deus ex machina: quando o rock teresinense nasceu do nada

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Livro reportagem apresentado ao Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Piauí, como trabalho de conclusão de curso e orientado pela profª drª Samantha Castelo Branco.Ou...Livro-reportagem escrito por mim em 2006 contando fatos e detalhes do primeiro decênio do rock teresinense [66-76] e apresentado como trabalho final de conclusão de curso de jornalismo.

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Expediente

Texto: Pedro JansenRevisão: Samantha Castelo BrancoCapa: Dario MesquitaDiagramação: Pedro JansenFotos: Arquivo pessoal, acervo Jornal O Dia e InternetImpressão: Gráfica Center Copy

Ferreira, Pedro Augusto da Cunha JansenDeus ex machina: quando o rock teresinense nasceu do nada /Pedro Augusto da Cunha Jansen FerreiraTeresina: 2006.

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Universidade Federal do PiauíCentro de Ciências da EducaçãoDepartamento de Comunicação SocialCurso de Comunicação Social

Pedro Augusto da Cunha Jansen Ferreira

Deus ex machina: quando o rock teresinense nasceu do nada

Teresina-PI2006

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Pedro Augusto da Cunha Jansen Ferreira

Deus ex machina: quando o rock teresinense nasceu do nada

Livro reportagem apresentado ao Departa-mento de Comunicação Social da Universida-de Federal do Piauí, como trabalho de con-clusão de curso.

Orientadora: Profª. Drª. Samantha CasteloBranco

Teresina-PI2006

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Esse livro é especialmente dedicado a...

Rosa Edite da Silveira Rocha, pelo seu apoio, carinho, ternura e compreensão;Eduardo Ribeiro Gonçalves Affonso, pela amizade singular, pela preocupação, por ser meu irmãoe pelo companheirismo;Fátima Melo, professora de português dos meus tempos de Diocesano, que tanto me incentivouna escolha do jornalismo como profissão e da literatura como paixão;Los Comillones, nas figuras amigas de Rafael Campos, Francisco Lima, Allisson Bacelar, CarlosLustosa Filho, Flávio Meireles e Marco Aurélio Freitas.

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A todos que ajudaram e a todos que não atrapalharam;À minha mãe, pela educação e atenção dispensada a mim em todos esses anos;A meu pai,por sempre me fazer crer, logo no início,que a leitura era importante e,principalmente,que inspiração não se espera aparecer, mas se busca;À minha professora orientadora, tia Samantha Castelo Branco, pelas conversas, palavras de incen-tivo e bom humor.

Obrigado sempre!

Agradecimentos especiais a Geraldo Brito,Durvalino Couto,Cinéas Santos,Edvaldo Nascimento,Ernesto José Batista, PauloVasconcelos, ChicoVasconcelos e MarcoVilarinho, pelas entrevistas epor terem contado tanto a mim.

PatríciaVaz, pelos conselhos, pela atenção e pelo chão da sala bom de dormir;Clarisse Cavalcante, simplesmente por ser quem é;Maryara Nayara dos Anjos, pela amizade e por ter me bloqueado no MSN quando necessário;Igor CunhaTeixeira, meu primo, meu irmão, meu nego, pela ajuda, atenção e carinho;Ana Clara da Cunha Jansen Ferreira, por deixar o computador ligado de madrugada e pela ajuda;Sanmya Layanne de Sousa Meneses, pelo carinho e pelo abraço bom;Dario Mesquita, pela comparação que me honra, pela ajuda e pelos conselhos;Jucélio Júnior, Guilherme Jimbo e Daniel Campos, pela compreensão e ajuda na hora precisa;Graça Targino, pelas palavras de carinho;Leonardo Freire, pela ajuda e prestatividade acima da média;Igor Cordeiro, pela atenção;Ila Silveira, Zedka Russo,Tânia Sâmara,Amanda Neco, João Paulo Mourão,pela ajuda e colaboração;Karine Tito, Juliana Alves,Aline Maria, Ítalo Damasceno, Luana Maria, pela preocupação.

AAAAAgrgrgrgrgradeço...adeço...adeço...adeço...adeço...

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Pedro é música! Deus ex machina é música!

Pelos prados e campinas verdejantes eu vou[ou Com quantas noites se faz um livro-reportagem]

Os primeiros passos de uma mudança[ou O início do início]

E no princípio era o verbo, a bota e o cabelo comprido...[ou Live Fast,DieYoung é a lei. É?]

Por entre brotos e brasas[ou Eu quero mesmo é isso aqui]

O Início do Fim[ouA morte anunciada de um Sonho]

A sua estrela renascerá[ou O início do reinício]

Teu pai nunca mais falou She�s leaving home[ou O passado é uma roupa que não nos serve mais]

Desde que eu tenha o Rock�n�Roll[ou O mundo é um moinho]

Hoje é domingo, pede cachimbo[ou Dia da Criação]

Prefácio

Introdução

Apresentação

Capítulo 01

Capítulo 02

Capítulo 03

Capítulo 04

Capítulo 05

Capítulo 06

Conclusão

Referências Bibliográficas

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Prefaciar a produção de Pedro Jansen ao final do seu Curso de Jornalismo da Universidade Fede-ral do Piauí envolve todos os nossos sentidos: visão, audição, olfato, gosto e tato. Pedro, com seuscabelos assanhados, encaracolados, longos ou curtos, com seu sorriso de menino, com seus olhosque expressam extrema vivacidade, constitui festa aos olhos de qualquer pessoa, que conseguever na juventude a força do viver.

Da mesma forma, ouvir os seus sonhos e inquietudes de poeta ou compartir as suasexpectativas ante o futuro consiste em música melodiosa. E para quem não sabe, ouso afirmarque música tem odor e sabor.Odor ao produzir impressão agradável, tal como o aroma de floresou de chão molhado. Sabor, como qualidade comparável a qualquer coisa que nos agrada e nosdelicia. Em se tratando do tato, a presença de Pedro Jansen provoca, sempre, sensações queextrapolam o contato meramente físico para a cumplicidade silenciosa dos que buscam extrapo-lar a mediocridade que nos tenta sorrateiramente, no dia-a-dia.

Por tudo isto, o livro-reportagem que Pedro disponibiliza para a comunidade piauienserepresenta a sua própria força. Atuante como aluno, companheiro e amigo dos professores e

PPPPPedredredredredro é música!o é música!o é música!o é música!o é música!Deus eDeus eDeus eDeus eDeus ex macx macx macx macx machina é música!hina é música!hina é música!hina é música!hina é música![ou Prefácio]

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demais estudantes, desde o início do Curso, Pedro sempre mostrou preocupação em vencer adistância entre universidade e sociedade. E é isto que faz Deus ex machina: quando o rock tere-sinense nasceu do nada. Escrito numa linguagem extremamente acessível, mas devidamente con-substanciado com depoimentos de pessoas respeitadas no meio cultural do Estado do Piauí, aexemplo de Marco Vilarinho, Chico Vasconcelos, Cinéas Santos, Paulo Vasconcelos e todos osdemais entrevistados, Deus ex machina... não deixa de lado registros formais e consistentes, masestá a serviço de quaisquer interessados em música.

Trata-se de roteiro extremamente agradável acerca do primeiro decênio do rock teresi-nense. Consiste, na verdade, em longo passeio, que se inicia com a evolução do rock, ainda emterras estrangeiras, indo de Elvis Presley (a quem se atribui a criação do rock), aosThe Beatles ea outros, até alcançar o território brasileiro, com oThe Clevers. Nesse momento, o autor brincacom as palavras, como faz o tempo todo, por meio de títulos e entretítulos atraentes e inovado-res, e chama a atenção para a influência marcante de outros países sobre a nossa gente:�Brasil,meu Brasil Brasileiro... ou Uma nova colonização através da música�.

Porém, a chegada do rock a Teresina provoca reações adversas, gerando situações repre-sentadas ironicamente:�E ´tu toca´ é rock, é?� Para Pedro, tem-se, aqui, a epopéia de ser músicoem Teresina. E ele expõe, com malícia e bom-humor, as dificuldades culturais vivenciadas pelosjovens de então. Enquanto estes, literalmente, se deliciam com a nova febre musical, os maisvelhos visualizam o rock como sinônimo de degeneração e deterioração dos costumes, comoeste trecho confirma:

[...] existia um preconceito contra aqueles que se dedicavam à música, sendo todoseles alcunhados de perdidos ou homossexuais.Os cabeludos eram perdidos,as moçasde mini-saia eram perdidas, os músicos eram perdidos, os que iam aos shows dosmúsicos eram igualmente perdidos.

É a luta da �[...] terra do Sol contra a música do diabo ou Como Teresina luta contra asartes�. E é assim, que, de forma quase lúdica, o autor infere que a primeira fase do rock (oprimeiro decênio), emTeresina, compreende duas fases.A primeira chega ao fim quase ao mesmotempo em que se dá o declínio da Jovem Guarda,e tem a marca de Os Brasinhas e, em escala bemmenor, de Os Metralhas.A segunda fase incorpora dois núcleos, dos quais, o primeiro privilegia o

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regionalismo e integra nomes, como os dos cantores Geraldo Brito e Laurenice França.O segun-do, por sua vez, tem como expoentes Durvalino Couto, Edvaldo Nascimento e Edino Neiva.

Afinal, lembramos, como o autor também o faz, que a música é uma das expressões cultu-rais mais significativas de um povo ou de um país, não importa se rock ou samba, rumba ou salsa,xaxado ou forró, frevo ou baião,mambo ou chá-chá-chá, e assim quase incessantemente. E é istoque faz de Deus ex machina: quando o rock teresinense nasceu do nada relevante fonte deinspiração para estudos futuros ou novos escritos sobre a música neste Estado.Música que contacom a presença de Pedro Jansen no contrabaixo ou ecoando a sua voz em canções, em textosjornalísticos ou poéticos, na sua condição de �menino� com futuro promissor!

Teresina, 22 de agosto de 2006Maria das Graças Targino

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PPPPPelos prados e campinaselos prados e campinaselos prados e campinaselos prados e campinaselos prados e campinasvvvvverdejanterdejanterdejanterdejanterdejantes eu ves eu ves eu ves eu ves eu vououououou[ou Com quantas noites se faz um livro-reportagem]

Para ler ouvindo Led Zeppelin �The Rain Song

�Eu admito. Eu perdi para esse livro. Ele me venceu�.Não, não era assim que eu gostaria de começar essa introdução.Então, eu começo assim:

Quando escolhi esse tema,essa proposta de resgatar o início da história do rock teresinen-se, que é também o início do rock piauiense, eu não tinha noção do esforço que seria catalogartodas as informações que cercam a temática.

