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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO ADAPTAÇÃO À TRANSIÇÃO DE CARREIRA NA MEIA-IDADE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO SOB O ENFOQUE DO LOCUS DE CONTROLE Alessandra Quishida Orientadora: Prof.ª. Dr.ª. Tania Casado SÃO PAULO 2007

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAO E CONTABILIDADE

    DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO

    ADAPTAO TRANSIO DE CARREIRA NA MEIA-IDADE: UM ESTUDO EXPLORATRIO SOB O ENFOQUE DO LOCUS DE CONTROLE

    Alessandra Quishida

    Orientadora: Prof.. Dr.. Tania Casado

    SO PAULO 2007

  • Prof. Dr. Suely Vilela Reitora da Universidade de So Paulo

    Prof. Dr. Carlos Roberto Azzoni Diretor da Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade

    Prof. Dr. Isak Kruglianskas Chefe do Departamento de Administrao

    Prof. Dr. Lindolfo Galvo de Albuquerque Coordenador do Programa de Ps-Graduao em Administrao

  • ALESSANDRA QUISHIDA

    ADAPTAO TRANSIO DE CARREIRA NA MEIA-IDADE: UM ESTUDO EXPLORATRIO SOB O ENFOQUE DO LOCUS DE CONTROLE

    Dissertao apresentada ao Departamento de Administrao da Faculdade de

    Economia, Administrao e Contabilidade da Universidade de So Paulo como um dos

    requisitos para a obteno do ttulo de Mestre em Administrao.

    Orientadora: Prof. Dr. Tania Casado

    SO PAULO 2007

  • FICHA CATALOGRFICA Elaborada pela Seo de Processamento Tcnico do SBD/FEA/USP

    Quishida, Alessandra Adaptao transio de carreira na meia-idade : um estudo exploratrio sob o enfoque do locus de controle / Alessandra Quishida. -- So Paulo, 2007. 101 p.

    Dissertao (Mestrado) Universidade de So Paulo, 2007 Bibliografia

    1. Administrao de carreiras 2. Desenvolvimento profissional 3. Traos de personalidade I. Universidade de So Paulo. Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade. II. Ttulo.

    CDD 658.409

  • i

    Ruth Heiko Nagao e ao Roberto Toquihico Quishida,

    meus eternos professores.

  • ii

    Primeiramente agradeo Prof. Dr. Tania Casado pela orientao, sobretudo pelas oportunidades concedidas em pesquisa nos ltimos anos; ao Prof. Dr. Lindolfo Galvo de Albuquerque que tenho como exemplo na carreira acadmica e cujas valiosas contribuies me ajudaram no desenvolvimento desta Dissertao de Mestrado; Associao dos MBAs da FIA pela permisso em divulgar minha pesquisa e principalmente aos membros que dela participaram; ao Prof. Dr. Joel Souza Dutra, Prof. Dr. Andr Luiz Fischer e Prof. Dr. Ana Cristina Limongi Frana por terem iluminado meu caminho em momentos decisivos.

    Agradeo Angeli Kishore e Renata Schirrmeister pela ajuda e companheirismo; In Futino Barreto, Viviane de Barros Rossini, Constantino Rodrigues Cavalheiro, Nildes Pitombo Leite, Patricia Morilha Muritiba, ex-colegas e professores de disciplinas, Vilma Caseiro e equipe PROGEP pelo apoio e incentivo; aos amigos Prof. Dr. Sandro Marcio da Silva, Ana Carolina Nogueira Chan e Monica Nitta pela amizade e por estarem presentes em momentos importantes de minha carreira.

    Agradeo especialmente Dr. Dora Ford Racy por ter me acompanhado durante a minha transio de carreira e durante o perodo de elaborao desta Dissertao; aos queridos irmos Carolina Quishida e Andr Lus Quishida pela pacincia e compreenso.

    Por fim, agradeo FEA/USP e CAPES pelo apoio.

  • iii

    Mas ns no podemos viver a tarde da vida de acordo com a programao da manh da vida...

    o que era verdade de manh tarde ter se tornado uma mentira.

    Carl Gustav Jung

  • iv

    RESUMO

    A dificuldade de se planejar a carreira em um ambiente caracterizado pelo dinamismo e descontinuidade tem demandado a realizao de estudos centrados em referenciais internos que possam contribuir com o autoconhecimento. Este estudo exploratrio teve por objetivo aprofundar o entendimento sobre a adaptao transio de carreira na meia-idade utilizando um constructo oriundo da Psicologia: o locus de controle. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa em que foram empregadas duas tcnicas de investigao: um inventrio de locus de controle e a entrevista semi-estruturada. Os relatos obtidos nas entrevistas foram transcritos para a utilizao de tcnicas de anlise de contedo. A partir da anlise dos resultados foram identificadas quais e como foram feitas as adaptaes transio de carreira na meia-idade, bem como formulada uma hiptese de pesquisa: o locus de controle interno facilita a adaptao s transies de carreira na meia-idade.

  • v

    ABSTRACT

    The difficulty in planning the career in an environment characterized by dynamism and disruption has demanded studies centered on personal internal references that may contribute to self-knowledge. The objective of this exploratory study was to deeply understand the adaptation to the career transition in the middle age by means of a psychological construct: the locus of control. A qualitative research, in which were used two investigation techniques: locus of control inventory and semistructured interview was carried out. The speeches from the interviews were transcribed, so that they could be submitted to content analysis techniques. From the analysis of the findings it was identified which and how the adaptations to the career transitions in the middle age occurred. Furthermore, a research hypothesis was stated: the internal locus of control facilitates the adaptation to the career transitions in the middle age.

  • SUMRIO

    LISTA DE QUADROS.............................................................................................................3

    1 O PROBLEMA DE PESQUISA .....................................................................................4 1.1 Definio da situao-problema............................................................................................................. 5 1.2 Objetivos e questo de pesquisa............................................................................................................. 8 1.3 Justificativas ............................................................................................................................................ 8

    2 FUNDAMENTAO TERICA.................................................................................10 2.1 Carreira ................................................................................................................................................. 10

    2.1.1 A carreira sem fronteiras .................................................................................................................... 11 2.1.1.1 O significado da carreira sem fronteiras: indivduos, organizaes e sociedade ...................... 14

    2.2 Estgios da carreira .............................................................................................................................. 15 2.3 Transio de carreira............................................................................................................................ 18

    2.3.1 Adaptao transio de carreira na meia-idade ............................................................................... 22 2.4 Locus de controle................................................................................................................................... 27

    3 METODOLOGIA DE PESQUISA ...............................................................................31 3.1 Tipo de estudo........................................................................................................................................ 31 3.2 Mtodo de pesquisa ............................................................................................................................... 31 3.3 Tcnicas de investigao ....................................................................................................................... 33

    3.3.1 Entrevista............................................................................................................................................ 33 3.3.2 Inventrio de locus de controle........................................................................................................... 34

    3.4 Definio da populao e amostra ....................................................................................................... 35 3.5 Procedimentos de coleta dos dados...................................................................................................... 36 3.6 Procedimentos de interpretao dos dados e anlise ......................................................................... 37

    3.6.1 Pr-teste das entrevistas...................................................................................................................... 43 3.6.2 Pr-teste do inventrio de locus de controle ....................................................................................... 44

    3.7 Limitaes do mtodo ........................................................................................................................... 45

    4 APRESENTAO E ANLISE DOS RESULTADOS .............................................46 4.1 Resultados das entrevistas .................................................................................................................... 46

    4.1.1 Entrevista 1......................................................................................................................................... 47 4.1.2 Entrevista 2......................................................................................................................................... 51 4.1.3 Entrevista 3......................................................................................................................................... 54 4.1.4 Entrevista 4......................................................................................................................................... 59 4.1.5 Entrevista 5......................................................................................................................................... 63 4.1.6 Entrevista 6......................................................................................................................................... 66 4.1.7 Entrevista 7......................................................................................................................................... 68 4.1.8 Entrevista 8......................................................................................................................................... 72

    4.2 Resultados do locus de controle ........................................................................................................... 76 4.3 Anlise dos resultados........................................................................................................................... 77

    5 CONCLUSES E CONSIDERAES FINAIS ........................................................81 5.1 Concluses.............................................................................................................................................. 81 5.2 Sugestes para estudos futuros ............................................................................................................ 84 5.3 Limitaes do estudo............................................................................................................................. 85 5.4 Contribuies aos indivduos e Gesto de Pessoas .......................................................................... 85

    REFERNCIAS .....................................................................................................................87

    APNDICES ...........................................................................................................................92

  • 2

    Apndice 1 Roteiro de entrevistas................................................................................................................... 92 Apndice 2 Carta convite para participao da pesquisa ............................................................................. 95

    ANEXOS .................................................................................................................................96 Anexo A Projeo da populao brasileira de 2007 a 2025 .......................................................................... 96 Anexo B - Escala de locus de controle de Julian B. Rotter .............................................................................. 97 Anexo C - reas de atuao da Associao dos MBAs da FIA ..................................................................... 100

  • 3

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - O novo contrato de carreira ...................................................................................13 Quadro 2 - Principais modelos de estgios de carreira ............................................................16 Quadro 3 - Modelo integrado de estgios de carreira ..............................................................17 Quadro 4 - O ciclo da transio de carreira .............................................................................20 Quadro 5 - A seqncia da transio .......................................................................................21 Quadro 6 - A seqncia da transio e a meia-idade ...............................................................26 Quadro 7 - Possveis aplicaes da anlise de contedo .........................................................39 Quadro 8 - Procedimentos de anlise de contedo ..................................................................40 Quadro 9 - Categorias baseadas nos estgios de carreira .........................................................41 Quadro 10 - Categorias baseadas na seqncia da transio ...................................................42 Quadro 11 - Categorias baseadas na percepo de mudanas .................................................42 Quadro 12 - Resultados da tcnica de anlise categorial .........................................................46 Quadro 13 Locus de controle dos participantes ....................................................................76 Quadro 14 - Sntese dos resultados ..........................................................................................77

  • 4

    1 O PROBLEMA DE PESQUISA

    A carreira se apresenta como um tema de estudo interdisciplinar, abrangendo reas como a Economia, Gesto e Estudos Organizacionais, Cincia Poltica, Psicologia e Sociologia (ARTHUR; ROUSSEAU, 1996a). Apesar de serem vrios os campos do conhecimento que contribuem para seu pleno entendimento, neste estudo a carreira ser abordada sob a perspectiva do Comportamento Organizacional.

