edição 12 vírus planetário completa

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Utopia O horizonte que nos convida a transformar os sonhos em realidade O cineasta que retratou a Utopia e a Barbárie fala sobre revoluções possíveis Movimento global de acampamentos em espaços públicos reacende os ânimos de luta anti-capitalista ENTREVISTA INCLUSIVA com Silvio Tendler nº12 VÍRUS PLANETÁRIO Educação transformadora Porque neutro nem sabonete, nem a Suíça edição nº 12 novembro/ dezembro EDIÇÃO ESPECIAL TEMÁTICA Analisamos modelos pedagógicos por uma sociedade mais justa Ocupação das praças EDIÇÃO DIGITAL

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edição 12 (novembro/dezembro 2011) da revista Vírus Planetário completa

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Page 1: Edição 12 Vírus Planetário completa

UtopiaO horizonte que nos convida a transformar os sonhos

em realidade

O cineasta que retratou a Utopia e a Barbárie fala sobre revoluções

possíveis

Movimento global de acampamentos em espaços

públicos reacende os ânimos de luta anti-capitalista

ENTREVISTA INCLUSIVA com

Silvio Tendler

nº12

VÍRUS PLANETÁRIO

Educação transformadora

Porque neutro nem sabonete, nem a Suíça

edição nº 12 novembro/dezembro

EDIÇÃO ESPECIAL TEMÁTICA

Analisamos modelos pedagógicos por uma sociedade mais justa

Ocupação das praças

EDIÇÃO DIGITAL

Page 2: Edição 12 Vírus Planetário completa

A Vírus Planetário agradece a todos e todas que apoiaram a publicação da nossa 12ª edição. Através do Catarse, plataforma de financiamento colaborativo, essa utopia coletiva se tornou ainda mais possível.

Aos que não só contribuíram financeiramente, mas também ajudaram a divulgar nosso trabalho e essa empreitada intensa que foi o Crowdfunding, o nosso sincero MUITO OBRIGADO!

Foram mais de 100 doadores! Alcançamos o valor necessário para a produção da revista impressa antes do prazo se esgotar, graças a vocês.

Que todos possam correr atrás dos seus horizontes e sonhos. E que estes sejam cada vez mais coletivos e colaborativos, para que possamos nos unir numa só força para transformar esse mundo já intolerável.

Segue a lista dos nossos parceiros:

João Paulo Mehl, Leandro Gomes Caetano, Thiago Petra, Thiago Machado Maia, Maria Angelica Gomes, Elis Tanajura, Maria Luiza Valois, Marisa Cristina Rodrigues, Edimilson Jr., Winston Sacramento, Marcos Adler Duarte, Silvana Sá, Antonio Oscar Vieira, Aline Carvalho, Otto Alvarenga Faber, Maria Clara Baldez, Matheus Machado Fonseca, Elizabeth Feldman, Roseane Dahis, Eduardo Albergaria, Nana Vasconcelos, Maria das Dores Mota, Rafaela Santos, Anelise Quintal, Leila Loureiro, Victor Américo, Vera Regina Loureiro, João da Cunha Bertolini, Leily de Oliveira, Caio Bibiano, Monalisa Feitosa, Raymundo de Almeida, Mariene Gomes Caetano, Rodrigo Rodriguez-Arnaiz,

MUITO OBRIGADO!

Maíra Lopes, Cláudia Piccinini, Alvaro M. Caldas, Fernando Teixeira, Silvia Maria Pedreira, Antonio Augusto Bastos, Maria Esther Lopes, Luiz de MeloArthur Belino, Laura M. Alves, Fred Israel, Gabriela C. Chaves, Ana Brasil Machado, Clarissa Nanchery, Marcio Sá, Lidiane Lobo, Filipe Freitas, Luiz Philyppe Motta, Bruno B. Corrêa, Mariana S. Avillez, Amanda Gurgel, Luisa C. Fonseca, Pedro Castanheiras, Laura B. Addor, Marina Schneider, Jorge Humberto Lopes, Angela Maria P. Buzanovsky, André Guimarães, Gustavo Mehl, Tania Pacheco, Raquel Júnia, Martha França, Carmen Silvia N. Dias, Téo Cordeiro,

Vania Loureiro, Wanderlice Pereira, Sandra Mara Ortegosa, Vaidyaratna Karla Mattos, Rosalia Duarte, João Tancredo, Juliana Maschietto, Beatriz Polivanov, Antonio Mauricio Gouvêa, Ana Carolina O. Gomes, Eloisa Amorim, Márcia Maria, Georgia M. C. Pereira, Claudia Paranhos, Maria Clara Senra, Paulo Baldez, Narayan Silva, Bruna Baldez, Frederico de Miranda, Emanuel Alencar, ZozuZ Cidadão Digital, Paula Bianchi, Diego T. G. do Nascimento, Ruth Feldman, Marcela A. Alves, Vasco Albuquerque, Felipe Salek, Maria Inês Gurjão, Evandro Rocha,José Roberto Costa,Vania Alves

*Os nomes estão em ordem de entrada da doação

Page 3: Edição 12 Vírus Planetário completa

SumárioEditorialPelo direito de sonhar (e lutar)Esta é uma edição especial. Homenageamos os que carregam

uma fagulha no peito e levam o horizonte nos olhos. A utopia do mundo melhor sobrevive nesta Terra de cínicos. Avessa aos sonhos, quando estes não são os de consumo, a sociedade ri-diculariza os idealistas. Sem argumentos tentam nos convencer do fim da história. E, pior, que nós somos os vencedores. Pois se você acredita na justiça social e no fim da desigualdade, se você acredita na livre circulação de idéias e do conhecimento, se você acredita na construção de uma sociedade mais integrada com o meio ambiente e numa outra concepção de desenvolvimento, te convidamos a incitar a revolução que existe dentro de você.

Esta é a primeira edição temática da Revista Vírus Plane-tário. O tema é a Utopia. Nas últimas onze edições, buscamos tratar das injustiças, dos problemas e das contradições desse nosso sistema em franca decadência. Chegou a hora de falar dos movimentos e das ideias que corroem o vício do conformis-mo de dentro para fora. Não se trata de ignorar as barbáries, mas de sublimar o desejo pela transformação.

A primavera árabe, o 15 de Maio espanhol, os protestos dos estudantes chilenos, os espasmos revoltados nas ruas londri-nas, as greves gerais na Europa e as ocupações das praças em escala global ecoaram o grito dos indignados em 2011. O alvo é um modelo de sociedade que favorece o crescimento econô-mico de uns, em detrimento da vida de outros; que enxerga o enriquecimento como um fim. Não existe uma receita de bolo para curar as mazelas dos nossos tempos. Mas existem muitas ideias circulando – sufocadas, porém desejosas de vida. O que fizemos nesta edição foi apanhar algumas para cravá-las nas páginas a seguir.

Na Entrevista Inclusiva, o cineasta Silvio Tendler nos guia pela história das resistências, com reflexões sobre o documen-tário “Utopia e Barbárie”. Nos recantos da mata atlântica, visi-tamos o Instituto de Permacultura e Ecovilas que recodifica a palavra “conexão”. Apresentamos o fronte da batalha dos direi-tos autorais, no qual as novas licenças de compartilhamento e os movimentos pela cultura livre se chocam com a vertente econômica da propriedade intelectual. Modelos de educação alternativa defendem a formação cidadã em oposição à linha de montagem para o mercado. Um diário de bordo pela Venezuela, Colômbia e Equador faz pulsar a veia latino-americana.

Esta edição sobre a utopia foi publicada graças às doações feitas através do Catarse, uma plataforma de financiamento colaborativo chamada crowdfunding. O reconhecimento de lei-tores e amigos nos permitem perseguir a utopia de uma co-municação mais democrática. Quisemos retribuir apresentando horizontes, utópicos e possíveis. Boa leitura e mãos à obra!

4 Adriana Facina_Exigir o impossível!

5 Sórdidos Detalhes

6 Movimentos Sociais_Nós somos os 99%

8 Bula Cultural_Entrevista Teatro Mágico

10 Bula Cultural_Direitos Autorais 2.0

12 Bula Cultural

13 Oswaldo Munteal_A utopia do desenvolvimento

14 América Latina_Um passo em direção ao horizonte

18 Sensacional Repórter Sensacionalista

20 A educação como alavanca das mudanças

24 O que pensa a grande imprensa?!_Dênis de Moraes

25 Passatempos Virais

26 A utopia está no horizonte?

28 Entrevista Inclusiva_Silvio Tendler

32 Meio ambiente_Ecovilas e permacultura

EQUIPE:

Coordenação editorial: Artur Romeu, Caio Amorim, Júlia Bertolini, Mariana Gomes e Seiji Nomura Redação: Daniel Israel, Fernanda Freire, Maira Moreira, Maria Luiza Baldez e Rodrigo Teixeira Diagramação: Caio Amorim e Mariana Gomes Ilustrações: Carlos Latuff e Felipe Salek

Colunistas: Adriana Facina, Oswaldo Munteal Colaborações: Dênis de MoraesConselho Editorial: Adriana Facina, Ana Enne, André Guimarães, Carlos Latuff, Dênis de Moraes, Eduardo Sá, Gizele Martins, Gustavo Barreto, João Tancredo, Larissa Dahmer, MC Leonardo, Marcelo Yuka, Marcos Alvito, Michael Löwy, Miguel Baldez, Orlando Zaccone, Oswaldo Munteal,

Paulo Passarinho, Tarcisio Carvalho, e Virginia Fontes

twitter.com/virusplanetariofacebook.com/virusplanetarioEnvio de colaborações, críticas, dúvidas, sugestões e opiniões: [email protected] na Vírus: [email protected]

A Revista Vírus Planetário - ISSN 2236-7969 é uma publicação da Malungo Comunicação e Editora

www.virusplanetario.com.br

Afinal, o que é a Vírus Planetário?Muitos não entendem o que é a Vírus Planetário, principalmente o

nome. Então, fazemos essa explicação maçante, mas necessária para os virgens de Vírus Planetário:

Jornalismo pela diferença, não pela desigualdade. Esse é nosso lema. Em nosso primeiro editorial, anunciamos nosso estilo; usar primei-ra pessoa do singular, assumir nossa parcialidade, afinal “Neutro nem sabonete, nem a Suíça.” Somos, sim, parciais, com orgulho de darmos visibilidade a pessoas excluídas, de batalharmos contra as mais diver-sas formas de opressão. Rimos de nossa própria desgraça e sempre que possível gozamos com a cara de alguns algozes do povo. O bom humor é necessário para enfrentarmos com alegria as mais árduas batalhas do cotidiano.

O homem é o vírus do homem e do planeta. Daí, vem o nome da revista, que faz a provocação de que mesmo a humanidade destruindo a Terra e sua própria espécie, acreditamos que com mobilização social, uma sociedade em que haja felicidade para todos e todas é possível.

Recentemente, inauguramos um Conselho Editorial (nomes abaixo) com integrantes de movimentos sociais e intelectuais que referendam e apoiam a revista. Em breve, ampliaremos os participantes do Conselho.

Page 4: Edição 12 Vírus Planetário completa

História, vivemos numa sociedade de mercado, na qual as regras deste se perpetuam nas relações interpessoais e nos afetos. Quanto mais capturados por essa lógica, maior a dificuldade em imaginarmos um mundo verda-deiramente diferente deste no qual vivemos.

Para muitas pessoas em todo o mundo, de todas as classes sociais, sonhar hoje significa poder comprar alguma coisa. Da casa própria ao car-ro novo, do tênis de marca ao celular de último tipo, nossos sonhos seguem sequestrados e mantidos a salvo da utopia. Afinal, nada mais possível do que comprar as inúmeras mercadorias disponíveis, em tese, para todo e qual-quer ser humano com recursos para tal.

No entanto, no mesmo momento em que Steve Jobs morria e ele e sua bem comportada criatividade eram louvados pelos arautos satisfeitos do real, embaixadores da utopia ocupa-vam Wall Street com todas as suas impossibilidades sonhadas, denuncian-do a ganância dos calculadores de possibilidades.

Marx dizia que a diferença entre a melhor abelha e o pior arquiteto era que este projetava na imaginação o que iria realizar no seu trabalho, afir-mando assim a sua criatividade (e hu-manidade) por meio dele. A utopia é, portanto, dimensão inescapável do ser humano, posto que é criatividade, pri-meiro passo para realizar com traba-lho o que existe na imaginação. Mais que direito, necessidade, a utopia tor-na fluidas as fronteiras entre o possí-vel e o impossível e permite lembrar que quem faz a história são pessoas de carne e osso, capazes de transfor-mar o mundo à imagem e semelhança dos seus sonhos.

Podemos dizer que quanto mais uma realidade é vista como inalterável e seus termos são naturalizados, mais a utopia sai de cena e mais frequente se torna a utilização do termo utópi-co, ou outros análogos, para desqua-lificar propostas políticas e visões de mundo tocadas pela revolução.

Vivemos num período de vitória neoliberal. Os valores do individualis-mo competitivo, do consumismo, da

descrença no público e da exaltação do privado não conquistaram terreno somente na economia e na política, mas também em corações e mentes. Como em nenhum outro momento da

Quando quem dita as regras é o mercado, a utopia supera as fronteiras entre sonhos e realidade

Adriana Facina é antro-póloga e professora do Departamento de His-tória da Universidade

Federal Fluminense (UFF). Coordena o Observatório da Indústria Cultural e fi-gura entre o(a)s principais pesquisadores de favelas e cultura popular, além de ser uma importante

ativista social.

ADRIANA FACINA

Uma das frases mais famosas escri-tas nos muros em Paris durante o le-vante do Maio de 1968 dizia: “Sejamos realistas, exijamos o impossível”. Apa-rentemente, uma contradição em ter-mos. Como ser realista e ao mesmo tempo exigir o impossível? De modo bem humorado, os rebeldes de 68 cri-ticavam uma certa lógica realista da política institucional que busca des-qualificar como utópico tudo aquilo que não está compreen-dido por uma determina-da análise da “realidade” e das possibilidades de sua transformação. Para este tipo de realismo, a políti-ca seria uma esfera para conquistas possíveis den-tro de uma realidade pré-determinada, não com-preendendo em seu léxi-co demandas que desconsiderassem tal determinação ou que buscassem subvertê-la por um ato de vontade in-dividual ou coletiva.

Exigir o Impossível !