Na verdade, eu imaginava que não conseguiria chegar a esse momento, de fechar o livro,completar tudo, mandar para a gráfica, e, enfim, vê-lo pronto. Eu achava que não conseguiriaescrevê-lo.

E, por alguns poucos momentos, eu realmente achei que a proposta inicial não se consoli-daria completamente, com informações bem apuradas, em um processo jornalístico calcado naverdade, na ética e no compromisso com o dever de bem informar.

Quando decidi meu tema e o que fazer com ele, pedi demissão do meu emprego-estágio, jásabendo que seria uma árdua tarefa parir tudo isso. Logo vi que árduo seria encontrar os entrevis-

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tados �certos�, aqueles que teriam mais lembranças,mais coisas a me contar.Terminei por achá-los.Efiz as entrevistas que precisei, embora a mim ou a eles possam ter escapados alguns detalhes.

Foi aí que meus pulsos começaram a doer ou,para ser mais preciso,voltaram a doer.A cadalauda escrita, eu me via mais aliviado por saber que aquela dor cessaria assim que a última palavrafosse digitada.

Afora isso, não me acostumei a não trabalhar, e consegui outro estágio. Mais sofrimentopara pulsos e mãos já tão castigados pela digitação intensa e para uma mente renovada porreflexões profundas acerca do tema enfocado.

O despertar por essa temática se deu a partir da leitura, há alguns anos, de um artigopublicado na revista Cadernos deTeresina, da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, da Prefeitu-ra deTeresina, edição 34, de 2002. Com a leitura desse artigo, que mostrava apenas uma idéia decomo a música teresinense evoluía desde a inclusão do rádio em nossas rotinas, fiquei interessadopela história do rock.

Até então, o interesse se mantinha por dois motivos: pela minha atuação como jornalistano Caderno de Cultura de um jornal local e pela atuação como membro integrante de uma bandade rock nascida na cidade. Mas estas duas razões encontraram maior ressonância quando me viobrigado a pensar em meu trabalho de conclusão de curso. O tema veio naturalmente, e o rockme encontrou outra vez.

Ainda assim, agora no papel de um pesquisador em início de carreira, tive consciência queestudar a história do rock ou a história do rock teresinense mereceria, de forma racional, umcorte, um recorte. Para tomar esta decisão, comecei a pesquisar ou continuei a pesquisar.

Nesse processo, descobri uma carência bibliográfica acerca da história do rock teresinenseem sua totalidade, composta por informações fragmentadas, desprovidas de precisão em relaçãoa datas e nomes dos participantes do movimento. Estava aí o meu trunfo: contribuir para oprocesso de redução desta lacuna. Foi, então, que optei por começar do começo, ou melhor,iniciar a pesquisa pelo surgimento do rock em Teresina, estendendo a análise a um períodoequivalente a um decênio.

Nas minhas pesquisas, também descobri que, por coincidência, parte dos integrantes dabanda primeira do movimento, Os Brasinhas, eram parentes da professora que havia escolhidocomo orientadora. Iniciei aí uma pesquisa informal, procurando referências na imprensa, comoutros pesquisadores [dentre eles o autor do artigo motivador desse trabalho], e com os inte-

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grantes das bandas citadas no mesmo artigo.Iniciou-se, então, o processo de entrevistas, checagem de fontes e datas. Cataloguei as

fontes, em um total de oito pessoas, e as histórias, que somam quase 5 horas de entrevistas, semcontar com as conversas e entrevistas informais.

Tomei a decisão acertada de que as fontes utilizadas nesta obra seriam, em sua grandemaioria, personagens que vivenciaram diretamente o primeiro decênio do rock teresinense.Alémdestes, foram ouvidos MarcoVilarinho, jornalista e historiador,e Cinéas Santos,professor,escritore memória viva desses tempos.

Impossível, no entanto, entrevistar todos os envolvidos. Há um limite para tudo, até para aapuração de dados que construiriam um livro-reportagem de resgate histórico. Há um limitefísico, psicológico e temporal.

Este livro passou por diversos problemas e enfrentou muitos deles, sendo os mais marcan-tes a minha falta de experiência como escritor de longas narrativas, a imprecisão de muitos dadosfornecidos pelos entrevistados e a total falta de disponibilidade de outras possíveis fontes.Outroempecilho se refere aos poucos registros fotográficos que ilustram esse livro, explicado, basica-mente, por duas frentes: pela reduzida estrutura da época e a inexistência de esforço no sentidode documentar tais momentos.

No que se refere à construção do texto, outro desafio. Me propus a elaborar um livro-reportagem. Um livro gerado a partir do trabalho jornalístico, que prevê pesquisa, entrevista,reflexão,questionamento.Nesse sentido,é mister pontuar que,embora nós,alunos de Jornalismo,sejamos treinados e formados para desenvolver tais habilidades, nos acostumamos a canalizá-lasem textos mais curtos, dirigidos a veículos da imprensa local ou nacional.Nesse cenário, o livro éuma novidade. E transformar reportagem em livro-reportagem acaba sendo um valioso aprendi-zado, justamente no final da graduação.

Como escritor que se lança no mercado editorial, optei pela proximidade com o leitor,privilegiando os fatos em detrimento de termos rebuscados.Afinal, é um livro produzido a partirda atividade jornalística, que prima, ainda, pela clareza na exposição dos fatos.

O resultado desse esforço, dessa tentativa de fazer algo novo, é o primeiro passo de umacaminhada que começa aqui. E segue por onde for preciso.

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A identidade de um povo é estabelecida pelos mais diversos parâmetros.Por estamos no Ociden-te, esses parâmetros se tornam mais próximos e parecidos para a maioria dos países,mesmo osque enfrentam grande diferença geográfica. Assim, Brasil e Canadá, por exemplo, países bemdistantes entre si, compartilham interesses e características. Com a já tão falada globalização,essas semelhanças se espalharam entre os países ocidentais e orientais. China, Japão, Inglaterra eAlemanha já dividem costumes, tecnologias e outras similaridades.

Mas voltemos a falar das características que definem um povo. Sem necessidade de ser umprofundo pesquisador das relações e características humanas e de seus agrupamentos, sabe-seque a língua, o modo de falar, a indumentária, as manifestações culturais em geral, tudo isso podedefinir um povo, uma comunidade ou um agrupamento de pessoas.O que dizer, então,da música?Força motriz de festas, encontros, tardes quentes de verão e noites frias de chuva, aparecendojunto com os filmes nas trilhas sonoras, com rádios por todos os lados, a música é, hoje, um dosfenômenos sociais mais baratos e abrangentes que existem.

Junto com o fenômeno �música� vem o fenômeno �rock�, que contrariando a tudo e a todos,

Os primeirOs primeirOs primeirOs primeirOs primeiros passosos passosos passosos passosos passosde uma mudançade uma mudançade uma mudançade uma mudançade uma mudança[ou O início do início]

Para ler ouvindo:Elvis Presley �That�s alright,mama.

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a todas as capas do Melody Maker, todas as afirmações dos críticos eufóricos britânicos absurdosde que o bichinho precisa ser salvo, se mostra forte e altivo. Está aí pra quem quiser ver.

Mas e então? Vamos ficar falando das singularidades da música e suas maneiras de semanifestar? Qual nada... Pega uma cerveja ou um chá gelado na cozinha, senta numa poltronaconfortável e te prepara.Começa agora uma viagem aos primórdios da história do rock, saindo dacriação no exterior, passando pela propagação nacional,e por fim,continuação/repetição no Piauí.Como se dizia no antigo programa Rá-tim-bum... �Senta, que lá vem a história!�.

Com a �brasa, mora�, o queijo na mão e outras históriasCom a �brasa, mora�, o queijo na mão e outras históriasCom a �brasa, mora�, o queijo na mão e outras históriasCom a �brasa, mora�, o queijo na mão e outras históriasCom a �brasa, mora�, o queijo na mão e outras histórias[ou O iê-iê-iê bem dançado, a cuba-libre gelada]

Começa-se pelas outras histórias, que vem antes do iê-iê-iê.A não tão breve história do Rock,consolidado como estilo próprio e que até ser chamado de Rock passou por diversas influên-cias e nomenclaturas, já tem seus 52 anos. Mesmo com a divergência de várias correntes ehistórias inspiradas em fatos paralelos ou tomados por propostas que vão além da análisemusical [embora o caráter social da música deva ser respeitado], atribui-se a criação do Rocka Elvis Presley.

Conversa fiada, segundo Paul Friedlander, no seu �Rock and Roll � Uma história social�, de1996, é bem sabido, e se não sabes, ficarás sabendo agora, que muito se deve a diversas referên-cias da música branca e negra até a chegada de uma formatação de rock n� roll como se conhece.Antes de tudo, e pra simplificar, existiam o country, juntamente com suas diversas variantes, e oblues/gospel vindo do lado negro da coisa.A mistura desses dois gêneros deu origem ao que seconvencionou a chamar de rhythm'n'blues e, mais tarde, com mais influências da música branca,chegou ao �meio termo� que convencionou-se a chamar de rock�n�roll.

A primeira leva de roqueiros surgiram nos EUA, lembrando que os ingleses só entrariamno páreo mais tarde, em meados da década de 60, e eram, eminentemente, negros. Fats Domino,Chuck Berry, Little Richard e, o único branco dessa época, Bill Halley.

Depois da fórmula do rock�n�roll ser usada exaustivamente, e de jovens do mundo inteirose renderem ao ritmo, a segunda leva de artistas veio mais forte que a primeira, que se complicoucom as mais bizarras lendas da história do rock, como as prisões de Little Richard, as loucuras de

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Chuck Berry dentre outras...Aí foi a vez de Elvis Presley, dono de um rebolado contagiante e de voz enebriante, Jerry

Lee Lewis, Buddy Holly e outros de menor expressão. Essa segunda fase deu abertura para achegada de uma mudança rítmica e de estilo, pois com o início da década de 60, o rock�n�rollcomeçou a entrar em verdadeiro declínio dando espaço para o aparecimento do que foi chamadode �Invasão Britânica�, e que trouxe ao mundo da música os Reis do Iê-iê-iê,os Fab Four,os moçosde Liverpool, enfim, os Beatles.