    Recentes mudanas no ambiente econmico, social e tecnolgico trouxeram repercusses para a rea de Comportamento Organizacional, que segundo Parker, Arthur e Inkson (2004) no se restringir apenas ao comportamento dentro das organizaes, mas tambm ao comportamento entre organizaes e influncia do comportamento que ocorre fora das organizaes.

    O comportamento mais facilmente acessado se for identificado como o indivduo percebe a situao e o que ele considera ser importante. Neste estudo o comportamento do indivduo na carreira foi acessado por intermdio de diferenas individuais, tomando o indivduo como unidade de anlise: O indivduo o ser singular; o indivduo psicolgico caracteriza-se por sua psicologia peculiar e, em certa medida, nica. (JUNG, 1967, p. 527). Ao examinar as diferenas individuais sob a tica da carreira, visa-se compreender que respostas esto sendo dadas diante de eventos como a transio de carreira, que marcam o processo de desenvolvimento profissional.

    Os captulos desta Dissertao de Mestrado foram estruturados da seguinte forma: no presente captulo ser contextualizada e definida a situao-problema que nortear todas as etapas deste estudo, acrescidos dos objetivos, questo de pesquisa e justificativas; no captulo 2, Fundamentao terica, sero apresentados os conceitos e definies operacionais dos termos relevantes para o problema de pesquisa; no captulo 3, Metodologia de pesquisa, sero detalhados: o tipo de estudo, mtodo de pesquisa e procedimentos envolvidos em sua elaborao; no captulo 4, Apresentao e anlise dos resultados, sero apresentados, discutidos e analisados os resultados da aplicao de tcnicas de investigao luz do referencial terico; no captulo 5, Concluses e consideraes finais, sero apresentadas as

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    concluses, sugestes para estudos futuros, limitaes do estudo, contribuies aos indivduos e Gesto de Pessoas.

    1.1 Definio da situao-problema

    Assistiu-se, a partir dos anos 1990, ao acirramento da competitividade face globalizao dos mercados que tornou as relaes de emprego instveis (RIFKIN, 1995) e as organizaes turbulentas. Assistiu-se tambm ao surgimento da Nova Economia que se caracteriza, entre outros aspectos, pela interdependncia de atividades de trabalho nas arenas nacionais e internacionais, acompanhadas por mudanas tecnolgicas em alta velocidade e dinamismo. Trata-se de uma realidade em que coexistem oportunidades, inseguranas, flexibilidade e incerteza (ARTHUR; ROUSSEAU, 1996a).

    Diante de um contexto de imprevisibilidades e da nova dinmica dos mercados, as prprias organizaes no se mostraram mais capazes de manter a postura paternalista (BARUCH, 2004) com que vinham tratando as carreiras de seus empregados. O indivduo que antes conseguia imprimir uma lgica sua carreira e projetava seu desenvolvimento no sistema de administrao de carreiras da organizao, percebeu que estava perdendo seus referenciais externos. Processos de fuses, aquisies, reestruturaes, entre outros, expuseram-no a uma realidade completamente diferente da qual ele estava acostumado no tocante s relaes sociais e de trabalho. De acordo com Giddens (2000, p. 20): Se a transformao hoje mais visvel do que nunca porque suas conseqncias a longo prazo sero agora mais extensamente vivenciadas e mais intensamente assumidas.

    Essas transformaes propiciaram a transferncia do referencial externo para o interno, posto que responsabilidade pelo desenvolvimento da carreira que antes era atribuda organizao, passou a pertencer ao indivduo (MIRVIS; HALL, 1996, p. 241). Espera-se que o indivduo traga todo o seu self ao trabalho, que aja em conformidade com seus valores, vida pessoal e vontades (HALL, 1996, p. 10). Self, de acordo com Sarbin (1954, p. 244 apud SUPER, 1963, p. 17), consiste em: [...] o que a pessoa , que pode mudar com a interao com o ambiente.

    Nesse sentido, o autoconhecimento, que pode ser entendido (MARTINS, 2001, p. 61) como um processo de construo da auto-imagem ou de tomada de conscincia das caractersticas

  • 6

    individuais que ocorre no indivduo em relao ao mundo e em relao a si mesmo, pode possibilitar o desenvolvimento pleno e a utilizao do potencial humano quando aplicado carreira (MILES; SNOW, 1996, p. 97).

    A busca pelo autoconhecimento se revela oportuna, portanto, em um momento em que os referenciais externos, tais como organizao e emprego deixam de ser estveis, ao mesmo tempo em que os indivduos se deparam com transies ao longo da vida. Transio humana foi definida por Schlossberg (1981, p. 5) como um evento ou no-evento que resulta numa mudana de concepo sobre si mesmo e sobre o mundo, demandando uma alterao correspondente no comportamento e nos relacionamentos.

    De acordo com Savickas (1999) existem inmeras pesquisas sobre aquela que considerada a primeira transio: da escola para o trabalho. No entanto, pouco se sabe sobre as transies que ocorrem na fase adulta e que esto se tornando cada vez mais freqentes na esfera profissional: as transies de carreira.

    Transio de carreira foi entendida neste estudo como um processo: que se concretiza na passagem por diferentes estgios de carreira; em que o indivduo passa por uma seqncia de fases subjetivas (a seqncia da transio); em que ocorre a percepo de mudanas comportamentais, na natureza dos relacionamentos no trabalho e no autoconceito profissional.

    Heppner, Multon e Johnston (1994) identificaram o controle pessoal como um mecanismo de expresso das diferenas individuais que influencia o processo de transio carreira. So trs as maneiras pelas quais o controle pessoal pode ser exercido: o controle sobre o resultado, o controle sobre o comportamento e a predio sobre comportamento e resultado. Bell e Staw (1989, p. 243) afirmam que a dificuldade de exercer o controle sobre resultados num ambiente de trabalho marcado por imprevisibilidades tem levado as pessoas a tentar exercer o segundo tipo de controle citado: o controle sobre seus prprios comportamentos.

    Para os fins deste estudo, o controle pessoal sobre o comportamento ser acessado por intermdio de um constructo oriundo da Psicologia: o locus de controle (ROTTER, 1966) que diz respeito percepo do indivduo sobre sua fonte de controle. Locus uma palavra originada do latim que significa local ou posio (TORRINHA, 1942, p. 484). O locus de controle pode ser interno (percepo de que o indivduo tem o controle sobre seu

  • 7

    comportamento diante de eventos com os quais ele se depara ao longo da vida) ou externo (percepo de que o controle sobre o comportamento no determinado pelo prprio indivduo diante de eventos com os quais ele se depara ao longo da vida).

    Quando o locus de controle entendido sob a perspectiva do evento transio de carreira, o indivduo de locus de controle interno acredita ter o controle sobre seu comportamento diante da transio de carreira; o indivduo de locus de controle externo, por sua vez, atribui a outras pessoas ou ao acaso a responsabilidade pelo seu comportamento diante da transio de carreira.

    Em funo da complexidade do fenmeno transio de carreira foi necessrio delimitar o presente estudo. Estipulou-se estudar os indivduos que se encontravam na meia-idade: um perodo marcado por profundas transformaes e em que se passa por uma reavaliao dos valores. Valores so as convices bsicas de que um modo especfico de conduta ou de condio de existncia individualmente ou socialmente prefervel a um modo oposto ou contrrio de conduta ou de existncia. (ROKEACH, 1973, p. 5). Para os fins deste estudo, considerou-se meia-idade a faixa etria entre 49 a 59 anos, conforme especificado no captulo 2 Fundamentao terica.

    A meia-idade um perodo de grande desenvolvimento obtido por meio dos mais severos choques (JUNG, 1953, p. 120) associado existncia de uma crise (SCHEIN, 1978). Acompanhada por emoes intensas, a transio de carreira tambm se caracteriza pela ocorrncia de uma crise (OCONNOR; WOLFE, 1987; OCONNOR; WOLFE, 1991) e emerge como uma oportunidade para que a pessoa reconhea sua individualidade e se redescubra profissionalmente. As repercusses da transio de carreira em indivduos de meia-idade se traduzem, portanto, na possibilidade de encontrar significado na carreira e que ela seja coerente com seus novos valores.

    Se por um lado a adaptao transio de carreira se apresenta como um tema atual e relevante, por outro, consiste numa lacuna a ser preenchida na literatura sobre carreira. Face demanda por estudos pautados em referenciais internos e que privilegiem o autoconhecimento como primeiro passo no planejamento de carreira, este estudo exploratrio versar sobre a adaptao transio de carreira na meia-idade baseando-se no constructo do locus de controle.

  • 8

    1.2 Objetivos e questo de pesquisa

    Este estudo teve por objetivos: aprofundar o entendimento sobre a adaptao transio de carreira na meia-idade e formular uma hiptese sobre transio de carreira e locus de controle.

    De maneira ampla, Selltiz et al (1975, p. 5) consideram que o objetivo de uma pesquisa descobrir respostas para perguntas ou questes utilizando processos cientficos. So duas as razes que levam proposio de questes de pesquisa: as intelectuais, baseadas no desejo ou satisfao de conhecer ou compreender; e as prticas, baseadas no desejo de conhecer a fim de tornar-se capaz de fazer algo melhor ou de maneira mais eficiente (SELLTIZ et al, 1975, p. 7).

    Com base na primeira razo acima, formulou-se a seguinte questo de pesquisa: qual o papel do locus de controle na adaptao transio de carreira na meia-idade?

    1.3 Justificativas

    Este estudo se justifica pelo fato do tema transio de carreira ter sido pouco estudado, apesar de ser um fenmeno complexo, atual e cada vez mais freqente nas carreiras contemporneas.

    Outra justificativa consiste na demanda por estudos em carreira que focalizem referenciais internos, como os que derivam de caractersticas da personalidade. A carreira profissional que h algumas dcadas atrs era pautada pela estabilidade e dependncia das organizaes passou a ser gerida essencialmente pelo indivduo (HALL, MOSS, 1998), que a partir da dcada de 1990 se deparou com a necessidade de autoconhecimento e preparao para lidar com um ambiente pouco previsvel e continuamente em transformao.

