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DIA DA POESIA DIA DA POESIA SER POETA É… SER POETA É… A POESIA É… A POESIA É…

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DIA DA POESIADIA DA POESIA

SER POETA É…SER POETA É…

A POESIA É…A POESIA É…

A POESIA NÃO SE EXPLICA…A POESIA NÃO SE EXPLICA…

“ “ Sei que a poesia não se explica, a poesia implica, como costuma dizer a minha Sei que a poesia não se explica, a poesia implica, como costuma dizer a minha amiga Sophia de Mello Breyneramiga Sophia de Mello Breyner.. Sei que a energia, como diz o meu amigo Herberto Hélder, é Sei que a energia, como diz o meu amigo Herberto Hélder, é a essência do mundo e que “os ritmos em que se exprime constituem a forma do mundo”. Sei, a essência do mundo e que “os ritmos em que se exprime constituem a forma do mundo”. Sei, como o poeta russo Mandelstan que como o poeta russo Mandelstan que ““escrever é um acontecimento cósmico”. E que cada escrever é um acontecimento cósmico”. E que cada palavra é um pedaço do universopalavra é um pedaço do universo.. Ou como dizia Klebnikov: “Na natureza da palavra viva, Ou como dizia Klebnikov: “Na natureza da palavra viva, esconde-se a matéria luminosa do universo”. esconde-se a matéria luminosa do universo”. Talvez tudo isto seja a poesia. Ou talvez ela não Talvez tudo isto seja a poesia. Ou talvez ela não seja mais do que o primeiro verso, aquele que nos é dado, como sempre dizia Miguel seja mais do que o primeiro verso, aquele que nos é dado, como sempre dizia Miguel Torga, porque os outros têm de ser conquistados. Talvez tudo esteja nesse primeiro Torga, porque os outros têm de ser conquistados. Talvez tudo esteja nesse primeiro verso, que é o instante da revelação e da relação mágica com o mundo através da palavra verso, que é o instante da revelação e da relação mágica com o mundo através da palavra poéticapoética. Talvez o poeta, afinal, não seja muito diferente daquele sujeito que vemos nas tribos . Talvez o poeta, afinal, não seja muito diferente daquele sujeito que vemos nas tribos primitivas, de plumas na cabeça, repetindo palavras mágicas enquanto dança e pula ao ritmo de primitivas, de plumas na cabeça, repetindo palavras mágicas enquanto dança e pula ao ritmo de um tambor. um tambor. O poeta é esse feiticeiro. Dança com as palavras ao som de um ritmo que só O poeta é esse feiticeiro. Dança com as palavras ao som de um ritmo que só ele entende. Ou é talvez o adivinho. (…)ele entende. Ou é talvez o adivinho. (…)

A poesia é, assim, antes de tudo, uma forma de medição. Um presságio do sul, como A poesia é, assim, antes de tudo, uma forma de medição. Um presságio do sul, como dizia o meu amigo José Manuel Mendes. dizia o meu amigo José Manuel Mendes. Uma encantada, encantatória e desesperada Uma encantada, encantatória e desesperada tentativa de captar a essência do mundo e de, através da palavra, “mudar a vida”, como tentativa de captar a essência do mundo e de, através da palavra, “mudar a vida”, como queria Rimbaud. Uma forma de alquimia, que procura o impossível. Ou seja: o verso que queria Rimbaud. Uma forma de alquimia, que procura o impossível. Ou seja: o verso que não há.não há.

