edição 13 vírus planetário completa

36
O escritor e ativista além das lentes da mídia grande ENTREVISTA INCLUSIVA com Cesare Battisti nº13 R$3,00 VÍRUS PLANETÁRIO Porque neutro nem sabonete, nem a Suíça edição nº 13 fevereiro/março 2012 Reservas indígenas sofrem com constantes ataques do latifúndio no estado Nosso repórter conta como vai o país 20 anos após o fim da URSS Mato Grosso do Sul A questão indígena Viagem à Rússia de guernica a são josé dos campos A Barbárie de Pinheirinho Expressões do Hip-Hop e Poesia ganham cada vez mais espaço através da mídia alternativa e internet Periferia ganha a cena cultural EDIÇÃO DIGITAL

Upload: revista-virus

Post on 18-Feb-2016

235 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

edição 13 (fevereiro/março 2012) da revista Vírus Planetário completa

TRANSCRIPT

Page 1: Edição 13 Vírus Planetário completa

O escritor e ativista além das lentes da mídia grande

ENTREVISTA INCLUSIVA com

Cesare Battisti

nº13

R$3,00VÍRUSPLANETÁRIOPorque neutro nem sabonete, nem a Suíça

edição nº 13 fevereiro/março

2012

Reservas indígenas sofrem com constantes ataques do

latifúndio no estado

Nosso repórter conta como vai o país 20 anos após o fim da URSS

Mato Grosso do SulA questão indígena

Viagem à Rússia

de guernica a são josé dos campos

A Barbárie de Pinheirinho

Expressões do Hip-Hop e Poesia ganham cada vez mais espaço através da mídia alternativa e internet

Periferia ganha a cena cultural EDIÇÃO DIGITAL

Page 2: Edição 13 Vírus Planetário completa

Além de editar a Vírus, a Malungo também realiza atividades de comunicação (edição, reportagens, diagramação, construção de sites, artes gráficas, entre outros) para organizações, sindicatos e outros movimentos sociais.

SIGNIFICADO DE MALUNGO:

Companheiro, camarada.Nome que se davam mutuamente

os escravizados vindos da África no mesmo navio.

Pelo simbolismo da força que este nome carrega, trazendo ao

mesmo tempo o espírito de luta e de companheirismo presentes em

nossas raízes negras e africanas, é que escolhemos este nome para

batizar nossa editora.

Que seja mais uma etapa na árdua, mas recompensadora, caminhada pela comunicação construtora de

um mundo em que haja felicidade para todas e todos.

Em agosto do ano passado, o coletivo da revista vírus planetário abriu sua própria editora:

Comunicação e Editora

Caso deseje contratar os serviços da Malungo, entre em contato pelo email:

[email protected]

Por Laíssa Gamaro - www.estudiocosmonauta.com.br

Por Pedro Machado

traço livre

Page 3: Edição 13 Vírus Planetário completa

>Envie colaborações (textos,

desenhos, fotos), críticas,

dúvidas, sugestões e opiniões

para

[email protected]

A partir da próxima edição,

inauguraremos uma seção de

cartas de leitores.

Queremos sua participação!

EditorialEnquanto o mundo explodeEntramos em 2012! E não é que o mundo não acabou?! Quer dizer, te-

mos sinais apocalípticos de destruição da humanidade, como Pinheirinho, mas este e tantos outros episódios não reduzirão nosso ânimo, em nome da crença que carregamos. Sim, um outro olhar é possível...

Pelo viés da Arte, traçamos a mescla entre rap, poesia e uma ideia de outra periferia, a partir do atual cenário na capital paulistana, com os artistas Criolo, Emicida e Sérgio Vaz.

A Entrevista Inclusiva é com Cesare Battisti. Acuado por todos os la-dos, o ex-guerrilheiro italiano encontrou respaldo no Fórum Social Temáti-co deste ano. Além desta entrevista especial, esta edição também conta com matéria de estreia da nossa redação de Campo Grande (MS). Além deles, contamos com participantes do Rio, Brasília e São Paulo.

Voltando ao Pinheirinho, foi reaberta a safra de remoções. E o fato coube ao governador de São Paulo Geraldo Alckmin e seu fiel prefeito de São José dos Campos Eduardo Cury. Ambos têm feito de tudo para tirar as lentes de cima dos crimes iniciados em 22 de janeiro, mas partilhamos o título do poema abixo. No final das contas, interessa que a utopia está entranhada nas almas de todos nós.

“A utopia está entranhada na minha alma”“Entre mortos e feridos, não se salvaram todosReerguidos, ainda marcham fúnebres os tolos

Criaram o mundo como sua imagem e semelhançaRasgaram todos os véus, esmagaram a esperança

Quando veem um pobre, dizem bate! Bate!Lambe minhas botas, pois é só isso que você sabe.

E não me venha dizer que é cidadãoIdiota, você já nasceu imerso dentro de uma prisão

Isso é realidade, não ironiaA depressão corrói todo o meu dia

Mas encarando a barbárie, resolvi me rebelarSe rebelo, me revelo belo ao revelar

Que os sonhos quem me cativam não são do cativeiroSe um dia fui cativo, hoje sou desordeiro

Só que eles continuam a comer o bolo inteiroE me chamam de ladrão, bicha, maconheiro

Mas pode ter certeza, meu parceiroNão tenho mais tempo para o desesperoSou fé, minha luta nem sempre recebe palmaA utopia está entranhada na minha almaAté a vitória, companheiro!” (Rodrigo Dias Teixeira)

Sumário4 Passatempos Virais

6 Miguel Baldez_Barbárie

7 Internacional_Viagem à Rússia

10 Bula Cultural_Nova cena cultural da

periferia

12 Bula Cultural

13 Sórdidos detalhes

14 Oswaldo Munteal_Universidade

formando cidadãos: PROCURA-SE

15 Traço livre

16 Pinheirinho_Terra Arrasada

18 O Sensacional Repórter Sensacionalista

19 Meio ambiente_”Fora TKCSA”

22 Mônica Lima_Isso é desenvolvimento?_

Privatização do SUS

24 Entrevista Esther Vivas

26 Rio de Janeiro_Metrô Caminhando pelo

desrespeito

28 Entrevista Inclusiva_Cesare Battisti

32 Conheça Mato Grosso do Sul

34 Colaborações

EQUIPE:Coordenação editorial: Artur Romeu, Caio Amorim, Júlia Bertolini, Mariana Gomes e Seiji Nomura Redação:

Rio de Janeiro: Daniel Israel, Felipe Salek, Fernanda Freire, Maira Moreira, Maria Luiza Baldez e Rodrigo Teixeira | Campo Grande (MS): Marina Duarte, Rafael de Abreu e Tainá Jara | Brasília: Thiago Vilela

Diagramação: Caio Amorim e Mariana Gomes Ilustrações: Rio de Janeiro: Carlos D Medeiros - ARTE S.A.- www.umbigogroup.com(Guernica Capa), Carlos Latuff, Diego Novaes, Davi Baltar e Francis Carnaúba; Franca-SP: Pedro Machado; Vila Velha-ES: Laíssa Gamaro e

Leonardo Almenara (estudiocosmonauta.com.br); Santa Maria - RS: Rafael Balbueno (revistaovies.com)

Revisão: Bruna Baldez e Diego Gouvea Colunista: Oswaldo Munteal Colaborações: Miguel Baldez, Mônica Lima, Vitor Rodrigues, Ramón Chaves e Vanessa Marcondes

Conselho Editorial: Adriana Facina, Ana Enne, André Guimarães, Carlos Latuff, Dênis de Moraes, Eduardo Sá, Gizele Martins, Gustavo Barreto, João Tancredo, Larissa Dahmer, MC Leonardo, Marcelo Yuka, Marcos Alvito, Michael

Löwy, Miguel Baldez, Orlando Zaccone, Oswaldo Munteal, Paulo Passarinho, Tarcisio Carvalho, e Virginia Fontes

A Revista Vírus Planetário - ISSN 2236-7969 é uma publicação da Malungo Comunicação e

Editora com sede no Rio de Janeiro

www.virusplanetario.com.br

Curta nossa página! facebook.com/virusplanetario

Anuncie na Vírus: [email protected]

Siga-nos: twitter.com/virusplanetario

Page 4: Edição 13 Vírus Planetário completa

PASSATEMPOS VIRAIS

1 – Primeiro nome do atual Go-vernador de São Paulo, que ordenou a execução do massacre de Pinheiri-nho. Dica: Ele não é engraçado como o Magela, não é e nem quer ser nor-destino como o Azevedo e não está nem aí pra falar das flores como o Vandré.

2 – Nome da empresa que decre-tou falência em um processo frau-dulento e ganhou, através da lógica exclusiva da justiça tucana, o direi-to de reintegração de posse do terre-no do Pinheirinho.

3 – Nome da cidade onde ocorreu o massacre de Pinheirinho.

4 – Nome da operação da Polícia Federal que decretou a prisão do megaempresário dono da Selecta, que posteriormente foi inocentado. Como pedido de desculpas, recebeu do governo tucano a reintegração de posse do terreno do Pinheirinho.

5 – Secretária de Justiça do Esta-do de São Paulo. Um trabalho rela-tivamente simples, pois onde não há justiça, qual a utilidade de uma secretária?

6 – Tipo de direito completamente ignorado no caso Pinheirinho. Aliás, é sempre o primeiro a ser ignorado. Afinal, quem quer defender huma-nos? Vai defender alguma coisa que preste.

7 – Sobrenome da juíza que de-terminou a reintegração de posse do Pinheirinho e, segundo a mesma, se surpreendeu positivamente com a eficiência (sic) da Polícia Militar. Ela não acreditava no potencial da PM-SP de oprimir e massacrar pobres desfavorecidos. Que ingênua, né?

8 – Tropa da Polícia Militar uti-lizada na reintegração de posse do terreno do Pinheirinho. Trocadilho infame: Eles conseguiram CHOCAR o mundo com a brutalidade da ope-ração.

9 – Cineasta que se algemou em greve de fome em frente a uma emissora de televisão contra a omis-são na abordagem do massacre de Pinheirinho. A emissora optou por se omitir quanto ao protesto. RESPOSTAS:

1- Geraldo / 2- Selecta / 3- São José dos Campos / 4 - Satiagraha / 5- Eloisa Arruda / 6 - Direitos Humanos / 7 - Loureiro / 8- Tropa de Choque / 9 - Pedro Rios Leão / 10- Dantas / 11- Naji Nahas / 12- Cezar Peluso / 13- Veronica Serra / 14- Eduardo Cury 15- Privataria / 16 - Tucana / 17-FHC / 18- Rede Globo

PALAVRAS CRUZADAS

1

2

3

4

5

6

7

8

10

9

11

12

13

14

15

16

17

18

R

E

S

I

S

T

E

P

I

N

H

E

I

R

I

N

H

O

10 – Sobrenome de um dos colegas do megaempresário “dono” do terreno do Pinheirinho. Apesar de ter o mesmo nome, não é o ator da Globo. Mas protagonizou, junto com Celso Pitta e o tal megaempresário, uma das maiores falcatruas da história do Brasil republicano.

11 – Até que enfim! Nome do megaempresário dono da falida empresa Selecta, do falido Governo do Estado de São Paulo e da falida Justiça do Estado de São Paulo. Seu primeiro nome parece com o de uma cobra. Qual-quer semelhança é mera coincidência.

12 – Ministro do Supremo Tribunal Federal que negou o pedido de suspensão da reintegração de posse da área do Pinheirinho. Dizem que a maior herança do Império Romano foi o direito. Assim o ministro fez valer seu nome.

13 – Filha do jamais presidente José Serra. Tinha uma empresa em sociedade com a irmã do indivíduo que está no número 10 deste passatempo. Aliás, elas compartilham o mesmo nome e as mesmas denúncias. Só mudam de sobrenome, talvez para despistar.

14 – Prefeito da cidade onde se localiza o Pinheirinho. Com inveja da ação do Governo do Estado no caso, resolveu tirar uma casquinha e serviu comida estragada aos desabrigados.

15 e 16 – Livro de Amaury Ribeiro Jr. que denunciou todo o esquema de corrupção por trás das privatizações no Governo FHC. A maioria das pessoas citadas acima podem ser encontradas lá.

17 – Nosso presidente-sigla, desgovernou o Brasil no período da privataria do PSDB. Segundo alguns analis-tas, o governo do PT deve a ele a grande evolução que o país teve. Nesse caso, era melhor ter involuído.

18 – Rede de jornal e televisão que considerou desimportante falar sobre qualquer tema acima mencionado.

Por Felipe Salek

Page 5: Edição 13 Vírus Planetário completa

PASSATEMPOS VIRAIS

LABIRINTOPor Laíssa Gamaro

Page 6: Edição 13 Vírus Planetário completa

mais frequentes nestes brasis: em Belo Horizonte, a heróica resistência de Dandara, no Rio de Janeiro, a per-manente prática predatória do Prefei-to e de seu fidelíssimo Secretário de Habitação, derrubando com frenético ritmo casas e mais casas da popu-lação pobre da cidade... E são todos religiosos e fiéis a seus respectivos credos... Como se dizia, aliás, de vá-rios torturadores durante a ditadura militar.

Como resistir? Só o povo pode tra-var esta luta, que, sendo estratégica, é libertária, e pressupõe ética e igual-dade substantiva. Mas esta é uma luta que não se trava sozinho. Daí ser fundamental o apoio de todos à gente do Pinheirinho, apoio do povo e das instâncias democráticas do cam-po institucional.

Enfim, em conclusão, um apelo à Exª. Srª. Presidenta da República. Diga, Exª., a esta gente do poder, que a sua prédica pela erradicação da pobreza, além do discurso, é um princípio cons-titucional (artigo 3º da Constituição Federal), e diga também, com forte ê n - fase, que erradicar a pobre-

za não significa acabar fisicamente com os

pobres desta sofri-da nação.

trabalho e capital, pela regulação do direito do trabalho, fica reduzida ao conflito entre empregado e emprega-dor, é assim também que a contra-dição entre o latifúndio ou o agrone-gócio e a posse da terra configura-se como conflito pessoal entre o latifun-diário e o posseiro.