    Uma terceira justificativa para este estudo se refere tendncia de aumento da expectativa de vida da populao, que foi objeto de discusso no Frum Econmico Mundial em Davos, Sua (IIGUEZ, 2007; WEF, 2007). Recomendou-se que os governos e empresas de pases

  • 9

    da Europa aumentem a idade de aposentadoria dos trabalhadores para compensar os efeitos do envelhecimento da populao.

    No Brasil o aumento na expectativa de vida foi de 9,1 anos no perodo de 1980 e 2004, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE (IBGE, 2006). Esse fato tem levado as pessoas a trabalharem por mais tempo e, possivelmente, vivenciarem em maior nmero as transies de carreira com todas as transformaes, oportunidades e desafios que delas decorrem.

    As projees da populao brasileira fornecidas pelo Ministrio da Previdncia Social/ Secretaria da Previdncia Social - MPS/SPS (MPS/SPS, 2006) revelaram que em 2025 a populao acima de 65 anos de idade representar 10,28% da populao total, incentivando ainda mais os indivduos a buscarem oportunidades de trabalho na meia-idade (Anexo A).

    Acrescenta-se que o aumento da expectativa de vida da populao brasileira contribui com o agravamento da crise estrutural da Previdncia Social (ANASPS, 2003). Quanto maior for a sobrevida de indivduos com mais de sessenta anos, maior ser o tempo de durao do benefcio. Manter-se ativo(a) na meia-idade por meio do trabalho uma das formas de interferir nessa situao complexa, ao mesmo tempo em que se evita a descontinuidade do processo de desenvolvimento profissional.

  • 10

    2 FUNDAMENTAO TERICA

    Neste captulo sero apresentados os conceitos e definies operacionais dos termos relevantes para o problema de pesquisa.

    2.1 Carreira

    Ao analisar as definies de carreira das ltimas dcadas, constatou-se que elas sofreram a influncia do momento histrico, social e econmico em que foram concebidas.

    At a dcada de 1980 a carreira era compreendida sob a perspectiva do modelo da carreira organizacional, caracterizado pelo emprego de longo prazo, estabilidade, desenvolvimento da carreira apenas dentro das organizaes com progresses hierrquicas formais e pela dependncia do indivduo organizao (DE FILLIPI; ARTHUR, 1994).

    Os indivduos podiam ancorar suas carreiras em uma organizao, que era considerada a provedora de uma estrutura dentro da qual eles se inseriam e se adequavam. Essa estrutura, denominada sistema de administrao de carreira, constituda de diretrizes, instrumentos de gesto de carreira integrados aos demais instrumentos de gesto de Recursos Humanos, alm de um conjunto de polticas e procedimentos que visam conciliar as expectativas das pessoas e da organizao (LEIBOWITZ; FARREN; KAYE, 1986 apud DUTRA, 2002, p. 104).

    Por meio da organizao, o indivduo conseguia atribuir um sentido e um senso de continuidade sua carreira, que podia ser compreendida como um caminho estruturado e organizado no tempo e no espao (VAN MAANEN, 1977). London e Stumph (1982, p. 4), a definiram da seguinte forma:

    A carreira uma seqncia de posies ocupadas no trabalho ao longo da vida de uma pessoa. A

    carreira envolve estgios e transies que refletem necessidades, motivos e aspiraes, assim como

    expectativas e restries da organizao e da sociedade. Sob a perspectiva do indivduo, engloba o entendimento e a avaliao de sua experincia profissional, enquanto que sob a perspectiva da

  • 11

    organizao, engloba polticas, procedimentos e decises ligadas a espaos ocupacionais, nveis organizacionais, compensao e movimentao de pessoas.

    Sob o modelo da carreira organizacional possvel considerar a gesto compartilhada da carreira envolvendo a conciliao dinmica das expectativas do indivduo e da organizao. Ao indivduo cabe: [...] a gesto de seu desenvolvimento, de sua competitividade profissional e de sua carreira. As pessoas esto adquirindo conscincia de seu papel e passam a cobrar de si mesmas a gesto de sua carreira, e da empresa as condies objetivas de desenvolvimento profissional. Por outro lado, organizao cabe [...] criar o espao, estimular o desenvolvimento e oferecer o suporte e as condies para uma relao de alavancagem mtua das expectativas e necessidades. (DUTRA, 2002, p. 48).

    Diante da globalizao e da nova dinmica dos mercados, argumentava-se que apesar do modelo de carreira organizacional continuar sendo legtimo e em vigor (ARTHUR, 1994), deveria se atentar tambm para modelos e conceitos mais abrangentes, compatveis inclusive com as recentes transformaes no ambiente econmico e institucional.

    Sendo assim, Arthur e Rousseau (1996b, p. 30) propuseram uma definio mais ampla de carreira: a seqncia de experincias de trabalho que ocorre durante a vida profissional de qualquer pessoa. Essa definio apresenta como vantagens: a considerao de carreira como um campo interdisciplinar de estudo; a considerao de qualquer carreira, no apenas a que desenvolvida em organizaes; e a possibilidade de consider-la tambm sob a perspectiva subjetiva.

    2.1.1 A carreira sem fronteiras

    Ao levar em considerao que a carreira no deveria, necessariamente, circunscrever-se s organizaes foi proposto um novo modelo de carreira denominado carreira sem fronteiras.

    A carreira sem fronteiras [...] o oposto das carreiras organizacionais carreiras que se desenvolvem dentro de um nico cenrio empregatcio. (ARTHUR; ROUSSEAU, 1996a, p. 5). A carreira sem fronteiras no caracteriza uma nica forma de carreira, mas sim diferentes formas possveis que se opem aos pressupostos do emprego tradicional. (ARTHUR; ROUSSEAU, 1996a, p.3). O termo sem fronteiras surgiu no intuito de se estabelecer uma

  • 12

    diferenciao com o modelo da carreira organizacional e a palavra fronteiras vai alm da noo de limite e de diviso entre o territrio familiar e o hostil, implicando [...] algo que possa ser enfrentado em termos de comportamento na carreira ou na gesto da complexidade. (ARTHUR; ROUSSEAU, 1996b, p. 29).

    A carreira sem fronteiras possui seis caractersticas (ARTHUR, 1994, p. 296): a carreira se move para alm das fronteiras de diferentes empregadores;

    a existncia de validao e mercado independe do atual empregador;

    a carreira sustentada por redes ou informaes externas;

    os princpios de uma organizao tradicional, tais como a obedincia de uma hierarquia que tambm atua como critrio de ascenso, deixam de vigorar;

    o indivduo rejeita oportunidades de carreira por motivos pessoais ou familiares; intensifica-se a importncia da interpretao do ator da carreira, o qual pode perceber

    sua carreira independentemente da relao estabelecida com a organizao.

    Da relao caracterizada pelo pacto organizacional no modelo da carreira organizacional, passou-se para uma relao caracterizada pelo pacto entre o indivduo e o trabalho. Essa nova relao integra o contrato de carreira, cujas caractersticas se encontram no Quadro 1:

  • 13

    Quadro 1 O novo contrato de carreira Antigo contrato Novo contrato

    O indivduo oferece

    Lealdade, conformidade, comprometimento com a organizao

    Longas horas, responsabilidade agregada, amplas habilidades, tolerncia mudana e ambigidade, disposio para trabalhar em ambientes dinmicos

    A organizao oferece

    Segurana no emprego, possibilidades de carreira, treinamento, desenvolvimento, assistncia

    Boa recompensa financeira, recompensa por boa performance, ter um trabalho (no necessariamente emprego), possibilidade de desenvolvimento no formal (como os desafios com os que se depara no prprio trabalho e desenvolvimento interpessoal por relacionamentos)

    O indivduo espera como retorno

    Emprego de longo prazo, pagamento relacionado a direito adquirido e tempo de trabalho, promoo vertical

    Desenvolvimento, investimento em empregabilidade, ambiente que propicie a aprendizagem, acesso s novas tecnologias, flexibilidade

    A organizao espera como retorno

    Responsabilizar-se pelas necessidades individuais

    Autoconfiana, resilincia, empregados flexveis

    Caractersticas geraisPadronizao, estruturas rgidas, previsibilidade

    Estruturas no convencionais e flexveis, incerteza

    ValoresLealdade, conformidade, comprometimento com a organizao

    Autoconfiana, versatilidade

    FONTE: Adaptado de BARUCH, 2004, p. 127; HALL; MOSS, 1998, p. 26.

    A definio de carreira sob o modelo sem fronteiras permite considerar a carreira em seus aspectos objetivos e subjetivos. A carreira objetiva implica uma abordagem institucional, seja ela do ponto de vista das organizaes ou da sociedade ao refletir uma seqncia de posies ocupadas e a situao social do indivduo no ambiente de trabalho (status). Por outro lado, a carreira subjetiva diz respeito interpretao do indivduo sobre sua prpria situao de carreira (ARTHUR, 1994, p. 298).

    Dado o exposto e em virtude dos objetivos propostos neste estudo, a carreira ser considerada sob a perspectiva subjetiva, j que em ltima instncia o prprio indivduo (e no a organizao) o responsvel por planejar e gerenciar sua carreira, que nem sempre compatvel com as expectativas e necessidades organizacionais.

  • 14

    2.1.1.1 O significado da carreira sem fronteiras: indivduos, organizaes e sociedade

    O significado da carreira sem fronteiras para os indivduos, organizaes e sociedade pode ser compreendido a partir das recentes transformaes no mbito das relaes sociais e de trabalho. O modelo de carreira organizacional era caracterizado pela passagem por uma ou duas instituies, por relaes de longo prazo e por um nico conjunto de qualificaes que se mantinha praticamente inalterado no decorrer de uma vida de trabalho (ARTHUR, 1994; SENNETT, 2005). Em oposio, na carreira sem fronteiras, existe dificuldade por parte dos indivduos de transformar suas respectivas experincias em narrativas sustentveis, uma vez que as experincias de trabalho atuais parecem ser eventos desconexos ou que denotam pouca continuidade ou progresso. Questiona-se (SENNETT, 2005, p. 27):

    Como se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter relaes sociais durveis? Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de

    identidade e histria de vida numa sociedade composta de episdios e fragmentos? As condies da

    nova economia alimentam, ao contrrio, a experincia com a deriva no tempo, de lugar em lugar,

    de emprego em emprego.

    No que tange s instituies, os compromissos mtuos e laos fortes so dificultados por ambientes em que estas mesmas instituies continuamente se desfazem ou so reprojetadas em funo de reestruturaes, fuses e aquisies. As empresas se dividem ou fundem, empregos surgem e desaparecem como fatos sem ligaes. (SENNETT, 2005, p. 32).

