas agora ela pode gritar para todos ouvirem e

despertarem das ilusões que o governo propaga em gritos de “A verdade é

dura, a UPP também é dita-dura!”.

movimentos sociaisFoto: Luiz Baltar

Foto: Caio Amorim

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porque ele se diversificou: atos me-nores com pautas específicas tem ocorrido o tempo todo e não so-mente atos como aulas públicas, mesas de debate. Tudo como uma grande preparação para o que virá.

Na onda do movimento que se levantava em São Paulo, o Rio de Janeiro iniciou a jornada de lutas contra o aumento da passagem. Este movimento, que se solidarizava com a repressão sofrida pelos pau-listanos nas ruas, começou peque-no, com 200, 300 pessoas. Logo de início foi duramente reprimido pela polícia, mostrando que se o cami-nho para a vitória era pelas ruas, era preciso enfrentar a força policial.

Se no início esses atos eram protagonizados somente por jo-vens, militantes do movimento es-tudantil, dos partidos de esquerda, anarquistas e aqueles acostumados com este tipo de mobilização, com o aumento da repressão dos atos em São Paulo e também do Rio de Janeiro novos atores começaram a ocupar as ruas.

O lugar onde tudo começou! A motivação veio de certa agressivida-de. Os atos do MPL tinham a mes-ma quantidade de pessoas que se via antes, inclusive, os manifestan-tes eram os mesmos, aqueles ver-melhinhos que sempre traziam suas bandeiras para as ruas. No entanto, se durante anos eles foram crimi-nalizados, tratados como bandidos pela mídia, sufocados, suas mani-festações não merecendo nem uma nota de rodapé para a mídia gran-de, dessa vez seria diferente. Dessa vez era necessário garantir o direito à livre manifestação, nem que isso custasse suas próprias vidas.

“Diga um nome. Paulista, Con-solação, 23 de Março... estávamos lá! Fechamos e resistimos, levamos bombas e balas. Perdemos o nos-so vinagre, a proteção contra o gás, nos foi tirado o direito de nos proteger (e de fazer salada), mas e daí? Quanto mais nos batiam, mais força tínhamos para retornar. Retor-namos e retornamos, por mais que fosse impossível baixar a passagem (impossível, mas baixou!), por mais que o Passe Livre fosse utópico (é mesmo?) e por mais polícia que co-locassem atrás da gente, retornáva-mos!” É o que relata uma manifes-tante presente nos atos.

O movimento endureceu, mas sem perder a ternura. As bandei-ras se mantiveram e os tambores também, mas agora entoavam mú-sicas de resistência, seja quando se

reagrupavam mesmo após inúmeras bombas caindo sobre as cabeças dos manifestantes ou, até mesmo, porque decidiram que não iriam apenas apanhar, iriam devolver tudo aquilo que lhes fosse dado. E a essa devolução deram o nome de bader-na e a baderna foi abraçada pelo povo – o auge simbólico do apoio acontece quando no programa do Datena os telespectadores respon-dem que sim, são favoráveis a pro-testos COM baderna.

De lá pra cá, as ruas ficaram abarrotadas de gente, se esvazia-ram, viram conflitos de manifestan-tes contra a polícia e de manifestan-tes contra manifestantes em tristes episódios de violência de policiais infiltrados e organizações de extre-ma direita (fascistas e neonazistas) aproveitando-se da conquista das ruas para atacarem fisicamente ma-nifestantes da esquerda que empu-nhavam suas bandeiras, como sem-pre empunharam ao longo de toda a sua história.

Se não vemos mais centenas de milhares tomando as ruas de São Paulo neste exato momento não é porque o movimento morreu, mas

“ O Brasil vive uma conjuntura social onde

as pessoas sentem a necessidade de expressar

suas queixas”

Rio de Janeiro

São Paulo

Protesto do dia 20 de junho no Rio de Janeiro Foto: Luiz Baltar

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movimentos sociais

Com medo de que o protesto ficasse tão forte que po-deria colocar em risco o poder do Estado (e também do es-tado, já que o governador, Sérgio Cabral (PMDB), era um dos principais alvo dos manifestantes) a mídia grande mudou de postura, passou a apoiar os protestos buscando ao mesmo tempo esvaziar o conteúdo político mais radical, que contes-tava as injustiças sociais e o governo (e também o aumento das passagens, é claro). De repente as ruas do Rio estavam tomadas por bandeiras do Brasil em uma grande festa da democracia. Para quem estava lá, era certo que na primeira grande manifestação haviam mais de 300 mil pessoas e na segunda, mais de um milhão.