Foi, portanto, com poder político que o poder econômico construiu em torno da terra no Brasil uma quase intransponível cerca jurí-dica, aliás, duas cercas jurídicas, uma cerca morta, tecida com normas constitucionais e leis, pro-duzida por artesãos de variados poderes institucionais, outra viva, representada por juízes, promoto-res e, principalmente, por ferozes policiais bem amestrados que se

revezam com a imprensa como cães de guarda da propriedade privada.

A violenta investida armada contra Pinheirinho não chega a ser uma no-vidade no trato do povo sem terra e sem moradia. Se o espanto e a reper-cussão foram maiores isso se deveu à brutalidade da ação das autorida-des do governo de São Paulo ao mostrarem, sem o menor pudor, a cara horrenda do fascismo.

O re-púdio ao massacre do Pi-nheirinho vem re-forçar o repúdio a todas as situações idênticas cada hora

Algumas questões sobre Pinheirinho e a barbárie contra a população pobre do Brasil

Miguel Baldez é professor do IBMEC, ex-procurador do estado, um dos funda-dores do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e coordenador do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular

– NAJUP

MIGUEL BALDEZ

As aspas são uma referência à pre-sidenta Dilma Rousseff que, segundo dizem os jornais, usou esta mesma expressão para classificar a violência do Estado de São Paulo contra a co-munidade do Pinheirinho em São José dos Campos. Barbárie sim, mas e ago-ra? Como vai comportar-se o governo

federal? Acomodar-se e reduzir o fato em si a mero caso isolado, ou admi-tir, enfim, que não se trata de uma simples exceção política, como pode-ria, até com argumentos conceituais, manter na história do Brasil o atual fingimento democrático que esconde esta sociedade de privilégios e misé-ria cuja origem se perde na gestação colonial de estrutura escravista para projetar-se tempo afora sob o signo fortemente colorido da pobreza de seu povo, de parca alimentação e se-questrada moradia.

A este povo nunca se reconheceu, concretamente, qualquer direito, ape-nas formulações jurídicas, uma bem urdida igualdade na lei.

Pois está na imposição e eficácia da lei abstrata o principal meio de controle da sociedade. É através das leis que se reduzem a conflitos indivi-duais as grandes contradições sócio-econômicas, é assim, como exemplo definitivo, que a contradição entre

“Barbárie”

Ilustração: Carlos Latuff

“ A este povo nunca se reconheceu,

concretamente, qualquer direito”

6 Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 7: Edição 13 Vírus Planetário completa

Sonhos escondidos dentro de sonhos

Viagem à Rússia

Políticos corruptos, empresários pode-rosos controlando vários setores da so-ciedade, idosos nostálgicos de um passa-do tão distante quanto imaginário e uma juventude que não conhece sua própria história.

Não, não estou falando do Brasil. É da Rússia mesmo.

Estive em Moscou durante uma sema-na no gelado começo de novembro (2011).Tudo começa na casa de Ignat Solovey, moscovita, que me hospeda por dois dias.

Dez anos vivendo sob o antigo regime socialista e vinte anos sob o novo siste-ma, o russo analisa criticamente o atual estado do seu país. Como fui até o outro lado do planeta só para aprender mais sobre o antigo regime, convido-o a tirar algumas dúvidas sobre o sistema soviéti-co. Começo a conversa com uma provo-cação: “No Brasil, estudamos Hitler e Stá-lin como ditadores do mesmo patamar...”

Sou prontamente interrompido.

Momentos antes, Ignat já havia me dito que via com bons olhos a queda da URSS e a abertura do regime. Mas, diante da minha colocação, ele foi enfático:

“Não dá para comparar. Era um período histórico diferente, Stá-lin conduziu um grande progresso na nação, não dá para comparar com a perseguição aos judeus e tudo que aconteceu sob o regime nazista”.

“Mas ambos foram ditadores, não?”, insisto, pensando no quanto esta aparente contradição sintetiza a Rússia de hoje. É também a partir dessa premissa que conseguimos entender como Stálin pode ser “bem visto” pelos russos. Stálin foi um ditador, e não se nega isso nas ruas, nem foi o que meu amigo fez. Mas a população o respeita. Basta lembrar, por exemplo, como Vargas é lembrado pela população brasileira, inclusive por grande parte da esquerda.

Os excessos, chamados de “erros de Stálin”, são reconhecidos como tais, mas analisados sob uma perspectiva histórica do que estava acontecendo no mundo. Enquanto na Rússia prisioneiros po-líticos eram enviados para os Gulags (campos de trabalhos forçados), na Alemanha os judeus eram enviados a campos de trabalhos for-çados ou ainda exterminados – simplesmente por sua cultura. Há, sim, o caso do Grande Expurgo e toda a perseguição política da era Stálin, não estou aqui para defendê-lo, mas sim explicar o ponto de vista russo. Cabe ressaltar, acima de tudo isso, que os excessos

internacional

Nosso repórter conta um pouco do que viu numa Moscou depois de 20 anos do fim da União Soviética

Foto

: T

hia

go

Vil

ela

Por Thiago Vilela

7Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 8: Edição 13 Vírus Planetário completa

são infinitamente me-nores do que divulga a mídia ocidental. Há muita literatura, mes-mo conservadora, para quem se interes-sar sobre o assunto.

Uma questão que sempre me afligiu era relativa à publicidade

soviética. Pelo que estudamos nos livros, confesso since-ramente que sempre imaginei uma sociedade em que car-tazes com os dizeres “Seja Comunista!” ocupavam todos os espaços da vida pública. Nada mais longe da verdade.

Sociedade totalitária é a nossa, onde vivemos mergu-lhados num inferno publicitário 24 horas por dia. Ou você consegue ficar 5 minutos sem ver um anúncio? Até nesta revista somos obrigados a colocar anunciantes, basta vi-rar a página! (mentira, só temos duas propagandas nessa edição).

Visitando os museus e lendo livros sobre o assunto (“lendo” entre aspas, né, porque era tudo em russo...), per-cebi facilmente que existia publicidade dos mais diversos produtos, assim como havia na sociedade ocidental, de cigarro a itens luxuosos. Sim, esse tipo de exposição fa-zia parte do cotidiano da população. Todos os itens, ob-viamente, fabricados na URSS e em cooperativas de tra-balhadores. Destaque para a publicidade na era da NEP*, quando “desvios burgueses” eram não só defendidos como promovidos pelo governo.

Outra história muito difundida é sobre o racionamento de comida/produtos no período soviético, que levava a filas enormes e muita dificuldade em se conseguir itens básicos.

Almir, brasileiro, estudante e estagiário em um campo de exploração de petróleo na Bielorússia entre 1974 e 1985, conversou comigo e contou um pouco do que viu na épo-ca:

“Eles [os soviéticos] gostavam da ex-pressão “u nas vció iêst” – nós temos tudo. Claro que era necessário ter paci-ência para fazer as compras. Lembra do plano cruzado no Brasil (1986)?. A diferença para a situação brasileira é que na URSS todos podiam consumir. Se havia fila é porque havia o produto, e é assim em qualquer lugar do mundo.”

Por causa da “dificuldade” de se ob-ter o necessário para casa, as pessoas compravam muito e tinham o mau hábito de estocar, o que por vezes ampliava o problema. Moscou é a capital, e por isso pessoas vinham do interior fazer compras e as lojas ficavam lotadas”, lembrou ele.

A única fila realmente quilométrica que eu presenciei foi para visitar o túmulo de Lênin.

Hoje está surgindo na Rússia o mesmo processo que culminou na queda da União Soviética: uma crise de hegemonia. É essen-cial, portanto, que nos debrucemos sobre este assunto para entender os processos que estão se formando ou que poderão sur-gir.

Foram vários os motivos que levaram àquele fatídico 25 de dezembro de 21 anos atrás, o que torna ainda mais difícil a tarefa de encontrar uma explicação, numa socie-dade onde a saúde e a educação tornaram-se exemplos mundiais. A indústria cresceu “como nunca antes na história daquele país” e a população abaixo da pobreza, ainda no ano de 1975, era de apenas 1,5%.

Ou, mais provável, pode parecer muito di-fícil acreditar em todos esses números.

Só a título de comparação, de acordo com o último Censo dos EUA (2010), o atual nível da população abaixo da linha da pobreza no país norte-americano é de 15,1%. Na atual Rússia, a taxa é de 13,1% (dados do Instituto Levada, um organismo russo independente).

Muitos acusam as mudanças promovidas pela Perestroika e Glasnost devido à derro-cada do regime. O fato é que o Partido Co-munista ficou de tal modo dividido, que já não era possível convencer a sociedade de sua concepção de mundo – simplesmente porque já não existia uma. Existiam várias.

Este questionamento era essencial para que o sistema continuasse evoluindo, mas o processo acabou sendo apropriado por al-gumas poucas pessoas, que se aproveitaram da situação para dar um golpe e derrubar o regime.

Dessa maneira, um processo que pode-

Praça Vermelha. À esquerda, Catedral de São Basílio. À direita, Mausoléu de Lênin e muro do Kremlin. Foto: Thiago Vilela

Filas abomináveis

História

Uma mentira contada mil vezes...

“ Os russos analisam

criticamente a situação

atual do seu país.”

internacional

8 Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 9: Edição 13 Vírus Planetário completa

ria trazer consequências positivas para toda a sociedade foi completamente esmagado durante uma década. Enquanto isso, os russos foram forçados a mergulhar de cabeça na ideologia neoliberal. Privatizações, estado mínimo, e tudo isso que já sabemos, foram postos em prática enquanto a popu-lação, atônita, assistia a tudo e se perguntava: “É esse, afinal, o tal capitalismo?”.

Eis então que, em 2001, aparece no cenário político o Par-tido da Rússia Unida, liderado pelo atual primeiro-ministro e ex-presidente Vladimir Putin. Não foi por acaso que ele con-seguiu tantas vitórias eleitorais. Seu canto é muito sedutor, com um discurso de união e uma política nacionalista e uma posição contrária à hegemonia ocidental no país. O fato de Putin ter sido da KGB e membro destacado do antigo regime, auxilia ainda mais na criação deste imaginário do “nós contra eles”, como se o Partido da Rússia Unida representasse to-dos os interesses da população frente a um inimigo externo

imaginário.

Nos últimos meses, entretanto, um novo cenário político está se moldan-do. Desde o episódio de fraude nas eleições parlamentares russas, em dezembro de 2011, milhares de pessoas têm se reunido por todo o país para exigir novas eleições, a liberta-ção dos presos políticos, a elaboração de uma nova legislação eleitoral - dentre diversas outras pautas.

Mariana Fagundes, estudante brasileira de intercâmbio em Novosibirisk, na Sibéria, já participou de três manifestações nos últimos dois meses: “A população jovem se opõe ao mé-todo de líderes no poder por longos períodos de tempo, como o Putin ou os líderes soviéticos. Mas, ao mesmo tempo que não gostam da palavra socialismo, a maioria usava a fitinha do partido comunista nas manifestações”.

O Centro Nacional de Estudo da Opinão Pública da Rús-sia (VTsIOM) realizou, em 2007, uma pesquisa sobre o que a população achava da ideia de reedificar o socialismo na nova Rússia. A pesquisa apontou que 46% apoiam a ideia, enquanto 17% acham razoável e 37% não consideraram uma boa saída para o país.

“Sempre há, também, muitos idosos (nas manifestações) e eu acho isso o máximo, mostra o quanto todos os russos são politizados e que eles têm consciência do que se passa com o país. É bem diferente de nós brasileiros, em que a maioria das pessoas em manifestações políticas são apenas jovens e o pessoal mais velho que participa é até criticado”, completa Mariana.

*NEP - Nova Política Econômica, foi a política adotada por Lênin no pós-Guerra para recuperar a economia russa. As pequenas propriedades e o livre comércio fo-ram incentivados. A frase “Dar um passo atrás para dar dois passos à frente”, dita pelo próprio Lênin, reflete exatamente o objetivo da NEP, um programa de transição para continuar avançando rumo ao socialismo.

Manifestação no dia 24/12 em Moscou contra fraude nas eleições | Fotos: Anna

Kucherova (via Flickr)

“ Desde a fraude nas eleições parlamentares russas, milhares de pessoas têm se reunido para exigir novas eleições, além de outras pautas.”

9Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 10: Edição 13 Vírus Planetário completa

Bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

Por Rodrigo Teixeira e Caio Amorim

Crio

lo em

seu sh

ow

no

Circo

Vo

ad

or (R

J) no

dia

4/2

. À

direita

, Dj D

an

Da

n| Fo

to: R

od

rigo

Teixeira

Tornou-se comum no interior das revistas de crítica musical, em páginas e veículos de comu-nicação diversos a avaliação de que estaríamos em um novo momento do Rap no Brasil. Foi-se o domínio de uma “velha escola”, a qual teria como seus principais representantes o Racionais MC´s, Facção Central, Sabotage, GOG, Rappin Hood, dentre outros. Agora seria o momento de uma “nova escola”, com novas letras, nova sonorida-de, e também, novos expoentes. Em abril de 2011, a Época estampou com grande destaque a ma-

téria “O rap virou pop: es-queça a militância política. Os novos astros do gênero querem falar é de amor e amizade”. Em que medida esta definição é apenas um rótulo de mercado, ou realmente estamos em pro-cesso de transformação do ritmo e poesia?

Grandes nomes da “nova escola” fizeram parte da ma-téria da Época, algo que po-deria ser destacado como “controverso” no mundo do rap, já que grande parte dos rappers preferem boicotar a mídia grande. Mano Brown,

líder do Racionais MC´s e old school, estrelou a regravação da música “Umbabarauma” em comercial da Nike, com a qual assinou contrato e irá lançar um tênis com seu nome parte da coleção “WFC” (World Football Collective). Criolo, o princi-pal expoente da “nova escola”, também teve o clipe de sua música “Subirusdoistiozin” patrocinado pela empresa escra-vista. Assim, se levarmos em consideração um vínculo direto, sem mediações, entre arte e postura política, provavelmente veremos diversas contradições tanto na “velha” quanto na “nova” escola do rap.