    A contextualizao da carreira no ambiente sem fronteiras, bem como seu significado para as instituies e os indivduos remete tendncia da sociedade atual para a individualizao. Uma vez que as organizaes no se apresentam mais como instituies estveis e de longo prazo, o indivduo encontra-se numa situao em que as decises, escolhas e riscos recaem sobre ele mesmo e no so mais socialmente compartilhados. A individualizao traz para um nmero crescente de pessoas a oportunidade e a liberdade sem precedentes de experimentar. Por outro lado, traz a tarefa tambm sem precedentes de enfrentar as conseqncias (BAUMAN, 2001; BECK; BECK-GERNSHEIM, 2002).

  • 15

    2.2 Estgios da carreira

    Quando considerada sob o ponto de vista individual, de uma maneira mais ampla, a carreira pode ser considerada um processo de desenvolvimento (SUPER; HALL, 1978) que compreende estgios inter-relacionados, formando um contnuo. Entende-se tambm que estes estgios so reconhecidos pela pessoa e pela sociedade, embora o espao de tempo associado a cada um deles varie muito em funo da profisso ou da pessoa que a exerce (SCHEIN, 1996, p. 20).

    Diversos autores desenvolveram modelos atrelados aos estgios de carreira. A seguir ser exibido o Quadro 2 que contm os principais deles e sero discutidos os que apresentarem maior convergncia com o problema de pesquisa; por fim, ser apresentado e justificado o modelo de estgio de carreira utilizado neste estudo.

  • 16

    Quadro 2 - Principais modelos de estgios de carreira Autor(es) N de estgios Utiliza idade Nomes dos estgiosForm; Miller (1949) 5 no 0-15: orientao para o mundo do trabalho

    15-18: estgio inicial, s vezes em trabalho de meio-perodo18-34: entrada no mercado de trabalho34-60: estgio de estabilidade60-65: aposentadoria

    Super (1957, 1980) 5 sim 0-14: infncia e crescimento0-25: busca e investigao25-45: estabelecimento45-56: continuidade ou manuteno56+: declnio ou desligamento

    Hall; Nougaim (1968) 5 sim 0-25: incio26:30: estabelecimento31-45: progresso46-65: manuteno65+: aposentadoria

    Dalton; Thompson; 4 no trabalho sob superviso (estgio)Price (1977) trabalho autnomo

    mentoriadireo, representao, patrocnio

    Schein (1978) 8 sim 0-21: crescimento e busca16-25: entrada no mundo do trabalho16-25: treinamento bsico17-30: incio de emprego em perodo integral25+: carreira na meia-idade40+: ps-carreira40+: declnio?: aposentadoria

    Levinson (1978) 4 + 3/5* sim 0-17: infncia e adolescncia17-22: transio para a o incio da fase adulta23-40: at 28, entrada; at 40, estabelecimento(inclui a transio dos 30 anos)40-45: transio para a meia-idade45-60: pice da fase adulta (inclui a transio dos 50 anos)60-65: transio para o final da fase adulta65+: final da fase adulta

    Baird; Kram (1983) 4 no estabelecimentoprogressomanutenoaposentadoria

    Greenhaus (1987) 5 sim 0-25: ingresso no mundo organizacional25-40: estabelecimento e realizaes40-45: estagnao na carreira55-aposentadoria: ps-carreira

    *Cinco estgios de transio, trs deles situados entre a infncia, fase adulta e final da fase adulta.

    FONTE: BARUCH, 2004, p. 53.

    A anlise que se faz do quadro acima luz do referencial terico apresentado at ento que os principais modelos de estgios de carreira se inserem no modelo da carreira organizacional e que h certa rigidez na delimitao das faixas etrias associadas a cada um dos estgios. Observa-se que h pouca diferena entre as faixas etrias e nomes a elas atribudos, de modo que a vida profissional de meados do sculo XX at o seu final pode ser sintetizada em trs ntidos agrupamentos: incio da vida profissional, caracterizada pela entrada no mercado de

  • 17

    trabalho e primeiras experincias de trabalho; carreira na maturidade, caracterizada pela estabilizao; e o final da carreira que culmina com a aposentadoria.

    Independentemente da denominao atribuda pelos autores, constata-se que os estgios que representam a maturidade na carreira remetem poca em que havia mais estabilidade e emprego de longo prazo nas organizaes. Essa realidade se tornou obsoleta e pouco vlida tendo em vista a turbulncia no ambiente econmico-institucional a que se assistiu a partir dos anos 1990, que resultou na maior mobilidade do trabalhador profissional no mercado de trabalho.

    Critica-se que a utilizao de estgios rigidamente definidos no considera as transies que podem ocorrer durante a carreira. Tratar tais estgios como faixas padronizadas, como fizeram a maioria dos autores supracitados (Quadro 2), revela-se incoerente com o aspecto individual e nico de cada carreira. Diante dessa situao, Baruch (2004) props um modelo integrado de estgios de carreira:

    Quadro 3 - Modelo integrado de estgios de carreira

    Estgio de carreira Descrio(a) Fundamentao As experincias da infncia e da adolescncia podem ajudar a plantar as sementes das aspiraes de

    carreira.(b) Entrada Freqentemente acontece a profissionalizao. Pode ocorrer via estgio, treinamento na prpria

    funo, por meio de um curso de ensino superior em faculdade ou universidade. Inclusive para os indivduos mais qualificados, esta etapa geralmente favorece o estabelecimento profissional.

    (c) Avano Diz respeito ao desenvolvimento profissional e hierrquico na(s) organizao/organizaes ou expanso do prprio negcio. Este estgio pode ser caracterizado pelo contnuo avano ou atingimento de um plat. De acordo com os conceitos e o ambiente de carreira atual, este estgio tipicamente associado s vrias mudanas de empregador.

    (d) Reavaliao Ao invs de se buscar a realizao, neste estgio ocorre o repensar sobre o trabalho/papel/carreira. Pode ter origem em foras internas como sentimentos ou necessidades (aborrecimento por falta de desafios, crise pessoal), ou foras externas (trabalho repetitivo, demisso, obsolescncia da profisso). Pode culminar com a deciso de permanecer ou de mudar a direo da carreira, retornando para o estgio (b).

    (e) Reforo ou nova entrada

    Aps a tomada da deciso, acontece o reforo da carreira atual ou o retorno para o estgio (b), visando o reestabelecimento profissional.

    (f) Declnio A maioria dos indivduos (exceto aqueles que continuam avanando na carreira at fim da vida profissional) comear a visualizar o encerramento das atividades profissionais, que pode ocorrer imediatamente ou no decorrer dos prximos anos.

    (g) Aposentadoria Retirada do mercado de trabalho (no necessariamente aos 65 anos).

    FONTE: Adaptado de BARUCH, 2004, p. 54.

    Esse modelo foi adotado no presente estudo por apresentar algumas vantagens em comparao com aqueles que foram propostos nas dcadas anteriores. A no-atribuio de

  • 18

    faixas etrias em cada estgio forneceu a flexibilidade necessria para que tambm fosse incorporado ao modelo o fenmeno das transies de carreira. De acordo com o autor, (BARUCH, 2004, p. 55) o indivduo pode passar pelo estgio (b) entrada na carreira at o estgio (e) reforo ou nova entrada vrias vezes no decorrer de sua trajetria profissional. Esse modelo compatvel com a viso de outros autores como Hall (1996, p. 9), o qual afirma que a idade cronolgica no ser o referencial para as carreiras do sculo XXI.

    Acrescenta-se que o estgio final, (g) aposentadoria, foi o que apresentou maior divergncia entre os modelos apresentados no Quadro 2. O fato de no haver a delimitao de uma faixa etria para esse estgio, em particular, coerente com a com a necessidade de se prolongar a carreira e com a tendncia de aumento na expectativa de vida no Brasil e no mundo (IBGE, 2006).

    2.3 Transio de carreira

    Hall (1996, p. 8) recorreu mitologia grega para explicar as carreiras contemporneas. Ele as denominou carreiras proteanas em aluso ao deus Proteus que era capaz de alterar sua forma com relativa facilidade e quando assim o desejasse: As carreiras do sculo XXI sero proteanas, carreiras gerenciadas pela pessoa, no mais pela organizao e que sero reinventadas pela pessoa de tempos em tempos, medida que a pessoa e o ambiente mudarem.

    A mudana no ambiente a que Hall se referiu na citao acima foi abordada neste estudo sob a perspectiva da carreira, na passagem do modelo de carreira organizacional para o modelo de carreira sem fronteiras. A mudana que ocorre com a pessoa foi abordada nesta Dissertao de Mestrado sob a tica da transio.

    A transio humana foi concebida por Schlossberg (1981, p. 5) como um [...] evento ou no-evento que resulta numa mudana de concepo sobre si mesmo e o mundo, portanto requer uma mudana correspondente em seu comportamento e relacionamentos. Quando aplicada carreira, a transio foi explicada de diferentes maneiras.

  • 19

    Para Louis (1980, p. 330) transio de carreira se refere mudana nos papis profissionais. Ela definiu transio de carreira como o perodo no qual o indivduo est mudando de papel de maneira objetiva ou mudando sua orientao em um papel previamente desempenhado, logo alterando seu estado subjetivo. O carter objetivo da transio diz respeito s alteraes que podem ser publicamente notadas e conhecidas, denominadas mudanas. O carter subjetivo proveniente da percepo individual acerca das diferenas entre os estados anterior e posterior transio, bem como das caractersticas da nova situao e papel (LOUIS, 1980, p. 331).

    Na dcada seguinte, Bridges (1991, p. 6) definiu transio de carreira como um processo composto por trs fases: trmino, zona neutra e o novo comeo. O trmino se refere fase em que se abandona ou finaliza uma antiga situao de trabalho. A zona neutra corresponde a um perodo em que o indivduo no se identifica com a antiga realidade, nem se ajusta numa nova. O novo comeo a fase em que o indivduo experimenta uma nova oportunidade de trabalho. O autor ressalta que apesar dessa seqncia ser a mais usual, (Ilustrao 1), as fases podem ocorrer simultaneamente.

    Ilustrao 1 - As fases do processo de transio

    FONTE: Adaptado de BRIDGES, 1991, p. 70.