E desde então o mundo nunca mais foi o mesmo.A combinação de rostinhos bonitos, vozes suaves e afinadas, arranjos açucarados e letras

versando amores fez tudo tremer tanto que eles desistiram de tocar ao vivo em 29 de agosto de1966, quando fizeram o último show no Candlestick Park em San Francisco. Depois disso, só emestúdio, com algumas apresentações ao ar livre, mas bem espaçadas e limitadas, como a queaconteceu no teto do prédio daApple, em 1969.

Esse tremer não é força de expressão.A desistência dos Beatles pelas apresentações aovivo se deu, simplesmente, porque eles não conseguiam se ouvir durante os shows.A histeria eratanta que quando os moços foram ao Estados Unidos e se apresentaram no Ed Sullivan Show,reza a lenda que, durante a apresentação da banda no programa deTV,não foi registrado nenhumcrime nos EUA.

Aí eles perverteram a música. Se desde bem antes, os artistas já falavam de sexo e erampodados pelos produtores, radialistas e censores, com os Beatles, a existência de um discursomais elaborado levou meninas a quererem as mesmas coisas,mas de forma mais sutis.A abertura,no entanto, foi acontecendo, e era cada vez mais fácil ser ácido nas letras.

Esse período de abertura para artistas da Inglaterra, uma virada do mercado, que começoua notar o Reino Unido como provedor de boas canções, possibilitou o aparecimento dos moçosdo Rolling Stones, a banda malvadinha da época. Sim, por que se o Fab Four era a personificaçãodos genros ideais, o Rolling Stones eram a personificação do capeta...

Isso seguiu até meados da década de 70, com aparecimento de diversos outros artistas,como The Who,The Yardbirds, Led Zeppelin, ainda com Rolling Stones e outras caras para orock aparecendo, que vão influenciar diretamente as mudanças de ares que ocorreram nasáridas terras de Teresina. Foi a vez do progressivo, com Pink Floyd aparecendo em 1965, e ummodelo de composição que, por ser muito mais elaborado e complexo, dividiu platéias. O que

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Elvis Presley

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antes era simples de ser assimilado e unia pessoas de diferentes tendências e experiências,passou a dividir em grupos mais específicos.

Brasil, meu Brasil BrasileirBrasil, meu Brasil BrasileirBrasil, meu Brasil BrasileirBrasil, meu Brasil BrasileirBrasil, meu Brasil Brasileiro...o...o...o...o...[ou Uma nova colonização através da música]

Na década de 50, ainda estávamos longe, de certa forma, de acompanhar que acontecia lá fora.Então, só quando do estouro mundial inevitável dos Beatles foi que o Brasil começou a pensar emrock, e, como fala José Ramos Tinhorão no livro �História Social da Música Popular Brasileira�,lançado em 1998, de sua autoria, em uma �diluição comercial dirigida (do rock sofisticado dosBeatles) às camadas mais amplas pelo iê-iê-iê de Roberto Carlos�.

No entanto, antes disso,Cauby Peixoto;Tony e Celly Campelo tiveram participação funda-mental na consolidação do rock no país. Foram eles quem abriram espaço para os já citadosRoberto e Erasmo Carlos, Martinha,Wanderléia, além de Renato e seus Blue Caps.

Se o iê-iê-iê continuava muito forte, as influências desse rock inglês que veio com a mudan-ça de proposta dos Beatles, além de uma possibilidade de inovar no campo da composição, aTropicália surgiu como uma possibilidade de misturar a coisa do Brasil, do �cafona�, como diziaCaetanoVeloso, expoente do movimento, com as guitarras elétricas advindas de outros artistasque não apenas os Beatles. Jimi Hendrix e Janis Joplin foram fonte de inspiração, e a anarquia quese fez presente durante as apresentações do grupo originaram artistas como Gal Costa,CaetanoVeloso, Gilberto Gil, Os Mutantes,Tom Zé e Rogério Duprat.

Esses e outros artistas menores daTropicália conquistaram espaços nos festivais, incomo-daram a sociedade emepebista da época, e por fim tiveram sua criação dissolvida pela ditadura,que já estava achando demais aquela baderna toda pelo país.

E tu tE tu tE tu tE tu tE tu toca é roca é roca é roca é roca é rococococockkkkk, é?, é?, é?, é?, é?[ou Da epopéia de ser músico emTeresina]

�É, moço, a gente toca rock sim�. Imagine uma resposta dessa em meados da década de 60, nas

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cercanias deTeresina, mais província do que ela é hoje. Primeiro que o moço receberia, no míni-mo, um puxão de orelhas. Depois que você seria vilipendiado a vida inteira, como perdido, rebel-de, inconseqüente. Será?

Quando a banda Os Brasinhas, que tocava o bom e velho iê-iê-iê [tocava não porque tenhaencerrado definitivamente suas atividades, mas por que agregou outros estilos, inclusive o forrópé-de-serra ao seu repertório], começou a sua carreira porTeresina, com ensaios e mais ensaios,não houve muita resistência. Pelo contrário.

�Eu vim praTeresina definitivamente em 1965,mas já passava férias aqui há anos. Foi dessamaneira que eu conheci os outros integrantes do que viria a ser Os Brasinhas�, explica JoséErnestoArêas Batista, cujo nome correto é Ernesto José.�Essa confusão foi uma coisa de família,que terminava por confundir que nome vinha primeiro, e terminaram por se acostumar a mechamar assim�, lembra ele,que também deveria ter um P no meio do Batista.�Era pra ser Baptista,mas o escrivão errou e meu pai não notou o erro. Ficou assim mesmo�. Perdeu-se aí um vínculo,mesmo que apenas nominal, com os Baptistas da sagrada banda Os Mutantes.

Dos primeiros ensaios saíram covers das principais músicas tocadas na Rádio Pioneira, noprograma de Alexandre Carvalho, que além de radialista, foi o autor do livro �Os Brasinhas � OSonho não acabou�, lançado em 2002, para comemorar os mais de 30 anos de existência da banda.

A estréia do Rock Teresinense, surpreenda-se, caro leitor, não foi em Teresina. Criada,crescida e amadurecida aqui, debaixo das asas dos pais que tanto os apoiavam, Os Brasinhaspuseram os pés em um palco e miraram um público pela primeira vez na cidade de José de Freitas,por volta de novembro 1966.�Quem nos levou até lá foi o pai do PauloVasconcelos,Tio Aurino,e nós íamos muito alegres e nervosos de fazer nosso primeiro show. Depois desse, fomos paraPedro II e só em março de 1967 é que estreamos emTeresina, numa espécie de clube beneficenteque ficava nos arredores do que é hoje o Ginásio DirceuArcoverde�, conta, com certa nostalgiana voz, Ernesto José.

Esse clube beneficente que foge à memória de José Ernesto é o Centro Recreativo NossaSenhora do Amparo (CRENSA), que abrigou uma das primeiras apresentações dos rapazes emTeresina. Mas essas são histórias para serem contadas aos poucos. E tudo começa na páginaseguinte.

Tá Pronto?

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Aqui, os Brasinhas em sua formação clássica, daesquerda para a direita: José Ernesto Batista, SidneyCastelo Branco, Assis Davis, Getúlio Araújo, ChicoVasconcelos e Paulo Vasconcelos.

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Se você não é daqueles que pula a introdução dos livros, deve ter prestado atenção que o nossoinício é muito parecido, embora com um delay de dois anos, com o rock que vinha sendo feito noSudeste, para ser mais preciso, em São Paulo.

Fazer rock era significação de choque, dos pais conservadores, da igreja conservadora, dasociedade em geral.A idéia de ver seus filhinhos dançando ao som de música negra não agradavaaos pais de um EUA pouco aberto a novidades.A rebeldia existia apenas na idéia de que dançarnão tinha nada demais. Não havia discurso político, filosófico ou niilista. A grande maioria dascanções que tocava no rádio falava de amor. E eram dançantes.

A rebeldia sem causa de James Dean, jovem,bonito, de futuro promissor, estava baseada nochoque.A necessidade de choque levou à mini-saia, ao sexo antes do casamento, às danças maissensuais.A batida 4x4, ritmada, incansável; as guitarras estridentes, com solos e harmonias dan-çantes, os vocais gritados e sem a gentileza que marcou os cantores do rádio, com suas baladas,obaixo dedilhado com velocidade,em escala quase bluesística; tudo isso contribuía para uma empa-tia estranha do jovem. Estranha por uma única razão: aquilo era totalmente novo.

E no princípio era o vE no princípio era o vE no princípio era o vE no princípio era o vE no princípio era o verbo,erbo,erbo,erbo,erbo,a boa boa boa boa bota e o cabelo comprido...ta e o cabelo comprido...ta e o cabelo comprido...ta e o cabelo comprido...ta e o cabelo comprido...

Para ler ouvindo: Bill Halley & His Comets � RockAround the Clock

[ou Live Fast, DieYoung é a lei. É?]

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Mas isso era na década de 50...Atentemos bem para o salto evolutivo com a chegada dosingleses,que foram logo bagunçando o coreto e subvertendo tudo numa interpretação própria damesma manifestação musical.

E foi aí que o rock brasileiro começou a se apoiar.Na década de 60, as vozes do rock eramElvis Presley e The Beatles, que basearam as manifestações artísticas por aqui. Esses artistasfundamentavam as criações da Jovem Guarda, representantes de carteirinha do iê iê iê no Brasil,e que conquistaram os jovens aqui emTeresina.

Mas é como diz o jornalista Marco Vilarinho, figura que viu e participou, mesmo que deforma afastada, da época de formação do público e da proposta musical da época, acompanhandoo surgimento da Jovem Guarda por essas paragens. Estava tudo atrasado.�Aqui emTeresina, tudochegava muito tempo depois de ter sido lançado no Rio.A cidade era muito pequena.Os jornaisde grande circulação só chegavam aqui dois dias depois; a maior revista da época, a Cruzeiro,chegava aqui com duas semanas de atraso. Era tudo muito assim�.

Foi assim que ficamos sabendo da Jovem Guarda só em 1966, dois anos após o seu surgi-mento, em 1964. E mesmo com o atraso, o cheiro de novo ainda não tinha saído do estilo musicalmais preocupante na época (espere para ver o que acontecia naTropicália).A principal justificativapara a defasagem era a dificuldade em fazer as informações chegarem aqui. Enquanto as novida-des eram conhecidas, era muito complicado ter acesso aos discos do estilo, preteridos pelosradialistas,mal-vistos ou incompreendidos pelos adultos.Só depois de muito tempo foi que os LPscomeçaram a chegar por aqui.