Um dos destaques da atualidade é a emergência de novos espaços de socialização de cultura, como a “Rinha de MC´s” e a Cooperifa. Na rinha cada MC deve através de improvisa-ções, conhecidas como freestyle, derrotar o seu oponente. Foi dali que surgiu o apelido de Emicida, acostumado a “ma-tar” seus adversários no palco. A Cooperifa, a “cooperativa da periferia” que não é muito bem uma cooperativa, talvez seja um dos principais movimentos culturais populares surgidos nos últimos tempos. Um grupo de amigos fundou um novo sarau de poesias no “Bar do Zé Batidão” no Jardim Guarujá, em 2000. Lá também eram realizadas exposições de fotogra-fia e performances teatrais. Todas as quartas, a partir das 21 horas, quando os trabalhadores já tinham chegado do seu batente, a poesia aquecia no frio da noite, a periferia.

Periferia ganha novamente cena cultural:Modismo ou Revolução?

Novamente sob o brilho dos holofotes, músicos como Criolo, Emicida e poetas como Sérgio Vaz se equilibram entre o mainstream

e a mídia alternativa.

“ Acho que a maioria

dos homens que frequenta

a Cooperifa tem um

perfil menos machista. ”

10 Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 11: Edição 13 Vírus Planetário completa

a divulgação do cartaz “Os mortos de Pinheirinho não me deixam comer”, entregue por ativistas que apoiaram a greve de fome do jornalista Pedro Rios em frente a Globo, deram um toque de rebeldia ao espetáculo. Entretanto, o altíssimo preço do show (40 reais antecipado, chegando a marca de 120 na hora na mão dos cambistas), o tra-tamento desrespeitoso da produção do artista com a imprensa alternati-va, ficam como marcas negativas. Ver o público mais vinculado Rap e Funk isolado, sem sequer poder assistir o show de perto, enquanto muitos es-tavam lá como uma “noitada da lapa”, merece profunda reflexão. O Rap deve avançar mas sem perder suas raízes.

Somos a contra-indicação do carnaval / Quilombola do tambor digital / Fênix da cinza de quarta, total / O MST da rede social / Sabemos de onde vem as crianças, alarma / Assim como eles sabem de onde vem as armas / A grana do judeu, petróleo árabe e negócios / Mas o suor é sempre nosso, tio / Vai ter 157 lá Enquanto a UNICEF vier depois das HK / Sem blefe, sem teoria / CDF do que não presta: olha pra esse lugar / E os rappers “brinca” de cafetão / Histórias e espumantes, comemoram a própria extinção / Nós corre mais que Alan Prost / O prêmio não é depressão, que põe pra baixo / Tipo a sombra do ghost, a nova tropicália / Velha ditadura, nossa represália / Fuga da vida dura, ação necessária / Por nossa bandeira: Isso é a reforma agrária da música brasileira, porra!

Produziram-se um documentário, uma coletânea com 43 autores (“Ras-tilho de Pólvora”), um CD de poesia falada e mais de 50 livros lançados, além de eventos e mostras culturais. Para o poeta Sergio Vaz, um dos prin-cipais agitadores culturais que fortifi-caram a Cooperifa, acredita que uma das demonstrações mais fortes da tentativa de transformar a poesia em novos atos e práticas seja o “Ajoelha-ço”. Lembrando o Dia Internacional da Mulher, 8 de março, os homens pre-sentes na Cooperifa se ajoelham dian-te das mulheres e pedem perdão pelo machismo imposto por eles e pela so-ciedade em geral: “Tenho certeza de que é uma das noites mais poéticas da periferia de São Paulo. Acho que a maioria dos homens que frequen-ta a Cooperifa, até pela história que a gente construiu, tem um perfil menos machista, e se ajoelham em respeito, porque sabem o quanto a mulher é humilhada no seu cotidiano. Praticar o que se fala é o lema da Cooperifa. Sa-bemos também que é muito pouco, mas estamos aprendendo praticando”, disse o poeta.

Em entrevista no programa “Pro-vocações” da TV Cultura, perguntado se era “da direita ‘moderna’ ou da es-querda ‘moderna’”, Emicida respondeu “eu sou o povo cara, o povo tá no meio, perdidinho.” Abujamra replicou, “Não, no meio... Quem está no meio cai para a direita; cuidado, a vida não é assim tão vitoriosa como você está”.

Felizmente a postura do rapper ao ganhar o prêmio de “melhor artista do ano” no VMB em outubro de 2011, pro-duzido pela emissora MTV, demonstra uma forte postura contra o monopólio

dos meios de comunicação e difusão da cultura. Esperamos que continue assim, e como na sua crítica ao mas-sacre do Pinheirinho, não esteja ape-nas no meio do povo, mas ao lado de suas lutas.

Com o Circo Voador lotado, Criolo fez um show marcante em sua última pas-sagem no Rio de Janeiro no dia 4 de fe-vereiro. Tendo a abertura do Kurumim, a noite ficou completa com a entrada do mais novo “super star” abençoado por Chico Buarque e por prêmios na MTV. Se a poesia de suas letras mes-clada à diversidade de estilos promovi-da pela excelente banda que o acom-panha não bastavam, a veneração de Bob Marley através de uma camiseta,

Confira o belo discurso de Emicida ao ganhar o prêmio de artista do ano na MTV

Show Criolo

A antropóloga, professora de história da UFF e militante social, Adriana

Facina prefere colocar alguns ‘pingos nos i’s’: “Acho o caso do Mano

Brown diferente do Criolo. O Mano Brown pode vestir mil Nikes, que

tudo que ele fez pela arte e cultura de periferia não vai deixar de valer

por causa disso. No caso do Criolo, acho que já é um pouco diferente,

ele é um cara que não tem essa mesma estrada, e está chegando muito

forte de uma maneira muito voltada pra um grande mercado, o que

implica em concessões artísticas e políticas.”

A estudiosa também destaca o papel transformador desses coletivos

de cultura em diversos locais do Brasil: “O Bar do Zé Batidão (onde ocorre

a Cooperifa) era um lugar onde tinha tiroteio. E hoje, você vai lá na

quarta-feira à noite e você vai encontrar famílias, crianças, velhos, única

e exclusivamente reunida pra falar poesia, fazer arte, pensar a vida a

despeito da dureza. Essa transformação do local é muito revolucionária.”

“Esses movimentos de arte popular - sempre coletivos - mostram

possibilidade de construir relações humanas diferentes.” - destaca

Adriana. Além disso, o investimento público ainda não chegou a

essas iniciativas, como reclama a antropóloga: “Com um movimento

desse com tanto impacto e zero de dinheiro público, por que a gente

precisa de políticas públicas que paguem milhões pra shows como

Ivete Sangalo ou pra um blog da Maria Bethânia? Esses latifúndios

culturais precisam ser discutidos. A gente tem que pensar o que

quer pro Brasil, se é uma Bethânia fazendo blog de poesia ou se são

centenas de Cooperifas espalhadas por aí.

* Confira a entrevista completa com Adriana Facina em nosso site:

www.virusplanetario.com.br

Pesquisadora Adriana Facina analisa o

movimento de arte da periferia

Rep

rod

uçã

o d

e T

V

11Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 12: Edição 13 Vírus Planetário completa

Bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

Contraindicações

Guia politicamente incorreto da América Latina / Leandro Narloch e Duda Teixeira. Editora Leya.

Num panfleto conservador e mal escrito, o qual define como características de um ‘bom latino americano’ “Cul-tuar heróis perversos. [Pois] Quanto mais bobagens eles falarem e quanto mais sabo-tarem seu próprio pais, mais estátuas equestres e estam-pas em camisetas serão fei-tas em sua homenagem”, dois detentores de diplomas de jornalismo utilizam pala-vras com o objetivo de dis-seminar preconceitos e gerar lucros.

Como disse o jornalista Fernando Morais em um debate, o livro deveria conter uma errata explicando que “ele se chama Guia Politicamente Correto por-que está remando a favor da maré e absolutamente a favor do vento que sopra na imprensa, especial-mente na Revista Veja”. Não é a toa: Leandro Nar-loch é ex-jornalista da Veja e Duda Teixeira é editor assistente da Veja em São Paulo.

IndicaçõesLivro Poesia Favela

Em outubro de 2010, aconteceu na UERJ, sob a co-

ordenação de Adriana Facina, Vitor

H. Pereira e Mirna Aragão, o festi-

val Poesia Favela com o objetivo de

valorizar a arte das favelas.

A experiência foi tão rica e sen-

sibilizadora que rendeu um livro

reunindo os principais poemas dos

participantes do festival e de refe-

rências na literatura das periferias.

“Favela que escreve/ Favela que

lê/Favela que canta/ Favela que

fala/ Favela que traça/ Favela que

inspira.” – Esse é o lema do livro

que pretende mostrar a favela

para além dos problemas, da po-

breza, da violência. Provar que o povo pobre das favelas e peri-

ferias é tão ou mais humano, solidário e poético como em qual-

quer outro canto da cidade. Ressignificar o sentido da palavra

Favela que deve ser de orgulho de suas raízes e da luta de um

povo sofrido e guerreio para transformar a sociedade, buscando

o fim das injustiças sociais.

O livro conta com participações de poetas como Sérgio Vaz, Se-

verino Honorato, Valéria Barbosa, Deley de Acari, além de músi-

cos como Mc Leonardo, Mano Teko e Delírio Black.

Em breve será disponibilizado para download em pdf no blog do

evento-ocupação: http://poesiafavela.blogspot.com/

Carlos Marighella – quem samba fica, quem não samba vai embora

Vai, Carlos, ser Marighella na vida!

Esta frase tornou imortal o político e

guerrilheiro que combateu duas dita-

duras militares no Brasil. Em dezem-

bro de 2011, foi lançado um filme sobre

a obra que foram seus 58 anos de vida.

Carlos Marighella – quem samba fica,

quem não samba vai embora (2011, 90

min.), do documentarista Carlos Pron-

zato, presta homenagem ao centenário

do ativista baiano e traz diversos rela-

tos de quem acompanhou o militante

até a última batalha. Sobretudo, Clara

Charf, viúva de Marighella. Já no final

do documentário, ela aparece em ato à

memória do marido, no local onde foi assassinado, em 1969.

Confira o blog do filme: www.marighella100anos.wordpress.com

ingerir em caso de marasmo ingerir em caso de repetição cultural

ingerir em caso de alienação

POSOLOGIA

manter fora do alcance das crianças nocivo, ingerir apenas com acompanhamento médico

extremamente nocivo, não ingerir nem com prescrição médica

12 Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 13: Edição 13 Vírus Planetário completa

Quem é estudante da USP parece que ainda vai passar por maus bocados nas mãos dos PMs, que tomaram o campus da universidade. O último caso noticiado – e de causar espanto - foi a agressão física aplicada ao estudante Nicolas Menezes Bar-reto, que se negou a mostrar ao policial militar a carteirinha da USP, comprovando que ele é aluno da instituição. Claro que a história tem um detalhe a mais: o aluno era negro. O sargento André Luiz Ferreira foi afastado do cargo. Mas gente, quanta revolta! Foi por coincidência que o PM, gente de bem, foi justamente no único negro entre 20 estudantes, né mesmo?!

Como se não bastasse, a direita também já mostrou a cara entre os próprios universitários. Os estudantes que defenderam o afastamento dos PMs do campus, após a prisão dos três alunos que estavam com maconha na USP, receberam um aviso de grupos extremistas: “Atenção, drogado: se o convênio USP-PM acabar, nós que iremos patrulhar a Cidade Universitária! Maconheiro: Aqui você não terá paz! Se te pegarmos consumindo drogas, enfiaremos tudo no seu rabo!”. E viva a PM na USP pra garantir a segurança dos estudantes de bem! Veja reprodução dos panfletos aqui: www.verd.in/yq0c

Deixando os assuntos naturalmente polêmi-cos do BBB à parte – como a submissão às or-dens do “adorável” Boninho e provas que colo-cam a integridade dos participantes em risco-, a 12ª edição do programa colocou em pauta o tema do estupro. As opiniões formuladas a respeito beiram ao insano. Para alguns, a par-ticipante Monique teria culpa. Os comentários giram em torno do princípio de que Monique não deveria ter bebido tanto, se quisesse evitar uma situação constrangedora e invasiva.

O fato é que nunca o comportamento de uma mulher diante de uma situação de estupro pode ser considerado convidativo e, portanto, dar ao agressor uma justificativa. Caso contrá-rio, os homens teriam um direito tal sobre o corpo das mulheres que elas talvez nunca mais teriam liberdade - se é que um dia já tiveram!

Criminalizar foi apelido para o que a mídia corporativa - espe-cialmente a Globo - fez na greve dos policiais da Bahia e do Rio de Janeiro e dos bombeiros do Rio (no momento do fechamento desta edição, o Cabo Benevenuto Daciolo e dezenas de outras lide-ranças do movimento estão presos n o presídio de segurança máxima Bangu 1. Daciolo man-tém há mais de sete dias uma greve fome em protesto). Circulou na internet um manual de “Como escre-ver sobre as greves”. As más línguas (na verdade, as boas!) dizem que foi a Rede Globo que or-ganizou este guia e distribui entre as redações da mídia grande. Em nosso site, você pode conferí-lo na íntegra: www.verd.in/k9fb . Veja abaixo um trecho:

“Nos atos públicos reduza em média em 80% a estimativa fornecida pelos órgãos oficiais. Portanto, se, por exemplo, uma assembléia na Cinelândia tiver 10 mil pessoas, divulgue 2 mil. A comprova-ção é simples: colha imagens (fotos ou vídeos) de um plano alto (Helicóptero ou prédio) no momento anterior ao inicio da assembléia ou no final quando estiver bastante esvaziado.

sórdidos detalhes...

A Mentira varrida pra debaixo do tapete

Se começou com o descaso, a violação mo-ral dos direitos da população pobre de São Pau-lo agora se tornou física e, cada vez mais, abu-siva. A repressão policial – que chegou a níveis absurdos – se espalhou pelo estado. A opera-ção na Cracolândia, a princípio, para recuperar a saúde dos moradores de rua da região, mos-trou-se uma lamentável desculpa quando os guardas do prefeito Kassab escolheram o por-rete como intermediação para internar, inclu-sive, as crianças e os adolescentes envolvidos com as drogas. Parece que o prefeito entende a saúde pública com um viés um tanto quanto tortuoso, não?

Outro tópico é o ataque à moradia. A anti-ga guerra entre os moradores e a especulação imobiliária toma forma no centro da cidade na Favela do Moinho. No fim do ano passado, a co-munidade foi vítima de um incêndio que deixou centenas de famílias desabrigadas. A tática da bolsa-auxílio para os atingidos foi deixada de lado e o único sinal do governo na região são a PM e a Guarda Civil Metropolitana. Uma forma um tanto quanto elegante de convidar os mora-dores a se retirarem do centro da cidade.