    Alm de classificar as fases do processo de transio de carreira, Bridges (1991) apresentou uma contribuio relevante ao distinguir transio de carreira de mudana de carreira. Transio de carreira um processo interno que tem por foco a alterao no estado subjetivo; no sentido oposto, mudana de carreira situacional, externa ao indivduo e que tem por foco o resultado.

    Aps o surgimento da carreira sem fronteiras, Arthur e Rousseau (1996b, p. 33) definiram transio de carreira como [...] ciclos de mudana e adaptao, incluindo os estgios de preparao, encontro, ajustamento, estabilizao e nova preparao. Essa definio no foi acompanhada por uma explicao dos referidos autores.

    Trmino Zona neutra Novo comeoTrmino Zona neutra Novo comeo

  • 20

    Em publicaes acadmicas mais recentes os autores continuaram utilizando indistintamente os conceitos de mudana de carreira e transio de carreira, a exemplo de: Higgins (2001, p. 596), que considera que uma mudana de carreira ocorre objetivamente quando um indivduo muda de trabalho e de empregador e subjetivamente, quando o indivduo percebe as transformaes ocorridas; Ibarra (2003, p. 162), que entende a mudana como sendo externa ao indivduo e diz respeito ao resultado do processo de transio.

    Verificou-se que tanto os autores que estudaram transio de carreira nas dcadas de 1980 e 1990 quanto os que a estudaram mais recentemente divergiram sobre a distino entre mudana e transio. Essa divergncia apontou para a complexidade do fenmeno transio de carreira e para a necessidade mais investigaes sobre o tema.

    Diante da distino entre os termos: mudana de carreira e transio de carreira proposta por Bridges (1991), foi adotado o segundo deles pelo fato do fenmeno estudado envolver subjetividade e apresentar conformidade com o conceito de carreira subjetiva (seo 2.1.1 A carreira sem fronteiras).

    Por se tratar de um estudo sobre transio de carreira, selecionou-se no Quadro 3 apenas os estgios de carreira envolvidos com a transio: entrada; avano; reavaliao; reforo ou nova entrada. A nomenclatura e descrio do ltimo estgio citado precisaram ser alteradas, obtendo-se configurao abaixo (Quadro 4):

    Quadro 4 O ciclo da transio de carreira

    Estgios de carreiraenvolvidos na transio Descrio

    Entrada Freqentemente acontece a profissionalizao. Pode ocorrer via estgio, treinamento na prpria funo, por meio de um curso de ensino superior em faculdade ou universidade. Inclusive para os indivduos mais qualificados, esta etapa geralmente favorece o estabelecimento profissional.

    Avano Diz respeito ao desenvolvimento profissional e hierrquico na(s) organizao/organizaes ou expanso do prprio negcio. Este estgio pode ser caracterizado pelo contnuo avano ou atingimento de um plat. De acordo com os conceitos e o ambiente de carreira atual, este estgio tipicamente associado s vrias mudanas de empregador.

    Reavaliao Ao invs de se buscar a realizao, neste estgio ocorre o repensar sobre o trabalho/papel/carreira. Pode ter origem em foras internas como sentimentos ou necessidades (aborrecimento por falta de desafios, crise pessoal), ou foras externas (trabalho repetitivo, demisso, obsolescncia da profisso). Pode culminar com a deciso de permanecer ou de mudar a direo da carreira, retornando para o estgio Entrada.

    Nova entrada precedida por uma ruptura

    Aps a tomada da deciso, retorna-se para o estgio Entrada, visando o reestabelecimento profissional.

  • 21

    Apesar da transio de carreira se configurar na passagem pelos estgios apresentados no Quadro 4, h ainda aspectos subjetivos que precisam ser considerados. OConnor e Wolfe (1987) propuseram uma seqncia de fases enfrentadas pelo indivduo na transio de carreira:

    Quadro 5 A seqncia da transio

    Fases da transio Caractersticas da fase

    Pr-transio A vida se encontra relativamente estruturada com papis e relacionamentos pr-estabelecidos. No existem fortes presses externas ou internas e no h evidncia de engajamento com a mudana.

    Descontentamento crescente

    A expresso do descontentamento com o estado atual uma fonte de energia para a mudana e crescimento em novas direes. H um desejo de mudar, embora no se saiba exatamente como e sem uma viso realista das conseqncias.

    Crise

    Consiste no pice do processo de transio em termos de incerteza e turbulncia. A crise pode ter diversas fontes e depende tanto do indivduo quanto da situao. A estrutura que se apresentava no incio da transio se esvai e o indivduo passa a se concentrar em suas crenas, valores centrais e autoconceito.

    Redirecionamento Evidncia de tentativas e idias visando novas oportunidades. Esta fase demanda abertura para a experimentao e escolha.

    Reestabilizao Comprometimento com uma nova estrutura livra o indivduo das incertezas de fases anteriores. A reestabilizao consiste numa questo existencial que envolve a expresso de identidade e propsito particulares.

    FONTE: Adaptado de OCONNOR; WOLFE, 1987.

    Ressalta-se que este modelo representa a transio humana de maneira geral. No foi encontrado na literatura um modelo de transio de carreira, especificamente.

    Considerando-se o referencial terico apresentado neste captulo, transio de carreira foi definida operacionalmente como um processo: que se concretiza na passagem pelos estgios de carreira: entrada, avano, reavaliao, reforo e nova entrada precedida por uma ruptura; em que ocorre a passagem do indivduo pelas fases: pr-transio, descontentamento crescente, crise, redirecionamento e reestabilizao; em que ocorre a percepo de mudanas comportamentais, na natureza dos relacionamentos no trabalho e no autoconceito profissional.

    O autoconceito que j havia sido contemplado no constructo de transio humana (SCHLOSSBERG, 1981, p. 5) foi explicado por Super (1963, p. 18):

  • 22

    Autoconceito a imagem que o indivduo tem de si mesmo, o self percebido com seus significados

    ao longo do tempo. Uma vez que a pessoa no pode atribuir significados a si mesmo sem um

    referencial, um conceito de self geralmente uma imagem que se faz do self em algum papel, situao, posio, executando algum grupo de funes ou em alguma rede de relacionamentos.

    Como o autoconceito precisa ser contextualizado no processo de atribuio de significados, ele pode ser compreendido no tocante carreira como a concepo que o indivduo tem de si mesmo como profissional.

    Autoconceito profissional difere de identidade profissional, que um constructo mais abrangente. Alm de envolver o indivduo, ele tambm pressupe a relao com o outro (DEJOURS, 1999, p. 22). Como neste estudo no foi acessada essa relao, no se justificou o emprego do termo identidade profissional.

    2.3.1 Adaptao transio de carreira na meia-idade

    De acordo com Arthur e Rousseau (1996b, p. 33), a transio de carreira compreende ciclos de mudana e adaptao. Na Psicologia, a adaptao definida como a alterao de um indivduo associada diminuio de sensibilidade ou de emoes por meio da exposio prolongada a um estmulo e corresponde a uma mudana funcional ou estrutural que aumenta o valor de sobrevivncia de um organismo (CHAPLIN, 1985, p. 11; CORSINI, 1984, p. 14).

    Casado (1993, p. 29) explica que na meia-idade, em particular, o indivduo apresenta problemas de adaptao peculiares e para os quais no est preparado. O que antes costumava lhe parecer extremamente importante e as coisas pelas quais havia se empenhado perdem o significado. As conquistas familiares, profissionais e sociais cedem espao para a reavaliao dos valores que o acompanharam at ento.

    A meia-idade h muito tempo vem sendo estudada e pesquisada, pois as transformaes que ocorrem ao longo da vida se tornam mais intensas nesse perodo. De acordo com Jung, a individuao um processo de desenvolvimento que, na meia-idade, procura conciliar os aspectos conscientes e inconscientes por meio da compensao.

  • 23

    Na meia-idade, o indivduo se volta ao desenvolvimento de aspectos que antes lhe eram inconscientes, tais como as fantasias e os desejos que no puderam ser realizados em perodos anteriores da vida. A energia, anteriormente aplicada aos aspectos materiais e adaptaes ao ambiente externo objetivando o convvio em sociedade (ter uma profisso, famlia e participar da comunidade), passa a se centrar no ser interior visando auto-realizao e plenitude.

    Jung (1967, p. 525) explicou a individuao como um processo de constituio e particularizao da essncia individual em que coexistem diferenciao e desenvolvimento. A individuao est sempre em contraste, maior ou menor, com a norma coletiva, pois subentende a eliminao ou diferenciao do todo e a formao do particular [...] (JUNG, 1967, p. 526). Por norma coletiva entende-se a totalidade dos caminhos individuais, a partir dos quais se formulam o conjunto de normas que regem o convvio em sociedade.

    A partir do contraste entre indivduo e norma coletiva, instala-se um conflito em que a norma coletiva se torna cada vez mais suprflua, ao mesmo tempo em que um caminho individual passa a ser buscado e valorizado. Por individuao entende-se, pois, uma ampliao da esfera da conscincia e da vida psicolgica consciente. (JUNG, 1976, p. 527).

    Em um trecho em que descreveu a meia-idade, Jung (1953, p. 120) afirmou:

    Portanto as reais motivaes so enxergadas e as verdadeiras descobertas so feitas. A crtica busca

    por si mesmo e seu destino permite que o homem reconhea sua individualidade, mas este

    conhecimento no vem a ele facilmente. Ele obtido por meio dos mais severos dos choques.

    Sendo assim, para esse mesmo autor, a meia-idade corresponde ao perodo da vida em que naturalmente se volta para o processo de desenvolvimento consciente de sua individualidade, entendida como a unicidade e particularidade do indivduo.

    Se o processo de individuao se torna mais intenso em perodos de transio (OCONNOR; WOLFE, 1987, p. 800) e na meia-idade a transio de carreira se revela ainda mais estressante quando comparada s fases anteriores da vida (HALL, 1976, p. 81), a adaptao transio de carreira na meia-idade emerge como uma oportunidade para a reavaliao de valores individuais na esfera do trabalho e para a construo de um caminho que promova a expresso do novo autoconceito profissional.

  • 24

    De acordo com Schein (1978, p. 22) as foras que incidem sobre as pessoas em relao s carreiras profissionais interagem com as foras biolgicas e com as questes familiares. Por meio do modelo do ciclo de vida, ele mostrou a integrao entre existente entre os aspectos individuais (ciclo de vida biossocial), aspectos profissionais (ciclo de vida profissional) e aspectos familiares (ciclo de vida familiar).