“A utopia permite lembrar que quem faz a história são

pessoas. ”

Cartazes do Maio de 68 e do movimento de ocupações de 20114 Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

Page 5: Edição 12 Vírus Planetário completa

Foi gritante a coincidência entre a prisão do traficante da Rocinha Antônio Bonfim Lo-pes, o Nem, na madrugada de quinta-feira (10/11), e a manifestação “Contra a covardia” horas depois organizada pelo governo esta-dual em defesa dos royalties do petróleo do pré-sal permanecerem para o estado do Rio de Janeiro.

Seria apenas coincidência? Cabral plane-jou a manifestação contra a Emenda Ibsen com bastante antecedência, a tempo de a

Polícia invadir a Rocinha e fazer os preparativos para a instalação da 19ª UPP. E qual seria a isca para levar a população em peso ao Centro, contra a Emenda Ibsen? Prender o traficante Nem, o procurado da vez, e desmobilizar seus comparsas em uma das maiores favelas da América Latina, prometendo para três dias depois o início da UPP...

O “protesto” do governador do PMDB encontrou uma oposição quando chegou na Cinelândia, onde havia o palco do evento. Os mo-vimentos sociais juntamente com os manifestantes acampados na Cinelândia, no Ocupa Rio, conseguiram tensionar o evento “oficial”. As palavras de ordem - abaixo reproduzidas - surtiram efeito e cons-trangeu até os políticos que nem subiram no palco.

“Injustiça é 640 para guarda municipal / 760 para professor / 960 para bombeiro / 17000 para o governador / Injustiça é milícia! / Corrupção na polícia! / Injustiça é o Rio desigual! / Onde gente morre em fila de hospital!

*VEJA EM NOSSO SITE ( virusplanetario.net ) ESPECIAL SOBRE A INVASÃO DA POLÍCIA À ROCINHA, uma ótica muito além da

espetacularização da violência!

sórdidos detalhes...

A Mentira varrida pra debaixo do tapete

Ilustração: Carlos Latuff

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Ilustração: dceunir.blogspot.com

Os policiais estão aprendendo direitinho nas universidades brasi-leiras. Quando se trata de desrespeito aos direitos humanos e à auto-nomia univesitária, os agentes da Polícia Federal são pós-graduados! Eles vêm cometendo uma série de truculências contra quem está lutando no movimento grevista da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

A greve teve início no dia 14/09, estando à frente professores e estu-dantes que vinha exigindo melhores con-dições de trabalho e explicações do reitor sobre o porquê de não serem contratados 490 servidores técnicos aprovados em con-curso público, para dar conta de atividades que hoje se encontram defasadas. Até que começaram as arbitrariedades que estão dis-poníveis em vídeos em nosso site: www.tinyurl.com/6or4zuj. Os desrespeitos vão desde agressões físicas até prisões arbitrá-rias.

O reitor Januário Amaral se irritou com os “barderneiros” e mandou esta mensagem de seu gabinete:

PhDs em repressão também são os PMs - com carta branca do govenardor Alckmin

- para atacar os es-tudantes dentro da Universidade de

São Paulo (USP). Basta ver como se articulou a invasão e re-pressão aos estudantes que

em novembro ocuparam a reitoria da USP por uma se-mana.

M o b i l i z a d o s contra a privatiza-ção no ensino da USP e a presença

da PM no interior do campus –, os

estudantes se levan-taram contra a detenção de três colegas que teriam fumado maconha dentro da universidade. O que se viu nos dias seguin-tes foi o aumento no poder autoritário da PM paulista: o contingente enviados (mais de 500 da tropa de choque, dois helicóp-teros e 20 viaturas) era desproporcional à dimensão da questão; militares fortemen-te armados contra manifestantes que mal tinham com o que atacar ou se defender.

A culminância do enfrentamento dese-jado pela PM levou à prisão de 72 jovens, que foram soltos na quarta-feira sob fian-ça de um salário mínimo (R$545), dia 9/11. Como vivemos numa democracia, não é mesmo?

Rocinha X Pré-sal

...mas nem tudo é passividade

Atrocidades II – USP

Paró

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Atrocidades I – Unir

Por Daniel Israel e Caio Amorim

Page 6: Edição 12 Vírus Planetário completa

Nós somos os 99%Movimento global de acampamentos em espaços públicos lembra que o povo representa 99% da população e reacende os ânimos da luta anti-capitalista

As falhas da engrenagem capitalis-ta se tornam cada vez mais evidentes. Peças fundamentais para o funciona-mento do sistema, agora desarticula-das, deixam visíveis suas implicações diretas: uma crise global representada na forma do desemprego, da inflação e da corrupção. Fortes indicativos de que algo não está indo tão bem quanto deveria são as grandes manifestações que o mundo presenciou este ano.

As primeiras fagulhas vieram logo em janeiro quando uma onda de pro-testos assolou a Tunísia e o Egito. O povo estava farto de aceitar as pró-prias condições miseráveis. Presenciava a fome, a falta de postos de trabalho, a censura à imprensa. Dias seguidos de protestos incessantes, ainda que com medidas e supressões violentas, obti-veram um grande sucesso. Os ditado-res Ben Ali e Hosni Mubarak perderam lugar para uma insurgente democracia.

Na Espanha, a indignação. Milhares protestaram em mais de 50 cidades

Por Maria Luiza Baldez e Artur Romeu

do país, no dia 15 de maio. Em Madri, os manifestantes tomaram a Porta do Sol. Reivindicavam medidas políticas voltadas para a sociedade, entre eles a eliminação dos privilégios de políti-cos e o fim do desemprego. Visto que exigências permanentes pedem ações permanentes, os “indignados” se man-tiveram acampados durante o verão da Europa, enfrentando, inclusive, per-turbações policiais. Seis meses depois, a situação econômica continua grave. Quase cinco milhões de espanhóis, cerca de 21% da população ativa, estão desempregados atualmente, segundo o Euronews.

Em Manhattan, os manifestantes protestaram contra o sistema econô-mico em seu local mais representati-vo, a Wall Street - considerada um dos centros financeiros mais importantes do mundo por ser onde se localiza a bolsa de valores de Nova York. O mo-vimento Occupy Wall Street, que teve início no dia 17 de setembro, sofreu, re-

centemente, tentativas de desocupa-ção e repressões policiais. Provavelmen-te, pela força que ganhou o movimento depois da adesão de ex-combatentes, estudantes e professores. A situação lá já está claramente incomodando. E, para “perturbar” um pouquinho mais, se estendeu além mar. A intensificação dos fluxos de comunicação pelas mí-dias sociais criou o terreno necessário para fazer o movimento crescer em diversas cidades. A ideia da ocupação, difundida ao redor do mundo, ficou conhecida como Ocupa (“Occupy”, em inglês).

Os céticos que admitam que a uni-ficação do movimento pode, ao me-nos, ser percebida por uma frase em comum: “Nós somos os 99%”. Os 99% que pagam pela crise daquele 1% be-neficiado pelas corrupções do sistema são os mesmos 99% que passam a ter consciência de seu tamanho e força.

Em meio aos protestos, uma data ficou marcada pelo seu significado

internacional / movimentos sociais Na Ocupação em Boston (EUA), manifestantes bloqueiam entrada do

Banco da Reserva Federal dos EUA

6 Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

Page 7: Edição 12 Vírus Planetário completa

mundial: o dia 15 de outubro. Em mais de 900 cidades, em cerca de 80 países, milhares de pessoas tomaram praças e vias, unidas com o mesmo propó-sito: demonstrar a indignação com o atual modelo social. Para esclarecer que as reivindicações são permanen-tes, as passeatas, aos poucos, foram se assentando, tomando a forma de acampamentos. Recentemente, uma nova manifestação de caráter global foi marcada para ocorrer no dia 11 de novembro.

A principal exigência da sociedade ao deparar-se com estes movimentos é conhecer a pauta de reivindicações políticas. Esses questionamentos, mui-tas vezes, são feitos de forma crítica aos movimentos, argumentando que, sem a existência de campanhas esta-belecidas, toda a proposta dos mani-festantes se perde na efemeridade ou simplesmente na rebeldia sem causa – o que pode ser visto como uma la-mentável tentativa de esvaziar a im-portância dos protestos. Não é possível ignorar as causas concretas das ma-nifestações: o despertar de um povo que, cada vez mais, percebe as impli-cações antidemocráticas do sistema econômico vigente. E não se conforma.

Os acampamentos, portanto, de-sempenham um papel importante no cenário das manifestações e a eles devem ser atribuídos objetivos rele-vantes para a luta, como refletir sobre a sociedade, ter consciência dos pro-blemas sociais, buscando pontos de convergência através do debate polí-tico. Experimentar novos modelos de organização social comunitária em um sistema político mais justo e integrado, além de estimular ações para levar as questões discutidas ao resto da socie-dade.

se porque, em tantas outras praças, dormem milhares de pessoas, desco-nhecidas, mas com a ideia comum da transformação necessária. E, para reu-nir ânimo, vale lembrar do discurso do filósofo Slavoj Zizek, na Liberty Plaza, quando visitou o Occupy Wall Street: “Eles dirão que vocês estão sonhando, mas os verdadeiros sonhadores são os que pensam que as coisas podem con-tinuar sendo o que são por um tempo indefinido, assim como ocorre com as mudanças cosméticas. Nós não es-tamos sonhando; nós acordamos de um sonho que está se transformando em pesadelo. Não estamos destruindo nada; somos apenas testemunhas de como o sistema está gradualmente destruindo a si próprio”.

“ Os acampamentos devem refletir sobre a

sociedade, buscando pontos de convergência através do

debate político. No Rio de Janeiro, o acampamento foi monta-do na Cinelândia, no dia 22 de outubro. Ali, os indigna-

dos adotaram o nome do movimento como sobrenome pessoal. O professor Frederico Ocupa Rio afirma que ele considera fundamental quebrar o gelo: “A gente vive em uma sociedade em crise e queremos liberdade para exer-cer nosso poder político. É essencial estarmos aqui para quebrar a apatia”. A estudante Fernanda Ocupa Rio com-pleta: “O mais relevante é exercitar nossa cabeça e quebrar pré-conceitos”. Quem não vê a relevância das mani-festações e questiona, com descrença, “aonde é que isto vai dar?”, pode ten-tar perceber que é importante o sufi-ciente agir no presente.

A luta existe, o debate persiste. E não mais em um ambiente restrito: as ações, ainda que locais, se refletem em uma conjuntura global. As manifes-tações permanentes se mantêm, não apenas porque ali dormem um grupo de pessoas todas as noites. Mantêm-

Democracia Real Ya - http://www.democraciarealya.es/Occupy Together - http://occupytogether.org/Occupy Streams - http://occupystreams.org/

Ocupa Rio - www.ocupario.orgOcupa Sampa - www.15osp.org

Acompanhe os movimentos que estão pulsando o mundo:

De cima para baixo:

Ocupação de Wall Street, em Nova Iorque, policiais recebem instruções, enquanto manifestantes

dormem. “Dormíamos, Despertamos!”

Assembleia do Ocupa Sampa, embaixo do viaduto do Chá, no Vale do Anhangabaú em São Paulo

Barracas do acampamento do OcupaRio, na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro

Debate no OcupaRio

Foto: Artur Romeu

Foto: Artur Romeu

Foto: 15osp.org

7Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

Page 8: Edição 12 Vírus Planetário completa

Bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

ENTREVISTATeatro Mágico

A Vírus Planetário cobriu o show de lançamento do novo álbum “Sociedade do Espetáculo” do grupo-banda-circo-poesia O Teatro Mágico, no dia 29 de outubro. Misturando diversos elementos artísticos em sua “celebração coletiva” na Fundição Progresso, no Centro do Rio, O Teatro Mágico tem sido uma das marcas de um novo movimento alheio à mídia comercial. Eles não vendem suas músicas, que estão disponíveis gratuitamente na internet, e não integram grandes gravadoras e distribuidoras.

Ao contrário, foi o público que ergueu o grupo nas redes sociais ao status de uma das mais relevantes bandas do cenário atual. O lançamento do novo álbum teve como marca 300 mil downloads pela internet. O clipe do primeiro single, “Amanha, será?”, já foi visto por mais de 450 mil pessoas na rede. Batemos um papo rápido com Fernando Anitelli, principal compositor e vocalista, 40 minutos antes de subirem ao palco da Fundição.

Por Artur Romeu e Rodrigo Teixeira

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Acima Fernando Anitelli conversa conosco. À direita, a apresentação na Fundição. | Fotos: Artur Romeu

8 Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

Page 9: Edição 12 Vírus Planetário completa

O movimento funk surte a mesma reação em determinadas pessoas, que querem até proibir o baile, querem proibir a música em si. O funk é mú-sica brasileira, é maculelê, é uma ba-tida. Acho que o funk com letras mais politizadas é fundamental, pois tem muita gente que gosta da batida mas não gosta do “proibidão” ou da “saca-nagem”.

Aliás, a “sacanagem” não é uma coisa oriunda do “funk”, mas já vem também do forró, do baião, do xote. Se você for ver na raiz lá tem muita brincadeira, tem muita metáfora que é justamente essa “sacanagenzinha”.

Eu acho emergencial que a música brasileira seja mais crítica. Quanto mais a gente puder produzir funk, tec-nobrega, todos esses movimentos que são populares, que saem de morros, de bairros que não são de classe média, que tem acesso aos acordos com gran-des mídias do rádio e da TV, melhor.

A gente começa a alimentar cada vez mais a criatividade. A batida pode ser a mesma, mas letras variadas, ou-tros poetas, outras críticas. Falta críti-ca, falta essa politização das relações não somente no funk, mas falta na MPB, falta no pop nacional, no rock nacional. Está “tudo muito bem”, “todo mundo feliz” e ninguém fala nada. Ninguém está incomodado, ninguém está afetado. Nós temos que nos inco-modar com as coisas.

A gente tem que estar realmente disposto a isto, a travar o diálogo com aquilo que nos incomoda, e não se acomodar com o que incomoda. Que a gente possa ter muito mais funk com letras variadas, politizadas, assim como na MPB em geral.

Vírus Planetário: O nome do CD de vocês é “Sociedade do Espetáculo”, lembrando o título do livro de Guy Debord. No livro, o autor defende que o grande problema da sociedade do espetáculo é que ela não foge de si mesma. O espetáculo é o próprio fim do espetáculo. Então, qual é o fim do Teatro Mágico? Para onde O Teatro Mágico quer ir para além de si mesmo?