E tudo isso de gente poderia meso fazer uma grande di-ferença. É claro, se as pessoas soubessem porque estavam lutando. Ao contrário de defender pautas específicas diversos policiais infiltrados incitavam o ódio das pessoas contra os manifestantes organizados, causando tensões e agressões físicas no primeiro grande protesto e agressões generalizadas no segundo grande protesto, com mais de uma dezena de manifestantes da esquerda organizada (militantes de par-tidos, sindicatos, movimentos sociais e etc) hospitalizados.

Enquanto isso ocorria, e não era noticiado, o que se via nos jornais era um elogio aos manifestantes “pacíficos” e um esforço enorme de criminalizar os manifestantes mais radicais, que eram chamados de vândalos. Já a polícia não parecia fazer distinção nenhuma entre uns e outros, pois ata-cava a todos com bombas de gás, tiros de bala de borracha e de armas de fogo, inclusive contra pessoas rendidas, contra hospitais, contra menores de idade.

Felizmente, os radicias, aqueles vândalos reagiram e con-tinuam a reagir. Realmente, não era só por 20 centavos, era por direitos, sobre existir, insistir e resistir. Resistiram e ainda resistem! O movimento se radicalizou e cada dia mais empu-nha suas bandeiras, seja em frente ao prédio do governador, no Palácio da Guanabara, sede do governo, pelas ruas do centro, da zona sul e por toda a cidade os protestos de mul-tiplicam e são diariamente reprimidos pela polícia que a cada dia age de forma mais truculenta.

“As pessoas finalmente voltaram a conversar sobre o seu país.”

“Reflexões sobre o levante de democrático de junho”, esse foi o tema analisado por parlamentares, acadêmicos e lide-ranças de movimentos no dia 5 de julho, na Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (Adperj). De um modo geral, todos ressaltaram o saldo positivo das mobilizações.

“As pessoas finalmente voltaram a conversar sobre o seu país e sua sociedade”, avalia positivamente Adriano Pilatti, coordenador geral do Instituto de Direito da PUC-Rio. “Vem à luz a entrada de uma nova geração na política. Uma socie-dade que cansou de ser mercado. Hoje é tudo mediado por dinheiro, e há uma recusa desse modo de viver.”, considera.

Para o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), todo o nosso sistema cognitivo está em crise e os velhos manu-ais não nos servem mais. “É um absurdo caracterizar esse levante como de direita ou fascista, não cabe porque a pauta que está na rua não é conservadora. E tem disputa nessa história, precisamos enfrentá-la. É um movimento espontâneo, está longe do fim e ninguém sabe o que vai acontecer”, analisou. “As saídas eu não sei, estamos cons-truindo nas ruas, temos que nos aproximar dessas pesso-as. O modelo nefasto de público e privado que está em xeque”, afirma.

Na opinião de Kenzo Soares, do Fórum de Movimentos de Luta pela Passagem, o processo político polarizou e para avançar vai ter que se mexer na estrutura de poder. “As pessoas perceberam que só com as ruas podem con-quistar seus direitos. E pela primeira vez ficou mais claro o caráter de classe do estado, já que a polícia que deu bala de borracha no centro deu tiro na Maré. O papel dos movimentos hoje é melhorar as pautas das ruas. ”, concluiu.

O deputado federal Alessandro Molon (PT) reconhe-ceu os problemas em seu partido, apesar do seu orgu-lho nele. Na sua visão, há uma disputa da leitura do que está acontecendo. “Isso ajuda a quem quer recuperar o PT. A presença do PT nos governos estaduais muni-cipais é um erro gravíssimo”, fez a autocrítica. As críti-cas estão baseadas em três pautas, afirma o deputado: mais direitos sociais, mais democracia e mais repúbli-ca..