    Ilustrao 2 - Modelo do ciclo de vida de Schein

    FONTE: Adaptado de SCHEIN, 1978, p. 24.

    O autor entende que os perodos da vida onde os ciclos se interagem e se sobrepem podem ser considerados aqueles que exigiro mais esforo para a sua consecuo.

    Ao observar a Ilustrao 2, nota-se que o perodo que corresponde crise da meia-idade no ciclo de vida biossocial (A3) precede o da aposentadoria no ciclo de vida profissional (B3). Dezoito anos depois ele reconsiderou a palavra crise no que tange meia-idade (SCHEIN, 1996, p. 22):

    Embora no se saiba com certeza se trata-se de uma crise ou mesmo de uma fase, h evidncias

    crescentes de que as pessoas, em sua grande maioria, passam por uma espcie de auto-reavaliao

  • 25

    quando suas carreiras j esto bem adiantadas e questionam-se sobre suas opes iniciais (Terei escolhido a carreira certa?), sobre suas conquistas (Terei realizado tudo a que me propus? ou Quais so minhas realizaes e tero compensado os sacrifcios que fiz?) e a respeito de seu futuro (Devo continuar ou mudar? ou O que quero fazer do restante da minha vida, e como o trabalho se encaixa nisto?).

    Apesar da necessidade de atualizao nos trs ciclos de vida, esse modelo continua sendo uma referncia para se contextualizar a meia-idade, uma vez que no foi encontrado na literatura recente um modelo que focalizasse esse perodo da vida.

    A meia vida um momento de grande desenvolvimento em que um homem ainda se entrega ao trabalho com todo o seu poder e vontade. Porm, neste exato momento, comea a anoitecer e a segunda metade da vida se inicia. (JUNG, 1953, p. 120). Apesar de no sculo passado a meia-idade ter sido associada ao perodo que tem incio na segunda metade da vida, fatores como a tendncia de aumento da expectativa de vida contriburam para que o significado da meia-idade fosse revisto e sua faixa etria correspondente fosse estendida para idades mais avanadas.

    A expectativa de vida do brasileiro sofreu um acrscimo de 9,1 anos entre 1980 e 2004, atingindo 71,4 anos (IBGE, 2006). Desse aumento da expectativa de vida deriva a possibilidade de trabalhar por mais tempo independentemente da idade prevista por lei para a aposentadoria, seja pelo fato de as condies de trabalho serem melhores atualmente, pelo fato de os valores estipulados pelo Governo por meio do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) serem muito baixos ou ainda pela realizao que o trabalho pode proporcionar. Essa possibilidade de estender a vida profissional comprovada pelos dados do IBGE que apontam o crescimento nos ltimos anos da porcentagem de trabalhadores com mais de 50 anos nas seis principais regies metropolitanas (de 15,4 % em 2002 para 18,1% em 2006).

    Tendo em vista essas recentes transformaes na esfera do trabalho, o termo meia-idade foi desvinculado de seu significado original (meia-vida), passando a caracterizar o perodo da vida que precede a senilidade. Como no Brasil considera-se idoso o indivduo com mais de 60 anos (IBGE, 2006), o perodo que compreende a meia-idade foi definido neste estudo como a faixa etria de 49 a 59 anos de idade.

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    De acordo com OConnor e Wolfe, as transies na meia-idade variam individualmente e na meia-idade podem abranger quatro arenas bsicas: carreira, famlia, self e relacionamentos interpessoais. Sem divulgar a faixa etria atribuda meia-idade, eles retrataram em seus resultados de pesquisas os estados emocionais encontrados em indivduos que passaram por transies de carreira nesse perodo da vida (OCONNOR; WOLFE, 1987). O Quadro 5 que havia sido apresentado anteriormente foi completado com possveis estados emocionais na meia-idade e reapresentado abaixo:

    Quadro 6 A seqncia da transio e a meia-idade

    Fases da transio Caractersticas da fase Possveis estados emocionais na meia-idade

    Pr-transio

    A vida se encontra relativamente estruturada com papis e relacionamentos pr-estabelecidos. No existem fortes presses externas ou internas e no h evidncia de engajamento com a mudana.

    Dependncia e falta de energia acompanhada de emoes negativas que se manifestam de forma tnue.

    Descontentamento crescente

    A expresso do descontentamento com o estado atual uma fonte de energia para a mudana e crescimento em novas direes. H um desejo de mudar, embora no se saiba exatamente como e sem uma viso realista das conseqncias.

    As emoes negativas se tornam mais intensas e constantes.

    Crise

    Consiste no pice do processo de transio em termos de incerteza e turbulncia. A crise pode ter diversas fontes e depende tanto do indivduo quanto da situao. A estrutura que se apresentava no incio da transio se esvai e o indivduo passa a se concentrar em suas crenas, valores centrais e autoconceito.

    Estado de choque, raiva, depresso, ansiedade, sentimento de perda, confuso, desespero, aborrecimento e alienao.

    Redirecionamento Evidncia de tentativas e idias visando novas oportunidades. Esta fase demanda abertura para a experimentao e escolha.

    O despertar das emoes negativas diminui consideravelmente e o indivduo se sente melhor.

    Reestabilizao

    Comprometimento com uma nova estrutura livra o indivduo das incertezas de fases anteriores. A reestabilizao consiste numa questo existencial que envolve a expresso de identidade e propsito particulares.

    Disposio e otimismo em relao ao futuro.

    FONTE: Adaptado de OCONNOR; WOLFE, 1987.

    Algumas consideraes acerca deste modelo foram feitas por seus autores: os limites entre as fases so freqentemente incertos; num determinado momento, o indivduo pode apresentar caractersticas de duas delas; e existe a possibilidade de nem todos eles terem passado pelas cinco fases.

  • 27

    2.4 Locus de controle

    Locus de controle um constructo oriundo da literatura psicolgica, mais especificamente da Teoria da Aprendizagem Social. Essa teoria tem como unidade de investigao o estudo da personalidade e a interao do indivduo com seu meio. Para seu autor, Julian B. Rotter (ROTTER, 1954; ROTTER; HOCHREICH, 1980), a personalidade no vista como um conjunto de caractersticas internas e fixas, mas sim como um conjunto de potenciais para responder a tipos particulares de situaes sociais. Advm desse princpio que o estudo da personalidade o estudo do comportamento adquirido, o comportamento que pode ser influenciado e moldado por experincias vivenciadas ao longo da vida.

    Sob essa linha de raciocnio, estudar o indivduo que se encontra na meia-idade implica investigar pessoas que foram expostas a diferentes situaes sociais, logo possuem a personalidade consolidada. Rotter (1966, p. 1) concebeu locus de controle da seguinte forma:

    Quando um reforo percebido pelo sujeito como sucedendo uma ao sua, mas no sendo inteiramente dependente de sua ao, ento, em nossa cultura, ele tipicamente percebido como

    resultado de sorte, acaso, f, assim como estando sob controle do poder dos outros, ou tido como imprevisvel em funo da grande complexidade de foras que envolvem este indivduo. Quando o evento interpretado dessa forma pelo indivduo, ns denominamos isso de uma crena no controle

    externo. Se a pessoa percebe que o evento dependente de seu prprio comportamento ou s suas caractersticas relativamente permanentes, ns denominamos isso de uma crena no controle

    interno.

    Ressalta-se que a palavra percepo apresentada na citao acima compreendida como o processo pelo qual os indivduos organizam e interpretam suas impresses sensoriais a fim de dar sentido ao seu ambiente (ROBBINS, 2005, p. 104).

    Tendo em vista o constructo locus de controle, um evento considerado por algumas pessoas como reforo ou recompensa pode ser percebido de maneiras diferentes, por conseguinte, conduzir a diferentes reaes. Um dos determinantes dessas reaes segundo Rotter (1966) o grau em que o indivduo percebe que a recompensa sucede ou depende de seu prprio comportamento ou atributos (locus de controle interno); ou o grau em que ele percebe que a recompensa controlada por foras externas e ele, as quais podem ocorrer independentemente de suas prprias aes (locus de controle externo).

  • 28

    A origem desse constructo remete hiptese de que se o indivduo perceber o reforo como um evento dependente de seu prprio comportamento, a ocorrncia de um reforo (seja ele negativo ou positivo) ocorre o fortalecimento ou enfraquecimento do potencial de um comportamento subseqente. Por outro lado, se ele perceber o reforo como fora de seu controle e dependente dos outros, do acaso ou como sendo imprevisvel, o comportamento subseqente ser menos provvel de ser fortalecido ou enfraquecido.

    Resumidamente, locus de controle pode ser entendido como um constructo que [...] pretende explicar a percepo das pessoas a respeito da fonte de controle, se prpria do sujeito (interna) ou pertencente a algum elemento fora de si prprio (externa). (DELA COLETA, 1979, p. 168). Quando o locus de controle percebido como interno, as pessoas acreditam ter o controle sobre os eventos que ocorrem em suas vidas e quando ele percebido como externo, este controle no seria determinado por elas.

    O locus de controle freqentemente tratado de maneira anloga a um outro constructo: a auto-eficcia. A teoria da auto-eficcia foi desenvolvida por Bandura (1977) e envolve dois componentes distintos, denominados de expectativas de eficcia e expectativas de resultado (Ilustrao 3).

    Ilustrao 3 Componentes da auto-eficcia.

    FONTE: BANDURA, 1977, p. 193.

    Enquanto o primeiro componente definido como a convico de que o indivduo pode apresentar o comportamento necessrio para a produo de resultados desejados, o segundo componente o julgamento que determinado comportamento individual levar aos resultados desejados. Bandura (1977, p. 204) considera ainda que a auto-eficcia pode ser mediada pela

    Pessoa Comportamento Resultado

    Expectativa de eficcia

    Expectativa de resultado

    Pessoa Comportamento Resultado

    Expectativa de eficcia

    Expectativa de resultado

  • 29

    tendncia de perceber os eventos como pessoal ou externamente determinados (locus de controle).

    Alm de possveis problemas advindos da compreenso equivocada do constructo, Rotter (1975) destacou o fato de a internalidade ter sido associada a elementos positivos e a externalidade, por sua vez, a elementos negativos. A fim de contra argumentar, ele levantou uma dificuldade presente em indivduos que apresentam alta internalidade (ROTTER, 1975, p. 61).