Na USP, salve-se quem puder!

estupro no Big brother: A culpa nunca é da vítima!

fascismo em são paulo

criminalizando a greve da segurança pública da bahia e rio de janeiro...

Ilu

stra

ção

: C

arl

os

Latu

ff

Ilustração: Rafael Balbueno (www.revistaovies.com)

Ilustra

ção

: Ca

rlos La

tuff

Page 14: Edição 13 Vírus Planetário completa

Mas faz-se necessário mudar algo mais subjetivo, ou seja, a mentalidade de quem ensina, com o objetivo de chegar ao estudante. Os critérios de avaliação podem se basear no que é correto segundo as aulas, mas tam-bém naquilo que o estudante tem como a sua opinião. A distância não foi exclusiva do Estado diante das carências. O fosso foi também das relações altamente competitivas esti-muladas pelos instrumentos de aper-feiçoamento e capacitação docentes.

Afinal temos colegas ou competi-dores? Professores ou batedores de metas? Alunos ou clientes? Pois é tantas perguntas e poucas respostas. Tanto do poder público quanto da iniciativa privada. O desafio é maior é o de saber o alcance que a sexta economia do mundo quer dar para a sociedade do conhecimento. Um país próspero, com um povo alienado e analfabeto. E a universidade pode ser uma cabeça para o ensino, de ma-neira geral. Um lugar que possibilite a ampliação do debate para os edu-cadores do básico. Uma cabeça para todo o sistema. A denúncia não é nova. Paulo Freire. Darcy Ribeiro e Aní-sio Teixeira já assinalaram para este vácuo.

Um dos maiores desafios do nosso país para o século XXI é o de encontrar uma forma de atuação para o ensino superior, que propicie um alcance para os problemas dos pobres. Pode parecer simplista para alguns simplórios. E é simples mesmo. Porque quem precisa, necessita para ontem. O acesso é um passo importante. Mas e a pesquisa? E a extensão? E o ensino para a graduação? Além do papel da pós-gradua-ção, que é dramático hoje.

Não estamos em busca de fórmulas, é obvio, mas sim de ação. A formação para as elites está relativamente assegurada, o problema agora é que essas elites produzam, e ofereçam retorno aos milhões de brasileiros que jamais freqüentarão os bancos das universidades públi-cas. Há uma sensibilização para o problema em alguns setores da nossa sociedade, mas precisamos acelerar o processo de uma reforma do ensino universitário que ficou nos anos sessenta. É notório que houve um afastamento do ensino superior diante das demandas sociais cres-centes. Por outro lado a oferta de bolsas de estudos, e de programas de inclusão também sinalizam para uma política pública de acerto de contas.

Universidade formando cidadãos:

PROCURA-SE

Oswaldo Munteal é professor de história na UERJ, Facha e PUC-Rio. Pesquisador da FGV,

coordenador do grupo de pesquisa Núcleo de Identidade Brasileira e

História Contemporânea (NIBRAHC)

OSWALDO MUNTEAL

O desafio de construir a universidade para as classes populares

“ Não trocamos conhecimento

por salário, mas sim nossa força de

trabalho ”

Charge: Laíssa Gamaro

14 Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 15: Edição 13 Vírus Planetário completa

Não se pode ter a ambição de estar entre os grandes com a mentalidade da república ve-lha. Pretendemos sim com es-tas palavras rápidas retomar um problema antigo, crônico e violento: o povo brasileiro não faz parte do projeto nacional. A educação superior já teve antes da ditadura militar de 1964, um lugar de formação de quadros para o Estado brasilei-ro. Hoje se transformou numa estufa para o mercado. As re-lações de mercado tem o seu lugar, evidentemente. Mas sem regulamentação se convertem em monopólios, e acabam se assemelhando ao poder públi-co sem a legitimidade da maio-ria. Afinal o mercado não deve se opor aos monopólios? Aon-de está o livre trânsito? Todos podem ser aquilo que desejam ser?

A universidade não deve vender essa ilusão. No ensino superior temos o lugar reser-vado ao debate de idéias sem os cartéis e as corporações. E o professor em todo este pro-cesso? Bem, agora falamos de uma missão e um dever ser diante da vida. Ser professor extrapola o papel imediato da troca. Não trocamos conheci-mento por salário, mas a nos-sa força de trabalho. Enfim os caminhos da universidade hoje dependem de uma ação con-junta entre os movimentos so-ciais e poder público, pensando de maneira articulada sobre o país esperamos com a universi-dade que temos para o século XXI. Os centros de qualidade são indiscutíveis, as qualidades individuais docentes também. A pergunta que fica é a seguin-te: qual a relação da universida-de com o projeto de país que queremos?

traço livre

Por Rafael Balbueno - www.revistaovies.com

Por Leonardo Almenara - www.estudiocosmonauta.com.br

15Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 16: Edição 13 Vírus Planetário completa

“Somos todos Pinheirinho”. Esta foi a frase usada para demonstrar apoio à comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos, que, no dia 22 de janeiro, foi vítima de um massacre des-proporcionalmente violento. Desde 2004, cerca de 9 mil pessoas ocupavam uma área de mais de um milhão de metros quadrados até que, este ano, foram surpreendidas por uma decisão de reinte-gração de posse. A desocupação do terreno foi requerida pela empresa Selecta e atestada pela juíza Márcia Faria Mathey Loureiro, ignorando a ordem do Tribunal Regional Federal da 3ª região de deter o processo. O investidor libanês Naji Nahas, dono da massa falida da Selecta, deve milhões em impostos para os cofres públicos e se utiliza da área para especulação imobiliária, di-minuindo a sua dívida – o que custou ao povo a sua moradia.

Sob as ordens do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), a ação covarde e ilegal da Polícia Militar ocorreu por volta das 6 horas da manhã de um domingo e sem aviso prévio aos moradores. Aproximadamente dois mil oficiais, incluindo a Rota e a Tropa de Choque, enfren-taram os moradores do Pinheirinho. Os policiais

contavam com helicópteros, balas de borracha, gás lacrimogêneo, armas de efeito moral e, até mesmo, letais – e todas foram usadas contra a população. A diferença de forças resultou em uma repressão cruel: nem mesmo as crianças escaparam de sofrer os abusos de violência. Os tratores que haviam sido acionados já destruíam as casas, enquanto os moradores tentavam afastá-los com pedras, em vão. A Guarda Muni-cipal, que coordenou a operação, atirava na resistência e dava tiros ao alto para dispersar o povo. O despejo involuntário e desumano obrigou as famílias a deixarem suas casas e irem a abrigos.

Após ação da Polícia, os moradores e apoiadores de Pinheirinho, denunciavam pelos sites da imprensa alternativa sete mortes. Essas pessoas, segundo testemunhas, simplesmente desapareceram. Não há registro de entrada em nenhum hospital local ou mesmo no Instituto Médico Legal (IML). A suspeita é de que os cadáveres foram ocultados. Quando divulgamos essas notícias pelas redes sociais, algumas pessoas nos questionaram sobre a confirmação das mortes. Respondemos que elas não foram confirmadas pelas “autoridades”. Mas nós, da imprensa alternativa, estamos ao lado dos movimentos sociais. Principalmente quando as informações só são consideradas verdadeiras se vierem de fontes institucionais. A população viu as pessoas baleadas e levadas por policiais. Elas estavam lá e testemunharam os crimes. Além disso, fotos e vídeos mostram policiais utilizando armas de fogo na ação.

direitos humanos

Terra ArrasadaPinheirinho com todas as moradias destruídas | Foto: Coletivo Grupo

Risco

Por Maria Luiza Baldez e Caio Amorim

O Massacre praticado pela PM de São Paulo, removendo com truculência mais de 9 mil

pessoas de suas moradias, mostra que tipo de “democracia” está em vigor no Brasil

16 Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 17: Edição 13 Vírus Planetário completa

Por mais cruel que pareça o despe-jo, este não foi o fim do massacre. Os moradores realocados para os abrigos continuaram a serem molestados pelos policiais com gás de pimenta e lacrimo-gêneo; a situação só mudou quando as famílias foram acolhidas no pátio da Igreja da cidade.

Driblando a censura da mí-dia comercial, ativistas e defensores de direitos humanos utilizaram as redes sociais Twitter e Facebook e blogs para veicular as informações apuradas junto aos ex-moradores de Pinheiri-nho, já que só se tem acesso à versão dos governos e polícia pe-las mídias tradicionais. Fotos e documentá-

rios foram compartilhados por usuários do Facebook, levando a situ-ação a conhecimento internacional. Brasileiros que estavam fora do país organizaram manifestações em apoio à comunidade na França, na Espanha e na Alemanha. Os atos de apoio ao Pinheirinho tam-bém tomaram as ruas de diversas cidades do Brasil, desde São José dos Campos, até São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

No dia 28 de janeiro, a Anistia Internacional lançou uma nota em defesa aos moradores de Pinheirinho. “O que está acon-tecendo no Pinheirinho, lamentavelmente, faz parte de um esquema recorrente de despejos forçados no Brasil, sem que recebam proteção adequada e moradias alternativas”, afirmou Atila Roque, diretor da Anistia Internacional Brasil. “As autoridades brasileiras devem atender imediatamente as necessidades de milhares de pessoas que agora estão sem teto (...) para encontrar uma solução de longo prazo que satisfaça suas necessidades, mais do que vagas tem-porárias em abrigos que desagregam famílias”, acrescentou. O caso foi denunciado pela Justiça Global, que em conjunto com outras organizações de direitos humanos, organizou um relatório de violações entregue à ONU e à OEA. O sena-dor Eduardo Suplicy (PT-SP) leu no plenário do Senado de-núncias levantadas pelo Ministério Público de São Paulo de abusos sexuais e estupro praticados por policiais durante

a invasão. Ainda existem cinco pessoas desaparecidas desde o des-pejo, sendo procuradas por seus familiares: Josefa Jerônimo, Gilmara Costa, Beto (esposo), Lucas Costa e Mateus da Silva. Milhares de pessoas despejadas permanecem sem moradia, até o fechamento desta edição.

Na tarde de domingo, dia 29 de janeiro de 2011, Pedro não conseguia mais ficar em casa

sem fazer nada, depois de ver, e documentar (assista aqui - www.verd.in/l8ij ao curta “Eu que-

ria matar a presidenta”) o massacre aos direitos humanos dos moradores de Pinheirinho, ex-

pulsos pela PM de São Paulo e Guarda Municipal de São José dos Campos.Resolveu fazer a única coisa que achou que poderia fazer. Indignado com a cobertura da

mídia hegemônica, especialmente a Globo – que tratou os moradores de Pinheirinho como

criminosos – se algemou a um canteiro em frente à Rede Globo, na esquina da Rua Von Mar-

tius com Pacheco Leão, no Jardim Botânico, zona sul do Rio de Janeiro e iniciou uma greve

de fome, que durou onze dias, sendo dez deles acorrentados em frente à central de jornalismo

da Globo. Pedro saiu depois de a guarda municipal retirar à força as barracas que o protegiam

do relento. De 29 de janeiro a 9 de fevereiro, ele perdeu 12kg, mas ganhou respeito de muitos

internautas e defensores de direitos humanos que apoiaram a atitude. Pedro avalia que valeu

a pena o esforço que fez para não deixar morrer a discussão de Pinheirinho, segundo ele, a

repercussão foi positiva. Terminada a greve de fome, Pedro ganha mais gás para “lutar contra uma ditadura crimi-

nosa”. O movimento de greve dos bombeiros e servidores da segurança pública é uma dessas

lutas que trava. No início da greve no Rio, Pedro divulgou uma carta em seu perfil do facebook,

confira um trecho: “Por que o governo premia os assassinos de São José, e pune barbara-

mente os rebel- des da Bahia? O Governo pratica essas ações porque muitos dos

senhores viram que o crime não compensa, ninguém quer mais morrer à toa.

Ninguém quer mais ser cão de guarda de bandido engravatado. Essa ideia de

guerra, veicu-lada pela grande mídia, serve para fazer a população escolher

um lado dos oprimidos para odiar e culpar enquanto os bandidos pe-

r i g o s o s mesmo riem da nossa cara. O mínimo que vocês tem que fazer

é depor armas, se recusar a morrer por eles (governantes). A polícia não pode mais ser militar!

11 dias em Greve de fome

“ As autoridades brasileiras devem atender

imediatamente as necessidades de milhares de pessoas que

agora estão sem teto.”

Pedro Rios luta para não deixar Naji Nahas e Geraldo Alckmin saírem impunes Ilustração: Francis Carnaúba

*Veja a cobertura sobre Pinheirinho em nosso site: virusplanetario.net/tag/pinheirinho/

17Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 18: Edição 13 Vírus Planetário completa

*Improvável, mas não impossível.

Por Seiji Nomura

Sempre me disseram que quem escre-ve, o faz para alguém, que sempre imagi-namos uma audiência, mas essa crônica não é endereçada a ninguém. Na hora em que esse remendo de letras estaria saindo das gráficas amanhã, as pessoas estarão ocupadas demais vendo seu último nas-cer do sol para folhear um pedaço de jornal. Quem diria que aqueles malditos maias estariam certos sobre o fim dos nossos tempos?

Às vezes me pergunto se o mundo já não teria acabado. Saio às ruas e vejo as pessoas levando a vida que lhes escorre entre os dedos com a mesma porca deca-dência que nos trouxe onde estamos. Pa-recemos toupeiras subumanas batendo o ponto com uma pasta enfiada debaixo do braço, nosso maior sonho a possível pro-moção. Gostaria de acreditar que há um grito de liberdade encravado em nossas gargantas...

Uma estrela recebe seu fim com uma enorme explosão, vista a milhões de anos-luz, mas quando ligo a TV na hora final desta humanidade ocidental, o que vejo é o que Ai-que Batista falando de seu próximo investimento, com o qual se tor-

nará o último homem mais rico do mun-do. Nesta noite derradeira, ele guardará suas notas com carinho, uma a uma em seu cofre blindado, sabendo que quando acordar tanto fazia ser o mais pobre dos mortais quanto o mais abastado. Talvez explore mentalmente a possibilidade de ir para a lua ou algum delírio esvoaçante, mas é inútil.