A poesia é também a língua. E para mim a língua começa em Camões, que tinha A poesia é também a língua. E para mim a língua começa em Camões, que tinha uma flauta mágica. A música secreta da língua. A arte e o ofício da língua e da linguagemuma flauta mágica. A música secreta da língua. A arte e o ofício da língua e da linguagem.. (…) O poeta, dizia Cioran, “ é aquele que leva a sério a linguagem”. E o que é levar a sério a (…) O poeta, dizia Cioran, “ é aquele que leva a sério a linguagem”. E o que é levar a sério a linguagem? Eu creio que é estar atento aos sinais. Os sinais mágicos da palavra. Os sinais da linguagem? Eu creio que é estar atento aos sinais. Os sinais mágicos da palavra. Os sinais da essência do mundo que por vezes se revelam na palavra poética. (…) Isto é o que eu sei de essência do mundo que por vezes se revelam na palavra poética. (…) Isto é o que eu sei de poesia. Talvez seja muito pouco. Mas não sei se é possível saber mais.”poesia. Talvez seja muito pouco. Mas não sei se é possível saber mais.”

Manuel AlegreManuel Alegre, texto escrito e lido durante uma sessão consagrada , texto escrito e lido durante uma sessão consagrada “ Trinta Anos de Poesia”“ Trinta Anos de Poesia” na Faculdade na Faculdade de Letras da Universidade. Católica, Maio de 1996.de Letras da Universidade. Católica, Maio de 1996.

““(…) eu sinto que na história de cada um de nós está toda a (…) eu sinto que na história de cada um de nós está toda a história, e em cada poema todos os poemas.”história, e em cada poema todos os poemas.”

Manuel AlegreManuel Alegre, in Jornal de Letras, Artes e Ideias, 28 de Abril de 1981, in Jornal de Letras, Artes e Ideias, 28 de Abril de 1981

(…)(…)Com muito menos fiz o meu poema.Com muito menos fiz o meu poema.Aprendi-o no vento. Aprendi-o no barro.Aprendi-o no vento. Aprendi-o no barro.Sobretudo na rua. E nalguns livros também.Sobretudo na rua. E nalguns livros também.Porém foi junto aos homens que aprendiPorém foi junto aos homens que aprendicomo as palavras são terríveis e sagradas.como as palavras são terríveis e sagradas.Aqui vos deixo o meu poema. Aqui vos deixoAqui vos deixo o meu poema. Aqui vos deixocidade a não rimar com liberdadecidade a não rimar com liberdadeliberdade a rimar com estrela e celaliberdade a rimar com estrela e celameu poema a rimar com minha vida. Aqui vos deixomeu poema a rimar com minha vida. Aqui vos deixotal como seital como seias coisas com que fiz o meu poema.as coisas com que fiz o meu poema.(…)(…)

Manuel Alegre,Manuel Alegre, “ “ Como se faz um poemaComo se faz um poema”, in Praça da Canção.”, in Praça da Canção.

Sophia e a PoesiaSophia e a Poesia

““Encontrei a poesia antes de saber que havia Encontrei a poesia antes de saber que havia literatura. literatura. Pensava que os poemas não eram Pensava que os poemas não eram escritos por ninguém, que existiam em si mesmosescritos por ninguém, que existiam em si mesmos, , que eram como que um elemento natural, que que eram como que um elemento natural, que estavam suspensos, imanentes. E que bastaria estar estavam suspensos, imanentes. E que bastaria estar quieta, calada e atenta para os ouvir. (…)quieta, calada e atenta para os ouvir. (…)

Deixar que o poema se diga por si, sem Deixar que o poema se diga por si, sem intervenção minha (ou sem intervenção que eu veja), intervenção minha (ou sem intervenção que eu veja), como quem segue um ditado (que ora é mais nítido, como quem segue um ditado (que ora é mais nítido, ora mais confuso), é a minha maneira de escrever. ora mais confuso), é a minha maneira de escrever. (…)”(…)”

Sophia de Mello Breyner AndresenSophia de Mello Breyner Andresen

O poema me levará no tempoO poema me levará no tempoQuando eu já não for euQuando eu já não for euE passarei sozinhaE passarei sozinhaEntre as mãos de quem lê.Entre as mãos de quem lê.