    Muitas pessoas podem sentir que possuem mais controle do que de fato possuem e podem ser

    sujeitas no futuro (ou j podem ter sido sujeitas) a fortes traumas quando descobrem que no podem controlar eventos tais como acidentes de carros, falncia de organizaes, doenas etc...

    Fournier e Jeanrie (2003, p. 139) acrescentaram que apesar do locus de controle ter sido amplamente estudado nas ltimas dcadas, existe pouca convergncia nesses estudos, traduzindo-se nas diferentes compreenses acerca do constructo e na variabilidade de instrumentos utilizados.

    Uma forma de identificar e mensurar o locus de controle foi proposta por Rotter em 1966 (ROTTER, 1966). Seu instrumento, uma escala que tem sido amplamente utilizada, composto de 29 itens e se prope a identificar o locus de controle do indivduo: se externo ou interno. Anos depois, Levenson (1974) apresentou um novo instrumento no intuito de buscar retratar mais fidedignamente o constructo que havia sido cunhado por Rotter h quase uma dcada atrs.

    Apesar de Rotter (1966) j ter considerado o acaso em seu constructo, essa dimenso foi concebida como parte integrante do locus de controle externo. De acordo com Japiassu e Marcondes (1991, p. 13), o acaso o que no se pode prever, ou o que permanece indeterminado. Na Filosofia antiga e renascentista, o acaso se assemelha ao destino acidental da criao do mundo e contingncia ou no necessidade dos acontecimentos futuros.

    Levenson (1974, p. 378) tratou o acaso como um locus de controle distinto em seu instrumento, argumentando da seguinte forma: Alm disso, espera-se que a pessoa que acredita que o acaso esteja no controle (orientao acaso) cognitiva e comportamentalmente

  • 30

    diferente daquele que sente que no est no controle. Essa autora defende o seguinte ponto de vista: as pessoas que acreditam que o mundo desordenado (ao acaso) deveriam se comportar e pensar diferentemente daquelas que acreditam que o mundo ordenado, porm controlado pelos outros. Seu instrumento, uma escala formada por 24 itens, contempla uma viso tripartida do constructo ao identificar e mensurar o locus de controle interno, externo e acaso.

    Para os fins deste estudo, o constructo locus de controle foi considerado apenas em suas dimenses externa e interna e o motivo para esse critrio foi apresentado na seo 3.3.2 Inventrio de locus de controle.

    De acordo com Rotter (1966), um evento pode ser percebido de maneira diferente, logo conduzir a diferentes reaes. Quando o locus de controle considerado no contexto da transio de carreira, o indivduo pode perceber que a transio de carreira controlada por ele mesmo por meio de seus comportamentos ou atributos (locus de controle interno); ou ento que ela controlada por foras externas a ele e que podem incidir independentemente de suas aes (locus de controle externo). Sendo assim, possveis reaes diante do evento transio de carreira, dependem de como o indivduo interpreta a realidade.

  • 31

    3 METODOLOGIA DE PESQUISA

    Neste captulo sero feitas consideraes metodolgicas acerca do tipo de estudo, mtodo de pesquisa e procedimentos envolvidos em sua elaborao.

    3.1 Tipo de estudo

    O presente estudo do tipo exploratrio devido a pouca familiaridade com o fenmeno das transies de carreira. Visou-se primeiramente aumentar o conhecimento sobre o tema para tornar o problema de pesquisa mais explcito e preciso, criar hipteses e estabelecer prioridades para futuras pesquisas (GIL, 2002, p. 41).

    Os estudos exploratrios tm por principal caracterstica a [...] descoberta de idias e intuies. Por isso, o planejamento de pesquisa precisa ser suficientemente flexvel, de modo a permitir a considerao de muitos aspectos diferentes de um fenmeno. (SELLTIZ et al, 1975, p. 60). Neste estudo sobre transio de carreira os aspectos considerados foram a adaptao na meia-idade e locus de controle.

    3.2 Mtodo de pesquisa

    O mtodo de pesquisa pode ser classificado em: qualitativo e quantitativo. O mtodo qualitativo difere do quantitativo por no empregar instrumental estatstico como base do processo de anlise de um problema (RICHARDSON, 1999, p. 80). As investigaes que se voltam para uma anlise qualitativa tm por objeto situaes complexas ou estritamente particulares e possibilitam, em maior nvel de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivduos.

    O mtodo de pesquisa qualitativo recomendado em estudos exploratrios, posto que o pesquisador no conhece as variveis que devem ser exploradas. Utiliza-se esse mtodo principalmente quando um conceito ou fenmeno necessita ser mais estudado, uma vez que

  • 32

    poucos estudos foram realizados sobre o tema ou populao; ou o pesquisador deseja investigar os participantes da pesquisa a fim de construir um entendimento baseado nas idias deles (CRESWELL, 2003, p. 22; p. 30).

    No intuito de justificar a utilizao do mtodo qualitativo tambm se faz necessria a contextualizao deste estudo em relao ao estgio de desenvolvimento do fenmeno. Carlile e Christensen (2005) afirmam que a construo de teoria envolve trs passos: observao, categorizao e associao visando elaborao de constructos, tipologias e modelos, respectivamente.

    Ilustrao 4 O processo de construo de teoria

    FONTE: Adaptado de CARLILE; CHRISTENSEN, 2005, p.5.

    Resumidamente, a movimentao que parte do nvel inferior para o nvel superior da pirmide (Ilustrao 4) diz respeito ao processo indutivo de construo de teoria e o movimento no sentido oposto caracteriza o processo dedutivo. Quando alguma anomalia encontrada na teoria, revisita-se os estgios iniciais para sua reformulao.

    Constatou-se no referencial terico que os constructos de transio e locus de controle j foram concebidos, logo possvel afirmar que este estudo se encontrou no nvel intermedirio do processo de construo de teoria, nvel em que se busca compreender o fenmeno com base em seus atributos (Ilustrao 5).

    Associao entre variveis

    (objetivo: modelos)

    Classificao baseada nos atributos do fenmeno

    (objetivo: categorias e tipologias)

    Observao, descrio e medio do fenmeno (objetivo: constructos)

    Pred

    izer

    Confirm

    arProc

    esso

    dedu

    tivo

    Processo

    indutivo

    Associao entre variveis

    (objetivo: modelos)

    Classificao baseada nos atributos do fenmeno

    (objetivo: categorias e tipologias)

    Observao, descrio e medio do fenmeno (objetivo: constructos)

    Pred

    izer

    Confirm

    arProc

    esso

    dedu

    tivo

    Processo

    indutivo

  • 33

    Ilustrao 5 O presente estudo no processo de construo de teoria

    Ao final deste estudo, pretendeu-se ter contribudo com a melhor compreenso do processo de transio de carreira e com a formulao de hipteses para futuras pesquisas que envolvam associao entre variveis.

    Este estudo qualitativo foi suportado por tcnicas de investigao, as quais sero apresentadas a seguir.

    3.3 Tcnicas de investigao

    No presente estudo foram utilizadas duas tcnicas de investigao: uma qualitativa (entrevista) e outra quantitativa (inventrio de locus de controle). Uma breve descrio, acompanhada do motivo que levou adoo de cada uma delas ser apresentada na seqncia.

    3.3.1 Entrevista

    A primeira tcnica de investigao utilizada nesse estudo foi a entrevista, que parte da premissa de que as perspectivas das pessoas so significativas, passveis de serem conhecidas e de serem explicitadas. Trata-se de uma tcnica que possibilita maior flexibilidade na obteno de informaes e oportunidade para observao, no apenas da pessoa, como tambm da situao em que ela responde s perguntas (SELLTIZ et al, 1975, p. 267; PATTON, 1990, p. 278).

    Tipo de transio: transio de carreira

    Tipo de locus de controle: locus interno e locus externo

    Os constructos: transio e locus de controle

    Pred

    izer

    Confirm

    ar

    Proc

    esso

    dedu

    tivo

    Processo

    indutivo

    Tipo de transio: transio de carreira

    Tipo de locus de controle: locus interno e locus externo

    Os constructos: transio e locus de controle

    Pred

    izer

    Confirm

    ar

    Proc

    esso

    dedu

    tivo

    Processo

    indutivo

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    A entrevista uma tcnica adequada para a obteno de informao sobre assuntos complexos, emocionalmente carregados ou para verificar os sentimentos subjacentes determinada opinio apresentada (SELLTIZ et al, 1975, p. 272), portanto rene atributos necessrios para a investigao de transies de carreira. Ainda assim, essa tcnica de investigao apresenta limitaes por promover informao indireta (informao que obtida atravs da perspectiva do respondente) e devido ao fato de os respondentes no serem igualmente articulados e perceptivos em relao ao fenmeno que est sendo estudado (CRESWELL, 2003, p. 186).

    Optou-se neste estudo pela entrevista semi-estruturada que utilizada particularmente para investigar quais aspectos de determinada experincia produzem mudanas nas pessoas expostas a ela. Nesse tipo de entrevista o papel do entrevistador no se limita a fazer perguntas, cabendo a ele tambm orientar e estimular o entrevistado (RICHARDSON, 1999, p. 212). A entrevista semi-estruturada foi utilizada, uma vez que se pretendeu tratar dos temas abordados no captulo de fundamentao terica com flexibilidade e liberdade necessrias para aprofundar uma questo que tivesse se mostrado relevante no decorrer da entrevista e para buscar o esclarecimento de respostas dos entrevistados que no tivessem sido suficientemente claras.

    A entrevista semi-estruturada conduzida por meio de um roteiro previamente elaborado que consiste em uma lista de questes ou tpicos a serem explorados no decorrer da entrevista, sem ordem pr-estabelecida. Esse roteiro preparado no intuito de assegurar que basicamente a mesma informao seja obtida pelos respondentes a partir de um mesmo material (Apndice 1). Nas entrevistas desta pesquisa foram coletados os dados que concernem s caractersticas objetivas e subjetivas da transio de carreira conforme a definio operacional deste estudo.

    3.3.2 Inventrio de locus de controle

    A segunda tcnica de investigao utilizada neste estudo foi a escala de locus de controle de Julian B. Rotter (1966), um inventrio de autopreenchimento que diz respeito percepo sobre a fonte de controle interna e externa sobre os eventos que acontecem na vida das pessoas.