Está longe do primeiro a ter essa ideia. Ao saberem que o fim estava próximo,

centenas e centenas desses ricaços sanguessugas lotaram as vagas nos ônibus espaciais para a lua. Cada assento en-cravado no motor, chance quase nula de sobrevivência, não saia a menos de US$50 bilhões — cortesia de uma NASA privatizada. Mesmo os que puderam pagar, de nada adiantou; ao saberem que não haveria lugar para eles, os funcionários acabaram com o pesado esquema de segurança que isolava o local de lança-mento e a massa revoltada, envolta em trapos e miséria, invadiu em alvoroço. Alguns

pilharam os foguetes em busca de sucata, outros só queriam se vingar dos bilioná-rios — estes que com a queda da última máscara humana do capitalismo, quando o trabalho não lhes servia mais de nada, iam deixar a ‘mão-de-obra’ apodrecer numa terra devastada.

Dizem que um grupo ou outro con-seguiu entrar em um dos transportes e partiu, para onde não se sabe; só nos resta esperar que não repitam o insóli-to destino desse mundo carcomido pela poluição e envenenado pelo lixo nuclear. Não tenhamos, porém, muita esperança: uma das espaçonaves levava apenas Eve Amargo e Silvio Sonsos. Uma das minhas alegrias de dentes amarelos será que o

fim dos tempos vai me poupar de ver os dois ‘repovoando’ algum planeta — e a humanidade corroída que surgirá daí.

Nos meus últimos momentos, pensa-rei também, com um sorriso nos lábios, como se tornou irônico o lema brasileiro de “país do futuro”. Estive entre as filei-ras daqueles que defendiam a necessida-de de se instalar usinas nucleares para se ‘diversificar a energia necessária para o desenvolvimento do povo brasileiro’, bem como fui um dos que defendeu a remoção de povos indígenas para construirmos hi-drelétricas... Imaginava eu que minha avó com fogão de lenha precisava de energia nuclear na mesma proporção que os for-nos escaldantes que fundem o ferro da Vale do Rio Doce. É uma amargura ter ouvido os cantos desta sereia azeda cha-mada progresso, sentada em seu trono composto de ossos indígenas, de negros e de brancos.

Hoje, sento em meu sofá e contemplo a chuva ácida corroendo as chaminés de uma fábrica siderúrgica abandonada, o sol fosco e apequenado parece uma irri-sória mancha num horizonte de fumaça. Faço ao progresso um último brinde insa-no com meu whisky vagabundo — Viva!. Esquecendo da vida, disputamos juntos a corrida da competição econômica, sem saber que a sua linha de chegada era o abismo.

Page 19: Edição 13 Vírus Planetário completa

– “Fooo-ra TKCSA! Fooo-ra TKCSA!”

Os estudantes, em que pese a pouca ida-de e a formação inconclusa, tinham clareza do que significava Thyssenkrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico e, sobretudo, tinham clareza do motivo de estarem ali, organiza-dos, exigindo a paralisação imediata das ativi-dades da TKCSA no Bairro de Santa Cruz, na zona oeste do Rio de Janeiro. Como poten-ciais trabalhadores técnicos da área da Saú-de, os estudantes da EPSJV incorporaram a problemática da TKCSA à sua própria pauta de luta política.

Toda aquela agitação fazia parte do pro-cesso de mobilização para o ato com a po-pulação de Santa Cruz em frente ao Instituto Estadual do Ambiente (INEA), que aconteceria em poucas horas no centro do Rio de Janeiro.

O objetivo geral do ato era evidenciar para todo o Rio de Janeiro um problema gravíssi-mo que afeta uma região particular da cida-de; era denunciar para o conjunto da socie-dade os efeitos da construção e do funcio-

A luta de uma população e seus companheiros contra as atrocidades do mega capital.

“Fora TKCSA”

Placa na entrada da TKCSA avisa: “Sua vida depende de você”. Uma ironia mórbida tendo em vista tamanhos danos à saúde da população local gerados pela megaempresa. | Foto: Rafael Duarte (Agência Petroleira de Notícias - www.apn.org.br)

Foi em uma manhã do mês de fevereiro passado. Em sua rotina centenária, o campus Manguinhos da Funda-ção Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), no Rio de Janeiro, acordava aos poucos, num despertar cuidadoso que empurra deli-cadamente o silêncio para longe.

Contudo, o amanhecer ensolarado daquele dia trazia consigo o inesperado, o incomum. Trazia, mais precisa-mente, um grupo de pessoas, trajando máscaras e carta-zes, que caminhava e cantava pelo campus. Seus passos traduziam firmeza e suas palavras – de ordem – transbor-davam inconformismo e determinação.

Concentraram-se em frente à Escola Nacional de Saú-de Pública Sérgio Arouca (ENSP/FIOCRUZ). A aglomeração repentina aturdia a todos que passavam: mestres e mes-trandos; doutores e doutorandos.

Em sua maioria, o tal grupo era formado por estudan-tes e profissionais da Escola Politécnica de Saúde Joa-quim Venâncio (EPSJV/FIOCRUZ), unidade técnico-científi-ca da Fiocruz, que se dedica, principalmente, a atividades de ensino, pesquisa e cooperação social no campo da Educação Profissional em Saúde.

Decididas a romper de vez com o silêncio, aquelas pes-soas cantavam:

Por Vitor Rodrigues e Ramón Chaves*

*Universitários, formados no ensino médio em 2011 na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio

meio ambiente

19Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 20: Edição 13 Vírus Planetário completa

res e movimentos sociais que, desde a época de elaboração desse projeto grandioso, têm se posicionado contra a TKCSA, afirmando sistematicamente sua enorme capacidade de produzir impactos ao ambiente, à saúde, à ge-ração de renda e à cultura.

Entretanto, a Companhia Siderúrgi-ca do Atlântico, pertencente ao grupo alemão Thyssenkrupp Steel – maior produtor de aço da Alemanha e prin-cipal acionista – e em parceria com a empresa Vale – maior produtora de minério de ferro do mundo –, está in-serida no conjunto de novos projetos pensados para o Brasil, por meio do Programa de Aceleração do Crescimen-to (PAC). Esse é um dado particular-mente importante para pensarmos as dificuldades em frear a construção do maior complexo siderúrgico privado da América Latina, com capacidade para produzir anualmente cinco milhões e meio de toneladas de chapas de aço para serem exportadas.

A TKCSA compõe um projeto de de-senvolvimento para o Brasil pautado na construção de grandes empreendimen-tos em parceria com empresas nacio-nais e transnacionais, que colocam o território com data marcada para mor-rer. Igualmente como a transposição do rio São Francisco, igualmente como a construção da usina de Belo Monte.

Curiosamente, parte dos estudan-tes da EPSJV não se apropriou desse apanhado de informações sobre os impactos dos megaempreendimentos e, de um modo geral, sobre as conse-quências do modelo de desenvolvimen-to hegemônico no Brasil somente por meio das aulas e conferências formais disponibilizadas pela Escola sobre essas questões. Muitos deles aprofundaram seus conhecimentos sobre esses te-mas a partir da participação política ativa nos processos de resistência e luta frente a este desenvolvimento a ferro e fogo que predomina no Brasil e que tem na Companhia Siderúrgica do Atlântico talvez seus traços mais cinzas.

namento da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA).

Os moradores de Santa Cruz, ter-ritório historicamente fragilizado da cidade, precisavam tornar públicos os danos socioambientais aos quais estão submetidos, denunciando a ocorrência de dois eventos críticos de poluição, decorrentes de uma falha no funcio-namento de dois fornos da siderúrgica. Eles pretendiam dizer aos técnicos do INEA que o resultado desses eventos foi a poluição do território com mate-rial particulado contendo, dentre ou-tros elementos químicos, Alumínio, Cá-dmio, Ferro, Manganês, Níquel, Chum-bo e Zinco. Pretendiam dizer que esse material, além de causar contaminação em vias hídrica, atmosférica e edáfica, entrou em contato direto com mora-dores da região pelos mais diversos meios – na pele, por inalação, ingestão –, provocando riscos e agravos à saúde da população.

Depois de muita insistência e de uma tarde inteira dedicada a can-tos e palavras de ordem – tais como “pula, sai do chão, quem é contra os alemão” ou “pescadores com atitude, em defesa do SUS e da saúde” –, o INEA cedeu e aceitou conversar com os moradores. Há tempos a população de Santa Cruz esperava ser ouvida pelo INEA. Há tempos exigia ter acesso a informações que a CSA se negava a conceder. Mas, naquele dia, em espe-cial, as donas de casa, os pescadores, os aposentados que vivem há décadas em Santa Cruz queriam mesmo era re-afirmar a necessidade e a importância de não se conceder a licença definitiva para o funcionamento da siderúrgica. Isso porque o funcionamento parcial da planta industrial da TKCSA já vem cau-sando enormes impactos ao território e à população.

Os estudantes sabiam de tudo isso, assim como os moradores, pesquisado-

“ A TKCSA compõe um projeto de desenvolvimento pautado na construção

de grandes empreendimentos que colocam o território com data marcada para morrer. ”

meio ambiente

Protesto em frente ao INEA em fevereiro do ano passado| Reprodução Internet

20 Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 21: Edição 13 Vírus Planetário completa

realidade. Evidentemente, trata-se de uma experiência muito particular, que esteve, e ainda está, no bojo dos conflitos entre Fio-cruz, TKCSA e Santa Cruz. Um aspecto es-pecífico e importante dessa experiência con-siste no fato de convivermos, numa certa proximidade, com as perseguições sofridas pelos nossos professores e companheiros de luta e de trabalho. Refiro-me aos processos judiciais de danos morais movidos pela TKC-SA contra os professores-pesquisadores da Fiocruz Alexandre Pessoa e Hermano Castro e contra a professora-pesquisadora Mônica Lima da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Recentemente, a grande imprensa divul-gou a retirada do processo pela TKCSA. A Thyssenkrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico desistiu de processar os pesquisa-dores por suas declarações técnicas e políti-cas na imprensa. Esse “recuo” – vale desta-car – é fruto da mobilização técnica, jurídica e política de diversas instituições e do amplo apoio dos movimentos sociais críticos que defendem a vida e a liberdade intelectual.

Portanto, a retirada do processo deve ser entendida como uma conquista: a conquista de um fôlego a mais para a luta. Uma luta árdua, que coloca no mesmo lado morado-res, estudantes, pescadores e pesquisadores contra o grande, ou melhor, o enorme, ou ainda, o mega capital. Nessa relação anta-gônica, um dos lados, dominante e opressor, conta com a contribuição da estrutura social e do aparato estatal. Enquanto o outro, do-minado e oprimido, tem como recurso a dis-posição para o enfrentamento, a perspectiva de um futuro melhor, o suor que escorre de seus rostos, a vontade de viver.

Nessa luta entre contrários, nós já esco-lhemos o nosso lado!

Evidentemente, isto não equivale a dizer que as inú-meras aulas sobre saúde ambiental, vigilância em saúde e similares não nos foram importantes neste processo. Com o conteúdo de sala de aula, aprendemos, por exemplo, que após ser recusada no Chile e em alguns estados brasileiros, a TKCSA instalou-se na região da bacia hidrográfica da Baía de Sepetiba, compreendida entre os municípios do Rio de Janeiro, Mangaratiba e Itaguaí, situados no estado do Rio de Janeiro. A área já possuía um histórico de impactos socioambientais anteriores à TKCSA, como o caso do passivo ambiental deixado pela falida Companhia Mer-cantil e Industrial Ingá, que deixou aproximadamente 3,5 milhões de toneladas de efluentes contendo Zinco, Cádmio e Níquel nas águas da baía.

Aprendemos também que a legislação brasileira de-creta que qualquer empreendimento ou atividade lo-calizados em zonas costeiras e/ou áreas de proteção ambiental (APA) devem ser fiscalizados e licenciados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Re-cursos Naturais Renováveis (IBAMA). A TKCSA se enquadra em ambos os casos, e, no entanto, teve a licença provisória concedida pela FEEMA (atual INEA). Além disso, os estudos ambientais necessários para o licenciamento foram consi-derados por diversos pesquisadores como inconclusivos, já que muitos detalhes importantes para avaliar os impactos socioambientais, a saúde da população e a saúde do ter-ritório foram ignorados ou abordados de forma superficial.

Porém, alguns elementos em especial nos foram apre-sentados exclusivamente no processo de luta. Foi na cons-trução e participação de debates, seminários, atos e afins que entramos em contato direto com os moradores de Santa Cruz, seus rostos, sorrisos e angústias; entramos em contato direto com suas questões, seus relatos, seu coti-diano, enfim, sua Cruz cada vez menos Santa.

O nosso envolvimento atuante nos possibilitou expe-rimentar a dinâmica e as tensões da resistência e com-batividade daquela população e de seus companheiros e amigos envolvidos. Alguns estudantes que se aproximaram dessa luta enquanto militantes acabaram por investigar essa questão em seus trabalhos monográficos de conclu-são do curso técnico, em um esforço de tornar indissociável processo de pesquisa e luta política organizada.

Nesse sentido, nossa participação engloba desde atos públicos até a investigação rigorosa e sistemática dessa

Morador de Santa Cruz exibe a poeira metálica lançada no ar pela TKCSA | Reprodução de TV

“ Entramos em contato direto com os moradores de Santa Cruz, seus

rostos, sorrisos e angústias”

21Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 22: Edição 13 Vírus Planetário completa

Mônica Lima é bióloga da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), participa do Fórum de

Saúde do Rio de Janeiro e chegou a ser proces-sada (o processo já foi arquivado) pela TKCSA por protestar contra os

crimes da empresa

MÔNICA LIMA

Isso é Desenvolvimento ?

Direito à Saúde e ao SUS retrocedem em tempos de “crescimento” acelerado

Mesmo possuindo uma ecomonia forte e um programa de crescimento (PAC-Programa de Aceleração de Cres-cimento) a todo vapor, o Brasil ainda possui um sistema de saúde atrasado e programas sociais fragilizados. O que observamos é um caos nacional na saú-de e entendemos que avançar neste ponto significa garantir crescimento so-cial de fato. Os interesses econômicos não podem prevalecer sobre os sociais, mas é o que ocorre quando o Sistema Único de Saúde (SUS) é privatizado ou sucateado, pois assim, o direito básico à saúde é violado. Esse crescimento não se reflete em universalidade, equidade e justiça social e ambiental. A população brasileira, principalmente aquela exclu-ída, que sofre por não conseguir um tratamento digno, prefere que se invis-ta na construção de hospitais públicos ou siderúrgicas e hidrelétricas? Pois é, o governo vem escandalosamente exe-

cutando os mega-empreendimetos, em detrimento da saúde, sem consulta popular e controle social, usando os recursos públicos, inclusive parte dos destinados à saúde

“ O reconhecimento

da saúde enquanto determinação

social é uma importante conquista.”