Choque da PM de Minas Gerais reprime manifestantes. A severa repressão das PMs está sendo uma tônica em todo o Brasil Foto: Ana Malaco

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Page 29: Edição 25 Vírus Planetário completa

“ A polícia atacava a todos com

bombas de gás, tiros de bala de

borracha e de armas de fogo

Diversos colaboradores e mem-bros de nossa equipe foram feridos, detidos e passaram por situações de risco. Ninguém está imune, mas o movimento não para e se fortale-ce a cada dia, nas lutas!

Segunda-feira, 17 de junho de 2013 – o apito do arbitro que dava início ao jogo entre Taiti e Nigéria na Copa das Confederações soava juntamente com as explosões de bombas de efeito moral lançadas às ruas. O estádio do Mineirão contava com mais de 20 mil presentes, mas a multidão do lado de fora era bem mais intensa.

Enquanto a bola rolava no Minei-rão a população assistia ao despre-paro e repressão policial da trupe Márcio Lacerda (PSB), Anastasia (PSDB) e Aécio Neves (PSDB). O Batalhão de Choque barrou os ma-nifestantes na altura da Pampulha, próximo ao estádio, fazendo uso indiscriminado de bombas de efei-

to moral e de balas de borrachas. A violência se intensificou na mani-festação que reuniu mais de 70 mil pessoas no sábado, dia 22 de junho. “A Praça Sete e a Avenida Antônio Carlos se transformaram em verda-deiros campos de guerra” destaca Fidélis Alcântara, membro do Comi-tê Popular dos Atingidos pela Copa – BH.

A polêmica declaração dada pelo prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, no dia 24 de junho, de que a Política Militar “prendeu pouca gente” repercutiu entre os manifes-tantes que presenciaram cenas de horror na capital mineira. Segundo Fidélis “nosso prefeito não está pre-parado para essas questões, assim como não está preparado para ad-ministrar a cidade”.

Na manifestação do dia 26 de ju-nho, enquanto o Mineirão era palco da semifinal da Copa das Confede-rações entre Brasil e Uruguai, um jo-vem de 21 anos morreu ao cair de um viaduto próximo ao estádio. Aci-dentes semelhantes aconteceram

em meio à truculência da PM em outros protestos. Oito grandes atos foram realizados na capital mineira até o fechamento desta edição.

Com o intuito de dialogar sobre a formulação de pautas e propostas para as seguintes manifestações foi criada a Assembleia Popular Hori-zontal, realizadas debaixo do Viadu-to Santa Tereza, espaço referência na livre ocupação na cidade, que passa por um processo de exclusão de sua população dos espaços pú-blicos.

No dia 29 de junho a Câma-ra Municipal de Belo Horizonte foi ocupada, pressionando Lacerda a negociar as demandas tiradas nas assembleias. Durante a ocupação, que durou 09 dias, o prefeito anun-ciou a redução de 15 centavos na tarifa do ônibus. O anuncio muito foi comemorado pela sociedade ci-vil, mas esta ainda critica a forma utilizada para reduzir a tarifa em Belo Horizonte, que vem por meio de isenção fiscal das empresas de transporte.

Belo Horizonte

Protesto do dia 13 de junho no Rio de Janeiro Foto: Luiz Baltar

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Page 30: Edição 25 Vírus Planetário completa

política

Jacobino ou Girondino?

Esquerda ou direita? De que

lado você se senta?

Após a Guerra Fria, principalmente ao longo do século XXI, criou-se um falso consenso de que Esquerda e Direita são conceitos ligados à velha ordem mundial e, portanto, já esgo-tados. No entanto, as manifestações do último mês mostraram que não só há um interesse em criar novas práticas políticas, como também re-discutir e ressignificar a política. Os velhos embates entre Esquerda e Direita, nomenclaturas que muitos julgavam não existirem mais, foram desenterrados quase como uma re-arqueologia dos termos. Reacendia ali um velho debate conceitual da po-lítica.