Fernando Anitelli: O Teatro Mági-co, neste terceiro momento, traz essa metáfora em relação ao título do livro justamente para fazer uma brincadei-ra sobre as relações mídiaticas que se dão hoje em dia. Tudo é muito rápido, efêmero, raso. É tudo muito superfi-cial. E ao mesmo tempo consegue ser profundo, a gente consegue acessar muita coisa.

“ A ideia é mostrar que a “Sociedade do Espetáculo é cada um de nós, pois todos estamos dentro deste contexto.”

Fazemos parte desta sociedade, construímos isso. O terceiro álbum de-veria fechar uma trilogia; a ideia era um “fim”, nesse sentido. Mas a gente resolveu fazer uma trilogia igual ao George Lucas, faz três pedaços mas ainda tem mais aí pela frente. Então, a ideia da “Sociedade do Espetáculo” não é traduzir o livro de uma maneira sonora, mas sim trazer o debate que ele faz em relação a essa experiên-cia, essa vivência. Dialogar com nosso público através das redes e saber que estamos juntos para construir uma outra coisa. Somos tentáculos de um mesmo motor. É esse o nosso intuito.

Até a capa do álbum a gente fez como um retrato da sociedade em ge-ral. Não tem “ah, esse aqui é fulano, esse aqui é sicrano, não”. É um retrato geral. Tem o bem, tem o mal, tem a TV, o público, tem gente da trupe, tem vá-rias bandeiras colocadas ali. Acho que a ideia é justamente essa, mostrar que a “Sociedade do Espetáculo” é, de certa maneira, cada um de nós, pois todos estamos dentro deste contexto.

VP: Você tocou com o GOG no Fó-rum Social Mundial de Belém, em 2009. O GOG é uma referência nacio-nal de um rap crítico, de cunho so-cial. Aqui no Rio está ocorrendo uma refundação de um funk como crítica social. O que você acha desse fenô-meno? Ele faz parte também uma nova música popular brasileira?

FA: Eu acho funda-mental. Assim como o movimento punk surgiu na época, com letras minima-listas, meio tocadas de “qualquer jeito”, com um timbre ruim, uma qualidade não tão boa, mas retrata-va todo um contexto. E foi tachado “disso, daquilo”.

9Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

Page 10: Edição 12 Vírus Planetário completa

Direitos Autorais 2.0Sociedade remixada e propriedade intelectual

O que está realmente em jogo quando falamos de direitos autorais hoje? O relatório sobre a economia criativa, realizado pelo Ban-co Mundial em 2008, indica que 8% do PIB do planeta

vem da economia da cultura, setor be-neficiado direta ou indiretamente pela criação de obras intelectuais. A indús-

tria criativa – que intersecta arte, negócio e tecnologia – é uma das que mais cresce no mer-

cado internacional. Muitos espe-cialistas traduzem essa crescente

importância da comercialização de bens imateriais na economia global,

no conceito de sociedade da informa-ção, ou ainda, de capitalismo imaterial. Neste contexto, os direitos autorais, que regulam a chamada propriedade intelectual, assumiram um papel de destaque e são alvos de interesses econômicos e políticos, que vão muito além do legítimo direito do autor.

No I Fórum Internacional de Econo-mia Criativa para o Desenvolvimento, em 2006, o ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, afirmou que “o futuro do sistema capitalista está condicionado a repensar o modelo de propriedade intelectual”. A especialista em comu-

Por Artur Romeu

Entenda os debates sobre as políticas de direitos autorais na era digital

Bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

COPYLEFT

10 Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

Page 11: Edição 12 Vírus Planetário completa

“ Questionar a política dos direitos autorais é lutar pela emancipação cultural e pela democratização do

conhecimento.”

“ O livre compartilhamento do conhecimento é fundamental para a construção de uma sociedade

mais criativa e plural.”

nicação e novas mídias da Universida-de de Coimbra Maria Manuela Borges afirma que o debate está polarizado: “Por um lado, a introdução de novos mecanismos de controle de cópias que, numa política de maior cerceamento, combate a pirataria e os downloads ilegais. Por outro, a emergência de mo-vimentos de software e cultura livre, sob novos tipos de licença, têm como consequência uma quantidade cada vez maior de material em livre acesso”, explica.

O surgimento de novas licenças de compartilhamento, assim como a ex-pansão dos movimentos de software e de cultura livres, são expressões da busca pela ruptura com os modelos econômicos estabelecidos na indús-tria cultural no século XX. Eles defen-dem que a construção colaborativa e o compartilhamento livre do conheci-mento são fundamentais para se cons-truir uma sociedade mais criativa e plu-ral. Eles acusam os mecanismos legais de controle da propriedade intelectual de privilegiarem grandes conglomera-dos de mídias e apontam que estes são uma forma de privatização do co-nhecimento e da cultura – gerando a mercantilização das idéias e o controle social.

Estes movimentos tiveram origem na década de 80. O programador Ri-chard Stallman cunhou, em 1988, o conceito de CopyLeft ao associá-lo à Fundação para o Software Livre. O caso mais conhecido baseado nos princípios que prevêem o comparti-lhamento, a construção colaborativa e a abertura dos códigos fontes dos programas (open source) é o sistema operacional Linux. Outros exemplos que teriam enraizado esta herança são projetos como a Wikipédia (maior en-ciclopédia da história com acesso gra-tuito), o Wordpress (que possibilitou a

criação gratuita de quase 500 mil sites até agora) e o Mozilla Firefox (também gratuito e o segundo navegador mais usado no mundo).

Também não são poucos os exem-plos de bandas de sucesso que dis-ponibilizaram gratuitamente faixas ou álbuns inteiros em seus sites, como o Radiohead e o Coldplay. Da mesma forma, grupos menores colocaram seu trabalho na internet a fim de alcançar o público e buscar o retorno financeiro nos palcos. As formas de financiamen-to destas iniciativas são variadas, seja através de fundações, editais públicos ou ainda de micro-doações de pessoas que acreditam no projeto. O veterano cineasta Silvio Tendler lançou recente-mente o documentário “O veneno está na mesa”, e disponibilizou o filme na íntegra no Youtube. O vídeo já conta com quase 50 mil visualizações e o di-retor diz que, com a repercussão, está sendo convidado para muitas confe-rências e debates, nos quais é pago e vê aí mais uma forma de retorno.

Outra proposta que segue uma li-nha semelhante e que tem tido grande adesão é o Creative Commons, fun-dado em 2001. Essa licença tem por objetivo permitir a criação de obras com base legal de compartilhamento, identificando trabalhos com “alguns direitos reservados”. O professor da Universidade de Columbia, em Nova York, Lawrence Leissig, idealizador do projeto, é uma voz polêmica no ques-tionamento da legislação corrente dos direitos autorais. O seu livro “Cultura Livre – Como a grande mídia usa a tec-nologia e a lei para bloquear a cultura e

controlar a criatividade”, publicado em 2004, é um marco para os que deba-tem a propriedade intelectual na era digital.

O Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro é um dos grandes pólos de re-flexão sobre a cultura digital no Brasil. O professor de direito Bruno Magrani, que coordenou durante cinco anos o grupo de pesquisa Cultura Livre, afir-mou que, ao longo das últimas déca-das, houve uma maximização da prote-ção à propriedade intelectual liderada pela indústria do entretenimento, que passou a ver seus interesses econômi-cos ameaçados: “Existe uma corrupção institucional, pela qual interesses parti-culares passam a distorcer o sistema político a seu favor através de, por exemplo, pressão econômica”, conta.

No entanto, a postura progressis-ta da pasta, quando capitaneada por Gilberto Gil e depois por Juca Ferreira, que chegou a fazer uma consulta pú-blica do anteprojeto da nova lei pela internet, foi freada com a chegada da atual ministra, Ana de Hollanda. A re-forma que estava sendo proposta era considerada pelos críticos das atuais políticas de direitos autorais um avan-ço para o país.

O principal desafio entorno das questões da propriedade intelectual é o de encontrar equilíbrio entre o legíti-mo direito do autor e o interesse pú-blico no acesso à cultura e ao conheci-mento. A Consumers International (or-ganização que defende os direitos dos consumidores) estabeleceu um ranking dos países que mais facilitam o aces-so ao conhecimento em suas leis de direitos autorais. De 34 países, o Brasil ocupa a 27a colocação. Com a imensa quantidade de bens imateriais a se-rem comercializados, a poderosa ver-tente econômica do copyright exerce grande pressão para a manutenção de certas políticas consensualmente ina-dequadas ao contexto contemporâneo. Questionar a política dos direitos auto-rais é lutar pela emancipação cultural e pela democratização do conhecimento.

O software livre e as novas licenças – uma revolução digital

11Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

Page 12: Edição 12 Vírus Planetário completa

Bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

Contraindicações

A Utopia Capitalista

Nesta edição, falamos de utopia principalmente na forma de grandes sonhos carregados de amanhecer, que animam e orientam a caminhada. Diferente da uto-pia do capitalismo, sonho noturno com a acumulação irrestrita de bens e o estímulo máximo da produção e do consumo desregulados. Durante boa parte da história recente, países se sub-meteram a um falso discurso sobre modelo de desen-volvimento em que os ‘subdesenvolvidos’, aqueles que supostamente por uma razão ou outra ficaram um pas-so atrás na caminhada do progresso, iriam chegar ao patamar dos Estados Unidos ou da Suíça. Parecia uma questão de tempo. Hoje, quando a crise ambiental bate à nossa porta, mostrando que a polui-ção e o uso da natureza ao modo dos EUA não é possível em um país — imagine em vários — e quando obser-vamos que por mais que se aumente o bolo da produ-ção, um número que esconde uma triste realidade que jamais muda significativamente: mais de um terço da humanidade se encontra abaixo da linha da miséria.

IndicaçõesCineclube CAL-ABI

Quinta-feira à noite, duas vezes por mês. O que você faria no Centro até às 22h? Algumas pessoas vão religiosamente à As-sociação Brasileira de

Imprensa (ABI), para o

Cineclube mantido em parceria com a Casa da América

Latina (CAL). Na tela do Auditório do 7º andar, já foram

exibidas obras de todos os gêneros, que refletem sobre

a matriz latinoamericana. Nosso entrevistado inclusivo

desta edição, o cineasta Silvio Tendler, terá o documen-

tário Memória e História em Utopia e Barbárie exibido

no dia 15 de dezembro.

Calle 13 - LatinoAmericaLatinoamérica é um vídeoclipe produzido pela dupla

porto riquenha Calle 13 (Rua 13), que traduz intensa-

mente as lutas, derrotas e

desafios enfrentados pe-los povos de uma América que, embora permaneça com suas veias abertas, continua pulsando com novas formas organizati-vas e cada vez mais identi-ficadas com suas origens. Numa contundente crítica ao sistema capitalista, (re) afirmam que existem coi-sas preciosas que não podem ser compradas. Arrepiem-

se!

Acesse www.lacalle13.com para ver na introdução o clipe

Documentário Marcelo Yuka - No caminho das setas

Exibido e premiado no Festival

do Rio de 2011, o documentário

Marcelo Yuka no caminho das

setas, revela a alma de um homem,

que com arte e indignação, busca

dar a volta sobre si mesmo e, o

destino que o atingiu. Sua utopia?

A paz. Paz como partilha de nossa

comum humanidade.

A página do facebook do filme tem as informações de

locais e horários de exibições: www.facebook.com/yukanocaminhodassetas ingerir em caso de marasmo

ingerir em caso de repetição cultural ingerir em caso de alienação

POSOLOGIA

manter fora do alcance das crianças nocivo, ingerir apenas com acompanhamento médico

extremamente nocivo, não ingerir nem com prescrição médica

EU DISSE QUE EU ESTAVA CERTO

SOBRE O CAPITALISMO!

12 Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

Page 13: Edição 12 Vírus Planetário completa

nosso? Talvez esta seja a maior uto-pia do brasileiro. Superar o que está estabelecido e enxergar além das lide-ranças carismáticas. Reivindicar este movimento depende de uma constru-ção sólida e, sobretudo, de longo pra-zo. Não se trata, portanto, de brava-tas. Não há tempo para isso. A utopia, ou distopia, segue o seu rumo, e nós brasileiros tentamos buscar o nosso caminho.

O desenvolvimentismo tinha no horizonte a distante revolução indus-trial como parâmetro. A nossa utopia precisa definir qual revolução nos ala-

vancará para o século XXI.

“É preciso atacar o desemprego e falta de expectativa da

juventude. ”

agenda capaz de superar os entraves da questão social, faz-se necessário atacar um mal grave: o desemprego e a falta de expectativa da nossa juven-tude. A utopia das pessoas, que têm

entre 25 e 35 anos, é a de se salvar individual-mente.

Um novo projeto de sociedade deve estar associado a um enfo-que coletivo. Os asiáti-cos, nesta fronteira do desenvolvimento, pro-curaram um caminho próprio. Qual será o

Vivemos mais uma fase em que o discurso desenvolvimentista parece dominar o cenário político nacional. Será a única alternativa para o cresci-mento e para a distribuição de renda?

Desde o Estado Novo de Vargas até as reformas de base da Era Jango, a uto-pia desenvolvimentista foi dominante, com variações e tonalidades, porém com um eixo comum: distribuir sem socializar os meios de produção.

Hoje, as transformações do capi-talismo abalaram as convicções das teorias do desenvolvimento. Com a flexibilização do trabalho, a reestrutu-ração da base produtiva e o desem-prego estrutural, fica a pergunta: será possível mudar a vida das pessoas sem o povo?

A luta, por uma modificação mais consistente, volta a estar em pauta após o liberalismo, como diz Imma-nuel Wallerstein. A atualidade do de-senvolvimentismo mostra a sua ne-cessária superação dialética. Afinal, não são os países que se desenvol-vem, mas todo o sistema mundial.