O poema alguém o diráO poema alguém o diráÀs searasÀs searas

Sua passagem se confundiráSua passagem se confundiráCom o rumor do mar com o passar do ventoCom o rumor do mar com o passar do vento

O poema habitaráO poema habitaráO espaço mais concreto e mais atentoO espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentesNo ar claro nas tardes transparentesSuas sílabas redondasSuas sílabas redondas(Ò antigas ó longas(Ò antigas ó longasEternas tardes lisas)Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontraráMesmo que eu morra o poema encontraráUma praia onde quebrar as suas ondasUma praia onde quebrar as suas ondasE entre quatro paredes densasE entre quatro paredes densasDe funda e devorada solidãoDe funda e devorada solidãoAlguém seu próprio ser confundiráAlguém seu próprio ser confundiráCom o poema no tempo.Com o poema no tempo.

Sophia de Mello Breyner AndresenSophia de Mello Breyner Andresen

O POETA POR ELE PRÓPRIOO POETA POR ELE PRÓPRIO

““Não se escreve com emoções; escreve-se Não se escreve com emoções; escreve-se com a memória. Como um oleiro, ao com a memória. Como um oleiro, ao trabalhar num vaso, quando escrevo estou trabalhar num vaso, quando escrevo estou só preocupado em transformar essa só preocupado em transformar essa memória em palavras, em música. “ Sentir, memória em palavras, em música. “ Sentir, sinta quem lê”, como dizia o Fernando sinta quem lê”, como dizia o Fernando Pessoa.”Pessoa.”

Eugénio de AndradeEugénio de Andrade, in , in Jornal de LetrasJornal de Letras, , Artes e IdeiasArtes e Ideias, 29 , 29 de Novembro de 2000de Novembro de 2000

““Todos os meus versos são um apaixonado Todos os meus versos são um apaixonado desejo de ver claro mesmo nos labirintos da desejo de ver claro mesmo nos labirintos da noite. O amor da transparência é a minha noite. O amor da transparência é a minha fraqueza, mas a minha força também.fraqueza, mas a minha força também.

Quanto a mim, gosto das palavras que Quanto a mim, gosto das palavras que Sabem a terra, a água, aos frutos de fogo do Sabem a terra, a água, aos frutos de fogo do Verão, aos barcos no vento; gosto das palavras Verão, aos barcos no vento; gosto das palavras lisa como seixos, rugosas como o pão de lisa como seixos, rugosas como o pão de centeio. Palavras que cheiram a feno e a poeira, centeio. Palavras que cheiram a feno e a poeira, a barro e a limão, a resina e a sol.”a barro e a limão, a resina e a sol.”

Eugénio de AndradeEugénio de Andrade, , PoéticaPoética, introdução ao folheto da , introdução ao folheto da exposição “exposição “Eugénio de Andrade – 30 anos de trabalhoEugénio de Andrade – 30 anos de trabalho”, de 22 de ”, de 22 de

Outubro a 5 de Novembro de 1976.Outubro a 5 de Novembro de 1976.

VER CLAROVER CLARO

Toda a poesia é luminosa, atéToda a poesia é luminosa, atéa mais obscura.a mais obscura.O leitor é que tem às vezes,O leitor é que tem às vezes,em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.E o nevoeiro nunca deixa ver claro.E o nevoeiro nunca deixa ver claro.Se regressarSe regressaroutra e outra vezoutra e outra veze outra veze outra veza essas sílabas acesasa essas sílabas acesasficará cego de tanta claridade.ficará cego de tanta claridade.Abençoado seja se lá chegar.Abençoado seja se lá chegar.

Eugénio de AndradeEugénio de Andrade, , Os Sulcos da SedeOs Sulcos da Sede..

“ “ O poema começa pela biografia. O poema começa pela biografia. A um primeiro nível, o poema A um primeiro nível, o poema conta o próprio poeta. Só depois o conta o próprio poeta. Só depois o poema se debruça para si próprio, poema se debruça para si próprio, se sistematiza uma poética.”se sistematiza uma poética.”

