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uma obra de Amilton Júnior

“Nada é tão lógico”

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SOMBRAS DO PASSADO

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Índice Capítulo 01 – Ambição ............................................................................................................ 5

Capítulo 02 – Anjos .................................................................................................................9

Capítulo 03 – Decepções ......................................................................................................... 13

Capítulo 04 – Mudanças ....................................................................................................... 17

Capítulo 05 – Medo do novo................................................................................................... 21

Capítulo 06 – Brincando com Fogo ....................................................................................... 25

Capítulo 07 – À procura de um Amor ................................................................................... 29

Capítulo 08 – Encontro de Corações ....................................................................................... 33

Capítulo 09 – Revelação ........................................................................................................ 37

Capítulo 10 – Provocações ...................................................................................................... 41

Capítulo 11 – Dando Errado .................................................................................................. 46

Capítulo 12 – Escolhas .......................................................................................................... 50

Capítulo 13 – Sem Saída ...................................................................................................... 54

Capítulo 14 – Desespero ......................................................................................................... 59

Capítulo 15 – Convencer ........................................................................................................ 64

Capítulo 16 – Flagrante ........................................................................................................ 68

Capítulo 17 – Medo ............................................................................................................... 72

Capítulo 18 – Surpresa .......................................................................................................... 76

Capitulo 19 – Amor ............................................................................................................... 80

Capítulo 20 – “Socorro!” ........................................................................................................ 84

Capítulo 21 – Falsa Parceria ................................................................................................. 89

Capítulo 22 – Descoberta ....................................................................................................... 93

Capítulo 23 – Um Doce Pedido .............................................................................................. 97

Capítulo 24 – Possessão ....................................................................................................... 101

Capítulo 25 – Ruína ........................................................................................................... 105

Capítulo 26 – Resgate .......................................................................................................... 109

Capítulo 27 – Mira Certeira ................................................................................................. 113

Capítulo 28 – Por Amor ....................................................................................................... 117

Capítulo 29 – Enigmas ........................................................................................................ 121

Capítulo 30 – Transformação ............................................................................................. 125

Capítulo 31 – Solução .......................................................................................................... 131

Capítulo 32 – Perdoar para Viver ......................................................................................... 135

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Capítulo 33 – Sombrio Ataque ........................................................................................... 139

Capítulo 34 – Caos .............................................................................................................. 143

Capítulo 35 – Embate .......................................................................................................... 147

Capítulo 36 – Domínio ........................................................................................................ 153

Capítulo 37 – Trapaça ......................................................................................................... 157

Capítulo 38 – Vencido, mas não derrotada.......................................................................... 161

Capítulo 39 – Amar... .......................................................................................................... 165

Capítulo 40 – Sedução ........................................................................................................ 170

Capítulo 41 – Ombro Amigo ............................................................................................... 174

Capítulo 42 – Ausência do que é Humano .......................................................................... 178

Capítulo 43 – Libertação ..................................................................................................... 182

Capítulo 44 – Proteção ........................................................................................................ 186

Capítulo 45 – Nada é tão lógico ........................................................................................... 190

Capítulo 46 – Sombras do Passado .................................................................................... 194

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É difícil? Ninguém disse que seria fácil. É arriscado?

Quem disse que viver não é um desafio? Porém é possível livrar-se

das tantas sombras carregadas do passado. É necessário entender

que o amanhã é diferente do hoje que é diferente do ontem; que o

futuro não imita o passado; que a vida não é um disco travado,

ela segue tocando...

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Capítulo 01 – Ambição

“Todos temos ambição para conquistarmos aquilo que queremos, mas a ambição

mal usada é capaz de destruir um mundo. Ou, então, vários mundos...”

[13 de setembro de 1993.]

Paulo Woicik era um empresário de sucesso, possuía motivos de sobra para

comemorar suas grandes conquistas e se orgulhar do fruto de seu trabalho. Dono

de um espírito caridoso ele adotou uma criança junto a sua esposa, já que a

mesma não gerava, essa foi apenas uma das diversas atitudes que comprovaram a

essência daquele homem.

Porém a vida nunca é completamente justa com os homens, ao mesmo

tempo em que dá, tira. O magnata havia sido vítima de um acidente fatal para o

coma em que ele estava há semanas, em nenhum momento dava sinais de vida e

a cada dia os médicos desacreditavam em sua recuperação. Verônica, sua esposa,

vinha se mostrando uma mulher atenciosa, dedicada ao marido, não o largava em

nenhum momento, mas não por amá-lo.

— O tempo tem andado a passos largos, querido, pode ser que você não o

alcance mais — enquanto observava da janela do hospital as luzes que

iluminavam as ruas escutas do centro de São Paulo a mulher disse suas palavras,

aquilo que existia em seu coração —. Tantas propriedades a minha disposição,

tantos eventos que perdi por sua causa, tanta coisa que tenho deixado de viver

para acompanhá-lo nessa invalidez, tudo para que o tempo passasse e meu plano

pudesse ser colocado em prática. Eu nunca o amei, essa é a verdade, mas sempre

tive o desejo pelo luxo, pelo glamour, pelo prestígio... Foram essas coisas que me

atraíram a você, não seus beijos mal dados, suas palavras melosas e ridículas, suas

promessas para um futuro cheio de amor... Nada disso nos fez próximos, nosso

envolvimento tem como razão maior o dinheiro!

O olhar gélido de Verônica continuava fitado na cidade enquanto as

palavras saíam de sua boca, sem ressentimento algum.

— Antes de conhecê-lo naquele lugar tive uma vida cruel. Acabei me

apaixonando pela pessoa errada e aquele amor juvenil me afogou na desgraça,

jurei para o meu coração que não sofreria mais, que daria a volta por cima e que

seria reconhecida no mundo todo... Veja só onde cheguei: sou a mulher de um

dos homens mais ricos do país, tenho a minha marca registrada em roupas que

todos usam, consegui reconhecimento e agora não preciso mais de você...

Certificando-se de que não havia ninguém próximo ao corredor Verônica

aproximou-se do marido e lhe tirando o travesseiro disse suas últimas e

inconseqüentes palavras:

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— Um dia vai me agradecer...

Verônica Morgan fazia mais uma vítima em nome da ambição.

*

A segunda-feira era nublada e chuvosa. O cemitério estava cheio de

familiares do falecido e de amigos do mesmo, todos choravam amargamente pela

perda de um homem tão especial.

Verônica, a viúva, tinha em seu colo o recém-nascido adotado bebê

enquanto um de seus seguranças a protegia da chuva. A mulher demonstrava

grande tristeza, passava a idéia de que era afligida por um sofrimento sem

tamanho. Sua atuação era impecável.

Ao sair do enterro a influente viúva se viu rodeada de repórteres que

queriam a todo custo saber o que havia de fato acontecido. Com a voz baixa ela

atendeu a um dos tantos jornalistas.

— Saí para comer e ao voltar encontrei o meu marido sufocado por um

travesseiro... Foi horrível... A morte dele foi cruel!

Sem mais declarar coisa alguma Verônica pediu ajuda aos seguranças para

se livrar dos demais questionamentos, aquilo a cansava.

*

Renata Morgan era uma menina bastante educada, atenciosa e carinhosa.

Filha dos maiores estilistas do Brasil ela já despontava sua vocação para os

desenhos, em sei quarto vários deles podiam ser admirados.

Verônica era sua tia, irmã de Rubens, o seu pai, e ao voltar do enterro pediu

a ajuda da garota:

— A titia precisa muito conversar com os seus adoráveis pais, posso deixar o

Jonas com você?

— Claro, será um prazer.

— Ótimo. Agora não saia do quarto, para o seu bem...

Aquela mulher trabalhava com o irmão na Morgan Modas, ela também era

estilista, mas os seus trabalhos não faziam tanto sucesso quanto os dos sócios

majoritários. Seu desejo era ter aquela empresa sobre o seu total controle, não

dividi-la com ninguém, ter os seus desenhos como principais.

— Verônica, já decidimos isso e a resposta é não — Rubens lhe respondeu

tomando um gole de café.

— Meu irmão, pense um pouco, sua vida estará ganha até o final dos seus

dias, poderá descansar os tantos anos trabalhados. Venda-me a empresa, agora

posso tê-la.

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— Você não desiste? Não escutou a resposta? — Sara, esposa de Rubens,

começou a se irritar —. Meu marido e eu construímos tudo isso debaixo de muito

esforço e dedicação, jamais desistiríamos do que é nosso... O que me causa

estranheza é alguém que acabou de perder o marido aparentar muita disposição

para resolver os negócios...

— Por acaso está insinuando que suspeita de mim? Estou sendo chamada

de assassina? Acham mesmo que eu seria capaz de matar o meu próprio marido?

— Não é isso, pare com o drama — Rubens interveio —. O problema é que

nós estamos muito abalados com o que aconteceu e não queremos discutir

assuntos tão delicados. Você também deveria descansar um pouco, afinal, foi o

seu marido que morreu.

— A vida não para por causa da morte de alguém — suas frias palavras não

soaram bem aos ouvidos dos que a ouviram.

— Sara, vamos nos deitar, minha irmã precisa ficar um pouco sozinha.

— A realidade dói, não é? — enquanto o casal subia a escada Verônica os

interrompeu com o seu discurso —. Vocês são uns fracos que enfrentam a perda

como o fim de tudo. Sabem que acho isso um absurdo, não sabem?

— Não consigo entender como alguém pode ser tão frio — a senhora

Morgan se virou para a cunhada e se assustou com a visão que tivera.

— Quer que eu a explique? — Verônica tinha a esposa do irmão na mira de

sua arma.

— Pare de loucuras! — Rubens suplicou também assustado —. Qual é o seu

problema?!

— Eu aprendi que quando as pessoas não te dão algo por bem, você pega a

força... — disparando contra aqueles que faziam parte de sua família a viúva os

vira cair da escada com a satisfação no rosto —. Mas que o seu desejo de objeto

vai para sua mão isso vai!

Olhando para o topo da escada Verônica viu sua sobrinha a observando,

logo o desespero a tomou:

— O quê faz aí?!

— Isso é errado! Você precisa ser castigada! — a garota respondeu com

lágrimas nos olhos.

— Não mandei ficar no quarto? — a mulher subia cada degrau

cautelosamente —. Você me desobedeceu, isso que é errado, então precisa ser

castigada!

Arrastando Renata pela escada Verônica a levou até o carro saindo em

disparada, já formava um plano em sua mente.

— Vou contar tudo para todos! Vou contar que você fez uma coisa errada!

Você matou! — a menina em meio ao choro esbravejava as palavras.

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— Isso é o que você pensa. Poderíamos ser muito felizes juntas, mas foi

desobediente e agora vai pagar caro — a megera fitava a assustada criança pelo

retrovisor.

Logo adentraram um bairro afastado do centro da cidade. Estacionando o

carro perante uma casa sombria, com aspecto de abandono, Verônica forçou a

garota a deixar o carro, levando-a para a construção deserta.

— Ora... Ora... Ora... A quem devo a honra? — um homem maltrapilho se

apresentou perante as duas.

— Quero que se livre dessa garota — a estilista foi direta —, sem deixar

rastros!

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Capítulo 02 – Anjos

“Certas pessoas são frias como são pelas circunstâncias, mas se alguém de bom

coração lhes encontrar revelam o que verdadeiramente são: anjos que vivem em

nossas vidas”.

Durante todo o resto da tarde Renata esteve amarrada em uma cadeira

enquanto o homem, sentado a sua frente, analisava seu revólver ameaçando

disparar a qualquer momento.

— Acredito que tenha conseguido tirar a sua tia do sério, não sabia que é

perigoso ir contra Verônica?

— Ela matou os meus pais — a menina irradiava uma tristeza profunda em

seu rosto, seus olhos eram fundos.

— Essa mulher é mesmo assim: fria.

— Vai me matar também?

— Eu não sei... – o homem não esperava por aquilo, nunca imaginou que

seria obrigado a fazer algo do tipo —. Nunca tive que lidar com criaturinhas

fofinhas, mas eu sei que elas crescem e se tornam criaturas vagas de algum

sentimento.

— Por favor, deixe-me fugir, ninguém irá descobrir!

— Lamento, mas isso não será possível... Há muito tempo perdi pessoas que

amava, sua tia fez isso comigo. Um belo dia estive na mira daquela mulher, se

quiser continuar vivo preciso obedecê-la em tudo.

— Fuja comigo — a pobre criança estava determinada a se salvar.

— O quê?

— Isso mesmo, fuja comigo, duvido que ela nos encontre.

— Para uma criança tão nova você é bem esperta...

— Não é isso o que as pessoas fazem quando estão em perigo? Elas não

fogem?

— Sim... Elas fogem... – o homem se levantou da cadeira com um brilho no

olhar, viu naquela idéia a sua liberdade —. Vamos agora mesmo!

As condições climáticas naquela noite não eram as melhores. A chuva era

intensa, as trovoadas incansáveis e os ventos oprimiam quem os enfrentasse.

Renata e aquele homem não tinham outra opção a não ser enfrentar a

tempestade, logo que o novo dia se iniciasse Verônica se certificaria de que seu

pedido fora atendido, eles precisavam estar bem longe dali. Antes de irem à luta a

garota perguntou com o jeito infantil?

— Qual o seu nome?

— Raul, pode me chamar de Raul. Preparada?

— Sim!

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Raul tinha um bom coração, mas o seu envolvimento com a pessoa errada

lhe custou a bondade, porém aquela criança estava predestinada a ajudá-lo na

recuperação de uma virtude tão nobre.

Como um pai protege o seu filho da chuva Raul protegia a menina, que a

cada trovão se apertava ainda mais em seu novo amigo. Logo os dois se acharam

na rodovia, ali a nova etapa de suas vidas começava.

[Dias mais tarde...]

Com a ajuda de diversos caminhoneiros os fugitivos se viram no Ceará, em

uma das mais belas praias de Fortaleza, prontos para viver uma nova vida.

— Onde vamos ficar? — a garota perguntou com o jeito curioso que sempre

teve.

— Não temos dinheiro, minha pequena, vamos procurar um lugar

escondido próximo ao mar e ali moraremos.

— Já está bom, seremos muito felizes!

Após ter acomodado Renata em um lugar que muito se assemelhava a uma

caverna Raul saiu prometendo voltar com comida, o que cumpriu.

— Não disse que está sem dinheiro? — a menina estranhou.

— Roubei – o homem respondeu sem mais controle sobre a fome.

— Mas é errado.

— Eu sei, então nunca faça isso.

— Você é o meu maior exemplo agora, sabia?

Naquele momento Raul sentiu em peso em sua consciência, sabia que a

garota estava certa, mas o que ele poderia fazer?

— Amanhã procuro trabalho, não se preocupe.

— Vou junto.

— Você é uma criança, não pode.

— Mas eu quero... É meu amigo agora, temos que sempre estar juntos.

Um nó se formou na garganta do durão que durante grande parte da vida

viveu solitário, logo ele tratou em mudar o assunto:

— Então coma e mantenha a boca ocupada.

— Está zangado?

Mordendo um pedaço de pão Raul deu um sorriso denunciando a sua

resposta.

A noite caiu. Sobre o som do mar Renata se colocou na entrada da caverna a

fim de aproveitar a luz do luar e continuar os seus desenhos.

— Onde achou isso? – o homem se referia ao pequeno caderno e ao lápis.

— Sempre guardei no bolso.

— Com quem aprendeu a desenhar tão bem?

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— Meus pais, eles que me ensinaram. Meu sonho era trabalhar com eles na

empresa, criar as roupas que todos usam, mas agora sei que isso não vai mais

acontecer.

— Pequena, prometo que vou ajudá-la, seu sonho pode sim se realizar.

— Impossível... Eles morreram...

— Você pode criar a sua própria empresa.

— Será? — um brilho apareceu nos olhos da garota.

— Prometo.

Sem pensar antes aquele pequeno ser humano deu um forte abraço em seu

protetor mostrando a sua gratidão.

— Obrigado por me ajudar...

Segurando cada vez mais o choro aquele homem barbudo, mal vestido e que

tinha uma pose de malvado, retribuiu o abraço da indefesa criança.

[14 de julho de 1996.]

Ao longo dos anos Raul trabalhou com os muitos proprietários de vários

quiosques pelas praias de Fortaleza, seu empenho era tanto que ele acabara

conquistando a confiança de um dos seus maiores patrões, que ao morrer deixou

o comércio nas mãos daquele homem.

Fazia apenas um mês que os fugitivos tinham aquele quiosque, mas a

freguesia já havia aumentando consideravelmente. Sentada no balcão Renata

fazia os seus desenhos como de costume quando uma mulher se maravilhou pelo

que estava vendo.

— Onde aprendeu?

— Meus pais me ensinaram — a garota respondeu sem tirar os olhos do

papel.

— Você poderia se tornar uma grande estilista, tem talento.

— Acha mesmo? — a menina ergueu os seus olhos.

— Com certeza. Onde estão os seus pais?

— Eles... — a lembrança dos pais ainda a afligia —. Eles morreram...

— Lamento muito — a mulher sentiu uma pontada de culpa por cutucar

um assunto que era visivelmente delicado —. Quem cuida de você?

— O Raul.

— Será que posso falar com ele?

— Se puder esperá-lo servir as mesas, sim.

— Está bem.

Em pouco instante Raul se dispôs a falar com a mulher, que tinha uma

importante proposta.

— Sei que poderá ser um tanto doloroso o que vou dizer e até mesmo

estranho, mas é para o bem da menina. Meu marido e eu somos estilistas no

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exterior e eu vi que essa criança tem um dom incomum. Quero propor que ela

venha morar comigo, farei o possível para que esse talento seja aperfeiçoado.

— Eu não quero! — a garota havia construído um laço afetivo com aquele

que a ajudara e dificilmente aceitaria se separar do mesmo.

— Prometo que não farei nenhum mal a você, apenas quero ajudá-la.

— Não quero ficar longe do meu amigo! Já decidi!

— Renata, venha comigo, precisamos conversar — o homem agora bem

arrumado, com aparência mais jovem, chamou a garota.

Raul também se sentia afligido em saber que estaria longe daquela criança,

pela qual ele criara um enorme carinho, mas ele se lembrou da promessa que

havia feito, aquela era a oportunidade para que Renata realizasse os seus sonhos.

— Minha pequena, aceite, vá com essa mulher! Eu não posso fazer muita

coisa por você, mas sei que ela pode.

— Eu não quero te perder — a menina o abraçou enquanto as lágrimas

corriam sentidas.

— Se você gosta do seu amigo de verdade vá com aquela mulher sem olhar

para trás, lute por aquilo que você tanto deseja, seja forte!

— Eu prometo que nunca vou me esquecer de você e que irei voltar para

buscá-lo.

— Tudo bem, minha pequena, agora vá, seja feliz! Saiba que eu te amo!

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Capítulo 03 – Decepções

“A decepção é algo que nos machuca tanto, pois vem daqueles que tanto

admiramos. Cada um reage a sua maneira. Uns se deixam vencer, mas outros

encontram forças onde não tem e mostram que coisas ruins vão embora para que

melhores possam chegar”.

[17 de maio de 2011]

Jéssica estava no auge dos seus vinte anos e já se destacava como top model

na Morgan Modas. Dona de um talento ímpar havia conquistado os olhares de

Verônica, que logo a contratou com exclusividade. Porém a vida é como um

sopro: podemos no agora estarmos bem e, no futuro, que pode ser de apenas um

segundo, nem existirmos mais.

Há algumas semanas a modelo vinha se sentido mal, uma fraqueza

repentina a dominava e manchas apareciam em seu corpo, o que logo a

preocupou. Angustiada, a garota dos olhos verdes procurou algum médico, queria

certificar-se de que estava tudo bem.

— Minha jovem, creio que os próximos dias em sua vida serão cheios de

luta, você precisará ser forte para vencer a batalha.

— O que quer dizer com isso? — a modelo se preocupou ainda mais —.

Tem algo sério acontecendo comigo?

— Não vou esconder nada de você, infelizmente os exames detectaram uma

leucemia.

A garota não conteve as lágrimas, para ela aquilo foi como dizer que a sua

vida havia terminado.

— Eu não posso acreditar nisso, tem certeza? — ela perguntou em meio às

lágrimas.

— Sim, tenho absoluta certeza — o médico pegou nas mãos da paciente —.

Jéssica, você é uma pessoa forte, fonte de inspiração a tantos jovens. Em tão

pouco tempo tem conseguido reconhecimento nacional e até mesmo

internacional! Eu tenho certeza de que sairá dessa da melhor maneira possível,

estaremos aqui para ajudá-la.

— Quer dizer que há chances de cura?

— Felizmente, sim. Descobrimos o problema precocemente, algumas

sessões de quimioterapia deverão ser suficientes.

— Quimioterapia? — a loura entrou em pranto —. Meus cabelos vão cair?

Eu vou ficar pálida? Fraca? — ela já pensava nas consequências que aquilo

poderia gerar à sua carreira.

— Muito provavelmente, porém são efeitos de pouca duração, logo ficará

melhor.

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— E o meu trabalho? Como fica tudo aquilo que conquistei?

— Você precisará dar uma pausa, mas acredito que em pouco tempo estará

apta a retomá-lo.

— Não é bem assim que funciona, faz idéia da competição que existe? Faz

idéia do tanto de pessoas que tentam me derrubar?

— Você precisa se cuidar se quiser continuar viva.

Aquilo foi um choque de realidade na vida da jovem modelo que precisaria

abrir mão de algumas coisas a fim de sobreviver.

Logo que saiu do consultório Jéssica foi até a Morgan Modas. Ao entrar na

cobiçada empresa a garota teve a sensação de que sua história naquele lugar já

tinha um ponto final decretado.

— Por favor, minha fonte de riqueza, sente-se. Sobre o que vamos

conversar? Ideias para o próximo desfile? — Verônica recebeu a jovem.

— Lamento, mas não trago boas notícias — o semblante de Jéssica

denunciava que algo dentro dela a machucava.

— Percebe-se... É aumento? Fique tranqüila, hoje mesmo resolvo esse

assunto, só não quero vê-la tão cabisbaixa.

— Também não é isso, estou muito contente com os benefícios que ganho

desse lugar. É algo mais sério.

— Pois então diga, confie em mim, com certeza irei ajudá-la se for possível.

— Eu vou precisar me afastar dos trabalhos — espontaneamente uma

lágrima brotou nos olhos da garota.

Surpresa, Verônica fez sua pergunta:

— Mas por quê? Algum problema familiar?

— Eu estou com... — a palavra parecia não querer sair —. Eu estou com

leucemia.

Susto define o que a estilista mais conceituada do país sentiu naquele

momento. Aquela era sua melhor modelo, a que mais atraia patrocinadores e que

se acontecesse algo de errado em seu desempenho seria também a responsável

pelo afastamento dos mesmos.

Sem dizer palavra alguma a respeitada senhora Morgan se levantou de sua

cadeira e foi até a enorme janela de vidro que tinha em seu escritório e dava uma

bela vista da cidade de São Paulo. Ela sabia que o problema poderia ser

solucionado dentro de pouco tempo, mas também sabia que o tratamento

poderia ser longo. Ainda de costas para a sua funcionária Verônica perguntou:

— Terá que fazer quimioterapia?

— Sim — a garota tinha a voz embargada.

— Jéssica, espero que me entenda no que vou dizer — a mulher se voltou à

modelo —. Sabemos que esse tipo de coisa transforma a aparência das pessoas e

no seu caso, que trabalha com a própria imagem, as consequências podem ser

graves. Você sabe o tamanho do prestígio que temos no mercado, tudo o que

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oferecemos deve estar impecável e não podemos atrasar nossos produtos, não

podemos esperar pela sua recuperação.

— Eu entendo — a jovem abaixou a cabeça —. Será que minha vaga poderia

ao menos ser assegurada pelos próximos meses?

— Existem muitas outras garotas talentosas esperando por apenas uma

oportunidade. Acha justo?

Aquilo era um “não” dado de uma forma diferente, Jéssica entendeu.

— Só me resta agradecer por tudo o que me ofereceu.

— Apenas fizemos o nosso trabalho. Tenho certeza de que todo o seu

sucesso ainda a sustentará por um bom tempo, então se cuide e quem sabe um

dia voltemos a conversar?

— Espero que sim.

Sentindo-se desolada Jéssica pegou o seu carro e resolveu ir para casa na

esperança de encontrar conforto. Aos dezoito anos a jovem se casara com

Eduardo, um talentoso jogador de futebol, ela o amava incondicionalmente e via

nele seu porto seguro.

Chegando em casa visivelmente abatida a modelo se jogou aos braços do

marido e deixou que as lágrimas caíssem com maior intensidade em meio as

palavras:

— Já não trabalho mais na Morgan Modas.

Eduardo questionou surpreso:

— O que houve? Sempre foi o seu sonho trabalhar com Verônica Morgan e

até onde eu sei vinham tendo um ótimo relacionamento nos últimos meses.

— Relacionamento de negócios, não de afinidades. Na hora do aperto

vemos o que realmente significamos para os outros...

— O que quer dizer?

— Eduardo, preciso lhe contar uma coisa séria, mas antes me prometa que

estará ao meu lado, não posso continuar sem você.

— Desde que nos casamos já lhe fiz essa promessa, pode confiar em mim,

ou melhor, naquilo que me une a você.

— Eu estou com leucemia — ela foi direta, já estava cansada de enrolar.

Aquele homem não sabia o significado da palavra “amor”, apenas da

“atração”. Amor é quando não importa o que aconteça duas pessoas lutam para

continuarem juntas até o último instante, atração é um laço muito sensível que

une os atraídos, mas o simples abalo é capaz de rompê-lo.

— Você está doente? — ele se afastou da mulher, visivelmente surpreso —.

Sabe disso desde quando?

— Descobri hoje — ela percebeu o espanto —. Por que se assustou tanto?

— Entre os meus amigos você era muito desejada, sua beleza fascinava a

todos nós. Casei-me com você por ser uma garota perfeita, ajudar-me-ia a causar

inveja, mas essa doença vai lhe transformar — ele não controlava as palavras e

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muito menos as feições, que as comprovavam —. Sabia que vai ficar feia? —

aquilo já era demais.

— Eu não posso acreditar no que me disse, você me usou? — Jéssica sentiu

seu coração se quebrar, a dor era terrível —. Durante todo esse tempo eu o amei

em vão? Vivi mentiras?

— Eu nunca disse que a amava — cada palavra dita pelo jogador de futebol

era como tiro que perfurava o peito daquela que ouvia.

— Como não? Sempre falou que existi algo em mim que o fascinava, que o

mantinha preso e que nunca me abandonaria.

— Enquanto você fosse bonita e saudável.

— Mas eu te amo. Não pode fazer isso — a garota se jogou aos pés do

marido, suplicando em meio ao choro, de toda a alma que ele não a

desamparasse.

— Amor não existe!

Agindo de forma rude Eduardo se afastou da modelo e começou a arrumar

suas coisas. Enquanto preparava algumas malas foi agarrado por Jéssica, que

tentava impedi-lo de continuar. Irritado, o homem jogou a jovem ao chão e disse

as que seriam suas últimas palavras antes da partida:

— Feia? Para mim não dá... Amor? Coisa fantasiosa!

Vendo o seu amor partir a garota sentia uma dor que corroia o seu interior,

algo nunca sentido antes, algo chamado de decepção, a pior dor que a alma pode

sentir.

Não achando sentido para continuar a sua vida Jéssica se viu em um dos

viadutos da capital paulista, pronta para se jogar e, assim, ceifar a própria

existência.

— Acha que deixar que pisem em você é justo? Acha que se deixando vencer

pelas adversidades mostrará ser forte? — uma voz soprou em seu ouvido como se

estivesse muito próxima, era uma voz tranqüila, suave —. Dê a volta por cima,

mostre a quem não quis ajudá-la o que tem dentro de você, que é uma força

descomunal, um sucesso incrível. Faça valer a pena viver...

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SOMBRAS DO PASSADO

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Capítulo 04 – Mudanças

“Uma mesma mudança para alguns pode ser benéfica, enquanto que para

outros pode ser o fim, isso o que define é a maneira como cada um irá se

comportar”.

[19 de setembro de 2016]

<<Brasil>>

Com o passar dos anos Verônica conseguiu aumentar ainda mais o prestígio

nacional da Morgan Modas, com seus produtos que atendiam a todos os públicos.

A empresa vinha imperando tranquilamente no país, sua proprietária não

precisava se preocupar com as concorrentes que nunca tinham forças para

derrubá-la ou, ao menos, lutar de igual para igual.

Sem Jéssica, Verônica precisou criar uma disputa entre suas modelos a fim

de definir a nova top model, a que teria seu rosto estampado nas diversas revistas

de moda e que seria responsável por atrair os melhores patrocinadores além de

cair no gosto do público. Foi em Letícia que a estilista encontrou a então modelo,

uma garota pela qual ela criou uma grande simpatia.

— Veja só esse desenho, será especial para você! — a mulher disse

entusiasmada.

— Nem sei como agradecer — a modelo se sentia lisonjeada por ser tão

querida pela famosa estilista.

— Claro que sabe, casando-se logo com o meu filho — Verônica tinha uma

certa possessão sobre o filho, dificilmente aceitaria algum dos seus namoricos,

mas se fosse com Letícia a história era outra, ela controlava a garota, sendo assim

controlaria o filho por muito tempo ainda, mesmo que de forma indireta.

— Não sou eu quem deve dar o primeiro passo, não acha? O certo seria ele

me fazer a proposta.

— Será que depois de tanto tempo ainda não aprendeu a conhecer o

namorado? Sabe que ele é devagar e foge de um casamento... Eu quero que você

seja a minha nora, somente você, mas as coisas precisam andar.

— Eu não faço idéia de como mostrar que quero me casar, preciso da sua

ajuda.

— Como de praxe... — a mulher revirou os olhos —. Sempre dependente de

mim... Vou mexer no que posso, fique tranqüila.

Naquele mesmo momento Jonas, o filho da estilista, entrou no escritório da

mãe, com um semblante não muito bom.

— Meu querido, estávamos mesmo falando de você — Verônica o recebeu

com um aberto sorriso.

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— Sim, meu amor — Letícia beijou o namorado no rosto percebendo certa

frieza.

— Temos um assunto sério a tratar — o jovem acionista declarou.

— Claro que sim — a senhora Morgan aproveitou a ocasião —, quando será

o casamento?

Jonas era o tipo de pessoa que valorizava como ninguém sua privacidade,

seu direito de ir e vir sem dar satisfações a ninguém. No auge dos seus vinte e sete

anos a única coisa que ele queria era se divertir, para ele casamento e diversão

não eram sinônimos. Seu namoro com Letícia não passava de um pretexto para

que sua mãe não o perturbasse tanto; ele achava a garota atraente, mas não havia

sentimentos.

— Que casamento? — o loiro perguntou espantado.

— Vocês já namoram há dois anos, não acha que está na hora de firmarem

um compromisso?

— Letícia, para você não está bom do jeito que está? — ele nunca ouvira

sequer uma reclamação da namorada a respeito, imaginou que aquilo fosse coisa

da mãe.

— Na verdade não — a morena respondeu —. Sempre sonhei com isso,

queria muito que me entendesse.

O jeito meigo que a modelo usou fez o coração do rapaz balançar, talvez

estivesse mesmo na hora de dar um rumo na vida, mas só talvez...

— Bom, esse assunto pode ficar para outra hora, o que temos que discutir

com urgência é mais importante.

— E do que se trata? Mais um concorrente? — a estilista debochou em sua

pergunta.

— Não se trata de mais, se trata do concorrente — pelo seu semblante sério

era mesmo uma ameaça aos negócios Morgan —. Mãe, disputaremos o mercado

com a potente Button Modas.

Nunca nenhuma marca rival havia assustado Verônica Morgan, mas aquela

foi a pior notícia que ela poderia receber.

<<Estados Unidos>>

Renata desde que começara sua vida no novo país aperfeiçoou ainda mais o

seu talento, seus desenhos já não tinham traços infantis, refletiam o obra de uma

grande profissional.

Durante todos aqueles anos em que esteve em terras norte-americanas a

garota se transformou em mulher e tinha um único objetivo em sua vida:

vingança. Ela havia sido adotada por Alfred e Mary, que também eram estilistas e,

como não tinham forças o suficiente para combaterem a Morgan Modas,

resolveram começar os seus negócios no país mais rico do mundo, a empresa do

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SOMBRAS DO PASSADO

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casal ditava a moda do mundo todo, exceto no Brasil, já que sempre existiu o

receio de não dar certo.

O casal estilista já estava bastante debilitado, a idade já o castigava, por isso

Renata tomou a frente da Button Modas, ela era a dona de uma das maiores redes

de moda do mundo, uma realização do seu sonho de criança. Toda a sua

dedicação tinha como motivo a queda de sua tia, seu plano era conquistar os

brasileiros de tal forma que Verônica seria obrigada a desistir do que havia

conquistado à custa da dor de terceiros.

Planejando sua entrada triunfal no país em que nascera, a estilista

selecionou em silêncio grandes profissionais e os levou aos Estados Unidos para

treiná-los, naquele dia ela mostrou o seu contentamento pelo trabalho:

— Finalmente estamos todos aptos a entrarmos na guerra. Sei que não será

fácil, mas o nosso trabalho superará qualquer dificuldade. Nesses últimos meses

os treinei da melhor forma e posso dizer que estou orgulhosa da evolução de cada

um!

Seu discurso foi aplaudido por aqueles que junto a ela trabalhariam por uma

competição forte, todos estavam otimistas.

— Vocês voltarão ao Brasil, terão alguns dias de descanso, mas logo darei o

recado e a nossa empresa será inaugurada. Fiquem a postos! — seu jeito

humorado imitando a capitães do exército tornava as reuniões menos formais e

mais proveitosas.

Jéssica havia lutado contra o desafio que a vida lhe impôs e estava curada,

mostrou para aqueles que o rodeavam o quão forte era. Sempre antenada ao que

acontecia no mundo da moda descobriu cedo que uma nova empresa chegaria ao

Brasil, era aquela a sua chance de voltar às passarelas.

Sem medir esforços a modelo embarcou aos Estados Unidos a procura de

sua mais nova estilista preferida: Renata Button. Confiante ela encontrou o que

queria, estava a um passo de voltar ao sucesso

— Queria falar comigo? — Renata entrou em seu escritório onde Jéssica já a

aguardava mordendo as unhas —. Aqui estou.

— Pode parecer loucura, mas eu preciso muito que a senhora me dê uma

chance!

Sentando-se em sua cadeira e a girando para o enorme aquário que tinham

embutido na parede a estilista manteve sua seriedade:

— Por favor, senhora não. Chance para quê?

— Acho que já ouviu falar sobre mim, sou Jéssica Buarque, fui a top model

da Morgan Modas no Brasil, mas por um descuido da vida acabei perdendo o meu

espaço. Vim até aqui apenas para lhe pedir que me dê uma oportunidade de ser a

sua modelo.

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SOMBRAS DO PASSADO

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— Acha justo com tantas outras modelos que a essa altura já sabem da

novidade? Não acha mais certo participar de um concurso e provar que merece

ser a melhor? — Renata ainda estava de costas para a jovem.

— Claro que não acho justo, mas perdi tanta coisa por causa da minha

doença, descobri que estavam comigo pelo que o meu exterior oferecia e não o

meu interior. Eu preciso da sua ajuda para provar que venci.

— Sabe, Jéssica? Temos algo em comum — a mulher se virou para a modelo

—, nós duas somos cercadas por sombras do passado e é por causa delas que

tanto lutamos, queremos dissipá-las. Eu conheço você, sei da sua história e tenho

noção do seu potencial. Estava de olho em você há muito tempo, iria correr atrás,

mas parece que o universo conspirou ao nosso favor, acho que faremos um ótimo

trabalho juntas.

— Quer dizer que... — os olhos de Jéssica lacrimejaram.

Levantando-se de sua cadeira a estilista de um forte abraço em sua mais

nova modelo e completou:

— Está contratada!

*

Os pais adotivos de Renata estavam, por recomendação médica, em uma

casa de repouso, ambos aguardavam o fim, a cada dia que acordavam era um

agradecimento que demonstravam. Naquele dia especial a talentosa mulher foi

visitá-los, encontrando o seu pai dormindo contou a novidade à mãe:

— Nossa empresa entrará no Brasil em poucos dias, farei com que sejamos

ainda mais reconhecidos.

— Está certa disso, minha querida? — com sua fraca voz Mary indagou.

— Claro que sim, afinal de contas esse era o maior sonho do papai e seu.

— Não é por vingança? — ela sabia dos verdadeiros motivos da filha.

Respirando fundo e com os olhos encharcados a estilista respondeu:

— Isso será uma consequência.

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Capítulo 05 – Medo do novo

“Por medo de inovar perdemos grandes oportunidades, perdemos até mesmo o

que já consolidamos”.

<<Brasil>>

Desde que recebera a notícia da concorrente que teria Verônica aparentava

estar calma, destemida, nem um pouco preocupada, mas em seu interior o caos

estava formado. A veterana estilista conhecia bem o potencial da Button Modas,

mas não imaginava o que estava por vir.

Um novo dia começava e a senhora Morgan pressionava sua diretoria a

participar de uma reunião excepcional, todos puderam perceber sua apreensão.

— Bom, o motivo pelo qual os chamei aqui é a concorrência. Como sabemos

a Button Modas anunciou que invadirá o nosso território, estamos preparados

para a guerra? Eu acho que não.

— Verônica, é você mesmo? — Egídio, diretor de marketing da empresa,

espantou-se com a atitude da patroa —. Medo da concorrência?

— Pare de ironias, meu caro, precisamos pensar em estratégias para

barrarmos o inimigo, dessa vez estaremos lidando com o desconhecido.

— A estratégia é simples, ficarmos parados — o diretor sugeriu.

— Parados? O que quer dizer?

— Devemos continuar com os nossos moldes, com o padrão dos nossos

produtos, não precisamos nos descabelar pensando em novidades. As pessoas

respiram a nossa marca, já se apegaram ao que oferecemos, vamos mostrar a essa

empresinha de fundo de quintal a nossa superioridade!

— Eu discordo — Jonas, que era um dos consultores de moda da empresa,

fez sua oposição —. Não se trata de uma empresa qualquer, se trata de uma

potência internacional que busca a constante inovação. Nós estamos parados no

tempo, desde que meus tios se foram poucas foram as mudanças, o povo

brasileiro nunca viu o novo e esse pode ser o maior motivo pelo qual nossa marca

é maioral no país. Todos os concorrentes que tivemos foram imitadores baratos,

mas agora teremos que enfrentar a originalidade. Inovação é a saída.

Analisando o que ouvira do filho Verônica deu o seu parecer:

— Também acho que seja essa a saída.

— Não, vocês não podem estar falando sério — Egídio não mudaria de idéia

tão facilmente, na verdade ele se achava o manda-chuva, sua real vontade era ter

o domínio da empresa em suas mãos —. Inovar é andar em terras desconhecidas

repletas de armadilhas, um passo em falso e a consequência é o fim. Verônica, vai

mesmo arriscar sair da zona de conforto por algo incerto?

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— Meu filho pode ter razão, as novidades da Button Modas podem atrair o

nosso público.

— Você está agindo erroneamente. Aqui você não tem filhos, têm

profissionais e é assim que deve ouvir a todos nós.

— Egídio, continuar na zona de conforto que será errôneo. Já estudou a

nova empresa? Teremos altos profissionais competindo contra nós, devemos

arriscar sem dúvidas! — Jonas tentou convencer o colega.

— É cedo demais para pensar nessas coisas — o homem era irredutível —.

Antes de sair disparando tiros por aí vamos esperar a guerra começar, isso é agir

certo.

Verônica nunca mexeu nos padrões da Morgan Modas porque a maneira

como o irmão a construiu deu-lhe sucesso, talvez aquela fórmula fosse eterna.

Dando atenção ao que um dos seus diretores disse, ela tomou sua decisão:

— Continuaremos como estamos. Se for necessário pensamos no que

faremos.

— Mas, mãe... Poderá ser tarde demais...

— Jonas, já está decidido. Nunca alteramos nossa marca, não quero atitudes

incertas nos prejudicando.

O rapaz ficou descontente, sempre havia sonhado com novidades para a

Morgan Modas, mas nunca pôde colocar suas ideias a mostra. Naquela reunião

teve a falsa esperança de que mudaria as coisas, mas terminou frustrado.

[Dias mais tarde]

<<Estados Unidos>>

Renata encontrou em Jéssica além de uma profissional uma grande amiga.

Embora poucos dias houvessem passado ambas já estavam muito próximas,

compartilhando até mesmo segredos.

Era a última noite das mulheres em New York, no dia seguinte partiriam ao

Brasil, a data de inauguração da Button Modas estava cada vez mais próxima.

Para se despedirem do lugar as duas amigas foram a um dos restaurantes mais

badalados da estilosa cidade.

— Será nada fácil comandar tantas filiais pelo mundo, não acha? — a

modelo já saboreava a sobremesa, um petit gateau delicioso.

— Tenho muitos representantes mundo a fora, tudo está sob controle — a

estilista preferiu a torta de limão, muito bem preparada e saborosa à beça.

— Até agora não consigo acreditar que vou trabalhar com você. Não quero

puxar o saco, mas desde quando comecei a acompanhá-la admiro o seu trabalho,

sempre inovando.

— Inovar é o quem mantêm os negócios.

— A Verônica não pensa assim, parece que parou no tempo.

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— Já que entramos nesse assunto me fale um pouco dessa mulher, o que

você acha dela?

Jéssica pensou um pouco, pôde escutar o fundo musical que tocava alguma

melodia clássica que ela não conseguiu identificar, as palavras vieram:

— Ela é uma excelente profissional — não poderia ser ingrata com alguém

que bem ou mal a ajudou a construir uma carreira sólida —, mas uma pessoa

muito materialista. Ao saber do meu problema tratou em me substituir enquanto

poderia me ajudar, nessa hora vi que éramos amigas, ela me tinha apenas como

fonte de lucro.

— Como sempre gananciosa — a mulher pensou alto.

— Como sempre? Conhece-a?

Renata tentou disfarçar, mas em vão. Tudo o que havia acontecido no

passado ainda a afligia muito, o que ela mais queria era desabafar com alguém,

talvez aquele fosse o momento.

— Posso confiar em você?

— Claro, gosto de você de verdade.

— Essa mulher conseguiu tudo o que tem matando — a revelação era

espantosa —. A Morgan Modas na verdade é minha, ela a arrancou dos meus pais

os matando perante os meus olhos — o semblante da estilista caiu.

Ao escutar aquilo Jéssica sentiu-se como se tivesse levado um choque, ela

nunca poderia imaginar aquela história.

— Ela é minha tia e acabou com a minha vida, com os meus sonhos. Precisei

andar como uma foragida para não ser morta, mas a sorte me acompanhou e hoje

estou aqui pronta para me vingar do passado.

— Então é por isso que vai ao Brasil?

— Vou deixar essa mulher na miséria e recuperar o que é meu, ela não

ficará impune!

<<Brasil>>

Letícia, Jonas e Verônica estavam jantando na mansão da senhora Morgan

quando a estilista fez sua provocação ao filho:

— Tem que inovar, Jonas, sair da mesmice. Case-se com essa garota linda e

mostre sua inovação.

— Namorar é muito bom, sabia? — o rapaz retrucou —. Para que casar?

— Para consumar o amor? — Letícia respondeu com uma pergunta

repousando sua mão no rosto do namorado —. Se me amasse do modo como fala

não me recusaria dar o melhor presente do mundo.

— Eu acho que não preciso provar nada, será que tudo o que faço por você

já não é suficiente?

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— Jonas, não foi isso o que ela quis dizer — Verônica interveio —.

Casamento é o sonho de todas as moças e quando o amado delas as propõem algo

tão significativo como isso seus corações explodem de felicidade.

— Eu te amo muito, de uma maneira que ninguém amará. Por isso quero

me casar com você, mostrar ao mundo todo o quê significa para mim.

Olhando no profundo dos olhos da namorada Jonas respondeu:

— Noivamos em um mês — não era o que ele queria.

— É assim que se fala, meu garoto — a estilista comemorou —. Vou ao meu

quarto, fiquem a vontade.

A fim de descansar Verônica entrou em sua banheira enquanto checava as

notificações do celular até encontrar uma notícia que revelava quem seria a top

model da concorrência. O que a estilista descobriu não lhe agradou muito.

— Jéssica Buarque traidora! — seus olhos demonstravam a sua raiva.

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Capítulo 06 – Brincando com Fogo

“Brincar com fogo não é tão perigoso assim, afinal de contas ele apenas

queima dos desavisados”.

Sem alarmar a imprensa Renata, junto de Jéssica, desembarcou em

Fortaleza. Depois de vinte anos finalmente a renomada estilista poderia cumprir

a promessa que havia feito ao homem que a ajudara no passado,

Ansiosa ela andava pela orla da praia que havia marcado o início de sua

nova vida, de sua nova história. Passando por diversos quiosques perguntava por

Raul, mas nunca o encontrava. Logo a mulher avistou um quiosque especial, o

que ela passara um tempo, o que lhe deu passagem para o sucesso.

Ao entrar no local um cheiro nostálgico tocou suas narinas, a saudade pelos

pais biológicos apertou em seu peito, a falta que o seu amigo lhe causava a

incomodava. Atrás do balcão um garoto moreno a observava, atento.

— Como vai? — Renata perguntou.

— Bem — o olhar do jovem escondia alguma tristeza —. O que vai querer?

— Apenas conversar.

— Pelo seu sotaque percebo que não é daqui. Precisa de alguma

informação?

— Na verdade sim, preciso saber se conhece uma pessoa.

— E quem seria?

— O Raul, era dono daqui. Ele ainda se encontra?

O garoto abaixou sua cabeça e, antes de responder, deu um suspiro.

— O meu pai está desaparecido.

A estilista sentiu o seu coração quebrantar-se. Durante todos aqueles anos

não teve um dia se quer que ela não se lembrasse daquele homem e sonhasse com

o dia em que se encontrariam. Saber do que havia acontecido era como uma

tempestade que ofuscava suas esperanças.

— Como isso aconteceu? — a mulher tinha os olhos lacrimejantes.

— Eu era pequeno ainda, alguns homens apareceram aqui invadindo o

quiosque e a nossa casa. Deixaram o meu pai na mira da arma e o mandaram se

render. Antes de levarem-no deixaram um bilhete para alguém desconhecido, um

alguém que poderá trazê-lo de volta. Aquela foi a pior noite da minha vida.

— Eu poderia ler o bilhete?

Um pouco receoso o garoto permitiu, estranhando o modo emotivo de

Renata.

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A mulher sentiu a culpa em seu peito: se ela tivesse voltando antes talvez

aquilo não acontecesse, ela deveria ter cumprido a promessa enquanto tinha

tempo.

— Você sabe de alguma coisa? — o garoto questionou —. Sabe onde posso

encontrar o meu pai?

— Na verdade, sim — as lágrimas caíram —. Sou eu a pessoa que pode

ajudá-lo, sou a culpada por tudo isso.

— Isso é verdade? — ele tomou o bilhete das mãos da estilista —. Faz idéia

da dor que me causou?

— Claro que faço. Se eu pudesse fazer alguma coisa para mudar isso já teria

feito... Preciso da sua ajuda, preciso que venha comigo para São Paulo.

— A culpada pela separação mais dolorosa da minha vida vem me pedir

ajuda? Não preciso de você, agora que tenho uma pista de onde ele pode estar irei

sozinho.

— Não é tão fácil quanto parece, é perigoso! Até a noite estarei nesse hotel

— Renata lhe entregou um cartão —, caso mude de idéia me procure, amanhã

estarei de partida. Juntos podemos trazer o seu pai de volta.

*

Durante todo o dia Renata esteve pensativa, imaginando o que

possivelmente havia acontecido com Raul, um homem que sofreu com as

injustiças da vida, mas teve a chance de se redimir. Talvez aquele homem já nem

estivesse mais vivo, talvez ela tivesse voltado tarde demais, mas fato é que ela

faria o que fosse possível para ter as respostas queridas.

A noite caiu e um momento tão aguardado chegou. Usando algumas de suas

redes sociais a estilista Button fez uma transmissão aos brasileiros, oficializando

sua chegada:

Eu te conheço e sei que se apega às pessoas ao ponto de fazer

qualquer coisa por elas. Pensaram que iriam fugir tão facilmente

sem que eu descobrisse? Sou Verônica Morgan, a onipresente! Se

você realmente gosta dessa inútil virá atrás de mim a fim de

salvá-lo, espero que não seja tarde demais... Mas tenha cuidado,

estará brincando com fogo!

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— Em primeiro lugar quero que saibam que é uma honra ter uma de nossas

empresas aqui, minha equipe e eu faremos o possível para impressioná-los, para

mostrarmos o que nunca foi visto. No próximo dia três teremos a inauguração da

sede brasileira em São Paulo, mostraremos alguns de nossos modelos, por

enquanto femininos, e em breve as distribuições começarão pelas lojas

conveniadas. Preparem-se, irão se surpreender! Eu sou Renata Button e você um

cliente especial.

— Arrasou — Jéssica parabenizou a amiga —. Quando a Verônica vir isso

vai surtar.

— Essa é a intenção. Em uma guerra você precisa invadir a mente do

inimigo, assim ele não consegue pensar em estratégias.

De repente a porta do quarto onde as mulheres estavam hospedadas foi

tocada. Certa de quem seria Renata mesmo atendeu.

— Sabia que viria — recebeu a visita sorridente.

— Posso conversar? — o garoto da praia tinha consigo uma mala.

— E então? Pronto para encontrar o seu pai?

— Como se conheceram? Quem fez isso com ele? Por que tem haver com

você? — eram muitas as perguntas.

— Antes preciso saber o seu nome e a sua idade.

— Meu nome é Pedro e já tenho dezenove, desde os oito vivo sem o meu pai

e preciso saber quem o tirou de mim.

— Bom... Seu pai foi um herói na minha vida, que me salvou das garras de

Verônica Morgan, uma mulher calculista, responsável pelo sumiço de Raul. Ela

queria me matar, então o seu pai fugiu comigo para cá. Nunca poderíamos

imaginar que ela descobriria alguma coisa, mas o inimaginável às vezes acontece.

— Você acredita que ele esteja vivo?

— Quero acreditar nisso, ele é muito importante para mim... E quanto a

você? Tem certeza de que quer fazer isso? A brincadeira será com fogo.

— O fogo apenas queima os desavisados. É claro que vou com você — a

vontade de abraçar aquele que tanto amava era maior que o medo da guerra.

*

Deitada em sua cama Verônica assistiu ao que Renata havia falado. Com seu

olhar gélido e voz fria a mulher observava a concorrente com atenção, tinha uma

vaga sensação de conhecer aquela mulher, mas sua mente não a levava a

conclusão alguma.

— Pobre jovem, esqueceu-se de que sou mais velha e capaz de muitas

coisas. O que não me conformo é esse nome ridículo continuar me infernizando!

Mais uma Renata que farei evaporar.

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Certificando-se de que seu filho já estava dormindo a experiente estilista

desceu até o porão do casarão, um lugar que somente ela tinha acesso. Abrindo a

porta a partir de um código ela entrou no lugar frio e escuro, cheio de bagunças.

Acendendo a luz fez com que um homem gritasse, a luz agredira os olhos daquele

que vivia na escuridão.

— Raul, ainda vivo? Pensei que deixaria de comer e beber a fim de morrer.

— Por que não acaba logo com isso? — ela tinha as mãos e os pés presos por

correntes.

— Vê-lo viver como um cachorro é gratificante. Até hoje tento entender o

porquê da traição, sabe que eu pagaria o suficiente para tirá-lo daquela miséria

caso exterminasse a garota. Mas você preferiu se juntar a ela e veja só no que deu:

acabou em minhas mãos e continuará assim por muito tempo.

— Estou há anos aqui e nada aconteceu. Nada vai acontecer. Se a sua

vontade é me ver morto realize-se.

— Já viu um pescador? Ele coloca a isca no anzol e espera um tempo até que

venha o peixe. Ele não se desespera, porque sabe que pode afastá-lo. Raul, você é

a minha isca!

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Capítulo 07 – À procura de um Amor

“Segundo o dicionário ‘amor’ é definido como afeição acentuada de uma

pessoa por outra, definição muito simplória. ‘Amor’, como diriam os poetas, é o

caos que se arruma em sua frágil arquitetura”.

Renata já estava a dois dias na capital paulista. Depois de muitos anos ela

voltara à cidade que havia marcado o começo da sua dor.

Muitas coisas que foram escritas no passado causam dores e medos no

presente de alguém, seu coração se fecha, seus sentimentos humanos parecem

esfriar pouco a pouco. Decepções, desilusões, injustiças, coisas que transformam

qualquer um, coisas que transformaram Renata.

A dona da Button Modas com os seus já vinte e oito anos nunca havia se

permitido ao amor, não acreditava nessa palavra, possuía medo de se machucar.

Mas tal decisão sempre causou um vazio em seu coração, a dor da vida ainda

mais difícil de se enfrentar sozinha, mas para ela era melhor assim.