Os discursos do G20, agendas para a crise grega e a política orto-doxa de combate à inflação se apre-sentam com gosto de receita repeti-da à exaustão. Não é fácil sair desta fórmula, é verdade, mas não estamos condenados a repeti-la. Aliás, o nos-so povo não precisa disso. Para uma

A utopia do desenvolvimento

Oswaldo Munteal é professor de história na UERJ, Facha e PUC-Rio. Pesquisador da FGV,

coordenador do grupo de pesquisa Núcleo de Identidade Brasileira e

História Contemporânea (NIBRAHC)

OSWALDO MUNTEAL

Os caminhos possíveis para um projeto coletivo de sociedade

Charge: Carlos Latuff

Page 14: Edição 12 Vírus Planetário completa

O começo de uma jornada pela América Latina

américa latina

Como contar uma viagem? Como transformar ou esquematizar pessoas, histórias e vivências? Dentro de cada país é possível viver vários outros. As-sim esse texto parece uma missão complicada, que só pode ser entendido partindo dessa complexidade. Nos sete meses iniciais de viagem passamos pela Revolução Bolivariana da Venezuela, cruzamos a Sociedade do Medo e do Controle na Colômbia e vibramos com a Sociedade Indígena em luta por sua bio-diversidade no Equador. De peito aber-to nos jogamos em uma viagem que para muitos parecia uma loucura. Não queríamos rotas, nem mapas traçados. Saímos a nos movimentar, buscando movimento e gerando movimentos. Cada passo, cada história, cada país foi passando pela gente. Trazendo sorrisos, paisagens e sonhos que vão sendo le-vados.

Ainda no Rio essa era a nossa uto-

pia, que diante de tantas expectativas, parecia difícil de realizar. Agora a utopia é o nosso dia a dia, e por aqui vamos alimentando outra: ver nossa America Latina unida, pelos povos, pela preser-vação do meio ambiente, pela diversi-dade de nossas culturas e cultivos, tra-ços e línguas, e que nada nem ninguém possa reter o poder dessa história, pois acreditamos que chegou a sua hora...

Já caminhamos um passo em dire-ção ao horizonte.

A Venezuela foi uma surpresa boa. O primeiro choque foi ver nas paredes, nas caixas de produtos, na frente do exér-cito as palavra Socialismo e Revolução. Os produtos do governo vêm com um coração e dentro a frase: “Hecho en so-cialismo”, na frente da polícia está a fra-

se: “Socialismo o muerte”. Sentimos na Venezuela o chamado “Socialismo do Século XXI”: a distribuição da riqueza, o MERCAL (mercado subsidiado pelo governo com produtos a baixo custo), cada produto com um artigo da consti-tuição, a “Misión Barrio Adentro“ ( com postos de saúde dentro das favelas e periferias e médicos cubanos fazendo atendimento primário), as donas de casa recebendo salário por seu trabalho, ou trabalhando com a comunidade com a “Misión Madre Del Barrio”, a gasolina a preço baixíssimo (tanque cheio a 1 dó-lar) e a construção de milhares de casas por todas as partes do país.

A cultura política está presente nos venezuelanos em toda parte. Ouvíamos e discutíamos política o tempo todo. Fossem de direita ou de esquerda, cha-vista ou não, todos tinham uma opinião e queriam debatê-la. Até os oposito-res nos diziam que com a entrada de

Caminhando um passo em direção ao horizonte

O novo socialismo da Venezuela:

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Por Luna Arouca e Marina Praça

14 Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

Page 15: Edição 12 Vírus Planetário completa

Chávez a política se massificou no país. Escutamos um motoboy da “Organiza-ção dos motociclistas pelo socialismo” falando da mobilização realizada por eles, apoiando a volta do presidente, na tentativa de golpe em 2002, quando milhares de pessoas saíram às ruas; ele nos contou da formação política “rece-bida” por Chávez (publicação de livros e discursos na televisão e nas ruas), citou Rosa Luxemburgo e disse que se algo acontecer com o presidente os moto-boys estão dispostos a entrar em uma guerra civil para defendê-lo.

A organização por bairros em comu-nas, a universidade que tem como base o trabalho coletivo, o financiamento massivo de projetos com caráter organi-zativo e comunitário, nos davam sinais da construção de uma sociedade pau-tada na coletividade e não no individu-alismo. E nos fazia entender na prática a importância do empoderamento do povo nos processos de transformação radical da sociedade.

Os opositores falavam da corrupção, do enriquecimento dos boliburgueses e da perseguição política, todos motivos sérios, mas que não tivemos elemen-tos para analisar. Desse lado, da história o mais forte que escutamos foi sobre uma história sobre uma consulta popu-lar na qual o governo tornou público o nome daqueles que votaram contra a decisão governista. Estes entraram para uma lista utilizada pelas instituições pú-blicas na hora da contratação de funcio-nários e outros benefícios, impedindo-os de obtê-los. Esta foi uma das contradi-ções da Revolução Bolivariana que mais nos marcou e nos fez perceber que o respeito à diferença segue sendo um grande obstáculo nos processos revo-lucionários.

Mesmo com todos os processos de transformação, a estrutura capitalista ainda existe, uma das particularidades do projeto do “Socialismo do Século XXI”. A tradicional elite financeira domi-na os meios de comunicação, a terra e

a entrada de artigos importados. Con-traditoriamente, essa elite também é admirada pela população devido ao seu status social. A lógica do consumo está muito presente e todos comentam que há muito dinheiro circulando.

A polarização é real e forte, e apon-tada pelos venezuelanos como algo ne-gativo do governo. Diante dessa conjun-tura vimos o enfrentamento diário nos jornais e nas ações perpetradas pelo Estado contra essas elites, desapro-priando terras e empresas e construin-do na imprensa pública outra “verdade oficial”. Não sabemos como vai ser ou pode vir a ser o enfrentamento da luta de classes na Venezuela. Ficamos com a esperança que esse processo possa se consolidar e se ampliar na direção de uma sociedade mais justa e igualitária. Mas isso só a história dirá.

O início veio junto com a história contada por Garcia Marques na sua bi-bliografia. A invasão da indústria bana-neira, a Guerra dos 100 mil (entre liberais e conservadores) e a Guerra do Canal do Panamá. Nos anos 50, a possibilidade de um governo de base, como o nosso de João Goulart, com Gaitán – rompi-da por seu assassinato em plena bor-búria urbana e política de Bogotá - e a contínua disputa oligárquica e elitista, marcada pela inexistência de partidos de esquerda na história política do país.

A resistência em âmbito nacional na Colômbia surge na década de 70 com a guerrilha e sua luta armada pela construção de outra sociedade. Proje-to apoiado, a princípio, pela população pobre do campo e da cidade e por movimentos locais. Na década de 90 o auge do narcotráfico, com o “Cartel de Medellín”, Pablo Escobar e CIA. E o iní-cio da justificativa para todo o tipo de guerra e intervenção estrangeira. Acen-tuado com a associação entre guerrilha e narcotráfico. Está montado o cenário da situação política que a Colômbia vive hoje, e que escutamos, sentimos e vi-venciamos um pouco.

Bogotá parecia uma cidade grande normal, seu centro histórico, suas

“ Agora a utopia é o nosso dia a dia, e por aqui vamos alimentando outra:

ver nossa America Latina unida.”

O silêncio forçado na Colômbia

Foto

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Equador: Dia dos Afroequatorianos

15Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

Page 16: Edição 12 Vírus Planetário completa

ruas cheias de gente. O primeiro sinal de algo estranho foi a quantidade de políciais nas ruas; em todas as esquinas e praças. Na casa de amigos, ouvíamos as primeiras histórias fortes. A jovem se-nhora, trabalhadora da saúde e partici-pante de um movimento feminista, nos contava com os olhos cheios d’água a situação do seu país. Ela falou da per-seguição e extermínio das organizações sociais, das ameaças em papel volante debaixo das portas, da morte de mili-tantes, do medo, da guerra.

Ficamos lá uma semana e a cada dia encontramos uma pessoa diferen-te, de um movimento diferente, e to-dos nos contavam o mesmo. Os en-contros eram em lugares públicos, mas escolhidos a dedo por cada pessoa. As conversas eram meio sussurradas, os olhos estavam atentos ao entorno e a informação se repetia: a sociedade está vigiada e controlada. Além da polícia e do exército nas ruas, pessoas comuns tinham se transformado em informan-tes. Confirmamos essa realidade com dois amigos brasileiros, cada um de uma organização, que quando saíram da Co-lômbia depois de atividades políticas, foram advertidos pela policia de que ela sabia de todos os seus passos dentro do país.

A guerra está controlada, o governo após muitos esforços e muito dinheiro manejou politicamente a situação. As estradas, antes perigosas pela possibi-lidade iminente de uma ação, agora já são transitáveis. A resistência vive em uma ditadura disfarçada e o povo sob controle. A guerra civil estampada e en-coberta ao mesmo tempo. Encoberta pela suposta segurança e pelo neolibe-ralismo. Estampada pelas perseguições e atentados a qualquer tipo de resistên-cia e pelos bombardeios e massacres, justificados e realizados por todos os atores dessa guerra.

Vimos o que pode ser o aprofunda-mento de uma política neoliberal. Todos os serviços básicos, educação, saúde, transporte, nas mãos de empresas pri-vadas. A economia e a política estão totalmente dependentes dos EUA atra-

américa latina

Colômbia

Venezuela

16 Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

Page 17: Edição 12 Vírus Planetário completa

estrutura de um movimento social em relação com uma institucionalidade que diz apoiá-lo.

Na nossa última etapa no país, co-nhecemos a região amazônica e os impactos das indústrias petroleiras, que vêm de um processo de 30 anos de apropriação da terra, da água e da dignidade humana. Fomos a uma ati-vidade chamada Clínica Ambiental. Lá escutamos a apresentação de um in-forme sobre as consequências destas indústrias em uma comunidade chama-da Pimampiro. Coisas difíceis de ouvir que nos mostravam as dores causadas pela força do desenvolvimento do capi-tal. Numa comunidade de 80 casas, há 42 poços petroleiros; 75% da população têm problemas sérios de saúde e 34% das famílias tiveram casos de câncer. Há um processo de construção da invisibili-dade dessa população por parte da pe-troleira e a imposição do estado desta atividade econômica a qualquer custo.

A luta ambiental foi o que vimos de mais forte, seja por meio dos indígenas, das ONGs, dos camponeses ou de co-munidades afrodescentes. Todo tipo de luta era pela defesa da maior biodiver-sidade do mundo (é o que dizem por aqui) e dos povos que vivem a milhares de anos junto a ela.

das. Denunciavam que estas mudanças foram superficiais e que em relação ao meio ambiente o governo está come-tendo atrocidades, na liberdade dada as petroleiras e mineradoras.

Mais ao sul, na cidade de Cuenca, chegamos à casa de uma amiga e ou-vimos outro discurso. O pai dela era correista, estava muito feliz com o go-verno, via grandes mudanças na área da saúde, educação, na assistência aos discapacitados portadores de necessi-dades especiais (“Misión Manuela Espe-jo”), no retorno de equatorianos ao país e na estabilidade política e econômica. Os discursos pareciam opostos, mas duplamente verdadeiros .

Os indígenas são maioria no Equa-dor e, como se vê pelos traços no ros-to ou por suas roupas, são diferentes grupos, com diferentes culturas. Mas não imagine uma tribo indígena como fantasiamos e vemos em filmes. Fomos com o livreiro conhecer a televisão in-dígena do MICC- Movimento Indígena e Campesino de Cotopaxi. Lá tivemos outra conversa, Maritza, uma das cons-trutoras do projeto dessa desta TV co-munitária nos contou a briga com os poderosos dos meios de comunicação, o êxito na constituição da repartição do sinal em TV pública (33%), privada (33%), e comunitária (34%), a criação do canal indígena com programas em quíchua e espanhol. Nessa conversa ouvimos as dificuldades da relação com o governo, a cooptação dos lideres do movimento. Escutamos uma historia que já vimos no Brasil: a complexidade e o desafio da

vés dos Tratados de Livre Comércio e planos intervencionistas como o Plano Colômbia (supostamente de combate ao narcotráfico). E vimos a importância da estrutura pública que temos no Bra-sil, por menor que seja.

Entramos na Revolução Cidadã do Equador pensando que iríamos ver um pouco da Venezuela. Talvez por ter no imaginário que Corrêa e Chávez forma-vam um bloco político. Nos equivoca-mos em vários sentidos e percebemos como no Brasil não sabemos nada do Equador. Vimos que Corrêa está muito mais próximo do nosso governo petista do que da Revolução Bolivariana. É um governo com um olhar para as bases sociais, mas que não se propõe a rup-turas com o capital estrangeiro e visa o desenvolvimento a qualquer custo. Os primeiros questionamentos vieram ao vermos um país latino americano com traços indígenas por toda parte manejar seu dia a dia com dólares.

O custo de vida é latino, mas a mo-eda é o dólar. Ônibus a $0,25, comida a $1,50 e com $1 dólar se compra quase tudo por aqui. Por que isso? Por que o dólar colocou o Sucre abaixo e todos tratam com naturalidade que a moeda americana seja a sua? Não conseguimos entender exatamente como se deu esse processo, mas sabemos que veio com a justificativa da estabilidade econômica, e trouxe o encarecimento do custo de vida e a total dependência em relação à economia norte americana.

Os primeiros contatos no Equador foram com pessoas da Via Campesi-na e uma ONG ambientalista, a Ação Ecológica. As visões eram bem críticas, falava-se que Corrêa chegou ao poder com o discurso e apoio da esquerda, prometendo transformações profun-

“ Saímos a nos movimentar, buscando movimento e gerando

movimentos. Cada passo, cada história, cada país

foi passando pela gente. Trazendo sorrisos,

paisagens e sonhos que vão sendo levados.”

O dólar do Equador

17Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

Page 18: Edição 12 Vírus Planetário completa

*Improvável, mas não impossível.

Por Ricaço Teixeira

Eduardo Pais é ou não é um Filé Carioca?

O prefeito da Cidade Gostosa, o filezão carioca Eduardo Pais e Mães, deveria ter deixado com menos do que meio-alvará o restaurante que explodiu, que mais parecia ter sido invadido pelo Bope. Assim, quem sabe, o prefeito bem-passado não daria um quarto-de-alvará para mim, outro quarto para o João Maria Faustino Godofredo Havelange – ufa! –, e o último, que não pode ser emprestado por banqueiro nem licitado por empreiteiro amigo, para o Cabralzinho passar o pernoite de reconciliação com a esposa. Depois de todo o causo com a viagem a Porto In-seguro, o que restou de tudo isso foi que o governador a-ba-fou com a carona no luxuoso helicóptero do Eike Maravilha. Genti-leza gera gentileza! Ahhh! Agora, falta só o Cabral, descobridor do Rio de Janeiro, facilitar uns “licenciamentos ambientais” para o Mr. Maravilha construir portos faraônicos.