Nuno JúdiceNuno Júdice, , Prefácio a Prefácio a “Noção de poema”, “Noção de poema”, Cadernos de Poesia.Cadernos de Poesia.

Assim, o que um poetaAssim, o que um poetafaz com as palavras, aofaz com as palavras, aotocá-las com os dedos,tocá-las com os dedos,não é sónão é sóo que o músico faz com os sonso que o músico faz com os sonsou o pintor com as cores.ou o pintor com as cores.As palavras,As palavras,cuja composição espessa cimentacuja composição espessa cimentao cérebro e lhe dá peso,o cérebro e lhe dá peso,não se reduzem às matérias visualnão se reduzem às matérias visuale acústica respectiva-e acústica respectiva-mente da cor e do som.mente da cor e do som.A queda desamparadaA queda desamparadado sentido para dento de umdo sentido para dento de umpequeno espaço de escrita,pequeno espaço de escrita,assim como a súbita relaçãoassim como a súbita relaçãoestabelecida entre esse factoestabelecida entre esse factoe a minha consciência dele, desde logoe a minha consciência dele, desde logoampliam o horizonte expressivoampliam o horizonte expressivodo poema.do poema.E se o raciocínio e o gesto, em parte, E se o raciocínio e o gesto, em parte, nã0 entram nele,nã0 entram nele,não quer isto dizer que uma (outra)não quer isto dizer que uma (outra)razão, talvez mais profunda,razão, talvez mais profunda,o inspire e penetre.o inspire e penetre.É que ela não se manifestaÉ que ela não se manifestaexpressamente pois, pelo contrário,expressamente pois, pelo contrário,só no seu aspecto ocultosó no seu aspecto ocultoe “longínquo” se revelae “longínquo” se revela- imediatamente -- imediatamente -

o Poético.o Poético. Nuno JúdiceNuno Júdice, , Obra Poética (1912-Obra Poética (1912-1989)1989)

A Rosa do MundoA Rosa do Mundo

Há muitos milhares de anos, a poesia aproximou-se do homem e tão Há muitos milhares de anos, a poesia aproximou-se do homem e tão próximos ficaram, que ela se instalou no seu coração. E começaram a ver o próximos ficaram, que ela se instalou no seu coração. E começaram a ver o mundo conjuntamente estabelecendo uma inseparável relação que perdurará mundo conjuntamente estabelecendo uma inseparável relação que perdurará para semprepara sempre. Não demorou muito a que a poesia se emancipasse, autonomizando-. Não demorou muito a que a poesia se emancipasse, autonomizando-se. Como uma rosa de cujas pétalas centrípetas emana a beleza e o mais intenso se. Como uma rosa de cujas pétalas centrípetas emana a beleza e o mais intenso perfume, sem nunca prescindir da defesa vigilante dos seus espinhos, assim cresceu perfume, sem nunca prescindir da defesa vigilante dos seus espinhos, assim cresceu livre a poesia carregada de silencioso mistério e sedução.livre a poesia carregada de silencioso mistério e sedução.

Evitou sempre a vaidade. Mas o vento da história, inapercebidamente, por Evitou sempre a vaidade. Mas o vento da história, inapercebidamente, por vezes, demorou-se nela libertando o seu perfume, soltando os seus enigmas, vezes, demorou-se nela libertando o seu perfume, soltando os seus enigmas, fazendo-a avançar com todo o esplendor. fazendo-a avançar com todo o esplendor. E nada existe que a poesia não tenhas E nada existe que a poesia não tenhas experimentado, desde o mais recôndito silêncio do deserto, ao fragor das experimentado, desde o mais recôndito silêncio do deserto, ao fragor das batalhas sangrentas. Da mais humilde das intimidades, ao luxo sinuoso do batalhas sangrentas. Da mais humilde das intimidades, ao luxo sinuoso do paláciopalácio. . Com o tempo, e já depois da comunhão primordial, era o homem, por Com o tempo, e já depois da comunhão primordial, era o homem, por necessidade de uma comunicação maior, que a procurava e lhe abria o coração até necessidade de uma comunicação maior, que a procurava e lhe abria o coração até que ela, muito discretamente, voltava a estremecer no seu sangue.que ela, muito discretamente, voltava a estremecer no seu sangue.