Como sempre gostara de fazer a estilista procurou algum parque em São

Paulo onde pudesse assistir ao pôr-do-sol sem que ninguém a incomodasse, era

um momento só dela, um momento de paz. Muito observadora a mulher

analisava cada pessoa que ali estava: encontrou jovens amigos irradiando a alegria

de estarem juntos, viu famílias apreciando ao espetáculo que só a natureza

proporciona e notou a presença de casais apaixonados que se olhavam

maravilhados, como se fosse a melhor coisa que viam. Voltando em si Renata

sentiu a falta de ter alguém ao seu lado, alguém para amá-la da maneira como

desejava.

*

Focado em assuntos da empresa, Jonas analisava em seu escritório diversas

formas de combater a concorrência. Embora contrariado o filho de Verônica já se

preparava para o combate, sabia que ele iria começar cedo ou tarde.

Sem ao menos bater na porta Letícia entrou na sala do namorado,

tagarelando incansavelmente.

— Será que elas não veem que eu sou a melhor modelo? Será que não

percebem o meu envolvimento com Verônica? Podem puxar o meu tapete o

quanto quiserem, mas o farão em vão. Nunca vou cair! Mal posso esperar pelo

nosso casamento, quero calar a boca da inveja — incomodando-se com o silêncio

de Jonas a modelo bateu na mesa do rapaz chamando sua atenção —. Vamos nos

casar, lembra-se? A maior parte do seu tempo deve ser dada a mim... Aposto que

não ouviu sequer uma palavra do que falei.

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O jovem consultor se manteve calado por alguns instantes, seus

pensamentos o perturbavam. Ele estava próximo de dar um importante passo em

sua vida, um passo que não poderia ser dado em falso como muitos precipitados

fazem. O rapaz casar-se-ia com aquela garota, mas não a amava.

— Confesso que está certa, não ouvi. Não posso mais enganá-la, estou

enganando a mim mesmo com isso. Letícia, lamento, mas não podemos mais

continuar com essa história. Não a amo da forma como queira, não vamos mais

nos casar.

— Está terminando comigo? — a jovem desacreditou-se no que ouvira —.

Depois de tanto tempo me diz um absurdo desses? É de um tempo que precisa?

Dou o quanto quiser — a modelo se jogou nos braços daquele que,

verdadeiramente, amava —. Você não pode me abandonar.

— Não somos mais adolescentes para vivermos ilusões — Jonas a afastou

cautelosamente, não queria transformar o que deveria ser um tranquilo diálogo

em uma grande discussão —. Você não merece ter a mim ao seu lado, não serei

capaz de amá-la o suficiente. É melhor assim, não quero que se machuque

futuramente por minha causa. A decisão já está tomada.

Poupando palavras Letícia saiu dali, segurando as lágrimas que tentavam

ferozmente saltarem de seus olhos.

Perder algo que tanto se amou é mesmo um desafio a ser vencido. Culpamo-

nos a todo instante, queremos saber onde é que erramos, ao passo que aquilo que

perdemos foi embora por vontade própria. Usando nosso lado egoísta não

entendemos o porquê de tal atitude, mas às vezes ela é necessária para que

fiquemos bem, às vezes perdemos para que possamos ganhar.

Letícia não via isso, não conseguia ver isso. Desde o dia em que vira Jonas

pela primeira vez se apaixonou perdidamente e sempre deixou claro que o seu

amor era sincero. Desolada, angustiada, sentindo uma dor que crescia em seu

peito a cada minuto por não conseguir entender aquilo, a modelo estava prestes a

tomar uma atitude desesperada: tiraria sua própria vida com uma afiada tesoura.

— Enlouqueceu? — Verônica a encontrou em sua sala justo na hora do ato

—. O que pensa que está fazendo? — a estilista logo tirou o objeto fatal das mãos

entristecidas.

— Já não tenho razão para viver — as palavras saíram enfrentando as

lágrimas —. Aquilo que mais amei simplesmente dispensou-me, jogou fora todos

os nossos sonhos e anseios.

— Não me diga que...

— Seu filho terminou tudo, não quer mais nada comigo...

— Acha mesmo que é chorando ou se matando que mudará as coisas?! Que

espécie de amor é o seu que nem ao menos luta para mantê-lo? Levante-se agora

mesmo e venha comigo!

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SOMBRAS DO PASSADO

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Seus problemas poderiam ter acabado, mas estavam apenas começando.

Jonas se viu perante a mãe e Letícia, cercado de indagações.

— Acha certo dispensar o amor verdadeiro que uma garota sente por você?

Acha certo jogar fora os últimos anos que passaram juntos? Acha certo iludir

alguém?

— Estaria iludindo se continuasse a dizer que a amo! Durante esses anos

vivemos uma mentira, aceitei namorar com ela para que não me perturbasse

mais, já que todas as minhas namoradas não lhe serviam. Porém cresci, sei que a

vida é feita de escolhas e um erro pode ser fatal para um futuro inteiro. Ela

merece alguém que a ame de uma forma que eu nunca amarei.

— O que ela tem que eu não tenho? — Letícia pensou que existisse outra

pessoa na história.

— Você é única, todos somos únicos, não existe essa filosofia do que um

tem que o outro não tenha. Por favor, siga a sua vida, assim como seguirei a

minha.

— Então é essa a sua decisão? — Verônica perguntou pela última vez.

— Sim — o rapaz foi firme ao responder, sempre possuiu certeza em suas

escolhas.

— O arrependimento poderá lhe custar caro. Tão caro quanto perder uma

vida. Temo que seja tarde demais quando os seus olhos se abrirem, essa garota

que o amou incondicionalmente poderá não estar disponível mais.

A partir de escolhas surgem dúvidas vagueando por nossas mentes. Fizemos

a coisa certa? Não estamos equivocados? Agimos precipitadamente? Um tempo a

mais para decidir não seria o ideal? Dúvidas que colocam o nosso coração em

cima do muro. Normalmente as respostas vêm de nós mesmos, felizes são aqueles

que sabem se ouvir.

Jonas precisava de respostas, talvez a melhor forma de consegui-las fosse

consultando a natureza, a que Deus deixou para confortar os homens. Saindo

mais cedo do expediente o rapaz foi até um dos parques de São Paulo, procuraria

no pôr-do-sol as respostas que procurava, certo de que as encontraria.

Os bancos estavam cheios, mas um em especial tinha a presença de apenas

uma mulher. Ela era aparentemente alta, sua pele clara contrastava com os

cabelos castanho-escuros, cortados até o ombro. Nunca o jovem consultor havia

reparado tanto em alguém.

— Seria incômodo eu me sentar aqui? — ao fazer sua pergunta ele

encontrou os olhos castanhos daquela mulher, seu coração pulsou mais forte, seu

sangue fluiu mais energicamente pelas veias.

— Claro que não.

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*

O sol aos poucos se escondia, maravilhando Renata cada vez mais que,

repentinamente, se viu tirada de seu encanto com uma doce voz que lhe

perguntou:

— Seria incômodo eu me sentar aqui? — ao erguer os seus olhos ela viu um

rapaz alto, loiro, que tinha olhos verdes, olhos que a encantaram tanto quanto o

pôr-do-sol e que fizeram seu coração pulsar de uma forma diferente, uma forma

nunca sentida antes.

— Claro que não — sua resposta foi espontânea.

Continua...

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Capítulo 08 – Encontro de Corações

“A maioria das coisas que existem tem sua outra metade, seu outro par,

aquilo que as complete. O mesmo ocorre com o coração: o seu, o meu o de alguém

podem ser um só!”

Jonas não conseguia entender o que somente a presença daquela mulher

fazia consigo, o rapaz apenas concluía que era um sentimento nunca sentido

antes.

Renata, mais sensitiva, descobriu no perfume daquele que estava ao seu

lado o melhor cheiro que já havia sentido em toda a sua vida, o ritmo

descompassado do seu coração ficaria ainda pior ao ouvir a voz daquele homem.

— Mora aqui? — dentre tantas perguntas que poderiam iniciar um diálogo

aquela foi a que Jonas julgou mais própria.

— Na verdade cheguei hoje. Sou Renata Button, deve ter ouvido falar sobre

mim.

— Ah! Uma das melhores estilistas que o mundo tem — naquela hora os

olhos do consultor realmente se abriram e sua mente entendeu o que acontecia:

estava se apaixonando. Dentre tantas mulheres seu coração parecia ter escolhido

alguém que o poderia ter como concorrente.

— É o que dizem — a mulher respondeu com um discreto sorriso —. Penso

que mora aqui.

— Nasci nessa cidade e construi minha vida aqui. Já fez amigos?

— É a primeira pessoa que estou conversando — aquelas palavras fizeram o

rapaz se sentir único —. Também aprecia a natureza?

— Para ser sincero não costumo parar e observar o pôr-do-sol como fiz

hoje, mas minha alma necessitava disso, dúvidas cruéis perturbavam os meus

pensamentos.

— Fez bem em procurar um lugar como esse para se refugiar, é daqui que

tiramos respostas tão escondidas.

Perdido no delicado olhar da mulher mais bela que vira em seus dias Jonas

resolveu abrir o seu coração, não temendo a precocidade das sensações:

— Terminei meu namoro, porém a incerteza me tomou.

— A ama? — olhando para algum ponto qualquer Renata fez sua pergunta.

— Foi por não amá-la que decidi isso — o rapaz tentou procurar o foco do

olhar da estilista —. Iríamos nos casar, era o que ela mais queria, mas estaríamos

cometendo um engano e bem sabemos da gravidade. Coisas como essas devem

ser feitas com total reciprocidade, não basta apenas um querer.

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— Se me permite, acho que foi sábio em sua escolha... O tempo passa, nada

o suporta, nada o vence, mas o amor maduro, certeiro, verdadeiro sim. O tempo

poderia ser cruel a vocês, poderia causar grandes feridas.

— Feridas dolorosas... — ele disse vagamente.

— Feridas incuráveis... — ela continuou.

— Feridas mortais.

Ao notarem que se completavam ambos pararam e deixaram que seus olhos

se encontrassem e em seus rostos um sorriso tímido surgisse.

— O amor de sua vida me parece ter grande sorte, suas palavras são tão...

dóceis — Jonas fez uma indireta, queria saber se poderia alimentar esperanças em

seu coração.

— Amor de minha vida? Se existe o desconheço — Renata riu singelamente

—. Falando sério nunca tive um amor.

— Coração dilacerado? — o rapaz se interessou pela história daquela que

aos poucos roubava os seus sentidos —. Se me achar digno de ouvir seu desabafo,

por favor, o faça.

Mãos suavam, pernas tremiam, o coração ardia, a mente imaginava finais

felizes, a voz precisava enfrentar alguns obstáculos para soar e sua alma clamava

dentro de si por um pouco de afeto, um pouco de carinho, um pouco de amor.

Renata nunca se permitiu a tal sentimento, pelo menos não daquela forma como

estava prestes a se entregar, o motivo era o medo: o medo da dor.

A estilista sempre recusou a aproximação de alguém disposto a lhe amar,

mas com aquela pessoa estava sendo diferente, o encantamento era tamanho que

as palavras começaram a sair por vontade própria: agora a alma controlava a

carne.

— Nunca fui capaz de amar, não como uma mulher sedenta por atenção,

por proteção. De uma forma cruel cresci me privando de sentimentos, as pessoas

saíam da minha vida sem ao menos dizerem adeus. Para que arriscar-me mais

vezes? Não vejo o amor como os poetas o veem, o vejo como um caos, a

desordem.

— Por ironia esses mesmos poetas apregoam o amor como um caos que em

sua frágil arquitetura se arruma. Concordo com você, é um sentimento tão

confuso, tão enigmático, tão desordenado, mas por existir apenas sua metade

dentro de nós.

— O que quer dizer — ela se encantou pelo discurso, queria ouvir mais.

— A outra metade precisa ser encontrada. Quando isso acontece ele se

completa, deixa de ser confuso para ser orientador, deixa de ser enigmático para

se clarear e arruma a nossa vida, organiza o bagunçado de emoções que impera

dentro de nós.

— De onde tirou tais palavras? — a estilista se maravilhou a cada vírgula.

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— Brotaram dos olhos que me olham — o consultor não se intimidou,

aquela frase era como uma declaração.

Renata não soube o que dizer, desviou os seus olhos para a grama, talvez

seguir os rumos do coração não fosse uma boa idéia.

O casal ali continuou em um silêncio que soava a suspense. As primeiras

estrelas despontavam no céu, a noite anunciava com sua leve brisa a sua chegada.

Angustiado, Jonas encontrou a mão de Renata repousada sobre o banco e

repousou a sua sobre a da mulher.

— Acho que preciso ir, alguns trabalhos precisam ser terminados — ele

disse.

— Espera — a estilista pediu assim que ele se levantou —. Gostei muito da

nossa conversa, quero muito vê-lo novamente.

— Quando quiser — o rapaz anotou seu número em um papel e o entregou

à Renata —. Também gostei muito de conhecê-la, quero muito que faça parte da

minha vida.

— Acho que o deixarei entrar na minha, na esperança de que não seja como

as outras pessoas.

Jonas percebeu que tinha chances, sua única obrigação seria investir

naquilo.

— Eu juro que não o sou — seu olhar prendeu o da mulher.

— Você é diferente... Não entendo...

— Certas coisas não foram feitas para que fossem compreendidas, mas para

que fossem vividas.

Pronto para selar os lábios o rapaz foi frustrado ao perceber que Renata

virara o rosto, mas o sorriso da moça foi suficiente para a sua alegria.

— A propósito, como se chama?

— Jonas — ele pensou antes de dizer o sobrenome, preferiu usar o de seu

falecido pai —. Jonas Woicik.

— Lindo nome — a estilista sorriu.

Ouvir aquilo incendiou o ser do rapaz de felicidade, finalmente havia

encontrado o amor de sua vida. Um pouco cedo para dizer aquilo? O futuro

dirá...

*

Um coração amargurado cria dentro de si rancor, ódio, desejo por vingança.

Atitudes tomadas na hora da raiva, da dor, da decepção podem ser as mais

erradas possíveis, quantas pessoas não choram por isso?

Letícia agiu de maneira diferente, enfrentava aquela situação mostrando

total controle, o que Verônica não conseguia entender. Arrumando suas coisas

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para ir embora da mansão da que seria sua sogra, a modelo foi surpreendida pela

renomada estilista, que sempre a dominou.

— Vai mesmo desistir?

— Não insistir com o impossível não é desistir, é ser sensato. Aprendi que

no amor a coisa funciona quando ele existe nos dois lados.

— Seu pensamento é de um perdedor — a senhora Morgan não poupou

agressão —. E eu odeio perdedores.

— Entenda que o seu filho não me quer. Somos todos adultos o suficiente

para entendermos que cada um é livre para tomar suas próprias decisões. Antes

de amar o Jonas eu também amo a mim, sofrer por algo não correspondido nunca

valerá a pena.

— Você quase se matou — a mulher revirou os olhos.

— Quando não se sabe o que fazer é comum atitudes drásticas serem

tomadas.

— Poderíamos ao menos fingir uma gravidez. O que me diz?

— Não poderei viver o resto dos meus dias sabendo que sou a infelicidade

de alguém... Sinto muito.

— Você tem muita sorte — Verônica começou a se irritar, odiava quando as

coisas não saíam da sua maneira —. Agradeça a Deus por ter lhe dado um dom

para ser modelo, caso contrário já estaria na rua.

— Coloque-se em meu lugar. Gostaria de amar sem se amada?

— Amor é fantasia, um sentimento banal que nos torna bobos de nós

mesmos — os olhos frios da estilista penetravam os da modelo —. Pode ir, tome a

decisão que quiser, mas tendo em mente tudo o que me deve, o quanto me

pertence!

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Capítulo 09 – Revelação

“Segredos não são tão bons. Alguns são capazes de causarem sustos,

decepções ou até mesmo o fim de grandes histórias.”

Raul não era como os homens perversos que praticavam a maldade a fim de

satisfazerem seu próprio egoísmo, precisou firmar uma aliança com Verônica por

amor a própria vida. Porém, na atual situação em que se encontrava, o homem

começava a concluir que a morte poderia ter sido sua melhor opção.

A dona da Morgan Modas guardava um segredo impensável, um segredo

que apenas Raul sabia, um segredo ameaçado por Renata. Segredo esse que,

conforme temia o prisioneiro, poderia mudar os rumos de tudo, os rumos do

mundo.

Tratado como bicho Raul era alimentado somente ao anoitecer, a

humilhação era tanta que ele precisava ajoelhar-se ao chão e comer como um

cachorro, tudo por causa da escolha certa: ajudar quem precisou.

Dentre tanto sofrimento o que mais lhe machucava era a lembrança do

passado: a forma como sua família havia sido aniquilada por Verônica, o motivo

era poder, era domínio. Raul, ao estar prestes a acompanhar o nascimento do seu

primeiro filho, assistiu a morte daquela que tanto amava. Nada poderia ser feito.

Ninguém poderia saber, ou ele morreria.

Preso naquela cadeira há anos o homem continuava com o seu passatempo:

a conversa com o além.

— Nome poderoso, nome de prestígio, nome reconhecido. Nome que

poderia salvar a tanta gente, mas que despertou a perversidade em um coração

tão potente. Poderá esse nome salvar a mim? Poderá esse nome salvar a todos

nós? Morgan, o nome do bem corrompido, o nome da destruição!

*

Renata não queria que a vissem como uma mulher fácil, desesperada por

algum companheiro, então esperou ao menos dois dias para entrar e contato com

aquele que transformou o seu interior.

— Quem é? — Jonas atendeu ao número desconhecido.

— Renata... Ainda lembra de mim?

— Poderia ter me esquecido?

— Vejo que não — se o rapaz visse o sorriso da moça iria derreter-se ainda

mais —. Aceita jantar comigo?

— Mas é claro. Aonde vamos?

— Não conheço essa cidade, sei que posso confiar em você.

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— Garanto que não irá se decepcionar. Envie-me seu endereço, faço questão

de levá-la.

Até então a dona da Button Modas não havia adicionado o número do

consultor, mas ao ver a foto de perfil no WhatsApp não conteve o sorriso, achava-

o cada vez mais atraente.

— Posso saber o motivo de tanto brilho? — Jéssica a surpreendeu.

— Não sei do que está falando — Renata fez-se de desentendida.

— Garanto que tem uma pessoa no meio. Não precisa se envergonhar, amar

não pode ser motivo de vergonha.

— Acho que está certa, tem sim uma pessoa — a mulher se entregou com a

timidez nos olhos —. Só não sei se estou agindo da maneira certa.

— Mas é claro que está — a modelo ajudou Renata a ajustar seu vestido —.

Pelo que me contou a vida já foi muito dura com você, talvez agora esteja

disposta a recompensá-la por tudo. Permita-se à paixão, com cautela, claro,

descubra até onde esse amor pode ir.

— Amor? Talvez seja cedo para usar essa palavra...

— Não é o que seus olhos dizem, siga o seu coração. Boa sorte, estarei

torcendo por você.

A campainha tocou fazendo a ansiedade da mulher aumentar ainda mais.

Abrindo a porta seus olhos se encantaram pelo rapaz que vestia algo mais social,

sem deixar a descontração de lado.

— Podemos ir? — Jonas estendeu sua mão.

— Agora mesmo — Renata não via, mas seus olhos irradiavam.

O casal adentrou o elevador já que a moça morava no último andar do

prédio. A fim de quebrar o silêncio da tensão o rapaz arriscou um elogio:

— Se produziu tanto apenas para jantar comigo?

— Sabe como é, uma estilista precisa sempre se produzir independente da

ocasião — os olhos da mulher encaravam os do homem —, mas confesso que

pensei em você — seu sorriso era acanhado.

Se não fosse a porta abrir o casal daria seu primeiro beijo, oficializaria assim

a união que seus corações já conheciam a existência.

Atenta a cada detalhe a jovem estilista se maravilhou quando Jonas lhe

abriu a porta do carro, a cada gesto como aquele seu encantamento aumentava.

— Posso dizer uma coisa? — o rapaz perguntou antes de dar a partida.

— Pode dizer o que quiser.

— Sua companhia não é como as outras, é especial. Por que não nos

conhecemos antes?

— Ironias do destino, o mesmo que afasta e aproxima. Também gosto da

sua presença, mas não entendo o porquê. Como você disse certas coisas não

foram feitas para a compreensão, mas simplesmente para serem vivenciadas.

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Para ambos o jantar era o melhor de suas vidas, afinal o amor também

tempera, mas é um tempero da alma, que passa a sensação de tudo estar

maravilhoso.

— Pensei que não me ligaria, já perdia as esperanças de um encontro tão

ímpar quanto esse — Jonas disse em meio aos goles do vinho.

— Sou das antigas, gosto de fazer um charminho — Renata deu uma

piscadela.

— Acho que já perdemos tempo demais e eu preciso abrir o meu coração a

você, dizer o que sinto de verdade.

Apreensiva a estilista questionou:

— E o que seria?

— Antes devo ser sincero e não lhe esconder nada.

— Não gosto de suspenses...

— Se vamos mesmo nos falar você tem que saber que profissionalmente

seremos concorrentes, mas não vejo que seja um empecilho na nossa vida

pessoal.

— O que quer dizer?

Ficando alguns segundos em silêncio o rapaz respondeu:

— Trabalho na Morgan Modas... Na verdade eu sou filho de Verônica.

Renata estava mesmo achando que tudo era fácil demais para ser verdade,

aquela revelação endureceu o seu coração, ela não poderia se entregar aquele

homem.

— Preciso ir ao banheiro — a estilista levantou-se rispidamente.

— Eu quero que seja minha namorada, encontrei nos seus olhos o que há

muito procuro, encontrei a minha metade — Jonas também se levantou

segurando firme a mão da mulher —. Não fuja de mim, não por isso, eu sei que

preciso de você.

Surpresa com aquelas palavras a estilista respondeu confusa:

— Eu prometo que volto, mas preciso ir ao banheiro.

Não podia ser verdade. Ele não podia ser o filho da sua inimiga, da

causadora de sua dor. Renata não queria acreditar que ele era o Jonas que ela

conhecera há anos, o bebê que ela cuidou enquanto seus pais eram assassinados.

— Jéssica, foi tudo ilusão, isso não pode dar certo — a mulher ligou à amiga

precisando de conselhos —. Ele é filho da Verônica, como poderei amá-lo

sabendo que quero o mal de sua própria mãe?

— Talvez seja a hora de repensar as escolhas. Não é justo você se privar de

uma linda história por causa das sombras do passado. O aceite, corra atrás do que

lhe faz feliz, deixe o resto para depois — aquelas palavras foram certeiras, saídas

de uma amiga sincera.

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Ainda confusa Renata deixou o banheiro, a cada passo aproximava-se mais

de Jonas e enxergava nos olhos daquele homem o que sua alma ansiava.

— Podemos ir embora? — ela pediu.

— Como quiser — o rapaz se desesperançou.

Já pronta para descer do carro a estilista não conteve mais seus desejos e

selou os seus lábios com os do consultor em um beijo doce, suave, tranquilo, que

fez os corações balançarem, o desejo por mais nascer. Aquela era a sua resposta

diante da incógnita que existia na mente de Jonas: aceitaria seu pedido de

namoro?

*

Uma casa abandonada no meio do mato tem tudo para repelir pessoas de

altas posições sociais, mas era o que atraía Verônica para as suas reuniões

particulares com Egídio, seu braço-direito nos crimes que planejava.

— Alguma novidade? Encontraram minha sobrinha?

— Infelizmente não. Talvez as buscas sejam desnecessárias, ela pode nem

estar viva.

— Discordo, eu sinto a sua presença desprezível nesse mundo.

— Se pode senti-la por que não a encontra?

— Não consigo, pelo menos não sem ajuda.

— Até hoje não entendo sua obsessão em tê-la nas mãos. Sua sobrinha não

pode mais ser uma ameaça, com certeza as ruas a destruíram. Se continua viva

não está em seu juízo perfeito.

— De qualquer forma eu preciso eliminá-la, é a que resta.

— A que resta? Ao quê?

— Eu devo ser a única, a excepcional, a admirada e respeitada. Eu preciso

ser a única Morgan!

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Capítulo 10 – Provocações

“Provocação é uma arma poderosa, capaz de irar até mesmo o mais calmo

coração, quanto mais um coração perverso...”

Verônica estava em seu escritório analisando as últimas fotos de Letícia

quando a modelo ali entrou, tendo uma notícia que poderia não ser tão boa.

— Espero que não seja pedido de amadores a fim de trabalharem comigo,

não estou em um bom dia — a estilista reclamou.

— Garanto que é algo mais perturbador. Renata lhe enviou um convite, faz

questão da sua presença no dia da inauguração da Button Modas — a moça

estendeu um cartão bem decorado.

— Com assento vip — a mulher riu ao ler o que continha —. Essa amadora

está com a intenção de me provocar?

— Talvez queira mostrar que não nos vê como concorrentes, quem sabe

esteja a fim de firmar uma parceria?

Gargalhando Verônica ironizou:

— Sua ingenuidade me diverte perante tantos problemas.

— Ingenuidade? Nem todo mundo é ruim, nem todo mundo quer passar

por cima dos outros. Com essa atitude ela me parece estar disposta a competir de

forma saudável.

— Está muito admirada por essa iniciante, vou começar a achar que queira

se juntar a ela, mas sabe que não terminará bem.

Tentando entender o que ouvira Letícia quis terminar o assunto:

— Preciso dar a resposta, irá ou não?

— É claro que sim — a estilista foi até a enorme janela de sua sala e

apreciando a vista urbana terminou com um discreto sorriso: — Estarei lá para

aplaudir em pé o fracasso.

*

Era a véspera da aguardada inauguração, seria também um novo começo na

vida de Jéssica: sua volta às passarelas. Querendo respirar ares novos ou até

mesmo encontrar alguém em quem pudesse confiar o seu coração, a modelo

passeou pelas ruas da capital paulista observando os tantos monumentos

históricos e a constante modernidade em cada canto da cidade.

O que ela não vira era que estavam atentos aos seus passos, procuravam o

momento certo para lhe abordarem, precisavam de só mais um pouco da sua

distração. O que não demorou muito.

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— Caladinha ou arrebento os seus rins — um criminoso prensou o revólver,

escondido por baixo da camisa, contra a cintura de Jéssica —. Sem fazer gracinha

entre no carro, ou disparo.

Nunca em toda a sua vida a modelo se viu naquela situação, nem mesmo

quando sua fama era ainda maior. Receosa em perder a vida a mulher obedeceu

ao mandato, sua mente aflita tentava imaginar o que poderia acontecer.

— Sabe por que isso? — o homem amarrou as mãos de Jéssica bruscamente

enquanto proferia suas palavras —. Esse é o preço que se paga por provocações.

— Por favor, não faça nada comigo — a modelo apenas chorava e fazia

súplicas, em momento algum pensou em reagir —. Tenho um desfile amanhã,

não posso perder a melhor oportunidade da minha vida!

— Fique sossegada, nada irá dar errado para você, basta seguir o protocolo

— a voz daquele homem possuía um tom de deboche.

— O que quer comigo?

— Chega de perguntas e vamos logo ao maravilhoso hotel que a aguarda —

o criminoso descobriu seu rosto, será Egídio, o parceiro de Verônica.

O carro percorria as ruas em alta velocidade, aquele homem parecia ter

pressa.

Pelo vidro Jéssica viu que adentraram um lugar abandonado, cheio de mato

ao redor. Poucos minutos após estarem naquelas estradas de terra a modelo

avistou uma casa mal acabada, necessitada de reforma, era a que a senhora

Morgan usava para as suas reuniões.

— Pronto, entregue — o criminoso soltou as mãos de sua prisioneira

jogando-a dentro de um quarto.

— Por favor, não me deixe aqui, é amanhã o meu compromisso! — ela

suplicou de joelhos.

— Pare de dramas, até parece que não conseguirá um novo trabalho, tem

aparência para isso.

— Não quando uma de suas patroas mancha o seu nome por aí — aquela

era a verdade por trás da falta de interesse dos demais profissionais pelo seu

trabalho.

— Quanta maldade — Egídio riu divertido —. Mas lamento, estou aqui para

cumprir ordens e a sua prisão é uma delas.

— Não entendo o porquê. Quem está por trás disso?

— O simples fato de você ser uma traidora responde tudo — Verônica

apareceu por trás do homem e lhe pediu para que a deixasse a sós com a modelo.

— Então é você — Jéssica teve sua mente clareada.

— Na verdade não. A culpada mesmo é a sua nova chefe que me mandou

um convite para prestigiá-la amanhã, o que não passa de um enorme desaforo.

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— Quando vai me soltar?

— Vejo que continua a mesma sonsa de antes... É óbvio que só depois da

inauguração, sei que o desfile será protagonizado por você e que se não estiver lá

o resultado será vergonha e até mesmo um fracasso. Estarei prestigiando a tão

rápida derrota, o que sempre prestigiei em relação a todos os concorrentes que

tive.

— Continua com o mesmo egoísmo que a transforma em alguém fútil. No

mercado tem espaço pata todos, quando verá isso?

— Eu não quero dividir o poder, é tão difícil entender? Poderíamos ter sido

tão felizes juntas, você ainda poderia estar me dando muito lucro, mas não,

preferiu ficar doente... Acha mesmo que conseguirá retornar ao sucesso? Acha

mesmo que as pessoas seguirão o que uma doente usa? Acha mesmo que Renata

a tem como uma ajuda? Ela é como eu, ela é egoísta!

— O que quer dizer?

— Está usando-a. Você foi a melhor modelo que esse país já teve, seu

sucesso foi tão fenomenal que em pouquíssimo tempo sua ascensão tomou

grandes proporções e é claro que a Renata viu tudo isso, é claro que ela gostaria

de tê-la em seu casting. Confesso que foi uma boa jogada, mas insuficiente. Você

não é mais aquela garota, tornou-se uma amadora.

— Assim que eu sair daqui a cadeia será o seu fim! — a modelo disse com

total verdade nos olhos, seu coração começava a se contagiar com o desejo por

vingança.

— Ameaças? Devia ter ficado calada — Verônica usou provocação em sua

voz.

— É o que você merece, a cadeia!

— Adeus, querida — a estilista já estava próxima à porta quando teve seus

passos interrompidos pela fala da moça.

— Comece a se acostumar com a idéia de ver o sol nascer quadrado.

— Querida, você não vai sair daqui — Verônica de sua piscadela —, não

viva — trancou a porta. Começava ali a execução do seu plano.

Por diversas vezes Jéssica tentou derrubar a porta ou arrombar a janela, mas

todas as suas tentativas acabaram frustradas. Desesperançosa a modelo sentou-se

no chão, apoiando a cabeça nos joelhos deixou que a aflição apertasse seu peito

ainda mais. Era o fim de um sonho.

[03 de outubro de 2016]

— Acorda e coma de uma vez isso aqui! — logo pela manhã Egídio entrou

no quarto da prisioneira, mas assustou-se ao ver a cama destruída e não notar

nem os rastros da modelo.

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Usando todas as suas forças Jéssica agrediu seu opressor pelas costas com

um dos destroços da cama. Certificando-se de que o homem apenas desmaiara a

mulher respirou aliviada, sem tardar deu início à sua fuga.

*

Renata já se encontrava no local em que aconteceria o tão importante

evento. A cada convidado que chegava seu coração pulsava mais forte, o motivo

era o repentino sumiço de sua top model, peça fundamental do dia.

Depois de tantos anos a estilista estava frente a frente com o olhar de sua

tia, a pessoa que lhe causou tanto sofrimento, tantas dores.

— Então é você a tão famosa Renata Button? — perante os tantos flashes

das câmeras de diferentes jornalistas Verônica esbanjava simpatia.

— E você a imbatível Verônica Morgan — a mais nova estendeu a mão para

a sua inimiga.

— Imbatível é a palavra certa, é o adjetivo que me define... Aperto de mãos?

Sejamos mais calorosas — a veterana estilista beijou a face de sua concorrente,

seus olhos eram claros ao mostrar a enorme falsidade —. Confesso que me

surpreendi com o convite.

— Apenas quero que conheça a verdadeira moda — Renata tinha a

provocação no olhar.

— Sinto que aqui estou para rir da piada que a sua passagem por aqui irá

representar... Deixe-me sentar, quero ver de perto a vergonha alheia.

O contato com a tia deixou a estilista nervosa. As lágrimas rancorosas

molhavam o seu rosto, o escape que teve para esconder um momento de fraqueza

foi refugiar-se no banheiro.

Já havia se passado quinze minutos do horário marcado para o início da

festa e Renata não tinha se quer uma noticia da amiga, já acreditava que havia

sido largada à própria sorte. Seus convidados ficavam impacientes e os críticos

começavam a lançar em suas redes sociais suas reclamações. O melhor seria

cancelar aquilo e torcer para que a imagem da empresa não ficasse manchada.

Acompanhando os passos da sobrinha Verônica se contentou ainda mais ao

vê-l subir à passarela com um semblante tenso, atordoado, a senhora Morgan já

suspeitava qual seria a sala da concorrente.

— Meus amigos, peço desculpas pelo inconveniente, mas infelizmente

iremos remarcar a data.

Um alvoroço tomou conta do local, mas foi silenciado pela figura de uma

mulher que chamou a atenção de todos pelo vestido que usava, um vestido nunca

visto antes.

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— Inconveniente? A festa começa agora! — era Jéssica.

Continua...

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Capítulo 11 – Dando Errado

“Nem tudo o que queremos acontece, nem tudo sai como planejamos e às

vezes o errado pode custar caro, pode custar a sobrevivência...”

A modelo apareceu deslumbrante para o alívio de Renata e para o total

descontentamento de Verônica, que não conseguia entender o que teria falhado

em seu plano.

O tempo se passava. A cada apresentação elogios eram tecidos à Button

Modas, os críticos se maravilhavam cada vez mais, deixavam claro que finalmente

a Morgan Modas teria uma concorrência à altura.

— É com enorme satisfação que encerro o evento deixando claro que muito

em breve cada brasileira terá ao seu alcance os nossos produtos, a inovação! —

Renata agradeceu a todos em seu curto discurso.

O lanche preparado era servido enquanto a estilista Button, juntamente a

sua modelo, cumprimentava os ali presentes.

— Pensou que iria mesmo destruir a minha carreira? — Jéssica encarava os

frios 0lhos de sua antiga patroa

— O que você teve chama-se sorte,mas ela não costuma agir sempre — a

senhora Morgan possuía um tom ameaçador.

— Espero que já esteja se preparando para conhecer a cadeia. Vou

denunciá-la pelo que fez — a moça estava decidida.

Após uma divertida gargalhada Verônica retomou o fôlego, olhando no

profundo dos olhos da modelo ameaçou:

— Duvido que consiga provar e, antes que faça alguma besteira, quero

deixar claro uma coisa: se alguém souber do que aconteceu considere-se morta.

— Você não seria capaz...

— Acha mesmo? — Verônica se aproximou do ouvido de Jéssica, com a voz

mais baixa prosseguiu em suas ameaças: — Fui eu quem matou o próprio marido,

o irmão e a cunhada... Eliminar alguém tão fútil como você não será difícil.

Conseguindo notar o pavor nos olhos da jovem a estilista foi embora,

irradiando simpatia, mascarando sua alma sombria.

[Alguns dias mais tarde...]

Jonas, como de praxe, estava em seu escritório bastante empenhado com

seu serviço quando recebeu uma carinhosa mensagem da namorada dizendo que

o amava. Como um adolescente bobo o rapaz ficou olhando para o vazio

enquanto um sorriso apaixonado se formava em seus lábios, Renata invadia seus

pensamentos.

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— Filho? — Verônica o tirou do transe —. Que olhar é esse?

— Não é nada... — o consultor tentou disfarçar retomando a atenção aos

tantos papéis que o cercava.

— Pensa mesmo que me engana? — a mulher sentou-se em um dos sofás —

. Sempre que uma paixonite o acometia era esse o seu aspecto, uma das poucas

coisas que o deixou enquanto você cresceu. Quem é a garota?

Antes de responder Jonas pensou nas consequências, sabia o quanto a mãe

era possessiva e ciumenta e o quanto isso atrapalharia o seu relacionamento. Por

outro lado o simples fato de saber que finalmente encontrara um verdadeiro

amor, alguém que ele amaria realmente e que lhe retribuiria tão nobre

sentimento, o enchia de coragem e forças para lutar por aquilo que queria.

— Quer mesmo a conhecer?

— Então é uma garota... — a estilista revirou os olhos —. Tenho certeza de

que não ficarei tão maravilhada quanto fiquei ao descobrir seu envolvimento com

Letícia.

— Letícia sempre foi muito submissa às suas vontades, é isso o que a

fascina.

— Não sei do que está falando...

— Sabe sim... Sempre foi muito ciumenta, sempre quis me cercar no seu

território, mas precisa entender que eu cresci, não sou mais o seu garotinho,

tenho as minhas vontades, os meus desejos, os meus sonhos...

— Eu só quero o seu bem. É a única pessoa pela qual realmente me importo,

que amo de verdade, preciso estar sempre ao seu lado.

— E estará, basta me apoiar em minhas escolhas,

— E se ela lhe machucar? Ferir os seus sentimentos? Brincar com o seu

coração?

— Tenho certeza de que isso não acontecerá. Posso convidá-la para jantar

conosco?

— Tudo bem — se deu por vencida —, espero não me decepcionar.

*

Desde que pisara em território brasileiro Renata também não tirava de sua

cabeça um dever que imaginava ter, mas lhe faltava forças. Porém, naquela tarde

ensolarada, a estilista tomou coragem e foi ao cemitério onde seus paus estavam

enterrados levando consigo algumas rosas.

Depois de tanto procurar finalmente encontrou a cuidada sepultura

daqueles que a mulher nem ao menos teve tempo de dizer adeus, aqueles que

ainda viviam dentro do seu coração.

— Sinto tanto a falta de vocês, das suas vozes, do carinho que recebia

sempre antes de dormir — Renata colocou ali as flores e sentando-se ao lado da

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sepultura banhada a ouro continuou o seu desabafo: — Nunca entendi o porquê

do triste rumo que a vida tomou, da solitária história que o destino escreveu...

Tudo isso apenas me encheu de vontade pela vitória, de desejo por vingança,

talvez seja o que tem me mantido em pé. Foram tempos difíceis os que passei,

sempre com a imagem da cruel morte invadindo os meus sonhos, mas agora

estou aqui para fazer valer a pena cada segundo de dor...

— Então é verdade, seus pais foram mortos na sua frente — uma mão

pousou sobre o ombro da mulher.

— Pedro? O que faz aqui? — Renata logo se levantou enxugando as

lágrimas.

— Ficar o dia todo em um apartamento por mais luxuoso que seja é uma

tortura para alguém acostumado com a liberdade da praia.

— Você tem razão — a estilista deu um sorriso —. Como me seguiu e por

quê?

— Entrei no seu carro, se fosse um criminoso já teria lhe seqüestrado... Vim

porque não confiava totalmente em você, desde que chegamos aqui nem ouvi

falar do meu pai, precisava investigar a sua vida.

— Agora confia?

— Posso dizer que sim.

— E quanto ao seu pai em breve saberemos o que aconteceu, mas antes

preciso conquistar o território inimigo, a Verônica precisa estar dispersa.

— Tudo o que mais quero é abraçá-lo e levá-lo de volta para casa, de onde

nunca deveria ter saído.

— Também é meu propósito salvá-lo dessa mulher tão vil — Renata

abraçou o moreno —, confie em mim.

Enquanto voltava para casa a estilista precisou atender uma importante

ligação, era do seu namorado.

— Sentindo minha falta? — o rapaz indagou.

— E como...

— Então o que acha de jantarmos essa noite? Irei apresentá-la à minha mãe

oficialmente!

Por alguns instantes a mulher ficou em silêncio, pensar que jantaria com

sua maior rival lhe causava enjôo. Ao olhar para o lado viu Pedro e lembrou-se de

mais um de seus propósitos, ajudar quem um dia a ajudou. Talvez sacrifícios

fossem necessários.

— Renata? Está aí?

— Sim. Sim. Combinado, ficarei maravilhada em jantar com a sogra...

— Ótimo. Faço questão de buscá-la.

— Quanto a isso não se preocupe, vou com meu carro mesmo.

— Se é a sua vontade... Nos vemos logo.

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— Não consigo imaginar como vou reagir, será a segunda vez que ficarei

frente a frente a uma pessoa que tanto odeio — Renata desabafou com Jéssica

enquanto retocava a maquiagem.

— Já pensou em desistir da vingança por amor? — a modelo sugeriu.

— Isso nunca. O tanto que sofri não pode ficar por isso mesmo, a justiça

precisa acontecer.

— Você quer dizer a injusta justiça. Faz idéia da dor que pode causar a

Jonas?

— Até lá eu o faço odiá-la!

A mulher tinha sede por vingança, nunca quis se vingar de alguém tanto

quanto queria de Verônica, não importasse as consequências.

Logo que chegou à mansão onde passara os primeiros anos de sua vida

Renata sentiu um aperto na alma, um vazio no coração. Havia sido ali que a

maior tragédia de sua vida acontecera.

— Não vai descer? — Jonas bateu no vidro tirando a moça de seus

pensamentos.

— Por que não podemos nos ver com freqüência? — Renata abraçou o

rapaz como se há muito tempo não o visse.

— Talvez porque trabalhamos como loucos... Vamos logo, precisamos

recuperar cada segundo perdido.

Ao adentrar o lugar a estilista observava cada detalhe com atenção, nada

havia sido tirado do lugar, nem uma decoração sequer. A cada passo dado flashes

da infância invadiam a sua mente, memórias do passado agrediam o seu coração.

— Renata? Está chorando?

— Não é nada... Felicidade por estar ao seu lado — querendo disfarçar a

mulher recorreu a um novo abraço, ainda mais forte.

— Filho, não vai entrar? — Verônica foi até o jardim, achava estranho a

demora.

O casal se separou deixando claro quem era quem. A senhora Morgan não

conseguia acreditar em quem era a namorada do seu filho, tudo parecia estar

dando errado em seus planos.

Continua...

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Capítulo 12 – Escolhas

“Alguns escolhem amar, outros não; alguns escolhem o agito de multidões,

outros a tranqüila solidão. Cada um é livre para fazer a sua escolha, seja ela boa ou

ruim, mas se foi a certa somente o futuro pode determinar”.

— Dona Verônica, embora já nos conheçamos é uma honra ser apresentada

como alguém que poderá fazer parte da sua família — Renata tinha a ironia nos

olhos, em seu tom de voz imperava a provocação.

— Poderá não, não irá fazer! — entusiasmado, Jonas deu um beijo no rosto

da namorada, provocando ainda mais a ira da veterana estilista.

Suspirando profundamente, querendo encontrar forças para se controlar,

Verônica deu um sorriso frio e mostrou estar simpática com aquilo:

— A honra é toda minha. Vamos entrar? Temos muito que conversar — ela

não estava disposta a ter uma noite agradável com aquela mulher.

Durante todo o momento a senhora Morgan não tirava os olhos de sobre

Renata, tinha a sensação de já conhecer aquela mulher, não em revistas de moda

ou programas de TV, a sensação era de convivência, como se a sua concorrente já

tivesse feito parte de sua vida.

— Mereço os parabéns, não mereço? — o rapaz fez sua pergunta à mãe —.

Ela é uma ótima garota, a pessoa ideal para mim.

— Sim, meu filho, merece — Verônica mantinha seu olhar na moça —. Ou

talvez ela mereça. Já contou a ela sobre todas as suas paixonites? Espero que

dessa vez as coisas sejam diferentes e você sossegue.

— Mãe! Isso é coisa que se fale?

— Querido, ela tem o direito de saber! Aposto que a sua adorável namorada

não gostaria de estar em algum lugar com você quando chegasse alguma soltinha

de águas passadas arrastando as asas para o seu lado. Estou errada, querida?

— Acho que não... — Renata virou os olhos para o rapaz —. É claro que

você já teria namorado antes de mim, mas não sabia que foram tantas.

— Foram muitas — a ardilosa mulher gargalhou —. Esse dá trabalho... Se

você conseguir prendê-lo merece um prêmio!

— Mãe, já chega! — Jonas se irritou —. O importante é o agora, o que foi já

foi.

— Desculpe, não está mais aqui quem falou — se fez de ofendida.

Pensativa, a moça abaixou seus olhos para o prato, entre os pensamentos

que invadiam sua mente estava a dúvida da lealdade do namorado, até onde ele

seria sincero? Tamanho questionamento a manteve calada por longos segundos

até que Verônica interrompeu seu silêncio com uma delicada pergunta.

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— Da mesma forma que quero o seu bem quero, também, o do meu filho

então preciso saber do sentido do seu sentimento: seria essa aproximação por

interesse?

— Agora você foi longe demais — o jovem consultor largou os talheres

sobre a mesa, visivelmente irritado —. Não vou me importar com o seu gosto por

esse namoro, não fiz esse jantar para que mostrasse suas opiniões, apenas queria

que conhecesse a mulher que transformou o meu coração e que a recebesse como

a namorada do seu filho! Não vou permitir que continue com suas provocações!

A estilista engoliu em seco, controlando sua vontade em expor tudo o que

realmente pensava, mas precisava de cautela, ir contra o filho o afastaria e

dificultaria muitas coisas.

— Se é essa a sua escolha...

Em uma tentativa de conquistar o território adversário Renata se mostrou

compreensiva:

— Jonas, não se irrite tanto, eu entendo perfeitamente a sua mãe...

Pesquisei um pouco sobre a história de tão vislumbre mulher, sua vida não foi

fácil e a única pessoa que a resta é você, atitudes super protetoras são de se

relevar — a mais velha era atenta a cada vírgula —. Além disso, somos

concorrentes, é claro que poderia achar que me aproximei de você apenas para

derrubá-la, o que eu garanto que não passa de um grave equívoco, não sou pessoa

de jogar sujo.

— Fico contente em ouvir tudo isso — Verônica se espantou —, vejo que o

meu filho tem feito uma ótima escolha.

— A melhor da minha vida! — o rapaz tinha um brilho no olhar —. Já que

estamos entendidos vou eu mesmo pegar a sobremesa, garanto que ficará

surpresa com os meus dotes culinários — Jonas deu um selinho na namorada.

Aproveitando os instantes que ficaria a sós com sua rival, a senhora Morgan

declarou o que sentia:

— Que fique bem claro, não gostei de você. Esse seu discursinho barato não

me engana.

— A única coisa que posso fazer é lamentar — a moça deu um sorriso

provocador —. Nem eu e nem você queremos perdê-lo, ele nos ama do mesmo

tanto, a primeira que vacilar o distancia, por isso meu conselho é: mantenha as

aparências.

— Sabe que vou dificultar, não sabe?

— Nada que me aflija – Renata disse indiferente.

— Você não me conhece...

— Conheço bem mais do que imagina!

— Que maravilha! As mulheres da minha vida se entendendo! — Jonas

voltou à mesa colocando um fim na conversa que poderia ser árdua.

— Sua mãe é amor, tem a quem puxar — Renata piscou para a estilista.

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— Acho que me precipitei em ser tão ciumenta, sua namorada e eu seremos

grandes amigas — Verônica encarava os olhos da moça dizendo o que realmente

queria dizer pela linguagem do olhar.

As horas se passaram. Já em seu carro, preparada para partir, Renata

agradeceu ao namorado pela noite que teve, afinal havia passado ao lado de quem

realmente se importava com ela.

— Eu que agradeço pela sua presença, ela foi a mais especial.

— Disse isso para quantas? — o que ouvira ainda a incomodava, no olhar da

moça existia certo ciúme.

Sorrindo, o rapaz deu a volta no carro e adentrou o mesmo sentando-se ao

lado da namorada, no banco do carona. Pegando nas mãos de quem amava, Jonas

colocou para fora suas verdadeiras palavras, saídas de um coração apaixonado:

— Podem ter existido muitas, não nego, mas nenhuma como você,

nenhuma que despertou em mim a vontade de ter belas palavras a oferecer,

nenhuma que despertou em mim o desejo de cuidar, de estar ao lado, de

realmente amar. Você é única, não dê ouvidos ao que minha mãe disse, ela não

consegue ler o meu coração.

Os olhos refletem os sentimentos da alma. A boca pode mentir, a língua

enganar, mas os olhos sempre dirão a verdade... Felizes são aqueles que os

observam com atenção, descobrem ali segredos nunca revelados, segredos do

coração.

Renata conseguiu ver a verdade nos olhos do rapaz, sentiu em seu peito a

total sinceridade que os rondava. Sua única atitude foi ceder um a beijo

apaixonado, um beijo que aproximava as almas que se amavam.

— Já posso dizer que te amo — a moça sorriu para o rapaz.

— E eu ainda mais — Jonas se entregou a um abraço, para o abraço que ele

desejava sempre encontrar.

Relembrando os detalhes da noite que teve, Verônica focou na frase que

ouvira de Renata: “Conheço bem mais do que imagina”. Suas desconfianças

começavam a nascer.

— Ela não pode ser a mesma Renata, não teria conseguido tanto sucesso...

Mas, se for, fez a escolha errada em voltar, posso retribuir a visita mandando-a ao

inferno!

[10 de outubro de 2016]

— Queria falar comigo? — Letícia foi até a sala da renomada estilista,

atendendo ao pedido da mesma.

— Sente-se, quero que fique muito a vontade — Verônica, como de

costume, observava o centro de São Paulo da sua luxuosa e enorme janela.

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— Não podemos demorar muito, tenho uma sessão de fotos.

— Serei breve — a mulher se dirigiu à modelo —. Ainda sente alguma coisa

pelo meu filho?

— Para dizer a verdade já superei. Vi que realmente não era amada da

maneira como queria, longe dele me sinto melhor.

— Não sente não! — a estilista jogou alguns objetos que estavam sobre a

mesa no chão, sua raiva despertava —. Escuta bem o que vou lhe dizer: a

namorada de Jonas vem aí, você vai entrar na sala dele e quando ela aparecer irá

beijá-lo. Preciso desenhar ou já entendeu?

— Eu não vou fazer isso! — a jovem se levantou bruscamente, espantada

pelo absurdo do pedido —. Não quero prestar a papel de ridícula!

— Você vai! — Verônica pegou a modelo pelo braço lhe lançando um olhar

fatal —. Lembre-se de que está aqui por minha causa, se não fizer o que mando

arruíno a sua carreira e nem comercial de margarina você fará!

Assustada, Letícia acenou com a cabeça sua resposta, por causa do medo

obedeceria a ordem daquela mulher.

— Entre! — Jonas ouviu alguém bater à sua porta.

— Podemos conversar? — Letícia percebeu o descontentamento do rapaz

ao vê-lo, algo constrangedor.

— Não acho que tenhamos assunto.

— Acho que temos muito assunto — a modelo aproximou-se do rapaz

seguindo o roteiro que Verônica ordenou —. Não sente minha falta?

— Não quero ser grosso com você então saia daqui por favor.

— Não posso, meu coração não deixa — a jovem se prendeu ao braço do

consultor.

— Já estou namorando, Letícia, com a mulher que me faz feliz, então desista

— Jonas tentou afastá-la, mas em vão.

— Desistir de você? Nunca! — naquele momento ela sentiu o celular vibrar

no bolso da calça, era o sinal que a senhora Morgan daria quando Renata se

aproximasse.

Letícia não queria fazer aquilo, mas não teve outra escolha que não fosse

obedecer, ou seus sonhos nunca se transformariam em realidade. A modelo

roubou o beijo do rapaz. Um beijo flagrado pela dona da Button Modas, um beijo

arruinador.

Continua...

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Capítulo 13 – Sem Saída

“Acabamos nos entregando tanto a determinadas situações que chegamos ao

ponto de não termos saída, apenas devemos aceitar as consequências, mesmo que

isso signifique assistir a dor de inocentes”.

Renata não conseguia acreditar no que assistia. Se em algum momento

conseguiu confiar em alguém agora seu coração se fechava novamente, sua

consciência a acusava de ter cometido um grave erro.

Afastando-se de Letícia, Jonas encontrou o olhar de decepção no rosto de

Renata. Um desespero tomou conta do rapaz que sabia das desconfianças da

mulher, sabia que ela não se entregaria tão facilmente, já imaginava o tamanho

do problema que enfrentaria.

— Não é isso que você está pensando, eu posso explicar, mas você precisa

deixar — Jonas tentou.

— Nenhuma desculpinha que você inventar pode mudar o que eu vi —

Renata dizia com raiva, com nojo —. Pode continuar com a diversão, prometo

nunca mais o atrapalhar.

Uma correria tomou conta do lugar. Quanto mais sentia a aproximação do

rapaz, mais a moça apertava os passos, tudo o que mais queria naquele momento

era se livrar daquele que pensava amar. Com o calor das circunstâncias Renata

teve seus olhos cegados, apenas procurava seu carro estacionado na avenida da

Morgan Modas; tamanha distração provocou o seu acidente, um assustador

acidente.

— NÃO! — o estridente grito de Jonas mostrou a dor que sentira ao assistir

a cena.

— Ótimo trabalho — observando todos os fatos da janela de sua sala,

Verônica parabenizou sua top model —. Nunca poderia imaginar que ele desse

tão certo assim!