Notinhas descontraídas escritas por um homem cuja aposentadoria é a morte!

Educação, que nada! É tempo de especular em cima do Rio de Ja-neiro, aproveitar que enquanto a grama não volta a crescer na careca – ops, no campo – do Maraca, a gente bota a Delta para reformar estádio, tribunal de justiça, porto... Só não boto lá em casa, porque o Centauro Cavendish – que ganhou como retribuição um chifre do nosso governador – cobraria cada dia mais caro! E já que falamos em preço, como é que tem acidente no bondinho, com o preço alto daquele jeito? Se eu pago R$ 0,60, exijo que tivesse pelo menos uma broca no lugar do arame freado. E do jeito que andam nossos hospi-tais públicos, meus leitores, vocês deveriam agradecer às UPA’s e OS’s pelo atendimento que não deixam os pacientes feridos, impacientes, com o selo “saúde boa é a privada”. Vejam o meu caso, não fosse o Pró-Cardíaco, a minha diverticulite não teria passado e um monte de gente estaria até hoje se divertindo às minhas custas.

Para o Bradesco, o Rio de Janeiro é oh [clap, clap, clap] preço!

Já chorei pelos canos, cantos e campos, e não adianta: sigo inconso-lável. Mas a prepotenta Dilma ainda vai me receber, senão faço até o PCdoB tirar o apoio ao governo. Aliás, na cerimônia de posse do Al-doh Rebola como ministro do Desmatamento do Esporte, ela con-tinuou não me dando bola. Só que eu vou me vingar dela, ressucitar o Orlando Silva e mandar ele cantar “Nervos de aço”, especialmente aquele trecho: “Eu só sei é que quando a vejo/Me dá um desejo de morte ou de dor”. Mas bom mesmo é o System of a Dilma!

A Dilma não me “tucuta” no facebook =(

CBF - Coluna do Bom Futebol

18 Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

Page 19: Edição 12 Vírus Planetário completa

Gente de bem!

Que horror esses maconheiros da USP, néam, gente? Só tomando muito rivotril pra aguentar... E quanta violência! Pra quê isso, meu Deus? Ainda bem que a PM soube agir com rigor, atacando esses foras-da-lei. Peraí um minuto porque eu tô baixando uma mú-sica aqui e meu computador travou. Ai esse Windows pirata sempre dá problema, Brasil!

Bem, mas como eu ia dizendo, a PM mos-trou praqueles filhinhos de papai mimados com quantos paus se faz um Carandiru. Bem feito! Odeio essas desordens. Claro que a PM exagera um pouco. Por exemplo, eu te-nho de ter pacote de dados no meu celular pra saber onde tem Lei Seca, néam? Senão, como vou poder beber meus bons drink com as amigas da academia? Afinal, os guardinhas da Lei Seca nem aceitam uma cervejinha, ai que absurdo!

Agora dá licença que vou voltar aqui pra minha leitura semanal da Veja e daqui a pou-co vou ver o Jornal Nacional pra me informar cada vez mais. Afinal, não basta ser bonita, tem de ser culta também. Aliás, que horror essa história de “funk é cultura”, né, peo-ple? Se ainda fosse a Lady Gaga (que aliás é TUDO, pós-feminista, fashion, super in, com looks que arrasam, enfim, a-do-ro!).

Espero que essa baderna acabe logo e que, ao contrário da ditadura, o governo de SP e a reitoria da USP não façam um serviço de pre-to e não deixem esses terroristas voltarem às ruas. Um brinde aos direitos humanos para humanos direitos! Quem quer prosecco? Aloka!

Ah, e para quem quiser acompanhar mais sobre os papos-cabeça que temos no clube das socialites engajadas, pode ver nesse ví-deo: http://migre.me/684qn

Adieu,

Ludmila Marcondes Alcântara Mena Barreto Figueiredo Castelo Branco, gente de bem

A Usp tá bandida

Por Daniel Israel, Mariana Gomes e Adriana Facina

Mila Branco

Onde já se viu o governante mais importante de um país perguntar se a população topa ou não pagar as dívidas dos outros? É óbvio que o povo deve pagar! Se você concorda comigo, dê RT – Ricaço Teixeira, ou, para os íntimos, retuíte – e dê o recado para os gregos, antes que eles deem aquele presente estilo cavalo-de-Tróia para o resto da Europa. Nes-sas horas, me pergunto que mal há no fato de os meus amigos banqueiros serem bancados pelos governantes? Nada a ver o pessoal quebrar tudo em Atenas! Por isso, o plebiscito é o calcanhar-de-Aquiles do Papandreou, reconstruir a cidade será o 13º trabalho de Hércules e Zeus ficaria envergonhado se fosse o negociador daquela bendita dívida.

Quem ama (S2) a CBF dá RT!

Outro dia, estava passando pelo bucólico Jardim Botânico, quando vi um monte de badernistas em frente a uma das 476894356 sedes da Globo. Para piorar, faziam o papel da Comlurb, impedindo os garis de faxinar a rua. Não entendo o que tem a ver se manifestar limpando a entrada da Globo, porque eu, que tenho tanta influência lá dentro, posso garan-tir que é tudo tão limpinho, ainda mais nos estúdios e nos cenários das novelas. Vai que esse pessoal quisesse conversar com um dos vinte e oito herdeiros da Família Azul-Marinho, achando que nenhum deles fosse transparente o bastante para deixar o James Bonner contar a verdade no “CQC” – digo, no “Jornal do Banco Nacional”.

Democracia, a gente se liga em você!

Hoje é dia de Rock, bebeam!

Page 20: Edição 12 Vírus Planetário completa

Modelos pedagógicos para uma nova sociedade

A educação como alavanca

das mudanças

educação

Page 21: Edição 12 Vírus Planetário completa

muito mais da usada pela elite do que da falada pelo povo, o que cria uma grande desigualdade de antemão e re-afirma não só os lugares sociais como o suposto ‘merecimento’ de quem os ocupa.

A escola também enfrenta o pro-blema do direcionamento para exames

como o vestibular. “Para o tradiciona-lismo pedagógico, a compreensão dos conhecimentos apresentados aos es-tudantes continua sendo algo menos valorizado. É muito mais importante, em tal perspectiva, que os estudantes sejam capazes de obter resultados po-sitivos em exames e concursos, mes-mo mediante formas de memorização”, avaliam os professores da Faculdade de Educação da UFRJ, Máximo Cam-pos e Suzana Saraiva. Há aqueles que, como filósofo Ivan Illich, se manifestam contra a própria ideia da instituição, afirmando a necessidade de outro mo-delo, de várias redes educativas não-institucionalizadas, para tornar possível a educação universal.

Mas mesmo com as severas críti-cas, são poucos os que não reconhe-cem a escola como fundamental hoje. “Hoje, poderíamos dizer que não ‘pode-mos escapar à escola’, pois ela é uma

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Julgando pelo que se ouve nas ruas, não há dúvidas da importância atribuí-da à educação. “Eita, povinho mal edu-cado”, diz a madame torcendo o nariz, enquanto o político na TV discursa: “a única forma de mudar o Brasil é uma revolução na educação”; numa casa apertada, o pai descamisado diz para

seus filhos pequenos, “vou dar a vocês a chance que eu nunca tive, de estudar para ser alguém na vida”. Chega a ser irônico como algo que é visto de forma tão central em nossas vidas é sempre tachado como defasado — poucos são os que não reclamam de suas escolas ou universidades, mesmo quando bem colocadas nos rankings educacionais. Pesquisas como as do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de 2008, apesar de variações, costumam apontar a educação como o maior problema na percepção dos brasileiros.

Como instituição principal desse processo, a escola sofre muitas críti-cas. Alguns, como o sociólogo Pierre Bourdieu, apontam para a reafirmação de uma forma de se pensar e viver. En-tre outros exemplos de sua obra, tem destaque o das avaliações em torno da língua oficial — que se aproxima

Por Maria Luiza Baldez, Rodrigo Teixeira e Seiji Nomura

experiência cada vez mais universal na vida dos indivíduos. Por sua vez, a es-querda e os movimentos sociais com base social nas classes trabalhadoras visualizaram na educação escolar um importante espaço de luta”, afirmam Máximo Campos e Suzana Saraiva.

O professor da Escola de Comuni-cação da UFRJ, Muniz Sodré, valoriza o anacronismo do espaço da escola. “Mesmo com tantos defeitos, a es-cola ainda é um rito, um reduto em relação ao capitalismo e às exigências da sociedade. É nela que podemos nos dedicar a fazer e a estudar coisas sem depender de utilidade imediata, onde podemos misturar o útil e o inútil em um ócio criativo, estudar literaturas e humanidades, por exemplo. Scholé, de onde vem a palavra escola, significa ócio em grego”, afirma Sodré, que se prepara para lançar o livro “Reinventan-do a educação: diversidade, descoloni-zação e redes”, pela editora Vozes.

Ao questionarem o tradicionalismo pedagógico e a sua função social, al-guns educadores se propuseram a for-mular novos modelos de escolas. Eles apresentam diferenças nos métodos de ensino, buscando outras formas de valorização da aprendizagem, a fim de superar antigos problemas. Este foi o caso de Paulo Freire, Anísio Teixeira, Lauro de Oliveira Lima, e, da mesma forma, das iniciativas do MST.

“A experiência de Paulo Freire foi singular na história da educação. Vejo-o através de dois vetores. Um que é a crítica à educação bancária, que tenta depositar os conteúdos do professor nos alunos, e o outro que é seu traba-lho como alfabetizador, que partia

“Educadores se propuseram a formular novos modelos de escolas, buscando outras formas

de valorização da aprendizagem.”

Experiências e perspectivas

21Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

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da realidade imediata do educando”, aponta Muniz Sodré. Em suas aulas, Sodré lembra como o método Paulo Freire é capaz de alfabetizar adultos em apenas 40 dias. Para ele, esse fato contraria expectativas de ineficiência em torno de métodos alternativos de educação, e ainda construindo com os educandos formas de contestar a re-alidade.

Máximo Campos e Suzana Saraiva também reconhecem a importância de Paulo Freire. “As propostas dele não partiam de uma idealização, mas sim da realidade concreta dos educandos e de suas percepções da realidade”, ob-servam. “Ele também nos lembra que não se faz um discurso para alguém, principalmente para os oprimidos, mas sim junto com alguém. A boa pedago-gia não se satisfaz ou pretende dar respostas, mas sim fazer perguntas”, concluem.

A iniciativa do professor Lauro de Oliveira Lima também é digna de re-gistro. Baseando-se nas pesquisas de Jean Piaget, um biólogo suíço interes-sado pelo estudo do desenvolvimento

infantil, Lauro criou, há cerca de 50 anos, um novo método de ensino. Trata-se do Método Psicogenético. Lauro e sua esposa, Maria Elisabeth Santos de Oliveira Lima, fundaram a escola “A Chave do Tamanho”, no Rio de Janeiro.

O professor, ao invés de oferecer aulas expositivas, propõe situações-problema que devem ser resolvidas

pelas crianças e adolescentes, através de dinâmicas de grupo. A diretora da escola “A Chave do Tamanho”, Ana Eli-sabeth Santos de Oliveira Lima, explica que a corrente piagetiana tem como objetivo criar estas situações em todas as áreas do conhecimento. “A escola tradicional acha que tem que transmi-tir os conteúdos e as crianças devem decorar. O grande benefício da escola piagetiana é que o conhecimento, uma vez construído, é permanente. O que não é construído desaparece sem uso, e os jovens esquecem tudo o que es-tudaram”, esclarece Ana Elisabeth.

educação

Segundo Ana Beatriz, do MST, há uma política de redução das esco-las no campo. “Isto está ligado a uma visão específica do campo, ligado ao agronegócio. Estão querendo colocar o campo como um lugar que não é habitado por gente, mas por grandes plantações de soja, por exemplo”, afir-ma. “Foram fechadas cerca de 24 mil escolas no campo, o que é contraditório em relação à política de interiorização das universidades, por exemplo. Quem mora no campo está tendo que viajar horas para ter escola”, aponta Erivan Hi-lário, também do MST. “Estranho muito como há toda uma burocracia para se abrir uma escola, se dificulta muito o processo, mas não há critérios claros de como se fecha uma, principalmente quando é no campo”, ironiza o professor.

Escolas no meio rural

“ Anísio Teixeira idealizava uma

linha pedagógica com maior liberdade,

propondo uma reflexão crítica.”

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Aula de Educação Física na Escola Zumbi dos Palmares do MST | Foto: Janine Moraes

Page 23: Edição 12 Vírus Planetário completa

O educador Anísio Teixeira, por sua vez, idealizava uma linha pedagógica voltada para uma educação com maior liberdade e centrada no estudante. A proposta é refletir criticamente em conjunto com os estudantes, para que exerçam também seu papel como ci-dadãos. Corria o ano de 1969 quando uma escola de São Paulo teve uma fi-lial aberta no Rio de Janeiro. Com uma linha pedagógica autônoma em relação à proposta original, a instituição rece-beu outro nome. O espaço, então, foi rebatizado de Centro Educacional Aní-sio Teixeira (CEAT).

A professora de Artes Plásticas do Ensino Fundamental, Sandra Oliveira, comenta sobre as práticas que con-sidera fundamentais para a formação do aluno: “Para montar uma escola efi-ciente, é preciso ouvir o cidadão, perce-ber quem ele é, usar o conhecimento que ele já tem para gerar um novo co-nhecimento”. Para ela, os elementos do cotidiano devem ser incorporados na sala de aula. “É preciso incentivar o es-paço de discussão”, completa. Sandra também descreve este estímulo como uma das qualidades mais respeitáveis do colégio. “O CEAT realiza mini-con-gressos a cada ano. Escolhe sempre um tema diferente para ser discutido. Este ano, o tema é a cidade do Rio de Janeiro, para se discutir as Olimpíadas, os transportes etc”.

Outra característica do colégio é a escolha pelo não uso de uniforme. “O que eu posso dizer é que assim a gente preserva a singularidade de cada um, já que o uniforme tira um pouco esta singularidade. Não estou falando de individualidade, mas de singularida-de. A individualidade pressupõe que se está sozinho e a escola é um coletivo”, comenta a professora.