  • 35

    Dela Coleta (1979, p. 171) traduziu o referido instrumento para a lngua portuguesa, aplicou-o em sua pesquisa no Brasil e verificou que os resultados obtidos foram similares queles encontrados por Rotter com amostras semelhantes nos Estados Unidos h mais de uma dcada. Por meio de tratamentos estatsticos, constatou-se que a escala apresenta ndices significativos de confiabilidade e validade interna de seus itens. A validade de contedo foi obtida por meio do clculo do coeficiente de correlao bi serial de pontos para cada item da escala.

    Existe ainda uma outra escala de locus de controle (LEVENSON, 1974) que considera as dimenses interna, externa e acaso, conforme apresentado no referencial terico desta Dissertao. Embora essa escala tripartida seja mais detalhada, possibilitando uma melhor compreenso acerca da percepo do indivduo em relao ao que o controla, ela no foi adotada para este estudo pelo fato de ainda no ter sido validada na populao brasileira.

    3.4 Definio da populao e amostra

    A populao deste estudo foi formada por indivduos de meia-idade, membros da Associao dos MBAs da FIA (Fundao Instituto de Administrao), residentes na cidade de So Paulo, que passaram por uma ou mais mudanas na carreira.

    Os MBAs da FIA (Master in Business Administration) so considerados cursos de ps-graduao lato sensu (MEC, 2007) e a Associao dos MBAs da FIA uma organizao sem fins lucrativos fundada em 1994 e credenciada internacionalmente pela AMBA (Association of MBAs) (AMBA FIA, 2007). A Associao dos MBAs da FIA atualmente conta com aproximadamente 750 membros em seu quadro, entre eles empresrios, executivos e profissionais liberais que so ou foram alunos de cursos de MBA dessa instituio e suas reas de atuao se encontram no Anexo C.

    Dada a populao, considerou-se no presente estudo a amostragem do tipo no-probabilstica que recomendada em estudos exploratrios. Nesse tipo de amostragem, os elementos so constitudos de maneira no-aleatria, sem que haja uma chance conhecida e diferente de zero

  • 36

    de todos os elementos da populao serem nela includos (COOPER; SCHINDLER, 2003, p. 152).

    Quando a amostragem no-probabilstica baseada em constructo operacional, o pesquisador coleta amostras relativas aos incidentes com base no potencial de manifestao ou representao do fenmeno de interesse (PATTON, 1990, p. 177). Nesse caso, o fenmeno de interesse foi a mudana na carreira passvel de ser classificada como transio.

    Foram selecionados para a amostra oito indivduos que obedeceram s caractersticas da populao dentre os que se dispuseram a participar da pesquisa. No se visou obter por meio dessa amostra no-probabilstica um conjunto de elementos representativos dessa populao.

    A amostragem mnima em pesquisa qualitativa aquela que implica uma considervel cobertura de um fenmeno (PATTON, 1990, p. 184):

    No h regras para se estipular o tamanho da amostra em pesquisa qualitativa. O tamanho da

    amostra depende do que voc quer saber, do propsito da investigao, do que est em questo, do

    que ser til, do que ter credibilidade e o que pode ser feito com o tempo e recursos disponveis.

    De modo que a validade, significncia e resultados em pesquisa qualitativa derivam muito mais da potencial riqueza de informaes dos casos selecionados e da observao ou capacidade analtica do pesquisador do que do tamanho da amostra propriamente dita.

    3.5 Procedimentos de coleta dos dados

    Mediante uma conversa inicial com a Associao dos MBAs da FIA foi solicitada a autorizao para estabelecer um contato com os membros que tivessem as caractersticas da populao. Apesar de ter sido elaborada uma carta convite (Apndice 2), a coordenadora do setor Administrativo da Associao avaliou ser desnecessrio o seu envio. Ela props que o contedo da carta fosse transmitido em um e-mail endereado a ela e no aos potenciais participantes da pesquisa. Foi combinado que ela mesma faria o contato com os membros da Associao.

  • 37

    Foram recebidas doze respostas de pessoas interessadas em participar da pesquisa. Houve trs pessoas que, embora estivessem interessadas, no puderam participar da pesquisa por se encontrarem fora da cidade de So Paulo poca em que a coleta dos dados foi realizada (por motivo de viagem a trabalho ou mudana de residncia). A participao de uma quarta pessoa foi dificultada em funo de compromissos profissionais surgidos na vspera da data agendada para a coleta dos dados. Visando ao cumprimento do cronograma da pesquisa, vinte e sete dias aps o envio do e-mail coordenadora do setor Administrativo da Associao foram obtidos oito indivduos que compuseram a amostra no-probabilstica deste estudo.

    Essas pessoas foram contatadas por telefone para confirmar o perfil desejado e agendar a data e horrio para a coleta dos dados, cujo local foi indicado por elas mesmas. A coleta dos dados teve incio com as entrevistas individuais e presenciais, seguida pelo preenchimento do inventrio de locus de controle.

    Foi solicitado a cada participante que relatasse sua trajetria profissional e avisado que algumas perguntas poderiam ser feitas durante seu relato a fim de melhor compreender a(s) mudana(s) ocorrida(s) durante sua trajetria. Essas perguntas foram norteadas pelo roteiro de entrevista. Em seguida foi solicitado ao/ participante que preenchesse o inventrio de caractersticas individuais de acordo com as instrues nele apresentadas.

    3.6 Procedimentos de interpretao dos dados e anlise

    Os dados coletados nas entrevistas e no inventrio de locus de controle foram interpretados e analisados separadamente. Iniciou-se pelos relatos das entrevistas que foram submetidos anlise de contedo, definida por Bardin (1977, p. 42) como:

    Um conjunto de tcnicas de anlise das comunicaes visando obter, por procedimentos sistemticos e objetivos de descrio do contedo das mensagens, indicadores (quantitativos ou no) que permitam a inferncia de conhecimentos relativos s condies de produo/ recepo (variveis inferidas) destas mensagens.

    A anlise de contedo possui duas funes (BARDIN, 1977, p. 30): a funo heurstica, que leva ao enriquecimento da explorao e aumenta a propenso descoberta; e a funo de

  • 38

    administrao da prova, em que as hipteses sob a forma de questes ou de afirmaes provisrias servem como diretrizes para que, sob uma anlise sistemtica, possam ser verificadas no sentido de confirmao ou de informao.

    Por consistir em um conjunto de tcnicas cientficas, a anlise de contedo possui as seguintes caractersticas metodolgicas (RICHARDSON, 1999, p. 223): Objetividade - refere-se explicitao das regras e procedimentos utilizados em cada

    etapa;

    Sistematizao - versa sobre a incluso ou excluso do contedo de categorias de um texto de acordo com regras consistentes e sistemticas;

    Inferncia - diz respeito operao pela qual se aceita uma proposio, em virtude de sua relao com outras proposies j aceitas como verdadeiras.

    A anlise de contedo utilizada em diversos campos em cincias humanas e possui uma srie de aplicaes possveis (Quadro 7):

  • 39

    Quadro 7 Possveis aplicaes da anlise de contedo

    Cdigo e suporte Uma pessoa(monlogo)

    Duas pessoas(dilogo)

    Grupo restrito Comunicao de massa

    LINGSTICOEscrito Agendas, dirios

    ntimosCartas, respostas de questionrios, testes projetivos, trabalhos escolares

    Toda a comunicao escrita trocada dentro de um grupo

    Jornais, livros, cartazes, avisos publicitrios, literatura, texto jurdico, panfletos

    Oral Delrios de doentes mentais, sonhos.

    Entrevistas e conversas diversas

    Discusses, entrevistas, conversas grupais

    Expoises, discursos, rdio, televiso, cinema, publicidade

    ICONOGRFICOSExemplos: sinais, grafias, imagens, fotografias, filmes

    Rabiscos, grafismos, sonhos

    Respostas a testes projetivos, comunicao entre duas pessoas utilizando imagens

    Toda a comunicao iconogrfica dentro de um pequeno grupo

    Sinais de transito, cinema, publicidade, pintura, cartazes, televiso

    OUTROS CDIGOS SEMITICOS

    Tudo o que no lingstico pode ser portador de significaes, por exemplo: msica, objetos, comportamento, tempor, espao, sinais patolgicos

    Manifestaes histricas em doentes mentais, posturas, gestos, tiques, danas, colees de objetos

    Meio fsico e simblico: sinalizao urbana, monumentos, arte, mitos, esteretipos, intuies, elementos culturais

    Nmero de pessoas envolvidas na comunicao

    Comunicaes no-verbais com outras pessoas (posturas, gestos, distncia espacial, sinais olfativos, manifestaes emocionais, vesturio), comportamentos diversos tais como os ritos e as regras de conduta.

    FONTE: Adaptado de BARDIN, 1977, p. 35.

    Observa-se que uma das aplicaes da anlise de contedo a comunicao oral que se estabelece entre duas pessoas durante a entrevista, justificando-se, portanto, sua utilizao neste estudo.

    A anlise de contedo est organizada em uma seqncia de procedimentos: a organizao da anlise e anlise propriamente dita, subdividida em: codificao, categorizao e inferncia. A fim de facilitar o entendimento, cada procedimento foi detalhado no quadro que consta no quadro a seguir:

  • 40

    Quadro 8 Procedimentos de anlise de contedo

    Procedimento Definio Etapas previstas/ aplicao neste estudo

    Codificao

    "Codificao o processo pelo qual os dados brutos so transformados sistematicamente e agregados em unidades, as quais permitem uma descrio exata das caractersticas pertinentes ao contedo." (BARDIN, 1977, p. 103).

    escolha das unidades de registro e de contexto e escolha das categorias de anlise

    Categorizao

    "Categorizao uma operao de classificao de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciao e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gnero (analogia), com os critrios previamente definidos. As categorias so rubricas ou classes, as quais reunem um grupo de elementos (unidades de registro, no caso da anlise de contedo), sob um ttulo genrico, agrupamento este efetuado em razo dos caracteres comuns destes elementos." (BARDIN, 1977. p. 118). O critrio de categorizao pode ser semntico, sinttico, lxico e expressivo.

    isolamento e classificao dos elementos

    Inferncia

    Inferncia um "tipo de interpretao controlada" e pode ser classificada em inferncia especfica quando se procura responder a uma pergunta (BARDIN, 1977, p. 133, 137). "Refere-se operao pela qual se aceita uma proposio em virtude de sua relao com outras proposies j aceitas como verdadeiras." (RICHARDSON, 1999, p, 224).

    Resposta pergunta: "esse indivduo passou por uma transio de carreira?"