Poesia e homem criaram assim uma cúmplice e indissociável relação por Poesia e homem criaram assim uma cúmplice e indissociável relação por todo o mundotodo o mundo, embora a História pouco se tenha disso apercebido. , embora a História pouco se tenha disso apercebido. Hoje sabemos Hoje sabemos que haverá sempre seres humanos que a reconhecem pela substância do seu que haverá sempre seres humanos que a reconhecem pela substância do seu silêncio. Pelo tempo e lugar do seu rigor de ave de arribação. Pelo seu fulgor. silêncio. Pelo tempo e lugar do seu rigor de ave de arribação. Pelo seu fulgor. Pelo seu perfume. Pela riqueza inesperada das suas sugestões. Com um Pelo seu perfume. Pela riqueza inesperada das suas sugestões. Com um pequeno gesto os poetas soltam o seu pólen que, levado pelas palavras, vai pequeno gesto os poetas soltam o seu pólen que, levado pelas palavras, vai eternamente fecundando os arcos da beleza que erguem o universo e o põem eternamente fecundando os arcos da beleza que erguem o universo e o põem em comunicação com Deus.em comunicação com Deus.

Manuel Hermínio MonteiroManuel Hermínio Monteiro, , “ À maneira de uma cosmogonia”,“ À maneira de uma cosmogonia”, in in Rosa do Mundo – Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro2001 poemas para o futuro, Assírio & Alvim Ed. E Porto 2001 Capital Europeia da , Assírio & Alvim Ed. E Porto 2001 Capital Europeia da

Cultura, 2001. Cultura, 2001.

POESIA:POESIA:

SINCERIDADE OU SINCERIDADE OU FINGIMENTO?FINGIMENTO?

AutopsicografiaAutopsicografia

O poeta é um fingidor.O poeta é um fingidor.Finge tão completamenteFinge tão completamenteQue chega a fingir que é dorQue chega a fingir que é dorA dor que deveras sente.A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,E os que lêem o que escreve,Na dor lida sentem bem,Na dor lida sentem bem,Não as duas que ele teve,Não as duas que ele teve,Mas só a que eles não têm.Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de rodaE assim nas calhas de rodaGira, a entreter a razão,Gira, a entreter a razão,Esse comboio de cordaEsse comboio de cordaQue se chama o coração.Que se chama o coração.

FERNANDO PESSOAFERNANDO PESSOA,, 1/4/1931 1/4/1931

ISTOISTO

Dizem que finjo ou mintoDizem que finjo ou mintoTudo o que escrevo. Não.Tudo o que escrevo. Não.Eu simplesmente sintoEu simplesmente sintoCom a imaginaçãoCom a imaginaçãoNão uso o coração.Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo.Tudo o que sonho ou passo.O que me falha ou finda,O que me falha ou finda,É como que um terraçoÉ como que um terraçoSobre outra coisa ainda.Sobre outra coisa ainda.Essa coisa é que é linda.Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meioPor isso escrevo em meioDo que não está o pé,Do que não está o pé,Livre do meu enleio,Livre do meu enleio,Sério do que não é.Sério do que não é.Sentir? Sinta quem lê!Sentir? Sinta quem lê!