Os conceitos de Esquerda e Di-reita nasceram durante a Revolução Francesa. Os Jacobinos, que se ali-nhavam (fisicamente mesmo) à es-

querda representavam uma linha de pensamento mais libertária e radical, enquanto os Girondinos, mais conser-vadores, sentavam-se à direita. Aí, en-tão, os Jacobinos passaram a chamar os Girondinos de “turminha da direi-ta”, e o termo pegou. Para a cientista política Clarisse Gurgel, a ideologia de direita se baseia em uma natureza humana individualista e competitiva. Seu modelo correspondente é o da iniciativa privada e livre concorrência. Já a ideologia de esquerda vai desde a distribuição igualitária de riqueza até a superação do capitalismo.

O mundo pós-Guerra Fria se em-penhou em apagar as marcas das ideologias que incitavam a luta anti-capitalista. As novas gerações foram rotuladas como “sem ideologias” e pouco interessadas em política. Mas,

para Clarisse Gurgel, o que vemos hoje é a hegemonia de uma ideologia sobre as demais. Contudo, ela afirma que há uma linha nítida separando Esquerda e Direita, principalmente no que diz respeito aos princípios e aos métodos de atuação. “Ser de es-querda e ser de direita oscilará entre levar até as últimas consequências a crítica à lógica do mercado nas rela-ções sociais, políticas etc. Como dizia Marx, a prática é o critério da verda-de”, defende.

Os símbolos de ideologias políticas se misturaram nas ruas. A bandeira vermelha anticapitalista e o naciona-lismo exacerbado atrelado a um dis-curso antipartidário violento, típico de regimes de extrema direita, estiveram

Por Julia Maria e Mariana Gomes

ilustração: www.facebook.com/GlobalEquality

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Direita e esquerda nas ruas?

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lado a lado por alguns dias. Mas de-pois, o que se viu nas ruas, segun-do inúmeros relatos, foi um embate ideológico no qual os partidos de esquerda e movimentos sociais fo-ram agredidos – inclusive fisicamen-te - por outros manifestantes.

Mauro Iasi, presidente da Asso-ciação dos Docentes da Universida-de Federal do Rio de Janeiro (Adufrj), afirma que há uma grande hetero-geneidade nas ruas. “Esse ódio a partidos pode ser compreendido, já que muitos deles se aproximam dos movimentos sociais para ven-

Aqui é o lugar onde pensam:>> Que se você nasceu rico a sorte é sua e se você não

nasceu rico o problema é seu>> Que a meritocracia é a melhor forma de organizar a

sociedade>> Que só os melhores devem se dar bem

>> Que são contra todo tipo de política reparadora que vise lutar contra o machismo, o racismo, a homofobia>> Que os homens são naturalmente superiores e podem oprimir as mulheres, que os brancos são naturalmente superiores e podem oprimir os negros e assim por diante

>> Que a religião deve se intrometer em questões do Estado

>> Que o governo não deve investir dinheiro em saúde, educação e que cada um que se vire pra ter o que precisa>> Que privatizar as empresas públicas fazendo com que elas gerem grandes lucros aos empresários e ofereçam

péssimos serviços é uma boa ideia

Neste quadrado ficam aqueles que:

>> Defendem os direitos sociais

>> Lutam por uma sociedade mais justa e igualitária

>> São CONTRA todas as formas de opressão como o ma-

chismo, a homofobia, o racismo, a transfobia...

>> Lutam por um mundo onde não haja exploração, como

quando muita gente trabalha pesado para que grandes

empresários e banqueiros vivam no luxo, enquanto quem

trabalha continua a viver de migalhas

>> Vão às ruas para defender os direitos dos trabalhadores

e do povo pobre

>> Se preocupam com o meio ambiente e com o impacto

que a atividade industrial e humana tem causado ao planeta

>> Acreditam que um outro mundo (muito melhor, justo,

igualitário e fraterno) é possível

ESQUERdA

diREitA

der seus candidatos e depois abandonam suas bandeiras”, opina Iasi, que ressalta a importância desses movimentos na luta diária.

Para Clarisse, isso ocorre devido à adesão dos jovens à crítica con-servadora aos partidos políticos. “Esta crítica, ao contrário de resultar na superação da lógica de mercado na política, acaba por dispersar os jovens na crença na solução individual dos problemas. Com isto, só a direita se organiza”, argumenta.