Ou,como eu descobri com PauloVasconcelos, guitarrista base da primeira formação de OsBrasinhas, nessa época, informação era artigo que não se encontrava na venda da esquina...

Perguntei a ele em que ano ele conhecera José Ernesto BatistaArêa, peça principal da bandasupracitada. Com a memória já falhando, mais pelo pouco uso das lembranças do que pela idade,Paulo não soube bem definir em que ano conhecera o rapaz que terminou sendo seu amigo durantetodos esses anos.Talvez ele o tivesse conhecido por volta de 66.�[Nessa época] não tinha nada derock emTeresina, talvez só alguma música popular, aquele sistema de fazer seresta no meio da rua,bolero,mas nada de JovemGuarda nem rock,não tinha nem Beatles nessa época, isso não existia emtermos musicais aqui emTeresina.Era como se estivéssemos ilhados, ilhados em relação ao resto doBrasil.Se você fosse comprar um LP,vinil,demorava muito pra chegar aqui.Se fosse no Sul demoravamenos, mas pra chegar emTeresina, tinha dificuldade, demorava um mês, dois meses�.

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O isolamento era tanto que discos e notícias desse gênero musical na cidade grande eramtratados como raridade e com deferência e respeito.Tidos como relíquias,muitos eram os casosde admiração distante, mas ponderada. Não causava surpresa saber que o entusiasta da JovemGuarda, aquele que conseguia por as mãos em um vinil do gênero não poderia possuí-lo por suafamília não aceitar tal manifestação cultural.Mesmo assim,quandoWanderléa pôs seus sacrossan-tos pés nessa terra, em 1965, a comoção foi apoteótica.

A situação explica-se por diversas razões. Uma delas era a fama que a cantora já tinha poressas bandas, impulsionada pela execução de seus vários sucessos nas rádios da época.Aliado aisso, temos o lançamento do long play da moça que trazia uma versão para a uma música deRossini Pinto, chamada �Rapaz do Piauí�.Quem estava por perto quando do fenômeno garante quesó se teve a mesma quantidade de gente nas ruas a esperar por alguém quando o Papa João PauloII veio aTeresina, em 1980.Mas, nessa feita, quando a cidade esvaziou, calou, todo mundo sumiu, acausa era um broto da Jovem Guarda.

�Quando aWanderléa veio aqui foi um escândalo! Ela de mini-saia, todo mundo correndonas portas para ver.Teresina em peso, em peso! Quem não pôde pagar pra entrar no show delaficava nas portas, ficava pelas ruas, pelo menos para ter o prazer de dizer assim:�Eu estava na rua,eu estava perto do show daWanderléa!�. Foi uma comoção popular, mas a cidade inteira, inteira,aqui também foi com osVips, foi com o Roberto Carlos, com o Erasmo Carlos, todo esse pesso-al�, recordaVilarinho.

Esses fatos mostravam uma popularidade acumulada pela falta de informações atualizadas,já que as notícias chegavam muito depois [de muito], e os locutores tinham dificuldade de encai-xar na programação os discos da época, pois os artistas eram profícuos e, até as novidadeschegarem aqui, havia um acúmulo de conteúdo. E se a raridade de informações não desse jeito nacuriosidade, o conservadorismo da cidade o fazia. A alternativa era professar a fé na arte deoutras formas.As famílias de bom nome ainda suportavam um violão dentro de casa, para seremusados nas festinhas e encontros, tudo muito inocente. Os jovens da época, e juntamente deles,José Ernesto e PauloVasconcelos, usavam esses violões mais tempo do que seus pais desejariam.

�Você encontrar um LP de uma banda, era uma relíquia, então eu e o José Ernesto forma-mos uma dupla, ou melhor, um trio, com um amigo que eu nunca mais vi chamado Carlos, quevirou médico, não pra cantar Jovem Guarda nem rock,mas as músicas da época daqui deTeresina,um bolero...�, completa um pensativo e quase macambúzio PauloVasconcelos.

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A lembrança,pescada da memória durante uma manhã de quinta-feira, foi verbalizada numaante-sala do curso de Odontologia da Universidade Federal do Piauí, UFPI, onde PauloVasconce-los leciona.De pronto, ele se dispôs a responder minhas perguntas.Não consultou livro, não ligoupara ninguém, não viu fotos. Lembrava tudo de cabeça, numa imprecisão milimetricamente exata.Talvez a frase que mais tenha repetido durante a entrevista foi que�José Ernesto poderia respon-der melhor�.Talvez só não tenha perdido para aquela em que frisava que sua memória o traía.Uma modéstia estranha, admitamos, já que suas respostas eram todas cheias de detalhes e lem-branças peculiares. PauloVasconcelos lembrava de tantas coisas quanto possíveis, nessa vida emque o tempo e o cansaço tanto mal fazem à nossa cachola.

Logo, percebe-se que o pontapé de partida primeiro, o primórdio dos primórdios do rockteresinense teve uma base de bolero.Curioso...O atraso em relação à capital não demoraria a serreduzido a algo quase imperceptível, e o rock teresinense então nasceu.

O ano era 66, já entrega Geraldo Brito, músico, pesquisador, compositor e participanteefetivo da construção da história da música teresinense, e esse terminou gravado na história daCidade Verde como o ano em que o rock, na época chamado de iê iê iê ou apenas de JovemGuarda, viu a luz do sol pela primeira vez. A mola propulsora foi a bandinha de sucesso TheClevers [no nosso maltratado português,Os Espertos], que veio paraTeresina nesse ano e provo-cou um contato direto e imediato com a Jovem Guarda, mostrando a força e o poder dessemovimento.

�Eles [The Clevers] chegaram aqui, e começaram a fazer show e tocavam, iam pra União...Tinha um cara aqui chamadoTio Bents. Ele era da base, desses coroas que gostavam de som jovem.Foi aí que ele começou a segurar a galera e arranjou um sítio por aqui, lá na saída da cidade�, lembraGeraldo Brito, ao continuar dizendo o furor que esses músicos causavam ao ligar suas guitarras nascaixas amplificadoras.�De vez em quando eles faziam show noTheatro,e lotava de gente,a garotada,a meninada impressionada pegava a cadeira, puxava, sentava e ficava olhando...�.

Essa admiração declarada, pela representação de tantos estereótipos que os jovens daquisó tinham acesso pelas revistas, pelo rádio e pelo cinema foi o suficiente para a empatia imediata.No entanto, longa temporada rendeu fãs, admiradores, mas também desafetos. O que não serianenhuma surpresa, convenhamos. Para os rapazes da cidade, era complicado ver todo o esforçoda côrte às �moças de família� se esvair ao dedilhado de um iê iê iê, umas gírias estranhas e umcabelo comprido. Ou como conta Cineas Santos, incentivador cultural, literato e professor de

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português que veio de São Raimundo Nonato paraTeresina em 1965,�era complicado ver essescaras comendo as meninas da cidade�.

Tudo isso culminou em confusão numa das várias festas que oThe Clevers fez pela cidade.Lá pelas tantas, a admiração das moças despertou o ciúme dos jovens da cidade, e quando aconfusão estourou, foi para valer.�Houve uma briga, justamente por causa das meninas darem emcima dos cabeludos.Houve uma briga feroz com esse grupo [The Clevers], gente se machucou deverdade, até quebraram o braço de um cara com um microfone, com o pedestal do microfone. Eficaram presos, eles ficaram detidos na chácara do Tio Bento, me parece que uma semana. Deurolo!�, diverte-se ele ao lembrar.

Era bem como sentia PauloVasconcelos,mais um dos arrebatados pelo poderio da músicado The Clevers.A chegada da banda a essas ermas terras provocou uma mudança na rotina dacidade, que passou a olhar oTheatro 4 de Setembro com olhos diferentes.Onde antes só entra-vam as pessoas que já tinham fama duvidosa, com esses shows, os filhos das famílias tradicionaispodiam chegar mais perto da manifestação cultural do momento.O impacto visual foi tão grandequanto o musical. Era muito complicado para uma cidade pequena e de preceitos católicos tãofortes admitir mudanças de comportamento repentinas e quase que imediatas. Deu o que falar...�O The Clevers veio para Teresina, e era um pessoal cabeludo... Eu nunca tinha visto um cabelodaquele tamanho, enfim, aqui em Teresina o povo não usava cabelo grande. Era só estudantefazendo essas brincadeiras com os amigos, uma serenata ali pela praça do Liceu. Era comum fazerserenata, você ia pra porta da casa da namorada uma ou duas horas da manhã e ficava cantando.[Mas aí] veio esse grupo paraTeresina vindo de São Paulo, eram cinco, e a primeira apresentaçãodeles foi no teatro 4 de setembro. Fui assistir essa apresentação, nunca tinha visto o tipo demúsica que eles tocaram�.

Na vida sempre há grandes momentos. Momentos em que, nem se espera, e a cabeça dáaquele estalo, pedindo pra idéia surgir, e ela, obediente, surge. Foi nesse momento, em que JoséErnesto e PauloVasconcelos, já sem o amigo Carlos, estalaram juntos.�Por que não montar umabanda de iê iê iê?�.

Estalo natural, provocado pelo comichão do rock, que faz bater pés e mãos...�Sei que nósassistimos a esse show no Theatro 4 de Setembro, e a partir daí surgiu a idéia, junto com JoséErnesto, de formar um grupo parecido com aquele ali, com aquele estilo de música bonito praépoca.Naquele tempo tinha o Roberto Carlos, a gente ouvia Roberto Carlos,ouvia ele aqui acolá

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Os primeiros instrumentos usados pel�Os Brasinhaseram de segunda mão e foram conseguidos depoisque o grupoThe Clevers decidiu trocar seusequipamentos por outros melhores.

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na rádio, porque aquele conjunto tocando aquele tipo de música, o rock, eu desconhecia pratica-mente�, entregaVasconcelos.