O Movimento dos Trabalhado-res Rurais Sem-Terra (MST) também promove iniciativas de educação nos assentamentos e na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF). Para Ana Beatriz, membro da coordenação da educação do movimento, a escola é um campo de luta. “Apesar de a escola disseminar os valores dominantes, en-tendo esta como um campo de luta e criamos alternativas a ela”, afirma.

O também membro da coordena-ção de Educação do MST, Erivan Hi-lário, complementa explicando sobre

a luta diária contra a separação entre teoria e prática. “Nas escolas há conhe-cimentos que devem ser passados e que requerem certo rigor, como a alfa-betização e a interpretação. É falsa a visão de que no MST não ensinamos o currículo completo, mas também trazemos o referencial crítico e vincu-lamos o conhecimento à experiência da vida no seu sentido mais amplo. No ensino de matemática, por exemplo, os estudantes investigam como os assen-tados usam o cálculo nas hortas e no plantio”.

Sobre perspectivas e horizontes para a educação, o militante do MST frisa que, para ele, só há mudança se houver luta. “Para isso, é preciso a or-ganização de professores, dos alunos, de todos envolvidos com a escola”, ex-

plica. Segundo ele, a organização des-tes núcleos fundamentais é essencial para que as escolas não fiquem sub-metidas às políticas do governo ou do mercado. “Nem todas as escolas que ficam em nossos assentamentos têm a participação do movimento na ges-tão, mas ter grupos organizados entre os estudantes, professores e funcioná-rios é um fator fundamental”, observa. “Mudar a educação e a sociedade é um trabalho que vem em conjunto, um não deve ser completamente separado do outro. Não podemos ter a educação ideal em uma sociedade individualista como a nossa e nem a sociedade ideal sem a educação”.

No Brasil, existem ainda 14 milhões de analfabetos e cer-ca de 25% da população não tem acesso à escolaridade mínima. Segundo dados da Unesco, o investimento anual por pessoa em idade escolar no Brasil é um dos mais bai-xos do mundo, US$ 959 - mui-to atrás de Cuba (US$ 3.322), Argentina (US$ 1.578) ou, até mesmo, Botsuana (US$ 2.203), considerado um dos países mais pobres da África. Se compararmos com os paí-ses que investem mais seriamente em educação como a França (US$7.884) e a Noruega (US$ 15.578), torna-se ainda mais claro o baixíssimo aporte governa-mental nesta que é uma das mais im-portantes políticas públicas.

Para mudar esta realidade, foi for-mado um Comitê Nacional por uma ampla campanha pelo investimento de, pelo menos, 10% do PIB (Produto Inter-no Bruto) em Educação. Com a parti-cipação de dezenas de entidades dos quatro cantos do país, o comitê deu a sua largada no Rio em um ato realiza-do no dia 20 de outubro, na Cinelândia, contando com a participação de mais de 400 pessoas.

O Sindicato Estadual dos Profissio-nais da Educação (SEPE-RJ) foi um dos principais atores desta campanha e continua participando ativamente de

#10% do PIB pra educação, já!

sua organização. Para Ivanete da Silva, professora em Duque de Caxias e dire-tora do SEPE, “é fundamental a aplicação dos 10% do PIB, pois a educação precisa de uma sustentação financeira de fato, inclusive para possibilitar condições de trabalho e salários melhores. E não bas-tam recursos. Queremos também uma escola pública com um projeto político-pedagógico transformador e democráti-co”.

Para saber a opinião da população brasileira sobre o assunto, movimentos sociais estão organizando até dia 6/12 o plebiscito popular para consulta. A per-gunta da cédula é simples: Você é a favor do investimento de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) na Educação Pública, já? Sim ou Não. Mais informações no site do campanha: www.dezporcentoja.blogs-pot.com/

Foto: Clarice Castro

23Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

Page 24: Edição 12 Vírus Planetário completa

A primeira: a Internet não é uma es-fera divorciada das realidades sociocul-turais. Ainda que a práxis virtual esteja pautada por especificidades, há uma relação de complementaridade com o real. Não se trata de substituir o terri-tório físico pelo virtual, e sim de reco-nhecer que os processos de expressão e significação não se excluem; em ver-dade, eles podem complementar-se.

A segunda questão: a moldura de mudanças tecnológicas está marcada por graves contradições e desigualda-des. Enormes parcelas da população mundial continuam excluídas da evolu-ção técnica. E são as classes privilegia-

das que absorvem as maiores van-tagens da cultura digital, afetando a ideia de bem comum que de-veria ser o pilar de sustentação da divisão igualitária das riquezas e do progresso tecnocientífico e material.

Daí a importância de reivindi-carmos, de forma sistemática e organizada, políticas públicas in-clusivas e permanentes, capazes de proporcionar maior equanimi-dade nos acessos, usufrutos e benefícios tecnológicos. Torna-se essencial também barrar a con-centração monopólica nos seto-res de mídia e infotelecomunica-ções, através de medidas e ações articuladas que favoreçam a di-versidade informativa e cultural e a universalização dos direitos da cidadania.

O que pensa a grande imprensa?!

oliberais no Chile e na Espanha e a co-ordenação, por celulares e dispositivos wi-fi, das ocupações cidadãs em deze-nas de cidades do mundo são evidên-cias da apropriação social imaginativa das tecnologias.

Essas aberturas ao contraditório possibilitadas por usos tecnológicos até então imprevistos são relevantes por-que a mídia comercial, não raro, distor-ce ou ignora necessidades e aspirações comunitárias, resultando em bloqueios (deliberados, mas não assumidos) ao pluralismo.

A despeito de tais avanços, devemos meditar sobre duas questões conexas.

“ O ativismo em rede tende a politizar o uso das tecnologias”

Dênis de Moraes é Professor do Depar-tamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e

pesquisador do CNPq e da FAPERJ.

DÊNIS DE MORAES

A comunicação alternativa e não mercantilizada vem se utilizando cada vez mais da Internet para ampliar o horizonte de difusão de informações e ideias contra-hegemônicas – isto é, de questionamento do neoliberalismo e seus efeitos antissociais, o que pressu-põe contraditar o discurso dominante, segundo o qual o incremento da produ-tividade depende da liberação generali-zada das atividades econômicas.

A dinâmica descentralizada e inte-rativa de Internet ajuda a ampliar os campos de resposta e resistência ao domínio dos grupos midiáticos, além de introduzir novos modos de convivên-cia, manifestação de desejos, divulga-ção autônoma e participação social. No ecossistema em rede, todos comparti-lham um colossal hipertexto formado por interconexões que se retroalimen-tam continuamente, sem subordinação a hierarquias e controles predetermi-nados. As junções de afinidades eleti-vas aparecem em redes sociais, listas de discussão, correio eletrônico, mensagens instantâneas, fó-runs, bases de dados, blogs e videoconferências.

As ferramentas virtuais têm sido valiosas na preparação de atos públicos, bem como na divulgação em tempo real dos eventos, em coberturas. A ins-tantaneidade, a transmissão descentralizada, a abrangência global, a rapidez e o baratea-mento de custos tornaram-se vantagens ponderáveis.

O ativismo em rede tende a politizar o uso das tecnologias, na medida em que prioriza con-teúdos críticos e questionado-res. O fenômeno Wikileaks, as recentes mobilizações em redes sociais para as marchas antine-

Ativismo em rede e comunicação para a cidadania

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Page 25: Edição 12 Vírus Planetário completa

Eles são ___________ (mimados / rebeldes / anarquistas / emos / chatos / bobos / feios / cara-de-melão / cagalhões) e __________ (soviéticos / favelados / viados / paraíbas / baianos / índios / pretos / solteiros / viúvos) Caminham em grupos, pois são ___________ (covardes / não podem com nenhum de nós / fazem suruba e espalham DSTs como método de difusão da ideologia comunista / escondem um terrível segredo) . Captamos esse absurdo de fala em uma de suas assembleias: “ ________________” (Precisamos instalar a ditadura comunista / Vamos acabar com a liberdade de expressão nesse país / É hora de morfar! / Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão / Somos contra a pena de morte / Somos a favor das pesquisas com células-tronco / Somos a favor do união civil homossexual)

Não à toa, na madrugada do dia ____________ (da consciência negra / do trabalho / do aniversário da revolução russa / do aniversário da revolução cubana / na data de nascimento de Hitler) cometeram um ato de __________ (subversão / terrorismo / típico de crianças mimadas) no(a) __________ (Reitoria da USP/ Reitoria da UFRJ / bandejão da UERJ / sede da Editora Abril / sede da Rede Globo / jardim de infância).

Num país, onde é certo ser ________ (corrupto / comedor de criancinha / comunista / sindicalista / mensaleiro / sanguessuga), não impressiona que esse(a) ____________ (corja / gangue / alcateia / manada ) siga sendo financia-dos pelo(a)(s) __________ (ouro de Moscou / ouro de Havana / desvio de verbas públicas / corrupção / Hugo Chávez / FARCs / Evo Morales).

Por isso, o especialista em _____________ (segurança pública / educação / sociologia / astrologia / quiromância / moda) _________ (Demétrio Magnoli / Luciano Huck / FHC / Regina Duarte / Hebe Camargo / Reynaldo Azevedo / Olavo de Carvalho / Diogo Mainard) recomenda a todos que exerçam sua cidadania _____________ (xingando muito no twitter / fazendo um texto a favor da pena de morte no facebook / humilhando quem é contra as UPPs / denunciando os terroristas no DOPS / pagando o dízimo para a OBAN e DOI-Coidi / renovando sua assinatura de Veja / trollando o blog do Luiz Carlos Azenha / comentando no blog do Reynaldo Azevedo para defendê-lo dos comunas safados que vivem

trollando o blogueiro)

Monte você mesmo sua reportagem da revista Veja sobre os movimentos sociais.

A equipe da Vírus fez um ataque hacker-terrorista nos compu-tadores da grandiosíssima revista Veja. Encontramos uma bom-ba! Descobrimos este texto só com as lacunas a preencher. Nossa suspeita se confirmou: eles têm um banco de dados de adjetivos malvadinhos que só trocam a cada edição. O mais legal é que as combinações possíveis são inúmeras. Não é à toa que eles já fizeram 32123 edições.

Depois de pegar todos os ingredientes acima, vamos ao preparo da massa de manobra:

Destile ódio em páginas, pegue uma pitada de cinismo, prepare uma matéria fajuta qualquer sobre uma dieta milagrosa ou um tra-tamento falcatrua contra o câncer, insira frases de duplo sentido na manchete da capa, abuse no fascismo e pronto. Agora é só requentar, que a matéria vai bombar na próxima edição. Para deixar nosso pra-to, ainda mais saboroso, é possível adicionar a gosto spams envia-dos a milhões de emails oferecendo assinatura com 40% de desconto.

Nossa produção já tinha preparado alguns desses indigestos pra-tos, deem uma olhada em quão deliciosos eles ficam:

Vamos provar? UMMMMHHHH Vou até passar

por debaixo da mesa!

Antes de começar, pegue todos os

ingredientes, preenchendo as lacunas abaixo:

PASSATEMPOS VIRAIS

BOMBA!Para apresentar esse segredo de estado que é essa receita,

chamamos nossa querida amiga quituteira Ana Maria Brega para

apresentar-lhes

Page 26: Edição 12 Vírus Planetário completa

A utopia está no horizonte?

Por Maira Moreira e Taiguara Moreira

Sintetizando a reflexão do cineasta argentino Fernando Birri, Eduardo Gale-ano diz que a utopia serve para cami-nhar. Desta forma, poderíamos pensá-la enquanto um princípio orientador, mais que um objetivo. Algo que esvaece na medida em que nos aproximamos, mas que dialeticamente vai ganhando con-cretude justamente nas caminhadas, trajetórias e investidas potencialmente utópicas na história. A utopia, deste modo, não seria apenas um não-lugar, como o imaginado por Thomas Morus, mas parte fundamental da história hu-mana. Algo que (re)dimensiona nossa

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por

mais que eu caminhe, jamais alcançarei”.Fernando Birri

experiência no mundo e nos co-move.

Não estamos, portanto, no campo das impossibilidades, mas no campo da história concreta, da ousadia, da ca-pacidade de imaginar que a realidade pode ser diferente, que transformações podem ser realizadas, das resistências e rebeliões, da autogestão, das revolu-ções, de um caminho emancipatório.

Buscamos ver as coisas diferentes, tentamos enxergar possibilidades de transformação das condições de de-sigualdade, de pobreza material e es-piritual, das situações de opressão de

gênero, étnicas, raciais e/ou religiosas. Esta esperança utópica nos torna de-sassossegados com a realidade, tal como ela se apresenta. A utopia se ar-ticula com uma perspectiva de justiça.

Considerar utopia nos parece tam-bém percebermo-nos em um caminho trilhado por muitos, uma tradição de investidas na história, algumas consu-madas, outras não, e tantas que não chegaram a ser registradas. Não se trata

26 Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

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“Na sociedade moderna, uma das mais significativas narrativas utópicas é o

socialismo.”

vo no que se busca construir novas re-ferências. Este último aspecto, que em muitos momentos perdeu espaço para a dimensão mais reativa da proposta socialista, nos interessa particularmente resgatar.

Resgatar a dimensão utópica é tam-bém romper com as fronteiras ergui-das pela modernidade ocidental entre presente, passado e futuro. É passar a

perceber o tempo em sua intensidade. Um presente cheio de passado inaca-bado e cheio de possibilidade de futuro em aberto. Redenção e Messianismo se articulam intimamente com utopia, ou melhor, dão a sua materialidade es-piritual. Esta intensidade temporal, por sua vez, cria um maior entrelaçamen-to entre meios e fins: somos o projeto daquilo que queremos. Se colocarmos a liberdade em nosso horizonte, não po-demos suprimi-la no presente. Não se pode realizar um projeto de liberdade para o amanhã a partir da sua supres-são no hoje.

Nessa perspectiva, encontramos a experiência fundamental dos socialistas utópicos. Embora tenham desenvolvido uma teoria crítica do modo de produção capitalista ingênua em certa medida, desenvolveram a outra perna do socia-lismo, que é a da capacidade antecipa-tória, potencialmente utópica. Algo com que a União Soviética de Stálin pouco se importou, com sua crença inabalável

apenas da nossa ou da sua utopia, mas de muitas. Melhor dizendo, de um prin-cípio compartilhado. De Francisco Julião a Martin Buber, de Rosa Luxemburgo a Victor Jara, de Simone Weil a Camilo Torres, dos zapatistas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra... Tantos e tantas. Deste modo, conside-rar a utopia no presente é tornar pre-sente aqueles que se foram na esperan-ça de um mundo justo, de realização de transformações necessárias como, por exemplo, a Reforma Agrária no Brasil. Como diz o lema: “vivem mais os que morrem lutando”.