Clarisse acredita que a esquerda no Brasil tem um grande desafio pela frente. Para ela, as diferentes práticas e métodos que contemplam a igual-dade social, precisam dialogar. Os espaços de discussão, como as plenárias amplas e frequentes, são fundamentais para a organização de decisões coletivas. “Ser de esquerda implica na rejeição da ideia de que o povo é in-capaz de tomar decisões. A noção de democracia para a esquerda implica na busca por processos decisórios horizontais”, defende Clarisse.

“A história de todas as sociedades até os nossos

dias não foi senão a história das lutas de

classes” Karl Marx

*nem todas as pessoas de esquerda ou direita preenchem os ítens colocados, mas listamos alguns dos ideias progressista à esquerda e conservadores à direita. Ao mesmo tempo, muitas pessoas que não se definem politicamente

preenchem um ou mais ítem de cada coluna, fazendo com que ela seja, sem saber, de esquerda ou direita.

não existe mais esquerda e direita?

Vírus Planetário - julho 2013 31

Page 32: Edição 25 Vírus Planetário completa

política

A Copa não é nossaPrivatização, repressão policial, legislação de exceções e remoções forçadas caracterizam a preparação dos Megaeventos

Page 33: Edição 25 Vírus Planetário completa

Por Ana Malaco

Passados todos esses anos em que o país foi anunciado como sede da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, o que se assiste para a pre-paração desses eventos é um total descaso com a população. Durante a Copa das Confederações, manifes-tações, que já ocorriam por vários cantos do país, ganharam visibilidade e os protestos contra os Megaeven-tos se misturaram às bandeiras por participação política, transporte e serviços públicos de qualidade. Desde que o país soube que seria sede des-ses Megaeventos, nas 12 cidades que vão receber jogos durante o Mundial de 2014, diversos movimentos sociais, universidades entidades da socieda-de civil se mobilizaram e organizaram Comitês Populares de Atingidos pela Copa. A proposta é organizar uma agenda de ações em cada cidade-sede.

Já foram gastos 27,4 bilhões de re-ais de recursos públicos e a previsão atual é de que o custo total seja de 33 bilhões de reais, segundo Dossiê produzido pela Articulação Nacional dos Comitês Populares dos Atingidos pela Copa (Ancopac). A quantia gas-ta se aproxima do orçamento federal

em educação para este ano: 38 bi-lhões de reais. Além deste dinheiro, foi aprovada isenção de impostos para as construtoras dos estádios e dos campos de treinos nas outras cidades.

Na questão dos impactos sociais, a violação do direito à moradia ganha destaque. O Dossiê de Violações de Direitos Humanos, documento pro-duzido pela Ancopac, revela que em todo o país chega a 200 mil o número de pessoas removidas e ameaçadas de remoção. Segundo Renato Cosen-tino, do Copac-Rio, o número pode ser ainda maior, já que a pesquisa contabilizou apenas os dados de co-munidades organizadas. Já os dados das ocupações que não são organi-zadas foram cedidos sem precisão pelos governos, segundo Cosentino.

“ Já foram gastos 27,4 bilhões de reais de recursos públicos e a previsão é que total

seja de 33 bilhões de reais”

Esse mesmo Dossiê foi apresen-tado pela Articulação para a ONU. A relatora especial para a Moradia Adequada, Raquel Rolnik, acusou, a partir daí, as autoridades de várias cidades-sede dos Megaeventos, de violar os direitos humanos ao praticar essas remoções forçadas. A denúncia aponta a falta de transparência, de diálogo com os moradores e a falta de negociação justa com as comuni-dades afetadas.

Outra ilegalidade denunciada pe-los movimentos que compõem os Comitês é o tratamento violento do Estado com moradores de rua. Tra-tamento que se repete com artesãos de rua e nômades. A violência come-tida é resultado de uma “política de higienização”, implantada pelo poder público nas cidades-sede. Em Belo Horizonte a forma violenta utilizada para desocupar o centro urbano

Segunda Assembleia Popular Horizontal, 23 de junho | Foto: Ana Malacointerven

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Page 34: Edição 25 Vírus Planetário completa

Propostas da Lei Geral da Copa exigidas pela Fifa

Lei Geral da Copa 2014 é inconstitucional

violam A Constituição Federal Brasileira

Meia entrada de idosos e estudantes apenas na “categoria popular”, o mais barato; liberação da “venda casada” de entradas com pacotes turísticos. Fifa não é obrigada a cumprir normas locais de defesa do consumidor na compra dos ingressos para os jogos.