— Não consigo acreditar no que eu fiz — vendo a gravidade do problema

Letícia foi tomada por um sufocante arrependimento, lágrimas corriam de seus

olhos.

— Você confirmou o seu passaporte para o sucesso, apenas isso... Sabe que

odeio gente fraca, não sabe? Engula o choro, nada disso é culpa sua.

— Como não?! Beijei o namorado dela na sua frente, como pode não ser

culpa minha?

— A culpa não é sua! — irritada, a estilista apertou a garota nos braços e

disse pausadamente, encarando profundamente os olhos da jovem —. E você me

fará mais um favorzinho...

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— Pelo amor a tudo que ama, não quero causar dor em ninguém...

— Eu não amo — a mulher riu medonhamente —. Dessa vez prometo que

será mais fácil o seu serviçinho. Quero que volte para minha casa, preciso uni-la

ao meu filho.

— Consegue ver o ridículo dessa decisão? Seu filho nunca mais olhará nos

meus olhos. Sinto muito, mais não posso aceitar.

— Quer assistir ao naufrágio da sua carreira? — os olhos de Verônica

transmitiam as mais puras ameaças.

— Não — a modelo respondeu receosamente.

Levando a boca ao pé do ouvido de Letícia a estilista terminou com seu

melhor tom intimidador:

— Então está sem saída...

*

A cada segundo que passava Jonas se angustiava com a demora do resgate,

ver a mulher que despertou algo diferente dentro de si naquela situação,

desfalecida em seus braços, era como um açoite em na alma.

Finalmente a equipe médica chegou realizando os procedimentos-padrão.

Um dos enfermeiros perguntou ao consultor:

— O que é dela?

O rapaz não sabia o responder, imaginava que quando a estilista acordasse

iria rejeitá-lo com todas as forças, mas a vontade de cuidar daquele que

significava muito para o seu coração falou mais alto:

— Namorado... Nós somos namorados!

— Ótimo. Venha conosco.

Com a ansiedade o consumindo Jonas aguardava na recepção do hospital

alguma notícia de Renata, mas em nenhum momento alguém o informou do que

estaria acontecendo. Já mo final da tarde Jéssica apareceu no local.

— O que houve? — a modelo indagou.

— Eu juro, eu juro que não a traí — como um menino desesperado por

consolo o rapaz chorava, seus olhos inchados não alcançavam um objetivo, não

paravam se quer um segundo —. Ela entrou em minha sala e viu um beijo

desgraçado que roubaram de mim, mas eu juro que foi sem sentimento, sem

vontade, foi certeiro em arruinar a minha vida! Eu juro que a amo, a amo como

nunca amei alguém!

— Você precisa se acalmar — Jéssica estendeu um copo d’água —. Tanto

nervosismo não resolverá nada.

— Acredite em mim, por favor — o triste olhar de Jonas encarou a mulher.

Sentindo que as palavras do rapaz eram sinceras a modelo respondeu:

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— Eu acredito e prometo lhe ajudar com a minha amiga, vejo o quão bom é

esse relacionamento para ela... Mas agora vamos atrair positividade, só assim

tudo ficará bem.

Alguns minutos depois o médico responsável por Renata trouxe as

aguardadas notícias.

— Lamento informar, porém precisamos de transparência. A pancada na

cabeça da paciente foi muito forte, gerando consequências graves. Nesse

momento ela se encontra desacordada, não sabemos quanto voltará, mas

acreditamos que possíveis seqüelas poderão ser visíveis.

— O que quer dizer? — Jéssica preocupou-se.

— Mudança de personalidade ou até mesmo perda de memória são

consequências muito prováveis.

O temor aumentou no peito de Jonas, desesperanças tomavam o seu ser.

*

— É tão bom quando as coisas saem conforme eu quero — Verônica jantava

como se a sua vida estivesse na melhor fase.

— Como a desgraça de alguém pode lhe agradar? — Letícia desacreditava

no que ouvia.

— Não se trata de qualquer pé-rapado, trata-se de Renata Button que além

de concorrente é uma intrusa disposta a roubar de mim o meu filho.

— Trata o seu filho como se ainda fosse um bebê. Apenas acho que está na

hora de praticar o desapego.

— Você não está aqui para achar nada, está aqui para seduzir o rapaz e

prendê-lo a uma linda garota, com a qual eu tenho um ótimo relacionamento.

Transtornado com o que acontecia Jonas voltou para casa, passando pela

mesa do jantar sem dizer palavra alguma com ninguém. Incomodada, Verônica

interrompeu os passos do consultor.

— O que houve? Junte-se a nós.

Aproximando-se da mãe o rapaz respondeu:

— Não que a interesse, mas a minha namorada está internada em estado

grave. Peço que não me incomode.

— Nem imagina o quão triste estou — a estilista ironizou —. Não vai

cumprimentar nossa visita?

— Por sua causa a mulher da minha vida está em uma situação crítica,

correndo o risco de se esquecer até mesmo do próprio nome ou, então, partir

desse mundo — Jonas encarou Letícia, deixava a mostra todo o seu abatimento —

. Se pensou que me reconquistaria com aquele beijo estava enganada, a única

coisa que vai conseguir é o meu desprezo, o meu nojo por alguém capaz de

arruinar os sonhos dos outros, o meu ódio!

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Sem dar espaço a discussões o rapaz subiu ao seu quarto. Sentindo-se ainda

mais arrependida a modelo abaixou a cabeça para que Verônica não visse suas

lágrimas.

— Seja forte — a estilista percebeu o abatimento de sua aliada e pegando

em sua mãe resolveu “confortá-la”: — Ao menos nossa rival parece estar saindo

do caminho sem precisarmos de medidas mais fervorosas, se é que me entende...

— em seu rosto o contentamento pela ruína de alguém era notório.

Pesadelos são sonhos agressores, que nos afligem friamente. Alguns são tão

profundos que remontam a realidade, acordamos decididos a mudar alguma coisa

para que eles não saiam de nossa imaginação, que fiquem presos em um mundo

que não existe.

Sem saída Letícia precisou obedecer a ordem daquela que a controlava,

porém o tamanho da gravidade de tal ato proporcionou à modelo sonhos

terríveis, sonhos que a despertaram no meio da noite, com uma enorme vontade

de sair daquele quarto.

Enquanto bebia um pouco de água a jovem escutou algum barulho vindo

dos fundos da cozinha, um som que despertou sua curiosidade. Cautelosa, a

mulher foi ao lado de fora da casa encontrando Verônica abrindo uma porta

secreta, uma passagem camuflada pelas gramas do jardim.

Durante todo o tempo em que morou naquela mansão junto ao ex-

namorado, Letícia nunca soubera da existência daquela passagem que pelo modo

construído revelava a intenção de seu criador em mantê-la secreta. Curiosa, a

modelo resolveu abrir a estranha porta e encontrou uma larga escada. Descendo

cada degrau com o máximo de cuidado possível a jovem se deixava guiar pelo

som que os passos de Verônica transmitiam, o lugar parecia um verdadeiro

labirinto, repleto de entradas misteriosas.

— Raul, boa noite! — a estilista jogou seu prisioneiro ao chão apenas

puxando-o pelos cabelos —. Sentiu a minha falta?

— Deixou-me sem comer... Dois dias seguidos... — o homem estava fraco,

sua voz mostrava isso.

— Agradeça aos céus por eu ter me lembrado de você — a ardilosa mulher

jogou o que levara ao chão —. Coma, meu cachorro, coma... — sua gargalhada de

satisfação arrepiava Letícia que via tudo de longe, escondida pela escuridão.

— Não cansa de tanta maldade? Sinto pena da sua alma quando ela for

cobrada.

— Não sinta, talvez ela fique mais a vontade onde impera o fogo —

Verônica o chutou sem piedade alguma –. Vim lhe informar que minha paciência

está se acabando, estou me convencendo de que aquela insolente não virá salvá-

lo, pode já estar morta. Vou matá-lo em poucos dias — a frieza com que as

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palavras saíam da estilista causava ainda mais pasmos na modelo que se atentava

a cada detalhe.

— É o que faz de melhor — por conta do chute que levara um filete se

sangue escorria da boca de Raul.

— Eu sei — Verônica orgulhou-se —. Mas antes preciso revelar uma coisa

— a mulher se agachou —. Matei sua mulher quando ela já havia dado a luz, seu

filho não morreu como sempre pensou... Eu roubei o seu filho. Raul, ele é o Jonas!

Continua...

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Capítulo 14 – Desespero

“O desespero é uma dor da alma, que não se cura com remédios, mas com o

desabafo, com a confissão”.

Jogado ao chão o homem deixou que as tão aprisionadas lágrimas fossem

libertas e corressem pelo seu rosto, saber que o filho pelo qual chorou a morte

estava vivo causava uma enorme dor naquele injustiçado, dor de desespero.

— Ninguém pode dizer que sou completamente má, também proporciono

momentos de alegria às pessoas — com um sorriso doentio Verônica levantou-se,

olhando com desprezo para o seu prisioneiro —. Morrerá feliz, estou certa?

— Não consigo entender como consegue ser tão desprezível... Faz idéia da

dor que sente por todos esses anos?! — ainda com dificuldade na fala Raul

indagou.

— O que podemos esperar de uma mulher que matou a família toda? — tal

revelação assustou ainda mais Letícia, que ainda ouvida toda a conversa —. A

propósito, Jonas está muito bem, um belo homem, bem resolvido na vida. Tudo

isso graças a mim, que ao invés de matá-lo resolvi amá-lo...

— Tenho certeza de que nem mesmo isso foi capaz de compensá-la pelas

frustrações — o homem riu irônico —. Nunca conseguiria o que tanto almejava.

— Será mesmo? — a estilista levantou Raul puxando seus cabelos —. Talvez

eu precisasse me esforçar um pouco mais, porém a facilidade do crime me

fascinou. Ao menos uma coisa eu consegui — a mulher deu um forte tapa no

rosto do seu cativo —, arruinei a sua história!

Perdendo a coragem em permanecer tão próxima a alguém tão cruel,

Letícia saiu o mais depressa que pôde dali, guardando segredos que a deixavam

desesperada. Seu coração se dividia entre contar o que soube e colocar em risco a

sua carreira ou até mesmo sua vida, ou não contar e contribuir para que a

maldade daquela mulher machucasse muitas pessoas ainda.

*

Logo ao amanhecer Jonas se dirigiu ao hospital no qual sua amada estava,

ansioso por receber boas notícias. Como dizia ser o namorado da paciente sua

entrada no quarto da mesma foi permitida e ali ele encontrou também Jéssica.

— Ainda desacordada? — o rapaz indagou desconsolado.

— Infelizmente sim — a modelo respondeu no mesmo tom —. Passei a

noite toda ao seu lado sem receber nem um sinal de melhora.

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— Será que ainda ouvirei sua voz? — o peito do homem estava sufocado, a

dor não era simplesmente física, penetrava na alma —. Posso alimentar

esperanças em ver os seus olhos encararem os meus por muitas vezes ainda?

— Mas é claro que sim... Acredite!

Com o sentimento de culpa que o afligia Jonas pegou a mão de Renata e,

levando-a ao seu peito, libertou as palavras de sua garganta, observando cada

detalhe daquele rosto que para ele era angelical, mas sem vida alguma.

— Quero muito que perdoe... Eu deveria estar mais atento, imaginar que a

aproximação daquela garota nunca seria com boas intenções... Mas quando é que

eu poderia pensar que uma coisa dessas aconteceria? Tudo ia tão bem, eu estava

tão feliz em saber que verdadeiramente amava alguém e que essa pessoa também

me amava... As únicas coisas que conseguia fantasiar em minha mente era um

futuro só nosso, exclusivo para as nossas vidas — beijando a delicada mão o rapaz

concluiu com uma súplica: — Volte para mim, não me abandone assim, tão de

repente...

Enxugando as lágrimas que escorriam de seu rosto Jéssica declarou o que

sentiu:

— Agora tenho certeza de que o que existe entre vocês é verdadeiro... Sorte

a sua que gravei esse momento, ela precisa saber quais foram as suas palavras de

desespero.

Naquele mesmo momento os olhos da estilista se abriram como em um

passe de mágica e seus dedos ganharam movimento. Movido por uma enorme

felicidade o jovem consultor enchia o rosto da amada de beijos até que ela

afastou-se rispidamente.

— O que está acontecendo? — o olhar de descrença de Renata já

denunciava a sua situação —. Por que estou aqui? — olhou ao redor sem nada

entender —. Por que está me beijando?

— Amiga! Finalmente! — Jéssica decidiu agir em busca de certezas —.

Como se sente?

— Quem é você? Alguém pode me explicar o que aconteceu?

— Renata, sou eu, Jonas — o rapaz fez sua tentativa —. Seu namorado.

— Eu não faço idéia do que está me dizendo — sua memória era vaga,

inexistente.

Ao ouvir aquilo Jonas se desesperou ainda mais, Renata não era mais a

mesma.

*

Demasiadamente apreensiva Letícia se dirigiu à sala de Verônica na luxuosa

Morgan Modas, em sua mente imagens do que viu pela noite passavam como um

tenebroso filme.

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— Precisa da minha ajuda?

— Sim, preciso — ao encarar com mais atenção sua modelo a mulher notou

algo estranho —. Aconteceu alguma coisa? Parece assustada ou... com medo...

— Estou ótima — a garota respondeu simplesmente —. O que deseja?

— Enfim, preciso manter as aparências e farei uma visita à Renata, tome

conta do lugar.

— Vai matá-la? — Letícia não conseguira se controlar, as palavras saíram

por conta própria.

Surpresa com a pergunta Verônica se levantou de seu assento, pegando sua

bolsa aproximou-se da modelo e respondeu com os olhares fixos:

— Não seria uma má idéia...

Rindo maliciosamente a estilista saiu dali deixando a moça ainda mais

apreensiva.

Obedecendo ao mandato Letícia supervisionava cada funcionário do local,

certificando-se de que tudo corria como a senhora Morgan exigia. Em certo

momento a modelo avistou Jonas dirigindo-se ao seu escritório perceptivelmente

abalado. Com tantas opressões afligindo seu coração ela decidiu revelar parte do

que sabia ao rapaz, por certo apenas assim sua alma seria aliviada.

— Jonas, podemos conversar? — entrou na sala, cautelosa.

— Não me obrigue a ser ignorante e use o bom senso... Por sua causa minha

vida está arruinada.

— Eu imploro que me escute, apenas você pode tirar um enorme peso da

minha consciência — a modelo se ajoelhou aos pés do rapaz.

Sentindo-se indigno por ter alguém ajoelhado a sua frente o consultor

decidiu ouvir aquela mulher.

— Espero que seja breve.

— A verdade é que eu não gosto mais de você... A sua sinceridade me

mostrou que o que vínhamos vivendo não passava de ilusões, de mentiras.

— Então por que fez aquilo? Faz idéia da gravidade?

— Eu sei que o preço foi caro, mas eu juro que me arrependi, juro que perdi

o sossego.

— Nada disso resolverá os problemas que a sua atitude infantil causou. Só

quero entender o porquê, qual o propósito...

— Sua mãe foi quem ordenou, ou eu a obedecia ou ela arruinaria a minha

carreira, não tive escolha — Letícia não sabia se o que estava fazendo era ou não

certo, era ou não arriscado, mas fato é que ela precisava desabafar.

— Como posso saber que não está mentindo? — o rapaz possuía

desconfianças.

— Quando foi que me humilhei tanto ao ponto de me ajoelhar perante

alguém?

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— Por que ela ordenou isso? — Jonas acabou convencido.

— Ela me domina, unindo-me a você é o jeito que encontrou para continuar

com sua possessão. O que eu fiz foi por medo!

— Deveria ter dito antes, evitaria muita coisa.

— Eu sei... Sei também que se aquela mulher morresse a culpa seria toda

minha — a modelo segurou a mão do rapaz —. Não tenho interesse algum por

você, talvez apenas amizade, então peço que me perdoe.

Encontrando sinceridade nos olhos da garota o consultor respondeu:

— Tudo bem, apenas me prometa que não se venderá mais, viu que as

consequências podem ser graves.

— Ainda assim não é suficiente — ela havia arquitetado um plano para

ajudar aquele que um dia amou —. Faço questão de falar com a sua namorada,

quero esclarecer tudo e prometo que farei o impossível para lhes ajudar no

relacionamento. Conheço-o há tanto tempo, o suficiente para dizer que a sua

felicidade é a minha também.

Sentindo-se um pouco mais confortável Jonas colocou um discreto sorriso

no rosto, agora precisava acreditar que Renata voltaria ao que era antes.

*

Tietada por muitos de seus fãs Verônica chegou ao hospital para o horário

de visitas. Como sempre, a estilista mostrava autoconfiança em seu caminhar, no

rosto um semblante tranquilo, sereno, escondendo perfeitamente a sombria alma

que seu corpo abrigava.

Ao entrar no quarto de sua concorrente e perceber a presença de Jéssica a

mulher tirou de sua lista a criação de mais uma vítima, iria simplesmente enganar

a todos se fazendo de boa moça.

— O que faz aqui? — a modelo indagou severa.

— Apenas uma visitinha — Verônica tinha um sorriso perverso —. Ela me

parece não ter ninguém por aqui, acho que sou a única visita — ela queria

arrancar alguma coisa de Jéssica, descobrir, se possível, se a paciente tinha

familiares por perto.

— Ela tem a mim, já é o suficiente.

— Ainda pensando que é sua amiga? — a senhora Morgan riu divertida —.

Depois não me diga que não avisei.

Ouvindo vozes Renata despertou do sono e ao encarar quem estava a sua

frente disse espontâneamente:

— É você?!

— Como? — a estilista se espantou.

— Ela perdeu a memória — Jéssica se colocou a dianteira da amiga —. Por

certo está tendo alucinações.

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— É ela! — Renata insistiu.

— Alucinações? — Verônica estranhou, não era ingênua —. Ela me parece

bem lúcida — era o momento perfeito para descobrir o que queria —. Já me

conhece, querida?

Flashes de lembranças causavam agonia em Renata, quanto mais focava em

sua rival mais se recordava do pássaro. Em uma fração de segundo toda a sua

memória fora recuperada.

Continua...

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Capítulo 15 – Convencer

“Convencer é simplesmente a pior tarefa que existe. Ela necessita de palavras

certeiras, fatos concretos, atitudes persuasivas, porém mesmo assim corre o risco

de não estar certa”.

— E, então, já nos conhecemos? — Verônica insistiu em sua pergunta.

— Não está vendo que ela não tem condições para conversar? — Jéssica

tentou interferir.

— Nos conhecemos sim — Reata fitou diretamente os olhos da rival —.

Você é a senhora Morgan, minha concorrente.

Desapontada com a resposta por achar que aquela mulher fosse sua

sobrinha a estilista gesticulou com a cabeça um “tudo bem” inaudível, indo

embora sem declarar coisa alguma.

— Graças a Deus sua memória voltou — a modelo comemorou o feito —.

Pensei que nunca mais se lembraria de mim.

— Como poderia me esquecer de alguém tão querida? — a mulher sorriu —

. E também não me esqueci da enorme decepção que sofri, uma pessoa que eu

nunca imaginei que poderia me machucar causou uma enorme dor em meu

peito...

— Está falando de Jonas?

— Como sabe? Não me lembro de ter contado...

— Nem daria tempo — a modelo se jogou na confortável poltrona,

suspirando pelo pior já ter passado —. Aconteceu tudo tão depressa. Não acho

que deva guardar rancor desse rapaz, ele o ama de verdade.

— Se me amasse não teria feito o que fez — a estilista suspirou cansada,

retornado sua cabeça ao travesseiro —. Nunca o perdoarei.

— Esteve ao seu lado o máximo que pôde. Hoje, pela manhã, correu um

busca de informações suas. Você precisa escutá-lo, dar uma chance para que ele

se explique e tente esclarecer o que realmente aconteceu. Não jogue a sua

felicidade no lixo, permita-se ao perdão.

— Queria ver se fosse com você...

— Ele não fez o que está pensando.

— Não foi o que eu vi.

— Acordada e ninguém me avisa? — o médico encerrou o diálogo —. Esses

pacientes de hoje em dia...

[15 de outubro de 2016]

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Desde que acordara Renata precisou ficou mais alguns dias no hospital em

observação, quando os médicos se convenceram de que já estava tudo bem

permitiram que ela voltasse para casa.

Aquele sábado ensolarado de primavera convidou a estilista a aventurar-se

no litoral com a amiga, mas não era isso o que dia reservava. Já pronta para pegar

as malas a mulher escutou o tilintar da campainha e se surpreendeu com a visita.

— No hospital pôde barrar a minha entrada, mas aqui não. Nós precisamos

conversar — era Jonas que levara consigo Letícia.

Sem dizer palavra alguma a estilista gesticulou para que a dupla entrasse,

em seu rosto estava claro o desconforto que sentia.

— Pode ser que ache um desaforo eu vir até sua casa e ainda trazer a garota

que beijou, mas é para que tudo se esclareça.

— Sabe que sua tentativa pode ser frustrada, não sabe? — a mulher se

mantinha ríspida.

— Ao menos tentei, nunca poderá dizer que desisti de você, apenas desisto

quando vejo que não tem mais jeito.

— Então acabe logo com isso, o que quer me dizer?

Percebendo que não seria tão fácil Jonas de um profundo suspiro, passou as

mãos na cabeça e deu início ao seu discurso, mesmo vendo o desprezo no

semblante da amada ele insistiu na tentativa de convencê-la.

— Sou sincero com as pessoas, ou gosto ou não gosto, ou quero ou não

quero. Quando digo que a amo é porque a amo. Não sou mais nenhum moleque

indeciso, confuso por tantos sentimentos, já sou um homem certo do que quero,

decidido em minhas escolhas — seus olhos insistiam em prender os de Renata —.

Uma das minhas decisões é passar o resto dos meus dias ao seu lado, por isso lhe

peço perdão por tudo o que houve e que volte para mim... Não imagina a falta

que sua ausência já me causa.

— Pensasse nisso antes de sair por aí beijando outra pessoa...

— Ele não quis beijar ninguém — Letícia, que até então se manteve calada,

comoveu-se pelas palavras ouvidas e começou sua declaração, não queria ser o

motivo da infelicidade de um casal que se amava, queria uni-los —, roubei um

beijo seu. Certo é que já fomos namorados, vivemos bons anos juntos, mas nada

do que existiu entre nós foi verdadeiro, tudo não passou de ilusão.

— Acha mesmo que vou acreditar nessa historinha? — Renata revirou os

olhos. No fundo ela queria acreditar, mas tinha medo, medo de se entregar

realmente, medo de viver —. Não percam o tempo de vocês.

— Dá para ser um pouco mais razoável? Será que não percebe o tanto que

esse homem a deseja? Só a maneira como ele a olha diz o que todos sabemos e eu

sei que tudo o que você mais quer agora são os beijos dele — Jéssica foi enérgica

em seu tom de voz, precisava fazer a amiga acordar, mas além disso a fez corar,

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ela desejava mesmo pelos beijos tão amáveis, inesquecíveis —. Letícia, explique

de uma vez o porquê daquele beijo.

— Verônica tem uma enorme possessão por Jonas, sente muito ciúme — a

modelo da Morgan Modas prosseguiu —. Desde que trabalho com ela fui

tornando-me cada vez mais dependente de si, acato todas as suas ordens para

manter minha carreira ao seu lado... Ela me possui... Sendo assim, seu maior

desejo é me ver casada com o filho, na sua cabeça apenas assim ela não perderá o

que tanto ama. Sabendo da sua visita à Morgan Modas ela me obrigou a beijar o

seu namorado na intenção de terminar com o namoro — prestando atenção em

tudo a estilista Button dava créditos ao que ouvia, conhecia Verônica, sabia de

suas capacidades atrozes —. Foi um beijo sem sentimento algum, a não ser o de

querer o mal a alguém. Quando a vi sair correndo e soube da tragédia um enorme

peso caiu em minha consciência, foi o pior erro que cometi em toda a minha vida,

desde aquele momento o meu maior desejo era vir esclarecer tudo pessoalmente,

a história que existe entre vocês não pode acabar, não desse jeito, ela é

verdadeira!

— Eu não sei se acredito... — uma confusão tomou a mente da mulher —.

Eu vi aquele beijo...

— Um beijo falso, sem um pingo de vontade, de desejo — Jonas já sentia

seu coração se desesperar —. A única mulher pela qual agora sinto a necessidade

em demonstrar minha paixão é você!

Renata não sabia o que dizer e nem o que fazer. Procurando em seus

pensamentos a decisão certa a tomar se sentou no sofá da sala do apartamento,

apoiando o rosto nas mãos.

— Amiga, ouça isso — Jéssica entregou o celular à estilista —. Gravei a

declaração sem que ele soubesse, pode acreditar em mim, ela é cheia de

sinceridade.

“— Quero muito que perdoe... Eu deveria estar mais atento, imaginar que a

aproximação daquela garota nunca seria com boas intenções... Mas quando é que

eu poderia pensar que uma coisa dessas aconteceria? Tudo ia tão bem, eu estava

tão feliz em saber que verdadeiramente amava alguém e que essa pessoa também

me amava... As únicas coisas que conseguia fantasiar em minha mente era um

futuro só nosso, exclusivo para as nossas vidas — beijando a delicada mão o rapaz

concluiu com uma súplica: — Volte para mim, não me abandone assim, tão de

repente...”

Escutar tudo aquilo mexeu com a mulher que aproximou-se daquele que

tanto amava, tanto desejava e selou os lábios em um beijo há muito esperado.

*

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A cada segundo que passava Letícia sentia-se cada vez mais tensa por ainda

guardar um segredo tão sombrio: o homem que era mantido cativo por Verônica.

A única solução para que todo aquele pavor acabasse era contando a alguém.

No meio da madrugada a modelo se cansou de tentar inutilmente dormir e

foi até o quarto de Jonas decidida a revelar aquilo que sabia.

— O que faz aqui? — o rapaz se assustou ao ser acordado —. Já poderia ir

embora, sabe que as coisas se resolveram...

— Pensei que ao menos seríamos amigos... — ela se ofendeu.

— Tudo bem, peguei pesado... Mas o que você quer a essa hora?

— Preciso desabafar sobre a sua mãe, ela não é essa mulher maravilhosa que

todos acreditam.

— O fato de ela tê-la obrigado a me beijar não quer dizer que seja um

monstro... Será que posso dormir?

— É algo muito pior que a ordem de um beijo e eu preciso que me ouça.

Sentando-se na cama o jovem consultor defendeu a mãe antes que qualquer

acusação fosse feita:

— Eu não posso odiá-la simplesmente por seu ciúme possessivo... Devo

muito a essa mulher que me tirou das limitações de um orfanato e me deu a

oportunidade de ser alguém, de ter um nome, o que eu não conseguiria tão

facilmente. Não vou deixar que manche a imagem da mulher que quando meus

próprios pais me abandonaram me acolheu de um bom coração...

— Isso é o que ela diz e você acredita.

— O que quer dizer? Veja bem antes de falar da minha mãe!

— Não tenho motivos para mentir, até porque o que está acontecendo não

influencia em nada a minha vida, mas sim a sua... Como somos amigos preciso

alertá-lo.

— O que é? Eu queria tanto dormir...

— Sua mãe mantém um prisioneiro no porão dessa casa, o pior é que não se

trata de um homem qualquer, é o seu pai!

Continua...

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Capítulo 16 – Flagrante

“Ser pego de surpresa nunca é uma boa coisa, ainda mais quando o que se

planeja fazer precisa de total sigilo para que aconteça”.

Por alguns instantes o olhar de Jonas ficou paralisado, o rapaz tentava

entender as palavras que ouvira, as quais lhe soavam como um enorme absurdo.

— Ficou com raiva da minha mãe e agora quer me colocar contra ela? — o

jovem perguntou —. Eu até entendo, afinal ela tem dominado a sua vida, mas não

tente criar discórdias.

— Você precisa acreditar em mim — Letícia suplicou por um voto de

confiança —. Se quiser vamos agora mesmo ao porão e lhe mostro tudo.

— Porão? — Jonas não pôde conter a gargalhada —. Desde quando nessa

casa temos um porão? Minha mãe sempre foi desapegada as coisas, quando não

lhe servem mais ela simplesmente as joga fora... Não temos um porão.

— Ele está no fundo da cozinha, camuflado pelas gramas do jardim. Vamos,

vou provar que o que digo é verdade.

Por poucos segundos o rapaz se viu tentado a certificar-se de que aquilo não

passava da imaginação de uma mente perturbada, mas a gratidão que ele julgava

sua obrigação ter com aquela que mudou a sua vida falar mais alto, não podia

alimentar desconfianças.

— Você deve ter sonhado e agora pensa que é verdade ou está delirando de

febre... Volte para a sua cama e descanse, deve ser isso o que lhe falta.

— Não vai mesmo confiar em mim? — a modelo se frustrou.

— Óbvio que não. Tudo isso não passa de loucura.

— Não estou louca, temo que seja tarde demais quando seus olhos se

abrirem e toda a verdade for revelada.

*

Era uma manhã de domingo ensolarada. Buscando a paz da natureza em

uma metrópole tão agitada, Jonas e Renata resolveram passar o dia no mesmo

parque que se viram pela primeira vez, onde uma nova fase na história da estilista

teve início.

Pela primeira vez em sua vida a mulher parou para observar as nuvens no

céu ao lado de alguém que lhe fazia tão bem, ela nunca havia experimentado tal

ato.

— Não sabia que era tão bom assim se perder nesses variados formatos —

Renata comentou deitada sobre a grama.

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— Seus desenhos ficarão ainda melhores com essa inspiração — o rapaz

concluiu também deitado, ao seu lado.

— Você é a minha inspiração — a mulher virou o rosto para encontrar os

olhos de Jonas —. Nunca me senti tão bem para continuar com o meu trabalho.

— E eu nunca me senti tão feliz por estar ao lado de alguém — o consultor

passeou com os dedos pelos cabelos da estilista.

— Não se incomoda por saber que somos concorrentes de certo modo?

— Sei que a sua concorrência para conosco será de forma limpa, honesta,

sem trapaças. A sua empresa aposta em inovação, algo que sempre sonhei para a

Morgan Modas, mas ninguém me dá oportunidades. Então, que vença o melhor!

— Por que não vem trabalhar comigo? — a estilista sugeriu animada —.

Pode ter certeza que estarei aberta as suas ideias.

— Eu não posso simplesmente abandonar o lugar onde cresci, devo muito à

minha mãe.

— O que quer dizer?

— Na verdade eu sou adotado, Verônica fez a minha vida acontecer, não

posso simplesmente lhe dar as costas, preciso ser grato.

— Entendo... — ela se perdia nos olhos que a encaravam —. Mas, se algum

dia precisar, saiba que poderá contar comigo sempre.

— Eu sei — dando um sorriso o rapaz acariciava o rosto meigo —. Mas e

quanto a você? Nunca fala sobre família, tem algum parente por aqui?

Antes de responder Renata voltou os olhos ao céu azul, procurou em seus

pensamentos se compartilhar sua história com aquele homem seria o certo a se

fazer, seu coração a convenceu de que sim, ela precisava confiar naquele que

amava.

— A minha vida é um pouco diferente das muitas que você conhece, ela não

começou muito bem, mas não poderia estar melhor... — voltou o olhar para o

rosto acolhedor —. Quando eu tinha cinco anos vi meus pais serem mortos na

minha frente por alguém que eu confiava. Essa pessoa resolveu que esse segredo

não poderia continuar vivo e mandou que ceifasse a minha vida, mas aquele

homem que deveria cumprir o mandato tinha um bom coração e me ajudou a

fugir — suspirou desconsolado, aquilo doía em seu peito —. Meu destino foi o

Ceará, onde uma estilista internacional me encontrou e descobriu os meus

desenhos, viu que em mim existia algum talento, o qual herdei de meus pais.

Então aquela mulher me levou aos Estados Unidos e a minha história mudou.

Um pouco surpreso com o que ouvira Jonas perguntou:

— Quanto a má mulher, ela ainda vive?

— Sim... — uma lágrima rolou dos olhos da estilista, sendo recolhida pelos

dedos cálidos do namorado —. Meu desejo é por vingança, mas meu coração

parece se transformar a cada momento — sentando-se a mulher continuou —.

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Conhecê-lo fez as sombras do passado se dissipar, conheci um sentimento nunca

despertado em mim.

— Estarei sempre aqui ao seu lado para o que for preciso — sentando-se o

rapaz abraçou Renata, um abraço reconfortante, seguro, protetor —. Posso ajudá-

la a cicatrizar essa ferida que eu sei que ainda dói.

— Talvez essa dor jamais se cure — a estilista sentiu a necessidade de

apertar aquele abraço e deixar as lágrimas caírem com maior intensidade, era a

angústia sendo colocada para fora —. Todos os dias acordo me lembrando

daquela cena de anos atrás, todo o momento sinto a falta deles, não faz ideia de

como a minha alma arde.

— Fico ainda mais admirado por você. Tem provado ser uma mulher forte

que não se deixou abater pelos tantos desafios e se transformou nessa pessoa tão

bem sucedida, talentosa, cheia de admiradores.

— Não faz ideia de quantas lágrimas derramadas foram necessárias para

essa força toda... — o ombro do amado era confortável ao repouso da sua cabeça

—. Ao menos agora a vida me presenteou com o que eu poderia ter de melhor, a

sua existência.

Sentindo-se amado o rapaz exibiu um largo sorriso com a mulher que

transformou a sua vida ainda em seus braços.

Todos os domingos Verônica costumava caminhar pela manhã, esticar o

corpo pelas tantas horas que se mantinha sentada desenhando ou resolvendo as

papeladas de sua empresa. Naquela manhã o seu roteiro a levou ao mesmo

parque no qual o filho aproveitava ao lado da namorada, ao avistá-lo a estilista se

encheu de ira, não podia acreditar no que via.

— Jonas? O que faz aqui? — sua voz separou o casal abraçado.

Arqueando a sobrancelha o rapaz respondeu indiferente:

— Namorando...

— Renata? Estou surpresa com a sua atitude. Não sabia que se conformaria

tão facilmente com um par de chifres — seu comentário, como de praxe, era

ácido.

— Mãe! — o jovem consultor se irritou —. Vai mesmo começar suas

provocações?

— Apenas não entendo como ela se conformou...

— Não há com o que se conformar — Renata encarou a rival —. Sabemos

que foi tudo armação. Mas eu a entendo, não quer perder o filho... — a ironia

tomou sua feição —. Porém quero deixar claro uma coisa: não vou roubá-lo das

suas mãos, apenas dividi-lo, o amo tanto quanto você.

— Acho que um pedido de desculpas cairia bem, ela quase perdeu a vida

por causa da infantilidade do seu ciúme — Jonas foi direto em sugerir aquilo.

Mordendo0-se de raiva a senhora Morgan fez o seu forçado pedido:

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— Desculpe-me, foi muito infantil mesmo...

— É claro que eu desculpo, quero que fique tudo bem entre a gente — nos

olhos de Renata o deboche estava estampado.

*

Decidida a provar que estava falando a verdade Letícia esperou até o

anoitecer para voltar ao porão, desta vez acompanhada de seu celular a fim de

registrar tudo o que visse. Retirando o tapete de grama que escondia a porta, a

modelo se deparou com um sistema de código, precisava digitar a senha para que

conseguisse entrar.

— Droga! O que eu faço?

— EAB 5639 — uma mão pousou sobre o seu ombro e uma voz feminina

soou —. Só digitar...

Levantando-se cautelosamente e se virando para trás a garota se deparou

com Verônica, que tinha no rosto frio um sorriso ameaçador.

— D-Dona Verônica — o modelo fraquejou ao falar —, eu posso explicar...

— Eu que vou explicar a estilista agarrou o braço de Letícia —. O que tem lá

embaixo eu sei que você viu, as câmeras registraram tudo e eu apenas esperei o

momento certo para lhe revelar... Sabia que não aguentaria de curiosidade e

voltaria a procura de informações, sabia que gosta de correr perigo...

— Juro que não conto nada a ninguém — a garota estava sendo tomada por

um pavor descomunal que apenas a presença de sua patroa lhe causava —. Eu

juro!

— Eu sei que não vai — o semblante de Verônica irradiava mistério,

revelava a quem o visse que seus pensamentos eram os mais perversos.

— Vai me matar? — a modelo já derramava lágrimas.

Aproximando-se do ouvido de Letícia a mulher sussurrou:

— Não seria uma má ideia — gargalhando, a estilista tomou distância —. Já

sei que contou toda a verdade à Renata, fez de mim uma grande vilã... Sua atitude

me decepcionou e agora preciso ser recompensada — passando as afiadas unhas

pelo rosto da garota Verônica prosseguiu: — Tem uma semana para engravidar

do meu filho e assim, mantê-lo preso a você, ou a levo para esse porão e sua

cabeça será servida no jantar!

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Capítulo 17 – Medo

“O medo é um sentimento cruel, nos aprisiona em um terrível pavor. Por

outro lado nos leva a ter atitudes impensáveis, atitudes de liberdade”.

[17 de outubro de 2016]

Desde que soubera que todo o problema que aconteceu teve como principal

causadora sua própria mãe, Jonas ainda não havia falado com a mesma sobre o

assunto, talvez por falta de coragem, mas decidido a passar tudo a limpo o rapaz

soltou aquilo que estava preso em sua garganta logo pela manhã daquele dia,

enquanto tomavam café.

— Acha bonito arriscar a vida dos outros por motivos tão egoístas?! — o

jovem consultor possuía um rosto sério, suas palavras eram ditas duramente.

— Sabia que mais cedo ou mais tarde viria tirar satisfações... — Verônica

parecia não se importar com o acontecido —. Fui visitá-la, não fui? Já é mais que

o suficiente para que eu prove o meu arrependimento — a loira possuía certa

ironia no falar.

— Seu arrependimento não faria a mulher que amo voltar à vida caso a

perdesse, muito menos sua memória de volta... Faz ideia das consequências?

— Vai me importunar por causa de qualquer uma?

— Ela não é qualquer uma, é a mulher que eu amo! — Jonas alterou sua voz.

— Você deve amar somente a mim! — a estilista deu um soco na mesa

fazendo os talheres saltarem —. Fui eu quem mudou a sua vida, deu-lhe amor,

carinho e atenção! Se eu não aparecesse na sua vida nada disso o teria alcançado!

— Eu sei disso, sempre soube e sempre a amei com todas as forças para

demonstrar minha gratidão. Mas sejamos adultos e veja que o meu amor para

contigo é de filho para mãe, o que existe entre mim e Renata é amor de homem e

mulher... Ele não substitui o materno, mas é indispensável a qualquer ser

humano... Consegue entender?

— Não! Não consigo! — Verônica era ríspida ao falar —. O meu amor já é

mais que o suficiente para satisfazer o seu coração... Por que não seja como os

muitos homens desse mundo que apenas ficam com as mulheres a fim de

satisfazerem os desejos da carne e depois as jogam fora?

— Não consigo acreditar no absurdo que escutei — o rapaz, desapontado,

levou as mãos ao rosto —. Quer dizer que não lhe importa que as pessoas

brinquem com os sentimentos umas das outras?

— A dor passa... Eu sei que ela passa.

Naquele momento Jonas sentiu alguma pena da mãe pelo que ouvira de sua

boca, algo dizia que o no passado ela passara por algum sofrimento.

— Então por que com Letícia tudo bem? Qual a diferença?

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Ficando alguns segundos em silêncio a senhora Morgan respondeu:

— Ela me deve cada centavo do sucesso que tem feito. Pagaria não lhe

roubando de mim. Já que precisa tanto de uma mulher para chutá-lo enquanto

dorme que seja ela!

— Existe uma coisa chamada amor. Casamento apenas funciona quando ele

existe entre ambas as partes, o que não acontece entre mim e a sua protegida.

— Filho, eu te amo, se eu perdê-lo minha vida termina, tornar-se-á escura e

fria — colocando a mão sobre as do filho Verônica continuou: — Você é a minha

razão de viver, você é o motivo da minha alegria. Ouvir a sua voz aquieta minha

alma. Olhar para o lindo homem que se tornou me enche de orgulho. Tudo o que

eu faço contra os seus namoricos é por amá-lo sobre todas as coisas, não quero

que ninguém o machuque...

— Também a amo, de todo o coração, é a mulher que deu sentido à minha

vida — o rapaz penetrava seu olhar no da mãe, precisava convencê-la de que ela

nunca o perderia, no máximo o dividiria —. Já que me ama tanto peço que fique

longe do meu namoro com Renata, nada do que faça irá destruí-lo. Evite

discussões, evite distanciamentos. Aceite as coisas como elas são.

Completamente irada a estilista acompanhava os passos do filho apenas

com o olhar, em sua mente pensamentos perversos contra aquela que tornava-se

sua maior inimiga ganhavam focas enquanto em seu coração o ciúmes e o desejo

por possessão cresciam cada vez mais.

*

Finalmente os produtos da Button Modas já estavam nas diversas lojas do

Brasil, exibidos com destaque pelas vitrines, prontos para os consumidores. Com

os diversos telões de anúncios espalhados pelo país alugados à novata, porém

talentosa estilista, fez o seu anúncio:

— Minha amiga menina, garota, moça, mulher e até mesmo minha senhora,

convoco cada uma de vocês para uma mudança no guarda-roupa; chega de

mesmice, chega de abri-lo e encontrar o mesmo símbolo, encontrar o de sempre.

Nossos produtos já estão esperando por vocês, a inovação mudará os olhos do

mundo sobre as brasileiras. Corram!

Bastante otimista com os resultados que sonhava ter Renata mesmo

resolveu atender a porta de sua sala logo que terminou a transmissão, mas a

surpresa não foi tão agradável.

— Não é a ex do meu namorado? — a mulher perguntou sem ao menos

dizer “olá” —. O que faz aqui?

— Podemos conversar? — os olhos de Letícia denunciavam toda a angústia

que sua alma sofria.

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Percebendo a apreensão da garota Renata decidiu ouvi-la, mandando-a

entrar e sentar-se.

— No que posso ajudá-la?

— Pode me contratar? — a garota demonstrava algum desespero —. Não

me importo em ganhar bem menos do que recebo ou de nem mesmo ter todo o

reconhecimento que tenho... Apenas quero que me livre de Verônica.

— Confesso que me pegou de surpresa, eu não esperava por isso.

— Juro que não estou agindo de má fé, muito menos tenho a intenção de

me aproximar de Jonas, até porque não o amo mais, apenas preciso salvar a

minha vida.

— Pode me explicar o que está acontecendo? Prometo averiguar sua

situação.

— Posso confiar em você?

— Claro, eu prometo — Ao escutar que Letícia queria se livrar de Verônica,

Renata começou a entender o que estaria acontecendo e, então, decidiu ouvir.

— Aquela mulher é muito má, uma criminosa sem escrúpulos...

Recentemente descobri que mantém um homem preso no porão da mansão, em

condições precárias, por um descuido acabou sendo revelado que eu conheço o

segredo e agora tenho uma semana para conquistar o seu namorado ou serei

morta. Eu não quero fazer isso, mas também não quero morrer... Você é minha

única salvação.

Atenta a cada palavra a estilista não criou desconfianças, antes se interessou

por saber mais sobre o prisioneiro.

— O que sabe sobre homem?

— É o verdadeiro pai de Jonas.

Tal descoberta foi um grande susto para Renata, que conhecia as

atrocidades da tia, mas que agora tinha certeza de que a potente mulher não

acreditava em limites.

— Sabe o nome dele?

Esforçando-se para lembrar Letícia deu a resposta:

— Raul!

Não podia ser coincidência, a estilista agora sabia como agir, para isso seu

exército teria que ser reforçado.

— Vamos agora mesmo à Morgan Modas. Você pedirá demissão, caso ela

comece com as ameaças eu a salvo. No caminho conto a minha história, você

precisa conhecê-la.

Conhecendo ainda mais o tamanho da maldade daquela que passou os

últimos anos dividindo o mesmo teto Letícia se encheu de temor, seu receio

crescia no peito.

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— Letícia? Não era seu dia de folga? — Verônica esteve surpresa ao receber

a modelo em sua sala.

— Sim — a garota demonstrava seu medo.

Estranhando aquela que conhecia tão bem a estilista perguntou:

— Apreensiva?

— Um pouco...

— E por quê?

Pensando antes de responder Letícia se encheu de coragem, precisava ser

forte, destemida.

— Vim pedir demissão.

Ainda mais surpresa Verônica levantou-se de sua cadeira lentamente, em

seu rosto um sorriso doentio tomou forma, seu costumeiro olhar ameaçador logo

surgiu.

— Repete — com extrema calma a senhora Morgan pediu.

Dessa vez ofegante Letícia obedeceu:

— Vim pedir demissão.

Abrindo a gaveta de sua mesa e dando um largo sorriso Verônica tornou a

fazer o seu pedido, ainda mais calma:

— Repete.

Com o coração pulsando mais forte a modelo obedeceu mais aquela vez:

—Vim pedir demissão.

Tirando um canivete da gaveta e observando o objeto com um semblante

perverso a renomada estilista fez o seu pedido pela terceira vez:

— Repete.

— Verônica Morgan mata funcionária, ótima manchete aos jornais, não

acham? — Renata apareceu, para o alívio de Letícia —. Você é surda? A garota já

respondeu!

Continua...

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Capítulo 18 – Surpresa

“Surpresas fazem parte da vida de qualquer um, ela se apresenta sem avisar e

em diferentes formas. O problema é que nem sempre nos agrada e daí tem início

uma guerra”.

Sentindo o sangue esquentar e correr mais rápido pelas veias Verônica foi

ríspida na recepção:

— O que faz aqui? Quem autorizou a sua entrada?!

— Ela está comigo — vendo que o perigo já não batia mais à porta Letícia se

encheu de coragem ao enfrentar a tão temida mulher.

— Não precisam dizer mais nada, já entendi tudo — a veterana estilista riu

descrente —. Vai abandonar todo esse luxo, tudo o que conquistou aqui por uma

proposta incerta...

— Proposta incerta? — Renata precisava defender os seus negócios —.

Todos estão vendo que a Morgan Modas está ultrapassada há muito tempo,

espertos serão aqueles que partirem para o meu lado.

— O lado mais fraco? — Verônica gargalhou debochadamente —. Podem

escrever, a Button Modas será derrubada!

— E quem será o causador? Você? A minha empresa é imbatível, basta

começarmos pegar pesado e a sua nunca mais será a mesma, talvez seja esquecida

para sempre!

— Você não me conhece, não pode nem imaginar do que sou capaz,

destruir todo o seu bando será a tarefa mais fácil de toda a minha vida.

— Eu imagino... Tem experiência.

Com desconfianças rondando sua mente a senhora Morgan logo questionou

a afirmação da rival:

— Como pode dizer que tenho experiência? Quem é você Renata Button?

Por acaso já nos conhecemos de outros carnavais?

Sentindo pavor pela forma prepotente com que Verônica a encarava, Renata

não sabia que responder, por alguns segundos o silêncio foi a sua defesa, mas

logo as desculpas apareceram.

— Foi a principal causadora do meu acidente e, além disso, estava

ameaçando sua própria modelo com um canivete... O que quer que eu pense?

— Não quero que pense, quero que tenha certeza de que o meu terreno é

repleto de minas, um passo em falso e... — a mulher não terminou, mas sua

perversa e horripilante risada denunciava qual era a sua ideia.

— Já não temos mais o que fazer... Minha modelo e eu temos muito que

preparar.

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— Letícia, sua ingratidão me dói mais que um tapa na face — Verônica

decidiu dizer suas últimas palavras, ainda achava que poderia colocar medo na

garota —. Porém é reconfortante saber que assistirei sua decadência de melhor

modelo do país para a esquecida... Acha mesmo que manterá todo esse prestígio?

A Button Modas já tem sua top model, vai mesmo correr o risco de ir para a

geladeira?

Irritada com tamanha astúcia que sua inimiga possuía Renata virou-se para

a estilista e deu sua resposta com a satisfação no rosto:

— Não consegue notar a minha estratégia? Suas duas principais modelos

agora são minhas, ambas donas de um público fiel. Se até elas vieram para o meu

time por que as clientes não viriam? Pense um pouco, querida...

A sós em sua sala Verônica desequilibrou-se, com tamanha fúria jogava o

que via em sua frente ao chão. Seu coração irado desejava apenas uma coisa:

Vingança!

*

Assim que terminou o seu expediente na Button Modas, Jéssica resolveu

fazer algumas compras no shopping ao final daquela tarde de segunda-feira,

afinal seu guarda-roupa agora seria repaginado com as roupas de sua nova marca.

Distraída com tudo o que via e maravilhada até mesmo com as peças que

ainda não havia conhecido a modelo não percebeu que novamente era seguida,

distração sempre fora seu maior inimigo. Repleta de sacolas enquanto passeava

pelo estacionamento do lugar Jéssica foi pega de surpresa por alguém que

segurou forte em seu braço.

— O que está acontecendo? Aqui tem policiais, basta um grito meu e...

— Calma, eu preciso conversar com você — o homem a interrompeu

fazendo o seu pedido —. Será que não consegue se lembrar de mim?

Observando com atenção aquele homem alto que tinha todos os cabelos

compridos e judiados, deixando claro o a falta de um tratamento, a barba que

passava a ideia de que há muito tempo não recebia a visita de um barbeador e os

olhos fundos, a modelo teve uma triste lembrança, a qual pressionou seu peito,

formou um nó em sua garganta.

— Eduardo...

— Sim, sou eu. Surpresa em me ver?

— Muito... Depois de cinco anos pensei que nunca mais o veria.

— Se eu disse que me arrependo a cada segundo pelo que fiz você

acreditaria? — ele esperou a resposta, mas como não a obteve continuou com seu

discurso —. Acreditaria se eu dissesse que andei muito a sua procura a fim de

alcançar o seu perdão? Acreditaria que conviver com a sua ausência me mostrou

que eu a amava sim e que fui um tolo ao tirá-la da minha vida? — seus olhos

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estavam avermelhados —. Não podem imaginar o quanto eu queria reencontrá-la

e dizer tudo o que sentia — uma forte tosse o interrompeu, assustando a mulher

—, mostrar o que significa para mim.

A decepção sofrida por Jéssica foi pior que o medo de morrer por conta da

doença pela qual passara. Durante o seu tratamento foi a decepção por descobrir

um falso amor que dificultou muito as coisas, a dor da alma era insuportável.

Aquela mesma decepção, ainda que ironicamente, deu-lhe forças para

combater o cansaço, o desânimo, dar a volta por cima e mostrar o quanto é bom

ser feliz, o quanto é bom lutar pela vida. Agora, já recuperada e de volta ao

sucesso, ela estava cara a cara com aquele que lhe causou tanto sofrimento

tentando convencê-la de seu arrependimento. Estava sendo sincero?

— Sabe que não acredito em sequer uma palavra dita — Jéssica era ríspida,

entrou em seu modo de autodefesa —. Enquanto continuava aparecendo na

mídia por ser o melhor jogador do país esbanjando saúde, amigos, mulheres e

outros prazeres dessa vida eu estava na minha casa convivendo com dores. Com

náuseas por conta dos tantos medicamentos e o pior: com a vontade de morrer

por sentir tanto a falta de alguém que eu muito amei, por alguém que fiz tudo o

que podia, por alguém a quem entreguei o meu coração — as lágrimas caíam

sentidas —. Faz ideia de como foram os meus dias? Consegue imaginar o

sofrimento? Agora que estou na ativa você volta — ela riu irônica —, acha mesmo

que acredito na sua sinceridade? Olhe para você mesmo, sua repentina aparição

tem coisa por trás: interesse!

O coração daquele homem havia sido transformado, era sincero. Seu desafio

agora seria provar isso e reconquistar alguém que tanto amou antes que fosse

tarde.

— A sua falta causou desmotivação para a minha batalha, eu já não tinha

razão para continuar sendo quem era. O alívio para a minha mente foi se refugiar

em vícios, cada vez piores. Minha carreira acabou por conta disso, todo o meu

prestígio se findou, aqueles que me rodeavam simplesmente deram as costas, se

ainda tenho uma casa foi porque meus pais a cederam... — a tosse voltou. — A

minha tolice acabou com uma vida inteira de trabalho, de ganância, de

exibicionismo. Destruiu-me.

É isso o que a desilusão causa nos corações iludidos: desconfiança. Não se

acredita em mais ninguém, nunca se está pronto para novas histórias, sempre as

vive pensando no pior.

Jéssica não queria acreditar no que ouvira, não podia acreditar. Tudo o que

passou ao longo dos dias e semanas sofridos a marcou profundamente, seriam

sombras que a acompanhariam pela eternidade.

— A única coisa que posso fazer é lamentar. Não acredito mais em você,

não posso confiar novamente em alguém que disse não me amar, que apenas me

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usava para se exibir perante o mundo. Continue a sua vida esquecendo que um

dia me conheceu.

Já de costas a modelo escutou as últimas palavras:

— Não vou desistir tão fácil da única coisa que pode me devolver a vontade

de viver.

Uma lágrima mais intensa correu pelo rosto da mulher. Seu lado emotivo

pedia por uma nova chance, pedia para que ela voltasse, o abraçasse, o acolhesse,

porém seu lado racional falou mais alto: desprezo, era isso o que ele merecia.