Pensar a utopia é pensar um nós, é pensar não apenas no futuro possível-impossível, mas na redenção do pas-sado e do presente, na superação de opressões históricas. Como a história nos revela, a caminhada utópica se in-compatibiliza radicalmente com a or-dem vigente em cada época, que está sempre preocupada com a manutenção do poder. A utopia, na verdade, dispen-sa o poder.

A utopia, como parte de nossa expe-riência existencial e social, está presente na produção de visões aperfeiçoadas da realidade, projeções necessárias a todo grupo humano para orientar sua própria realidade em termos de justiça e em termos morais. Sendo assim, a utopia está ligada a perspectivas totalizantes, a escatologias, enfim, às chamadas grandes narrativas.

Estas projeções utópicas não podem ser pensadas apenas no campo do ima-ginário, dos simbolismos. Mas, sobretu-do, como força motora de investidas históricas. Ou seja, na dimensão da prá-xis, afeto e consciência. Na sociedade moderna, uma das mais significativas narrativas utópicas é o socialismo. Ele não pode ser reduzido apenas a uma ética, como notou Michael Löwy, na medida em que se constitui também enquanto um referencial crítico funda-mental do sistema capitalista. Isto é, carrega em si um potencial reativo ao modelo capitalista e um potencial criati-

no desenvolvimento das forças produ-tivas e do progresso inelutável. Enten-demos que a contradição só se acirra, de fato, com o desenvolvimento da in-compatibilidade moral com o sistema, e isso muito bem perceberam os socialis-tas utópicos e uma ampla tradição de socialistas marxistas posteriores como György Lukács e Lucien Goldmann (“só é possível criticar o capitalismo se es-tivermos voltados para um futuro não alienado”).

Victor Hugo entende a utopia como “verdade matutina”, esta definição se coaduna com a perspectiva que busca-mos enunciar sobre a utopia, algo que está sempre a revelar o novo, não ilu-sões noturnas como faz o capitalismo. Esta definição de Victor Hugo parece-nos bastante apropriada para contra-por-se ao lugar estigmatizado que a utopia foi colocada pelo pensamento burocrático-pragmático do capitalismo - como algo ilusório, como fuga. Afirma-mos o contrário, ela é potencialmente criadora, criativa, desbravadora de ver-dades, de tesouros escondidos.

O socialismo constitui, talvez, a uto-pia mais exemplar na história das so-ciedades modernas, entretanto, não o vislumbramos como projeto pré-fabrica-do, mas como construção permanente. Referindo-se a inúmeras tradições di-ferentes, sendo constituído através de memórias e tradições diversas, por uma pluralidade de culturas. O caminho nos parece a própria concretização, matu-tinamente, desta utopia em nossas in-vestidas contra este sistema brutal.

Concordamos, então, com Victor Hugo quando este descreve utopia como “verdade matutina”, mas fazendo um breve comentário: a utopia não é, a priori, verdade matutina, cabe a nós fa-zermos com que seja, verdadeiramente, um constante amanhecer.

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27Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

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O mural da apertada baia de Silvio Tendler no Depar-tamento de Comunicação Social da PUC-Rio, onde dá aulas no curso de cinema, é composto pelos seguin-tes itens: uma foto de Che fumando um charuto; uma foto de Lula abraçado com Evo Morales, pregada por um imã de geladeira do filme de Fellini, “La Dolce Vita”; um recorte de jornal com uma crônica de Veríssimo, intitulada “O que diria Hegel”; e uma folha A4 com uma citação de Michel Löwy, “Que todo o desencanto seja ressuscitador”. Nascido em 1950, o cineasta é deten-tor das três maiores bilheterias de documentários do

ENTREVISTA INCLUSIVA:

Fotos: Mariana Gomes e Caio Amorim

Silvio TendlerPor Artur Romeu, Caio Amorim

e Mariana Gomes

“ A geração de vocês é tão rebelde quanto a minha. As formas

de fazer isso é que são diferentes. Arrastem

com vocês os velhinhos por favor.”

“ Modéstia à parte, sou um utopista realizado”

cinema brasileiro, com “Os anos JK” (1980), “O mundo mágico dos trapalhões (1981)” e “Jango” (1984). Os filmes de Silvio, carioca amante dos botecos pés-sujo, resgatam momentos históricos guiados, na maioria das vezes, por personagens que marcaram o seu tempo com ideias revolucionárias. Instigados pelo filme “Utopia e barbárie”, lançado em 2009, buscamos o professor para saber mais sobre essa verdadeira aula da história das resistências. Conversamos sobre as revoluções que envelhecem e os novos paradigmas da geração Y que, para ele, está tentando se encontrar.

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No seu filme “Utopia e Barbárie” há uma reflexão sobre a disputa do espaço da memória coletiva da so-ciedade. Por que optou por iniciar o filme assim?

Acho que desmemoriar é uma face da dominação. Quando você rompe com a memória, está cortando o vín-culo das pessoas com a sua própria história. O que eu queria dizer é que nós temos uma história. E que aqueles tempos conturbados do neoliberalis-mo que vai ser coroado por coisas po-sitivas como o fim dos muros e coisas negativas como o fim das utopias, ele vem sobretudo ancorado nessa ideia de fim da história, defendida pelo Fukuyama – e fim da memória. E aí eu resolvi bater de frente com isso. Sou historiador, mas não faço mais histó-ria voltada pro passado. Faço história voltada para o futuro. E para existir futuro é preciso ter passado.

No mesmo filme, Eduardo Galeano faz uma consideração sobre a neces-sidade de um distanciamento para perceber melhor as mudanças pelas quais o mundo atravessa. Por que essa conclusão?

A história pede reflexão, amadure-cimento. E você não é capaz de fazer isso imediatamente. A partir do estu-do você consegue analisar o passado para melhor entender o futuro que

quer construir. Então, trabalhei nesse sentido, na história das resistências. É uma coisa que volta hoje à evidência. Eu ouvi no rádio, hoje, o Boechat falan-do de um velhinho de 90 e tantos anos que lançou um livro exatamente no lugar onde começou a revolução fran-cesa. O livro tem 13 páginas, fala de utopia e já vendeu milhões de exem-plares na Europa. Ou seja, as pessoas estão querendo buscar novamente es-sas referências. Esse movimento dos indignados está tocando profunda-mente as pessoas. Na verdade eu acho que essa coisa da memória é funda-mental para construir o futuro.

Você acha que os paradigmas da sua geração se perderam? Quais se-riam hoje os novos paradigmas re-volucionários?

As revoluções envelhecem. Ela é revolução enquanto é revolução, en-quanto é orgásmica. Tem um livro que saiu no começo dos anos 70 que se chama “Os Orgasmos da História”, de Yves Fremillon. Ele apresenta revo-

luções como espasmos orgás-ticos. As revoluções cubana, chinesa e vietnamita foram super revolucionárias. O po-der é outra coisa. A adminis-tração, o cotidiano. Seria ado-rável, mas você não é capaz de fazer a revolução todo dia. Quanto aos paradigmas que inspiram o mundo atual, não acho que seja a pergunta cer-ta. Criam-se alternativas pró-prias. Se você estudar a his-tória, vai ver que a tua malu-quice do presente é possível. Que um maluco igual a você fez algo parecido no passado e outro que vai te suceder vai fazer no futuro. Agora, as for-

mas de ação revolucionária jamais se-rão as mesmas, porque os momentos e as circunstâncias históricas mudam.

A minha geração perdeu muito tem-po tentando reproduzir a revolução soviética. As pessoas ficavam o tem-po todo discutindo Lênin, segundo as mais diversas tendências políticas. Mas não há uma formula de revolu-ção. Então vamos buscar nossas pró-prias formas de ação. Fidel fez algo completamente diferente e as condi-ções políticas tornaram possível a Re-volução Cubana.

Acho que a geração de vocês, que hoje está absolutamente perdida, já já vai se achar. Estão buscando uma forma muito interessante, que é glo-bal. As ocupações que começaram em Wall Street e vieram parar na Cine-lândia. Acho que a geração de vocês chega lá!

Porque falar das barbáries junto com as utopias?

Acho que as utopias nascem da bar-

bárie. Elas são antagônicas. As utopias também geram barbárie. Esse movi-mento é dialético, quase Hegeliano. O sonho da utopia, de construir um mundo justo pode acabar como no Camboja. Derrotaram o imperialismo americano e construíram a ditadura mais atroz que a humanidade já viu, com dois milhões de mortos, num país tão pequeno. Isso foi uma barbárie que nasceu de uma utopia. As utopias do pós-guerra nasceram de duas grandes barbáries: os campos de concentração e as bombas de Hiroshima e Nagasaki. A barbárie que derrotou os nazistas e os japoneses abriu o caminho para a utopia da democracia, da igualdade, da liberdade. São movimentos cone-xos, quase como um balé.

“ As utopias nascem da barbárie e também podem gerar barbárie. São movimentos

conexos, quase como um balé.”

29Vírus Planetário - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011

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ENTREVISTA INCLUSIVA_Silvio Tendler

O que é utopia para você?

Um sonho possível da realização de um projeto. Pessoal, político, cultural, social. Pode ser imaginar um canal pú-blico de TV que abra espaço para to-das as nossa produções. Pode ser o en-sino gratuito pra todos. Pode ser saúde para todos, acabar com essa porcaria de sistema de saúde que a gente tem. A utopia busca a realização de um projeto. E isso traz consigo algumas barbáries.

Como você enxerga seu papel en-quanto cineasta na construção de um projeto comum?

Eu, durante anos, denunciei barbá-ries nas ditaduras com filmes como JK, Jango e Marighella. Apresentei também utopias possíveis. A demo-cracia com o JK, a justiça social no caso do Jango, a luta revolucionária com Marighella. A utopia poética no

caso do Castro Alves. O diagnóstico utópico com Milton Santos , que de-nuncia as barbáries que a gente vive hoje, mas também fala das utopias possíveis na globalização... enfim, mi-nha utopia é fazer os filmes que eu faço. Modéstia à parte, eu sou um uto-pista realizado.

Não tenho saudade de viver no tem-po antes da penicilina, da internet, das câmeras miniaturizadas. O mundo de hoje é muito melhor. O que é ruim nos tempos de hoje é a dominação econô-mica e social, o capitalismo e como ele nos explora. Mas do ponto de vista da construção da vida, hoje é muito me-lhor do que nos anos 60. Era român-

tico viver naquela época, foi muito gostoso e eu tenho sau-dade. Mas eu tento ser c o n t e m p o -râneo. Não quero ser um n o s t á l g i c o . Hoje há algu-ma dificulda-de de procurar alternat ivas mais gostosas. Tudo é padro-

n i z a d o , não tem mais “pé sujo”. Na minha época os botecos eram um mais sujo do que o outro. Viver naque-le tempo foi muito bom, mas hoje eu tenho muito mais meios pra trabalhar. Eu filma-va em película, que é muito mais caro e rudimentar, mon-tava numa máquina que era muito mais lenta, mais cara, mais demorada. Eu faço um efeito especial em 30 segun-dos. Naquela época demora-va uma semana. Não tinha Google, não tinha internet. Hoje fazer pesquisa é mole. Eu acho que vocês têm um

mundo que lhes oferece muito mais variedade tecnológica para qualidade de vida.

O Zizek fez um discurso em Wall Street que ficou muito famoso. Ele fala sobre os dilemas da nossa so-ciedade, sobre revoluções...

Em primeiro lugar, quem faz as re-voluções são as vanguardas. Essa his-tória de que as massas fazem revolu-ções é um mito. As massas acompa-nham as revoluções, mas não fazem. Segundo mito: essa falta de utopia da geração de vocês. Eu não acredito. Acho que vocês estão procurando as mesmas saídas que a minha procurou. Por exemplo, a minha geração achou durante anos que vocês estavam su-bordinados ao cinema comercial e en-tretenimento. Mas eu nunca vi crescer tanto cineclube quanto hoje em dia. As pessoas estão querendo ver filmes cabeças. A geração de vocês é tão re-belde quanto a minha. As formas de fazer isso é que são diferentes. Arras-tem com vocês os velhinhos por favor, os sobreviventes de 68!

Qual foi a repercussão de “Utopia e Barbárie” em termos de público e retorno? E o seu último filme “O Ve-neno Está na Mesa”?

Eu tô bombando como há muito tempo eu não bombava! Desde o Jango eu não sou convidado pra tanta exibi-ção, tanto debate. As visualizações no YouTube, agora que eu achei a forma de liberar os direitos e deu super certo. Todo mundo quer ver o filme, partici-par de debates.

O “Utopia e Barbárie” foi sabotado. Como eu botei imagens de uma entre-vista muito boa com a Dilma e coin-cidiu o lançamento do filme com as vésperas de eleições, as pessoas me

“Acho que a geração de vocês chega lá! Estão buscando uma forma global de se manifestar.”

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o Brasil hoje em dia é isso. Produzin-do etanol, soja e deserto verde. Isso é a economia brasileira, o Brasil corre o risco de se tornar um país exportador

de matérias primas e um importador de produtos derivados. Isso não é bom. O Brasil está sendo desin-dustrializado. Uma política anti-Vargas quase. O que nesse caso é uma tragédia para nós todos. Quando o solo acabar, vamos ficar sem economia. Sou a favor da reforma agrária. Por isso votei no Plínio, ele tinha um outro projeto de desen-volvimento. Com o modelo

que está aí, o PT rejeitou todo o seu projeto político, esqueceu a reforma agrária, criou uma esquizofrenia no poder. Essa aliança com esse capitalis-mo atroz que está rolando.

Quais são seus próximos projetos?

O filme “Os advogados contra a di-tadura - por uma questão de justiça”. “O Poema Sujo”, do Ferreira Gullar. “A Alma Imoral”, do Rabino Nilton Bon-der.

Você tem o telefone do Eduardo Galeano? Estamos tentando falar com ele e não conseguimos...

O Galeano não tem telefone. Deve ter, mas nunca me deu. Só tenho o e-mail.

ENTREVISTA INCLUSIVA_Silvio Tendler

atribuíram desejos eleitorais que eu não tinha. Mas tem um baita circuito e está circulando alternativamente, como um filme de verdade. Só que no circuito grandão foi fracasso porque não deu mídia.