O desconhecimento provocou uma sensação de quase morte para o, na época, estudantede Odontologia, tamanha foi a fascinação.�Eu fiquei muito empolgado, a guitarra aquele tipo desom...Nós levamos até um susto quando os rapazes começaram a tocar em função da intensida-de do som,nós não conhecíamos aquele tipo de caixa de som,guitarra, aqueles contrabaixos.Vocênão sabia que tipo de som eles ia apresentar, quando eles começaram a tocar, parece até que oTheatro tremeu, todo mundo ficou naquele estado de choque. Aquele tipo de música, aquelaintensidade surpreendeu todo mundo.A partir daí, o Ernesto entrou em contato comigo e nósresolvemos formar uma banda daquele tipo�, confidencia Paulo. Começa, então, já não pelaspernas e pés dos outros, mas sim dos moços daqui, a maior revolução musical associada ao rockque essa cidade de Teresa Cristina já viu.

Quem casa quer casaQuem casa quer casaQuem casa quer casaQuem casa quer casaQuem casa quer casa[ou Todo índio quer seu tambor]

O sonho do rock no Piauí, e em Teresina, cidade onde tudo começou, poderia ter sido adiadoindefinidamente se não tivesse acontecido a tal temporada de shows dos Clevers no 4 de Setem-bro. Os rapazes da banda tanto tocaram, tanto se apresentaram, que o seu instrumental ficousurrado demais para levar de volta para São Paulo.Com a grana adquirida aqui, eles conseguiriamequipamento muito melhor em Sampa.Mas como instrumentista sabe, é quase pecado jogar uminstrumento fora, condená-lo a uma lata de lixo. Foi a hora, então, de procurar alguém que pudes-se cuidar deles com carinho, e que pudessem continuar o legado que cada instrumento tem, queé fazer música.

Foi aí que acharam os rapazes José Ernesto e PauloVasconcelos.Ernesto já tinha uma guitarraGiannini vermelha, trazida de Fortaleza numa das suas férias por essas bandas. Então os instrumen-tos foram comprados pelo resto da banda e colocados na casa do baterista, Sidney Castelo Branco.Mas a banda começou antes da partida doThe Clevers, e foi um começo desbravador.

�Eles passaram aqui um tempão, e terminaram por influenciar a galera d�Os Brasinhas, osda primeira leva,Getúlio Filho, o ChicoVasconcelos, o José Ernesto, que era o baterista e o Paulo

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Vasconcelos que era o guitarrista base, o Getúlio, baixista. Mas quando começou a tocar mesmopra valer, o Sydney ficou de bateria e o Ernesto ficou de pandeiro, de percussão...�, entrega oarquivo vivo, Geraldo Brito, numa entrevista quente em seu apartamento.

Quente tanto pelo clima quanto pelo conteúdo. Estando no Lourival Parente, sem vento,sem chuva, contávamos apenas com o frescor da noite, que tinha ido tomar um refresco.Ao abrira casa, me deparei com um sofá pequeno, umaTV grande, e muitos quadros na parede.Tanto deshows que ele organizou, participou e liderou. Muita memória permeava aqueles cartazes emol-durados, já amarelados pelo tempo e pelos olhos de cada um que por ali já deve ter passado,tentando imaginar o que cada um naquela foto desejava para seu futuro.

Numa estante, pilhas de cds que iam de Mutantes a produções de Edvaldo Nascimento,passando por Hermeto Pascoal, Rita Lee, Chico Buarque, Chico César, dentre muitos outros.Dono de uma memória fabulosa, Geraldo Brito consegue lembrar do mais simples detalhes, comprecisão cirúrgica. Foi incrível ver que, para quem pouco viveu da época, assistindo de soslaio aum ensaio aqui e outro acolá, a curiosidade levou a tanto conhecimento, que o tempo não seatreveu a levar.

�Existia uma dificuldade muito grande em se fazer as coisas aqui, e só se conseguia fazershows e outras coisas com muita luta.As estruturas eram limitadas,mas mesmo assim os rapazesda época davam um jeito�, rememora o pesquisador.

As difAs difAs difAs difAs dificuldadesiculdadesiculdadesiculdadesiculdades[ou Fácil é uma palavra que não existe no mundo adulto]

�Antes de comprar esses instrumentos, eu e o Ernesto,nós tivemos a idéia de formar o grupo.Nósensaiávamos na casa do José Ernesto,só com uma guitarra,e chamamos até um primomeu pra fazero acordeom... Olhe só, acordeom! Veja como foi, o início completamente fora. Convidamos meuirmão, o Francisco, que era o guitarrista solo e o ensaio foi com uma guitarra e um acordeom, nãoexistia bateria nem contrabaixo.Nós falamos assim:�vamos começar a ensaiar, cantando as músicase depois vamos conseguir os instrumentos�.�, puxa da memória PauloVasconcelos.

Conseguir os instrumentos foi uma luta a parte, já que certas coisas, naquela época, eramum luxo só. E nenhum deles esbanjava dinheiro para tanto... E como o que não tem remédio

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remediado está, eles trataram de montar uma bateria artesanal. �Nós fizemos uma parte dabateria, e de parte em parte chegamos a uma completa e continuamos os ensaios�, continua ele.

Outra peculiaridade da época é que,ao contrário do que costuma acontecer nas bandas,osinstrumentos que cada músico tocaria foi escolhido intuitivamente, sendo pouco considerada aafinidade do cidadão com o seu pretenso instrumento.Caso clássico foi o convite de Sidney paraassumir as baquetas d�Os Brasinhas.�Nós fomos convidando outras pessoas, convidamos o Sid-ney pra ser baterista, ele nunca tinha tocado bateria na vida. Nós convidávamos as pessoas,dizíamos �ele vai tocar isso�, mas não se sabia se isso ia dar certo. O convite era assim, vocêconvidava fulano pra tocar determinado instrumento, eu na época era pra tocar contrabaixo,masnunca na minha vida tinha visto um contrabaixo,mas eu fui rotulado como sendo o contrabaixista,eu tocava um violão, por causa do meu pai, era uma coisa de família. Mas aí me chamaram pratocar contrabaixo, sendo que eu nunca tinha visto um contrabaixo na vida. E foi rolando osensaios, e depois o Ernesto conseguiu chamar o Getúlio, eu vi que não ia dar certo eu tocar ocontrabaixo e passei do contrabaixo pra tocar guitarra�.

Com o convite feito a Getúlio da Costa Araújo Filho, que na época já trabalhava, tendolargado os estudos há muito, Paulo Vasconcelos assumiu a guitarra-base. �Convidamos ele paratocar, e como ele tocava muito bem violão, ele se adaptou ao contrabaixo. Nós compramos umcontrabaixo feito aqui emTeresina, com cordas de lambreta, não era nem corda apropriada parase tocar, aqui emTeresina não tinha.Mas lá na Rádio Difusora tinha um quarteto e os instrumen-tos eles fabricavam por aqui mesmo,e nós compramos deles esse contrabaixo e entregamos parao Getúlio�, conta Paulo.

A festa estava para começar, e Os Brasinhas ganharam a sua configuração que durou até1972, quando a banda encerrou a sua primeira fase.�O conjunto, nessa altura, já estava formado:eu, Ernesto, meu irmão; Francisco, o Getúlio e o Sidney, os cinco�. Estava formado Os Brasinhas.

AntAntAntAntAntes da dives da dives da dives da dives da divererererersão, a obrigaçãosão, a obrigaçãosão, a obrigaçãosão, a obrigaçãosão, a obrigação[ou Toda hora é hora, todo tempo é tempo]

Formaram-se Os Brasinhas e aí? Ficou-se a olhar para o tempo?Qual o quê, como diz Chico Buarque. Banda formada, instrumentos à mão, era hora de

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começar os ensaios, montar um repertório, tocar, se divertir. Não existia ainda na cabeça dosrapazes d�Os Brasinhas a oportunidade de show onde figuraria a estréia dos mesmos, em José deFreitas.�A intenção de fazer essa banda era de tocar assim em aniversários, sabe? Se apresentarpra família, não tínhamos idéia de que mais tarde a banda iria ser muito solicitada�, esclareceChicoVasconcelos. Essa oportunidade não demoraria a chegar.

Das sessões de ensaio no fim de 66, à estréia em 67, pouco tempo se passou, coisa dequatro meses,o suficiente apenas para se montar um repertório decente.Os ensaios, no entanto,eram em horários alternativos, para se enquadrar na agenda apertada dos integrantes, que játrabalhavam, com exceção de PauloVasconcelos, acadêmico de Odontologia naquele momento.�Veja bem, eu me lembro de uma época que só eu estudava, fazia Odontologia na época. Eudeveria ter uns 19 anos quando comecei a ensaiar e na época o Sidney não estudava, nem meuirmão. O Getúlio era funcionário da Secretaria de Saúde, e o Ernesto não estudava, depois eleveio a trabalhar no Tribunal [de Justiça]. Como eu não podia ensaiar nem pela manhã nem pelatarde, durante o dia, todos os nossos ensaios nós marcávamos por volta das 18h. Eu me lembroque saía da aula às 18h e ia direto para o ensaio. E nós ensaiávamos todos os dias.Você vê otrabalho que deu, todos os dias até formar o repertório, depois que formou o repertório é quenós marcamos o primeiro show,mas não um repertório pra baile, e sim um com umas 15 músi-cas�, atesta Paulo.

Árduo início, os ensaios aconteciam na casa do baterista Sidney Castelo Branco, na rua Clo-doaldo Freitas.A preparação era feita aos poucos, sem as facilidades das cifras de hoje.Muita coisaera �tirada� de ouvido, aprendida na raça, numa metodologia cruel. �Imagine que nessa época nãoexistiam cifras,nem internet,nem escola pra aprender a tocar,nem nada.Então,esses rapazes iam lá,escutavam a música, aprendiam a tocar e ainda tinham que passar uns para os outros. Era umprocesso muito lento�, elucida Geraldo Brito. E assim ia.�Tiramos dos LPs de Renato e Seus BlueCaps, tudo de ouvido.Nós sentávamos e íamos ouvir uma música, ai íamos tirar ela. E mais outra eassim você ia formando o repertório,mas todas elas captadas pelo ouvido.Nenhum tinha formaçãomusical, não sabia ler uma partitura, eram todas as músicas que você retirava, colocava pra ouvir oLP e cada um retirava sua parte.O guitarrista tirava a dele, o vocalista a dele, ia anotando a letra, oque o contrabaixo fazia, o que a guitarra solo fazia, cada um tirava sua parte depois juntava tudo, eíamos ensaiar a música, ensaiávamos quantas vezes fosse preciso, vinte vezes, trinta vezes. Até amúsica ficar no ponto pra você tocar. Eu sei que deu muito trabalho. Mas para você fazer um

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repertório de um baile de 4 horas, o seu repertório no mínimo tem que ter umas 80 músicas. Pravocê chegar lá demandou muito trabalho na época�, arrisca PauloVasconcelos.