(utilizando-se da DRU - Desvinculação de Receitas da União - uma forma de flexibilização que foi prorrogada no go-verno Dilma).

Enquanto o SUS é precarizado e negociado com “ONGs/empresas” que gerenciam a saúde com interesses nos lucros, estes projetos vão avançando descompromissados com a saúde. Na mesma lógica mercadológica destes grandes empreendimentos, o SUS, uma grande conquista da população brasi-leira, tem sido transformado em Orga-nizações Sociais (OSs), Fundações Es-tatais de Direito Privado, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), Empresa Brasileira de Servi-ços Hospitalares (EBSERH), e Parcerias Público-Privadas (PPPs). Estas formas privatizantes e os impactos à saúde pública no caso TKCSA exemplifica este modelo de crescimento escolhido para o país.

O crescimento que atenderia aos interesses da população seria aplicar o conceito amplo de saúde reconhecido oficialmente pelo Estado Brasileiro e que vigora na Lei Orgânica (8.080//90, artigo três) que regulamenta o SUS: “A saúde tem como fatores determinan-tes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da popu-lação expressam a organização social e ecomônica do País”. O reconhecimen-to da saúde enquanto determinação social é uma importante conquista. Atualmente a necessidade de maior participação da saúde pública na ava-liação dos processos está evidenciada. Isso porque as transformações trazidas pelo PAC impactam a vida das pessoas e o próprio SUS. A 14ª Conferência Na-

“Um outro mundo é possível, um mundo onde cai-bam muitos mundos, onde para todos haja sempre:

pão para iluminar a mesa, saúde para espantar a mor-te, conhecimento para aliviar a ignorância, terra para

colher futuro, teto para abrigar a esperança e trabalho para fazer dignas nossas mãos.”

(Movimento Indígena Zapatista)

Ilustração: Diego Novaes

Page 23: Edição 13 Vírus Planetário completa

daquela empresa e a poluição ambien-tal. O projeto contra-hegemônico (da esquerda progressista) não pode ser fragmentado. Precisamos alcançar um orçamento que nos possibilite garantir os direitos do povo.

Se as crises profundas trazidas pelo sistema capitalista sempre ensejam a busca por novas fronteiras de acumu-lação do capital, também é verdade que tais processos tendem a gerar for-tes resistências. Não fosse a luta dos movimentos sociais, o voraz apetite por lucros já teria tornado impossível a vida na Terra. A resistência é, mais do que nunca, obrigatória e urgente. Mui-ta luta se faz necessária, mas a espe-rança é mais do que justificada. Nosso grito deve ser: Planeta ou morte, ven-ceremos! – para, assim, globalizarmos a luta e a esperança.

“ Não fosse a luta dos movimentos

sociais, o voraz apetite por lucros já teria

tornado impossível a vida na Terra.”

cional de Saúde optou pelo SUS 100% público, estatal e sob administração direta do Estado e pela defesa do au-mento do financiamento para o SUS, exigindo a destinação de 10% da Recei-ta Corrente Bruta para a saúde. Hoje, o investimento da União em saúde não chega a 4% do PIB.

A Frente Nacional contra a Privati-zação da Saúde defendeu de forma in-transigente o SUS público, repudiando a privatização. Foi este movimento que não permitiu que a Conferência fosse mais um cínico encontro de líderes para falar sobre compromissos vagos. Argumentos de governos e empresas não levam em conta os impactos so-ciais e a saúde. Todas as decisões são de caráter estritamente econômico. Por isso, o caso TKCSA, que estamos vivenciando no Rio de Janeiro com um caso emblemático de graves proble-mas de saúde pública e muitas lacunas nas políticas do SUS sob responsabili-dade governamental. Os danos socio-ambientais mais imediatos que podem ser identificadas são o adoecimento da população local e dos trabalhadores

Manifestação contra a Privatização do SUS no dia mundial da saúde, 7 de abril de 2011 | Foto: Caio Amorim

23Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 24: Edição 13 Vírus Planetário completa

Conforme se aproximam as discussões da ‘Rio +20’, a próxima

conferência das Nações Unidas sobre o Clima e Desenvolvimen-

to Sustentável, aumenta a preparação dos movimentos sociais e

de outros setores da sociedade para evitar que o debate seja li-

mitado como o dos outros eventos. Dentre as mesas do Fórum

Social “Crise Capitalista e Justiça Social e Ambiental”, discussões

principais compartilhavam este objetivo, como a da Cúpula dos

Povos. A Cúpula é um evento paralelo à Rio +20 organizado por

uma articulação de movimentos sociais em torno da visão de que

a crise ambiental é causada pelo modelo de produção e lógica

consumistas do capitalismo.

A ativista e pesquisadora de movimentos sociais Esther Vivas

foi uma das debatedoras mais ativas do Fórum. Cabeça de lis-

ta nas eleições de 2009 ao Parlamento Europeu pela Izquierda

Anticapitalista, Vivas estudou e participou dos movimentos dos

indignad@s e de lutas como a da soberania alimentar e contra a

crise ambiental.

Durante o Fórum, Esther Vivas participou de diversas mesas nas

quais defendeu que simples modificações tecnológicas não bas-

tariam para mudar o panorama da crise ambiental se não forem

acompanhadas de mudanças na organização social e na cultura.

“É necessário lutar contra a lógica da produção a qualquer custo

a curto prazo e a competição de todos contra todos. Precisamos

construir um outro mundo possível, baseado nos bens comuns e

que respeite os limites do planeta”, defendeu a ativista, na mesa

“Ecossocialismo, a armadilha do capitalismo verde ou uma saída

fora do capital”, organizada pela Fundação Rosa Luxemburgo.

ENTREVISTA

Esther VivasA Rio +20 pode nos dar alternativas à

crise?

As diversas negociações do clima, as reu-niões organizadas pelas Nações Unidas de-monstraram a incapacidade do sistema ca-pitalista para dar respostas à crise ecológica a que nos conduziu. Da ‘Rio 92’ até agora, vinte anos depois, o balanço do trabalho das Nações Unidas e os acordos levados a cabo pelos governos em escala internacional mostram o fracasso do debate feito lá. Este deu margem a uma ofensiva do capitalismo através do conceito de economia verde para fazer negócio com as mudanças climáticas. É essencial que dentro dos movimentos so-ciais nós coloquemos na agenda política essa questão: a denúncia do capitalismo verde, a necessidade de uma alternativa ecologista e de vincular a luta a favor da justiça social à luta a favor da justiça climática.

E quanto à Cúpula dos Povos, qual é sua expectativa?

Creio ser muito importante criar opções à discussão oficial para que sejamos capa-zes de unir as alternativas construídas pelos

fórum social temático

Por Seiji Nomura

Rep

rod

uçã

o In

ternet

24 Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 25: Edição 13 Vírus Planetário completa

movimentos sociais. Um ponto em co-mum entre elas é a demanda de que a política e a economia se ponham a serviço das necessidades coletivas, bem como os direitos do planeta Ter-ra. A lógica produtivista desse sistema capitalista não leva em conta não só os direitos sociais, as necessidades das pessoas, mas também ignora os limites do planeta. Estes valores se contrapõem àqueles defendidos pe-los movimentos sociais e implica uma cultura muito distinta para a huma-nidade daquela que nós fomentamos. Por isso, se torna necessário construir uma alternativa a esse sistema, não só anticapitalista, mas trazendo uma perspectiva ecossocialista e ecológica radical.

E como traçar o caminho até essa alternativa?

Não temos um manual de instru-ções, mas temos experiências acumu-ladas. Para mudar o esquema de for-ças entre os de acima e os de abaixo, é fundamental a mobilização social e a luta nas ruas. Contestar os 1% que governam o mundo, tomando as pala-vras do Occupy. É também importante construirmos alternativas em nossa vida cotidiana, como a economia coo-perativa, solidária, a agroecologia, mas entendendo que essas experiências são um meio para conseguir igualdade de direitos, justiça social e ecológica para todos – para criar outro modelo de sociedade.

Os indignados são um movimento de grande repercussão, mas aparen-temente tiveram pouca influência nas urnas espanholas, pois o Parti-do Popular (um dos mais conserva-dores) ganhou com folga...

É difícil avaliar, pois a indignação pode se manifestar de diversas for-mas. Teve gente que não foi votar, tive-ram os que votaram em branco, quem vota em alternativas ao governo atual, os fiéis aos anticapitalistas e aqueles que preferem o voto útil. Temos que levar em conta que o Partido Popular conseguiu legitimar suas políticas de corte e privatização através do resul-tado eleitoral, chegando a uma maio-ria absoluta, mas se olhamos o quadro completo, a realidade é outra. O total de pessoas com direito a voto, a por-centagem do resultado é altíssima que

não foram a votar ou apostaram em alternativas, por-tanto o PP não ganhou, não é apoiado pela maioria da população.

Esses movimentos podem ter outros efeitos políti-cos, que não se traduzem no sistema eleitoral?

Primeiro, deve-se levar em conta que há a legitimida-de das urnas, mas também a das ruas e da mobilização social. As eleições estão longe de ser um terreno neutro, porque são determinados pelo peso dos grandes partidos políticos majoritários, pelos grandes gastos que fazem para manter suas campanhas, que são basicamente ma-rketing eleitoral, financiadas pelos bancos e o sistema financeiro internacional. Também é determinada pela presença desses partidos nos meios de comunicação, que não deixam espaço para que alternativas políticas sejam vistas. Por outro lado, a mobilização das ruas às vezes não se reflete nas ruas; o movimento dos indig-nados influencia o imaginário coletivo. Seu impacto so-cial é muito grande, pois ajuda a recuperar a confiança das pessoas que a ação coletiva pode ajudar a mudar as coisas e que juntos e juntas podemos. Isso que agora é tão evidente, não era tão claro. Pesavam muito a re-signação e o ceticismo, bem como a fragmentação dos movimentos sociais. O resultado das urnas não signifi-ca que as políticas de corte do governo sairão impunes. Estão sendo organizadas mobilizações fortes, ocupando centros que seriam privatizados, ajudando pessoas que teriam de sair de suas casas por não conseguirem pagar a hipoteca...

O chama-do ‘socialismo real’ foi tão produtivista quanto o capitalismo. Como é possível outro modelo de socialismo?

Uma alternativa de sociedade não deve levar em conta só a perspectiva anticapitalista, combater a lógica que interpõe interesses particulares a necessidades coletivas, mas também ser capaz de observar opressões específi-cas como a questão ecologista e a luta contra o produti-vismo. Sou contra o acúmulo de produção, por isso de-fendo a perspectiva ecossocialista, vincular o marxismo originário com uma perspectiva radical e consequente. Não é digno ter um modelo não-capitalista, não-produti-vista, mas sem acabar com a opressão de gênero e outras opressões específicas como a de orientação sexual, di-reitos dos imigrantes, racismo e dos povos originários.

“ É necessário lutar contra a lógica da produção a qualquer custo e a competição de todos contra todos ”

25Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 26: Edição 13 Vírus Planetário completa

Caminhando pelo desrespeito

Por Daniel Israel e Fernanda Freire

Expandir os limites da cidade: aí está uma das justificativas para o metrô do Rio de Janeiro não funcionar como de-veria. Como ocorre repetidamente com moradores da cidade e dos 16 municí-pios que fazem parte da região metro-politana, este modelo de transporte público deveria ser mais abrangente, pois só assim poderia atender a maior quantidade possível de usuários que moram dentro e no entorno da capital do estado. Segundo consta do sítio da concessionária MetrôRio na Internet, o recorde de passageiros se deu em 30/10/2007, quando 632.117 pessoas se deslocaram nas Linhas 1 e 2.

Na segunda cidade mais populosa do Brasil, esta cifra não é motivo de vergonha para os governantes e ges-tores do metrô carioca. Considerando que não passa de 10% da população

carioca, em se tratando da capacida-de máxima, que utiliza o metrô como meio de locomoção, cabe questionar por que este modal de transporte so-bre trilhos não serve às quatro regiões do município. Com eficiência, é claro.

Para o professor aposentado Moa-cir, morador do Centro, “a oferta de transportes não acompanhou a procu-ra da população”.

Com 48 quilômetros de extensão e 35 estações construídas, o metrô do Rio de Janeiro está longe de ser um serviço público admirável para quem pesquisa políticas públicas para o se-

tor. Na opinião de Guilherme Marques, o Soninho, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Re-gional (Ippur/UFRJ), existe um conflito de interesses entre o desejo das auto-ridades e a necessidade de ir e vir da população:

– Vemos uma grande empolgação com as montadoras que estão vindo para o sul fluminense. São os governos financiando a indústria automobilísti-ca, que é a que mais polui. E não há investimento algum em transporte de massa.

Ilustra

ção

: Ca

rlos La

tuff

rio de janeiro

A propaganda de governo tenta esconder, mas as aparências enganam: quando não há política séria para o metrô, aumento no preço

da passagem é um entre tantos problemas para o usuário

26 Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 27: Edição 13 Vírus Planetário completa

Camelô na Feira do Largo da Carioca e morador de Mesqui-ta, Ramon também acha ruim e caro o serviço oferecido pela MetrôRio. Também já não anda mais de trem, só de ônibus, “porque é deficiente como o metrô”. Como melhorias, tem duas sugestões: “Funcionar 24 horas por dia e possuir mais compo-sições”.

Pelos relatos de especialistas e da população, é previsível que qualquer iniciativa, ainda que proposta por reconhecidos estudiosos, não será implementada tão cedo no Rio de Janeiro. E se já não bastasse a violação ao direito básico de moradia, sobre o qual tratamos em nossa 11ª edição (“A explosão da ci-dadania”, pp. 29-31), o prefeito Eduardo Paes entregou a diversas empreiteiras canteiros de obras espalhados por toda a cidade.