Como você vê a relação com a dis-tribuidora de filmes da Globo?

Você tem que tentar furar todos os bloqueios, ao invés de ficar discutindo princípios. Não se pode ter medo de nada. Você tem que se comunicar. Em “O Veneno Está na Mesa” usei umas imagens da Globo que legitimam vá-rias coisas que estão sendo ditas no filme. Política é frente, é aliança, tem que abrir os espectros.

O que você pensa sobre a relação x com os parti-dos políticos hoje?

Eu tenho um assistente que é anarquista e está par-ticipando do movimento de ocupação da Cinelândia. Ele me contou que eles tiraram o PSTU, que os partidos, como de hábito, tentaram aparelhar. Eu não acho que as pessoas sejam apolíticas. Existe um certo cansaço com o aparelhamento dos movimentos sociais pelos partidos. Agora, o cara que expulsa outra ten-dência política do movimento tam-bém tem um pensamento político. Não são menos políticos. Existe um aparelhamento de ambas as partes. É uma questão de convivência e ajustes.

Você acha que a desilusão com o Lula contribuiu para essa insatisfa-ção do processo político?

Do ponto de vista popular isso não é verdade. Eu não diria o governo Lula, mas o PT, que é a negação da sua pró-pria história. Passou anos e anos ne-gando alianças. Eles não votaram no Tancredo para não corroborar com aquelas pessoas. E agora essas pes-soas estão todas no governo. Mas eu

acho que independente do governo Lula ou do próprio PT, existe um movi-mento internacional agora que parece mais forte que isso. Outro dia eu vi um vídeo do Galeano na Praça em Barce-lona dizendo: “Se organizem, façam vocês mesmos, ocupem as praças”. Os movimentos, que estão no mundo inteiro, estão promovendo o ressurgi-mento de um certo anarquismo em antítese a essas organizações políticas tradicionais, que de um certo ponto de vista fracassaram.

Qual a sua relação com a Améri-ca Latina? Pelos filmes, dá pra notar que há algo especial.

Ah, sim. Quando eu falo de utopia, a gente pode ver que a América Latina é muito melhor do que ela foi. Hoje a América Latina está na ordem do dia. Na America do Sul quase todos os go-vernos são interessantes. E o Brasil assumiu também um papel importan-te nesse contexto. Desde o Fernando Henrique, mais principalmente com o Lula, o Brasil ganhou uma expressivi-dade muito maior internacionalmen-te, enquanto potência. Acho isso bom. Desde que não se restrinja a um gran-de produtor de commodities. Porque na verdade o que está acontecendo com

“ Não tenho saudade de viver no tempo antes da internet. O

que é ruim hoje é o capitalismo e como ele nos explora.”

Fotos de divulgação do filme Utopia e Barbárie. Da esquerda para direita: Silvio com o General Giap, no Vietnã, com o escritor Eduardo

Galeano e abaixo, o diretor em sua juventude

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“A senha é mandioca”. Cobertos por um guarda chuva atrofiado e guiados por uma lanterna tímida, Marcelo Bue-no nos indica uma trilha que leva ao escritório com ponto de internet sem fio. Estamos no alto de um morro da Serra do Mar, em Ubatuba, litoral-nor-te paulista. A Mata Atlântica, densa e úmida, se lambuzava na chuva enquan-to acabávamos de passar as últimas horas da noite ouvindo as histórias de um dos maiores nomes da permacultu-ra no país. Faz 12 anos que o arquiteto se comprometeu com a emissão zero de lixo. E, nesse meio tempo, fundou o Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica, o Ipema. Referência nacional em bioconstruções e planeja-mento sustentável, Marcelo embalou nossos sonhos com imagens de um mundo em que a tecnologia, o homem e a natureza podem viver em harmonia.

O café feito no fogão à lenha da cozinha coletiva ajudou a esquentar o corpo. Os quitutes vegetarianos tam-bém saíram do armário como mágica. Compota de berinjela, paçoca, geleia de amora e banana passa, tudo fruto de

alguma parte dos 25 alqueires do Ipema. Destes, 20 são destinados para área de reserva ambiental. O Instituto não é li-gado à rede pública de luz, uma opção dos fundadores, mas consegue iluminar as casas do espaço e oferecer conexão à internet para os moradores e funcio-nários a partir da geração de energia de uma hidroturbina e painéis fotovoltaicos (energia solar).

Em um mundo cada vez mais conec-tado, no qual todos almejam internet banda larga como uma política pública, Marcelo nos trouxe outro significado para a palavra conexão. Conexão tam-bém com a natureza, com nós mesmos e com todos os seres que comparti-lham este mesmo planeta. Essa visão é partilhada pela maioria das pessoas que trabalha para a construção de no-vas alternativas para o mundo a partir de projetos de ecovilas.

O termo surgiu em 1991, de acordo com a GEN (Rede Global de Ecovilas), e serve para caracterizar uma comu-nidade - rural ou urbana - de pessoas

que aspiram integrar um ambiente so-cial favorável com um estilo de vida de baixo impacto. Estima-se que existam hoje entre 15 e 20 mil comunidades sus-tentáveis no mundo. Para ativar essa integração, as ecovilas trabalham com vários aspectos. Design ecológico, per-macultura, bioconstrução (construções com uso de materiais reciclados, ecoló-gicos e, em grande parte, provenientes daquela região), produção de alimentos orgânicos, energia renovável e constru-ção de novas experiências e práticas comunitárias.

O Ipema é hoje um grande laborató-rio de novas formas de se reconectar com a natureza. Além da geração de energia a partir da água e do sol, as construções são feitas com técnicas de adobe (construção com barro) e pouco uso de cimento, os banheiros são secos (não usam água e produzem composto orgânico) e toda a água utilizada na co-zinha e chuveiros vai para tanques de tratamento a base de pedras e plantas (técnica conhecida como biofiltro).

Ecovilas e permaculturaUma conexão sem fio com o futuro

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meio ambiente

Por Artur Romeu e Júlia Bertolini

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a aposta na emissão zero de lixo. Ou seja, todo e qualquer lixo que ele produz é reciclado ou vira adubo.

“O que mudou para mim foi me sen-tir responsável pelas minhas emissões, porque ninguém é. Todo mundo paga para a prefeitura dar um fim no lixo e por um preço muito baixo que não con-segue cuidar, não cuida. A definição de lixo é muito parecida com a de espaço, é infinito, todo dia se multiplica”, enfa-tiza Marcelo. A partir da escolha pela emissão zero, ele mudou seu estilo de consumo. “Ser ecológico dá trabalho, porque você tem que mudar seus hábi-tos. Se você fosse morar no Japão você também teria que mudar: falar outra língua, comer outra comida, mas você escolheu fazer isso. O problema é que ninguém escolhe ser ecológico”, frisa.

Os ativistas da permacultura e do movimento das ecovilas acreditam que é possível mudar os hábitos das pesso-as para formas de vida mais sustentá-veis. Para eles, as pessoas podem co-meçar separando o lixo orgânico, reciclar o lixo. Fazer compras em cooperativas de produtores e mudar radicalmente a forma de consumir.

O movimento que cresce no Brasil aponta que devemos rever os benefícios e prejuízos da globalização. O consumo globalizado, a produção de alimentos e bens gasta energia em excesso na produção e distribuição dos produtos. A produção em escala global consegue proporcionar custos baixos, mas, além da exploração da mão-de-obra de paí-ses mais pobres, o que está em jogo é o valor ecológico que não é embutido no produto. O custo de uma madeira hoje em dia não leva em conta quanto

Toda a infra-estrutura está vincula-da aos princípios da permacultura, que pode ser entendida literalmente como uma cultura permanente. O desenvol-vimento de “sistemas produtivos orga-nicamente integrados respondendo às necessidades humanas essenciais de forma conectada com o meio”. O princí-pio básico da Permacultura é: trabalhar “com” e “a favor de”, e não “contra” a natureza. Para Peter Webb, permacul-tutor australiano residente no Brasil, a permacultura traz estímulos e soluções sociais gerados dentro das próprias co-munidades. “A sua filosofia e práticas simples favorecem a reintegração do ser humano no seu meio ambiente de formas sustentáveis”, destaca.

Marcelo contou que foi na Austrália que esbarrou com a pergunta que iria mudar seu rumo. A interrogação veio de um aborígene que, quando soube que ele vinha do Brasil, questionou curioso: “Você mora no país onde estão des-truindo a última floresta tropical, não é? E o que você está fazendo a respeito?”. Responder “nada” parecia humilhante, mas era a única coisa que ele poderia dizer. A atitude levou o arquiteto, que ainda não sabia muito de permacultura, a transformar sua viagem em uma jor-nada por ecovilas e comunidades com o objetivo de se aprofundar em técnicas de sustentabilidade.

Após um ano viajando de bicicleta no sudeste asiático, o já iniciado perma-cultor passou quatro meses no Centro de Treinamento em Ecovilas da “The Farm”, nos Estados Unidos. Com a ba-gagem cheia de livros e conhecimento, começou a dar cursos de permacultura e planejamento de ecovilas. De volta a Ubatuba, começou a transformar sua casa em uma habitação sustentável e fez três grandes escolhas: não comprar mais madeira de lei, não comer mais carne (para não contribuir com a expan-são do desmatamento para pecuária) e

“ As ecovilas podem demonstrar para as

pessoas que é possível viver reconectada com o

meio ao seu redor.”

vale uma floresta de pé. Muitos gostam de afirmar que o Brasil é um país rico, porque ainda tem disponibilidade de recursos naturais, como as florestas, a água e o petróleo. Essas mesmas pes-soas dizem que o PIB – Produto Inter-no Bruto - brasileiro cresce a cada ano. Mas a contradição parece ser intrínseca. Se a riqueza de que tantos falam vem da exportação de commodities ligados a exploração de recursos naturais, não estamos caminhando para nos tornar-mos um país cada vez mais pobre?

Pensar em sempre ampliar o consu-mo e expandir a economia são prerro-gativas que não combinam com a ha-bitação de um planeta com recursos limitados. “Por que temos sempre que expandir a economia? O planeta não é infinito”, aponta Marcelo.

Uma das alternativas propostas é a regionalização e fortalecimento das economias locais. Filipe Freitas, membro da ecovila Terra Una, MG, acredita que a forma de organização social do nosso sistema afasta as pessoas e fragmenta as relações sociais. “O sistema de tra-balho hoje é a grande prisão, porque as pessoas precisam trabalhar dois terços da vida para alcançar um tipo de ren-da que permita sobreviver dentro desse sistema. Sinto que no desenvolvimento da capacidade de trabalhar coletiva-mente e viver, criar vida juntos dentro de uma comunidade, podemos liberar muita energia para alcançarmos essas soluções no nível econômico e também o desenvolvimento da espiritualidade”, ressalta Filipe.

Transformar os hábitos e a economia

Conexão com a natureza através da permacultura

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Alguns grandes desafios enfrentados nas ecovilas estão justamente asso-ciados às relações sociais. “Temos que procurar ter uma nova/antiga visão de ampliação de família, em que as pes-soas consigam enxergar que a família pode ser mais ampla. Acho que essa mudança passa por aí, por essa com-preensão do viver comunitário”, afirma Filipe Freitas.

A ecovila é vista também como um laboratório para o desenvolvimento de novas formas de vida em sociedade. “Ecovilas são espaços em que ferra-mentas de interação comunitária estão sendo desenvolvidas, e vejo que estes instrumentos podem ser aplicados em bairros, em prédios. São esses passos de interação familiar, uma suprafamília

“ Trabalhar coletivamente

dentro de uma comunidade pode

liberar muita energia para alcançar soluções”

- que transcende esse limite nuclear e patriarcal - que une as pessoas em pro-jetos e valores compartilhados”, acres-centa Filipe.

As críticas mais comuns ao movi-mento de ecovilas, em sua maioria, par-tem da suposição de que são pessoas que se isolam em vidas perfeitas. Mas não parece ser essa a visão da nova geração que está experimentando essa maneira diferente de viver. “Em Terra Una não temos nenhuma pessoa com a intenção de se isolar num espaço idíli-co de criação de uma vida, dos sonhos. A gente vai para o ambiente rural, por-que acredita que o contato e a vivência mais intensa com a natureza é determi-nante para uma conexão maior. Ir para o ambiente rural tem um significado de saúde, de ampliação das possibilidades de convivência, mas sempre mantemos nos nossos projetos a preocupação de como influenciar os grandes centros ur-banos de convivência”, explica Filipe.

Hoje, as ecovilas, comunidades e institutos de permacultura podem ser vistos também como uma forma de mostrar que é possível viver de maneira diferente, reconectada com o meio ao seu redor. Para Marcelo Bueno, a grande importância do Ipema é que as pessoas

meio ambiente

precisam ver para acreditar que é pos-sível. “É preciso interiorizar a proposta de mudança. Aqui, no Ipema, você é obrigado a mudar seus hábitos”, afirma.

A interface entre o Ipema e a so-ciedade ocorre através de cursos que acontecem desde 2004, e que já for-maram cerca de três mil pessoas. São cursos em bioconstrução, permacultura e agricultura orgânica. Da mesma forma, a Terra Una oferece vivências e progra-mas de estágio onde pessoas podem participar da vida em comunidade por um período de tempo e conhecer as técnicas ecológicas e sociais que são desenvolvidas no lugar. Assim funciona a maior parte das comunidades no Bra-sil e no mundo. Além de oferecer cursos e programas de voluntariado, muitas ainda desenvolvem projetos com a ci-dade ao entorno. O grupo de Terra Una, por exemplo, mantém um Ponto de Cultura. E o Ipema administra o Projeto Juçara, que visa capacitar pessoas da região para colheita da semente e plan-tio da Juçara, tipo de palmeira nativa da Mata Atlântica que está em extinção.

“ O Ipema é hoje um grande laboratório de novas formas de se

reconectar com a natureza”

Laboratórios de vida em comunidade

Vivência em bioconstrução organizada pelo IPEMA: aula pratica de técnicas de construção com terra, bambu, pedra e uso de materiais ecológicos.| Foto: Divulgação IPEMA

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Por Felipe Salek (argumento de Seiji Nomura)

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Mais informações:

www.apn.org.brEm defesa do projeto dos movimentos sociais para o petróleo, com monopólio estatal, Petrobrás 100% pública e investimento em energias limpas.