Mas para chegar a essa absurda quantidade de músicas no repertório, muitas noites foramgastas. O início era mesmo mais modesto e os rapazes da Clodoaldo Freitas tinham 15 canções játinindo de prontas.As músicas selecionadas faziam parte do repertório comum às rádios locais, eeram as que embalavam os pés,os quadris e as mentes dos jovens da época,mas mesmo assim nãocaracterizava uma estrutura para baile �dançante�, como eram chamados na época.�Nosso repertó-rio era para um show pequeno,uma apresentação simples, num era pra dança [...], lá quem quisessedançar podia dançar, mas não era uma estrutura para um baile�, lembra PauloVasconcelos.

A rotina de ensaios não parava, cumprindo sempre o cronograma proposto para umasemana cheia.Antes de fazer os primeiros bailes, as primeiras festas,Os Brasinhas ralaram muitopara conseguir estabelecer um repertório que pudesse preencher o tempo de uma apresentação.Até que finalmente o dia desta chegou. �A nossa primeira apresentação se realizou em José deFreitas, aqui perto,o pessoal gostou muito,daí ficamos pra tocar no dia seguinte, fazer uma manhãde sol em um clube de lá�, abre ChicoVasconcelos, para o complemento de Paulo:�Nós tocáva-mos umas duas ou três músicas e parávamos, conversávamos mais um pouquinho, tocávamosumas cinco músicas e o povo aproveitava pra dançar, e parávamos de novo. E por aí nós consegui-mos fazer toda a matinê, a manhã de sol, mas com muito trabalho�.

Esse show que aconteceu em José de Freitas foi o pontapé na carreira d�Os Brasinhascomo artistas, já que até então eles eram virgens no palco.Nervosos e ansiosos para o início doshow, foi normal se sentir acuado antes de subir ao palco, mas essa retração não impediu osucesso da apresentação.A memória, no entanto, mais uma vez trai e esconde as lembranças, etudo se torna muito vago.�Foi uma apresentação no teatro, foi à noite, eu não me lembro a datacerta, e nós ficamos lá no teatro e todo mundo gostou da apresentação, e tinha assistindo aoshow o presidente do clube de José de Freitas, e contratou a gente pra fazer uma manhã de sol,uma matinê, na manha seguinte, nós fizemos o show no sábado a noite, e ficamos pra fazer essamatinê e nem tínhamos repertório para isso, porque é mais longo,mas nós fizemos assim mesmo.Tocávamos uma seqüência de música, parávamos um pouquinho e conversávamos e repetíamostudo de novo porque não tínhamos repertório pra fazer�, admite Paulo.

Dada a largada em José de Freitas, a rotina de shows deslanchou para uma constante desemanas cheias e eventos em seqüência.�E aí começou.Depois nós fomos a Pedro II, e foi quando

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a Elvira Raulino, que também estava começando no rádio, deu uma força muito grande pra gente,nos convidando para tocar no Jockey Clube, todas as quintas-feiras. Depois fomos convidados atocar as manhãs de sol�, esclarece ChicoVasconcelos.

A profissionalização já começava a bater na porta dos rapazes, que quase não tinhamtempo para se coçar, o que pode ter contribuído consideravelmente para a falta de produçãoprópria. �Passados uns seis meses de ensaios e pequenas apresentações, a agenda já estavasempre lotada e aí muito solicitada. Para melhorarmos a banda, nós procuramos um grandemúsico piauiense que já se foi, oAssis Davis, que inclusive hoje é homenageado no Piauí Pop, temum palco com o nome dele. E oAssis Davis tinha um amigo que tocava saxofone,o Pantchico, quetambém não está mais com a gente.E aí nós reforçamos a banda,e ela se tornou profissional.... Eramuito contrato, aqui, no Maranhão, a gente andou quase o Maranhão todo... A gente não tinhamuito sossego porque de quinta feira até domingo a gente sempre tava tocando direto�, lembraChico. E a roda viva apenas começara.

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Os Brasinhas se apresentavam em diversos locais dacidade de Teresina, indo do elitizado Clube dos Diáriosaté o popular Centro Recreativo Nossa Senhora doAmparo (CRENSA).

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Se o processo de aparecimento da Jovem Guarda foi fundamentado nas revistas e notícias que ocinema trazia, e inspirava, além de um forte caráter comercial, aproveitando o aparecimento dessenovo público consumista,o jovem,aqui o surgimento do Iê Iê Iê foi fundamentado na identificaçãocom a música daqueles artistas nacionais do rádio e que já começavam a se apresentar pelacidade, como oThe Clevers, banda que surgiu em 1963 e durou até meados de 1967.

Essa comercialização do rock,no entanto,contaminou o ideário rock�n�roll deTeresina,masde maneira inocente. Enquanto no grande eixo Rio-São Paulo, tal associação do rock ao capitalera resultado de uma aposta nesse novo mercado,com incentivo de gravadoras e oportunismo deartistas, que gravavam versões de clássicos internacionais, aqui parecia ser a única forma encon-trada para quem quis se expressar.

Os precursores do rock emTeresina o conheceram como uma emulação do que aconteciafora. Decidiram emular também.

Por mais que se queira duvidar, é preciso lembrar que os rapazes que começaram OsBrasinhas não tinham formação musical nem incentivo comercial para uma produção própria.

PPPPPor entre bror entre bror entre bror entre bror entre broooootttttos e brasasos e brasasos e brasasos e brasasos e brasas

Para ler ouvindo Renato & seus Blue Caps � Ford de Bigode

[ou Eu quero mesmo é isso aqui]

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Enquanto Cineas Santos explica a vertente de que o momento não abria espaço para uma produ-ção autoral, Geraldo Brito corrobora a idéia lembrando que a técnica deles era muito escassa.�Era todo um esforço para que esses rapazes conseguissem tirar uma música, ouviam váriasvezes, tentando imitar os acordes, até conseguirem a música completa.Aí era passar esse conhe-cimento para o outro integrante da banda. Era um esforço muito grande. Diferente de hoje,tempo em que já temos escolas de música pela cidade�, explica Geraldo Brito.

Cineas Santos,por sua vez,�justifica� que a não produtividade autoral foi uma coisa engolidasem dó nem piedade dentro do turbilhão de novidades.�Todo mundo tocava versões, não haviacomposições deles. Eu não me lembro se tinha, eu realmente não me lembro. Parece que OsMetralhas tinham um compositor�, conta Cineas.

Independente disso,Os Brasinhas foram absolutos na cidade até 1968, ano do surgimentod�Os Metralhas. E de 66 a 68, nada foi produzido. �Eu acho que isso aconteceu devido à pressamesmo, nem eles mesmos estavam preparados para aquilo. Foi uma coisa que aconteceu tão derepente que eles precisavam aproveitar a onda,o momento, tinha que aproveitar aquilo, porque iapassar. Eles tinham uma consciência que aquilo era muito rápido�, continua Cineas.

A brevidade com que o movimento se mostrava, a incerteza, e, principalmente, a fama,atrapalharam a produção autoral da banda. �Aí pintava o lance das meninas, fã-clube, e tal. Nãohavia muito tempo pra trabalhar musicalmente as canções, eram as versões feitas pelo RossiniPinto de música dos Beatles, quase sempre. Isso por que qualquer música dos Beatles era muitobonita, tinha um apelo fácil e as melodias eram agradáveis.Eles cantavam também Roberto Carlos,Erasmo Carlos, mas era um repertório feito de versões�, entrega o professor.

Essa ausência de produção própria, em estranha consonância com as bandas e artistas defora é lembrada com certo pesar por José Ernesto, que quase se arrepende de não ter compostoum material próprio.�É, eu acho que a gente deveria ter feito alguma música. Mas na época nempensávamos nisso�, diz, quase sorumbático. Essa idéia da falta de necessidade de uma música feitapor eles é confirmada e assinada embaixo por PauloVasconcelos, que pensa na época como umtempo de diversão. �Os Brasinhas sempre foi uma banda cover, eu acho que nunca existiu nabanda um compositor. E não há nenhum arrependimento, tanto é que até hoje os Brasinhaspermanece sendo uma banda cover e tocando as músicas dos outros. Sempre foi e não acho queemperra se for uma banda cover, tocando as músicas dos outros grupos musicais�, frisa Paulo.

Essa referência é fundamentada, principalmente, nas bandas nacionais de 1960 e 70, que

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norteavam os trabalhos dos Brasinhas, até então banda unanimidade emTeresina.�Tocamos jun-tos até 1972, aí nós encerramos a primeira formação da banda.De lá pra cá, nós voltamos no ano2000 para lançar nosso livro e contar a história da banda, e ela permanece como cover até hoje,e nunca houve uma composição própria da banda que nós pudéssemos colocar�, expõe Paulo,confirmando tal fato com a certeza declarada de que, se alguém escutasse alguma música própriadurante os shows, o estranhamento seria total.�O pessoal ia estranhar, porque só conheciam agente como uma banda cover, talvez ia até parecer estranho tocar uma música e o pessoal nemreconhecer, porque até hoje o pessoal só ouviu Os Brasinhas tocando músicas do Renato, dosBeatles�, fecha ele.

Mas memórias já vão traindo mesmo. Embora Paulo declare que não havia composiçõesautorais da banda, seu irmão,ChicoVasconcelos, garante que elas existiram.�OAssis Davis, guitar-rista que fez parte da banda durante muito tempo, tinha algumas composições, talvez umas 3 ou4,mas eram coisas que nunca saíram dos nossos ensaios.Devido a pouca estrutura da época, nãoficou nada registrado�, lembra ele.A justificativa, pelo menos, se confirma no estranhamento dapopulação para músicas próprias.�Seria complicado tocar esse material nosso.Éramos uma bandasó de covers, fundamentamos nossa carreira assim�, justifica ele.�Na época mesmo, a gente eracover.A gente sempre procurava tocar mais as músicas do Renato e Seus Blue Caps, RobertoCarlos, Os Fevers,The Jordans,Wanderléia... Mas nós tínhamos composições próprias, só que naépoca não existia os recursos eletrônicos que hoje existem, e a gente não gravou�, constróiChicoVasconcelos.