*

Já era de madrugada.

Certificando-se de que o filho realmente dormia e que estava de fato sem

nenhum funcionário na casa Verônica abriu a enorme porta da mansão e guiou os

seus convidados ao então secreto porão. Todos pararam diante da mulher em um

gesto de respeito, ela era venerada por aqueles malfeitores.

— O material que vocês procuram está empacotado em cada corredor.

Peguem e distribuam com discrição, o nosso caixa precisa ser reforçado — a

estilista ordenou.

— E quanto ao banana? O matamos? — Egídio, que era um dos integrantes

daquela máfia, indagou malicioso.

— Ainda não... — o olhar da senhora Morgan denunciava que um plano

rondava sua mente —. Pode ser que eu ainda precise de isca, sinto que o nosso

peixe está bem próximo!

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Capitulo 19 – Amor

“Amor é um sentimento extraordinariamente confuso, complexo demais para

a simplicidade humana. Causador de dúvidas, medos e anseios é o alimento da

alma, ela precisa ser amada para continuar viva”.

Um novo dia se iniciou. O sol já raiava esbanjando simpatia, os pássaros

cantarolavam as músicas produzidas pela natureza e a leve brisa da manhã tocava

os pés de Renata, que acordou sentindo as cócegas do vento.

Enquanto admirava o céu azul pela janela do seu quarto a estilista ouviu o

tilintar da campainha. Surpresa por ainda tão cedo alguém já lhe procurar a

mulher logo foi atender. Abrindo a porta de seu apartamento não viu ninguém,

mas ao levar os olhos até o chão se encheu de alegria; à sua espera uma cesta de

café da manhã recheada com as mais apetitosas guloseimas tinha ao seu lado um

formoso buquê de rosas, ambos os presentes muito bem decorados.

Com um sorriso perfeito desenhado no rosto Renata olhou ao redor em

busca de pistas para descobrir quem seria tão gentil pessoa, mas nem precisava,

seu coração pulsando de contentamento já denunciava. Sem mais delongas a

mulher recolheu os mimos e, suspirando, voltou para dentro.

Apreciando um dos chocolates que encontrara na estilosa cesta a estilista

analisou melhor o arranjo das flores, o qual lhe impressionava pelo quão bem fora

decorado, mas não tanto quanto o cartão que em seu interior era guardado.

Acordei logo cedo pensando em você, o que tem se tornado rotina, na verdade meu pensamento é

invadido vinte e quatro horas por dia pelo seu olhar, seu sorriso, seu rosto, seu modo de rir, de me

encarar, de andar... Até mesmo nos meus sonhos sua constante presença lá está, deixando-me

cada vez mais apaixonado por alguém tão especial.

Com tantos sentimentos me acompanhando o desejo por cuidar de você, por demonstrar o quão

importante é para mim apenas aumenta em meu peito... Se pudesse estaria a cada segundo ao

seu lado, envolvendo-a em meus braços em um gesto de segurança.

Enquanto o tempo e a distância nos mantém separados, nosso amor une nossas almas... Apenas

saber que está viva e que me privilegia com a sua presença já me sinto confortado, porém ainda

assim não é suficiente, preciso mostrar o que apenas o meu coração sabe... Pode parecer que não,

mas eu preparei tudo, cada detalhe foi feito pensado em você...

Para sempre vou te amar...

Jonas

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Ao ler o nome do autor de tão sábias palavras Renata deixou que seu

emotivo coração se manifestasse, uma lágrima de alegria rolou de seu olho

marcando o seu trajeto pelo delicado rosto. Abraçando o cartão como se

abraçasse aquele que o escrevera a apaixonada mulher soltou as palavras ao

vento:

— Também para sempre o amarei...

Embriagada por estar se sentindo amada a estilista não ouviu Jéssica lhe

chamar pelo nome, a qual precisou aumentar a voz para tirar uma sonhadora de

seu devaneio.

— Desculpe-me, estava pensando em Jonas...

— Nem precisa me dizer que foi ele quem preparou tudo isso — a modelo

se espantou com tanto capricho —. Viu só? Está mesmo apaixonado...

— Consegue imaginar o quão bem estou me sentindo? Fui presenteada com

o amor, existe coisa melhor?

— Não vejo o amor da mesma forma que o descreve — Jéssica respondeu

desanimada —. Talvez seja um sentimento passageiro, limitado, ilusório...

Renata, sempre perceptiva, notou que a amiga guardava algum pesado

desabafo, algo a agredia. Disposta em lhe ouvir e, assim, cumprir o seu papel de

amigo, a estilista levou a modelo ao sofá e fez sua pergunta:

— O que aconteceu? Embora não estejamos juntas há muito tempo, mas já

tem sido suficiente para que eu a entendesse. Quero que conte comigo.

Ficando alguns segundos em silêncio para que os seus pensamentos se

organizassem Jéssica respondeu:

— Encontrei-me com Eduardo, o meu ex-marido.

— E isso é uma boa coisa?

— Não sei dizer... Quando o vi senti repulsa, ódio, nojo, raiva, sentimentos

rancorosos. Enquanto ouvia cada palavra dita as julgava como sendo repletas de

mentira e falsidade, mas ao colocar a cabeça no travesseiro lembrei-me de como o

amei, do quant0 o considerei, do que ele significava por simplesmente existir e

com isso confusões passaram a inundar minha mente — a modelo pausou para

tirar uma lágrima dos olhos —. Não sei o que está acontecendo comigo...

— Ainda o ama — Renata afirmou convicta de que estava certa —. Tive o

prazer de conhecer tão absurdo sentimento e posso ter certeza de que ainda o

ama, embora seja arriscado. Conseguiu ver o arrependimento em seu olhar?

— Suas palavras foram de arrependimento, mas seu olhar de abatimento...

Reconheceu sua tolice ao me abandonar e declarou que sou o motivo de sua

felicidade, prometeu lutar para me reconquistar, mas tanta decepção transformou

esse coração cheio de amor em algo vazio, desacreditado, desesperançado. Não

posso confiar em alguém que me fez chorar...

Analisando o que ouviu Renata pensou no que dizer, precisava abrir os

olhos daquela que tanto gostava.

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— Ele disse que você é o motivo da sua felicidade. E qual é o seu? Conseguiu

esquecê-lo durante esses anos? Conseguiu tirá-lo do coração?

— Não... Nunca — as lágrimas começaram a rolar com maior intensidade —

. Reencontrá-lo fez com que cada sentimento adormecido despertasse ainda mais

forte.

— Uma nova chance não seria ideal?

— Talvez essa aproximação repentina seja por interesse. Ele acabou

esquecido pelos grandes times e agora que minha carreira retornou às passarelas

ele queira se aproveitar disso.

— Se ele significa de verdade algo em sua vida o coloque contra a parede,

faça-o revelar a verdade que apenas o seu interior tem conhecimento. Caso veja

que essa aparição é interesseira esqueça-o por definitivo e corra atrás da sua

felicidade em um outro alguém, mas se notar que existe sinceridade nessa volta

se permita a uma nova oportunidade, uma nova chance de ser feliz com aquele

que tanto amou... Apenas mantenha os pés no chão, seja sensata e não se

entregue de uma sói vez, vá se entregando aos poucos, conforme o tempo passa e

o que está em oculto apareça.

— Você tem razão... Não há ganho sem luta, sem esforço, sem dedicação.

Preciso me livrar das sombras do passado e me preparar para o luminoso futuro.

É difícil? Ninguém disse que seria fácil. É arriscado? Quem disse que viver

não é um desafio? Porém é possível se livrar das tantas sombras carregadas do

passado. É necessário entender que o amanhã é diferente do hoje que é diferente

do ontem, que o futuro não imita o passado, que a vida não é um disco travado,

ela segue tocando...

*

Naquela manhã de terça-feira os ânimos na Morgan Modas não eram os

melhores, a diretoria apresentava à Verônica o sucesso que em apenas um dia de

venda a Button Modas alcançara, nas diversas vitrines espalhadas pelo país os

produtos da concorrente ganhavam maior destaque enquanto nos estoques

restavam apenas os produtos da empresa mais antiga.

— Eu os avisei que precisávamos abandonar essa zona de conforto

lastimável e contra-atacarmos enquanto tínhamos tempo — Jonas logo se

manifestou, retomando suas mesmas ideias —. Por Deus mantive os meus ideais

e trabalhei nesses últimos dias em soluções para os problemas que viríamos

enfrentar.

— Não será necessário, guarde suas ideias para você mesmo — Egídio,

como de praxe, se opôs ao que o rapaz propunha —. O ser humano é mesmo

assim, admira-se com as novidades e acaba alvoroçado, mas enjoa e volta para o

que tinha de costume.

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— Mãe, abra os olhos desse teu funcionário e o faça enxergar que a hora é

agora, se deixarmos para mais tarde será um erro. É assim que o mundo dos

negócios funciona.

— Aqui ela é sua chefe, não sua mãe, portanto não deve ceder aos seus

caprichos!

— Não quero discussões na minha sala! — Verônica, que até então esteve

calada, resolveu mostrar que estava presente —. Talvez seja mesmo o momento

de testarmos coisas novas.

— E jogar fora uma fórmula que vem funcionando há anos? — Egídio não

queria mudanças, seu comentário causou desconforto nos demais diretores que

não viam outra solução a não ser inovação —. Essa foi a empresa do seu talentoso

irmão, ele sempre soube como administrar tudo o que teve, é bem óbvio que essa

empresa foi criada para um longínquo sucesso, não acha?

— Já estamos desgastados, precisamos mudar a nossa imagem — Jonas

insistiu em seus argumentos.

— Manteremos o que fizemos até aqui — a estilista deu o seu ultimato

desagradando alguns —. Nosso foco principal é encontrarmos algum modelo de

peso, que saiba nos representar.

— Ideias de jovens revolucionários nunca deram certo — Egídio tinha olhar

de vitória sobre Jonas —, eles sempre perderam, apanharam, foram excluídos e

até mesmo... mortos!

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Capítulo 20 – “Socorro!”

“Todos nós em determinado momento da vida acabamos nos encontrando em

uma situação sem saída, para a qual a única solução é um grito de socorro. Mais

ele é dado de forma incerta... Irão nos salvar?”

Irradiante foi a forma como Renata entrou em sua empresa naquela manhã,

graças a forma como o seu dia começara. Seu humor melhorou ainda mais ao

receber de seus diretores a notícia do sucesso recorde que a Button Modas havia

conquistado em apenas poucas horas de vendas.

— Primeiro quero deixar bem claro que nada disso é mérito meu, mas sim

de cada membro dessa instituição que ajudou com suas ideias e assim atingimos

o sucesso — a estilista deu início à reunião —. Mas não podemos nos satisfazer

tão facilmente, precisamos conquistar cada vez mais o nosso público e acho que o

momento de dar atenção aos homens já chegou.

— O único problema é que não temos ideia de quem possa ser o modelo —

um dos diretores lembrou —, não temos referências.

— Acho que tenho a solução: Pedro Silva!

Ninguém conhecia o rapaz, mas sendo o palpite de uma das maiores

empresárias e estilistas do mundo tinha tudo para dar certo.

Quase meia-hora depois da sugestão o jovem inexperiente com os negócios

da vida adentrou a luxuosa Button Modas, o lugar o fascinava por tanta

sofisticação, algo que ele via apenas em filmes. Curioso em saber o motivo de seu

requerimento ali o garoto logo perguntou à Renata, que certa do que faria

respondeu:

— Sabia que é muito bonito?

Envergonhado Pedro mostrou sua timidez perante todos, mas a estilista

logo interveio, o queria se sentindo bem:

— Não precisa se acanhar. Confia em mim, não confia?

— Claro que sim — confiança para ele era algo sério, se sua resposta fora

positiva estava dizendo a verdade.

— Quando o trouxe para cá disse que o ajudaria, então quero começar agora

mesmo a mudar as coisas em sua vida. Vamos dar início ao lançamento de nossa

moda masculina, quero que participe de um ensaio fotográfico conosco, caso

agrade a todos nós, você fará parte do nosso time.

Era uma oportunidade única e especial para que o rumo da sua história

mudasse. Ele não se sentia inferior por ser apenas filho do proprietário de um

quiosque que morava a beira-mar, mas um crescimento em sua vida o levaria a

realizar muitos sonhos.

— Eu aceito.

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— Então que comece o espetáculo!

O moreno alto de porte atlético, que possuía os braços bronzeados pelo sol

começou a ser tratado como um importante profissional pela equipe da poderosa

empresa, que tinha a supervisão exclusiva de Renata Button. O desejo da mulher

era transformar aquele garoto inseguro em alguém de sucesso, estaria retribuindo

o favor de Raul, daria orgulho a quem lhe ajudara no passado.

A cada foto tirada Pedro se soltava mais, sentia-se mais a vontade perante as

tantas lentes. Atento às recomendações dava o seu melhor, queria muito que

tudo desse certo.

— Vamos aproveitar o momento e ensaiar o lançamento das peças de praia,

o verão já está aí — um dos consultores pediu —. Mas seria ainda melhor se ele

tivesse um par.

Renata até aquele momento não soube como aproveitar Letícia na

divulgação de algum produto, mas naquela hora foi a garota que invadiu sua

mente.

Um pouco desconfortável por estar apenas de sunga perante tantos olhos o

garoto se encontrou ainda mais tenso ao ver Letícia entrar no estúdio com trajes

de banho. A beleza que os olhos verdes da loira demonstravam o fez sentir algo

diferente, algo desconhecido. Percebendo a insegurança do colega, a modelo

arriscou:

— Não precisa se envergonhar, sua beleza deixará as fotos com um toque

especial... Podemos começar?

O rapaz não conseguia proferir as palavras, apenas assentiu com a cabeça, o

turbilhão se sentimentos em seu peito o deixava sem ação.

Com as fotos sendo tiradas a aproximação do casal era constante, e o

nervosismo do garoto cada vez maior, no entanto seu desempenho era como o de

alguém experiente.

— Nós vamos analisar as fotos e já volto com a decisão final — Renata

informou.

Vestindo-se como se fosse a coisa que mais almejava na vida Pedro se

sentou em um banco dentro do estúdio, apreensivo pela decisão que seria tomada

e confuso pelo que sentiu ao ver Letícia e, principalmente, ao tocá-la; ele nem ao

menos conseguia encarar a garota.

Entusiasmada por ter tirado suas primeiras fotos na nova empresa em que

estava a modelo se achegou ao lado do garoto cheia de assunto.

— Mandamos bem, não acha?

— Sim — olhando para o chão Pedro respondeu de voz baixa.

— Ansioso?

— Um pouco — seu olhar insistia em se esconder.

— Olha para mim — aquilo soou como uma exigência.

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Trazendo os olhos do rapaz aos seus Letícia sentiu um conforto ao reparar

nos olhos cor-de-mel do moreno e nos traços infantis que seu rosto ainda

conservara. Algo também nunca sentido antes se manifestou em seu peito, o que

estaria acontecendo?

Por alguns instantes ambos se encararam sem trocar palavra alguma,

parecia que apenas seus olhos se comunicavam. Um sorriso tomou forma no

rosto da modelo e o rapaz sentiu seu rosto esquentar, colocando a mão na orelha

como sempre fazia quando estava envergonhado ele soltou uma risada quase

inaudível; não podia entender o que acontecia.

— Trago notícias — a estilista quebrou a conexão entre os olhares —. Tudo

aprovado!

Sem pensar Letícia prendeu Pedro em um forte abraço. O garoto se sentiu

confortável naquela situação, como se realmente precisasse daquilo e o retribuiu

dando um enorme sorriso de felicidade.

*

Uma década. Dez anos. Cento e vinte meses. O tempo de uma vida. O

tempo aproximado em que Raul se encontrava trancafiado naquele porão escuro,

sem nem ao menos lembrar-se da luz do sol. Se as suas pernas ainda se moviam,

embora que não com a mesma agilidade, era pelo constante movimento que ele

insistia a fazer. Se sua voz ainda soava era por treiná-la ainda que com os

fantasmas que sua mente criara para driblar a solidão. Se ainda vivia era por

causa da crueldade, que insista em infernizá-lo.

Há alguns dias, cansado daquele sofrimento o prisioneiro tentava de todas

as formas se desprender daquelas cordas, que eram renovados a determinados

períodos. A qualidade surpreendente dificultava o trabalho, dizia que tanto

esforço era inútil. Mas a sua perseverança sempre falou mais alto e naquela noite

a corda estourou: estava livre!

Correndo pelos corredores iluminados por pouca luz o cativo encontrou a

escada que levava à porta secreta, colocando um dos olhos em uma pequena

fresta percebeu o vulto de alguém, era a sua esperança:

— SOCORRO!

*

Após mais um dia de trabalho na Morgan Modas, Jonas chegou em casa um

pouco cansado, tentar convencer alguns diretores de sua empresa foi um tanto

exaustivo. Pisando na sala foi surpreendido por uma das empregadas que lhe

entregou um pacote embrulhado.

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— É para o senhor. Sua mãe foi se deitar, está com dores de cabeça e o

jantar já está posto. Até amanhã.

— Obrigado...

Analisando o presente notou certa delicadeza na forma como estava

embrulhado, apenas uma pessoa que ele conhecia seria capaz de tanto capricho:

Renata.

Dirigindo-se ao jardim da mansão que lhe trazia tanta paz após os dias

cansativos o jovem se sentou em uma das cadeiras, observou o céu estrelado e

voltou sua atenção ao pacote.

Sorrindo ele o desembrulhava, sentia aquela que tanto amava mais perto de

si e isso o confortava. Um estiloso frasco que continha um dos melhores perfumes

que o mundo já conhecera o aguardava, apenas um espirro em sua mão foi capaz

de contagiar todo o ar ao seu redor. Mas não era só isso. Um cartão contendo o

que, para ele, seria a melhor letra encerrou a surpresa.

Pode achar que não, mas também se fez presente a cada segundo em meus

pensamentos. Essa proximidade distante que existe entre nós apenas prova que

nosso amor é verdadeiro, desejamo-nos a cada momento.

Saber que amanheci na mente de alguém apenas inflou ainda mais o meu ego...

Não foi um alguém qualquer, foi um alguém especial, que eu amo mais que tudo e

que já não posso me imaginar sem... Alguém que possui o nome mais lindo do

mundo: Jonas... Alguém que é o melhor namorado que existe.

Todas as vezes que sentir esse perfume não sinta apenas um produto a ser

consumido, sinta nele o que eu quero dizer, sinta todo o meu amor... Sempre vou

te amar, eu prometo.

Rendi-me ao seu amor e agora não vejo mais saída...

Renata

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Uma discreta lágrima percorreu seu rosto, lágrima de total alegria por se

sentir verdadeiramente amado. Suas palavras foram dirigidas às estrelas:

— Eu sou amado... Não há coisa melhor...

Ainda em transe Jonas se assustou com barulhos semelhantes aos de alguém

que bate em uma porta. Observando ao seu redor nada encontrou. De saída do

lugar interrompeu os passos quando ouviu um clamor:

— SOCORRO!

Continua...

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Capítulo 21 – Falsa Parceria

“Firmar parceria com alguém precisa ser uma atitude precavida, nunca se

sabe as reais intenções dos envolvidos. Até mesmo entre pessoas perigosas a

parceria é muito bem pensada antes de acontecer”.

Por mais que procurasse de onde vinha aquele clamor Jonas nada

encontrou, nem sequer uma pista, a não ser sua percepção que apontou uma voz

abafada.

“[...]

— Porão? — Jonas não pôde conter a gargalhada —. Desde quando nessa

casa temos um porão? Minha mãe sempre foi desapegada as coisas, quando não lhe

servem mais ela simplesmente as joga fora... Não temos um porão.

— Ele está no fundo da cozinha, camuflado pelas gramas do jardim. Vamos,

vou provar que o que digo é verdade.

[...]”

Ao se lembrar daquela conversa com Letícia o rapaz voltou os seus olhos

para o chão, talvez a modelo estivesse realmente certa e a sua ignorância não lhe

permitira notar isso, era esse o seu pensamento.

— Filho? A que horas chegou? — Verônica assustou o rapaz ao aparecer

repentinamente.

Começando a ter motivos para desconfiar da verdadeira índole de tal

mulher que o salvara do esquecimento do mundo, Jonas se dirigiu a ela

apreensivo, notoriamente apreensivo.

— Não estava com dor de cabeça?

— Um pouco — a estilista respondeu perceptiva a cada gesto do filho —. O

que faz aqui?

— Apreciava esse céu estrelado — levou os olhos à negritude —. Acho que

vou entrar, já está tarde...

— Faça isso, meu querido, o dia foi cheio!

Atenta a cada passo do rapaz Verônica voltou ao porão tendo certeza de que

Jonas já dormia. Enraivecida, a senhora Morgan adentrou o sombrio lugar com

um revólver apontado para a cabeça do seu prisioneiro, seus olhos denunciavam

as reais intenções daquela alma perturbada.

— O que foi tudo isso? — sua voz demonstrava sua ira —. Está achando que

tem peito para me enfrentar? Será que ainda não percebeu sua vulnerabilidade a

mim? Eu mato, sem dó e nem piedade, como se mata um verme!

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— Só quero me ver livre desse inferno — o homem tinha a apreensão no

rosto, seu medo divertia aquela que tanto o afligia.

— Um dia estará... Deixando bem claro que esse lugar é vigiado por câmeras

que capturam cada movimento seu, até mesmo no escuro! — a estilista se

aproximou de Raul a cada palavra dita —. Mais uma graça e aquele rapaz que

estava no jardim, o seu próprio filho, morrerá perante os seus olhos — dando

uma forte coronhada na cabeça de seu cativo a mulher provocou o seu desmaio,

chutando-o concluiu: — Nunca me desafie!

Assustado Jonas se despertou de um pesadelo no meio da madrugada, em

sua mente confusões tomavam forças. Com certa tensão o jovem consultor se

levantou e a passos cuidados caminhava pelo corredor escuro.

Em dado momento o rapaz se encontrava diante o quarto da mãe, o fato de

a porta estar entreaberta chamou sua atenção, já que a mulher nunca dormia

naquela condição.

Curioso, Jonas abriu vagarosamente a porta, ouvindo os seus fracos estalos.

Observando com atenção notou a cama vazia, suas pernas sentiram toda aquela

adrenalina quando uma mão pousou sobre o seu ombro.

— Ainda acordado, filho? — a voz era gélida.

Engolindo seco o rapaz se virou para a mãe e respondeu com um sorriso

temeroso:

— Acho que sim...

— Precisando de alguma coisa? O que queria no meu quarto? Necessitando

de uma conversa? Sabe que em somente a mim pode ter total confiança — o

olhar de possessividade da mulher tomava ainda mais forma a cada vírgula.

— Eu estou bem... Apenas com sede.

— Vá se deitar. Levo a sua água.

— Não precisa, eu...

— Vá. Se. Deitar — Verônica o interrompeu tendo no rosto um sorriso

medonho, um sorriso estranho, apavorante.

Sem dizer palavra alguma Jonas apenas obedeceu, um receio começava a

tomar sua alma.

[19 de outubro de 2016]

Naquela manhã de quarta-feira ao se dirigir à mesa do café da manhã

Verônica sentiu a ausência do filho, já que havia se tornado praxe ambos

passarem aquele momento juntos. O que a mulher encontrou foi um bilhete do

mesmo no qual explicava sua ausência: “Bom dia. Fui tomar café na empresa,

preciso adiantar algumas coisas... Nos vemos lá”.

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— Desculpa esfarrapada — a estilista amassou o papel —. Escutar aquele

verme gritar por socorro apenas criou desconfianças em sua mente. Preciso dar

um jeito nessa situação, nem que para isso tenha que dopá-lo!

Sentindo-se estressada pelo que supostamente acontecia Verônica nem ao

menos notou o tilintar da campainha na mansão, apenas se assustou com a

presença de dois policiais à sua frente.

— O que fazem aqui? — a estilista de súbito se levantou —. Como

entraram?

— Primeiramente bom dia – um dos homens estendeu a mão para um

cumprimento, mas foi ignorado.

— Seus empregados autorizaram nossa entrada — o segundo, que tinha

uma aparência mais séria, tomou a dianteira da conversa —. Recebemos uma

denúncia de que a senhora lidera um grupo de traficantes na cidade e em outros

lugares, nessa mesma denúncia recebemos a informação de que boa parte da

droga é escondida na casa... Realizaremos o nosso trabalho de investigação e,

caso a recrimine, iremos todos à delegacia.

— Isso não passa de um enorme absurdo, acham mesmo que uma mulher

tão poderosa quanto eu se envolveria com pessoas tão baixas?

— Muitos estão onde estão por se sustentarem sobre lixo. Temos ordens

para vasculharmos a casa, quem não deve não teme.

— Façam o trabalho, sei que de nada valerá.

Com atenção impecável os policiais passearam pelos tantos cômodos da

mansão, enquanto Verônica tentava controlar seu nervosismo, por fim nada foi

encontrado. Vasculhando pelo lado de fora acabaram frustrados, nada

comprovava a veracidade da denúncia.

— Acharam alguma coisa?

— Pelo jeito fomos enganados, tudo está em ordem.

— Não falei? Sou defensora da paz, como contribuiria com essa guerra entre

policias e traficantes? Pesquisem um pouco sobre mim e verão o quão suado foi a

escrita de minha humilde história.

— Não há nada de suado em ganhar a empresa dos irmãos... — o sério

policial sabia com quem estava lidando.

— Passou pela dor que eu passei? Claro que não, por isso evite dizer

besteiras.

Dispensando aqueles homens em um clima nem um pouco bom a estilista

logo criou suspeitos em sua mente, porém um em especial lhe chamou mais a

atenção.

Deixando bem claro o mau humor que a perseguia Verônica adentrou a

Morgan Modas em passos pesados, passando pela diretoria requisitou a presença

de Egídio com urgência, o qual logo obedeceu.

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— No que posso ajudar?

— O que pensa que vai conseguir me denunciando? – a mulher jogou sua

bolsa contra a mesa, totalmente irritada —. Sabe que se eu for para o buraco o

carrego junto, não sabe?

— Claro que eu sei, mas lá acabo com a sua vidinha de madame —

recostando-se no encosto da cadeira o homem debochou: — Está reclamando a

toa, sabe que nunca encontrariam aquele porão...

— Você é burro! Se eles estivessem com alguma tecnologia mais avançada é

claro que descobririam. A sorte foi que não estavam tão certos do que

suspeitavam... Apenas quero entender o porquê disso, pensei que tivéssemos uma

parceria.

— E temo — Egídio apoiou seus braços na mesa —. Mas odeio ser passado

para trás.

— Do que está falando?

— Quando mandou que sequestrasse o Raul me prometeu dar como

pagamento metade das ações dessa empresa, o que recebi foi parte do lucro

naquela época e uma vaga na diretoria, nada mais... Estou cansado de esperar,

passou da hora de suas palavras serem cumpridas!

— Ainda não é o momento...

— Nunca é o momento! — Egídio bateu forte contra a mesa assustando sua

ouvinte –. Já me cansei de ouvir essa desculpa, é sempre o que ouço! Eu quero

metade das ações desse lugar e pronto!

— Não é tão fácil quanto parece, não é assim que jogamos o jogo...

— Agora quem dita as regras do jogo sou eu. Denunciei você apenas para

dar um sustinho, mas da próxima vez eu conto toda a verdade e me faço de mais

uma das suas tantas vítimas. Não sou como esses capangas de novela que apenas

atendem os desejos de covardes, juntei-me a você visando o que poderia obter.

Meu único interesse ao seu lado se chama riqueza! Ou facilita as coisas ou comerá

pão seco atrás das grades!

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Capítulo 22 – Descoberta

“Segredos revelados, descobertas que são feitas, visões que mudam,

sentimentos que se transformam”.

As desconfianças de Jonas tomavam cada vez mais força de acordo o tempo

passava, em seu peito batia o arrependimento por não ter dado crédito à Letícia,

o que escutara na noite passada fora mais que o suficiente para que toda a

história se confirmasse.

Quando viu a mãe adentrar a sala da diretoria com irritabilidade e exigir

que Egídio a acompanhasse, o rapaz se sentiu tentado a descobrir o que poderia

estar acontecendo. Por trás da porta ele ouviu tudo o que precisava e agora sabia

que existiam muitos segredos guardados naquela que tanto admirava.

Certo de que Verônica não iria embora tão cedo Jonas voltou à mansão sem

dar satisfação a ninguém, queria agir em oculto e descobrir tudo o que fosse

necessário. Apreensivos seus pés pisavam pela casa, a sensação que o dominava

era a de estar sendo seguido, mesmo sabendo que apenas os empregados ali

estavam.

De volta aos fundos da cozinha seus olhos procuravam por todo o jardim

alguma pista que lhe indicasse o que queria, mas nada parecia ser anormal.

Pisando para sentir a grama em cada canto do local o rapaz se esforçava em notar

alguma irregularidade. Após minutos de muita observação finalmente encontrou

uma área em que a suavidade da grama não era a mesma que ao seu redor, algo

resistente tornava a sensação estranha.

Passeando com a mão por aquele espaço suas desconfianças se

confirmavam, percebeu que ali existia uma grama artificial. Insistindo na

percepção encontrou o encaixe, colocando a mão por baixo sentiu o que não

queria sentir, o que ainda pensava que poderia ser ilusão, mas que não era.

Levantando o tapete se espantou com a porta secreta trancada por um sistema de

código.

— Não é possível.

“[...]

— Sua mãe mantém um prisioneiro no porão dessa casa, o pior é que não se

trata de um homem qualquer, é o seu pai!”

Lágrimas passaram a correr pelo seu rosto. Sentimento de culpa o tomava.

Devia ter sido mais atento as atitudes da mulher com quem dividia o mesmo teto,

devia ter sido mais razoável dando ouvidos a quem o alertara, devia ter sido

menos ignorante. A culpa era ainda maior ao se lembrar de que quem ali estava

poderia ser o seu verdadeiro pai. A raiva começava a nascer por saber que tudo o

que viveu durante a vida inteira foi uma mentira.

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Tal descoberta, além de todo o misto de sentimentos, também causou

aflição no coração de Jonas. Dirigindo seu carro pelas ruas da agitada São Paulo o

rapaz não sabia qual rumo tomar, o que fazer, como agir dali por diante. Ao

voltar em si se viu à frente da Button Modas, seria ali que teria as respostas para

as tantas dúvidas que o cercavam.

— Jonas? O que houve? — Renata se assustou ao se deparar com o

namorado em sua sala coberto de pranto —. Por que está tão tenso?

— A minha mãe... Se é que posso chamá-la assim — a decepção era grande

—. Ela não é tudo aquilo que sempre pensei, que sempre me mostrou ser...

Descobri seu real faceta.

O desabafo não era nenhuma novidade para a estilista, que embora tivesse

muito o que falar preferiu o silêncio, ainda não era o momento de revelar as reais

atrocidades de alguém que todos pensavam conhecer.

— Do que está falando? Como descobriu?

— A ouvi conversar com Egídio, descobri que guarda drogas em casa, ela é

perigosa... Ontem pela noite quando via o seu cartão escutei gritos de socorro e

hoje descobri de onde eles veem. Existe um porão na mansão, aquela mulher

mantém alguém preso ali... A Letícia já havia me alertado, mas não dei ouvidos e

agora convivo com o pesadelo de saber que alguém está sofrendo dentro da

minha própria casa!

— Podemos resolver isso juntos e vamos!

— Como? Essa mulher agora me dá medo! — a visão de boa mãe agora se

convertia na visão de uma criatura perversa —. Não posso enfrentar alguém

capaz de manter um ser humano preso. Pelo pavor do grito o que ele vive é um

verdadeiro inferno.

Vendo que finalmente a oportunidade de desmascarar aquela que lhe

causou tanto sofrimento estava chegando Renata fez sua jogada:

— Não demonstre o seu medo perante Verônica e nem que sabe de alguma

coisa, continue a tratando como sempre fez. Na hora certa atacaremos e a

verdade será revelada!

*

Enquanto tirava fotos para o próximo lançamento da Button Modas, Jéssica

recebeu um discreto bilhete. Ao lê-lo um sorriso se formou em seu rosto e

perante as câmeras seus olhos brilharam ainda mais. O desempenho da moça fora

ainda melhor.

Terminado o seu compromisso a modelo se dirigiu ao tão movimentando

parque, no qual casais apaixonados sempre se encontravam a fim de aproveitar a

presença um do outro. Sentando-se em um dos bancos privilegiados pela sombra

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de uma perfumada e refrescante árvore, a mulher deu um suspiro, estava ao

mesmo tempo que contente cheia de dúvidas, estaria fazendo a coisa certa?

— Consegue adivinhar quem tanto a admira? — Jéssica teve os olhos

fechados pelas mãos de alguém que a questionou.

— Eduardo... — o sorriso da moça demonstrava sua satisfação.

— Não sabe como fico feliz ao vê-la aqui, mostra que está aberta a me

escutar.

Vendo o rosto daquele que um dia tanto amou e encontrá-lo sem mais a

maltratada barba a modelo foi levada de volta ao passado, aos primeiros

encontros, ás primeiras trocas de olhar, às primeiras palavras de amor, aos

primeiros sonhos compartilhados. Quando tudo parecia ser verdadeiro e

consistente, enquanto era uma verdadeira ilusão.

— Está diferente... — a mulher comentou.

— Só de conversar contigo aquela noite me senti diferente. Voltei a me

arrumar como antes — Eduardo se sentou ao lado daquela quer era o seu desejo

reconquistar, o que tarefa fácil não seria.

— O que queria comigo?

— Pedir perdão.

Jéssica não esperava por aquilo. Ela o conhecia muito bem e sabia que pedir

perdão não era uma de suas qualidades, nem ao menos “desculpa”, começou a

acreditar que as mudanças teriam acontecido, mas ainda assim seu coração

questionava até onde tudo seria verdade.

— A história de que as pessoas precisam perder para dar valor é verdadeira,

faz todo sentido possível... — os olhos do homem eram fixos nos da que a ouvia,

suas palavras não eram ditas pelos lábios, brotavam do coração —. Eu era amado

e não valorizei, eu era cuidado e não percebi, eu tinha atenção e não me

importei... Sempre pude contar com a sua compreensão, com as suas palavras,

com o seu ombro amigo, mas sem merecer, tamanha foi a minha babaquice.

Apenas vi isso quando a perdi, quando dei as costas para a pessoa que sempre

esteve ao meu lado e que me ajudou a construir minha vida, minha carreira.

— Não acha tarde para dizer tudo isso? — ela queria testá-lo.

— Nunca é tarde para se arrepender e provar isso... Quando a abandonei

decretei o fim da minha própria vida, joguei fora tudo o que havia conquistado,

todo o prestígio, toda a fama, todo aquele sucesso... Por algum tempo senti a falta

dessas coisas, mas senti ainda mais falta de alguém que gostasse de mim da forma

como você me amou — uma tosse o interrompeu, algo de errado acontecia com

aquele arrependido homem —. Senti a falta de ter alguém com quem conversar,

desabafar, procurar ajuda para os momentos de tristeza... Eu percebi que não foi

apenas a sua beleza que me encantou, foi a sua alma que confortou a minha. Você

é muito mais que uma mulher bonita, é o amor da minha vida, é a minha alma

gêmea.

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Tais palavras comoveriam um coração cheio de amor para dar, mas não um

coração quebrado, marcado pelo passado, sofrido com a desilusão de uma

mentira.

— Eu te amei como nunca amei ninguém, fiz por você o que não faria por

nenhuma outra pessoa, o coloquei como prioridade em minha vida — Jéssica

tinha os olhos encharcados —. O que me deu em troca? Desprezo. Amargura.

Palavras duras. Deixou claro que me usou para os próprios interesses. Fez com

que eu desacreditasse na veracidade que é o amor, já não acredito mais em tal

sentimento, para mim é uma ilusão confundida por corações apaixonados.

Não conseguindo mais controlar o que tanto segurava Eduardo começou a

tossir de forma ainda mais preocupante, assustando a modelo, que, como sempre

foi, mostrou-se pronta a ajudar:

— O que foi? Precisa de alguma coisa?

Retomando o fôlego o rapaz respondeu ofegante:

— Nada com que precise se preocupar...

Na verdade a mulher se preocupava sim, sempre se preocupou com aqueles

que amava, e isso incluía Eduardo, o qual nunca deixou o seu coração.

— Eu preciso ir, mas quero muito voltar a conversar com você, quero que

veja o quanto mudei, mudei por você.

Um doce beijo no rosto daquela que dominava os seus pensamentos foi a

forma como Eduardo encontrou para a despedida. Vendo aquele que ainda

balançava o seu coração partir fez com que Jéssica derramasse uma lágrima, seu

real desejo era tê-lo ao seu lado para sempre.

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Capítulo 23 – Um Doce Pedido

“O que seria dos corações entristecidos sem uma história de amor que os

confortasse? O que seria do mundo sem amor? Talvez seja ele a razão de tudo”.

Quando se ama o meio desejo de nossos pobres corações é estar ao lado da

pessoa amada, não importa a hora, a condição e nem mesmo o lugar, o que

importa de verdade é apenas a presença daquele ou daquela que tanto queremos

em nossas vidas.

Quando se ama é normal aquele jeito bobo dos olhares se encontrarem, dos

sorrisos serem dados, das palavras soltas ao vento às vezes sem sentido, mas o

suficiente para que os amantes se contentam ainda mais.

Quando se ama não existe o certo ou o errado, o feio ou o bonito, o rico ou

o pobre... Quando verdadeiramente se ama esses valores não passam de questões

do mundo físico, o que importa de verdade é apenas o que a alma vê o coração

sente, é o que mantém duas pessoas apaixonadas presas uma na outra. Não existe

a paixão passageira, temporal, mas sim uma paixão avassaladora, eternal.

Dizem que alma gêmea não existe, que o amor verdadeiro é fruto da

imaginação, que a paixão sem limites não passa de um conto de fadas,

pensamentos tidos por aqueles que só agem com a razão e não com a emoção.

Dizem que pessoas se apaixonaram é coincidência da ocasião, mas na verdade se

trata do encontro entre almas que foram feitas uma para outra. Não acredita?

Como se pode explicar o casamento vencedor de brigas e contratempos que se

mantém em pé após anos de consumação? Se não fosse encontro entre almas,

sem um casal se manteria unido por tanto tempo, é impossível.

Renata e Jonas se encontraram por um acaso naquele parque quando a

história de ambos finalmente teve início. Naquele encontro houve também o

choque entre almas predestinadas a se encontraram. Esse choque soltou uma

faísca. Essa faísca acendeu um fogo. O fogo do amor.

Ambos necessitavam da presença um do outro, eram seus corações

clamando por isso, só assim poderiam se aquietar. Naquela noite de primavera

marcada pela suave brisa que soprava sobre a terra, o casal apaixonado estava de

volta ao parque que dividiu águas em suas vidas, o parque que nunca poderia, e

nem seria, esquecido.

O rapaz apaixonado reservou um canto especial do lugar e o preparou para

receber aquela que conquistou o seu viver. As árvores ao seu redor, iluminadas

por luzes especiais, eram enfeitadas por placas que continham dizeres saídos do

coração. Uma mesa dourada ao centro era coberta por uma toalha de cetim

violeta, sobre a qual velas acesas liberavam um doce perfume. Na mente de Jonas

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o lugar estava decorado tendo Renata como inspiração: suavidade, delicadeza,

doçura eram coisas que precisavam de destaque.

— Nunca fui fã de surpresas — a estilista estava ansiosa por descobrir o que

seu namorado lhe preparara.

— Garanto que não vai se frustrar.

O casal se encontrava na entrada do parque, onde o rapaz vendou os olhos

da moça e a guiou até o local de importante segredo.

— O cheiro é reconfortante — a mulher comentou.

— É isso que o simples fato de ouvir a sua voz causa em meu peito — o

jovem consultor não poupava declarações.

— Já posso ver?

— Ainda não.

Ajudando Renata a se sentar em uma das cadeiras também decoradas, Jonas

deu sequência ao seu discurso:

— Antes quero que saiba que tudo o que fiz foi pensando em você,

pensando no seu jeito, pensando no que realmente significa na minha vida,

pensando no quanto a amo...

Tendo os seus olhos descobertos a estilista se encantou pela forma como

tudo estava organizado. Admirou-se ao ver tantas fotos suas espalhadas pela

mesa ao redor de um letreiro que dizia “para a mais bela das mulheres”.

Seus olhos lacrimejantes focaram nas tantas árvores que ali rodeavam e sua

boca falou aquilo que lia pelas placas:

— Eu te amo de uma forma que não sei explicar, de um jeito indescritível...

Na primeira vez que a vi meu coração acelerou, seu desejo era pular em suas

mãos, hoje ele está contente por tê-la como sua rainha... O verdadeiro significado

do verbo amar foi você quem me deu e, em resumo, quer dizer a necessidade de

estar sempre ao seu lado — a cada leitura seu peito inflava mais, era a paixão que

o preenchia —. Poderia dizer milhões de palavras, mas nada disso seria

suficiente, dizer que já não consigo viver sem você é uma boa maneira de se

encerrar?

Renata não continha as lágrimas, toda a emoção que sentia era

resplandecida.

— E o que achou? Não sei usar muito bem as palavras, mas foi o que

consegui...

— Tudo o que escreveu deixou a mim sem ter o que dizer, não há palavras

que possam expressar tudo aquilo que estou sentindo — levantando-se a estilista

se colocou perante o rapaz, pegou em suas mãos, prendeu os seus olhares e

continuou: — Sombras me cercavam, dificultavam a minha visão, prendiam-me a

tristezas profundas e medos descabíveis, mas a sua luz dissipou tais sombras,

devolveu-me a visão e encontrei o que posso chamar de amor da minha vida...

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Hoje estou presa no seu amor, posso dizer com toda a certeza que essa é a melhor

prisão de toda a minha existência.

Jonas se controlou para não beijar a namorada, queria deixar os melhores

momentos daquela noite especial para o final. Renata queria um beijo, sua carne

clamava por aquilo, mas não o teve, o que lhe restava era aguardar por cada

segundo dos próximos minutos.

Sentando-se com a moça o rapaz tilintou o sino e por entre as árvores um

simpático garçom surgiu trazendo o jantar de ambos, que enquanto comiam

possuíam um brilho característico do amor no olhar, resultado do que a simples

presença de um para o outro significava.

— Gostou?

— Estava ótimo...

— Se eu disse que as surpresas ainda não terminaram será muito abuso da

sua paciência? — o sorriso do rapaz era travesso.

— Será muito abuso ao meu coração em ser açoitado por tanto amor.

— Eu não diria açoitado, mas sim abrasado.

Com apenas um estalar de dedos Jonas chamou para junto deles violinistas,

flautistas e saxofonistas. Juntando-se a eles o homem apaixonado fez sua última

homenagem.

Eu tenho tanto pra lhe falar

Mas com palavras não sei dizer

Como é grande o meu amor por você

Sua interpretação era única, original.

E não há nada pra comparar

Para poder lhe explicar

Como é grande o meu amor por você

O sorriso de Renata era como de uma adolescente apaixonada ao conversar

com aquele garoto em especial, aquele garoto que a faz sentir as pernas bambas,

as mãos frias e borboletas no estômago.

Nem mesmo o céu, nem as estrelas

Nem mesmo o mar e o infinito

Não é maior que o meu amor, nem mais bonito

Jonas não cantava aquilo como uma simples música, mas sim como algo que

saía direto de seu coração, ou melhor, de sua alma sedenta pelo amor daquela

mulher.

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Me desespero a procurar

Alguma forma de lhe falar

Como é grande o meu amor por você

As lágrimas sentimentais da estilista rolaram.

Nunca se esqueça nem um segundo

Que eu tenho o amor maior do mundo

Como é grande o meu amor por você

O jovem consultor encerrou sua serenata de joelhos.

Renata se apaixonou ainda mais por aquele cantor apaixonado que, sobre o

seu julgamento, tinha a mais linda voz do mundo. Realmente o rapaz tinha um

dom para a coisa.

Colocando a estilista em pé e agora de joelhos perante a sua amada, Jonas

deu início ao seu discurso:

— Acho que já perdemos tempo demais ao demorarmos tanto para nos

encontrar, meu maior desejo é recuperar cada segundo da minha vida que não a

amei, cada instante do meu viver que não a tive ao meu lado, cada momento da

minha existência que não olhei para o mais perfeito dos rostos... — com uma

caixinha preta enfeitada com fitas de cetim dourada em mãos o jovem

apaixonado continuou a falar enquanto abria o objeto: — É por tanto amá-la que

faço que o meu pedido, aceita se casar com esse louco apaixonado, sedento pelo

seu amor?

As lágrimas rolavam mais intensamente, a voz parecia falhar, mas mesmo

com dificuldade soou:

— É tudo o que mais quero...

Com tamanho sorriso de satisfação dominando o seu rosto Jonas colocou o

anel no dedo de sua noiva. Sentindo o coração pulsar ferozmente em seu peito

Renata, enquanto irradiava o brilho do olhar, colocou o outro anel no dedo do

noivo selando, assim, o início de novos tempos.

Uma melodia suave tocava ao fundo.

Erguendo a cabeça de sua noiva para que os olhos se encontrassem o rapaz

tirou uma mecha de cabelo de sobre os olhos da moça, passeou o indicador pela

bochecha rosada e com aquela sede da paixão uniu os lábios que tanto se

desejavam, as línguas batalhavam harmoniosamente, o sabor lascivo extasiava as

almas amantes.

Dizia Luiz Camões que o amor é um fogo que arde sem se ver, esse amor

ardia no peito daquele casal rendido à chama da paixão.

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Capítulo 24 – Possessão

“Desejar possuir alguém inteiramente ao ponto de prendê-lo a nós mesmos é

a pior virtude que podemos ter, ela priva a vida e atrai a morte em suas diversas

formas”.

Durante todo aquele dia Verônica ficou pensativa sobre o que o filho

poderia estar desconfiando quando ao grito de socorro que escutara na noite

passada. Conhecendo bem aquele que verdadeiramente criou da melhor maneira

que pôde a mulher poderia ter certeza de que aquela história ainda tomava a

mente do rapaz e que ele faria qualquer coisa a fim de desvendar o mistério.

Depois de tanto trabalhar a veterana estilista voltou à mansão. Sua primeira

atitude foi visitar o porão, queria pistas que declarassem ali a visita de alguém. Se

não fosse o modo como Verônica arrumava tão bem as coisas não veria que o

tapete de grama responsável pela camuflagem da secreta porta estava torto,

deixando a mostra o dourado da fechadura. Ela já sabia o que poderia ter

acontecido.

Ansiosa por confirmar suas suspeitas a mulher entrou em seu escritório, um

lugar que era mantido frio pelo ar condicionado, sem janelas abertas e luzes que

não clareavam tanto, o lugar perfeito para que seus pensamentos fluíssem.

Pegando o seu computador a estilista acessou a central de segurança da casa, por

ali tinha acesso a todas as imagens captadas pelas diversas câmeras espalhadas

pela mansão de forma oculta. Atenta a entrada do porão viu o momento em que

Jonas fez a sua descoberta.

— Droga! — a raiva se manifestava em seu corpo —. Não posso perder a

confiança da única pessoa que amo, não posso deixar que suspeitas sejam

levantadas... Jonas... Jonas... A mamãe precisará castigá-lo! — a loucura crescia

em sua mente.

*

[1º de novembro de 2016]

Verônica Morgan nunca precisou enfrentar crises em sua vida. Sempre tudo

aconteceu como o planejando, tudo saiu conforme o desejado. Porém, desde a

chegada de Renata em sua vida as coisas começaram a balançar, a se

desestabilizarem; primeiro era ter que dividir o filho, coisa que nunca foi

aceitável para a poderosa mulher e, segundo, talvez o pior, ter uma concorrente a

altura que já causava estragos.

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A Morgan Modas vinha sofrendo desfalques tanto de funcionários quando

de público, o lucro já não era mais o mesmo, o prestígio nas vitrines do Brasil

vinha diminuindo, o reconhecimento como a melhor empresa de moda do país

não era mais dela. Todos esses problemas eram encarados por Verônica de forma

indiferente, sua última tacada antes de começar seus ataques mais rigorosos era

organizar um evento no qual lançaria os seus produtos para o verão, ele serviria

como um termômetro que indicaria o quão quente a marca ainda estava.

Poucos críticos, pouco público, imprensa discreta. Essa foi a visão da

senhora Morgan e de toda a sua diretoria instantes antes do desfile começar, não

era para menos, as pessoas esperavam mais do mesmo e a empresa já não tinha

uma top model popular, era o início de um naufrágio.

Subindo à passarela para começar o evento a ardilosa mulher sentiu o seu

coração pulsar mais forte, seu sangue correr mais rápido pelas veias de seu corpo

e a temperatura que subia lhe causava um calor de ódio, de raiva, de sentimentos

resultantes da inesperada aparição de Renata Button e suas duas top models,

todas com o deboche e a ironia estampados no rosto.

Concentrando-se no que diria Verônica deu início ao discurso:

— Agradeço a presença de todos que aqui estão para nos prestigiar.

Preparamos o que sempre fizemos de melhor: aquilo que o povo gosta!

Aproveitem!

Dentre as críticas que já começavam a aparecer na mídia a falta de palavras

em uma mulher tão admirada por sua importante autoconfiança foi o que mais

chamou a atenção. Estaria Verônica Morgan se deixando abalar pelas

adversidades?

Comparações já eram feitas: “A Button Modas em poucos dias de

funcionamento já presenteou o povo brasileiro com as novidades que o mundo

adora, como pode uma empresa tão experiente no Brasil, já no sangue das pessoas,

continuar na zona de conforto? Falta criatividade? A Morgan Modas vem

colocando sua popularidade em questionamento”, escreveu um dos críticos em seu

blog.

O pior comentário da noite estava vindo a passos largos, o crítico mais ácido

do país logo fez sua manifestação em uma breve entrevista individual:

— É difícil definir o que vi hoje. Em todos os desfiles da Morgan Modas que

tive o prazer de comparecer teci elogios a uma empresa brasileira cheia de

talento, tentei encorajar os seus acionistas a encarem o mercado internacional,

motivo de arrependimento. A empresa mostrou que não sabe competir, resolveu

usar o conhecido para enfrentar o desconhecido, manteve a mesmice para barrar

o inovador. A Morgan Modas vem a público provar sua incapacidade!

Verônica começou a se desesperar perante tudo o que via e ouvia, nem

sequer um dos presentes se mostrou entusiasmado com o que fora apresentado,

afinal nada foi diferente do que todos já sabiam;

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— O que eu vou fazer? — a mulher questionou o filho de canto —. Como

vou mudar a nossa imagem?

— Eu avisei que seria um erro apresentar as peças, são praticamente as

mesas do verão passado, que foram as mesas de sempre — Jonas respondeu

friamente —. Também avisei que precisávamos inovar, ampliar o nosso

horizonte, mas ninguém me ouviu, agora vejo que já é tarde.

— Vamos inovar, filho, vamos seguir o seu pensamento! — o desespero

assolava a estilista —. Ajude-me a salvar a nossa empresa!

Observando com atenção aquela a mulher por alguns segundos o rapaz

quebrou o seu silêncio:

— Talvez seja tarde demais...

A vontade de todos que ali estavam era de voltarem às suas casas, mas

seriam deselegantes se recusassem ao lanche que os aguardava. Embora tentasse

se comunicar com todos a veterana estilista sentia indiferença em cada um, ser

admirada era algo que já não lhe pertencia.

— Parece que a justiça começa a ser feita — Jéssica cumprimentou sua

antiga patroa —. Terei a honra de assistir a queda do império?

— Ingrata — a mulher retrucou cerrando os dentes —. Depois de tudo o

que fiz por você...

— Você me deu as costas quando mais precisei e ainda prejudicou a minha

carreira... Acha mesmo que sentiria muito pelo que vem acontecendo? Vocês

jogaram o meu nome fora e agora vejo os seus serem lançados ao lamaçal!

— Concordo em cada palavra — Letícia se juntou à conversa —. Cada um

recebe aquilo que merece, o presente é reflexo do passado.

— Vai mesmo me provocar? Tem certeza do que está fazendo? — Verônica

possuía ameaças no olhar —. Sabe muito bem do que sou capaz, do segredo que

guardo.

— Aqui, com todas nós ao seu lado, ela não tem nada com o que se

preocupar — Renata surgiu por entre as mulheres, seu ar era autoritário —. Que

segredo seria esse, querida? Por acaso a imagem de mulher perfeita não passa de

uma miragem?

— O que faz aqui? Esqueceu que a odeio? Que não a suporto?

— O Jonas me convidou — a estilista menos experiente respondeu com a

provocação estampada no rosto —. Esqueceu que ele é o meu noivo? Que é

comigo que passará o resto dos dias? Que é a mim que ele ama?

Em um momento de descontrole a veterana estilista deu um tapa no rosto

de Renata, o que a fez cair. Ao ver sua rival ao pó da terra sentiu vontade de

continuar sua violência, fruto do seu rancor, mas ao notar todos os olhos atentos

sobre ela sua única saída foi correr, o escândalo já estava armado.