Permissão para a criação de Zonas de Exclusão, com restrição ao comércio de rua e à circu-lação de pessoas num raio de 2 km no entorno de estádios de jogos e treinos e outros locais. (Cap. 2, Seção II)

Privatização e exclusividade de exploração comercial de símbolos, emblemas e mascotes da seleção brasileira e do Brasil, sem controle da sociedade ou do Instituto Nacional de Proprie-dade Industrial (Cap. 2, Seção I)

Proibição de aulas nas redes de ensino público e privado durante o Mundial de 2014 (art.64)

Criação de crimes especiais (Cap. 8) e sanções civis (Cap.2, Seção IV) para reserva de mercado, publicidade e propaganda.

Limitação à captação e transmissão de imagem e som (Cap. 2, Seção III)

Responsabilidade geral do Estado por “quaisquer danos e prejuízos” com acidentes de segu-rança, devendo a União Federal indenizar a Fifa (Cap. 4)

Direitos do consumidor (art. 5°, XXXII e art. 170, V)

Direito ao trabalho (art. 5°, XIII e art. 6°) e Direito de ir e vir

(art. 5°, XV)

Proteção do patrimônio cultural brasileiro (art.216)

Direito à educação(art.205)

Liberdade de expressão (art.5°, IX) e livre iniciativa

(art.170)

Liberdade de imprensa e de informação jornalística (art.

220, par. 1°)

Conservação do patri-mônio público (art. 23, I)

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municípios se endividassem além do exigido pela Lei de Responsabilidade Fiscal para se investir em obras da Copa, abreviar licenciamento ambien-tal e dispensar licitações, são uns dos muitos exemplos que configuram a legislação de exceção para cumprir as exigências da Fifa.

O poder público também criou um aparato especial de policiamento (Secretaria Extraordinária de Segu-rança para Grandes Eventos, Decreto n. 7.556/2011). Para complementar o cenário de exceção, uma nova tipifi-cação penal e juizados especiais são previstos na Lei Geral da Copa.

Como exemplo, foi aprovado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no último dia 12 de junho, a proibi-ção de movimentos e atos públicos para todo e qualquer indivíduo du-rante a Copa do Mundo. Além disso, está em tramitação o Projeto de Lei 728/2011que prevê que manifestações durante a Copa do Mundo sejam tra-tadas como atos de terrorismo. O PL também prevê a limitação ao direito dos trabalhadores à greve.

“ Em todo o país chega a 200 mil o número

de pessoas removidas e ameaçadas de

remoção”

vai de caminhão pipa molhando mo-radores de rua, recolhimento de ar-tesanato e matéria prima de artistas de rua, até colocação de blocos de concreto em forma pontiaguda em-baixo de viadutos.

Acompanhado a essa “política de higienização”, cresce o número de homicídios cometidos contra a po-pulação de rua. De acordo com pes-quisa realizada pelo Centro Nacional de Direitos Humanos, nos últimos dois anos em Belo Horizonte foram assassinados 100 moradores de rua, número que representa 5% da popu-lação de rua em BH. O estudo ainda revela que 40% dos homicídios foram cometidos com arma de fogo e que apenas quatro dos 100 homicídios ti-veram investigação concluída.

Tanto o direito ‘ao’ quanto o di-reito ‘do’ trabalho estão previstos na Constituição Federal de 1988 como direito fundamental social e regula-dos, também, em legislações próprias como a Consolidação das Leis Traba-lhistas (CLT). A despeito de todo esse sistema, porém, os casos de graves violações de direitos em nome da Copa do Mundo e das Olimpíadas se acumulam e avançam. A perseguição a líderes sindicais e o desrespeito às liberdades de organização, como gre-ves e manifestações, são exemplos dessas violações de acordo com o Dossiê.