– As empreiteiras estão exigindo mais e mais recursos e benesses dos governos, por isso ainda foi licitado o trem-bala. Nós não temos uma política, mas investimento de recursos públicos nas áreas de maior especulação imobiliária, onde mo-ram os ricos, sugerindo de forma contrária o desenvolvimento urbano: no lugar do adensamento, a expansão – argumenta Carlos Vainer.

Soninho toca no mesmo ponto e dá sua opinião sobre a discriminação disfarçada de política de interesse público:

– A ideia é fazer uma cidade-empresa, com uma visão de lucro. Para você atrair investimento, é preciso garantir um re-torno às empresas. Pode-se fazer um levantamento e ver se o traçado dessas vias (os chamados corredores viários, denomi-nados TransBrasil, TransCarioca, TransOeste e TransOlímpica) passa sobre algum condomínio de luxo. Com certeza não. É a oportunidade que a classe dominante tem para expulsar os po-bres. Enquanto os governos querem levar as populações para longe da cidade, há vários prédios abandonados no Centro.

E pensar que no final de 2007, quando a MetrôRio registrou o maior número de bilhetes vendidos desde 1998, ano em que o metrô foi privatizado, o estado do Rio de Janeiro renovou a concessão além das Olimpíadas. Muito além – até 2038.

Na verdade, até existe investimen-to. O problema é que vem ou em ano eleitoral, como em 2012, ou, como já ficou enfadonho de tanto autoridades e meios de comunicação conservado-res se referirem, por causa da Copa do Mundo, em 2014, e dos Jogos Olímpi-cos, em 2016. Mas, se alguém pensa-va que os investimentos seriam feitos com vistas a atender os moradores dos bairros da Zona Oeste que ficam mais afastados – a única região do mu-nicípio que ainda não foi atendida pelo metrô –, a dúvida se encerra por aqui.

– Segundo o prefeito Eduardo Paes, o principal legado que ficaria para a população seria a melhoria no trans-porte público, mas, na prática, estão construindo três vias numa região que não é a mais populosa da cidade. Em oposição, o período que um trabalha-dor gasta no trajeto casa-trabalho/trabalho-casa aumentou, somente nos últimos dois anos, em 39 minutos, de acordo com pesquisas. Diariamente, a pessoa gasta, em média, de duas a três horas fazendo esses itinerários – contesta Soninho.

Além de explosões e seguidas que-das de luz no interior das estações, a analista de crédito Magali, residente em Belford Roxo, revela por que desis-tiu de andar de metrô: “Já passei mal, fiquei sufocada, por causa do aperto no vagão. Por isso, prefiro andar até a Central do Brasil e pegar o ônibus com ar condicionado (o popular fres-cão), que é mais caro, mas me deixa na porta de casa”.

Também do Ippur, o urbanista e professor-titular da UFRJ Carlos Vai-ner publicou artigo no Jornal do Bra-sil (“Por uma perspectiva integrada”, 01/02/2009) em que apresenta uma estatística negligenciada pelas autori-dades cariocas: 40% dos turistas vêm ao Rio todos os anos. Como solução para o atual caos no transporte públi-co, ele defende a integração aeropor-tuária como meio de a cidade driblar os seguidos congestionamentos e re-duzir o tempo nos deslocamentos. Diz Vainer:

– O Sistema Maglev-Cobra, que pesquisadores da UFRJ vêm desenvol-vendo, é um pequeno trem de levita-ção magnética que opera com ener-gia solar e não gera qualquer polui-ção. Comparando com o metrô a céu aberto, oferece custos de operação e implantação muito favoráveis (1/3 do custo por quilômetro de linha).

“ Para melhorar, o metrô precisa funcionar 24

horas por dia e possuir mais composições.”

“ Nós não temos uma política, mas investimento de recursos públicos nas áreas

de maior especulação imobiliária.”

“Ao vencedor, as batatas!” E aos vencidos?

Mas uma cidade não vive apenas de megaeventos!

27Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 28: Edição 13 Vírus Planetário completa

No Fórum Social Temático de 2012, o escritor italiano Cesare Battisti lançou seu livro mais recente, “Ao pé do muro”, no qual se baseia em histórias de detentos do sistema carcerário. O evento teve presença enorme dos veículos da imprensa grande, mesmo comparável com mesas onde estiveram presentes ministros brasileiros. Não é difícil se supor, porém, que a razão principal não era o interesse pelo livro.

Entre 2009 e 2010, o passado de Battisti foi alvo de uma disputa entre setores políticos divergentes brasi-leiros, bem como causa de um conflito diplomático entre Brasil e Itália. Ex-membro da Brigada Vermelha — um grupo armado que lutou contra governos italia-

ENTREVISTA INCLUSIVA:

Foto

: Ca

io A

mo

rim

Cesare BattistiPor Caio Amorim, Mariana Gomes, Seiji Nomura e Rodrigo Teixeira

“ O sistema penal e

carcerário é uma das indústrias

mais produtivas do mundo.”

nos de tendências autoritárias no fim da década de 60, assim como durante os anos 70 — Battisti foi acusa-do de assassinatos criminosos, que não seriam justi-ficados por sua militância. O governo italiano pedia a extradição do escritor, que foi concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas que foi negada pelo então presidente Lula, através do ministro da justiça à época, Tarso Genro. Cesare ficou preso em Brasília de 2007 (quando veio se refugiar no Brasil) até 8 de junho de 2011, quando o STF decidiu por sua libertação.

Optando por não falar explicitamente sobre política, Battisti fala sobre sua literatura, seu passado e expres-sa o que sente sobre sua situação atual.

Page 29: Edição 13 Vírus Planetário completa

No lançamento de seu livro, você falou que sua escrita é sobre proble-mas sociais, mas por que a literatu-ra e não a academia?

Quero despertar a consciência do leitor para alguns problemas sociais de importância vital, mas ao mesmo tempo quero dar o prazer da leitura. Não estou fazendo um documento, é narrativa, é ficção. O recado nunca é direto, é sempre indireto, pois senão seria um documento. O escritor su-gere, não informa. O leitor é que está dando tinta às palavras secas do pa-pel. Isso também tem uma técnica. Se, por exemplo, quero dizer ao leitor que uma menina que está passando na rua é linda, eu não posso só che-gar e dizer: ‘ela é linda’. Se fizer isso, o leitor pode pensar “quem é ele pra me dizer que ela é linda”, quem deve chegar a essa conclusão é ele mes-mo. Eu só sugiro, tomo fotografias de algumas situações, as descrevo de certa maneira através da escrita. No meu tipo de romance, social, nas en-trelinhas está o recado da situação de que quero denunciar, mas eu não falo “isso está bem” ou “isso não está”. A conscientização é feita através do prazer, do lúdico. Doutrinar a pessoa não muda nada, mas quando você provoca o inconsciente da pessoa, aí é onde você tem frutos. A arte mexe com isso.

Você disse no lançamento do seu livro que a literatura só é uma arte quando alguém é tocado por aquilo que lê. Como você quer tocar as pes-soas com a sua literatura?

É um tema que a maioria dos escri-tores contemporâneos tem trabalha-do. Identidade, o que somos e por quê. É uma questão de superar essa dico-tomia do bem e do mal, como Nietzs-che nos ensinou em ‘Além do Bem e do Mal’. Esses padrões são uma invenção cristã que não têm nada a ver com o ser humano. O poder é que diz o que é bem e o que é mal. A injustiça não é um momento, não é pontual. Para mim não é o mais o importante se alguém foi morto na rua, pois nesse meio tempo morrem milhões de pes-soas devagar. A injustiça é parte endê-mica do sistema, todos os dias.

São as circunstâncias que fazem a pessoa. Imagine uma mesma família que tem um filho que foi criado numa favela, e depois tem um golpe de sorte e vai morar em Ipanema, aí nasce ou-

tro menino. Você acha que os dois filhos vão ter a mesma vida? Eles foram criados em circunstâncias diferentes. Só porque um nasceu em um lugar e outro nasceu em outro, um é bom e outro é mal quando tomam ações diferentes? Minha preocupação nos livros é pegar uma personagem qualquer, como um contador, e a coloco em uma situação imprevisível. Vou seguindo essa per-sonagem, ou melhor, essa personagem que vai me puxando. Ele é um contador de terno, gravatinha, mauricinho, pessoa sem cor, apagado na vida; de repente, essa pessoa entra no mun-do diferente, de aventura. Como vai reagir, como se comporta essa pessoa que nunca teve coragem de levantar a voz com nin-guém, só fica ali apagadinho no seu escritório? Fazendo isso, a injustiça do cotidiano bate na cara. Às vezes o cara, tem algo acontecendo na própria casa dele, como a mulher oprimida, está na frente dele e ele não sabe. Com a ficção ele baixa as defesas e pode até ver. Essa é a minha preocupação.

Durante a luta armada, você teve a experiência de ver pes-soas que entraram em um contexto muito diferente do que conheciam. Você pode falar sobre isso e como isso influenciou em sua literatura?

É evidente que tenho essa preocupação. Eu mesmo passei por isso. Nasci no campo, em uma família pobre, me engajei na luta revolucionária e por causa da repressão me vi em um meio di-ferente, cercado de intelectuais, de professores, de filósofos, de escritores, de pintores. Nunca teria chegado lá se a repressão não tivesse me obrigado a me. Devo algo a repressão por bem ou por mal, fui tirado do ‘meu’ contexto e fui jogado em outro por causa dela. Dou às graças à repressão para ter me colocado numa situação des- sas. Nasci em outro

século. Eu tenho ir-mão e irmã que fi-caram no contexto onde eu estava e, hoje, não somos

iguais. Não pensamos igual, não agimos igual. Somos completamente dife-rentes. Na maneira de falar, de agir, de pensar, de ver o mundo. Não somos iguais. Ainda que todos eles sejam comunistas e etc., isso não quer dizer nada. Uma etiqueta e nada mais.

Como era a relação com a sua família?

Eu nasci no campo, numa fazenda peque-

“A conscientização

é feita através do

prazer, do lúdico.”

Em primeiro plano, o livro “Ser Bambu”,

último lançado antes de “Ao pé do muro” Foto:

Caio Amorim

29Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 30: Edição 13 Vírus Planetário completa

ENTREVISTA INCLUSIVA_Cesare Battisti

na que não chegava a dois hectares. Cultivávamos a terra, minha mãe vendia os produtos no mercadinho no povoa-do ao lado. Eu sou o último de seis filhos; meus irmãos e minhas irmãs têm diferença de idade muito grande. Meu irmão mais velho, que já faleceu, tinha diferença de 18 anos para mim. Eles começaram a trabalhar desde crianças para que eu pudesse estudar. O último filho era o que tinha que estudar, eu tinha que virar médico. Família religiosamente comunista, stalinista, na minha tinha quadro do Stalin jun-to com São Jorge. Ninguém frequentava a igreja, mas todo mundo acreditava [em deus]. Talvez meu pai menos.

Mas você não era stalinista...

Não, eu joguei esse quadro do Stalin fora, pela janela. (risos). Isso de jeito nenhum. Stalin sujou a palavra “comu-nismo”, e eu nunca posso perdoar. Nem à Stalin, nem aos stalinistas e nem aos PCís-tas, ou seja, to-dos os partidos comunistas (PC) do mundo inteiro, que sujaram esse valor enorme. O Comu-nismo deveria ser o cume de uma sociedade avançada; o avanço da Democracia é o Comunismo. Eles fizeram o con-trário; ou seja, botaram o Comunismo para destruir a De-mocracia. Para impedir a Democracia. Então, não tem nada a ver, nunca existiu algum país onde tivemos o Comunismo. Não pode possuir Comunismo com a miséria, o Comunismo se possui com a riqueza. Não é o Fusca para todo mundo, é o Mercedes para todo mundo. Isso é o Comunismo. A ideia de Comunismo que muitos de nós temos não tem nada a ver com o que escreveu Marx.

No seu livro mais recente, “Ao pé do muro” você con-ta a história de um preso e suas lembranças durante o breve período de banho de sol. Como você vê o sistema penal e carcerário?

Devo deixar claro que não estou falando do Brasil, mas de uma maneira geral. Falar sobre ‘a luta contra o crime’

é uma demagogia, é a maior mentira que se pode dizer. Quando um político consciente fala disso, está mentindo porque ninguém vai querer destruir a indústria mais lucrativa que existe. Imagina se acaba o crime no Brasil? Temos 500 mil presos. Você multiplica pelo menos por dez entre os que sa-íram ou que vão entrar, sem contar as famílias deles. Temos 5 milhões de pessoas.

Agora, se você considera desde a fa-xineira do advogado até a presidente do Supremo Tribunal Federal, quantos milhões de pessoas estão vivendo às

custas deste pobre desgraçado que foi roubar porque não ti-nha dinheiro pra comer? Quan-tas pessoas não estão comendo e vivendo suas vidas à custa dele? Centenas de milhões de pessoas! Não tem indústria que empregue mais pessoal. São bi-lhões e bilhões entram na roda da economia assim. Quando você entende isso, essa coisa de ‘a reintegração à sociedade’ perde sentido. Que reintegra-

ção? A cadeia é uma escola do crime, cria criminosos. Ela é feita para fazer de um simples fumador de maconha um assassino. A cadeia é toda estu-dada, não é por acaso. Lá, humilham você, destroem, fazem de tudo, aí quando você sair, vai querer matar. E com isso você vai estar estimulando a indústria do crime. É um poço sem fundo.

Você fez uma colocação sobre a Leitura Furiosa, como uma entida-de que trabalha em prol dos Direi-tos Humanos, pelo viés da escrita, da leitura. Pelo que você disse no debate, você acha importante essa questão? Você se propõe a construir avanços nessa área?

“A ideia de Comunismo que muitos de nós

temos não tem nada a ver com o que escreveu Marx.”