— Está tudo bem? — Jonas ajudou aquela que tanto amava a se levantar —.

Vou agora mesmo falar com ela!

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— Não! Fique — Renata o segurou pelo braço —. Defenda a sua empresa,

tente manter o que ainda resta.

— Essa já não é mais a minha empresa.

Desentendida a mulher fez sua pergunta com o olhar, o rapaz a

surpreendeu:

— Aquela proposta para trabalhar ao seu lado ainda está em pé?

O largo sorriso da estilista denunciava sua resposta, seu beijo repentino a

confirmou, aquele era um dos seus maiores desejos.

*

Voltando para casa Jonas encontrou a mãe na luxuosa sala da mansão, ela o

olhava com desconfianças.

— Como tudo terminou?

— Ainda pior para o seu lado.

— Para o nosso lado! Somos uma equipe, trabalhamos juntos e, além disso,

somos uma família, sofremos juntos também!

— Não, não mais — o rapaz disse firme —. Acabou tudo. A partir da

próxima semana faço parte da Button Modas e a partir de hoje moro em outro

lugar... Aquele tapa no amor da minha vida doeu em mim também, foi a pior

coisa que poderia ter feito em sua vida.

— Você não pode me abandonar — o desespero de Verônica em perder o

filho a fez cair de joelhos perante o rapaz e a fazer sua súplica entre lágrimas: —

Eu preciso da sua companhia, eu não quero distanciamento, eu necessito do seu

carinho...

— Não posso dar tudo isso a alguém que machuca quem eu amo.

Infelizmente a minha decisão já está tomada e não será tida como ingratidão, mas

como precaução...

Vendo o filho lhe das às costas a estilista, ainda que o amasse, sacou o

revólver e deu seu disparo certeiro. Vendo o rapaz sangrar em seus braços aquela

perturbada alma gargalhava e lançava suas palavras:

— Você é só meu! Meu e de mais ninguém!

Continua...

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Capítulo 25 – Ruína

“O maior erro de alguém é se acomodar onde está e deixar as coisas fluírem.

Até mesmo a melhor fortaleza, se não passar por manutenções ao longo do tempo,

pode desmoronar”.

Ciúme. Um sentimento traiçoeiro.

Tem quem acredite que o ciúme é apenas mais uma prova de amor, que

quando ele não existe é porque os outros sentimentos também não existem, mas

é de se questionar.

Às vezes o ciúme é bonito de se ver, aquela cara de bravinha que a menina

faz quando vê o seu garoto falando com outras meninas pode até ser mais uma

forma de conquista, mas e quando ele se torna uma prisão?

Não é apenas entre casais que existe tal sentimento, ele também pode fazer

parte do convívio entre pais e filhos, muitas vezes confundido com a “super

proteção”, é o desejo de ter aquela pessoa vivendo somente para você.

Verônica Morgan nunca foi mulher ciumenta, pelo menos não com o seu

marido, porém quando o assunto era Jonas a história mudava de curso. Ela sentia

possessão sobre o filho, desejava tê-lo ao seu lado para sempre, pensar em dividi-

lo com alguém era um pesadelo que a perturbava. Seu ciúme não era bonito de se

ver, era doentio.

Jonas não estava morto, o tiro lhe acertara o braço, porém a estilista

conhecia de perto os macetes dos muitos armamentos, usava o que sabia para as

suas noites criminosas, para comandar sua trupe de marginais; sendo assim,

infectou a munição com substância sonífera, capaz de derrubar automaticamente

qualquer homem.

Voltando do profundo sono o rapaz despertou vendo a prepotente mulher o

observar com um sorriso irônico. Forçando as mãos viu que estava algemado,

acorrentado na cama de seu quarto, vulnerável a qualquer mal.

— Bom dia, querido.

— O que está fazendo? Eu quero sair daqui! — Jonas tinha a voz sonolenta.

— Infelizmente não poderei atender ao seu pedido como sempre fiz, agora

preciso ser uma mãe enérgica, uma mãe que castiga.

— Por que isso? — sua cabeça latejava.

— Depois de tudo o que fiz por você ao longo desses anos a sua retribuição

e me dar às costas, correr para a concorrente e se juntar aqueles que querem o

meu fracasso. Está jogando no lixo anos de dedicação, de carinho e de amor...

Minha única escolha é o prender a mim, literalmente — sua risada era

debochada.

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— Você não passa de uma criminosa! — o rapaz se esforçava para se soltar,

mas em vão —. É assim que prova gostar de mim?

— Gosto tanto que o amarro, assim sempre estaremos juntos —Verônica

gargalhava enquanto abraçava o filho —. Além disso, você se tornou uma ameaça

na minha vida, sabe de coisas que não deveria saber...

— Não faço ideia do que está dizendo — tentou fingir.

Focando seu olhar em Jonas a estilista pegou na bala que estava pela metade

dentro do braço do mesmo, puxando-a com total força a sangue frio sentiu prazer

ao escutar o grito de dor do rapaz.

— Você faz... Quer saber? É uma pessoa de sorte. Além de ter uma mãe

super amiga ela ainda tem conhecimentos médicos — pegando uma agulha que

tinha linha transpassada por ela a mulher continuou sua maldade, possuía no

semblante certa satisfação: — Vai arder só um pouquinho...

— Pelo amor de Deus, não faça isso — Jonas derramava lágrimas de

angústia.

Dando ponto por ponto na ferida do rapaz Verônica falou:

— Devia ter pensado antes de decidir me desprezar, simplesmente me

abandonar... Agora sabe do que sou capaz, agora vai me respeitar! Para que fique

bem informado saiba que mantenho um homem trancafiado naquele porão —

dando tapas no peito descoberto do jovem a mulher se distanciou —. Tenha um

excelente dia. Se tentar chamar a atenção dos empregados eu juro que mato a sua

namoradinha de forma lenta e dolorosa...

*

Embora fosse o feriado de dois de novembro a Morgan Modas funcionaria

normalmente, a atual situação forçava seus diretores a tomarem rápidas

providências que mudassem as coisas.

Ao pisar em sua empresa Verônica notou preocupação no rosto de cada

funcionário, ao adentrar a diretoria teve certeza de que as coisas não estavam

bem.

— Foi longe demais ao partir para agressões — Egídio a recebeu.

— Do que está falando? Por que todos estão estranhos?

— Veja você mesmo e tire as suas conclusões.

Ao ter um jornal impresso em mãos a estilista se irou ao ler a manchete de

destaque: “De grande dama da sociedade a uma mulher desequilibrada. Agredindo

Renata Button, Verônica Morgan nos coloca em indagação – É a decadência da

estilista?”.

Sem controle algum sobre as suas emoções a tão admirada mulher rasgava o

jornal enquanto jogava as coisas ao chão, além de gritos histéricos que dava sem

nenhuma compostura.

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— Agora não é hora de enlouquecer — Egídio aumentou a voz pegando a

estilista pelos braços e encarando firmemente os seus olhos —. Sabe quantas

pessoas terão acesso a isso? Todas do mundo! Sabe o que significa agredir Renata

Button? Assinar a própria sentença! Sabe qual a pior consequência? Perder a

Morgan Modas por definitivo. Quem vai seguir a moda de uma mulher

barraqueira?

— Vocês precisam me ajudar — Verônica tinha o desespero no olhar —. O

que eu vou fazer?

— Agradeça aos céus por ainda estarmos aqui.

— Não mais — uma das diretoras tomou a frente de todos —. Acabamos de

descobrir que trabalhamos com uma desequilibrada, uma mulher que encara os

problemas tendo ataques, como se fosse uma criança mimada. Vamos nos

desligar da empresa.

— Não vão não! — a mulher tirou da bolsa o seu revólver —. Vocês vão

continuar aqui!

— Não dificulta a situação! — Egídio tomou a arma.

Antes que as coisas se agravassem os diretores deixaram a sala, estava, se

afastando de alguém que provou não ser normal.

— O que eu vou fazer? — a estilista se sentou desconsolada, sem solução —

. Qual a chave para tudo isso?

Com as mãos na cabeça por causa da preocupação que o afligia Egídio

respondeu:

— Seguir o pensamento daquele moleque, vamos precisar de novidades.

— Tarde demais... Ele não vai mais trabalhar conosco, irá se juntar á Button

Modas e combater contra nós.

— Era só o que faltava...

— Tudo culpa daquela desgraçada! — o ódio crescia no coração daquela

mulher; desejos fatais a dominavam, desejos mortais.

— Em partes a culpa também é sua... Todo o seu ciúme sufocou o rapaz que

está cansado de viver para você, além disso não fomos atenciosos quanto as suas

ideias.

— Você não foi! — ela era agressiva ao articular suas palavras —. Você

sempre se opôs! Você me fez acreditar que a fórmula era mágica e eterna... Se eu

perder a minha empresa será bom que seus olhos se abram, eu sou a pior pessoa

que esse mundo poderia ter!

[04 de novembro de 2016]

Renata não conseguia entender o repentino sumiço de seu noivo: ligações

não eram atendidas, mensagens não eram respondidas, notícias não eram dadas.

Tudo aquilo teve início após Jonas decidir que trabalharia com ela, apenas uma

explicação poderia ser dada: planos de Verônica Morgan.

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A moça evitava ao máximo ter algum tipo de contato com a rival já que as

tristes lembranças do passado afogavam sua alma em mares de dores, lembrar-se

da forma como seus pais morreram diante os seus olhos causava um nó na

garganta da mulher e todo o sentimento de vingança retomava as forças.

Mas seria necessário, talvez o amor de sua vida estivesse precisando da sua

ajuda, ela precisava de respostas. Ao adentrar a empresa concorrente Renata

estranhou o fraco movimento de funcionários, seu percurso pelo local fora feito

livremente sem qualquer interrupção, bastou apenas sua identificação na

portaria. Antes de entrar na sala da mulher que tanto odiava a estilista suspirou

fundo, focou suas forças em saber o que havia acontecido com quem tanto

amava.

— Onde está Jonas? O que fez com ele?

Surpresa ao notar quem estava perante a sua presença Verônica deu um

sorriso provocador e sua resposta:

— Ele é o meu filho, não seu...

— Meu noivo e futuro marido, não seu...

— Já não basta os seus constantes ataques para me derrubar agora vem me

importunar pessoalmente?

— Sei muito bem que tipo de mulher é você, conheço bem os sentimentos

perversos que reinam sobre a sua alma, tenho certeza de que esse sumiço do

Jonas a tem como razão.

— Como pode saber tanto, Renata Button? Como pode ter tanta audácia ao

declarar suas certezas? Será que já nos conhecemos? Não tenha medo em se

revelar, estou sempre aberta a novas descobertas — o modo como Verônica falava

e encarava sua inimiga deixava claro suas desconfianças, e também causava

arrepios em quem a ouvia.

Por um momento Renata pensou que fosse a hora de declarar quem

realmente era, mas muita coisa poderia ser arriscada.

— Apenas quero saber como está o Jonas...

Revirando os olhos a veterana estilista respondeu:

— Ele é um problema só meu.

— Se eu descobrir que a sua maldade o destruiu eu juro que me vingarei...

— pronta para ir embora Renata decidiu deixar um enigma: — A minha vingança

será por todas as coisas...

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Capítulo 26 – Resgate

“Ao resgatar alguém o ser humano prova mais uma virtude: o amor ao

próximo. Não existe resgate sem o que salvador arrisque sua própria vida”.

Uma das piores coisas que podem aterrorizar um ser humano é a prisão, a

falta da liberdade, a privação de poder ir e vir quando e aonde quiser. As

consequências não são apenas físicas, o emocional começa a ser abalado, a pessoa

pode entrar um desespero sem fim.

Há quatro dias preso naquele quarto sem sentir o calor do sol, a suavidade

do vento e o toque daquela que amava, Jonas passou a se angustiar, um pavor o

consumia. Muito se esforçou para conseguir fugir, mas suas mãos já marcadas

pelas algemas que o afligiam perdiam as forças, seu vigor já não era mais o

mesmo, sua saúde corria riscos.

Não havia outra saída para o rapaz a não ser gritar por socorro, implorar por

ajuda. Tal decisão poderia colocar Renata na mira das maldades de sua opressora,

mas jurando a si mesmo que defenderia a mulher de sua vida com unhas e dentes

colocou para fora todo aquele temor:

— SOCORRO! ALGUÉM?! EU PRECISO DE AJUDA!

Enquanto não o ouvissem ele não pararia.

A única empregada que estava trabalhando aquele dia na mansão se

assustou ao ouvir os gritos apavorantes, ela acreditava que não tinha mais

ninguém em casa. Na verdade Verônica inventou que o filho havia feito uma

viagem ao exterior e proibiu que entrassem em seu quarto, dizendo que o mesmo

queria encontrar tudo da forma como deixou.

Apreensiva a moça caminhou pela mansão seguindo a direção da voz

agonizada, a qual ela tinha certeza de quem poderiam ser. Ao se aproximar do

quarto de Jonas a mulher não teve mais dúvidas.

— O que está acontecendo? — a empregada se assustou quando encontrou

o rapaz naquelas condições deploráveis.

— Eu preciso da sua ajuda — o jovem pediu ofegante —. Tente me soltar

daqui o mais rápido.

Por mais que tentasse aquela mulher não tinha força o suficiente, todo seu

esforço era feito em vão já que apenas uma simples chave guardada pela

tenebrosa estilista seria a solução.

— Pegue o meu celular, vou pedir ajuda!

Renata havia acabado de sair da Morgan Modas quando recebeu uma

ligação, ver o nome do contato confortou o seu atribulado coração.

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— Jonas? Onde você está?

— Preciso da sua ajuda — ele nunca imaginou que um dia suplicaria tantas

vezes por ajuda —. Verônica me prendeu nessa casa, venha depressa!

A estilista pensou em ir sozinha, mas logo caiu sobre a sua mente o real

perigo da circunstância, ela não conseguiria enfrentar o inimigo sem auxílio.

— Precisamos ser rápidos – na dianteira dos portões da mansão a mulher

aconselhou os seus amigos —. Devemos ficar todos juntos o tempo todo, é com

Verônica Morgan que vamos brigar.

Logo, com a ajuda da empregada, todos os envolvidos no importante resgate

estavam dentro da casa, perante Jonas.

— Como ela foi capaz? — Renata abraçou o noivo, que ainda estava preso

—. Como ela pôde ser tão devassa?!

— Ela é cruel — o rapaz mal conseguia manter os olhos abertos —. Preciso

sair daqui, preciso que me ajude!

— Pode deixar comigo — Pedro tinha em mãos um alicate de dar inveja aos

ferramentistas, presente dos amigos de Ceará —. O pesadelo vai terminar.

Vendo suas mãos soltas e sua liberdade de volta, Jonas abriu um largo

sorriso e se entregou ao abraço da noiva.

— Pensei que nunca mais a veria...

— Nunca mais é algo pesado a se dizer... — a mulher acariciava o rosto do

rapaz como se fosse o que mais desejava —. De qualquer forma viria atrás de você

e o tiraria desse marasmo, não aguentava mais a sua ausência.

— Eu sei que estão há muito tempo se ver, mas precisamos continuar o

plano — Jéssica interrompeu o romantismo do casal —. Tem mais gente nesse

lugar preso nas garras daquela fútil!

Todos notaram a fraqueza que Jonas sentia, não era para menos, fora mal

alimentado. Certos de que Verônica ainda não chegaria pelos próximos minutos

decidiram deixar o rapaz na estilosa sala, fácil para que quando tudo estivesse

pronto pudessem fugir.

*

No horário do almoço Verônica aproveitou para dar uma saída da Morgan

Modas junto de Egídio. A perigosa dupla se dirigiu a um galpão abandonado,

escondido do enorme de centro de São Paulo. Naquele lugar aconteciam as

reuniões da facção chefiada pela mulher, seus integrantes organizavam o roteiro

dos próximos crimes que tinham como objetivo o dinheiro, usando como cenário

as agências bancárias.

Adentrando o local a estilista era recebida com gestos de educação por sua

soberania. Uma enorme mesa com lugares para quase vinte homens tinha uma

cadeira especial para o cabeça do grupo.

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— Eu quero saber quanto arrecadamos.

— Pelos assaltos dos últimos dias cinqüenta milhões, com as drogas cem

mil — um dos homens respondeu.

— Cem mil? Que miséria é essa? Esse é o valor que costumamos ganhar em

cidades menores, e quanto ao resto do país?

— Muitos não pagaram dessa vez, além disso perdemos alguns pontos de

encontro.

— Traficantes de merda! — a mulher socou a mesa, sua força era espantosa

—. Como querem sobreviver dessa maneira? Não pagaram, matem! Toquem o

terror! Mostrem que fazer parte do nosso bando não é como fazer pacto com

bandidos esfarrapados, com facções de fundo de quintal!

— Se os matarmos ficaremos sem dinheiro da mesma forma...

— Eu não ouvi isso — disparando contra aquele que a decepcionou

Verônica apavorou os demais com suas palavras: — É isso o que acontece com

quem não trabalha direito... Cobrem cada usuário imbecil, ameacem como

homens de verdade e não como um bando de maricas, eu quero mais que cem

mil, muito mais!

— Verônica, tenho uma notícia não muito boa — Egídio mudou o foco da

conversa encarando o notebook aberto perante os seus olhos, o computador

possuía um ardiloso programa, por ele a estilista tinha acesso a cada canto da

mansão.

— O que foi agora? — ela girou a cadeira, bufando.

— Invadiram a sua casa...

*

— A gente tentou mil vezes e até agora nada — Renata começou a se

estressar —. Faça um esforço, Letícia e se lembre!

— Eu não consigo... — a modelo fechou os olhos —. A lembrança vem,

mas... EAB5639!

A porta secreta do porão se abriu.

Adentrando o lugar escuro cada um pegou o próprio celular para clarear o

caminho e encontraram pelos diversos corredores centenas de caixotes, todos

guardavam drogas.

Apreensivos seguiam Letícia, que sabia exatamente onde Raul estava.

— Pai? — Pedro não conseguia acreditar que finalmente estava diante

daquele que lhe causou tanta saudade.

Ao escutar a voz diferente de quanto fora separado de seu filho Raul se

encheu de espanto e alegria, piscava inúmeras vezes para ter certeza de que era

um devaneio.

— Pedro? Sou eu mesmo!

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O garoto não mais se conteve e correu ao abraço. Ainda com o alicate em

mãos arrebentou todas as correntes e sentiu os braços daquele que tanto amava o

envolverem com vontade, com força, de todo o sofrimento a saudade fora a mais

dolorosa.

— Raul? — Renata se aproximou um tanto acanhada —. Lembra-se de

mim?

O velho homem observou com atenção a estilista e respondeu em tom de

pergunta:

— Minha pequena?

Os olhos da mulher libertaram as lágrimas de felicidade, e seu coração se

rendeu a um afetuoso abraço.

— É tudo culpa minha — disse no pé do ouvido daquele que a ajudara no

passado.

— Nem coloque essa bobagem na sua cabeça, a culpa é daquele coração

ambicioso que destrói a qualquer um querendo apenas se dar bem...

— Eu devia ter voltado antes, eu prometi que voltaria...

— E você voltou... No momento certo... Na hora que deveria acontecer.

— Essa mulher o machucou muito? O que ela fez com você? Eu juro que

não deixarei barato, eu juro!

— Em resumo foram os piores anos da minha vida, mas eu tive fé de que

tudo melhoraria!

— Gente, precisamos sair daqui o quanto antes — Letícia os apressou —.

Por essa hora Verônica nunca esteve em casa, mas nunca sabemos o que pode

acontecer.

Entusiasmados por tudo estar correndo bem e apressados por recuperarem

o tempo perdido com aqueles que amavam, todos foram ágeis em sair dali,

precisavam correr contra o relógio.

Ao pisarem na sala a visão não foi das mais agradáveis.

Verônica mantinha Jonas sobre a mira da arma.

— Olá, Renata Button, ou deveria dizer... — sorriu maliciosa —, Renata

Morgan?! Veio aceitar as contas? Cobre com juros, querida...

Continua...

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Capítulo 27 – Mira Certeira

“Esportes que dependem de uma boa mira não são feitos a base de sorte, mas

de talento”.

Nojo. Ódio. Rancor. Raiva. Desejo por vingança. Desejo por justiça.

Lembranças sombrias de um passado cruel. Renata se viu afligida por cada uma

dessa munições que apenas o olhar de Verônica lhe lançava, um olhar de

desprezo, de frieza, de maldade, o mesmo olhar que um dia causou a maior

infelicidade na moça agora lhe encarava profundamente, deixando claro que toda

a verdade já estava descoberta.

— Sou eu mesmo — a dona da Button Modas estufou o peito enfrentando o

desafio —. Depois de tantos anos finalmente a justiça será feita!

— Eu não teria tanta certeza — a cruel mulher lançou seu olhar sobre o

rapaz que mantinha em seu domínio —. Pobre Raul... Sempre tiram dele o que

tem de mais valioso: os filhos... — riu descrente —. Com se sente em saber que

Jonas vive? Não pode dizer que sou completamente má, estou lhe dando a

oportunidade de conhecer o próprio filho, o qual sempre pensou estar morto.

O deboche usada pela veterana estilista causou uma enorme raiva naquele

homem, sua vontade era passar por cima de sua próprios conceitos e aniquilar a

vida daquela que tanto o machucou, mas aquele que foi tirado dele nos primeiros

momentos de vida poderia pagar caro.

— Como consegue ser tão desprezível?

— Sou Verônica Morgan, a exclusiva!

— Sabemos muito bem que essa exclusividade não lhe pertence — ele

estreitou os olhos.

— Por enquanto — o aspecto misterioso no rosto da mulher tornou aquele

diálogo uma incógnita: do que estavam falando? — Meu querido Raul, você jogou

fora a melhor oportunidade de sua vida, poderíamos ter vivido uma bela história

juntos, poderíamos ter um reinado só nosso, mas a sua tolice o cegou. Sua troca,

nada equivalente, causou a dor no meu peito... Você foi a única pessoa que amei

de verdade, pela qual eu me importava realmente, eu imaginei uma vida ao seu

lado — enxugando o rosto molhado pelas lágrimas que possuíam um misto de

melancolia e raiva, a mulher prosseguiu: — Sua traição me colocou em

questionamento: o que eu não tinha? Talvez fosse o poder soberano, mas percebi

um desprezo da pessoa que eu mais amava... Comecei uma busca incansável pela

totalidade, a qual você sabe o que significa. Se existe um culpado por cada

atrocidade que cometi ele é você!

— Não respondo por suas ações! Aquele relacionamento estava baseado em

mentiras, em coisas instáveis, fadado ao fracasso; eu nunca te amei e jamais a

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enganaria... Todo aquele seu ciúme e toda a possessão que você manteve sobre

mim mesmo depois do término daquele infantil romance causou a minha repulsa,

ficar ao seu lado era insuportável!

— Insuportável é não ter o que se quer! — sua voz era estridente —. Ao

menos consegui fazê-lo sofrer, a mulher que o amava pagou pelo seu erro, e a

criança que de nada sabia foi tirada dos seus braços. Apenas lhe restou a dor, a

dor de não ter o que se quer!

— Então tudo o que fez foi por vingança — Jonas esforçou a voz, sua

canseira o tomava cada vez mais —. Nunca gostou de mim como sempre disse.

— Isso não é verdade, eu o amei. Você era um pedaço do homem que tanto

desejei, olhar para o seu rosto me levava para mais perto dele, ouvir sua voz fazia

com que a ausência fosse compensada — suas palavras eram ditas com um

semblante verdadeiro —. Cuidei da sua vida como se estivesse cuidando dele,

tudo o que fiz por você foi pensando na pessoa mais importante da minha vida!

Tudo aquilo explicava as atitudes de tão odiada mulher, esclarecia o porquê

de seu duro coração, mas não justificava nada do que houvesse acontecido já que

as escolhas poderiam ter sido diferentes.

— Tudo isso coloca em prova o seu egoísmo — Renata declarou —. Faz

ideia do que eu sofri?

— Com você eu converso depois, mas agora o seu noivinho precisa saber

que foi enganado, precisa saber que está sendo o último a descobrir toda a

verdade.

— Ele não tem que saber dessa maneira — a estilista suplicou, os próximos

momentos poderiam ser decisivos em seu relacionamento.

— Jonas, eu avisei que era somente em mim que poderia confiar — o olhar

da ruiva era de satisfação pelo sofrimento que causaria —. A sua amadinha não é

essa garotinha meiga, é uma mentirosa! Vocês são quase primos, seu verdadeiro

sobrenome é Morgan, por pura rebeldia foi parar sabe-se lá onde e apenas voltou

a fim de me destruir. Como pode ver nenhum dos seus amiguinhos está surpreso

com toda a novidade, isso quer dizer que já sabiam. Concluindo: ela não confia

em você, logo não o ama de verdade — a astúcia parecia não conhecer limites.

— Quem é você para falar o que sinto ou o que deixo de sentir? — Renata se

descontrolou com tanta fúria e partiu para a briga contra sua pior inimiga.

Defendendo-se dos tapas, Verônica jogou Jonas contra o chão e como sua

presa agora tinha a sobrinha.

— Paradinha ou estouro a sua cabeça!

Toda aquela cena causou o pavor nos que a assistiram, o medo os tomava

cada coração, todo o que acontecesse seria precedido por muito suspense.

— Eu vou levar essa otária comigo — puxou a estilista para mais perto de si

—. Se eu notar alguém me seguindo jogo a cabeça dessa medíocre pela janela do

carro!

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Ainda consciente Jonas implorou ao ver sua amada sendo levada:

— Não a deixem ir, salvem-na!

— Como pode ser tão idiota? — a ardilosa mulher interrompeu os passos e,

sem piedade alguma, disparou contra o jovem consultor, acertando-o no peito —.

Será um favor que lhe faço quase morra! Agora que viram do que sou capaz e têm

com o que se preocuparem não me importunem!

*

A casa abandonada no meio do mato sempre usada por Verônica lhe seria

útil mais aquela vez. Jogando Renata para dentro daquele lugar a estilista a

amarrou em uma cadeira, era apenas o início de toda a tortura.

— Como consegue ser tão ruim? — Renata derramava intensas lágrimas de

desconsolo, não podia acreditar na ruindade daquela alma —. Não se cansa de

carregar um espírito tão sombrio?

— Sentimentos não passam de ilusões criadas por corações carentes.

— Por que tudo isso? Por que matou os meus pais naquele dia? Por que

quer me destruir?

— Você também quer me destruir — a mulher arqueou as sobrancelhas.

— Na verdade não... Ao conhecer Jonas todos os meus planos mudaram, eu

não poderia machucar alguém que ele tanto amava, minha vingança foi lutar

contra você usando a concorrência, eu não tiraria a sua vida como o seu coração

deseja contra mim.

Aplaudindo, Verônica gargalhou:

— Belo discurso, comoveria muitos idiotas. Se saísse daqui viva a

aconselharia que escrevesse romances, mas apenas será mais um talento

desperdiçado... Respondendo à sua pergunta os seus pais sempre foram um

empecilho para os meus objetivos — iniciou a explicação —. Primeiro que eu

queria a Morgan Modas apenas para mim, queria todo o reconhecimento dado

apenas sobre o meu nome e, segundo, apenas o seu pai possuía algo que

supostamente estava com ele e eu muito cobiçava, infelizmente, se não fosse pela

empresa, o teria matado em vão como fiz com muita gente... — a frieza usada

para as declarações eram espantosas.

Tal declaração causou arrepios em Renata, que não fazia ideia de tamanha

ruindade que reinava na mente daquela fatal mulher.

— Quer dizer que outras pessoas pagaram pela sua maldade? Por que tudo

isso? Eu não consigo entender — muitas eram dúvidas e poucas as repostas.

— Eu busco até hoje pela totalidade e finalmente sei onde a encontrar.

— Que totalidade?

— O poder supremo.

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Nada fazia sentido, Renata se sentia cada vez mais confusa, seria melhor

acabar com aquela conversa que não chegava a lugar algum.

— Está enlouquecida.

— Está enganada... Pobre Renata, injustiçada pela vida, morrerá sem saber

do que é realmente capaz. Será melhor assim, acredite em mim, sua decepção

poderia muito maior que a dor da morte.

Pegando uma reluzente espada Verônica demonstrou satisfação ao notar

seu reflexo no objeto de guerra, a forma como encarava o artefato denunciava

suas banais intenções, eram as mesas dos homens de tempos medievais.

— Já ouviu falar que vampiros só morrem se tiverem suas cabeças cortadas?

— O que quer dizer? — em meio às lágrimas que caíam de forma ainda

mais intensa a moça indagou encarando o fatal instrumento de lutas sangrentas

com todo o pavor.

— Não... Não estou dizendo que seja uma vampira, na verdade é bem

melhor que isso — riu divertida —, mas pessoas como eu, como o seu pai e até

mesmo como você não morrem tão facilmente, um simples tiro não nos coloca na

cama, apenas ferimentos cruéis conseguem nos deter — levantando a espada a

mulher terminou sua fala: — Que a totalidade seja apenas minha!

Ainda com as mãos ao alto a estilista sombria sentiu algo perfurá-las,

atravessando-as, o material funesto colocou a perturbada alma desacordada sobre

o chão.

— Parece que me aventurar como arqueira serviu de alguma coisa — Jéssica

invadiu a tenebrosa casa, cheia de triunfo.

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Capítulo 28 – Por Amor

“Por amar muito se faz, muito de sonha, muito se suporta. Por amar também

muito se esconde”.

[07 de novembro de 2016]

Verônica Morgan já não era mais a admirada empresária brasileira, dona da

marca mais famosa do país, agora sua realidade era resumida às grades de uma

prisão, a questão era: quanto tempo duraria aquilo?

Logo que se livrou das garras da pessoa que lhe causava nojo Renata a

denunciou para a polícia, relatou toda a sombria história, revelou o cativeiro que

ela escondia no porão e as tantas drogas que guardava. Assim que saísse do

hospital, o que não demorou muito para o espanto dos médicos, a estilista seria

levada para a cadeia, o que ela julgava como ridículo, e de fato era, prisões

comuns não conteriam a sua fúria quando ela despertasse.

Sendo empurrada pelos policiais para dentro da penitenciária a ardilosa

mulher sorriu, não era um sorriso comum, era um sorriso provocador, ao mesmo

tempo em que misterioso, seus planos eram os mais perversos possíveis.

A que se considerava uma importante mulher foi jogada em sua cela como

se fosse um alguém insignificante, era tratada da mesma forma como as outras

presas. De joelhos sobre o chão e mãos ao pó da terra Verônica libertou um grito

que a tanto desejava dar, o som apavorou todos que a ouviam.

— Aqui não é lugar para madames darem chiliques — uma de suas colegas

de cela a levantou do chão com grosseria —. Não somos obrigadas a agüentar

gritaria.

— Eu faço o que quiser!

Dando um tapa no rosto da estilista a presa esbravejou:

— Quem manda aqui sou eu!

Voltando sua atenção vagarosamente para a sua opressora Verônica revelou

seus olhos vermelhos como sangue e reluzentes como o ouro, com apenas uma

mão ergueu a rival pelo pescoço e com voz desconfigurada afirmou:

— A cada dia me sinto mais forte e quando realmente minhas forças forem

libertadas eu juro que a farei desejar pela morte!

*

Jonas, após ser atingido no peito pelo disparo de Verônica, havia sido levado

rapidamente ao hospital. O rapaz era forte, sua alimentação saudável e a vida

equilibrada entre o trabalho e os momentos de exercício físico facilitaram a

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recuperação, logo pela manhã daquela segunda-feira já estava sendo levado de

volta para casa.

Descobrir toda a verdade que dele era escondida e ser envenenado pela

senhora Morgan encheu o jovem consultor de dúvidas, dentre elas até onde iria a

sinceridade dos sentimentos de Renata por si. Tal questionamento o levou a

decidir que não queria a aproximação da moça, pelo menos não por alguns dias.

Deitado em sua cama a fim de se recuperar totalmente pelos

acontecimentos dos últimos tempos, o rapaz recebeu a companhia de Raul, que

queria ter a oportunidade de conquistar o filho.

— Podemos conversar?

— Claro — Jonas se sentou abrindo um sorriso.

— Antes de tudo eu quero que saiba que se eu soubesse de metade da

verdade eu lutaria por você até o fim, mas nem ao menos isso aconteceu.

— Não quero que se culpe por nada, tudo o que aconteceu foi uma enorme

fatalidade... Verônica sempre foi bastante convincente em seus planos, eu sei que

ela o enganou.

— Assim fico mais aliviado — o homem suspirou contente —. O que me

entristece é saber que não pude acompanhar o crescimento de nenhum dos meus

filhos, a mesma mulher me privou de ambos.

— Meu irmão é o Pedro, certo?

— Sim...

— Pelos poucos minutos que nos vimos no hospital vejo que se tornou um

grande homem, motivo de orgulho para você.

— Se está dizendo isso fico mais confortado, ele sentiu muito a minha

falta... Mas e você, como tem passado esses anos todos?

Por alguns segundos o rapaz abaixou a cabeça e se manteve em silêncio,

como se estivesse se lembrando do passado. Embora não deixasse que isso fosse

posto para fora o jovem consultor sempre sentiu a falta de ter alguém a quem

chamar de “pai”.

— Verônica, embora tenha construído sua vida a base do sofrimento alheio,

sempre gostou verdadeiramente de mim, mesmo sabendo que suas ações tenham

sido para compensar a falta de alguém em sua vida não posso dizer que não fui

feliz ao seu lado porque fui, recebi seu amor sincero e toda a sua proteção

materna — conforme o desabafo era feito as lágrimas começavam a brotar dos

olhos de Jonas pingando sobre sua camiseta —. Mas na época da escola via meus

amigos contarem sobre um passeio que haviam feito com o pai, sobre um

presente que haviam ganhado, sobre alguma coisa que viveram juntos... Em todos

esses momentos eu me perguntava onde está meu pai? A professora perguntava

quem era nosso super herói predileto e a maioria dos meninos respondiam com o

brilho nos olhos: “Meu pai!”... Sempre pensei que era mesmo adotado então

acreditava que o meu pai era diferente, que ele não se importou comigo... Se

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alguém me perguntasse se meu pai também era meu herói a resposta sempre era:

“Meu pai é o vilão”.

Pai e filho derramavam lágrimas, os corações quebrantados pela crueldade

de alguém egoísta se desfaleciam em sentimentos de pura tristeza.

— Nunca tive um pai presente nos momentos confusos da adolescência,

quando o turbilhão de sentimentos dentro do meu peito me assustava e meu

maior desejo era desaparecer desse mundo... Nas horas mais importantes da

minha vida, embora Verônica sempre estivesse lá, eu sentia a falta de ter um pai

que me dissesse: “Esse é o meu garotão, meu orgulho!”... Mas hoje, pelo simples

fato dele estar ouvindo todo o meu lamento sei que se pudesse estaria sempre ao

meu lado, para o que eu precisasse.

Raul sempre fora um homem durão, não gostava de demonstrar

sentimentos, embora os tivesse, muito menos chorar, já que em sua concepção

era demonstração de fraqueza. Porém todas aquelas palavras de dor ditas por

alguém que era sangue do seu sangue, carne da sua carne, feriram

profundamente o seu peito, as lágrimas eram cada vez mais intensas.

Impulsionado pelas tantas emoções que o dominava Raul envolveu Jonas em um

abraço apertado, o abraço mais aguardado por toda a vida do rapaz, o abraço

paterno.

*

Afastar-se de alguém que tanto se ama é uma das piores decisões que se

pode tomar e cumprir, porque quando se ama o que mais se deseja é estar junto,

é estar unido.

Embora sofresse com o que Jonas havia decidido Renata respeitava a

decisão, pelo menos enquanto o rapaz esteve internado, porém no entardecer

daquela segunda-feira, a estilista não mais conteve o seu angustiado coração.

Adentrando a enorme mansão com a autorização dos seguranças a mulher

encontrou o dono do seu amor sentado no sofá da sala. Sedenta em ouvir a voz

daquele que tanto amava ela se apresentou:

— No hospital você pôde me evitar, mas aqui não — aquela cena já havia

sido vivida.

— Renata — o rapaz se surpreendeu —. Não acho que seja uma boa ideia

conversarmos, você não confia em mim.

— Pode ser um pouco compreensivo? Pode tentar entender o meu lado?

— Não há o que entender... Você provou não confiar em mim, contou sua

história a todos que estavam em sua vida, mas a mim, a quem diz tanto amar,

escondeu toda a verdade. Talvez eu precise de um tempo para decidir o que vou

fazer nos próximos dias, como sempre digo casamento é algo muito sério.

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— Foi por lhe amar que não contei nada — Renata possuía um olhar sincero

—. Eu não queria me apaixonar, mas aconteceu, e quando amo alguém sou

incapaz de lhe o machucar. Contar toda a verdade seria como lhe agredir. Sempre

notei a forma como falava de Verônica, possuía amor no olhar, não poderia

simplesmente mudar o seu modo de ver aquela que, ao seu conhecimento,

transformou a sua vida. O poupei de confusões maiores, de dúvidas cruéis, por te

amar!

— Sempre confiei em você e esperava apenas o mínimo: a reciprocidade —

estava irredutível.

— Jonas, eu o amo de verdade, mas fica ao seu critério decidir se me perdoa

ou não. Quero que me dê o seu veredicto: manterá a mim em sua vida?

Antes que o rapaz respondesse o celular da estilista tocou, era uma chamada

internacional.

— Dona Renata, pode vir aos Estados Unidos?

— Qual o grau de urgência?

— Seu pai veio a óbito e sua mãe pode não agüentar muito tempo.

O choque da notícia destruiu Renata por dentro, sua espontânea reação foi

libertar as amargas lágrimas.

— O que houve? — Jonas se preocupou, afinal a amava de qualquer forma.

— Eu preciso ir... Minha mãe está morrendo.

Com a ajuda de Jéssica a estilista arrumava apressadamente suas malas, o

vôo de urgência já estava preparado e aconteceria em poucos minutos.

O tocar da campainha interrompeu os afobados passos de Renata pelo

apartamento, logo a porta se abriu.

— Também te amo e quero estar sempre ao seu lado — ao lado de Jonas

uma mala, estava disposto a viajar com a mulher de sua vida.

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Capítulo 29 – Enigmas

“Enigmas são peças de um quebra-cabeça, quando organizados podem revelar

segredos ocultos, segredos sombrios”.

<<Estados Unidos>>

A lua se destacava no céu estrelado de Nova Iorque. A sensação fria do

outono tocava os corpos. Aquela noite iluminada na cidade tão famosa não tinha

a formosura que Remata conhecia, era tensa, pacata, sombria.

Ao adentrar o moderno hospital a estilista encontrou aquele que a acolheu

como um pai já sem vida, coberto pelo pano transparente, aguardando que

viessem buscar o seu corpo. Derramando o choro de dor Renata fez um breve

agradecimento aquele que a ajudou a ser quem era.

Entrando na UTI se deparou com sua mãe cercada por aparelhos, estava

viva graças a eles. Embora a morte seja a única certeza que temos nessa

passageira vida nunca estamos preparados para passarmos por ela, somos criados

para os ganhos, não para as perdas. Aquela bondosa alma ocupava um lugar

especial no coração de Renata, embora não fosse de sangue era sua mãe e ser mãe

é mais do que um grau de parentesco, é amor, é carinho, é dedicação e atenção,

tudo isso a bem sucedida estilista encontrara em Mary.

— Mãe — a mulher acariciou o rosto daquela senhora com um suave toque

enquanto as pesadas lágrimas caíam sobre o chão —. Sei que já trabalhou muito

nessa vida, sei que merece um descanso, mas não precisa me deixar para tal...

Agora posso voltar pra casa e cuidar da sua saúde, passar todo o tempo ao seu

lado.

Os olhos da senhora se abriram vagarosamente ao ouvir a voz da filha, eles

possuíam um brilho incomum, algo nunca visto antes. Sorrindo, ela pegou na

mãe de Renata e começou a falar o que precisava, a revelar o segredo:

— Minha filha, como sempre se fazendo presente em todos os momentos...

É chegada a minha hora, já vivi por muito tempo, alguém precisa continuar por

mim...

— Posso continuar com você... As coisas na empresa estão cada vez

melhores.

— A empresa é apenas parte da sua vida normal, a vida que todos conhecem

a vida que é permitida a todos enxergarem... Existe outra vida, é essa que precisa

de continuidade, é essa que de fato começara para você.

— O que quer dizer? — o olhar confuso de Renata denunciava as muitas

dúvidas que invadiam a sua mente. Muitos enigmas foram feitos nesses últimos

tempos, o quebra-cabeça estava prestes a se montar.

— Acredita no acaso?

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SOMBRAS DO PASSADO

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— Não. Tudo tem um porquê. Tudo pode ser explicado. Se não tiver

explicação deve ser vivido, porque algum sentido terá — repetiu o pensamento

do noivo.

— Sábias e curtas palavras! Quero que ao voltar para o Brasil leve Jéssica e

Letícia junto a você até Raul, ele deverá esclarecer todo o mistério.

— Como sabe delas?

— Não importa. Sinto que não tenho tempo para delongas — a senhora

precisou se esforçar a fim de recuperar o fôlego —. Faça o que falei antes da lua

cheia, é o tempo exato... Não a encontrei naquela praia há vinte anos por acaso,

precisava escondê-la das mãos de Verônica, aquela mulher é sedenta por algo que

apenas você pode lhe dar, a totalidade!

— Que totalidade é essa? O que isso significa?

Por alguns segundos Mary se manteve inativa, para apreensão de Renata,

mas logo os sentidos retornaram, porém o fim se aproximava.

— Você não é como pensa que é, não somos o que pensam que somos,

somos o inexplicável... Lute para que não roubem de você o que está aí dentro, é

poderoso, é destruidor.

O rosto daquela senhora aos poucos ganhava um brilho, o que era

impossível aos olhos humanos estava acontecendo. Dando o característico sorriso

simpático Mary ergueu uma das mãos, repousou-a sobre o rosto da filha e disse as

que seriam suas últimas palavras:

— Eu te amo!

Um vento misterioso tomou conta do lugar, um vento que apenas Renata

sentiu. Aquela mulher deitou a cabeça de lado, agora descansava para todo o

sempre. Com o coração ferido a estilista derramava lágrimas enquanto seu corpo

fora tomado por um arrepio nunca sentido antes. Sua vida de fato começaria.

<<Brasil>>

Sentada no canto da cela Verônica observava pela estreita janela gradeada o

luar, a lua que inspira poetas em suas poesias , a lua que inspira os apaixonados; a

lua que inspira as misteriosas lendas, sempre cercadas por algum toque de

verdade.

Nos pensamentos daquela mulher o foco era fugir dali, alcançar a liberdade,

mas para isso o que havia sido tirado dela precisava ser reconquistado, o que

apenas aconteceria com a morte de alguém.

De cabeça baixa, quando nenhuma nuvem escondia a lua, Verônica sentiu

coração acelerar, seu corpo arrepiar e o sangue ferver. As mulheres que com ela

dividiam o espaço se preocuparam, mas a preocupação se transformou em pavor

quando a estilista ergueu a cabeça mostrando os caninos afiados e os olhos

vermelhos como brasa.

— Léia Morgan está morta!

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SOMBRAS DO PASSADO

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*

[06 de novembro de 2016]

Enquanto uns passam por momentos apertados outros vivem momentos

especiais, essa é a vida em uma de suas definições.

Desde que conhecera Pedro, Letícia não o tirava da cabeça, o garoto

rondava seus pensamentos a cada instante, aquilo só podia ser paixão.

Percebendo que o jovem era mais tímido, a modelo deu o passo inicial e o

convidou para um passeio pelo tão freqüentado parque pelos casais apaixonados

da grande São Paulo.

Pedro também havia percebido algo diferente pela colega de trabalho, algo

sentido apenas na época do primário por uma menina especial, com a qual nunca

teve contato. Decidido a dessa vez fazer diferente, passar por cima da timidez e

assim conquistar alguém que ficasse para sempre em sua vida, o garoto aceitou de

prontidão ao convite, mesmo sabendo das dificuldades que enfrentaria.

— Fico contente por estar aqui, não é todo mundo que aceita sair comigo,

costumo falar um pouco demais — a garota disse em tom humorado, queria

quebrar o insistente gelo.

— Eu seria infantil ao recusar o convite de uma menina tão linda — para

um tímido Pedro estava se saindo bem, ele mesmo confessou isso.

— Linda? — a modelo gostou do elogio —. Acha mesmo?

O garoto não sabia ao certo o que respondeu, mas arriscou uma cantada:

— A mais linda que já conheci.

Corada, Letícia retribuiu:

— Viver na praia durante toda a vida fez bem para você, é o moreno mais

atraente que eu poderia ter visto — temendo que a conversa estivesse

“avançando” demais a moça mudou o assunto: — Como convenceu sua mãe a vir

para cá? Se ela for como a Verônica prevejo uma história dramática...

Abaixando os olhos por algum tempo o rapaz respondeu:

— Não tenho mãe... Ela se foi ao me dar a luz.

Sentindo-se mal pela delicada pergunta a modelo contornou a situação:

— Desculpa, não era minha intenção entristecê-lo.

Com um semblante de satisfação Pedro respondeu:

— Se existe uma heroína ela é a minha mãe... Morreu para me dar a vida,

tenho certeza deque guardo um pouquinho dela dentro de mim e isso me

conforta... Sei que onde quer que se encontre sua torcida é por mim.

— Muito bonito o que disse, é reconfortante.

— E os seus pais? Como são?

— Morreram da pior forma possível — aquilo também a afligia, mas lidava

melhor com a situação.

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— Desabafei com você, se sentir segurança pode falar comigo.

— Pessoas estavam sendo encontradas mortas misteriosamente por aqui,

ora tiro, ora enforcamento, ora mordidas e arranhões como de animais. Isso

acontecia durante as madrugadas. Iam dormir alegres com suas famílias e não

acordavam mais. Uma bela madrugada acordei com gritos desesperados — uma

lágrima caiu dos olhos da garota, a única —. Meu pais foram estrangulados.

A sombria e misteriosa história causou arrepios em Pedro, que não sabia o

que dizer perante tamanha barbaridade.

— Eu sei, é tenso — ela abriu um sorriso —, mas no final tudo deu certo, fui

criada por meus avós e hoje estou encarando os olhos mais perfeitos que poderia

ver.

Sorrindo timidamente Pedro abaixou a cabeça, mas logo foi surpreendido

por uma pergunta:

— Quer namorar comigo?

— E-eu... Sim...

Por alguns instantes Letícia encarou o rapaz, esperava por algo, sentindo-se

incomodado ele indagou:

— Precisa de alguma coisa?

— Disso — revirando os olhos a garota deu o primeiro beijo que o rapaz

recebera, o beijo que lhe revelou o que era amar.

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Capítulo 30 – Transformação

“A transformação nem sempre é algo novo, às vezes é a revelação daquilo que

estava oculto”.

[07 de novembro de 2016]

Logo que sepultou seus pais adotivos Renata voltou ao Brasil com as muitas

dúvidas que rondavam sua mente, com os muitos enigmas lançados nos últimos

tempos, com o poderoso mistério que tomava forma com os recentes

acontecimentos. A explicação para tudo o que tinha acontecido seria dada por

apenas uma pessoa: Raul.

— Quer dizer que Mary Button mandou que viesse me procurar junto

dessas garotas para que eu revelasse toda a história? — o homem que antes

possuía uma mal cuidada barba agora tinha o rosto limpo, o semblante cansado

pelos anos de prisão agora transmitia contentamento.

— Exatamente isso — Renata respondeu simplesmente.

— Confesso que estou curiosa por saber como essa mulher me conhecia —

Jéssica disse.

— Você ainda tinha reconhecimento internacional, já eu não passei de top

model de Verônica — Letícia também estranhava tudo aquilo.

— É muito simples — Raul proferia as palavras com certo ar de mistério —.

Inacreditável também...

— Então o que é? — o maior desejo de Renata naquele momento era

descobrir a verdade, apenas a verdade.

Antes de abrir a boca Raul abaixou a cabeça como se estivesse pensando,

retornou à posição anterior e com o brilho no olhar por finalmente poder revelar

o segredo de anos começou a dizer:

— Renata, sua família não é comum, não é como as muitas desse mundo,

ela é especial, exclusiva, vem do sobrenatural. Mary Button não é uma simples

senhora de oitenta anos, ela passou dos cem há muito tempo, beirava os duzentos

com certeza, ela é a mais antiga ancestral dos Morgan, seu nome é Léia Morgan!

Achando que aquilo fosse uma piada a estilista deixou que uma gargalhada

desacreditada escapasse, enquanto suas modelos se mantinham sérias tentando

entender aquilo.

— Não... Não vai querer que eu acredite em uma coisa dessa... Uma pessoa

mal sobreviver aos setenta anos, como pode alcançar os duzentos?

— Uma pessoa comum não sobrevive muito tempo, eu concordo com você,

mas alguns seres sobrenaturais quando não vivem por um tempo enorme são

eternais... — o sorriso daquele homem ainda era de satisfação —. Sua família não

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é de simples humanos mortais, finalmente chegou o momento de você saber que

sua existência não é ao acaso, é de importância extrema.

Começando a aceitar o que ouvia Renata questionou:

— Então o que somos? — ainda assim existiam dúvidas.

— Lobisomens, os únicos sobreviventes.

Tal revelação deixou a todos que a ouviram perplexos, não podiam acreditar

que o que não passava de lendas para enganar e divertir pessoas fosse realidade.

— Já somos bem grandinhas para acreditarmos em contos de fadas, não

acha? — Letícia indagou.

— Teríamos muita sorte se fosse um conto de fadas, talvez os seus pais não

tivessem sido mortos naquele noite — Raul possuía um semblante de vitorioso —

. Como sei disso? Porque sei quem os matou. Léia Morgan, a que vocês

conheceram por Mary Button, revelou-me cada ponto da história, ela guiou o

destino de cada uma de vocês para que hoje estivessem aqui descobrindo a

verdade e juntando forças para combaterem a culpada pelos sofrimentos que as

afligem. Verônica Morgan também matou os seus pais!

Com lágrimas que tentavam saltar dos olhos Letícia abria e fechava a boca,

como se procurasse pelas palavras, mas não as encontrava.

— Quer me dizer que durante esses últimos anos convivi com a assassina

dos meus pais? — a modelo não conseguia acreditar, não podia acreditar.

— Sim — Raul respondeu tranquilo.

— Qual foi o motivo desse absurdo? — Renata quis entender os fatos.

— Vamos ao início... — o homem suspirou —. Cada membro legítimo da

família Morgan, o que não engloba aqueles que se casaram com alguém da

família, são seres sobrenaturais, são lobisomens alfas, os mais poderosos, os que

podem formar uma alcatéia que os sigam e combater contra o inimigo. Os anos

se passaram, os Morgan ficaram cada vez mais fortes ao ponto de extinguirem as

outras linhagens, consideradas ameaças a paz do mundo dos homens. Eis que

Verônica Morgan nasceu e como todo família tem sua ovelha-negra ela resolveu

garantir o tal papel, mas não de começo, ele se manifestou após o nascimento da

que ocuparia o lugar de Alfa dos Alfas: Renata Morgan... Dentro de Verônica

nasceu o desejo por possuir essa totalidade, liderar os mais poderosos se tornou

um objetivo em sua vida, porém a única maneira seria com o juízo de Léia, que

era a principal Alfa dos Morgan... Léia poderia mudar o destino passando os seus

poderes a quem quisesse, mas ela nunca passaria por cima do que o futuro

ordenou, ainda mais estando um mal coração envolvido... Verônica queria mais

que dominar a própria família, com seus poderes dominaria o mundo, mesmo

que a força!

— O que meus pais tem haver com isso? — Letícia era dominada por uma

raiva descomunal —. Eles não faziam parte dessa família, nunca se envolveram,

por que essa injustiça?!

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— Todos começaram a rejeitar aquela mulher por seu coração ser dominado

por trevas — Raul prosseguiu —, então ela decidiu usar o ponto fraco de cada

Morgan: o sofrimento dos inocentes. Mortes em massa eram feitas, mordidas

eram distribuídas a fim de que se formasse uma alcatéia que a servisse, sangue

fora derramado. Os Morgan enfrentavam uma batalha nunca vista antes...

Segundo Léia, o que despertou a sua ira foi o momento em que Verônica Morgan

matou os pais de Letícia de maneira cruel, sua decisão foi morder aquela garota

indefesa, mas o motivo nunca foi revelado.

— Quer dizer que eu também sou um...

— Lobisomem — o homem afirmou com a cabeça enquanto falava —. A

morte dos seus pais foi muito para a Alfa dos Alfas que lutou contra cada

mordido, os aniquilando, em seguida tomou a decisão mais difícil de toda a sua

vida: bloquear os poderes de todos aqueles que os tinham, inclusive os seus, eles

retornariam apenas depois de sua morte, na primeira lua cheia.

— Então na próxima lua cheia nós... — Renata começou o seu raciocínio,

mas foi interrompida.