E mesmo que esse material tenha sido composto e tenha sido um número expressivo de trêsa quatro músicas, o bloqueio do público e do efeito comercial que isso teria era mais forte. Pergun-tado se as músicas próprias compostas faziam parte do repertório, Chico responde com o corpotodo que não,�de forma nenhuma, porque o que fazia sucesso mesmo na época era o cover. Nósficamos caracterizados pelo que hoje se chama banda comercial, uma banda de bailes�, define.

Não que a justificativa seja plausível ou necessária.Como já foi começado a ser dito em linhasanteriores, não é exagero dizer que Os Brasinhas eram unanimidade por essas ermas terras. Ofenômeno da banda foi confirmado e consolidado principalmente pelo fato de não existirem outrasbandas do gênero Jovem Guarda na cidade.A constante citação dos entrevistados [quase todos] àbanda Barbosa Show Bossa deixa claro que a única �concorrente� d�Os Brasinhas, na época de seusurgimento, era uma banda teoricamente de bossa nova.Assim, a ausência de um material escrito

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pelos próprios integrantes da banda se torna quase compreensível.Uma cidade longe da novidades,com uma oferta de bailes e festas quase intermitente e com umamentalidade relativamente fechada,inventar de perder popularidade com música própria pra quê?

�O pessoal só conhecia Roberto Carlos, Erasmo,Wanderleia e se tivesse uma músicadiferente o pessoal ia dizer: �de quem é essa música aí, que eu não escutei nem no rádio, nem natelevisão?� Então tinha que tocar músicas dos outros mesmo,músicas que tocavam nas emissorasde rádio ou que o pessoal conseguia comprar nas lojas de disco que eram poucas aqui emTeresina.Você só ouvia o rádio, então tinha que tocar aquilo ali�, encerra Paulo.

Outro problemas indicado pelo músico e pesquisador Geraldo Brito, é que a falta de conhe-cimento técnico dificultava qualquer pretensão de composição própria.�A coisa de não ter escolaaqui também, esse negócio dificultava muito as coisas por que eles iam ouvir aquelas músicas,aprendendo tudo sozinho, no ouvido. Quem tinha um bom ouvido aprendia, pegava, passava prosoutros, o cara ainda ia ter o trabalho de passar pros outros�, esclarece o pesquisador.

Assim, havia, além da fuga do estranhamento da platéia, uma certa impossibilidade técnicapor parte dos artistas, que se limitavam quase que somente aos próprios Brasinhas.

�Hoje em dia se o cara vai pra uma escolinha de música, toca aqui e já está tocando algumascoisas, daqui a seis meses já está legal, já junta com outros amigos já resolve fazer umas músicas.Naquele tempo não. Era difícil. Porra, eu me lembro que pra pegar essas músicas, eu colocava,tinha uma rotação 16, eu botava por que tocava bem lento.Tinha a introdução de uma música doRoberto Carlos que era um bend [movimento vertical feito com a corda da guitarra para conse-guir um som diferente do natural]. Hoje, eu faço é sorrir ouvindo essa música. O cara fazia e eunão conseguia pegar aquele negócio e fui botar no disco e tal, então a gente perdia muito tempo�,confessa Geraldo. E tempo era artigo em falta na promoção de todo dia.Os Brasinhas mal tinhamtempo para respirar, tamanha a agenda de shows e apresentações.

A tA tA tA tA terra do Sol contra a música do diaboerra do Sol contra a música do diaboerra do Sol contra a música do diaboerra do Sol contra a música do diaboerra do Sol contra a música do diabo[ou �ComoTeresina luta contra as artes�]

�O nome da rainha, altivo e nobre, realça a faceirice nordestina na graça jovial que te recobre.Teresa, eternizadaTERESINA!�.Assim é cantada uma das estrofes do hino da capital do Piauí, que

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tem letra de Cineas Santos. E mesmo com a �graça jovial que te recobre�,Teresina sempre foi umaterra fechada a novidades.A chegada do rock trouxe junto com ela reações das mais adversas.Para os jovens, aquela sensação do momento era a febre que não poderia deixar de ser seguida àrisca. Para os mais velhos, era uma degeneração, uma coisa esdrúxula, numa quase xenofobia.

Dizem que o teresinense é um povo que estuda bastante, e não é de hoje. Já no tempo emque o rock rasgou o manto da época, existia um preconceito contra aqueles que se dedicavam àmusica, sendo todos eles alcunhados de perdidos ou homossexuais.Os cabeludos eram perdidos,as moças de mini-saia eram perdidas, os músicos eram perdidos, os que iam aos shows dosmúsicos eram igualmente perdidos.Um olhar dissociado do rancor advindo do preconceito dessaépoca nos faz ver que há mais por trás disso do que uma simples e pretensa vontade de parar asmudanças e castrar o movimento artístico.

Lembremos que na Teresina de 1966, pouco do que é hoje dessa cidade já estava aquipresente. A zona leste já era quase fora dos limites da cidade. Não que a cidade não quisessecrescer. Ela só não sabia como crescer, como aceitar essas novidades tão diferentes dos valoresaté então certos à sua população.

Mesmo assim, ainda há um ranço nessa história, originado justamente nessa lentidão emaceitar e renegar o novo.MarcoVilarinho novamente lembra como a época era cruel com os queambicionavam serem artistas.�[Tudo] era muito mal visto. Era até uma questão da arte em geral:pintores eram mal vistos; as mães colocavam as filhas na escolinha de balé, mas só era aquelabrincadeirinha, quando completavam 13 anos, 12 anos, normalmente tiravam das escolas, elasmesmas não queriam porque achavam que vida de artista era muito mal vista�, explica ele.

Esse desejo em renegar o processo criativo e artístico, que não era incentivado nem apoi-ado, ainda originava um preconceito social e uma estigmatização social injustificada e preconcei-tuosa em sua gênese. �Tudo que se falava em arte era mal visto. Se alguém dizia �ah, quero serartista� a resposta era �você não está nem doido, vá estudar para ser gente, artista não é gente�. Eucansei de ouvir isso. Eu lembro que na época, 69, 70, teve o Festival Internacional da Canção [...]e eu lembro que meu deu uma vontade imensa de cantar [...], e eu lembro que meus pais diziam:�Não,meu filho,não tem nada a ver, isso aí,olhe, você não tem nada a ver com esse meio,você temuma certa educação, isso é pra esse povo muito baixo�. Eles diziam claramente que artista, arte,era pra gente muito baixa�. E esse tipo de declaração não era algo apenas dito e percebido porMarcoVilarinho dentro de sua família.

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As roupas extravagantes, que chocavam a sociedade,abriam os olhos para quem estava esperto àsmudanças vindouras.

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Dentro da banda, dois exemplos diferentes dessa postura contrária à carreira de músicaem detrimento da moral e dos bons costumes podem ser percebidos.Único estudante da banda,PauloVasconcelos levava seus livros para estudar durante as viagens ao interior que Os Brasinhasfaziam.�Na época que eu estudava, em todos esses compromissos que nós íamos viajar, eu levavameus livros, porque eu tinha que estudar, porque quando chegava o domingo à noite, na segundaeu já tinha uma prova pra fazer, eu vivi muito pouco aquela época de banda�, lembra ele.

Valorizando também uma outra carreira que poderia dar segurança após o sucesso ir,Paulosacrificava uma integração maior com o público antes e depois dos shows.�Eu me lembro que,quando eu chegava ao hotel no interior, o pessoal saía pra conversar, pra brincar e tudo, mas euficava no hotel estudando.Eu me lembro que tinha uma prova na segunda feira pra fazer,então eraum escravo não só do estudo,mas como também da música.Tinha que fazer bem o curso�, contaele. Foi assim durante todo o seu curso de Odontologia, mesclando estudo e música.

Nesse grande ritmo de shows,o próprio Paulo elegeu os shows mais importante da carrei-ra d�Os Brasinhas,o mais marcante.�Foi o que fizemos no Lindolfo Monteiro.Nós fizemos o showpra acompanhar oWanderley Cardoso, o show feito lá no campo de futebol, estava completa-mente lotado, foi uma coisa que marcou a gente também, foi esse show pra acompanhar oWan-derley Cardoso, e teve outros também com o JerryAdriani, com o Martinho daVila.Outro showtambém que marcou pra gente, foi um show noTheatro 4 de Setembro, que foi pra acompanharesse cantor, o José Roberto.O José Roberto também fez parte da Jovem Guarda, deixou tambémmuitas recordações pra gente, em função do público, da lotação do teatro. Lá estava mais oumenos parecido com o show dosThe Clevers, esse também marcou muito�, conta ele.

Estranhos no ninho de uma sociedade católica apostólica romana praticante,o preconceitoficava limitado a esses ataques dos mais ardorosos defensores da moral e dos bons costumes.Dentro da classe artística quase não havia problema.�Era o lance dos cabeludos,mas num existiamuito isso não, tinha alguns comentários,mas nada relevante.Não tinha rivalidade, na época todomundo se aceitava bem.As pessoas foram aceitando, aceitando até se conformarem com aquiloque nós fazíamos na época. Existia espaço pra todo mundo, emboraTeresina naquela época fosseuma cidade pequena, com poucos clubes, mas tinha espaço pra todo mundo. Depois vieram osMetralhas, e outras bandas que nem me lembro o nome, nós tivemos várias bandas, foram acom-panhando a Jovem Guarda e acabaram também�, explica Paulo.

Mas assim como todos os processos sociais, desde os de extrema paz e acachapantes, até

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os violentos e autoritários, nos deixam alguma coisa, a Jovem Guarda também deixou. Extrema-mente acachapante e até violento na sua forma de implantar da noite para o dia uma nova ordemde valores, a Jovem Guarda tem sua página de contribuição social do Brasil, e deTeresina.

Cidade fechada a novidades, a Jovem Guarda foi o estopim para a destruição gradativa detudo que era �careta� emTeresina,mora? �[A Jovem Guarda] contribuiu para incentivar as pessoasa tocarem um instrumento musical, porque naquela época era muito difícil se ver um jovemtocando um instrumento. Inclusive, quando um jovem naquela época (como eu), tocavam umviolão,os mais velhos já colocavam um apelido de que a gente era degenerado,de que bebia e nãoqueria nada com estudo...Muito diferente de hoje que todo jovem já vai pra uma escola de música,todo jovem hoje toca um instrumento com a maior facilidade.Não,naquela época era muito difícilum jovem tocar um instrumento, e quando tocava, recebia esse preconceito�, rememora Francis-coVasconcelos.