Ao lado e na página à direita acima, Cesare dança com a senhora Maria de Lourdes Negreiro de Paula do movimento Crítica Radical do Ceará, que o recepcionou antes de sua palestra no Fórum Social Temático, em Porto Alegre com festa e marchinha em sua homenagem: “Cesare Battisti, porta-estandarte desta canção”Fotos: Caio Amorim

Page 31: Edição 13 Vírus Planetário completa

ENTREVISTA INCLUSIVA_Cesare Battisti

Se temos um médico, é porque tem doente. Se temos Direitos Humanos, é porque estão nos espetando, mas para mim eles não deveriam ser necessá-rios, pois deveriam ser como o ar que se respira. Eu não separo Direitos Hu-manos de todo o resto, educação, cul-tura. Para mim, Educação é criar cons-ciência, é criar potencial de resposta ao cidadão para se defender e recla-mar os próprios direitos. Por que se investe tão pouco dinheiro na Educação e tanto dinheiro na Defesa, por exemplo? Em geral, o poder não tem interesse que o povo tenha consciência e saiba reclamar os próprios direitos. Então, é melhor reprimir, é me-lhor investir numa repressão. Não é absurdo que em qual-quer país do mundo – falamos da França, dos EUA ou qualquer país do mundo – a verba para a Educação seja de 4% e a da Defesa, 15% ou 20%?

Pegando um pouco da questão de viver como escritor, o senhor acha importante a democratização da Comunicação, o acesso ao conheci-mento, da produção de cultura? Por exemplo, Baudelaire nunca conse-guiu viver de sua escrita, tinha vá-rios problemas e no final da vida vendeu sua obra completa pelo que seriam R$ 200 na época. Como você lida com isso?

Todos os grandes não conseguem vi-ver da própria obra. Só depois de mor-tos. Eles incomodam muito porque eles estão questionando o sistema de uma maneira tão forte, porque a arte é forte, é uma arma incrível, que não tem guerra, não tem guerrilha, que possa se comparar a isso. Esse é o peri-go que o poder e o sistema consideram mais forte. Se em vez de ser escritor, desse palestras políticas, escrevesse

ensaios e outras coisas, eu não repre-sentaria perigo nenhum para o Estado italiano, eles não me perseguiriam. Se eu fosse terrorista, como eles falam, pelo contrário, eu estaria alimentan-do esse sistema. O problema deles é que meus livros estão na biblioteca, no setor de literatura, não estão nos li-vros políticos nem documentos, o que permite outro tipo de leitura. Estão ti-rando meus livros das bibliotecas por

causa disso. E ainda falam que a Itália é o berço da democracia, como disse-ram no Brasil.

Para me sustentar, os livros me per-mitiram fazer outras coisas: dar uma palestra em uma universidade e me pagarem; me chamavam para fazer um curso em uma escola e pagarem; me convidavam a eventos... Acho que nesse assunto, um exemplo é a Fred Vargas. Do dinheiro que ganha, ela de-volve quase tudo. Ela vai com uma cal-ça jeans e uma camiseta, não tem car-ro, não tem nada e ela ganha milhões. A cultura deveria ser grátis e acessível a todo mundo. Isso é fundamental. É incrível num país onde o salário-mí-nimo é R$ 600, estão vendendo livro a R$ 50. O mesmo preço que na Euro-pa, onde o salário-mínimo é dez vezes mais. Aonde vai esse dinheiro aí? O autor não pega nada desse disso.

Você acha que Educação e Cultura, hoje, são os caminhos fundamentais para a mudança?

Eu acredito que em países desenvol-vidos e em vias de desenvolvimento, a revolução, hoje, não passaria pelas ar-mas. Seria um suicídio, seria mandar os jovens a morrer. Hoje, a revolução passa pela Educação. É assim que se desperta a consciência no povo, que cada cidadão conheça os direitos e possa reivindicar os próprios direitos. Essa é a revolução. Não teve nem uma revolução armada que acabou em uma grande democracia, pois as ar-mas pedem outras armas e isso não acaba nunca.

Não tem nada pior para um revolu-cionário que chegar ao poder porque deixa de ser revolucionário, vai querer defender o poder. Eu não quero dizer que acabaram as guerrilhas, os mo-vimentos revolucionários armados,

porque têm regiões nesse mundo onde talvez isso ainda é uma necessidade, mas têm outros países onde isso não é viável, mais. Quem ainda fala disso num país como o Brasil, por exemplo, cuidado. Porque essa pessoa é uma provocadora, essa pessoa está man-dando milhares de jovens para morrer.

Na Itália, nos anos-de-chumbo, nós tomamos as armas e talvez não tivés-semos escolha. Pensando o passado com autocrítica, acho que foi um erro. A luta armada acabou se tornando um pretexto para que o poder destruísse o movimento cultural mais importante na Europa, talvez no mundo inteiro, depois da II Guerra Mundial. O que existia na Itália, nesse momento, era um movimento cultural enorme. Nós conseguimos colocar na rua, de um dia para o outro, 100 mil pessoas. Cem mil! Tudo isso foi destruído. Eles nos provocaram tanto, até nós pegarmos nas armas. Eu acho que foi uma arma-ção, e nós caímos nela.

“Hoje, a revolução passa pela Educação.”

31Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 32: Edição 13 Vírus Planetário completa

Mato Grosso do Sul ganhou visibilidade internacional com a denúncia do assassinato do Cacique Nísio Gomes, líder guarani-kaiowá. Ainda não existem conclusões so-bre o que aconteceu na manhã do dia 18 de novembro de 2011, no acampamento Tekoha Guaiviry, na BR-386, entre Amambai e Ponta Porã (MS).

Os guarani-kaiowá acampavam entre as fazendas Chimarrão, Ouro Verde e Querência desde o dia 1º de novembro. Há dois dias do assassinato o cacique come-çou a receber ameaças. Relatos indicam que cerca que 40 homens armados invadiram o local com suas Hilux e S-10 procurando por Nísio e atirando. Três jovens teriam morrido durante a correria, além do cacique, que teria sido atingido com tiros de calibre 12.

A questão indígena no estado é extremamente com-plexa. O governo brasileiro tem dificuldade em construir políticas pautadas no diálogo com estes povos, somada aos conflitos fundiários com grandes proprietários de terras. A mídia agrava estes conflitos na medida em que influência o inquérito policial por meio de acusações que buscam acobertar casos de barbárie cometidos contra os povos indígenas

A mídia corporativa sul-matogrossense, baseada em relatos da Polícia Federal, passou a divulgar notícias que levantavam a possibilidade de Nísio estar vivo. O saque de seu auxílio benefício teria sido feito em Brasília (DF) no dia 14 de dezembro. A partir da divulgação desta informação o caso, até então tratado como “desapare-

cimento”, teve as buscas suspensas e o filho do Cacique, que teria visto o ataque , foi indiciado por falso testemunho.

À medida que avançava, a investiga-ção se tornava mais confusa e contra-ditória.

O relatório da PF se desencontrava com a opinião dos indígenas. Estes, reuni-dos em Conselho Aty Guasu (Assembléia de organização máxima dos Guarani-kaiowá), concluíram que Nísio foi assas-sinado, conforme relato de testemunhas.

Não só em Aral Moreira, onde foi rela-tado o massacre, mas em outros muni-cípios do sul do estado de Mato Grosso do Sul, como Juti e Amambai, os indí-genas vivem em constante violência e se encontram em situação de miséria. Independente do caso Nísio Gomes, a questão indígena no estado é alarmante. A estratégia de assassinar as lideranças tem como objetivo desarticular o movi-mento indígena.

Marçal de Souza, principal líder guara-ni-nhandevá de sua época, foi ameaçado e agredido diversas vezes. Até que, em 1983, foi assassinado com cinco tiros, sen-do um deles em sua boca, simbolizando

Conheça Mato Grosso do Sul...

...O estado com o maior número de morte de indígenas no Brasil

O estado esconde atrás de belos cenários como o Pantanal, diversas histórias de desrespeito aos direitos indígenas

“ A estratégia de

assassinar as lideranças tem como objetivo

desarticular o movimento

indígena.”

Por Marina Duarte, Rafael de Abreu e Tainá Jara

““A terra está sendo revirada! Chamávamos esse lugar de Mata Grande. Ele sempre foi nosso, e os brancos tomaram tudo. Derrubaram toda a mata e,

por ironia, passaram a chamá-lo de Mato Grosso do Sul.”Atanásio Teixeira, Grande Nhanderu (Líder religioso) – Aldeia Limão Verde – Amambaí/MS.

mato grosso do sul

32 Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 33: Edição 13 Vírus Planetário completa

a tentativa da elite agrária sul-matogrossense de calar seu discurso em prol dos direitos dos povos indígenas.

Outro caso de repercussão foi o do também cacique, Marcos Verón, morto em 13 de janeiro de 2003. O cacique foi um dos 13 indígenas assassinados no estado, naquele ano. Desde a morte de Verón até 2010, foram 250 indígenas assassinados, 48 assassinatos a mais que no restante do país no mesmo período. Uma si-tuação absurda já que, em porcentagem, Mato Grosso do Sul representa 55,5% dos assassinatos de indígenas no país.

O estado possui a segunda maior população indígena do Brasil, com mais de 73 mil índios de nove etnias, que vivem em 613 mil hectares. Eles ocupando cerca de 1,7% da área do estado, que é de 35,7 milhões de hectares e tem o pior índice de violência contra os povos indígenas, segundo relatório divulgado pela Regional Mato Grosso do Sul do Conselho Indigenista Missio-nário (CIMI).

Apesar dos dados que denunciam um ver-dadeiro massacre, o debate sobre a questão indígena ainda é escasso. É feito principalmente em cima da questão demarcatória, de forma técnica, deixando de lado os Direitos Humanos e toda a violência que os indígenas sofrem.

Ilustração: Davi Baltar Contato para trabalhos: [email protected]

33Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 34: Edição 13 Vírus Planetário completa

Ter pra ser

Recentemente, postei nas redes so-ciais a notícia de que o trabalho escra-vo é usado na produção das roupas da Zara, o que acabou causando revolta em algumas pessoas. Não surpreende, já que a sociedade nos impõe que TE-NHAMOS para que SEJAMOS alguém.

Acho que todos têm o direito de es-colher gastar 200 reais numa lojinha que vai dizer que vocês são alguém especial nessa sociedade, DESDE que, as pesso-as que trabalham nessas lojas TAMBÉM possam escolher se querem ou não tra-balhar pra elas. A questão é que essas pessoas que trabalham de forma escra-va, seja para a Zara, para a Nike, em florestas na Amazônia ou em qualquer outro lugar do mundo, elas não tem es-colha. Na verdade, elas até têm: ou tra-balham sendo escravizadas ou morrem!

É importante a compaixão e solida-riedade para com outro ser da nossa mesma espécie que não teve as condi-ções, as chances e o direito de TER tudo o que vocês tiveram para SER o que são hoje. A questão também não é especificamente desta loja, o real problema está em todas as relações em que há um oprimido e um opressor!

Querem nos obrigar a ter um carro, a ter um celular com câme-ra, internet e GPS, ter computador, e-mail, roupas de marca, frequen-tar os bares e restaurantes certos, fa-zer escova progressiva, conhecer NY ou Paris para que possamos nos sentir e sermos aceitos na sociedade como al-guém, independente do que essas coi-sas significam para o resto do mundo. Qualquer pessoa que questione esse padrão ou que tenha algum ideal está fora do que é aceito pela sociedade. Por isso, as pessoas que se incomodaram

com a notícia da escravidão me man-daram morar no mato. Engraçado que as pessoas não se incomodaram com o crime e sim com quem estava recla-mando dele! A escravidão é aceita, mas os ideais não!

Desde pequenos somos educados para não pensar, não criticar, não nos revoltar e aceitar tudo, quietos, como verdade absoluta. Mas peço para bus-carem além do que os olhos podem ver. Sabe quando vamos ao médico e ele nos examina, mas não consegue o diag-nóstico e pede uma radiografia, uma ultrassonografia, uma ressonância, etc. para conseguir enxergar de forma mais

profunda? O que nos é apresentado desta sociedade capitalista é o exame superficial insuficiente para a compreen-são do problema. A realidade é muito mais complexa e precisa de um olhar mais apurado e cuidadoso.

Mudar para o meio do mato não é solução, porque as injustiças também chegam lá. Chico Mendes, irmã Doro-thy, José Claudio Ribeiro e Maria do Es-pírito Santo foram mortos no “meio do mato”. Belo Monte está sendo imposto para os povos do “meio do mato”. Aqui mesmo em Paraty, povos que vivem no “meio do mato” foram expulsos pela es-peculação imobiliária.

Então, eu peço desculpas se estou incomodando, mas eu vou continuar reclamando, postando noticias, escre-vendo, lutando. Aceitar a injustiça como normal não cabe dentro de mim, não cabe no ideal de mundo que tenho, não cabe no mundo que quero para o próxi-mo.

Por Vanessa Marcondes

Reflexões diante de provocações dos SERES Zara

*Este texto foi o selecionado dentre as colaborações enviadas durante a promoção que realizamos no face-book. Fique ligado em nossa página na rede social para novas promoções!

colaborações

“ A escravidão é aceita, mas os ideais não!”

“O verdadeiro cidadão não é aquele que vive em sociedade, é aquele

que a transforma!” (Augusto Boal).

Ilustra

ção

: Ped

ro M

ach

ad

o

34 Vírus Planetário - FEVEREIRO/MARÇO 2012

Page 35: Edição 13 Vírus Planetário completa

Mais informações:

Realização:

www.apn.org.br

No dia 6/2, o governo federal

privatizaou três dos maiores

aeroportos do Brasil: Os terminais de

Cumbica, em Guarulhos, de Viracopos,

em Campinas, e Juscelino Kubitschek, em

Brasília, passam à iniciativa privada.

Em defesa do projeto dos movimentos sociais para o petróleo, com monopólio estatal, Petrobrás 100% pública e investimento em energias limpas.

os empresários brasileiros e estrangeiros gastaram uma merreca em relação ao que vão lucrar, vão ter apoio do bndes pra administrar os aeroportos, e se tudo der errado, quem assume a bomba é o governo federal. Assim é mole né??

E aí?! Já privatizaram os aeroportos... Você ainda vai continuar parado?! Junte-se à campanha

Como

esse

povo b

rasile

iro

é tro

uxa...

Page 36: Edição 13 Vírus Planetário completa

Sem investimento, não há Educação

pública de qualidade. Por isso, exigimos:

www.adufrj.org.brMais informações em nosso site:

Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro

A charge de Diego Novaes acima ilustra quais são as prioridades do governo federal em relação aos investimentos do Orçamento da União. Setor tão fundamental para o desenvolvimento de um país, a Educação Pública não pode ser negligenciada!

10% do PIB para a

Educação Pública, já!