— Serão transformadas, os poderes retornarão e uma guerra entre os de

coração puro e os de coração sombrio terá o seu início. Tenho certeza de que

Verônica Morgan está ainda mais sedenta por conquistar a totalidade.

— E onde eu entro nisso tudo? — Jéssica se sentia confusa, tentou

compreender cada palavra em seu silêncio, mas em vão.

— Léia não me revelou, talvez descubramos juntos o porquê, mas você

também será transformada.

— Como faremos para que ninguém se machuque? — Renata indagou —.

Sabemos que esses seres são possuídos por uma raiva destruidora, descontrolada.

— Quanto a isso não precisam se preocupar, sou um caçador de lobisomens

— com a satisfação no rosto aquele homem se levantou da poltrona —. Eu as

ensinarei pelos próximos dias tudo o que precisam aprender — caminhou até a

janela do apartamento a fim de observar a lua —. Vingaremos o sangue

derramado, as lágrimas sofridas, as dores de tormento. Verônica Morgan pagará

da pior maneira possível por tudo o que fez!

Durante todos os dias que antecederam a primeira lua cheia após a morte

de Léia, Renata e suas amigas foram instruídas pelo caçador de lobisomens a fim

de quando acontecesse a temida transformação elas pudessem controlar o desejo

pela caça e assim manterem a consciência humana, além de aprenderem técnicas

que as trariam de volta à forma de homem, teriam total controle sobre as

transformações posteriores á primeira.

Era uma noite de domingo, a que antecedia a de lua cheia, no mesmo

parque em que tudo começara lá estava o casal admirado, observando o brilho do

céu em um anoitecer.

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— Ficará ao meu lado independente do que possa acontecer nos próximos

dias? — recostada sobre o ombro do namorada, sentada no chão, Renata

perguntou.

— Claro, sempre ficarei... Por que quer saber?

— Porque nem tudo é como parece ser. Porque verdades podem estar

ocultas. Porque sombras de um passado do qual nem ao menos fizemos parte

podem nos assombrar...

— O que quer dizer?

— Talvez eu não seja o que todos veem, o que você vê — a estilista encarou

os olhos do rapaz —. Eu posso ser diferente.

— O importante é que encontrei em você o que mais desejava: alguém para

amar — Jonas entrelaçou seus dedos com os da mulher —. O resto é apenas o

resto. Se preciso for luto ao seu lado, é para isso que serve o amor.

Reconfortante ouvir aquelas palavras? Talvez sim, para Renata era um

sentimento de alívio, mas ainda assim o medo pelo desconhecido a importunava,

mundos novos estavam para chegar.

*

[14 de novembro de 2016]

Finalmente a tão aguardada noite chegou. Quando a lua encontrasse o seu

ápice e mostrasse sua grandeza uma nova história passaria a ser escrita. Medo,

ansiedade, insegurança, eram sentimentos que acompanharam cada uma das

mulheres ao longo do dia, nem mesmo as tarefas do trabalho as distraíram.

— Por que vimos para cá — Renata logo questionou ao avistar a casa

abandonada, a mesma usada por Verônica o sequestrá-la.

— Aqui não é uma simples mata esquecida pelo governo — observando o

céu com certa preocupação Raul respondeu —, é o campo de batalha, centro de

combates entre os grandes alfas de linhagens diferentes, símbolo do horror

causado por aqueles de mau coração. Distante da movimentada cidade é o lugar

perfeito para que os seus poderes sejam libertos.

— Corremos risco de ferir alguém? — Letícia se atentou —. Estamos

preparadas para isso?

— Apenas se lembrem de tudo que as ensinei, qual o domínio sobre a raiva.

— E como você estará seguro? — Jéssica indagou.

— Sou um caçador de lobisomens — o homem recostou a maleta que trazia

consigo sobre uma grande pedra e a abriu com um sorriso divertido estampado

no rosto revelando armamentos que ali eram guardados —, sei me defender...

Para o próprio bem de vocês se controlem, não percam a verdadeira consciência

que as rege, ou a dor as enfraquecerá.

— Quer dizer que... — Letícia começou o pensamento.

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— Se não nos controlarmos... — Jéssica continuou.

— Irá nos matar? — Renata concluiu de olhos estupefatos.

— Eu não diria matar — Raul pegou uma das armas que como munição

descarregava eletricidade —, diria causar uma dor insuportável — voltando os

olhos para o céu ordenou: — Fiquem em suas posições, vai começar.

— O que faremos se Verônica aparecer? — a estilista questionou

preocupada.

Acionando as funções da intimidadora arma que tinha em mãos o caçador

respondeu:

— Lutar!

Cada uma das mulheres se alinhou perante os corpos celestes que

enfeitavam o céu escuro e limpo de nuvens. Cada uma com sua própria história,

seus próprios medos, seus próprios anseios. Cada uma pronta para viver aquilo

que o inexplicável as reservou.

Conforme a lua crescente completava a sua forma uma energia descomunal

dominava seus corpos, o sangue começou a correr com maus fulgor pelas veias

enquanto seus corações aceleravam no mesmo ritmo. Sentiram que seus sentidos

ficavam mais aguçados: a visão era perfeita, notava de longe as imperfeições mais

obscuras; o olfato mais sensível sentia o penetrante cheiro da terra; a audição

capaz de ouvir a respiração de alguém que não estivesse tão próximo; o gosto de

sangue incomodava enquanto até a mais suave brisa era percebida pelas peles.

Em cada uma daquelas mulheres que haviam sido reservadas para serem

grandes guerreiras e combaterem o mal, garras afiadas tomaram o lugar das

unhas, pelos nunca tidos agora se faziam presente nos corpos femininos, as

orelhas tomavam um formato maior e pontiagudo enquanto as narinas ganhavam

maior sensibilidade.

Jéssica, antes com os cabelos escuros, agora os possuía claros, os olhos antes

verdes adquiriram um amarelo brilhante e os caninos ficaram pontiagudos como

espinhos.

Letícia, a sensível garota loira, agora tinha um tom de cabelo avermelhado,

os olhos antes azuis agora eram amarelos como o fogo e seus caninos crescidos

tinham a ponta fina como agulha.

Renata, a bem sucedida estilista de cabelos castanho-claros agora os possuía

em um tom ainda mais forte, seus olhos antes castanhos agora eram coloridos por

um vermelho ardente, denunciando o poder de Alfa sobre qualquer Alfa, seus

caninos eram afiados como a espada.

Transformadas naquilo que sempre foram, mas nunca souberam ou

imaginaram, olharam para a lua e uivaram estridentemente, expulsando os

pássaros que dormiam sobre as copas das árvores daquela mata sombria,

tornando a lua um corpo cheio de mistério, suspense.

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Sedentas por algo que não podiam explicar encararam Raul, que

pressentindo o perigo se colocou em posição de luta. Colocando-se diante suas

amigas, que eram as chamadas “betas” da alcatéia já formada, Renata uivou com

uma verdadeira Alfa, causando arrepios em quem a ouvisse e as fazendo recobrar

o domínio próprio. Com total controle sobre o que acontecia declarou:

— Nunca me senti tão forte — sua voz estava mais grave que o habitual.

— É o poder que a você foi confiado — Raul desfez a guarda —. É o poder

que destruirá para sempre as sombras do passado.

*

Verônica não tinha noção do tempo, dormia cada noite na expectativa de

ser acordada pelo despertar dos seus poderes, mas sempre amanhecia frustrada.

Julgando que a grande noite ainda demoraria alguns dias, a mulher se

recostou em um canto da cela, deixando claro que não queria ser incomodada por

ninguém. Em certo momento uma tremedeira descomunal a dominou enquanto

seu corpo suava frio. Procurando a lua pela pequena janela sentiu seu coração se

satisfazer.

Verônica Morgan teve os cabelos ruivos transformados em cinzas como o

metal, o sangue que fervia em seu corpo lhe dava sensação de força ímpar, seus

olhos agora vermelhos como sangue reluziam como o ouro denunciando o seu

poder de Alfa, seus caninos poderosos ao serem exibidos mostravam o poder

perfurador. Transformada pela lua cheia sua garganta fez o que há muito tempo

desejava: uivou apavorantemente.

Um verdadeiro monstro. Para as que ali estavam era essa a definição para o

que viam, seus gritos de desespero irritavam aquela alma sombria, que sem

piedade alguma cortou o pescoço de cada uma ferozmente, usando suas garras

horripilantemente tortuosas as estrangulou sem ressentimentos. Com um só soco

abriu um enorme buraco em uma das paredes da cela e com agilidade invejável

fugiu daquele lugar que a aprisionava. Correndo por lugares escuros adentrou a

mata, prostrando-se perante a lua soltou um uivo de aviso aos inimigos e tornou

a correr como um bicho veloz. Cara a cara com a quem devia respeito usou sua

voz grossa para blasfemar:

— Agora vou matá-la!

Continua...

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Capítulo 31 – Solução

“Soluções para problemas são difíceis de serem encontradas, é preciso

raciocínio, estratégia, determinação”.

Tais palavras e a forma como foram proferidas por aquela voz descomunal

arrepiou cada pelo no corpo de Renata, mesmo sabendo sobre o poder que

carregava o medo a afligia duramente.

— Podemos resolver isso de outra maneira — focada no olhar aquela que

estava em sua frente a alfa soberana disse com a voz rouca e uma tentativa de

acordo.

Sem pestanejar Verônica ergueu a mão peluda possuída por enormes garras

que substituíam as unhas e esbofeteou o rosto da rival com força tamanha para

jogá-la cruelmente sobre o chão.

— Só uma maneira existe para que tudo se resolva — a lobisomem sombria

em questão de segundo estava sobre a própria sobrinha, fazendo as garras

crescerem ainda mais a prendia contra o chão —, matando-a!

O golpe fatal seria dado na garganta daquela que ainda não atingira todo o

esplendor do seu potencial se não fosse Jéssica como um animal feroz pular sobre

as costas de Verônica e tentar a todo custo lhe amordaçar com ira.

A veterana estilista sabia bem como usar aquilo que detinha, seu ego não

permitiria uma humilhação para algum ser qualquer, ainda mais uma beta.

Uivando contra a lua a mulher transformada jogou sua opressora por cima de seu

corpo, a intenção que dominava sua mente era estrangular aquela que atrapalhou

o seu desempenho, mas Letícia venceu o pavor que até então travava suas pernas

e segurou com todas as forças o braço daquele monstro sombrio.

— Renata, ataque! — Raul ordenou energicamente.

Com seus olhos ardentes a estilista focou em sua tia, mas algum sentimento

provocou seu recuo, seu semblante demonstrava pavor.

Verônica, já cansada de perder tempo com, sob sua concepção, duas simples

betas, foi ágil ao pegá-las pela garganta e levantá-las do chão, erguendo-as como

troféus.

— O chocar de suas cabeças será música aos meus ouvidos — a grave voz

revelou a cruel intenção —. Nunca tive uma batalha tão fácil.

O caçador mirou naquele ser de sombras pesadas e disparou o raio da dor. A

má criatura largou suas vítimas enquanto a dor ardia dentro de si. Um uivo

demonstrando o sofrimento foi solto de sua garganta, um uivo também de raiva.

Voltando aos poucos à sua forma humana Verônica correu mata dentro,

precisava se esconder.

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Já com a forma original retomada as mulheres se sentaram sobre a relva do

lugar, cansadas pela energia da transformação e breve luta.

— Perdemos uma oportunidade que tem o mínimo de chance em acontecer

novamente — Raul demonstrou seu descontentamento —. Um alfa quando está

sozinho é mais frágil, mais suscetível a ferimentos, mais vulnerável a derrota...

Tínhamos que aproveitar essa fraqueza de Verônica e encerrarmos a história

antes que ela começasse.

— Dei o melhor que pude — ainda ofegante Letícia se defendeu.

— Ainda não consigo usar a força da maneira que deveria — Jéssica

desabafou.

— E eu não posso fazer isso — Renata abaixou a cabeça —. Ela por bem ou

mal é minha tia, o sangue que corre em suas veias é o mesmo que corre pelas

minhas. Eu simplesmente não consigo ferir alguém que possui alguma ligação

comigo.

— Ela matou os seus pais na sua frente, ela acabou com a sua vida — Raul

não poliu as palavras ao proferi-las —. Talvez você ainda os tivesse ao seu lado. A

pior parte é que deixou fugir alguém que não fez mal somente a você, mas a

muitos inocentes — o caçador apontou para Letícia.

Observando o rosto da amiga que reluzia certa tristeza Renata suspirou

preocupada. Um de seus ideais era não fazer o mal a ninguém, principalmente

sendo da sua família, tal sentimento tomou ainda mais força quando conheceu

Jonas. Porém, outro ideal era defender aqueles que significavam algo em sua

mente. Levantando-se como uma verdadeira líder a Alfa sobre qualquer outro

lobisomem perguntou:

— O que eu preciso fazer?

Sorrindo animado Raul respondeu:

— Rasgar sua garganta.

— Quer que eu a mate? — a estilista não conseguiu acreditar de imediato.

— Somente assim evitaremos que ela faça o mal a muitas pessoas, essa é a

única solução.

— Precisa haver outra maneira, outro jeito... Podemos simplesmente

prendê-la pelo resto da vida.

— Não é assim tão simples, prisões comuns não seguram seres como vocês.

— Então pense em algo, pois matá-la eu não vou.

— Será que ela pensaria duas vezes antes se fosse o contrário?

— Ela é regida por trevas, eu não!

*

Não era uma noite fria, a primeira com cara de verão deixou o clima

agradável para que até depois da meia-noite jovens amigos caminhassem pelo

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parque tão freqüentado. Com piadinhas internas e brincadeiras exclusivas do

grupo eles se divertiam como ninguém, a escuridão não os intimidava.

De repente o barulho por entre as árvores os calou. Eram os únicos que ali

estavam, algum movimento estranho seria sinônimo de algo errado. Observando

com apreensão a sua volta os jovens nada encontraram, talvez fosse apenas o

vento, nada que interrompesse a divertida conversa.

Por entre as árvores um ser que eles ilustravam nos tempos de escola e que

não passava de lenda surgiu, uivando com raiva, atacando com destreza.

Logo pela manhã daquele novo dia que começava Letícia acordou disposta

como nunca havia acordado antes, tanto que decidiu fazer uma caminhada em

pleno feriado. Usando uma roupa confortável, carregando consigo uma garrafa

d’água e tendo os fones ligados para que o ritmo de suas badaladas músicas

impulsionassem o seu caminhar a modelo deu início aquela atitude saudável.

Próxima ao parque que também marcou uma nova etapa da sua vida a garota

estranhou o movimento diferente que ali tinha, por policiais e agentes da saúde.

Aproximando-se mais pôde notar que uma tragédia acontecera, não contento a

curiosidade se infiltrou por entre a multidão e encontrou os corpos caídos sobre o

chão, ensangüentados ao redor com suas gargantas perfuradas. A mesma cena

cruel que teve ao encontrar os pais mortos.

— O que houve? — Raul abriu a porta de seu apartamento se deparando

com o pavor no rosto da loira.

— Por que nos ligou para que viéssemos aqui? — Jéssica questionou

coçando os olhos sonolentos.

— Foi horrível — a modelo não segurava o choro.

— Então nos conte — Renata pediu —. O que descobriu?

— Eles foram mortos, a garganta foi rasgada... — Letícia tremia

incontrolavelmente.

Tal revelação chocou a quem a ouvira. Era como se pudessem sentir a dor

de tamanha atrocidade em seus corpos, um sentimento de culpa passou a afligi-

los.

— É assim que ela nos atacará — o caçador levou as mãos à cabeça em um

gesto de preocupação —. Ela afligirá os inocentes, causará a dor em quem nada

tem haver com isso até conseguir o que quer, até conquistar o poder de Alfa dos

Alfas.

— Se é isso o que a fará parar... — Renata deu início à fala de sua decisão.

— Nem pense em uma bobagem dessas... Com tamanho poder ela dominará

o mundo, instaurará o terror, o sofrimento, sombras cercarão o caminho de todos

nós.

— Faremos o quê? — Jéssica perguntou irritada —. Vamos assistir em

silêncio as maldades dessa fútil?

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— Eu já falei o que devemos fazer, apenas uma alfa mais forte que ela seria

capaz de acabar com toda essa ruindade.

— E eu já disse que não — Renata respondeu duramente.

— Para prendê-la precisaremos de um lugar no mínimo amplo, com grades

que conduzam eletricidade. Somente assim a manteremos fraca, longe do resto

do mundo. Conhece algum lugar que atenda aos requisitos?

— Sim — Renata tinha um olhar travesso —. O porão.

— Ótimo — Raul ironizou —. Acha mesmo que Jonas aceitará de bom

grado essa condição sem entender nada?

— Ele vai entender — os olhos da estilista retomaram o vermelho ardente

—. Ele vai saber de toda a verdade!

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Capítulo 32 – Perdoar para Viver

“Feliz é aquele que perdoa sinceramente, ama realmente, pois este sabe o

que é viver”.

Após a trágica e triste notícia que recebera Jéssica decidiu passar o dia

trancafiada no apartamento que dividia com Renata, queria pensar no que havia

acontecido, nas mudanças repentinas que a sua vida sofrera desde o

aparecimento de alguém do passado até a descoberta do que realmente era. Sua

decisão seria totalmente cumprida se não fosse por uma mensagem de Eduardo a

convidando para um passeio.

— Não sabe como fico feliz em saber que aceitou o meu convite — o rapaz a

recebeu na porta do prédio com um aberto sorriso.

— Vamos levar essa situação como se fôssemos apenas amigos, talvez

tivéssemos mesmo que nos contentar com a amizade que existia entre nós.

— Naquela época eu não sabia o que era amar... Não dá para ser amigo de

alguém que tanto se ama.

Querendo mudar o sentimentalismo da conversa que com certeza causaria

emoções em seu coração Jéssica logo indagou:

— Aonde vamos?

— Queria somente conversar com você, andar um pouco na sua companhia.

— Acha importante a minha presença?

Dando início aos passos Eduardo respondeu:

— Sinto a falta dela.

Estranhamente a modelo conseguia escutar as batidas do coração daquele

ao seu lado e em nenhum momento elas se desestabilizaram. Isso só podia

significar que ele dissera a verdade.

— Você não me contou como faz para sobreviver já que sua carreira

terminou. Precisa de alguma ajuda?

— Na verdade não; voltei para a casa do meu pai.

— Se desfez da que tínhamos?

— Claro que não... É o que mantém as boas lembranças vivas dentro de

mim.

— Será que posso vê-la?

— Vamos!

Ao se deparar com o lugar em que começara a sua vida Jéssica sentiu um

enorme vazio apertar seu peito. Lembrou-se das muitas noites em que dormiu

abraçada a pessoa que tanto amava, das confissões de amor que fizera sob aquele

teto, dos momentos de silêncio que eram quebrados pelas gargalhadas de ambos

quando decidiam dar início a um ataque de cócegas um no outro. A vida daquele

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casal era perfeita, não existia monotonia entre eles, a simples combinação fora

certeira. Passeando com as mãos pelo portão de ferro se lembrou do triste fim

daquela história, quando poderia imaginar que tudo o que vivera não passou de

ilusão?

— Deve estar pensando que o que vivemos foi ilusório, mas eu garanto que

não foi — Eduardo despertou a mulher de seus devaneios como se lesse sua

mente —. Nunca fui mais feliz, nunca poderei ser se não tiver o seu perdão.

Com lágrimas pesadas tentando romper as pálpebras cansadas a modelo se

virou ao rapaz, certa em entender tudo o que precisava.

— Sabe que também sinto a sua falta, sabe que durante todos esses anos

que passaram não parei de pensar em você se quer um instante, sabe que meu

coração não se abriu a ninguém e nem poderia — riu discreta —, ele já é seu,

sempre foi, sempre será.

— Então o que está esperando para me perdoar? Por que não me dá uma

nova chance, mas dessa vez para lhe fazer a mulher mais feliz desse mundo? Se

precisa tanto de mim por que não se entrega aos meus braços?

— Porque eu sinto medo — Jéssica não pôde mais conter o sufocado choro

—. Sombras daquele passado me perseguem, não consigo confiar mais da

maneira como confiei... Meu coração foi dilacerado em pedaços e não mais se

curou.

— Então eu peço com todo meu coração que me permita concertá-lo, curá-

lo — Eduardo segurou as mãos daquela que tanto amava e conectou os olhares

que se desejavam —. Deixe-me cuidar do ferimento que tem como causador esse

arrependido apaixonado.

— Eu não sei... — a modelo abaixou a cabeça desviando o olhar.

— Por favor — o homem ergueu os olhos da mulher com suavidade —,

perdoe-me por tudo.

— Eu... Eu... — Jéssica se sentia cada vez mais confusa, resolveu deixar de

lado a razão e respondeu com o coração — Eu já te perdoei.

Como uma criança que abre seu presente e encontra ali o que mais desejava

Eduardo recebeu sua resposta, o turbilhão de emoções o colocavam em dúvida se

sorria ou chorava, finalmente havia conquista o que mais desejava em sua vida

naqueles últimos dias.

Há tanto tempo sem sentir a conexão entre seus corpos Jéssica beijou aquele

que tanto amava, esse era o seu desejo desde o dia em que o reencontrara pela

primeira vez. Seu coração explodia de alegria por agora poder amar novamente

com todas as suas forças.

Separando-se da modelo Eduardo sofreu uma forte tontura, a estranha tosse

que veio logo em seguida assustou a mulher que pôde por sua aguçada audição

perceber o quando o coração do rapaz batia descompassadamente. Colocando-o

sobre seu colo perguntou preocupada:

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— O que está sentindo?

Com a fraqueza visível o homem reclamou:

— Minhas costas ardem...

Lembrando-se dos outros encontros Jéssica questionou:

— Essa tosse não foi repentina, o que está acontecendo?

Levando o fraco olhar ao da modelo Eduardo respondeu:

— Estou morrendo... — um filete de sangue corria pela boca do rapaz —. Se

o pior acontecer... saiba que te amo.

Desacordado, o homem tombou sua cabeça para o lado. Desesperada,

Jéssica tentava encontrar ajuda pelo celular, tudo o que menos queria era perder

alguém que amava.

*

Renata nunca achou que violência resolvesse alguma coisa, que a morte

fosse a solução para os problemas de alguém, ela acreditava que chances de

remissão deveriam ser dadas, mostrar o outro lado da vida poderia ser crucial

nesse processo. Por isso sua decisão era deixar a tia sobreviver, ainda que presa

por tempo indeterminado, ao menos teria a chance de rever suas atitudes,

repensar seus atos, mudar os anseios de seu coração.

Para tal o porão da mansão dos Morgan era o lugar perfeito, apto para o

sistema que montariam e escondido dos olhos do mundo, porém um alguém

muito importante precisava ser convencido.

— Que bom que veio — Jonas recebeu a namorada —. Já estava decidido a

lhe fazer companhia, preciso protegê-la.

— Proteger-me — Renata riu divertida —. Adoraria ser protegida por um

guarda-costas tão lindo...

— Não me elogie tanto, sabe que meu ego explode.

— Com toda a razão — beijou o noivo —. Vim aqui para lhe fazer uma

proposta muito especial.

— Proposta? Sobre o quê?

— Sobre proteger o mundo e seus moradores de alguém sanguinário e

egoísta, disposto a ferir quem quer que seja apenas para conquistar todo o poder

possível.

Surpreso com o que ouvira o jovem consultor indagou:

— Está falando de Verônica? Sei que fugiu da cadeia.

— Você é esperto — Renata deu uma piscadela.

— Proteger o mundo dela? Não acredito que seja capaz de ferir a muita

gente sem que a peguem, ela não é tão profissional assim.

— Seus conceitos serão repensados quando a ver realmente diante os seus

olhos, aquela mulher é mais poderosa do que se pode acreditar.

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— Como assim?

— Ela não é uma simples humana indefesa, é um monstro cruel. Ela é uma

lobisomem.

Rindo divertido Jonas perguntou:

— E como eu, um simples mortal, poderia detê-la?

— Vamos precisar usar o porão. Montaremos um sistema de descarga

elétrica que a manterá enfraquecida e incapaz de machucar a quem quer que seja.

Vai nos ajudar?

— Acha mesmo que estou acreditando? Isso não passa de lendas,

historinhas para assustar crianças.

— Desculpe-me por isso, mas vou ter que lhe assustar.

Dando as costas para o noivo, Renata o deixou intrigado enquanto se

concentrava para atingir a transformação. Com o objetivo alcançado a mulher se

virou lentamente encarando o espantado homem.

— Ainda não acredita?

Sentindo as pernas bambearem o rapaz apenas conseguiu mostrar a sua

surpresa:

— Inacreditável!

— É a mais pura realidade. Verônica está atrás do poder que carrego, apenas

o conseguirá me destruindo. Porém até lá muitos inocentes sofrerão, pagarão por

sua perversidade... Está disposto a me ajudar a detê-la?

Firmando suas pernas Jonas respondeu corajoso:

— Vamos acabar com ela!

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Capítulo 33 – Sombrio Ataque

“Jogar sujo é o que mantém os obscuros jogadores dentro da jogada”.

Rosto pálido. Olhos fechados. Respiração artificial pelos aparelhos

conectados em seu corpo. Um verdadeiro estado terminal. Eram essas as

condições que mantinham Eduardo na UTI do hospital, sem esperança alguma de

vida. Era assim que Jéssica o via diante seus olhos.

— Por que...? — era apenas o que a modelo queria saber, era tudo o que

precisava saber.

Essa é a contradição temporal. Olhamos para nós e vemos que temos tanto

tempo pela frente, tantas coisas que podemos aproveitar, tanto tempo pela frente,

tantas coisas que podemos aproveitar, arriscar, mudar. Mas em questão de

segundo todo esse tempo tão longo se torna tão curto, tão já! Ironicamente não

há mais tempo algum.

— Foi tempo perdido me prender em tantas inseguranças, nas tantas

sombras do passado — enquanto falava as lágrimas escorriam molhando o

avental —. Será que terei tempo para ser feliz ao lado de quem sempre amei? Por

que não me disse o que estava acontecendo? Por que não revelou a problema de

uma vez por todas? Poderia ter me poupado de mias um erro: a demora em

aceitar o que sempre quis... — disse tudo aquilo acariciando o rosto do amado.

— Jéssica, precisamos conversar — uma mão pousou sobre o ombro da

mulher, era o médico que a levou a um lugar mais reservado —. Ele é o que seu?

O que responder? Talvez o que sempre foi:

— O homem que mais amei...

Sentindo-se comovido pelas palavras e com o sofrimento demonstrado pela

modelo o doutor precisou ser firme:

— Lamento em informar, mas todos nós que cuidamos do paciente não

acreditamos em sua recuperação, as próximas horas serão as últimas, serão as

despedida.

Como se uma faca atravessasse seu corpo Jéssica chorava amargamente.

“Eram melhores amigos. Divertiam-se e brigavam como irmãos. Os tios já

previam um romance, os pais achavam a amizade linda, a mais verdadeira.

Cresceram juntos, sonharam juntos, compartilharam medos e anseios, formaram

uma cumplicidade invejável. Conheciam um ao outro ao ponto de apenas com o

olhar decifrar o que sentiam; ao ponto de decifrarem o mistério que as travessuras

infantis são capazes de criar.

Com a adolescência a aproximação se tornou mais íntima, o laço que os unia

era ainda mais forte. A ansiedade da fase mais atordoada da vida era dividida entre

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ambos os jovens, ajudavam-se como unha e carne, eram unidos como imã. Porém

as brincadeiras de criança ainda não os deixaram, as tardes de conversas na

calçada estavam longe de acabar, a simples companhia um do outro já era o

suficiente, completava os corações afobados pelos tantos sentimentos.

Era uma tarde de verão. Embora chovesse o sol encontrava espaço por entre

as nuvens a fim de irradiar o seu brilho e aquecer a terra, garoto e garota dançavam

sob as pesadas gotas, gargalhavam como crianças, esbanjavam a alegria em viver.

Os olhos se fixaram enquanto os corpos pulavam agitados debaixo de chuva.

Naquela conexão a menina entendeu o que sentia: já não via mais aquele garoto

como um simples amigo ou um irmão de consideração, era bem mais que isso. Era

o garoto que se transformaria em homem, o homem da sua vida.

Tímida encontrou coragem e declarou o mais sincero sentimento:

— Eu te amo.

O garoto também sentia algo diferente por aquela menina, algo que

balançava o seu coração, algo que lhe despertava o desejo de beijá-la, faltava

apenas aquela declaração para que ele realizasse a sua vontade. Com o arco-íris

enfeitando o céu mais uma história de amor começava a ser escrita, uma história

que seria testada pela vida e que só teria um final feliz se as personagens assim

permitissem”.

Aquela lembrança era para Jéssica como uma sombra refrescante, aquela na

qual buscamos refúgio de um sol escaldante.

*

Feriado, um belo momento para estar com aqueles que se ama.

— Nunca pensei que fosse namorar alguém que gostasse mesmo de mim —

Letícia deixava sua felicidade contagiar a quem estivesse perto —. É a melhor

coisa da vida!

— Será mesmo? — Pedro, querendo ser travesso, lambuzou o rosto da

garota com o sorvete enquanto gargalhava —. Acho que não...

— Isso não vai ficar assim!

O jovem casal estava em Santos, aproveitando a beleza das praias. Corriam

pela beira do mar como dois adolescentes, jogavam-se sobre a água como dois

apaixonados, beijavam-se como amantes.

— Melhor dia da minha vida — Letícia repousou a cabeça no ombro do

garoto enquanto assistiam sentados

à beira-mar o elegante pôr-do-sol.

— Sabia que embora não nos conheçamos há tanto tempo já a considero

como parte de mim? — o moreno declarou seu sentimento —. Nunca imaginei

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que pudesse gostar de alguém dessa forma, talvez não pudesse demonstrar o que

sinto, mas você transformou tudo.

— Também tive a minha vida transformada por você — a loira disse

sonhadora —. Vivi ilusões nesses últimos anos e agora vivo algo de verdade, sinto

o que nunca senti, uma explosão de satisfação, de alegria, de contentamento!

— Que lindos! — uma terceira e grave voz se fez presente no diálogo

enquanto aplausos lentos eram dados —. Pena que eu preciso mudar as coisas...

— Egídio? – a modelo se assustou ao ver aquele homem, logo se pôs em pé

—. O que faz aqui?

— Buscar o que minha ama deseja, levar o que a deixará feliz.

Como em um passe de mágica Egídio estava atrás de Pedro, arranhando-o

no pescoço fez o rapaz cair desmaiado. Pronta para gritar Letícia teve a boca

tapada pelo homem que revelando os seus caninos assustadores e os olhos

horripilantemente amarelados ameaçou:

— Por enquanto não o matei, mas não será problema algum.

— O que quer? — a garota perguntou com os olhos lacrimejantes.

— Apenas trazer sombras.

Colocando Pedro em suas costas Egídio saiu correndo com um animal veloz.

A modelo precisava voltar para a casa o quanto antes.

*

— Tem certeza de que vai dar certo? — Jéssica perguntou preocupada

enquanto andava depressa pelos corredores do hospital.

— Precisamos acreditar que sim... De qualquer forma irá morrer, podemos

ao menos lhe dar a chance de sobreviver — Renata respondeu já afiando os

caninos.

— O Raul disse que a mordida pode lhe matar — uma estava incerta quanto

à atitude.

— Mas pode lhe curar — a outra era mais segura.

Adentrando a UTI não encontraram Eduardo na maca. Consultando os

enfermeiros receberam a mesma resposta: “Não o tiramos de lá”. Só havia uma

explicação:

— Mobilizem o hospital todo, ninguém entra e ninguém sai... Podemos

estar lidando com um seqüestro! — essa foi a ordem do diretor daquele lugar.

A cada instante Jéssica se irritava mais, o nervosos descontrolado lhe

causava aos poucos sua transformação, embora tentasse Renata não conseguia

lhe fazer recobrar a consciência, o jeito para esconder aquilo foi jogar a amiga

dentro do banheiro. Trancando a porta a estilista viu sua top model

completamente transformada, lançando ira pelos olhos amarelo-brilhantes.

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— Nervosas com o quê? — Verônica surgiu por trás das mulheres, de forma

inesperada —. Ele, por enquanto, está a salvo comigo.

Instintivamente Jéssica se lançou contra a ardilosa mulher, que

transformada se defendeu do ataque a contra-atracando ferozmente no

estômago, causando-lhe o sangramento pela boca enquanto retomava a forma

humana.

— A guerra está apenas começando — velozmente a má criatura

desapareceu, fazendo da janela estilhaços de vidro.

Assustada, Renata ajudou Jéssica, que aos poucos se curava do ferimento, a

se levantar.

— Precisamos sair daqui.

Entrando juntas no aparamento de Raul elas declaram em uníssono:

— Levaram o Eduardo.

Juntando-se às amigas Letícia declarou:

— E o Pedro.

Sentado em sua poltrona apoiando o queixo nas mãos o sábio caçador sorriu

misteriosamente:

— É o ataque sombrio.

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Capítulo 34 – Caos

“Em sua frágil arquitetura o caos se arruma”

[21 de novembro de 2016]

Por mais que procurassem por aqueles que sumiram Renata e seus aliados

não os encontravam, talvez não pudessem os encontrar, talvez não quisessem ser

encontrados. Segundo Raul a solução era esperar, mais cedo ou mais tarde eles

iriam ressurgir para o bem ou para o mal.

Desde que Verônica fora presa Renata comprara a Morgan Modas, a

empresa que lhe pertencia por direito agora era sua, o objetivo de sua volta ao

Brasil estava cumprido. A fim de reerguer a decadente empresa e estilista

começou os seus investimentos, logo no início daquela semana marcou testes

com candidatos a modelos que seriam avaliados pelos seus próprios olhos.

Erick Parker era descendente de americanos, sua família havia se instaurado

no Brasil há não muito tempo, mas o suficiente para se acostumarem com o novo.

De aparência jovem parecia ter seus vinte e oito anos, seu porte físico e sua

presença no teste para modelos mostravam qual era sua ambição, ou o que

supostamente seria.

Estando frente a frente com Renata Button o rapaz se encantou com os

olhos castanhos que tão admirável mulher possuía, o sorriso da mesma o

encantou tanto quanto o brilho do luar, algo que o fascinava. Ao tocar a mão da

estilista em um gesto de cumprimento seu coração pulsou mais forte.

— É ainda mais bonita que nas revistas — as palavras lhe saíram

espontâneamente, corando-o.

— Obrigada — Renata respondeu tímida, recebendo aquilo apenas como

um elogio —. Como se chama?

— Erick. Erick Parker. Tenho vinte e oito anos.

— O que mais o motivou a participar dos testes? — a pergunta era crucial.

— É um sonho de infância trabalhar com você, além disso preciso ajudar as

pessoas de alguma forma, busco uma fonte.

— Dirija-se ao estúdio e nos mostre o que sabe fazer.

Atenta sobre o jovem rapaz a estilista notou alguém de pele clara, mais clara

que o habitual, seus cabelos platinados mostravam a vaidade que tinha, os olhos

verdes encantavam a quem o olhasse e seus lábios avermelhados desenhavam um

belo sorriso.

— Já temos um novo modelo: Erick Parker! — Renata anunciou.

O rapaz não sabia ao certo como reagir, mas o brilho em seus olhos

denunciava todo o seu contentamento.

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— Não sei como posso agradecer.

— Nos privilegiando com todo seu talento.

Sem deixar escapar o anel que o rapaz usava na mão direita a mulher o

indagou:

— Namorada ciumenta? Se for quero conversar com ela e deixar claro que

tudo aquilo que for feito é em nome da profissão.

— Namorada? — Erick não entendeu —. Eu não namoro.

— Não? — a mulher indicou o anel.

— Apenas gosto de usar, faz parte do meu estilo. Na verdade faz parte da

minha vida — ficando alguns instantes em silêncio observando o delicado rosto

da estilista o jovem modelo tomou coragem para fazer sua pergunta: — E você?

Namora?

— Estou noiva — a estilista deu em esplêndido sorriso —. Em breve será o

meu casamento com alguém que tanto amo!

— Felicidades — Erick perdeu as esperanças quanto ao que sonhava.

— Quanto a você seja muito bem-vindo, faremos um ótimo trabalho juntos!

*

Como estava de folga Jéssica aproveitou aquele dia para treinar ainda mais

sua mira. Com seu arco e flecha a arqueira profissional focava em frutas presas

nos topos das árvores que estavam ao longo da floresta onde sua transformação

aconteceu e as atingia com maestria, seu talento estava ainda mais aperfeiçoado.

Em certo momento sua aguçada audição percebeu pisadas sobre as folhas

mortas, eram passos dados com cuidado para que não fossem ouvidos, passos de

alguém que se prepara para o ataque. Atenta, a modelo procurava a direção

enquanto a sua frente tinha sua arma em posição. O som ficava cada vez mais

próximo, cada vez mais audível, cauda vez mais perigoso, cada vez mais sombrio.

Perdendo o controle a mulher lançou o objeto que tinha em mãos ao chão,

transformando-se na terrível fera uivou iradamente.

— Em sua frágil arquitetura o caos se arruma — Raul despontou por entre

as árvores tendo ao seu lado Jonas enquanto mirava em Jéssica com sua arma

eletrizante.

— Em sua frágil arquitetura o caos se arruma — Jonas repetiu convicto do

que dizia.

— Em sua frágil arquitetura o caos se arruma — ajoelhada sobre o chão a

modelo também repetiu, ofegante, enquanto retomava sua forma humana.

— Precisa se controlar mais — o experiente caçador de lobisomens

aconselhou —. Lembre-se sempre de que em sua frágil arquitetura o caos se

arruma, com toda a sua raiva o controle se faz presente.

— Como soube que me encontraria aqui?

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— Aonde mais iria um lobisomem irado? — Jonas respondeu perguntando

—. Sabemos que perder Eduardo está enchendo o seu coração de raiva, aqui é o

seu refúgio.

— Meu orgulho, aprendeu rápido – Raul elogiou o filho. Aproximando-se de

Jéssica o homem se abaixou perante a mulher curvada —. Nós vemos reencontrá-

lo, vamos trazê-lo de volta, assim como o meu filho, o meu Pedro...

— Mas para isso precisamos estar preparados – Jonas tinha olhar de

guerreiro —. Pode me ensinar a ser um arqueiro?

Levantando-se como alguém certo do que fará a modelo respondeu:

— Vamos furar as testas daqueles que nos desafiaram!

*

Por todo o país cartazes dominavam rodovias, estações de metrô, pontos de

ônibus, locais públicos de grande movimentação, anunciando a fuga de Verônica

e o valor que seu resgate valia. A forma como a então estilista conseguira a

liberdade assustara os policiais, que tinham como prioridade sua captura.

Era mais uma noite pesada na penitenciária na qual a senhora Morgan

esteve aprisionada, enquanto as presas clamavam por liberdade os policiais

exigiam que se calassem, o mesmo furdúncio de sempre.

Preenchendo papéis e mais papéis o diretor do lugar ouviu alguém bater em

sua porta, sem tirar os olhos do trabalho autorizou que entrasse.

— Podemos conversar? — uma voz feminina soou.

— Seja breve, preciso terminar os relatórios ainda hoje — seus olhos ainda

não se ergueram.

— Será que pode me dar atenção?

— Pode falar... — o diretor permanecia seu olhar apenas sobre os tantos

papéis.

— Olha pra mim! — a mulher gritou dando um soco na mesa, assustando o

sério homem —. Reconhece essa ingênua mulher?

Com a tensão o tomando o diretor tentou abrir a gaveta em que guardava

seu revólver, mas em vão.

— É isso o que você quer? — a mulher ergueu uma das mãos mostrando o

molho de chaves —. Acho que fui mais esperta — seu sorriso era perverso.

— Verônica Morgan! — o homem se levantou prepotente com a mão já no

telefone —. Não foi uma boa ideia vir até aqui — também sorriu perverso.

— Ah! Foi sim! — a estilista pressionou o telefone calmamente —. Preciso

terminar um trabalhinho.

— A única coisa que conseguirá é voltar para a cela de onde nunca deveria

ter saído.

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Mostrando as afiadas e assustadoras garras Verônica disse com os olhos

avermelhados:

— Acha mesmo que uma cadeia como essa me segura?

Engolindo em seco pelo pavor da visão o diretor se rendeu:

— O que você quer?

— Mande todos os policiais recuarem e me dê as chaves de todas as celas.

— Negativo — o homem respondeu, temeroso.

— AGORA! — Verônica usou a grave voz que seus poderes lhe garantiam

assustando ainda mais o homem, provocando, assim, sua obediência.

— Vai me deixar ir? — o diretor questionou entre lágrimas.

— O que você acha? — a ironia declarava a intenção.

Fechando fortemente os olhos aquele homem apenas esperou que a ardilosa

mulher rasgasse sua garganta e foi o que ela fez, sem piedade alguma.

Com pensamentos cada vez mais perversos Verônica caminhou pelos

corredores de cada cela ordenando às presas que saíssem dispostas a esmagarem

todos os policiais que encontrassem pela frente, dispostas a alcançar a liberdade e

instaurar o caos.

— Você teve sorte em sobreviver, ou nem tanta assim — a sombria alma

estava a sós com uma mulher, encurralando-a num canto —. Lembra-se de

quando lhe disse que a faria desejar pela morte?

— Por favor, não faça nada comigo! — apavorada a mulher derramava

lágrimas.

— Devia ter me tratado assim antes — aplicando uma injeção em sua rival a

estilista sorriu —. Sua morte será lenta e agonizante para você, prazerosa para

mim! — a maldade daquela criatura parecia não conhecer limites.

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Capítulo 35 – Embate

“Embates provocam iras, dores, descontentamentos. Pode resultar na vitória

ou na derrota. Nunca foi movido a sorte, se fosse a fala “que vença o melhor” não

faria sentido”.

Perder alguém que se tanto ama, seja para a morte ou para as

circunstâncias, nunca foi uma tarefa fácil para a humanidade. Uns reagem ao

desafio com maior sutileza, outros se afogam em um mar de desespero, a dor

sempre existe: branda ou agressora. As almas atribuladas precisam de um refúgio.

Letícia buscou distração no cinema em um dos luxuosos shoppings da rica

São Paulo, precisava acreditar que tudo ficaria bem, mas sua mente preocupada

não a deixava livre para tal.

Assim que o filme terminou a modelo se dirigiu ao estacionamento do lugar.

Enquanto caminhava sentia que alguém a observava com cautela intencionando

lhe atacar. Apressando os passos a garota sentiu a presença de algum ser cada vez

mais perto. Com a mão na maçaneta da porta, pronta para abri-la, Letícia viu

uma mão peluda com garras afiadas encobrir a sua.

— Precisamos conversar — a desconfigurada voz soou, olhos flamejantes a

encaravam.

— Pedro?! — a modelo se impressionou —. Onde esteve?

— Acha mesmo que voltei para termos uma romântica conversa? — o

garoto ergueu um dos braços deixando as garras visíveis —. Tenho ordens a

cumprir — seu olhar malicioso denunciava a intenção.

Se não fosse a garota usar sua força sobrenatural e prender o braço do

namorado, que agora também era um lobisomem, teria a garganta simplesmente

rasgada.

— O que está fazendo? — indagou incrédula.

— Cansei de ser aquele moleque idiota... Para que ser bom se sendo mau

tenho mais privilégios?

— Quem fez isso com você? — Letícia se preocupou.

— Apenas escolhi o caminho mais fácil – como em um passe de mágica

Pedro tinha a namorada em suas garras. Levantando-a do chão resolveu a

convencer: — Faz ideia do que pode alcançar com todo o seu poder? Faz ideia do

quanto dominará a mundo e seus moradores? Sabia que a totalidade pode ser

inteiramente sua? Venha ao meu lado e conquiste o impossível! — o olhar era

convincente, mas a proposta nojenta.

— Está sendo iludido — a modelo falou com dificuldade, mal conseguia

respirar —. Estão o enganando. Acha mesmo que alcançará o poder de Alfa? Ele é

cobiçado por aqueles que o dominaram, estão lhe usando para conseguirem o que

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almejam e, quando alcançarem o objetivo, você não terá serventia alguma, será

aniquilado!

— Eu vou conseguir a totalidade e eles morrerão — prendendo-se no olhar

de Pedro a loira sentiu que aquele não era o seu modo de olhar, não o do rapaz

que conquistara seu coração, que a tinha como namorada —. Como você não

quer seguir os meus passos terei que lhe apagar.

Pronto para perfurar a garganta daquela pela qual um dia se apaixonara o

garoto foi interrompido por um tiro que o atingiu nas costas. Como um cão ferido

ele soltou seu gemido, como uma fera passou por entre os seguranças os

atacando, porém tendo o rosto coberto pelo capuz da blusa.

— Você está bem? — um dos homens ajudou Letícia a se levantar —. Como

alguém consegue ser tão ágil mesmo depois de um tiro? — não pôde evitar o

espanto.

— É o inexplicável — a modelo respondeu ofegante —. Você nunca vai

querer entendê-lo. Acredite...

Mesmo após ter treinado Jonas no arco e flecha, Jéssica decidiu passar um

tempo a mais na floresta, inexplicavelmente se sentia mais próxima daquele que

amou com todas as forças, por quem morreria se preciso fosse.

A noite já havia caído, a lua e as estrelas tentavam irradiar o seu brilho por

entre as muitas nuvens, um vento gelado tocava o corpo da moça a arrepiava sua

pele. Dentro do carro, com os vidros abertos, navegando por seus pensamentos, a

modelo tinha como prioridade encontrar Eduardo e o salvar de quem quer que

fosse, mas antes precisava descobrir onde ele poderia estar. Em certo momento

passos como de um bicho audaz dados por cima das mesmas folhas mortas de

mais cedo tiraram a mulher de seu transe, atenta ao retrovisor notou a sombra de

alguém que encarava o seu veículo com olhos amarelos, ardentes como fogo.

— Quem é você? — a mulher se encheu de coragem ao sair do automóvel,

em suas mãos estava o seu objeto de guerra.

— Sou alguém — a voz desconhecida soou —. Alguém que procura —

aproximando-se mais aquele ser revelou o rosto à luz do luar.

— Eduardo? — Jéssica largou sua arma —. Virou o que também sou? Como

foi possível?

— Sim, meu amor, agora somos ainda mais iguais, devemos estar ainda

mais juntos!

Com os olhos lacrimejando a modelo correu ao encontro daquele que tanto

almejava estar perto, pronta para o abraçar como há muito desejava, mas foi pega

de surpresa pelas garras que perfuraram sua barriga logo fazendo um filete de

sangue escorrer pelo canto da boca.

— Deixar viver ou exterminar?

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— O que está fazendo? — a moça tinha dificuldade ao falar, seus olhos

denunciavam a dor que sentia.

— O que já deveria ter feito... Acha mesmo que correria trás de você e a

lamberia feito um cachorro quando me perdoasse? Nunca fui esse tipo de homem

— aprofundou suas garras na barriga dolorida —, nunca serei!

— Por que está me machucando? Pensei que estivesse mesmo

arrependido... — a respiração parecia sofrer algum bloqueio.

— Não seja tão burra — o insulto fora pesado —, quando foi que me viu

arrependido? Antes eu não tinha poderes, mas agora tenho, não preciso mais de

você, a não ser que esteja disposta a viver por mim...

— O que você quer?

— Quero que me entregue Renata, quero que prepare uma emboscada para

que eu a pegue e assim conquiste a totalidade! Esse é o preço para que saia daqui

viva, aceita?

— Para com isso, não quero machucá-lo — Jéssica disse entre os dentes,

sentia a força da transformação tomar seu corpo.

— Você não pode me machucar, é a mim que ama, não vai conseguir —

Eduardo tinha a provocação na voz, provocação tal nunca tida antes.

Transformando-se enraivecidamente a modelo usou sua potente força para

arrancar as garras de seu opressor do seu corpo. Encarando-o com os brilhantes

olhos amarelos a mulher uivou apavorantemente, assustando os pássaros que

tranqüilos dormiam.

— Eu odeio ser enganada — chutando o seu rival com tamanha ira o lançou

para longe.

Como um home covarde Eduardo correu floresta dentro, desistia da luta por

causa do medo agonizante que o tomou.

Contente pela forma como os negócios iam, Renata junto ao namorado que

agora trabalhava na Button Modas, entrou em seu carro, ambos iriam juntos a um

dos mais sofisticados restaurantes de São Paulo, queriam descansar o dia de

trabalho. Enquanto passavam pela deserta rodovia, que daria acesso ao destino, a

estilista indagou:

— Quer dizer que tenho um Arrow* ao meu lado? Sinto-me muito mais

protegida.

— Como se precisasse, minha loba — Jonas tirou risadas da noiva —. Sim,

aprendi alguns truques com Jéssica e outros com meu pai, nunca é demais

conhecer técnicas de sobrevivência.

— Ainda mais quando se vive em um mundo sobrenatural como o nosso.

— Ao menos lutaremos juntos e eu juro que sempre estarei ao seu lado.

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Se não fosse a freiada brusca de Renata, o jovem consultor a teria beijado.

Diante do carro um corpo estava esticado sobre o chão, parecia ser de um

homem, ao seu redor uma poça estava formada.

— Eu vou lá! — Jonas já estava pronto para abrir a porta, mas Renata o

interrompeu.

— Fique aqui dentro, eu vou.

— Eu também — o rapaz teimou —. Ele está ensangüentado, deve precisar

de ajuda.

— Aquilo não é sangue — a estilista apontou para o próprio nariz, seu

aperfeiçoado olfato logo foi capaz de distinguir as intenções da “vítima” —.

Cheira a trapaça. Fique aqui.

Aproximando-se cautelosamente daquele que sobre o chão estava a mulher

proferiu:

— Não seja covarde e me enfrente como homem!

Dando gargalhadas a criatura se levantou, ainda de costas para Renata soou

a grave voz:

— Como conseguiu tanta habilidade em tão pouco tempo?

— Sou a Alfa sobre qualquer ser como você, posso destruir a qualquer um!

— Quanta audácia... Sua autoconfiança me impressiona, sua determinação

me diverte...

— O que você quer?

— Ter uma conversa pacífica.

— Mentiu — a mulher fez uso da invejável audição que o sobrenatural lhe

concedera —. Seu coração saiu do ritmo.

— Você é esperta — o homem se virou ligeiramente —, mas nem tanto.

Ágil, Egídio golpeou sua presa com força suficiente para arremessá-la sobre

o carro e lhe fazer se chocar violentamente contra o chão.

— Acho que Verônica Morgan vai gostar do meu presentinho.

Já transformada Renata se colocou em pé, com tamanha fúria correu ao

encontro de seu adversário, erguendo-o com apenas uma das mãos bramou:

— Adoraríamos que estreasse nossa prisão!

Chocando o opressor contra o chão abriu um buraco no asfalto, assustadora

fora a sua força.

— Você é forte — sentindo cada osso quebrado se curar Egídio lançou do

bolso certo pó sobre sua rival —, mas precisa ser mais esperta!

Sentindo-se enfraquecida Renata tornou à forma humana, desmaiada.

— Verônica que me perdoe, mas não posso deixar essa oportunidade passar.

Pronto para ferir a mulher na garganta o ex-diretor na Morgan Modas foi

interrompido por Jonas, que o tinha na mira da arma.

— A bala é de prata. Sei que o mata.

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— Olha só para você, um frango — o sombrio ser ironizou ao rir —. Está

mais do que na cara sua falta de experiência, acho que não mataria nem uma

mosca.

— Você sabe que lhe odeio, sabe que sempre foi uma pedra no meu

caminho — o rapaz tinha um olhar furioso —. Sempre se opôs às minhas ideias,

colocou Verônica contra mim, fez o meu serviço por menos naquele lugar... Acha

mesmo que sou incapaz de atirar em alguém como você?

— Não é um assassino — o parceiro da senhora Morgan tentou usar seu

poder de manipulação.

— Até hoje — Jonas se preparou para apertar o gatilho.

Vendo que aquele que sempre subestimou não estava para brincadeiras

Egídio resolveu trapacear, colocando Renata como seu escudo proferiu:

— Atire e será ela quem morrerá!

O jovem consultor, agora também guerreiro, não sabia o que fazer, temia

errar o alvo, mas não queria deixar aquele homem escapar ileso.

— Sua prisão está pronta, meu filho? — Raul apareceu por trás daquele

verdadeiro monstro.

— Quero muito estreá-la — Jonas deu um contente sorriso.

— Dorme, lobinho, quando acordar irá desejar o fim do sofrimento, talvez

tire a própria vida!

De onde estava o caçador lançou sua flecha contra o abominável home que

não teve tempo para reagir. A ponta do objeto fatal estava infectada por um

sonífero capaz de derrubar Egídio logo que o acertasse.

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*Arrow (Arqueiro): referência à série de televisão.

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Capítulo 36 – Domínio

“O poder, quando em mãos erradas, causa a destruição”

O porão da mansão Morgan, já limpo das sujeiras de Verônica, agora servia

como prisão para um dos mais terríveis lobisomens, que ao invés de usar o seu

poder a fim de instaurar a paz o usava para causar o caos, a dor. Preso por

algemas sobre grades fortificadas Egídio aos poucos acordava, notando olhos

atentos em sua direção.