Em Belo Horizonte mais de 750 tra-balhadores informais foram destituí-dos de seus postos de trabalho. São

cerca de seis mil pessoas impactadas direta ou indiretamente, de acordo com pesquisa produzida pelo Copac-BH. Nenhuma medida compensatória foi tomada até o presente momento, seja pela Prefeitura ou pelo Governo do Estado. O caso também é vivido por trabalhadores conhecidos como barraqueiros do Mineirão, que com a privatização do estádio, foram proibi-dos de vender seus produtos. “Alguns de nós já estavam ali (no entorno do Mineirão) há mais de 30 anos com-pondo o cenário cultural e de memó-ria da região.”, relata Ernani Pereira, do movimento dos barraqueiros do entorno do Mineirão.

Desde que foi anunciado que o Brasil seria sede des-ses Megaeventos, nos níveis federal, estadual e municipal, uma interminável lista de leis, medidas provisórias, decretos, resoluções, portarias e atos administrativos de vários tipos instauraram o que vem sendo chamado de “cidade de exce-ção”. Permitir que estados e

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Manifestante expressa seus anseios no cartaz | Foto: Ana Malaco

É proibido trabalhar

Legislação de exceções

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Page 36: Edição 25 Vírus Planetário completa

EnTREViSTA INCLuSiVA:

Black Bloc

Vândalos, bandidos, baderneiros, arruaceiros. As denomi-nações que a mídia dá para os manifestantes são cada vez mais criativas e cada vez mais depreciativas. A tática Black Bloc se consiste em forma de resistência às repressão de manifestações aplicada por movimentos anarquistas que personificam tudo aquilo que tem sido criminalizado pela mídia grande. Nós conversamos com alguns dos militantes que se vestem de preto e cobrem seus rostos, não apenas para difi-cultar a sua identificação, mas para demonstrarem que fazem parte de um movimento que é internacional e não nasceu no Brasil, nem em junho de 2013. Desde a década de 1970 em Seatle, Estados Unidos, quando surgiu a ideologia Black Bloc, diferentes células tem se formado ao redor do mundo, defen-dendo a ação direta e a defesa dos manifestantes. Sua atua-ção no Egito e na Grécia tem ganhado muito destaque, princi-palmente através de vídeos na internet. Muito por conta disso o grupo tem ganhado mais espaço no território brasileiro.

O grupo, que é alvo de investigação dos serviços de inte-ligência da Polícia, admite que existe infiltração de agentes externos em seu meio. Não descartam a possibilidade de que possam ser policias disfarçados, mas garante que estão desenvolvendo um método interno de avaliação e filtração para que isso não continue a acontecer.

Ao contrário do que apresenta a grande imprensa, ao invés de um grupo de “vândalos” e “baderneiros”, os Black Blocs se apresentam como um grupo anticapitalista que se presta ao papel, inclusive, de defender os manifestantes da opres-são policial. A mídia grande, por má fé ou falta de qualidade na apuração jornalística, parece ainda não ter entendido isso, mas parte das ruas parece já ter compreendido senão o grito de “não tem PM, não tem Choque, mas tem os Black Blocs” não seria entoado com tanta força como nas últimas manifes-tações.

A nosso ver o movimento anarquista tem sido mal dimensionado há vários anos. Nesses protestos vimos que os anarquistas são tão grandes quanto qualquer outro movimento que exista no país. Como e por que vocês ficaram tanto tempo sem serem no-tados?

Acredito que ficamos bastante tempo sem sermos notados pela grande omissão da mídia em relação aos movimentos sociais no país e também devido a grande falta de apoio popular. Muitos participantes do Black Bloc já estão há anos militando e participando em di-versos projetos sociais/libertários, estão presentes em várias intervenções urbanas, ocupações, em movimen-tos de base.

Vocês têm estratégia de ação ou tudo é feito, de fato, na espontaneidade?

Existe uma organização prévia, mas devido o movi-mento ser recente e a atual repressão, não é possível seguir toda a deliberação.

Quem são os seus inimigos? Nós somos contra qualquer autoritarismo. Temos

como inimigos aqueles que se colocam acima dos ou-tros, não aceitamos que ninguém tenha poder sobre nin-guém. Acreditamos na solidariedade, liberdade e justiça. Queremos a democracia direta, com organização e sem autoridade. Nossos inimigos são os que humilham, os que não respeitam o próximo, os que tiram a igualdade e impõem sobre a população o que acham certo. Nós luta-mos contra tudo o que reprime. Reivindicamos o direito da sociedade e damos voz e apoio ao povo.