FERNANDO PESSOAFERNANDO PESSOA,, Abril 1933 Abril 1933

Não meu, não meu é quanto escrevo.Não meu, não meu é quanto escrevo.A quem o devo?A quem o devo?De quem sou o arauto nado?De quem sou o arauto nado?Por que, enganado,Por que, enganado,Julguei ser meu o que era meu?Julguei ser meu o que era meu?Que outro mo deu?Que outro mo deu?Mas, seja como for, se a sorteMas, seja como for, se a sorteFor eu ser morteFor eu ser morteDe uma outra vida que em mim vive,De uma outra vida que em mim vive,Eu, o que estiveEu, o que estiveEm ilusão toda esta vidaEm ilusão toda esta vidaAparecida,Aparecida,Sou grato Ao que do pó que souSou grato Ao que do pó que souMe levantou.Me levantou.(E me fez nuvem um momento(E me fez nuvem um momentoDe pensamento.)De pensamento.)(Ao de quem sou, erguido pó, (Ao de quem sou, erguido pó, Símbolo só.) Símbolo só.)

FERNANDO PESSOAFERNANDO PESSOA, Novembro 1932, Novembro 1932

Meus versos são meu sonho dado.Meus versos são meu sonho dado.Quero viver, não sei viver,Quero viver, não sei viver,Por isso, anónimo e encantado,Por isso, anónimo e encantado,Canto para me pertencer.Canto para me pertencer.

O que salvamos, o perdemos.O que salvamos, o perdemos.O que pensamos, já o fomos.O que pensamos, já o fomos.Ah, e só guardamos o que demosAh, e só guardamos o que demosE tudo sermos quem não somos.E tudo sermos quem não somos.

Se alguém sabe sentir meu cantoSe alguém sabe sentir meu cantoMeu canto eu saberei sentir.Meu canto eu saberei sentir.Viverei com minha alma tantoViverei com minha alma tantoTanto quanto antes vivi.Tanto quanto antes vivi.

FERNANDO PESSOAFERNANDO PESSOA, Agosto 1930, Agosto 1930

Ser PoetaSer PoetaSer poeta é ser mais alto, é ser maiorSer poeta é ser mais alto, é ser maiorDo que os homens! Morder como quem beija!Do que os homens! Morder como quem beija!É ser mendigo e dar como quem sejaÉ ser mendigo e dar como quem sejaRei do reino de Aquém e de Além Dor!Rei do reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendorÉ ter de mil desejos o esplendorÉ não saber sequer que se deseja!É não saber sequer que se deseja!É ter cá dentro um astro que flameja,É ter cá dentro um astro que flameja,É ter garras e asas de condor!É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!É ter fome, é ter sede de Infinito!Por elmo, as manhãs de ouro e de cetim…Por elmo, as manhãs de ouro e de cetim…É condensar o mundo num só grito!É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente …E é amar-te, assim, perdidamente …É seres alma, sangue, e vida em mimÉ seres alma, sangue, e vida em mimE dizê-lo cantando a toda a gente!E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela EspancaFlorbela Espanca, , Charneca em FlorCharneca em Flor (1930) (1930)

AS PALAVRAS…AS PALAVRAS…Há palavras que nos beijamHá palavras que nos beijamComo se tivessem boca.Como se tivessem boca.Palavras de amor, de esperança,Palavras de amor, de esperança,De imenso amor, de esperança louca.De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijasPalavras nuas que beijasQuando a noite perde o rosto;Quando a noite perde o rosto;Palavras que se recusamPalavras que se recusamAos muros do teu desgosto.Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridasDe repente coloridasEntre palavras sem cor,Entre palavras sem cor,Esperadas inesperadasEsperadas inesperadasComo a poesia ou o amor.Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama(O nome de quem se amaLetra a letra reveladoLetra a letra reveladoNo mármore distraídoNo mármore distraídoNo papel abandonado)No papel abandonado)

Palavras que nos transportamPalavras que nos transportamAonde a noite é mais forte, Aonde a noite é mais forte, Ao silêncio dos amantesAo silêncio dos amantesAbraçados contra a morte.Abraçados contra a morte.