— Acham mesmo que podem se segurar? — o homem resmungou, a voz

mal saía e a força que fazia na intenção de arrebentar as algemas era inútil.

— Temos certeza! — Raul tinha um olhar provocador.

— Se estiver disposto a um tratamento menos doloroso achamos melhor

que abra o jogo — Renata se colocou perante aquele que quase lhe tirara a vida

—. O que aconteceu com Eduardo e Pedro? O que fizeram com eles?

Gargalhando ironicamente o antigo diretor da Morgan Modas respondeu

cansado:

— Absolutamente nada... Apenas escolheram o caminho mais fácil, o

caminho do lucro... Se quiser os seus amigos de volta se una a eles!

— O famoso trapaceiro — Raul começou —. Se não quiser dizer a verdade

comece a se acostumar com os sombrios dias que virão.

— Talvez ele esteja certo — Jéssica deu razão ao venenoso homem —. Por

certo estão encantados pelo poder que poder alcançar e se corromperam...

— Eu estou certo — Egídio continuou a manipular seus ouvintes —. Acha

mesmo que um homem que a abandonou quando estava doente iria mesmo

ressurgir arrependido? Agora ele é forte, a verdadeira essência que carrega

começou a se exalar, ele não o...

Uma descarga elétrica dado por Raul usando os equipamentos de alta

tensão calou aquela perversa alma, seu dono não havia morrido, apenas

desmaiado.

— Não dêem ouvidos a trapaceiros — o caçador aconselhou.

— Acredite que ele o ama — Jonas tomou a palavra —. Nós vamos descobrir

o que está acontecendo por trás de toda essa história.

— Não há nada para ser descoberto — Eduardo surgiu no ambiente pouco

iluminado —. Apenas escolhi o caminho mais fácil.

— Nunca fazer o mal é mais fácil — Letícia se colocou diante Jéssica —.

Apenas o afunda em sua própria perversidade.

— Como conseguiu entrar? — Jonas já tinha o rapaz na mira de sua arma.

Gargalhando, Eduardo respondeu:

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— Conheço essa casa como a palma da minha mão, assim como conheço

cada um de vocês.

— É o poder de Alfa que anseia?! — Renata indagou despertando suas

garras —. Vem pegar!

— Bater em mulher é covardia — o rapaz possuía um tom de zombaria —. E

eu não preciso disso.

Brilhando os olhos amarelos Eduardo prendeu a estilista em seu olhar, o

que parecia impossível agora acontecia: Renata estava sendo controlada por

aquele ser.

— Mate os seus amigos!

Sem domínio algum sobre suas atitudes a mulher encarava cada pessoa que

sempre esteve ao seu lado com ira, com fúria. Seu rosnado enraivecido colocou a

todos em tensão, não podiam machucá-la, mas precisavam sobreviver.

Em menos de um segundo a mente de Raul desvendou o que precisava ser

feito, mirando sua arma de choque contra o lobisomem fez seu disparo. Prevendo

a intenção do caçador Jéssica se jogou perante aquele que amava, recebendo toda

a descarga, caindo desacordada.

— Atira nele! — o homem irado ordenou ao filho.

Percebendo o que acontecia ao seu redor Eduardo se desconcentrou no

domínio que possuía sobre a estilista, para se salvar correu como fugitivo. Caindo

de joelhos sobre o chão Renata procurava o ar, desentendida não conseguia se

recordar do que acabara de viver.

Procurando os sinais vitais em Jéssica, Raul fez sua declaração:

— Ela os controlou. Verônica Morgan os dominou!

A Floresta dos Alfas, um dos poucos lugares não freqüentados por humanos

na Grande São Paulo, um dos lugares marcados pelas catástrofes do sobrenatural.

Entre seus confins uma tenebrosa caverna escondia uma ardilosa alma, era ali que

Verônica se escondia do resto do mundo.

Adentrando o lugar Eduardo se colocou perante a mulher com um gesto de

reverência, como se ela fosse alguma autoridade sobre ele, de fato era.

— Não precisa se envergonhar, não é fácil lutar sozinho — a decadente

estilista acariciava o rosto do rapaz, já na forma de homem —. Ao menos

mostramos todo o nosso poder, toda a nossa fúria. Nunca serão capazes de nos

vencer, é só uma questão de tempo para que o reinado seja apenas nosso... Quem

é a alfa mais poderosa?

Erguendo a cabeça para encarar os olhos de sua superiora, o rapaz

respondeu convicto:

— Você!

— Apenas eu!

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[22 de novembro de 2016]

Durante toda a madrugada Raul esteve no porão da enorme mansão

vigiando seu prisioneiro, sua real intenção era tentar descobrir como derrotar

alguém tão perigoso, disposto a dominar qualquer coisa.

— Finalmente acordou... Pensei que estivesse morto.

— Até parece que não me conhece... Já enfrentei coisas piores que isso, é só

uma questão de tempo para que minhas forças se recuperem.

— Sabe que isso não vai acontecer, não sabe? — Raul acionou o botão do

gerador de energia fazendo uma leve descarga, o suficiente para que Egídio

mordesse os próprios lábios cortando-os —. Por que não facilita as coisas? Diga-

me qual é a fraqueza de vil mulher, eu a destruo e você estará salvo.

— Na verdade quer dizer que perderei os meus poderes... Tentando me

manipular? Faríamos uma bela dupla juntos, não acha? — debochou.

— Cala a boca — revirando os olhos o caçador acionou o mesmo botão

novamente —. Não acha mais fácil revelar a verdade?

Ofegante, o home respondeu:

— A fraqueza daquela mulher está diante os seus olhos, mas você não vê...

— Poderia ser mais claro?

— Já dei uma dica. Se acha tão inteligente, esperto, prove isso agora!

— Onde ela se esconde?

— Vai lhe enfrentar?

— Vou lhe destruir!

Rindo desacreditado Egídio deu sua resposta:

— Em uma caverna na floresta... Boa sorte, se sair com vida dessa guerra

será um exemplo vivo do que é milagre!

*

Já em seu primeiro dia de trabalho Erick se mostrou um grande profissional,

seu talento para lidar com as câmeras era invejável, parecia ser alguém de outro

mundo.

— Confesso que suas fotos ficaram ótimas — Renata recebeu o modelo em

sua sala —. Desde que Pedro sumiu fiquei temerosa por não encontrar alguém

que pudesse o substituir, mas agora vejo que fiz um ótimo negócio.

— Só posso agradecer pela oportunidade que estou tendo. Finalmente meus

sonhos se realizarão.

— Fico feliz em saber que nossa empresa o agrada, aqui a prioridade é

satisfazer aos funcionários e depois os clientes.

O rapaz mal ouvia o que a estilista dizia, a beleza daquela mulher

simplesmente o enfeitiçava, deixava-o em transe. Desde que a vira no dia anterior

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não conseguia lhe tirar da cabeça, esquecia-se até mesmo que já era uma mulher

comprometida.

— Podia ser modelo também — Erick encarava os olhos de Renata com

sedução —. Tem capacidade para isso.

Um pouco constrangida a mulher questionou:

— O que quer dizer?

— Quero dizer que é muito bonita e que ficar perto de você me descontrola.

Sem rever suas atitudes o jovem modelo roubou um beijo da admirada

estilista.

— O que significa isso? — Jonas não conseguia assimilar direito o que viu.

Empurrando o rapaz Renata o indagou irritada:

— Sou em quem pergunta, por que fez isso?

— Você é dos Morgan! — Erick tinha o espanto no rosto —. Eu não

acredito!

— Será que pode nos explicar o que está acontecendo?

— São as sombras... As sombras do passado!

Em um segundo o modelo sumiu do lugar, o que ficou foi a incógnita.

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Capítulo 37 – Trapaça

“A trapaça, embora inteligente, é uma arma usada por fracos, capaz de ferir

os fortes”

O que um pai não faz pelo filho? Se necessário toma atitudes impensáveis,

comporta-se de maneira agressora, tudo para que aquele que tem um pouco de si

não passe por maus momentos.

“Era uma tarde quente. O vento que soprava sobre a praia era refrescante, o

tranquilo mar convidava a um mergulho.

— Pai, posso nadar? — o pequeno garoto de sete anos pediu.

— Tudo bem, meu filho, mas não vá tão longe — o dono do quiosque

aconselhou —. Estou de olho — avisou.

Com todo o entusiasmo infantil a criança correu pela areia da praia jogando

de lado a camisa e dando gargalhadas ao sentir o toque da água, o tremular das

ondas. De onde estava o pai o observava com atenção, via naquele ser o que seria

motivo de orgulho mais tarde, imaginava um brilhante futuro.

Enjoado com a parte rasa daquela imensidão de águas o pequeno resolveu se

aventurar mais. Destemido, fez o seu mergulho um pouco mais fundo, despercebido

foi atingido por uma onda violenta, que o impossibilitou de nadar. Com o desespero

já o tomando o menino se debatia, mas em vão.

— Alguém me ajuda! — as palavras saíam enquanto goles de água entravam

—. Pai!

Notando que algo errado acontecia o homem saiu em disparada. Perdera

muitas pessoas em sua vida, não deixaria que o destino levasse mais alguém que

muito amava. Tendo como objetivo salvar o filho, aquele pai lutou contra as ondas

até ter a criança em seus braços.

— Não falei para não ir muito longe?! — passado o perigo o homem se

preparou paras iniciar a bronca.

— Você é o meu herói! — à beira-mar, com os olhos lacrimejantes, o garoto

quebrantou o coração de seu pai —. Agora sei que sempre me ajudará!

Sorrindo tranquilo aquele pai de bom coração envolveu seu bem mais precioso

em um forte abraço, querendo dizer: ‘Eu te amo’”.

Observando uma das poucas fotos que tinha do filho quando ainda mais

novo, Raul se lembrou daquele episódio, uma discreta lágrima rompeu a barreira

que seus olhos criavam molhando o retrato. Levantando-se da cama tendo

consigo uma maleta o experiente caçador proferiu entre as quatro paredes:

— Vou agora mesmo lhe salvar!

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Abrindo a porta do apartamento Raul se assustou ao se deparar com Letícia,

que firmemente o encarava:

— Eu vou com você.

— Como sabia?

— Eu não sei como, apenas sei que sei e você não vai me impedir.

— Conversaremos mais tarde sobre isso — estranhou —. Está certa do que

quer? É uma operação arriscada.

— O Pedro não apenas uma parte sua, é minha também — deixando os

olhos conquistarem o amarelo brilhante a garota concluiu: — E eu não vou deixar

que a história se repita.

A posição do sol no céu indicava que o relógio marcava o meio-dia. Antes de

descer do carro o homem perguntou à sua companheira com certa preocupação:

— Está mesmo certa do que fará? Estamos lidando com uma alfa poderosa,

capaz de controlar mentes, poucos lobisomens são capazes de tal proeza.

— É tudo o que mais quero... Além de ser o objetivo de Renata manter a paz

com os homens, é meu objetivo vingar a morte dos meus pais agora que sei quem

é a responsável.

— Lembre-se do que combinamos, sem luta. Vamos apenas conversar e

tentar uma maneira de libertar os rapazes.

— Pode confiar em mim — sorriu confiante.

— Ótimo — pronto para descer do veículo o caçador se lembrou de mais

uma instrução: — Ela só pode controlar a mente de lobisomens transformados,

então se esforce ao máximo.

— E se eu não conseguir?

— Não a encare nos olhos!

Os passos por aquela sangrenta floresta, símbolo da desgraça de muitos

inocentes, eram dados sobre total cautela. Armadilhas de tempos antigos ainda

poderiam estar escondidas, todo o cuidado ainda era muito pouco.

Raul sabia exatamente onde Verônica podia se esconder, havia ido direto ao

ponto. Após quase uma hora de caminhada aqueles que planejavam um resgate

estavam perante a tenebrosa caverna.

— Vamos entrar? — a modelo perguntou assustada.

— Se não quiser não precisa — o homem foi compreensivo.

— Já cheguei até aqui, vou até o fim — persistiu.

— Fique atrás de mim — o caçador pegou seu tradicional revólver de

choque —. Não saia por nada.

A movimentos quase inaudíveis ambos adentraram o lugar, no qual a luz do

sol não passava. O pesado breu obrigou Raul a usar sua lanterna, cada detalhe

precisava ser notado.

— Ela está aqui — a garota sussurrou —. Sinto o seu cheiro.

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— Sinal de que estamos no caminho certo.

Invadindo ainda mais a caverna puderam notar uma ala iluminada,

aproximando-se ouviram a voz da senhora Morgan.

— Sejam bem-vindos à minha humilde residência, desde já peço perdão

pela recepção.

Do escuro Eduardo surgiu feito uma fera, se não fosse o escudo que protegia

caçador e aliada o rapaz teria alcançado o seu objetivo: extermínio. Sendo

lançado ao longe por uma força invisível sua queda assustou até mesmo Verônica.

— Objetos de tramazeira, capazes de deter seres sobrenaturais — Raul disse

com desprezo —. Acha mesmo que viria despreparado?

— O que faz aqui? — a mulher se levantou do que seria seu trono, mas não

passava de uma cadeira bizarra feita com madeira podre —. Não me importune

com filosofias do tipo “use seu poder para o bem” ou “deixe os inocentes em paz”.

Eu não me importo com o bem muito menos com os inocentes, eu provoco a

ruína! — socando com força o chão Verônica se transformou no monstro que era

e uivou com ira tamanha para acelerar os corações dos que ali estavam.

— Eu só quero o meu filho de volta — Raul se colocou em posição de

guerra.

— Por que não disse antes? — a descomunal voz grossa soou —. Se é isso o

que quer...

— Pai? Letícia? — Pedro saiu do escuro revelando sua presença -. Sabia que

viriam!

— É você mesmo? — Letícia indagou desconfiada.

— Claro que sim.

— Não dê ouvidos — o caçador ordenou sussurrando —. Esse não é ele.

— Como pode dizer isso, pai? Não conhece o seu filho o suficiente para

distingui-lo?

— Não adianta, Pedro — Verônica possuía um sorriso perverso —.

Esqueceu que não se viam há anos? Ele não o conhece, não se importa com você,

não o ama!

— Isso não é verdade! — o homem se irou —. Enquanto estive preso

naquele porão me lembrei de você todos os dias, procurava maneiras de sair

daquele lugar para me reencontrar com você, contar o quanto senti a sua falta.

— Então prove — o garoto pediu entre lágrimas.

— O que quer que eu faça? — Raul se rendeu, esqueceu-se de que a guerra

era com trapaceiros.

— Deixe a garota que eu gosto me dar um abraço.

Já pronta para ir ao encontro daquele que lhe despertara diferentes

sentimentos Letícia foi barrada pelo braço do caçador.

— Só assim saberemos se é verdade e o que faremos a seguir — a modelo

disse tranqüila, convencendo o homem.

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Já próxima a Pedro foi surpreendida pelo ataque do jovem lobisomem, que a

segurava pelo pescoço com as garras já a mostra.

— Precisa melhoras suas habilidades — o garoto ironizou —, teria sentido o

cheiro da trapaça.

— Matar ou não? — Verônica fez a descabível pergunta —. É uma vergonha

para a nossa raça ter alguém tão inexperiente.

Transformando-se na raivosa fera Letícia tirou com violência as mãos que a

sufocavam, erguendo seu opressor do chão o prensou contra a parede, agora era a

sua vez de mostrar o quão “inexperiente” era.

— Você não vai conseguir — Verônica anunciou —. Não pode machucá-lo,

o ama.

— Ele não é o Pedro que eu amo — a modelo rosnou lançando o garoto

contra o chão, fazendo-o desmaiar pela pancada na cabeça.

Preparada para atacar a rival, a terrível Alfa sentiu a flecha inflamada por

Raul se aproximar de sua cabeça. Inacreditavelmente ágil a senhora Morgan se

virou, segurando no ar o artefato fatal.

— É sério? — riu descrente —. Arrependa-se!

Furiosa, a ardilosa mulher lançou a flecha contra o caçador, ferindo-o na

barriga.

— Agora o assunto é com você — Verônica ameaçou a modelo.

Esperta, Letícia tirou do bolso o pó que guardava e o lançando contra um

alguém tão pervertido o fez o correr.

— O pó fatal! — comemorou.

Preocupada com Raul a garota o colocou nas costas e correu em busca da

saída. Sobre a iluminada floresta repousou o homem sobre a relva.

— O que eu faço?

— Tire isso de mim — o caçador suava pela dor.

A modelo precisou se esquecer um pouco dos sentimentos humanos e, com

força, arrancou aquele objeto do corpo de Raul, fazendo-o gritar estridentemente.

— Você está bem?

— Precisamos ir para casa, tenho que tomar o antídoto.

— E se não tomar? Acho que vai morrer! — Eduardo saiu por entre as

árvores, possuindo um olhar cruel.

Continua...

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Capítulo 38 – Vencido, mas não derrotada

“Uma guerra é feita por batalhas. O vitorioso nem sempre vence todas, mas o

suficiente para derrotar seu adversário”

O poder de Verônica era tanto que mesmo de longe ela ainda dominava a

mente daqueles que conquistara, bastasse para isso apenas um contato visual, e

fatal.

Transformando-se em plena luz do dia, embora que com certa dificuldade,

Letícia se colocou à vanguarda de Raul, o homem que lhe ensinara o

autocontrole, o único que poderia ajudar naquela guerra contra o mal.

— Acha mesmo que pode contra mim? — Eduardo sentiu as garras

rasgarem seus dedos e os caninos aumentarem de tamanho —. Ser ferido por

uma insignificante mulher foi muito para o meu orgulho próprio, agora vou

mostrar como é que se trata uma dama.

— Vou lhe fazer comer os próprios dentes — ela se irritou com o desaforo.

Pronta para atacar a garota foi interrompida pelo caçador que, com sangue

escorrendo pela boca, fez mais um de seus ensinamentos:

— Sozinha você não vai conseguir... Lobo quando precisa se comunicar com

sua alcatéia uiva com bravura, você precisa dos seus amigos.

Antes de obedecer a modelo pensou, seria o certo a se fazer? Seria ela

incapaz de enfrentar sozinha alguém tão desprezível? A luta não era contra

Eduardo, mas sim contra Verônica. Precisava mesmo de ajuda?

Como se lesse os pensamentos daquela que estava diante os seus olhos o

rapaz proferiu:

— Ouça a voz da experiência, a menos que queira ser destroçada.

Pedir ajuda nunca foi um gesto de vergonha, mas de humildade por

reconhecer a própria fragilidade. Convicta do que faria Letícia uivou contra o céu

azulado o suficiente para alvoroçar até os pequeninos insetos da floresta, o

suficiente para que a ouvissem.

Aplaudindo contente, como se o que tivesse planejado havia dado certo,

Verônica surgiu ao lado de Eduardo, acariciando-lhe o rosto elogiou:

— Sempre tão prestativo.

Incrédula, a garota indagou:

— O pó não teve efeito? Como isso é possível?

— Acho que alguém precisa rever as lições de casa — a assombrosa criatura

encarou Raul que sentia os efeitos do veneno na flecha infectada —. Eu, além de

Alta, controlo mentes... Acham mesmo que uma simples poeira pode me segurar?

Isso é fraqueza de principiantes, de criaturas insignificantes. Para que me

derrotem precisam de mais do que um simples pó, precisam ferir o que não veem!

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— Por que não desiste dessas atrocidades? Não se cansa de ver tantas

pessoas sofrerem? Não acha mais gratificante para a própria existência espalhar a

paz e o amor? Por que não se desfaz desse ódio que a envenena mais e mais, que

a afunda em melancólicas sombras? Em seu olhar não há prazer, não há

felicidade, não há satisfação. A história de toda humanidade sempre foi

acompanhada por dois lados: o bem e o mal; o bem, embora que vencido, nunca

fora derrotado, levantou-se do pó e instaurou o seu fulgor. Acha mesmo que pode

derrotar a bondade que luta contra a sua perversão? — a garota se transformou

em uma verdadeira filósofa.

Mantendo-se em silêncio até o fim do discurso de sua rival a desacreditada

estilista soltou uma de suas gargalhadas horripilantes como se tudo o que ouvira

fosse uma piada, ridicularizando cada palavra.

— Durante todos esses anos que vivemos juntas já era para estar mais do

que claro que não tenho sentimento algum, a não ser os mais horríveis — a

perversa começou seu pensamento —. De que me importa o amor se de mim o

roubaram? De que me importa a paz se nunca a provei? Como tudo nessa vida

tem a sua primeira vez talvez seja o momento para que o mal finalmente derrote

o bem, não medirei esforços para trazer eternas sombras a um mundo tão injusto!

— Não adianta tentar convencê-la, a crueldade já a domina — virando-se

para o rapaz que era mentido em um atormentante transe a modelo tentou salvá-

lo: — Eduardo, olhe para mim, foque no que vou te falar. Você não é esse

monstro cruel que parece ser, não tem uma mente corrompida, é o homem que

ama um alguém especial, é o homem que nesses últimos dias lutou a fim de

reconquistar um amor entristecido... Não se deixe vencer por forças de alguém

pervertido, seja mais forte do que isso, precisa lutar contra si mesmo, preciso

acreditar!

— Poupe-nos de bobagens — o homem declarou frio —. Minha vontade é

arrancar cada fio de cabelo da sua cabeça e escrever meu nome em seu rosto com

as garras que ganhei, mas será muito melhor vê-la agonizar pela morte de alguém

tão querido— apontou com desprezo para Raul.

O caçador estava pálido, suas mãos tremiam e de sua testa escorria o suor

da dor. Lutava o máximo que podia para manter o ritmo do coração e a ofegante

respiração, esforçava-se por manter os olhos abetos, guerreava pela sobrevivência.

— Raul, meu querido, você sabe que pode se salvar — a voz de Verônica era

cercada por suspense —, basta querer!

— Letícia, uive mais uma vez — o pobre homem pediu soando a rouca voz.

Prontamente a modelo obedeceu, precisava salvar aquele que também

amava.

Estacionados em frente à caverna na qual Verônica se escondia, Jonas,

Renata e Jéssica nada encontraram, julgaram estar enganados quanto ao som de

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desespero proferido por algum membro da alcatéia que estava em perigo, se não

fosse pelo novo uivo desesperado teriam desistido da busca.

Como flashes de visões Jéssica viu Raul recostado sobre uma pedra,

tentando dificultosamente sobreviver. Tonta pelas confusões que se formaram em

sua mente a modelo preocupou aqueles que com ela estavam.

— Você está bem? — Renata indagou.

A mulher sentiu que não tinha tempo para explicações, tratou de se

recompor e saindo do carro anunciou:

— Eu sei onde estão, venha!

— Jonas, fique aqui — a estilista pediu ao noivo —, precisamos de

retaguarda.

— Tome cuidado — o jovem consultor mostrou sua preocupação —, e volte

bem.

Ambos deram um suave beijo, parecia de despedida.

— Finalmente, o bando reunido! — Verônica se maravilhou ao notar a

presença daquelas que esperava.

— O que está acontecendo? — Renata foi áspera ao questionar.

— Vocês caíram na emboscada — estalando os dedos a ardilosa criatura

chamou para o seu lado Pedro —. Letícia, acha mesmo que a deixaria sair daqui

viva? Você é a isca, e elas o peixe.

Colocando-se em defesa da amiga a Alfa dos alfas ordenou:

— Leve-o para o carro, nós cuidamos da fútil!

Sendo levantado pelos fortes braços da garota Raul aconselhou às outras:

— Não olhem nos olhos dessa mulher estando transformadas, ou elas as

dominará...

Reconhecendo que era o carro do filho para onde estava sendo levado o

caçador respirou aliviado.

— Trouxe a maleta? — sua voz era quase inaudível.

— Sim. Do que precisa? — o jovem já sabia estava bem preparado.

— Do antídoto!

Encarando a sobrinha com olhos de astúcia Verônica perguntou:

— Não vão se transformar?

— Não vamos cair nessa — Jéssica se colocou ao lado da amiga.

— Não seremos dominadas por alguém tão vil — Renata enfrentou sua

inimiga.

— Ataquem-nas!

Transformados nas medonhas feras Pedro e Eduardo correram contra as

aparentes desprotegidas mulheres, que se mantinham imóveis com um sorriso

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nos rostos. Próximos de suas vítimas os rapazes foram barrados por algo invisível,

que os lançou ao ar.

— E então, Verônica? Vai nos encarar? — Renata provocou.

— Pó de tramazeira de novo? — a sombria criatura, transformada no que

era, soou sua voz grave enquanto revirava os olhos, incrédula —. Pobres

iniciantes.

A passos precavidos ela estendeu o braço à sua dianteira enquanto se dirigia

às suas opressoras, sentindo o escudo barrar seu avanço o perfurou com fúria,

procurando rasgá-lo.

Em pé do lado de fora Jonas mantinha seu olhar na direção em que sua

amada havia ido, ansioso por vê-la novamente e senti-la em seus braços. Em certo

momento viu como se um raio caísse do céu limpo de nuvens, ágil pulou para

dentro do carro, acelerou floresta dentro.

Assustadas pelo que Verônica fora capaz de fazer as mulheres não tiveram

reação alguma, não podiam arriscar suas intenções:

— Que a totalidade seja apenas minha!

— Parada! — Jonas tinha em mãos seu revólver, a bala de prata —. Ou será

que quer morrer?

Apenas de ouvir o som da voz do rapaz a mulher se enfraqueceu,

surpreendentemente aos poucos retomava sua forma humana, desesperada se

enfiou na mata em busca de esconderijo.

Do carro Raul a tudo assistiu, sua preocupação nasceu.

— É ele!

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Capítulo 39 – Amar...

“Cada um, ao seu modo, define o que é amar...”

Amar é suportar.

Amar é compreender.

Amar é entender.

Amar é estar sempre pronto a ajudar.

Amar é demonstrar que ama.

Não há vergonha em amar. Não erro em amar. Não há dúvida em amar.

Amar é um emaranhado de definições, todas escritas pelo coração, todas

confortando as almas sedentas por amor.

O amor, em suas diversas formas, nunca foi e nunca será um erro. Erro é

não saber retribuir.

Amar também envolve reciprocidade.

Amar e ser amado, existe coisa melhor?

*

“Um disparo. Uma vítima. Gritos de dor. Lágrimas de desespero. Passos

assustados. Vozes amedrontadas. Uma multidão em círculo, em seu centro um

casal: ela sentada no asfalto quente da violenta cidade, ele desfalecido em seus

braços enquanto sangrava, enquanto via a escuridão se aproximar.

— Você não pode me deixar, não dessa maneira — a mulher chorava lágrimas

de agonia, abraçava aquele ser como se fosse tudo o que tinha, de fato era.

— Não quero deixá-la, não agora que finalmente a conquistei — o homem

passeava as costas das mãos no delicado e suave rosto da tão amada pessoa —.

Mas minhas forças pouco a pouco se esgotam, pouco a pouco se acabam.

— Eu sabia... Eu sabia que não devia ter perdido tempo com bobeiras, não

devia ter sido tão insegura, devia ter aceitado que o amo mais que tudo, devia ter

me entregue de corpo e alma.

— Não se culpe dessa maneira — o rosto do ferido já era pálido, a voz

começara a fraquejar —. Ao menos ouvi de sua boca o que mais almejei em toda a

minha vida...

— Evite esforços, concentre-se em se salvar para mim, para nós — a mulher

derramava um choro intenso.

— Deixe-me falar — o homem pediu em meio ao agonizante choro —. Sabia

que se parece com um anjo? Seus olhos, sua boca, seu rosto... Tudo em você com

traços angelicais... Sua doce voz, não existe som melhor... Seu sorriso, não há visão

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que se compare... Não é apenas sua beleza celeste que me fascina, mas também sua

alma esplêndida, repleta de sabedoria e amor, repleta de sinceridade...

— Tão sábia que me deixou enganar pelas dúvidas do passado, fez-me perder

tempo, agora causa em meu peito uma dor tremenda, causa o medo com apenas a

possibilidade de lhe perder, sinto-me culpada por não saber amar...

Antes que o afligido pudesse falar algo uma tosse o tomou, a tosse do fim.

Lutando por mais alguns segundos de fôlego aquela alma fez o seu pedido:

— Beije-me...

Com o coração apertado a mulher declarou o que deveria ter dito há muito

tempo:

— Eu te amo... Para sempre o amarei, passe o tempo que passar...

Selando os ardentes lábios a mulher, pela primeira vez, sentiu o prazer que o

beijo daquele que em oculto sempre amou lhe causara, seria o melhor momento de

sua vida se em um instante o homem não fechasse os olhos para nunca mais os

abrir.

Fim”

Após o agitado dia de trabalho e aventuras ao encarar Verônica, Renata

estava em seu apartamento, deitada no confortável sofá, assistindo ao romântico

filme “Tempo Perdido” *. Atrás de si Jonas a envolvia em seus braços, também

entretido pela envolvente história. O inesperado fim deixou o casal sem reação,

os créditos do filme passeavam pela TV enquanto o silêncio dominava o

ambiente.

— Você me ama? — Jonas quebrou o transe.

Surpresa pela pergunta Renata procurou as palavras certas:

— Nunca poderei amar alguém da forma com te amo...

— Sabe o que esse filme me ensinou?

— Que não podemos perder tempo ao se tratar de amor?

— Também... — o rapaz se aconchegou no abraço —. O maior ensinamento

é de que não devemos nos envergonhar ou intimidar ao demonstrar tão nobre

sentimento, seja por atitudes ou palavras é importante deixá-lo à mostra, sem

medo algum... Então é bom que saiba que a amo independente de qualquer coisa,

sinto que nunca deixarei de lhe amar, a vejo como parte de mim, uma parte

fundamental sem a qual a morte será o meu fim.

Querendo sentir ainda mais o calor que emanava do corpo do noivo Renata

se mexeu no sofá, de olhos fechados, sentindo as carícias no rosto dadas por

aquele que significava tanto em sua vida, a estilista se declarou um pouco mais:

— Até um tempo atrás se a minha vida dependesse de escrever sobre o

amor eu não teria palavras para me expressar, afinal meu coração era vazio de tal

virtude. Conheci um rapaz atraente, encantador, de fala bonita, que me

enfeitiçou com apenas um olhar, prendeu-me a ele com apenas o som da voz,

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invadiu os meus pensamentos com aquele singelo sorriso... De início tentei me

esconder, tentei resistir, mas desde o primeiro toque fui tomada pelo desejo de

poder lhe tocar sempre, de ouvir sua voz sempre, de navegar em seu sorriso

sempre, de encarar os seus olhos verdes sempre... Hoje em dia se a minha vida

dependesse de escrever sobre o amor eu diria que ele é combustível da alma, é o

que dá vida ao coração, tira-nos o medo e nos enche de coragem, dá-nos prazeres

inigualáveis... Diria que você o representa, porque é tudo isso que sinto estando

ao seu lado.

O jovem consultor não pôde conter as emotivas lágrimas, era um “cara”

sensível. Nunca, em toda sua vida, sentiu-se tão amado, aquela era a melhor

sensação.

— Eu tenho uma surpresa para contar — Jonas se sentou —. É o que desejo

desde o primeiro dia em que a vi, é o que venho sonhando.

— E o que seria? — Renata também se sentou, curiosa.

— Nosso casamento está marcado para daqui dois meses! — os olhos do

rapaz brilharam com a revelação —. Já está tudo quase pronto, apenas falta você

escolher a decoração, fazer a lista de convidados e escolher o vestido...

A estilista nada disse, apenas abaixou a cabeça encarando o vazio do chão e

em silêncio permaneceu.

— Renata...? Não ficou feliz?

— Jonas... — a mulher disse fria —. É claro que eu estou feliz! Meu coração

está explodindo de alegria! — o semblante comprovava isso.

Ao ver a satisfação e o brilho nos olhos daquela que tanto amava Jonas

suspirou aliviado, era apenas mais uma de suas pegadinhas.

Abraçando o noivo como se fosse a única coisa que quis em toda sua

existência, Renata deixou as lágrimas de felicidade rolarem em seu rosto. Feliz

por fazer a mulher de sua vida feliz, Jonas a encarou nos olhos, tentou encontrar

palavras para expressar o que sentia, mas a melhor opção que teve foi lhe beijar

apaixonadamente, com desejo, com paixão, com amor...

*

[23 de novembro de 2016]

Erick não era um rapaz mau, invejoso, disposto a atrapalhar a felicidade

alheia para alcançar seus objetivos, apenas impulsivo, não conseguia se conter

quando se apaixonava, esse era o seu maior problema. Por alguns instantes esteve

apaixonado por Renata, já imaginava um filme no qual ele e a mulher formariam

o casal protagonista, mas ela já tinha a quem amar, já possuía um amor. A paixão

do modelo se acabou, restou a vergonha e o medo por não conseguir imaginar o

que aconteceria em relação ao seu trabalho.

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Adentrando a Button Modas o jovem tentava não se reconhecido, para tal se

escondia por trás dos óculos escuros e um chapéu peculiar o tornava mais

“diferente”. Em frente à sala daquela que quase destruiu a vida o rapaz respirou

fundo. Colocava a mão na maçaneta, mas não encontrava coragem para abrir a

porta, aquela era a mais difícil manhã de toda sua vida.

— Vamos — uma mão pousou sobre o seu ombro —. Eu te ajudo — era

Jonas.

Erick ficou ainda mais nervoso, podia jurar que o consultor das empresas

Button sentia raiva dele, o que não passava de paranóia.

— Erick — a estilista se pôs em pé —. Precisamos conversar.

Continua...

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*Tempo Perdido: filme fictício.

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Capítulo 40 – Sedução

“A sedução quando desvia alguém do caminho do bem para o do mal pode ser

fatal. Feliz é aquele que tem domínio sobre a própria mente”

“Era uma noite de lua cheia, a mais bonita de toda a minha vida, a mais

desastrosa na minha existência. Eu havia a pouco recebido o prêmio de melhor

aluno do colégio, como benefício fui presenteado com uma bolsa de estudos para

uma das melhores escolas da Europa, mais pais e eu festejamos naquela noite o

ocorrido. Nunca fomos influentes no mundo normal, nossa vida era singela,

humilde, discreta, mas sobre o mundo sobrenatural tínhamos grande relevância:

meus pais lideravam um dos mais poderosos grupos de vampiros que tinham como

terríveis inimigos uma das alcatéias de lobisomens ‘hiperpoderosas’.

Tudo corria bem. Comíamos, ríamos, divertíamo-nos e fazíamos plano ao

futuro que nos esperava quando as luzes se apagaram. Achamos que fosse uma

queda de energia passageira até que elas se acenderam novamente e diante os

nossos olhos alguém que nos declarara guerra: a Alfa Sombria, ou como o resto do

mundo conhece, Verônica Morgan.

— Pensei que fôssemos amigos — aquele terrível ser tinha um olhar repleto

de ameaças, instaurava em nós o receio, dava-me pavor o simples ato de encará-la

—. Porém vejo que estão em festa pelas conquistas do nosso pequeno Erick Parker e

nem ao menos me convidaram.

— Não estamos em festa, apenas em uma reservada comemoração — meu

pai se colocou perante mim e minha mãe em um gesto de defesa —. Além do mais

não me lembro de termos laços de amizade.

— Tem razão... Vampiros e lobisomens são rivais por natureza, não posso

forçar algo impossível... Mais cedo ou tarde eu adoraria rasgar suas gargantas —

sobre a sua voz o perigo imperava.

— E nós adoraríamos despejar o seu sangue sobre a podridão do chão, já que

não é digno de ser tomado nem por animais.

— Quanta ofensa... — levou a mão ao peito.

— Diga logo o que você quer... — meu pai apertava as mãos, seu nervosismo

começara a transparecer —. Embora eu já desconfie sobre o assunto quero ouvir da

sua boca que sofreu um blecaute para pobres morcegos!

— Não tenho mais tempo a perder — aquela mulher deixou que a fera que se

escondia em seu corpo fosse liberta, sua transformação era a mais terrível, oscilou

a energia —. Vocês mataram um dos meus, agora é a minha vez de retribuir o

favor!

Verônica vinha se tornando um alguém desprezível, que rejeitava qualquer

sentimento humano que todo sobrenatural ainda pode ter, conforme o tempo

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passava a sua essência se extinguia, apenas lhe importava o poder. Caminhando no

sentido contrário aos da linhagem Morgan a Alfa Sombria criava o seu próprio

exército pervertido pelos seus ideais, cujo objetivo era instaurar as sombras, o caos,

ela seduzia cada membro lhes prometendo poderes, o que não passava de engano.

Uma guerra no mundo que os homens não conhecem foi travada, alcatéias de

lobisomens contra Verônica e seu bando, com facilidade espantosa ela aniquilava a

todos, com exceção daqueles que pertenciam a sua família. Os Parker sempre

tiveram bom relacionamento com os Morgan, venceram a lei da natureza e criaram

um laço amistoso, até que a pervertida Morgan se levantou contra a própria

linhagem querendo o poder supremo a qualquer custo; teve, então, início uma luta

de igual para igual, uma batalha sangrenta. Foi necessária a ajuda amistosa.

Morgan e Parker uniram-se contra Verônica e aos poucos a venciam. Léia, que na

época liderava alcateia, sempre foi muito grata a minha família, nossa ajuda foi

importante, nossa ajuda nos colocou no centro da perseguição.

Buscando refúgio os Parker se espalharam pelo mundo, meus pais começaram

uma nova vida em continente europeu, certos de que a inimiga não os encontraria,

mas o pior aconteceu. Após anos de tranqüilidade Verônica pisava em nossa,

trazendo consigo as sombras que a acompanhavam.

Pulando na direção do meu pai errou o alvo, já que ele era mais rápido e como

em um passe de mágica surgiu no outro canto da sala de jantar, protegendo a mim

e a minha mãe. Enraivecida aquela fera virou seu rosto para nós vagarosamente,

sua voz grossa resmungava palavra inentendíveis.

— Desista, você não nos vencerá!

— Desde quando sou mulher de desistências? Não descanso enquanto não

estiver com o meu objetivo conquistado.

— Então tente a sorte!

A Morgan corrompida dava gargalhada descontrolada, parecia se divertir com

alguma coisa. Levando a mão ao bolso da calça rasgada ela tirou um frasco,

abrindo-o declarou:

— Eu juro que queria pegá-los de uma forma mais justa, mas preciso acabar

logo com isso.

O pó de verbena nos deixou imóveis, apenas víamos e ouvíamos o que

acontecia ao nosso redor, mas não conseguíamos reagir. Com uma cruel satisfação

estampada no rosto aquela mulher, de volta a sua forma humana, aproximava-se

de nós a passos vagarosos, passos calculados.

— Tentei seduzi-los a serem meus parceiros, a lutarem do meu lado, mas

recusaram. Poderiam ter o mundo todo em suas mãos, mas preferiram se juntar

aos de bom coração e foram obrigados a abandonar uma vida já pronta, viveram

dias de angústia, tudo por preferirem o bem... Quantas vezes terei que dizer que ser

bom não ajuda em nada? — sem piedade ou misericórdia Verônica mordeu a

garganta de minha mãe, que agonizou pela ardência —. Por serem do bem agora

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morrem lentamente — sua mordida foi depositada em meu pai, que de tanto

morder os lábios pela dor que o consumia os fez sangrar —. Garotinho, talvez seus

pais não lhe informaram, mas a mordida de um lobisomem em um vampiro é no

mínimo fatal — senti seus dentes tocarem minha pele, mas algo de errado

acontecera, a mulher perdera seus poderes: era Léia bloqueando os poderes de

qualquer lobisomem, aquele era o primeiro aviso da Alfa dos Alfas, que já ameaçava

aniquilar todos os poderes por tempo indeterminado. Covardemente a Alfa Sombria

correu, deixando a dor em meu peito”.

— Então é por isso que se espantou ao descobrir meu sobrenome? —

Renata questionou surpresa pela descoberta —. Como descobriu sem nem

perguntar?

— Ao beijá-la me conectei à sua mente e descobri a verdade — o rapaz

abaixou os olhos —. Mas devo pedir desculpas.

— Deve mesmo — Jonas se manifestou —. Mas antes pode nos explicar o

porquê do beijo?

— Somos seres sensuais, amantes da paixão, apreciadores da beleza

daqueles que em nós despertam algum interesse, não pude me controlar, mas

senti que ela o ama de uma forma inatingível, ela já possui uma paixão, meu

encanto se quebrou e o que me resta é pedir perdão.

— E nós o perdoamos — Renata foi compreensiva.

— Desde que se junte a nós — Jonas completou —. Verônica está mais forte

do que nunca.

— Precisamos da sua ajuda agora que conhecemos outra parte da história

— a estilista concluiu.

Levantando-se Erick revelou sua decisão:

— Adoraria derrotar aquela que deixou sombras em minha vida, aquela que

me fez perder o sentido de viver...

*

Focado em seu trabalho Jonas se assustou ao ver quem entrara em sua sala.

— Verônica? Como conseguiu?!

— Eu sou sobrenatural — a mulher riu —, não preciso de alguém para abrir

a porta.

— O que quer aqui?

— Conversar com o meu filho, aquele que tanto amei.

— Aquele que amarrou em uma cama e ainda tenta matar a pessoa que mais

ama — o rapaz estava sério —. Eu não quero falar com você.

— Quer proteger aquela que ama? Então me escute.

— Não vou acreditar em nada do que disser, então nos poupe tempo.

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— Deixe-me transformá-lo em alguém como eu e a Renata ficará em paz.

— Não sei qual pode ser a sua intenção fazendo essa proposta, mas sei que

não desistiria tão facilmente de alcançar a totalidade. Não acredito em você.

— Pense bem... Eu o amo verdadeiramente. Tendo-a ao meu lado me fará

satisfeita, não terei motivos para continuar com perseguições, irei para longe na

sua companhia, o suficiente para que a sua amada esteja em segurança.

Por alguns segundos o jovem consultor se sentiu tentado em aceitar a

sugestão, mas logo sua mente se iluminou: a conversa era com uma trapaceira.

— Não troco a minha felicidade por nada e ela se baseia em estar ao lado de

Renata lutando junto a ela contra alguém tão desprezível quanto você — não

hesitou na ácida declaração —. Tudo o que sinto pela sua existência é pena e

repulsa. Enquanto for essa mulher cruel viverá com o meu desprezo e nojo —

cada palavra feriu a ardilosa ouvinte.

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Capítulo 41 – Ombro Amigo

“Amigo é aquele que sabe ouvir quando preciso e agir quando necessária. É

aquele que não está disposto em nos ter ao seu lado somente nos momentos de

bonança, mas também nos de aflição”

Em diversos momentos da vida precisamos de forças que nos permitam

passar por maus caminhos, por estradas cheias de obstáculos, por desafios

intensos. Seguramos o choro, engolimos o nó formado em nossas gargantas,

tentamos aquietar o aflito coração, mas chega uma hora na qual as adversidades

são maiores que nossas forças: o choro vem, a voz embarga e o coração se aperta.

Sofremos a dor da alma.

Letícia desde que conhecera Jonas alimentava sentimentos de amor para

com o rapaz, embora nunca confessasse sabia que não era retribuída, não

encontrava nos olhos do rapaz e nem em suas atitudes a reciprocidade, vivia de

ilusão. Ao conhecer Pedro as coisas mudaram, um amor a primeira vista que

vinha dando certo, um relacionamento que lhe fazia bem, os olhares trocados

eram compostos por paixão. A garota se sentia verdadeiramente amada, como

também amava aquele garoto, mas o destino cruel mudou os rumos da história, o

que lhe restara além de saudade era a dor da alma.

Sentada em um dos bancos na área de lazer da Button Modas a modelo

deixava que as lágrimas rolassem após tanto tempo as segurando, ver a real

situação na qual seu namoro se encontrava a entristeceu profundamente,

principalmente por saber que nada poderia fazer.

De longe Renata avistava sua modelo, logo percebeu o choro. Pensando um

pouco antes de tomar a desejada atitude a estilista resolveu se aproximar da

garota e lhe ajudar a carregar os fardos.

— Podemos conversar? — a mulher perguntou cordial.

Enxugando as lágrimas do rosto como se quisesse esconder o choro Letícia

logo respondeu:

— Desculpe-me, já vou voltar ao trabalho.

— Não precisa se intimidar, quero conversar com você, não me parece

muito bem...

Perdendo novamente o controle sobre as lágrimas a modelo desabafou:

— Sinto a falta de uma pessoa.

Sentando-se ao lado da garota Renata cedeu o seu ombro.

— Do Pedro?

— Sim... Eu não imaginava que poderia sentir tanto a falta dele.

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— Sempre sentimos a falta daqueles que tanto gostamos, que tanto

queremos ao nosso lado. Foi muito bonita a forma como a história de vocês teve

início, foi um verdadeiro encontro de almas.

— Mas que agora chegará ao fim. É impossível derrotarmos Verônica,

lutarmos contra alguém que controla mentes é surreal!

— Nós somos surreais,então podemos e vamos conseguir trazer aqueles que

são nossos de volta para casa.

— Como pode ter tanta certeza?

— Sente-se amiga de Jonas, Jéssica, Raul e minha?

Atenta aos olhos daquela que lhe dava atenção Letícia respondeu:

— Claro...

— Então confie em nós, vamos trazer Pedro de volta para você, juntos

somos mais fortes e escreveremos um final feliz para esse capítulo da nossa

história.

Aquelas sábias e acolhedoras palavras encheram a talentosa modelo de

esperança, como forma de agradecimento ela deu um forte abraço naquela que

tempos atrás era vista como rival.

— Depois do trabalho podemos sair para nos divertir. Aceita?

— Renata... Eu preciso pedir desculpas.

— Pelo quê? Não há razão para se retratar comigo.

— Existe sim. Talvez você tenha se esquecido ou apenas deixou no passado,

mas sempre que a vejo me lembro do quanto ruim fui com você. Por minha causa

quase perdeu a vida, preciso que me desculpe.

— Se isso for lhe deixar mais tranqüila é claro que aceito, mas quero que

entenda que não foi sua culpa, você apenas foi dominada por aquela mulher

ardilosa que mesmo sem os poderes não perdeu o dom da manipular as pessoas.

— Então apenas me resta aceitar o convite — a modelo sorriu confiante.

— Diversão garantida! — Renata deu um novo abraço na amiga, toda sua

atitude apenas provou que seu sentimento de amizade era verdadeiro.

*

Desde que enfrentara Verônica ao lado de Renata, Jéssica não conseguia

tirar de sua cabeça o que havia acontecido, como conseguira ver onde Raul e

Letícia estavam, era um mistério que ela precisava descobrir e somente uma

pessoa poderia lhe responder.

— Entre — o caçador de lobisomens recebeu a modelo com um sorriso no

rosto —. Aproveitando os minutos de paz? Nunca se sabe o que vem a seguir.

— Aproveitando e muito — a mulher se sentou no sofá da sala, cansada —.

Preciso que me explique uma coisa.

— Pode falar.

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— É possível um lobisomem ter visões?

— O que quer dizer? — sentou-se na poltrona à frente, tomando mais um

gole do café quente.

— Quando fomos lhe resgatar uma espécie de flash se passou pela minha

mente mostrando onde estava, desde então fiquei curiosa por saber o que

significa.

— Acho que sei o que é. Em situações de perigo você poderá ver outros

cantos de um ambiente, como uma telepata.

— E isso é bom?

— É simplesmente ótimo — sorriu —. Servirá de grande ajuda nas próximas

aventuras.

— Pelo jeito já prevê novos ataques...

— Eu não prevejo — o caçador focou seus olhos no retrato de Pedro —. Eu

sei!

*

Intencionando conseguir mais aliado na guerra que se formava no mundo

sobrenatural Raul fez mais uma visita a Egídio, no porão da mansão Morgan.

— Ainda aqui? — o caçador ironizou ao encontrar seu prisioneiro nas

mesmas condições —. A essa altura Verônica já deveria ter mandado seu exército

para lhe salvar, não acha?

— Ela virá — Egídio respondeu abatido —. Eu sei que virá.

— Não seja tão ingênuo. Aquela mulher não precisa mais da sua ajuda, já

tem os membros que queria para sua alcateia, esqueceu-se da sua existência.

— Isso não é verdade! — o prisioneiro ergueu a voz —. Se quer me

convencer a traí-la e me juntar ao seu bando esqueça, não vou!

— Se eu fosse você pensava com carinho — Raul se aproximou mais daquele

que lhe provocava ira, os olhares enraivecidos se encaravam.

— Seu tempo está esgotando, não é? Por isso quer tanto derrotar aquela que

sempre lhe causou o sofrimento.

Abaixando a cabeça o homem foi até a máquina geradora de eletricidade,

sem piedade alguma soltou uma descarga mais intensa fazendo seu inimigo se

contorcer de dor. Entre os gritos de sofrimento o grito do caçador:

— Como posso tirar o meu filho do transe?!

— Descubra sozinho! — Egídio derramava lágrimas, mas não cedia.

Irritado, Raul aumentou a descarga um pouco mais, elevando o sofrimento.

— Responda como tirar o meu filho do transe!

Vendo que não aguentaria muita coisa o sombrio ser respondeu:

— Usando o mesmo poder! — desmaiou pela dor.

O homem cessou a tortura, já tinha a reposta que queria.

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— Preciso de um vampiro!

*

[1950]

<<Floresta dos Alfas>>

Verônica aparentava ser um pouco mais nova do que nos dias atuais, embora

a diferença não fosse tanta. Naquela época sua sede por poder estava em seu ápice,

sua obsessão lhe resultou em uma poderosa alcateia de mentes perturbadas pelo

seu domínio, todos pertenciam a ela e eram treinados para o combate.

— Soberana, temos visita — um de seus súditos a chamou —. Ele tem

urgência.

— Já vou.

Naquele lugar escondido da civilização uma verdadeira fortaleza havia sido

construída, era dali que saía os perversos planos da ardilosa mulher.

Frente a frente aquele que fora lhe visitar Verônica se surpreendeu:

— O que faz aqui? Não prefere solidão ao contato com os demais? Espero que

tenha mudado de ideia e visto que nossos poderes juntos são mais fortes.

O homem usava uma capa sombria e escondia o rosto atrás de uma máscara,

em suas costas o conhecido arco e flecha.

— Quero dizer que suas atitudes sangrentas veem me causando ódio. Pessoas

que nada tem haver com seu objetivo estão pagando, sua luta não será mais contra

aqueles que possuem o que almeja, será comigo.

— Acha mesmo que me põem medo? Pessoas como você me divertem!

Pensam que podem contra mim, mas sempre acabam me servindo por refeição —

seu comentário nojento era ainda mais sujo misturado à risada perversa.

— O recado está dado — o tom de voz do misterioso homem era cercado por

suspense.

Dando às costas para Verônica os passos daquele ser foram interrompidos

pela revelação da mulher:

— Eu sei o seu segredo, eu sei quem você é — veloz, a Alfa Sombria se colocou

atrás de seu visitante, tocando-lhe o ombro —. É o Lobo Solitário, aquele que pode

causar tanto a paz quanto o caos.

Aquilo ninguém sabia. Ninguém poderia saber...

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Capítulo 42 – Ausência do que é Humano

“A perda da essência humana pode ter origem em alguma decepção, algum

terrível sofrimento, alguma cicatriz, ou simplesmente na ambição, no desejo de ser

mais do que os outros, no sentimento egoísta”

[27 de novembro de 2016]

Era uma noite tranqüila de sexta-feira, as estrelas faziam do céu uma obra

de arte natural enquanto a lua era a personagem principal. Sentados na grama do

parque que marcara suas vidas os parceiros de Renata a esperavam ansiosos, já

que uma surpresa lhes seria dada. Logo a estilista chegou tendo ao seu lado o

noivo e mais uma pessoa, um novo amigo, o que teria grande importância não

somente no mundo dos negócios como também na luta que ficava cada vez mais

demorada no mundo sobrenatural: Erick Parker.

— Sinto-me honrada por estarem tão curiosos, sinto o cheiro da ansiedade

— a mulher os divertiu.

— Seria essa reunião ao ar livre para decidirmos o próximo passo na guerra?

— Letícia perguntou depressa, o que mais queria era enfrentar aquela que lhe

causava a dor e resgatar aquele que lhe pertencia.

— Eu não diria o próximo passo, diria reforço na guerra.

— Por acaso esse reforço vem do novo modelo? — Jéssica pensava rápido,

logo decifrou o que aconteceria.

— Sim, vem.

— Então ele é como vocês? — Raul questionou.

— Não exatamente — Jonas respondeu —, mas o que ele é pode causar um

espanto repentino.

— Parando de enrolação vamos logo ao que interessa — Renata decidiu —.

O Erick é um vampiro.

Como previsto os três criaram uma feição de susto, espanto, sabiam que

aquilo era fora do normal, não poderiam criar uma parceria.

— Antes que digam alguma coisa quero deixar claro que as leis do mundo

sobrenatural não se aplicam a nós, ele não irá tomar o nosso sangue e nem nós

rasgaremos sua garganta, vamos nos juntar e derrotar o nosso inimigo em

comum.

— Não sei se é uma boa ideia — Jéssica manifestou o seu pensamento —. As

histórias sempre foram bem claras...

— Lobisomens e vampiros nunca se deram bem — Letícia concluiu.