As ideias por trás das máscaras

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“ Acreditamos na solidariedade, liberdade e justiça”

Muita gente discorda do confronto com a polícia. Como vocês encaram o confronto? Mesmo em menor número e poderio vocês não deixam de ir para cima. Existe alguma es-tratégia nisso?

O confronto chega a ser inevi-tável, uma vez que sempre há o total despreparo da polícia nas manifestações, agindo sempre covardemente. Pode-se esperar resistência diante de qualquer atitude opressora da polícia.

Defina “Ação Direta”. Ação direta seria a forma

imediata de impedir certas or-ganizações e mecanismos a continuarem suas práticas que ignoram os reais anseios da so-ciedade e são trocados por inte-resses de poucos.

O que significa quebrar pa-trimônios para vocês? Vocês veem isso como solução ou simplesmente acontece no ca-lor do momento?

Quebrar seria atingir as gran-des corporações e mecanismos causando prejuízos no âmbi-to financeiro, e não se trata de uma solução, e sim de uma con-sequência da ação direta.

Nossos alvos em geral são multinacionais e adjacências. Acreditamos que essas empre-sas provoquem a infeliz sepa-ração de classes, evidenciem o

preconceito e elevem a falta de respeito entre as pessoas.

Observamos que as picha-ções e destruição aconteciam em bancos, radares, prédios de grandes empresas en-quanto que outras institui-ções e monumentos (como os camelódromos e monumento do Zumbi dos Palmares, no Rio de Janeiro) permaneceram intactos. Isso foi deliberado? Qual o conteúdo político des-sas escolhas?

É bom deixar claro que o Bla-ck Bloc é um movimento anti-capitalista e portanto nossa luta é contra grandes corpora-ções e mecanismos opressores. Não nos interessa atacar a pe-quenos comerciantes, sempre é evitado atos que visam preju-dicá-los. Também é importante vincular as mobilizações com uma luta cotidiana diária, con-tra os efeitos do capitalismo.

Como vocês se veem repre-sentados pela mídia?

A mídia está apenas para atender aos interesses da clas-se dominante, não aos nossos. Não apenas o Black Bloc, mas muitos movimentos sociais são sempre criminalizados. A mí-dia deseja ver todos quietos e mantendo a ordem que fazem questão de ditar a cada segun-do.

*Entrevista realizada pela equipe da Vírus. Colaborou José Roberto Medeiros

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Educação Estadual na luta!

36 anos

Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro

Escolas municipais do Rio vão parar no dia 8 de agosto e assembleia no América pode decidir greveOs profissionais de educação das escolas municipais do Rio farão uma paralisação de 24 horas no dia 8 de agos-to. Neste dia, haverá uma assembleia na sede do América Futebol Clube (Rua Campos Sales 118 – Tijuca), na qual a categoria irá decidir pela entrada ou não da rede municipal em greve.

Até hoje, a prefeitura não concede reajuste há mais de um ano e nem iniciou a negociação salarial com a categoria, que reivindica reajuste de 19%. Veja o que a rede munici-pal do Rio reivindica:

1 - Reajuste de 19%; 2- Plano de carreira unificado já!;3 - 1/3 da carga horária para planejamento; 4 - Fim da meritocracia.

Os profissionais das escolas estaduais também vão parar por 24 ho-ras no dia 8 de agosto para lutar pela derrubada do veto do gover-nador Sérgio Cabral ao artigo do Projeto de Lei 2.200, que garantia uma escola para cada matrícula dos professores da rede estadual.

Também faz parte das reivindicações da categoria a garantia do 1/3 para planejamento dos professores, conforme determina a Lei do

Piso Nacional.

A categoria também protesta contra a proposta da SEEDUC de Edu-cação à Distância para a Educação Básica, que institui um percen-tual de 20% de aulas semipresenciais para os alunos. A proposta, claramente, é uma tentativa do secretário Risolia de maquiar a ca-

rência de profissionais na rede. Ao invés de abrir concurso público, ele e o governador Cabral querem promover um verdadeiro roubo

de conhecimento dos alunos das escolas públicas estaduais.

Rede municipal de educação do Rio em estado de greve

Rede estadual também vai parar em agosto