Alexandre O’NeillAlexandre O’Neill,, No Reino da Dinamarca (1958)No Reino da Dinamarca (1958)

Agora as palavrasAgora as palavras

Obedecem-me agora muito menos,Obedecem-me agora muito menos,as palavras. A propósito as palavras. A propósito de nada resmungam, não fazemde nada resmungam, não fazemcaso do que lhes digo,caso do que lhes digo,Não respeitam a minha idade.Não respeitam a minha idade.Provavelmente fartaram-se da rédea, Provavelmente fartaram-se da rédea, não me perdoamnão me perdoama mão rigorosa, a indiferençaa mão rigorosa, a indiferençapelo fogo-de-artifício.pelo fogo-de-artifício.Eu gosto delas, nunca tive outraEu gosto delas, nunca tive outrapaixão, e elas durante muitos anospaixão, e elas durante muitos anostambém gostaram de mim: dançavamtambém gostaram de mim: dançavamà minha roda quando as encontrava.à minha roda quando as encontrava.Com elas fazia o lume,Com elas fazia o lume,sustentava os meus dias, mas agorasustentava os meus dias, mas agoraestão ariscas, escapam-se por entreestão ariscas, escapam-se por entreas mãos, arreganham os dentesas mãos, arreganham os dentesse tento retê-las. Ou será quese tento retê-las. Ou será quejá só procuro as mais encabritadasjá só procuro as mais encabritadas??

Eugénio de AndradeEugénio de Andrade, , “O Sal da Língua”,“O Sal da Língua”, in in PoesiaPoesia, 2000, 2000

LAVOISIERLAVOISIER

Na poesiaNa poesianatureza variávelnatureza variáveldas palavras,das palavras,nada se perdenada se perdeou cria,ou cria,tudo se transforma:tudo se transforma:cada poemacada poemano seu perfilno seu perfilincertoincertoe caligráfico,e caligráfico,já sonhajá sonhaoutra.outra.

Carlos de OliveiraCarlos de Oliveira, “, “Sobre o lado esquerdo”.Sobre o lado esquerdo”.

Vai-te, poesia!Vai-te, poesia!Deixa-me ver friamenteDeixa-me ver friamentea realidade nuaa realidade nuasem ninfas de iludirsem ninfas de iludirou violinos de lua.ou violinos de lua.

Vai-te, poesia!Vai-te, poesia!

Não transformes o mundoNão transformes o mundodescarnado e terríveldescarnado e terrívelnum céu de esquecer num céu de esquecer com mendigos de nuvenscom mendigos de nuvensfamintos de estrelasfamintos de estrelase feridas a cheirarem a cravose feridas a cheirarem a cravos- enquanto os outros, os de carne verdadeira,- enquanto os outros, os de carne verdadeira,uivam em vãouivam em vãoa sua fome de cadelasa sua fome de cadelase de pão.e de pão.

Vai-te, poesia!Vai-te, poesia!

Deixa-me ver a vidaDeixa-me ver a vidaexacta e intolerávelexacta e intolerávelneste planeta feito de carne humana a chorarneste planeta feito de carne humana a choraronde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelosonde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabeloscom bandeiras de lume nos olhos,com bandeiras de lume nos olhos,para fabricar sonhospara fabricar sonhoscarregados de dinamite de lágrimas.carregados de dinamite de lágrimas.

Vai-te, poesia!Vai-te, poesia!

Não quero cantar.Não quero cantar.Quero gritar.Quero gritar.

José Gomes FerreiraJosé Gomes Ferreira,, Poesia IIIPoesia III, 6ª ed., Ed. Diabril, 1975, 6ª ed., Ed. Diabril, 1975

““Peguem num poema e Peguem num poema e leiam-no. Não é preciso mais leiam-no. Não é preciso mais nada.”nada.”

Eugénio de AndradeEugénio de Andrade, , in in PúblicoPúblico, 21 de Junho de , 21 de Junho de 20012001..