— Vocês vão mesmo se basear em histórias criadas para assustar crianças?

— Erick surpreendeu com a pergunta —. Será que não podem criar a própria

realidade, passar por cima do costume e viver aquilo que são?

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“[...]

Vendo que não aguentaria muita coisa o sombrio ser respondeu:

—Usando o mesmo poder!

O caçador cessou a tortura, já tinha a resposta que queria:

— Preciso de um vampiro!

[...]”

Tendo aquela lembrança Raul usou sua sabedoria:

— As leis, as rixas e as rivalidades são levadas a sério no mundo normal, no

mundo em que a maioria apenas quer se dar bem, no mundo em que os reais

valores são ignorados. No mundo sobrenatural as coisas são diferentes, aprendi

que com a solidão apenas existem sombras que nos sufocam e causam nossa

própria ruína, que a acepção causa a destruição. Nosso inimigo é alguém

poderoso, farto de forças e sedento por mais, nossa união apenas nos fortalecerá!

Querem salvar seus amantes? Confiem nesse rapaz, ele é a solução!

— Não quero acabar com suas expectativas, mas não sei se minha ajuda

Serpa tão grande — o modelo declarou.

— Consegue ler mentes? — o caçador indagou com um sorriso no rosto.

— Da maioria — Erick respondeu acanhado.

— Então sua ajuda será sim grande!

Quebrando o entusiasmo do momento o alarme instalado no celular de

Jonas despertou e com ele a ruim notícia:

— Verônica invadiu o porão!

*

Como um animal enraivecido Verônica correu pelas ruas da cidade usando

as sombras mais intensas das calçadas querendo se esconder dos olhos humanos.

Com facilidade invejável pulou o muro da mansão onde viveu por anos sem ao

menos ser notada pelas câmeras. Caminhando vagarosamente pelo jardim sentiu

a presença de alguém atrás de si, com a feição da fera medonha que era a terrível

criatura se virou bravamente, com apenas um tapa usou as arrepiantes garras

para rasgar a garganta da empregada que intencionava lhe dar uma pancada na

cabeça.

— Amadores... — reclamou.

Não precisando de muito esforço arrancou a metálica porta do porão,

lançando-a ao longe com fúria.

— Egídio! Não acredito que foi pego por um bando de crianças. Como pode

um homem tão inexperiente ficar trancafiado em um sistema de segurança tão

banal?

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— Se acha banal fique no meu lugar — o homem respondeu, sua voz estava

fraca.

— Estão judiando do meu cachorrinho? — Verônica passeou pelo lugar

parando ao lado do gerador de eletricidade —. Como que isso funciona?

— Eles acionam o botão vermelho e giram o preto... Já pode me tirar daqui?

— Tirar você daí? — a sagaz mulher passeou os dedos pela máquina de

tortura —. Acha mesmo que quero lhe tirar daí?

— Qual é a sua intenção? — Egídio começou a se preocupar, conhecia bem

os olhares daquela com qual passara grande parte da vida e notou uma

perversidade cruel.

— A vida é feita de necessidades — a lobisomem acionou o botão vermelho

—, e eu não preciso mais de você — girar o botão preto até sua capacidade

máxima foi o próximo passo da estilista, a terrível estilista.

O também perverso homem sentiu seu corpo ser atravessado por fogo, a dor

que sentia era descomunal e seus gritos de desespero não eram suficientes para

lhe expressar. Assistindo ao sofrimento daquele que trabalhara junto a ela

Verônica gargalhava, parecia sentir prazer com a tortura, de fato sentia.

Em certo momento as grades se romperam, a intensidade da descarga

causou uma explosão lançando Egídio violentamente ao chão, ele se contorcia,

agonizava. O impacto da explosão também foi sentido por Verônica, porém com

menor intensidade, a mulher apenas sofrera uma queda, mos logo se pôs em pé.

Aproximando-se do homem que as poucos morria a Alfa Sombria se ajoelhou,

tendo nas mãos uma afiada espada tirada da bainha presa à sua calça.

— Para não dizer que sou totalmente má — iniciou o discurso conhecido —

vou adiantar as coisas — com apenas um golpe dado pela mulher, Egídio teve os

membros superiores e inferiores separados por um corte cruel —. Agora saberão

do que sou realmente capaz!

*

Apreensivos, Renata e seus amigos chegaram na mansão convictos de que

Verônica havia libertado o seu comparsa. Adentrando o porão se arrepiaram dos

pés à cabeça com a terrível cena que se apresentara perante os seus olhos.

— Nem um sentimento humano a não ser o de ambição, é essa mensagem

que a criatura mais perversa que passará pelas suas vidas quer passar — Raul

decifrou o enigma conferindo a pulsação da vítima —. Acreditem, ela matou um

dos dela, coisas piores poderão acontecer.

— Essa mulher simplesmente não tem limites — Jonas se assustou —.

Como não notei nada antes?

— Ela se faz de boa moça quando na verdade está pronta para abocanhar

sua presa — Erick comentou.

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— Esse aviso quer dizer que coisas piores acontecerão, que inocentes

pagarão por aquilo que não lhe damos, o caos será instaurado, as sombras

possuirão cada canto do mundo — Renata tinha a preocupação e o medo

sustentados em cada palavra dita.

— Precisamos salvar Pedro e Eduardo antes que aconteça algo com eles —

Jéssica alertou sobre o previsível.

— Com certeza acontecerá — Letícia concordou temerosa.

— Vocês tem razão — Raul sustentou o pensamento —. Erick, está disposto

a enfrentar alguém que no passado instaurou a dor e o sofrimento em sua vida?

— Agora mesmo!

Todos entraram no carro do caçador equipado com os mais diferentes

armamentos, mas quando Jonas foi se sentar no banco do motorista seu pai o

interrompeu:

— Fique aqui.

— Eu vou! — o rapaz insistiu —. Quero lutar ao lado daqueles que amo.

— Eu quero que fique aqui e isso é uma ordem — Raul usou sua autoridade

sobre o filho.

— Qual é? Nunca esteve em minha vida, nem ao menos sabia da minha

existência, agora quer distribuir ordens?!

Ouvir as duras palavras deixaram o caçador com um semblante de espanto.

Percebendo o que acabar de falar o jovem consultor se calou, sem declarar coisa

alguma voltou para trás, sem ao menos dizer um “boa sorte” àqueles que gostava.

Não havia tempo para reflexões ou discussões, Raul simplesmente deu a partida e

começou seu percurso.

Continua...

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Capítulo 43 – Libertação

“A liberdade é algo indefinível. Ela pode estar no modo físico ou no emocional,

no que ninguém enxerga. Quantos querem ser livres daquilo que os privam de

viverem novas histórias?”

Já beirava a madrugada. A brisa da noite era mais gélida, sobre a superfície

dos carros o vapor se condensava. A lua irradiava o seu fulgor sem dificuldade

alguma, as estrelas exibiam seu brilho sem que nuvens as pudessem ofuscar.

Conforme adentravam a Floresta dos Alfas, Renata e seus companheiros sentiam

a apreensão da noite, tudo poderia acontecer, coisas boas ou coisas terríveis.

— Verônica! Sabemos que está aqui. Apareça! — no centro da floresta Raul

gritava na esperança de chamar a atenção da inimiga.

Após o eco que a potente voz do caçador criara no ambiente envolto por

grandes árvores e relvas molhadas um silêncio dominou cada área, aqueles que

tinham poderes sobrenaturais podiam escutar as batidas aceleradas dos corações

uns dos outros além de farejarem o medo. Toda a angústia era causada por

estarem em território inimigo.

Atentos a cada canto da floresta os combatentes puderam ouvir passos por

entre as árvores, o som sobre as folhas caídas denunciavam que alguém se

aproximava. Um riso sombrio soou, a medonha criatura surgiu já transformada,

exibindo a monstruosidade do corpo. Da grave voz saíram as palavras:

— Vejo que decifraram o meu recado... Se fiz aquilo com alguém que fazia

parte da minha própria alcateia imaginem o que posso fazer com pobres

inocentes. Vão mesmo pagar para ver?!

— Sabemos bem o que você quer, mas também sabemos que alcançado o

objetivo você transformará o mundo dos homens em um inferno — Renata se

colocou perante aquela que no passado aniquilou os seus pais perante os seus

olhos, a pior cena de toda a sua vida —. Não vamos entregar a você a vida dos

inocentes, antes acabaremos com a sua mesmo que custe a nossa!

— Quanta audácia! Acha mesmo ser capaz de destruir alguém que domina

mentes? Acha mesmo que lutar contra alguém capaz de cortas um dos seus ao

meio é a coisa certa a se fazer? a Alfa Sombria encara sua ouvinte com frieza —

Seu silêncio diz muita coisa e eu te digo outra: quando não puder contra eles,

junte-se a eles! — os horripilantes olhos vermelhos de tão cruel alma irradiavam

perversão.

O grupo de amigos se colocou um ao lado do outro como se construíssem

alguma barreira, juntaram as mãos e em uníssono declararam:

— Juntos somos mais fortes!

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A firmeza com que proferiam cada palavra acelerou o coração de Verônica,

que não esperava por aquilo.

— Confesso que me emocionaram, pena que não tenho tantos sentimentos

assim... — gargalhou —. Unam-se com o mundo todo se quiserem, mas adianto

que não será suficiente.

— Como pode ter tanta certeza? — Raul questionou —. Já perdeu tantos

embates contra nós, acha mesmo que continua invencível?

— O Lobo Solitário – tal anúncio da sombria estilista estremeceu o corpo do

caçador —. O poder dele unido ao de uma Alfa — o tortuoso dedo de Verônica

apontou para a sobrinha — é capaz de me derrotar... Mas onde está o poderoso

ser? — a ardilosa mulher fitava Raul como se a resposta fosse vir dele —. Desde

nosso último contato nunca mais o vi e nem ouvi falar o seu nome. Será que a

solidão o matou? Talvez ele esteja disposto em ver a morte daqueles que nada

tem haver com a história sem mexer um dedo, sem arriscar sua vida em defesa

dos mortais indefesos.

— Do que está falando? — Renata indagou.

— Da criatura que pode causar tanto a paz quanto o caos — uma

gargalhada estridente soou da garganta de tão cruel criatura —. Chega de

conversa, vamos à luta!

Estalando os dedos Verônica convocou aqueles que se colocavam no fogo

por ela, aqueles que eram dominados pela sua perversidade.

Descobrindo o rosto coberto pelo capuz Erick deu um passo a frente,

enfrentando aquela que odiava ser desafiada.

— Até quando manterá sua covardia? Até quando se esconderá atrás dos

outros enquanto busca instaurar o terror?

Atenta a cada gesto do rapaz e focada em seu olhar a lobisomem logo

entendeu tudo:

— Vejam só, uniram-se ao vampirinho sortudo, aquele que foi livre da

minha mordida graças à Léia, naquele que hoje eu extermino o serviço! — a

criatura uivou enfurecida deixando a mostra suas presas.

— Não dessa vez — abrindo os braços o jovem modelo parou o tempo, sabia

que o efeito duraria pouco, por isso precisava ser rápido —. Vocês dois, agarrem-

se naquilo que mais importa em suas vidas, eu sei que não são esses seres

corrompidos pela maldade, eu sei que em cada coração existe o desejo de fazer o

bem, de ajudar a quem for, de amar com todas as forças aquelas que dominaram

seus sentimentos. Vocês são fortes, capazes de saírem dessa escuridão

atormentante, conheço a história de cada um. Não é fácil, eu sei, mas também sei

que não é impossível. Lembrem-se de quem são, do que querem, do que

precisavam. Saiam das sombras. A luta é contra suas mentes, a arma é o amor,

sim, aquilo que vocês amam!

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Cansado, Erick fechou os braços, caiu ajoelhado sobre o chão, sentiu o suor

escorrer por sua testa, percebeu a volta do tempo.

Caídos de quatro sobre o chão Pedro Eduardo tinham os olhos fechados,

trancados, a adrenalina tomava seus corpos, a força os dominava, as mentes antes

escuras agora se clareavam.

Percebendo a falta de domínio sobre os dois jovens Verônica se desesperou.

— O que está havendo? O que fizeram?!

Levantando a cabeça e notando que as coisas deram certo Erick respondeu

ainda ofegante:

— Os libertamos! — sorriu vitorioso.

Como um cão furioso a lobisomem rosnava, como um lobo pronto para o

ataque uivava apavorantemente.

— Transformem-se! — Raul ordenou por entre os dentes —. Protejam seus

dois amigos, se preciso ataquem a criatura, mas não a encarem nos olhos!

Prontamente obedeceram. Letícia e Jéssica correram ao encontro daqueles

que significavam tanto em suas vidas, enquanto Erick permanecia ao lado de Raul

recuperando o fôlego e Renata se atentava à tia.

— Acha mesmo que ajudar ao próximo significa alguma coisa no nosso

mundo? Aqui é cada um por si, lutar a favor dos seus amigos apenas lhe custará a

morte!

A imagem daquele mosntro correu contra Renata, que mantinha os olhos

fechados. Erguendo-a do chão pela garganta Verônica a prensou com fúria sobre

uma das tantas árvores, enforcando-a.

— MORRA! — a maldade imperava na voz de tão assustadora mulher.

— Antes de morrer eu a mato! — pela primeira vez a mulher que reunia

amigos, que esbanjava simpatia, sempre disposta a ajudar a quem fosse, falara em

morte, falara em matar.

Reunindo suas forças a admirada estilista grudou na mão que a enforcava,

arrancando-a de sua garganta. Sem ressentimentos chutou a barriga de sua

opressora com força tamanha para lançá-la contra as outras árvores, que sofrendo

tão grande impacto se quebraram ao meio. Colocando-se em pé a Alfa sobre

qualquer lobisomem proferiu enraivecida:

— A única coisa que faz é instaurar o terror, o ódio, a maldade. Estou farta

do seu império, ele vai cair!

Sentindo alguns de seus ossos se curarem Verônica se levantou do chão,

sangrando em alguns cortes, sentindo a dor. Aproveitando que sua rival

mantinha os olhos fechados correu ao seu encontro, esquecendo-se dos outros

inimigos.

Percebendo a intenção da Alfa Sombria, Jéssica correu ao ataquem lançando

a tirana ao longe. Chocando-se novamente a uma árvore a terrível mulher

dominada pelos sentimentos de trevas não controlou sua fúria, veloz se

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aproximou da modelo, segurando-a com as duas mãos a ergueu do chão dando

sua ordem:

— Abra esses olhos!

Jéssica fazia força, mas em vão, Verônica prendia-a mais.

— Se não abrir esses olhos a matarei!

A decadente estilista apertava cada vez mais forte sua vítima, estava

disposta em lhe destruir.

Mirando as costas daquela que trazia consigo o caos, a destruição, Raul

disparou sua bala de prata, acertando-a em cheio.

Agonizando, Verônica soltou a modelo caindo de joelhos sobre a relva, suas

costas ardiam em brasa viva, seu grito de dor e desespero era intenso,

ensurdecedor. Deitando sobre o chão a criatura das sombras disse suas últimas

palavras enquanto cuspia sangue:

— Nada é tão lógico...

Um enigma a ser decifrado? Agora não importava mais, o pior já havia

passado. Os amigos juntos se abraçaram, juntos escreveram uma parte feliz da

história, juntos se aliviavam das tensões, sentiam as sombras se dissiparem.

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Capítulo 44 – Proteção

“Cada um tem uma fora de proteger, de defender, de demonstrar preocupação.

Não importa, o importante é que se tenha esse sentimento de sempre querer o bem

para aquele que se tanto ama”

[28 de novembro de 2016]

“[...]

— Eu vou! — o rapaz insistiu —. Quero lutar ao lado daqueles que amo.

— Eu quero que fique aqui e isso é uma ordem — Raul usou sua autoridade

sobre o filho.

— Qual é? Nunca esteve em minha vida, nem ao menos sabia da minha

existência, agora quer distribuir ordens?!

Ouvir as duras palavras deixaram o caçador com um semblante de espanto.

[...]”

Raul mal dormira, a cena do último contato que tivera com o filho lhe tirava

o sono, um sentimento de culpar por ter sido ausente nascia em seu peito,

mesmo sabendo que a escolha não fora sua. Preparando o próprio café da manhã

o caçador foi informado pelo interfone que alguém queria lhe visitar, de

prontidão autorizou que subissem ao seu apartamento.

Abrindo a porta o homem não conteve o espanto, seus olhos o

denunciaram.

— Podemos conversar? — Jonas perguntou, pacífico.

— Entre — Raul deu passagem —. Sinta-se em casa, por favor.

— Gosta de morar sozinho? — o rapaz perguntou notando que não tinha

mais ninguém em casa.

— Uma hora, em certo ponto da vida, a solidão é nossa melhor companhia...

Mas não moro sozinho, essa noite seu irmão foi dormir com a namorada, sabe

como é, estavam morrendo de saudade — riu travesso —, normalmente

dividimos o espaço.

— Como foi na luta contra Verônica? Acha mesmo que a venceram

definitivamente? — a intenção do jovem consultor era chegar onde realmente

queria, por isso puxava assuntos aleatórios.

— Acredito que sim — Raul tomou um gole do líquido quente —, a bala lhe

acertou um cheio, seu corpo caiu no meio da floresta sem qualquer sinal vital.

— Não acha que a minha ajuda poderia ter sido útil?

Engolindo um pedaço do pão que acabara de colocar na boca o experiente

caçador respondeu:

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— É claro que seria, seu talento para a coisa é surpreendente!

— Então por que não me deixou ir com vocês?

— Por que queria ir?

— Pelo fato de estar treinado para isso? — uma indignação se fazia presente

na voz de Jonas —. Mas daí simplesmente me deixam de lado como se eu fosse

insignificante — reclamou —. Cada um dos envolvidos eram pessoas com as

quais eu me importo, pelas quais eu daria o meu próprio sangue se preciso fosse.

O meu maior desejo naquele momento era ajudá-los!

— Eu entendo a sua preocupação, mas a luta não envolvia simples homens,

mortais, envolvia seres dotados de poderes sobrenaturais que ou controlam

mentes ou enxergam o futuro e ainda conseguem se curar dos ferimentos —

tomou mais um gole pensando nas próximas palavras —. Meu lado paterno falou

mais alto do que qualquer coisa, a minha preocupação como seu pai me

impulsionou a tomar aquela decisão. Não quero simplesmente mandar ou

desmandar, quero proteger aqueles que a vida afastou de mim, mas que agora me

devolveu; temo perder essa chance — seus olhos diziam a verdade.

— Juntos teríamos defendido uns aos outros, não precisava excluir um

membro do grupo, senti-me incapaz...

— Essa foi a minha maneira de defendê-lo — o homem já se irritava pela

teimosia daquele que tinha seu sangue correndo pelas veias —. Além do mais é

você a fraqueza daquela mulher, você a deixava mais fraca, mais vulnerável, a

tornava uma presa fácil.

— Mais um motivo para me deixar lutar...

— O que as pessoas fazem com suas fraquezas?

— As escondem... — o rapaz começou a entender o que seu pai queria

dizer.

— Ou as manipulam... — dirigiu-se à janela do apartamento que dava visão

da movimentada cidade —. Manipular quer dizer dominar interesseiramente. Ela

o manipularia, quando menos esperasse se juntaria ao seu caminho perverso,

unir-se-ia à causadora do caos na vida daqueles que ama, é assim que funciona o

mundo que os mortais não podem ver — voltou os olhos ao filho —. É o que

queria para a sua vida? Tornar-se um ser tão cruel quanto Verônica?

“[...]

— Deixe-me transformá-lo em alguém como eu e a Renata ficará em paz.

— Não sei qual pode ser a sua intenção fazendo essa proposta, mas sei que

não desistiria tão facilmente de alcançar a totalidade. Não acredito em você.

— Pense bem... Eu o amo verdadeiramente. Tendo-a ao meu lado me fará

satisfeita, não terei motivos para continuar com perseguições, irei para longe na

sua companhia, o suficiente para que a sua amada esteja em segurança.

[...]”

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SOMBRAS DO PASSADO

188

Ter aquela lembrança invadindo sua mente Jonas compreendeu tudo, em

seu coração o arrependimento lhe fez abraçar o pai com lágrimas nos olhos, com

pedidos de desculpa:

— Perdoe-me por aquelas palavras tão duras, ditas sem reflexões... A culpa

não foi sua por não termos passado tempo juntos, eu sei disso e já conversamos

sobre isso, mas sempre fui impulsivo ao falar, então me perdoe...

Apertando aquele que nunca poderia imaginar que fosse o bebê que a

mulher que mais amou em sua vida lhe deu, Raul disse sorrindo:

— Tudo isso foi reflexo das sombras que Verônica colocou em nossas vidas,

mas de agora em diante poderemos viver em paz, confiantes uns nos outros,

amantes uns dos outros!

*

Era uma manhã quente, o sol aquecia a terra com o seu calor, os pássaros

cantarolavam por mais um novo amanhecer. Dormindo como há dias não pudera

dormir Letícia foi despertada pela luz do sol que atravessava a janela de vidro e

tocava seu rosto. Abrindo os olhos a garota encontrou um sorriso infantil e um

olhar travesso a encarando, era um alívio saber que estava ao lado de alguém que

tão rapidamente aprendera amar.

— Bom dia, minha princesa.

— Bom dia — a modelo sorriu enquanto esticava o corpo —. Esse foi o

melhor bom dia da minha vida, nem acredito que tudo se resolveu — suspirou

descansada.

— Mas sim, tudo se resolveu — Pedro passeou as costas da mão no suave

rosto da namorada, encantado por sua beleza —. Sofreu muito por minha causa?

— Sofri muito por causa daquela criatura sombria... Saber que o garoto que

mais amei corria riscos afligia meu coração, sufocava a minha garganta em um nó

— abraçando o namorado e sentindo o calor de seu corpo a modelo prosseguiu

com os olhos lacrimejantes —. Confesso que não tinha mais esperanças em

contar com o seu abraço, carinho, com a sua atenção.

Saber o quão importante era para alguém tão especial o modelo teve seu

coração alimentado por alegria, satisfação. Apertando ainda mais o abraço mais

gostoso de sua vida o garoto declarou algo um tanto doloroso:

— Embora não tivesse domínio sobre as minhas ações eu tinha consciência,

lembro-me perfeitamente de como a agarrei pelo pescoço, pensei que a causa da

sua morte seria a minha mão...

— Nem queira se desculpar, afinal eu o joguei no chão com força suficiente

para quebrar seus ossos e não me arrependo, você mereceu — Letícia deu uma

gargalhada divertida.

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— Eu poderia ter morrido — Pedro forçou um tom dramático —.

— A loba aqui sabia o que estava fazendo — dando um rosnado a garota

concluiu: — Seria incapaz de lhe causar um mal maior.

Ainda mais abraçados o jovem casal apenas aproveitava a presença um do

outro, escutando o ritmo ordenado dos corações, sentindo a paz que o simples

toque de seus corpos era capaz de causar.

*

Andando de mãos dadas pelo parque com aquela pela qual tanto se esforçou

para reconquistar Eduardo resolveu quebrar o incômodo silêncio que os

acompanhava.

— Parece que finalmente vamos viver a nossa história... Estava pensando e

acho que já podemos voltar a morar juntos.

Soltando a mão do rapaz e dando uns passos a frente Jéssica surpreendeu:

— Não acho que seja uma boa ideia. Pelo menos não por enquanto.

— E por que não? Por acaso perdeu o interesse em mim? Ainda não me

esforcei o suficiente? — indagou preocupado.

— Não é nada disso...

— Por que está me evitando? — Eduardo voltou os olhos da modelo de

encontro aos seus —. Tentei lhe beijar e se afastou, tentei puxar assunto e foi

monossilábica. Dessa vez eu não tenho culpa do que aconteceu, tinha uma

perversa controlando minhas ações.

— Será mesmo? Será que foi tão dominado assim ao ponto de dizer que

nunca foi homem de arrependimento? Eu vi verdade nos seus olhos!

— Mesmo depois de tudo que presenciou ainda é capaz de desconfiar dessa

maneira? — Eduardo tentou tocar as mãos de Jéssica, mas esta as recolheu.

— Eu preciso de um tempo, eu preciso pensar, preciso organizar os meus

sentimentos. Não posso e nem quero cometer o mesmo erro do passado.

— Já está cometendo em perder tempo novamente com ilusões, com

enganos que sua própria mente está lhe causando.

— Se me ama de verdade vai me entender... — chantageou.

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Capítulo 45 – Nada é tão lógico

“Nem tudo que reluz é ouro, um antigo ditado que nunca deixa de ser atual”

[1950]

<<Floresta dos Alfas>>

“Um frio percorreu a espinha daquele homem que vivia escondendo o rosto do

mundo ao saber que alguém tinha ciência do que ele realmente era. Há tanto tempo

o segredo fora guardado, deveria permanecer assim por muitos anos ainda.

— Como sabe? Quem contou?

— Agora tenho certeza — Verônica lançou seu sorriso provocador —. Nem

ao menos tentou inventar uma mentira, acabou se entregando...

— É perda de tempo querer despistá-la, sei o quanto ardilosa é.

— Tem razão... Minha astúcia é superior a qualquer esperteza — gabou-se —

. Além do mais não é tão difícil assim para alguém como eu descobrir a verdade:

você se esconde do mundo, vive atrás dessa máscara, pretendia guardar o segredo

até quando?

— Como sabe eu sou aquele que pode causar tanto a paz quanto o caos...

Quanto menos pessoas souberem melhor para o mundo.

Andando vagarosamente pelo salão da fortaleza em que recebia seus

visitantes Verônica declarou:

— Entendo... Seu poder é devastador, destruiu muitos dos corrompidos e feriu

alguns dos inocentes, é incontestável a ameaça que representa para os moradores

de um mundo tão frágil. Talvez toda essa solidão tenha um propósito: o equilíbrio.

Seu desejo é viver tranquilamente, levando uma vida normal e eu posso lhe ajudar.

De fato o Lobo Solitário sonhava com o dia em que seus poderes não

representassem perigo, em que o seu total controle sobre as próprias emoções fosse

alcançado. Seres como ele eram muito impulsivos, e por isso procuravam a solidão.

Interessando em compreender a ideia daquela mulher o homem a indagou

suspeitando da sujeira:

— Como seria essa ajuda?

— Simples — sentando-se em uma das poltronas a astuciosa criatura tinha a

trapaça no olhar —, união de poderes: o seu com o meu.

— Isso daria a mim toda a liberdade sobre minhas atitudes?

— Mas é claro que sim. Seu domínio se estenderia ao universo, não se

restringiria a sua existência, mas a do mundo todo!

A mente do mascarado se clareou, logo desvendou as reais intenções de um

plano tão nojento.

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— Você quer fazer comigo o que tem feito com todos aqueles que corrompera:

possuir a minha mente!

— Isso é você quem está dizendo — seu tom era de deboche —. Se prefere

passar a eternidade dos seus dias em uma escuridão sem fim apenas lamento.

— Prefiro terminar o que vim fazer — transformando-se na poderosa fera que

morava em si o misterioso homem saltou contra a Alfa Sombria, sufocando-a —.

Acabar de uma vez por todas com a sua perversão!

— É tão ruim como eu sou — a sombria mulher se esforçou a fim de proferir

cada palavra, chutando seu opressor no estômago o lançou contra uma das

pilastras que sustentavam o castelo —. Faríamos uma dupla e tanto!

— Sua mente pervertida nunca será capaz de me corromper — o Lobo

Solitário se levantou sem qualquer arranhão, veloz já erguia sua rival pela

garganta, impiedoso a jogou contra as paredes —. Não se esqueça que a raiva me

torna descontrolado, não hesitarei por matá-la!

Sentindo as dores percorrerem seu corpo a mulher se impressionara pela

força de seu adversário, um dos poucos que a atacou com tanta audácia. Disposta a

lutar e provar a grandeza de sua força Verônica libertou o ser que a possuía,

soltando seu uivo apavorante correu contra o homem, dispensando socos e

pontapés. Atendo a cada gesto da inimiga o Lobo Solitário de todos se defendeu, em

um contra-ataque surpresa lhe esbofeteou a cara, lançando-a ao longe.

Ferida, sentindo-se humilhada, a perversa alma rosnava enraivecida.

Correndo de quatro se lançou contra o rival, pelo pescoço o carregou até uma das

paredes, encurralando-o insistia em tomar dele o ar enquanto o arranhava com

fúria, procurava o ponto certo naquele forte corpo, o ponto fatal, o ponto da morte.

Cansado de tomar uma surra o misterioso homem reagiu. Torcendo o braço

que a sufocava agarrou sai adversária pela garganta, chocando-a contra o chão a

sufocava com as duas mãos, enquanto usava as pernas para imobilizá-la.

Destroços ao redor eram vistos, uma cena de guerra entre duas poderosíssimas

feras, cena de terror.

Verônica não conseguia reagir, parecia lutar contra ela mesmo, seu opressor

mostrava ter a mesma força que ela. Sua visão se escurecia, seus órgãos

começavam a sentir a falta do oxigênio, sua mente estonteava, uma fraqueza

entrava em seu corpo, sua única certeza era a da morte.

Léia Morgan, a benfeitora, a Alfa de todos os lobisomens, a pacificadora, a

vigilante da união, do equilíbrio, do bem comum a todos, ao pisar na fortaleza e ver

em que situação dois seres da mesma espécie se encontravam encheu-se de ira, a

missão da paz falou mais alto, dotada de poderes mágicos ergueu o Lobo Solitário

apenas com a força da mente, lançou-o contra o chão querendo dar por encerrada

aquela luta.

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— Até quando continuará com essa sede por poder? — a pergunta da sábia

mulher foi dirigida à Verônica —. Será que não percebe o quão perto está da morte?

Será que não percebe que está se afogando em suas próprias sombras?

— Só há um objetivo em minha existência — a ardilosa mulher proferia as

palavras com dificuldade, o fôlego ainda lhe faltava —, dominar cada um de vocês,

bando de inúteis que não enxergam o tamanho do poder que possuem.

— Nossos poderes são dádivas e devem ser usados apenas para o bem, para a

sabedoria, para a proteção do mundo contra mentes corrompidas, corrompidas

como a sua!

— Faça o discurso que quiser, ainda almejo ser a maior dentre todos!

— Quanto a você — Léia desistiu de perder tempo com a sombria e se virou

ao misterioso homem, já de volta a sua forma humana —, planeja mesmo manchar

sua integridade com alguém tão provocativo?

— Já aniquilei a tantos, mais um não faz diferença — respondeu ofegante

pela batalha.

— Não se trata de mais um, se trata de alguém que é movido a crueldade, que

respira a perversão, matá-la significa cumprir o seu próprio objetivo: instaurar o

caos. Um dia ela encontrará o pagamento pelo que comete, ele não deve vir das

suas mãos, mas do futuro...

— Eu não quero mais isso para mim — o Lobo Solitário se ajoelhou aos pés

daquela que verdadeiramente poderia lhe ajudar —. Não alcanço o controle, jamais

o encontrarei,peço que tire de mim esses poderes, apenas assim terei paz.

— Não cometa esse suicídio! — Verônica se indignou com tal decisão —. Se

não quer os poderes deixe que eu os tire, os entregue a mim!

— Não dê ouvidos a essa louca! — Léia interveio —. Seus poderes com os dela

serão suficientes para combater os meus, ou até vencê-los... Está certo do que

deseja?

Desencadeando alguns pensamentos o homem deu sua resposta:

— É tudo que mais desejo!

— Tirá-los completamente é algo impossível ,mas posso bloqueá-los até o dia

em que você se concentrar no brilho da lua, sentir a brisa que o cerca e repetir a

frase: ‘eu sua frágil arquitetura o caos se arruma...’. Acredita, esse dia vai chegar!

Cedendo a vontade do Lobo Solitário, Léia usou o que sabia, dando àquele

homem a oportunidade de uma vida normal. Virando-se à Verônica a soberana deu

seu ultimato:

— Se continuar com suas perversidades serão os seus poderes que bloquearei,

por tempo indeterminado!”

[29 de novembro de 2016]

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Após uma semana intensa de aventuras no mundo sobrenatural e trabalho

intenso em seu mundo normal, Jéssica decidira que dormiria até tarde naquele

dia de folga, sua intenção era não ser incomodada por ninguém.

— Jéssica, você tem visita — Renata atrapalhou os planos da amiga.

Com a canseira estampada no rosto a modelo se desanimou ainda mais ao

encarar os olhos de Eduardo.

— Você?

— Por que tem sido tão fria? Faz ideia do mal que me faz ficar longe da

pessoa que tanto amo?

— Se fosse tão ruim assim não teria me abandonado quando estive doente.

— Já conversamos sobre isso e tudo parecia estar entendido.

— Apenas parecia... Eu quero pensar um pouco mais, quero decidir qual é a

escolha certa.

— Tudo bem, faça o que quiser, mas quando decidir poderá já ser tarde!

A sós com a amiga Renata tentou lhe abrir os olhos:

— Lembra-se do quanto sofreu por não tê-lo ao lado? Agora que as coisas se

resolveram vai mesmo perder tempo com pensamentos bobos? Vai trocar a sua

felicidade?

— Eu não quero falar sobre isso.

— Você o ama.

Querendo encerrar o assunto a modelo voltou para o seu quarto. Encarando

os próprios olhos pelo espelho disse para si mesmo:

— Nada é tão lógico!

Jéssica Buarque não era o que parecia, a moradia de Verônica Morgan era

aquele desprotegido corpo.

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Capítulo 46 – Sombras do Passado

“As sombras ou cegam ou refrescam, cabe a nós nos livrarmos daquelas que

dificultam nossa visão sobre um futuro iluminado”

[07 de janeiro de 2017]

Tempos novos. Desafios novos. Planos novos. Conquistas novas. É dessa

forma que a maioria das pessoas enxergam o início de um novo ano, é com

entusiasmo, com alegria e determinação, é focada em corrigir os erros e tentar

novos acertos.

O primeiro sábado do ano reservava grandes emoções à Renata e sua família

de amigos, um grande passo na vida da estilista seria dado, o passo

transformados. Finalmente o dia do seu casamento, o dia em que ela se entregaria

de corpo e alma ao homem que tanto amava havia chego, e com ele um novo

futuro, sem as sombras negras e densas do passado.

A verdadeira Morgan, que carregava no sangue a eterna bondade de seus

ancestrais, sempre fora bastante reservada e, naquele dia especial, apenas seus

amigos mais próximos e aqueles que trabalhavam com ela tiveram o prazer de

estarem ao seu lado.

O salão era decorado de branco e dourado, as cores prediletas da estilista.

Cada detalhe esbanjava sofisticação ao mesmo temo que sutileza, a encantadora

simplicidade dos arranjos denunciavam o bom gosto de uma mulher humilde,

elegante e modesta.

Ao lado do juiz de casamento Jonas estava apreensivo, seu coração

acelerado podia ser escutado por Letícia que se divertia com aquilo, o cheiro de

ansiedade que de seu corpo era exalado não escapara do aguçado olfato de Pedro,

que, claro, provocou o irmão com suas ironias. Os olhos do jovem consultor

focavam as portas pelas quais a mulher de sua vida entraria, a cada minuto seu

coração parecia acelerar mais, pareciam minutos eternos.

Um grupo de músicos talentosos adentrou o lugar, tocando com perfeição a

marcha nupcial, a música que toca os corações apaixonados, que arranca suspiros

de almas sedentas por amor. Jonas sentia seu peito transbordar, não sabia ao

certo definir o que sentia, apenas sabia que tal sentimento era o melhor de toda

sua vida. Seu coração pulsou mais forte, de seus olhos lágrimas de alegria rolaram

quando Renata surgira no melhor vestido que poderia escolher tendo no rosto o

sorriso mais bonito do mundo.

A injustiçada garota que se transformara na renomada estilista colocou os

convidados em pé ao aparecer na festa. O brilho de felicidade que seus olhos

irradiavam e o sorriso perfeito que seus lábios desenhavam não tinham apenas

como motivo a presença de Raul ao seu lado, que fazia o papel de um pai com

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maestria, mas também a figura de uma pessoa especial que a aguardava com

tamanho desejo.

O toque das mãos. A troca de olhares e sorrisos. A libertação da faísca do

amor, que acenderia o fogo da paixão.

“[...]

Os bancos estavam cheios, mas um em especial tinha a presença de apenas

uma mulher. Ela era aparentemente alta, sua pele clara contrastava com os cabelos

castanho-escuros, cortados até o ombro. Nunca o jovem consultor havia reparado

tanto em alguém.

— Seria incômodo eu me sentar aqui? — ao fazer sua pergunta ele encontrou

os olhos castanhos daquela mulher, seu coração pulsou mais forte, seu sangue fluiu

mais energicamente pelas veias.

— Claro que não.

*

O sol aos poucos se escondia, maravilhando Renata cada vez mais que,

repentinamente, se viu tirada de seu encanto com uma doce voz que lhe perguntou:

— Seria incômodo eu me sentar aqui? — ao erguer os seus olhos ela viu um

rapaz alto, loiro, que tinha olhos verdes, olhos que a encantaram tanto quanto o

pôr-do-sol e que fizeram seu coração pulsar de uma forma diferente, uma forma

nunca sentida antes.

— Claro que não — sua resposta foi espontânea.

[...]”

Todos aqueles sentimentos do primeiro encontro voltaram naquela hora

com intensidade maior, desejavam-se mais e mais. De alianças trocadas,

declarados marido e mulher, o casal inspirador cedeu um beijo repleto de

romance e suavidade, arrancando aplausos e assovios de todos os presentes. O

que os envolvia era notoriamente sincero, verdadeiro, prometia ser eterno.

— Preciso agradecer aos meus bons e verdadeiros amigos, sem os quais esse

dia nunca teria acontecido — Renata começou seu discurso —. Primeiramente ao

Raul, que me salvou das garras de um alguém tão perverso e me deu sentido em

existir. Depois à Jéssica, minha primeira amiga em terras desconhecidas, a que

me incentivou nesse duro caminhar — estranhamente a modelo em questão não

mostrou nem um tipo de satisfação, permaneceu séria ante a declaração —.

Agradeço a Letícia por também ser sincera. Não poderia me esquecer de Pedro e

Eduardo que fazem essas garotas suspirarem de amor, o bem estar delas é o meu.

Faço menção a Erick que está viajando a negócios da Button Modas, mas que em

pouco tempo de convivência se mostrou um grande amigo! E, claro, agradeço de

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todo meu coração a esse homem que me conquistou que me mostrou o que é

amar e ser amada, no qual encontrei um motivo para sorris, no qual encontrei

minha alma gêmea, sem o qual nada disso, esse sonho meu, seria realizado. Jonas,

eu amo você!

Aplausos de todos os comovidos por tão belas palavras soaram, era o

resultado de um sentimento demonstrado.

— Também agradeço a essas pessoas citadas pela minha esposa — Jonas

deu início à sua fala com orgulho de ter uma admirada, sábia mulher ao seu lado

—, mas nunca me dei bem com as palavras então prefiro abreviar as coisas —

arrancou risos dos convidados —. Eu pensava que sabia amar, eu achava que

conhecia um sentimento tão complexo, mas realmente aprendi essa lição da vida

ao conhecer essa mulher surpreendente, essa mulher que tocou meu coração de

uma forma única, essa mulher que dispensa substantivos elogiosos, ela é a

perfeição!

Os aplausos comovidos serviram como fundo sonoro ao novo beijo

apaixonado do casal, ambos se encantavam um pelo outro como se fosse a

primeira vez que se ouviam.

A festa teve de fato o seu início. Os ali presentes dançavam, riam, comiam e

se divertiam, o clima não poderia estar melhor. O jovem casal ao cumprimentar

os convidados deixava que seus rostos resplandecessem a felicidade daquele

momento, um sonho havia sido realizado, finalmente uma forte união se

instaurava entre aqueles que já eram predestinados a estarem juntos.

Estranhando a forma pacata de Jéssica durante todo o momento Letícia

tentou animar a amiga.

— Vai mesmo perder essa festança? Tenho certeza de que o “Edu” está

louco para dançar!

— Eu estou bem assim.

— Duvido — a garota insistiu —. Seus lábios dizem uma coisa, mas seus

olhos outra. Tenho certeza de que está morrendo de saudade do bonitão.

— Nada é tão lógico — a modelo pegou a amiga pela braço força, fitando os

olhos que, assustados, a encaravam —. Agora me deixe em paz, estou bem assim!

Espantada com a atitude de Jéssica, Letícia preferiu se afastar. Percebendo o

que acontecera Eduardo logo questionou a garota:

— Viu como está diferente?

— Demais — a modelo continuava com o olhar sobre a companheira de

trabalho, que procurava distração na pista de dança —. Parece outra pessoa...

— A Verônica não pode ser — Pedro entrou na conversa —, a essa altura já

foi devorado pelos bichos.

— Eu não teria tanta certeza — Letícia se lembrou da enigmática frase

“nada é tão lógico” —. Fiquem de olho nela, o tempo todo!

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As festivas horas se passaram, os animados convidados iam embora, restava

no salão apenas Renata e seus fiéis amigos, que, exaustos pelo ritmo da noite se

amontoaram em alguns pufs do lugar, sedentos por uma boa cama na qual

poderiam descansar.

— Feliz? — Letícia indagou.

— Mais impossível — a estilista respondeu sorridente, deitada sobre o braço

do marido.

— Tudo isso por minha causa — Jonas brincou.

— Convencido... — deu um beijo de esquimó no homem que amava.

— Que nojo — Jéssica resolveu se manifestar, usando o mau humor dos

últimos dias.

— Para mim já deu — Renata se estressou surpreendentemente —. Algum

de nós te fez alguma coisa? Você mudou muito, tem sido indiferente a nós, nos

trata com grosseria. Se cansou de nossas caras é só falar e dizer tchau!

Com um discreto ao mesmo tempo em que provocativo sorriso no rosto, a

modelo deu sua resposta:

— Eu nunca gostei de você, na verdade nunca gostei de nenhum de vocês,

ainda mais agora que Verônica morreu e eu posso ser a dominadora da

totalidade!

— Como pode dizer uma coisa assim? — Raul se assustou —. Viu o quanto

essa ambição destrói vidas, não pode estar falando sério.

— Cala a boca, velho chato — Jéssica tinha o deboche estampado no olhar

—. Vou contar uma coisa a vocês: nunca me senti tão viva! — a gargalhada

revelou tudo.

— Verônica?! — Renata desvendou a charada, porém novas indagações

surgiam em sua mente —. Como isso é possível?

— Pode fingir que gostou da presença da titia ao menos? — a modelo

possuía um ar de provocação —. Eu sou poderosa, será que não percebem? Uma

simples bala de preta disparada por um miserável nunca me mataria, ouviram

bem? Nunca! Essa otária aqui — a mulher se debateu violentamente, rindo

horripilantemente —, foi burra, foi fraca! Por alguns segundos teve os olhos

abertos, o suficiente para que eu usasse o seu corpo ao meu próprio interesse!

— Vai querer passar por mais humilhações? — Renata enfrentou sua maior

inimiga —. Será um prazer destroçá-la.

— Calma, não seja tão impulsiva. Qualquer ataque seu será dado em sua

amiguinha e eu garanto que ela sentirá a dor — fechando os olhos com força a

mulher revelou: — Escuto uma voz irritante aqui dentro pedindo por ajuda, por

auxílio, por compaixão — a modelo quebrou o próprio braço —, mas ela se

esquece que eu sou má — riu doentiamente —. EU SOU MUITO MÁ!

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— DEIXA ELA EM PAZ! — a estilista usou o máximo de força para

esbravejar —. Não seja tão covarde e lute de igual para igual!

Usando uma velocidade descomunal Jéssica se colocou na saída do salão,

tendo sobre seu domínio um alguém importante: Jonas.

— Quer de volta? — provocou —. Vem buscar!

Transformada, Renata correu, mas sua inimiga estava mais rápida, sumiu

por entre a escuridão. Restou à estilista procurar a ajuda de Raul, que já tinha um

plano formado.

Amarrado em uma árvore Jonas tentava se soltar, esforçava-se ao máximo,

suava por conta da força que fazia. Uma noite que seria especial se tornava um

pesadelo.

— Desista, meu filho, a mamãe amarrou com força, nem um lobisomem

como aquela frangote da Letícia conseguiria se soltar, apenas os Alfas — Jéssica

surgiu por entre as árvores trazendo consigo um corpo inerte, o corpo da

tenebrosa criatura, que não se decomporá.

— Por que insiste tanto com as suas crueldades? — o jovem consultor

derrama lágrimas não de medo, mas de raiva —. Não percebe que todos a

odeiam?

— No fundo todos se odeiam, ninguém quer o bem do próximo com

sinceridade, as pessoas mentem... Tenho sorte em receber os verdadeiros

sentimentos daqueles que me rodeiam, não acha? — ironizou.

— A forma como faz suas provocações mostra o quanto se perverteu, o

quanto é desprezível!

Dando um tapa no rosto do rapaz Jéssica gritou:

— Respeita a mamãe! Antes do tiro do seu pai a minha fraqueza se resumia

em olhar para você, mas agora sua presença me deixa mais vida, então não pense

que me irar seja uma boa opção.

Ajoelhando-se ao lado do inativo corpo Jéssica juntou suas mãos às do

cadáver, encarando a lua se concentrou em voltar àquele corpo, o que não

demorou a acontecer. Como se estivesse exausta por dias a fio de trabalho duro a

modelo caiu sobre a relva; como uma verdadeira moça na flor da idade Verônica

se levantou se sentindo muito mais disposta.

— Como é bom estar de volta — limpou a poeira do corpo fazendo cara de

nojo. Olhou para o céu escuro e respirou profundamente —. Só que agora para

sempre!

Amarrados na mesma árvore, vulneráveis a crueldade, Jonas e Jéssica

esperavam pelo pior.

Sedentos por justiça, era assim que Renata e sua alcateia entrava na Floresta

dos Alfas, em busca daqueles com os quais se importavam, irados contra aquela

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que semeava o caos. Ver o esposo fez o coração da estilista disparar, ela saiu de si,

nem ao menos estudou o ambiente, correu ao encontro do amado e foi lançada

ao longe pelo simples toque das peles. Gargalhando, Verônica pulou por cima de

uma das tantas árvores, debochou:

— Acha que somente vocês sabem das coisas? Tenho as minhas armas!

— Vamos acabar com a sua insignificante existência! — Renata se levantou

—. Agora está mais fácil!

— Só porque libertei o corpo da sua amiguinha? — em questão de segundo

Verônica levantou a sobrinha do chão pela garganta, pressionando-a com as

afiadas garras —. Estou muito mais forte, muito mais viva — a sombria criatura

lançou sua adversária contra o chão, sem sutileza alguma —. Quer que eu deixe

os seus amigos e o seu amorzinho vivos? Então não resista e me deixar aquilo que

me pertence!

— Antes de morrer minha mão disse para que eu lutasse pelo que tem aqui

dentro, no dia não entendi, mas hoje sei que é poderoso, é destruidor! —

liberando as forças sobrenaturais Renata se transformou, ajeitando os ossos,

levantando-se com triunfo —. Nem adianta querer me dominar, Raul teve a

solução, o antídoto para a sua covardia.

— Quer dizer que fez sua escolha. Não hesitarei em matar seus seguidores,

mas antes terei a honra de exterminar a Alfa de todos os alfas!

A cada ataque Renata se defendia, procurava o momento certo de contra-

atacar, logo ele chegou. Socos, pontapés, arranhões sangrentos eram depositados

pela estilista em sua tia, sem qualquer ressentimento. Pressionando Verônica

contra o chão aquela mulher farta das crueldades a enforcava, disposta a acabar

com sua vida.

A perversa alma tentava escapar, esforçava-se por sair daquela situação,

porém era em vão, já perdia o ar quando infincou suas potentes garras na barriga

de sua opressora, fazendo-a soltar lhe e cuspir sangue. Puxando a sobrinha pelos

cabelos Verônica a lançou ao longe, em qualquer direção.

Percebendo que Letícia, Pedro e Eduardo se transformariam

instintivamente Raul os controlou:

— Concentrem-se mais, vocês não possuem o antídoto, poderão ser

contaminados pelas sombras!

— Precisamos ajudar aquela que pertence a nós — a modelo suava.

— A maior ajuda que vocês podem dar é se controlando em evitar a

transformação, assim tudo terminará bem.

Levantando-se com dificuldade Renata sofreu um novo ataque de Verônica,

que a derrubou mais uma vez.

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— Você precisa de alguém para lhe ajudar, mas não um alguém qualquer —

colocando-se sobre a rival a Alfa Sombria a imobilizou enquanto tentava lhe

sufocar —. Você precisa do Lobo Solitário!

Assustado por ver aquela pela qual criara um sentimento tão puro sem

reação, Raul concentrou seus olhos na lua, sentia a brisa lhe tocar e com ela o

medo:

— Eu não posso fazer isso!

— Então é você — Verônica ironizou —. Você vai morrer, Renata, sabe por

quê? Porque aquele inútil não tem autocontrole para atacar somente os rebeldes,

ele fere os inocentes. Sua morte será decretada por um incompetente covarde!

Entendendo o que acontecia Renata procurou forças para ao menos

sussurrar as palavras, sabia que elas atingiriam o alvo:

— Você consegue... Eu acredito em você — as coisas ao seu redor se

escureciam gradativamente.

Raul foi capaz de ouvir as palavras que soaram com dificuldade, ele

precisava agir.

— Em sua frágil arquitetura o caos se arruma.

O lobisomem mais bonito, era isso que Raul sempre fora, era por isso que

Verônica tanto o desejava. Correndo velozmente o Lobo Solitário se chocou

contra a alma pervertida, tirando-a de cima de um alguém especial, lançando a

Alfa Sombria contra as árvores.

— Ataque-a — foi a ordem do caçador, que lutava por alcançar o domínio

próprio.

Irada pelos ataques que recebera Renata não poupou forças ao agredir sua

opressora, chocava sua cabeça contra o chão sem piedade, a enforcava sem

receios.

— Eu sou mais que vocês — Verônica sangrava pela boca, chutando a

estilista se livrou do seu domínio, mas se deparou com a espada do Lobo Solitário

—. Pense bem no que vai fazer... Você não tem o autocontrole necessário, eu

posso dar-lhe!

— Já o alcancei, essas pessoas que a vida colocou em meu caminho me

ensinaram — o Lobo Solitário se posicionou com a afiada espada —. Sua história

termina aqui!

Cortada ao meio, agonizando pela cruel dor que sentira, foi esse o final da

história de uma criatura tão sombria: Verônica Morgan não incomodaria mais

ninguém!

— Você está bem? — Eduardo desamarrava aquela que tanto amava,

preocupado com o choro que a tomava.

Com a liberdade de volta Jéssica agarrou o homem de sua vida em um forte

abraço, como se tivesse medo de perdê-lo, de fato tinha.

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— Perdoe-me... — pediu libertando o choro.

— Eu sei que era aquela mulher, não se preocupe com isso.

— Nunca duvide do meu amor por você!

De mãos dadas, vendo que o pior já passara, Pedro e Letícia se

entreolharam, abrindo um irradiante sorriso.

— Agora sim teremos paz — o garoto envolveu a namorada em seus braços

acolhedores.

— Para sempre — a modelo completou.

— Dessa vez ela foi longe demais, tocou no que é mais importante para

mim — Renata abraçou o marido —. Faria qualquer coisa para livrá-lo, daria a

minha vida!

— Arriscou sua própria vida por mim — Jonas se encantara mais com a

mulher —, foi a maior prova de amor. Quero passar o resto dos meus dias ao seu

lado!

— E vão! — Jéssica se aproximou do casal.

— Amiga! — Renata deu um abraço afetuoso na modelo —. Como não

percebi que aquela não era você? — culpou-se.

— Sua tia foi esperta, mas o importante é que tudo acabou e aqui estamos

nós, seguindo em frente, prontas para amarmos.

Aproximando-se do grupo de amigos, Raul, já em sua forma humana,

possuía um sorriso satisfeito, algo o alegrava.

— Ensinar o autocontrole a vocês foi o que serviu para mim, meus filhos!

— Por que não contou o segredo? — Renata o indagou.

— Ah! Minha pequena! São os mistérios da vida — abraçou aquela que há

anos atrás quase fizera um grande mal, mas não o faria de qualquer modo, eram

os rumos do destino — Agora que nossa missão se cumpriu está na hora de

voltarmos para casa, deixarmos esse lugar no passado, nos alegrarmos pela vida!

— Vai ser difícil viver depois de tudo — Jéssica comentou.

Encarando cada um dos amigos o Lobo Solitário discursou:

— Existem dois tipos de sombras: as que cegam e as que refrescam.

Esqueçam-se das tristes lembranças, em nada acrescentam, mas guardem em

suas memórias as lutas que juntos venceram, os sorrisos que unidos deram, os

desafios que um ao lado do outro enfrentaram... Essas lembranças serão como as

sombras refrescantes nos dias quentes, aquietarão os aflitos corações, se

lembrarão de que não estão sozinhos mundo. Construamos nosso futuro nos

lembrando que a vida não é um disco travado, ela segue tocando em diferentes

ritmos!

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Fim


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