Esse preconceito, citado na fala deVasconcelos, tem, pelo menos para ele uma explicaçãoplausível.�A Jovem Guarda foi um movimento revolucionário, e aí os pais temiam que as pessoasque se envolviam com esse movimento deixassem o estudo.O que não acontecia. Porque o meuirmão, Paulo, se formou em Odontologia, passou em primeiro lugar, foi o primeiro da turma,tocando nos Brasinhas. Isso não impedia não, quando um jovem queria estudar, não tinha nadahaver�, garante. Por conseguinte, é preciso afirmar que o fato das famílias dos componentes d�OsBrasinhas serem tão �diferentes� das outras famílias, permitindo a degeneração divulgada de seusfilho, se deve a um envolvimento com a arte também.

Durante a entrevista com MarcoVilarinho, na sala de reunião de Jornal O Dia, onde ele éeditor do caderno de cultura Torquato e repórter e editor do caderno de comportamento Me-trópole, ele muito falou sobre esse preconceito e ressalvas que as famílias faziam para os seus emrelação a nenhum envolvimento com os músicos, orientação essa que ele mesmo recebeu. Opreconceito queVilarinho cita,no entanto, tem outra origem, também.Segundo ele, a cara fechadaque se tinha contra os músicos �era porque muita gente naquele tempo, praticamente, que ficoulá pelo mundo artístico eram pessoas de poucas posses, eram pessoas que não tinham muito. Elaseram vistas na sociedade como pessoas que não tinham educação, que não tinham berço e quenão tinham dinheiro. Então eles faziam aquilo porque era um meio de ganhar dinheiro, mas eleseram super mal vistos. Os pais deles levavam porque também não tinham nenhuma formação,para os olhos da sociedade. Mas um pai que tinha um certo nome na sociedade, uma certa

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profissão jamais levaria um filho dele, jamais admitiria que um filho dele participasse de um movi-mento musical�, diz ele, pisando em ovos, cuidado necessário para ser fiel ao que acontecia naépoca e não parecer mais um preconceituoso.

E se a questão era ganhar dinheiro, ninguém poderia dizer que eles estavam indo mal.Comuma rotina de shows avassaladora durante o período áureo (de 66 a 68),Os Brasinhas eram bempagos pelo que eles faziam.�Os cachês eram excelentes, nós éramos muito valorizados, tínhamoscontratos muito bons, que compensavam essa parte financeira para todos nós.Nossa agenda eralotada, não só aqui emTeresina, mas também no interior e em uma boa parte do Maranhão.Nósviajávamos muito, bastante. Depois, com o certo tempo, nós passamos há ter um empresárioprofissional, o Raimundo Magalhães, ele ajudou nisso aí, e o Sidney ficou só tocando mesmo, epassou essa parte aí só pra o Magalhães, um empresário mesmo profissional. Foi então que abanda passou a ser requisitada demais, proporcionalmente. E o Raimundo Magalhães ainda hoje éempresário. Ele começou a organizar a banda do ponto de vista administrativo mesmo, de legali-zar a banda como empresa, registrar a banda na Ordem dos Músicos e ter realmente uma direçãoadministrativa, com agenda e com tudo registrado. Ele administrou a banda até o final de 72quando a gente encerrou as atividades�, estima PauloVasconcelos.

Mesmo assim, MarcoVilarinho explica que as famílias pretendiam até apoiar as artes, masdentro de casa, num espaço limitado. �Podia comprar até um violão, mas era só aquela festinhacom poucos amigos, aquela brincadeirinha. Nada profissionalmente, nada de cantar em palco.Todos [que tocavam em palco] eram mal vistos e todos vinham de camadas menos favorecidas.Grosseiramente, o termo que se usava naquele tempo era que todos vinham de baixo.Todosvinham de um nível inferior e eram aplaudidos nos palcos e tudo, mas fora deles pouca gentequeria aproximação fora dos palcos, não queriam aproximação�, expõe.

Essa sucesso do movimento na época, embora mascarado pelo falatório, fez nascer umacerta badalação, que incentivou a participação desses jovens e de seus pais. �A diferença vinhaporque a maioria dos pais dos músicos eram músicos. Eles tocavam instrumentos musicais epassaram a incentivar porque se sentiam orgulhosos de ver os filhos fazendo parte de um movi-mento que era muito badalado na cidade. Então, não tinha, por parte dos pais de nenhum doscomponentes dos Brasinhas, nenhum tipo de resistência�, contrapõe FranciscoVasconcelos. Esseapoio era algo efêmero e válido apenas no raio de visão dos pais desses rapazes. No resto dacidade, o que se confirmava era o preconceito contra a Jovem Guarda, e outras expressões

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artísticas, citado por Vilarinho. �Elas [manifestações artísticas] ficavam à margem, ninguém dachamada boa família sequer cogitava de ter um filho ou uma filha que participasse de um grupo deteatro,participasse de um grupo musical. Por exemplo,eu não cheguei a conviver de forma algumacom o Torquato Neto, porque existia uma barreira imensa, entre o pensamento das pessoas daminha família, da minha classe social. A gente não era rico, mas a gente tinha aquela educaçãotradicional, embora não tivesse dinheiro,mas tinha educação tradicional. E essa educação tradici-onal era uma barreira imensa para o novo.Eu jamais tive qualquer contato com oTorquato Neto,com o Geraldo Brito, com o Durvalino Couto...a gente sabia que eles existiam, podia passar poreles mas a gente nem encostava, passava por longe, por que eles eram tidos como maconheiros,como pessoas transgressoras desse comportamento sexual, essa coisa toda. Então eles eram malvistos mesmo, eram tidos como pessoas assim que não valiam a pena. Se você se aproximasse depessoas que viviam no meio musical, é como se você fosse caindo, caindo, caindo... e ninguém lhevalorizava mais na sociedade�.

Mesmo com os problemas dentro de casa para assumir que gostava da tal Jovem Guarda eseus representantes patrícios, os jovens da época ousavam.Os Brasinhas gozavam de um privilé-gio que era um fã-clube, o acompanhando aos shows e outros eventos.�Eu lembro que quando abanda ia tocar, nós saiamos do centro de Teresina e íamos lá pro Poty velho, por exemplo, opessoal saía com a gente acompanhando até chegar lá. Se você ia na zona Norte, Sul e Leste vocêsempre ia encontrar as mesmas pessoas, o fã-clube. As caras eram praticamente as mesmas,sempre chegavam nas nossas festas.O pessoal gostava mesmo, adorava, fazia questão de acompa-nhar e seguir, a partir daí surgiu o fã-clube dos Brasinhas,não era um fã-clube,que nem existe hojetodo documentado, o fã-clube era só pra acompanhar mesmo, eles adoravam acompanhar econversar com a gente antes e depois da festa, era uma amizade. Na época não existia essaviolência que você tem hoje, você podia fazer uma festa lá no PotyVelho e todo mundo ia, pra sedivertir e dançar, o pessoal ia pra lá mesmo era pra ouvir a música porque gostava mesmo damúsica, pra dançar, pra conversar com a gente, fazer esse tipo de coisa�, elucida.

A despeito da própria história de vitórias e sucessos imediatos,Os Brasinhas tiveram queengolir a não concordância dos pais em permitirem seus filhos em tal tipo de espetáculo. Naspalavras de FranciscoVasconcelos, ex-guitarrista da banda, não eram poucos os casos das amigase fãs que queriam ir aos shows e era proibidas. �Os pais eram sempre contra porque aí já secomeçavam a usar aquelas roupas extravagantes, as meninas com aquelas mini-saias, e realmente

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os pais proibiam. Eu tinha relato de amigas que diziam �olha, eu não vou ao show de vocês porqueo papai não deixa,o show vai até tarde�, e naquela época nove da noite as mocinhas já estavam emcasa, as mocinhas não podiam sair...�, confidencia Chico.

A testa franzida, o corpo contra a luz de uma manhã de julho, mês de ventos fortes emTeresina, a janela aberta e uns seis gatos espalhados pela sala ajudavam Chico Vasconcelos alembrar detalhes dessa época. É engraçado perceber que a importância que esses garotos tive-ram na história do rock teresinense já vai se esvaindo na memória, se perdendo, embora a menorreferência já seja suficiente para que todas as cores se reavivem e voltem a ser e mostrar tudocomo era nessa época. �Então, realmente foi difícil, mas a resistência foi sendo quebrada aospoucos e era um show mesmo, foi bacana!�, finalmente conclui Chico.

O preconceito era estendido não só à música, mas também ao vestuário, linguagem eoutras manifestações. �Essa coisa contra o cabeludo, ainda hoje existe. �Pô, vai cortar o cabelo,vagabundo!�.Ainda hoje tem isso, imagina no fim dos anos 60 e 70. Era provincianismo mesmo, eas pessoas são preconceituosas e elas reagem, qualquer novidade, qualquer coisa estranha quepinte no pedaço, a tendência é uma reação e essa reação podia ser violenta, chegou a ser violen-ta�, explica Cineas.�Mas as pessoas acabaram acostumando e a coisa pegou.Teresina hoje é umacidade muito permeável a mudanças�. E com essas mudanças, novos caminhos começaram a serabertos.

A despeito disso tudo, no entanto, a arte ia sendo feita. Cineas Santos lembra que alémdos carros e mulheres em abundância encontrados emTeresina, o que mais lhe chamou aten-ção assim que ele pôs os pés aqui e se acostumou com a rotina teresinense, foi a efervescênciacultural.�O Ari Sherlok [radialista da época] era um agito, o Santana Silva fazia teatro, o grupodo Tarcísio Prado, o teatro estudantil com Gomes Campos, havia muitas opções culturais. Acidade era pobre, mas havia uma certa efervescência cultural.Tinha um cara aqui, um escritor,chamado CastroAguiar, hoje morador do Rio de Janeiro,que escreveu dois romances, que todoteresinense da minha época leu. �Adolescente de Rua� e �Caminhos de Perdição�.Todo mundoleu isso, hoje não tem mais em Teresina.Você não tem mais um escritor teresinense que sejalido por todo mundo,ninguém nem lê ninguém. Esse cara, o CastroAguiar, todo mundo leu. Issoera uma coisa fantástica!�, empolga-se Cineas. Essa empolgação perdurava em outras áreas, e aefervescente cultura em Teresina ia se chegando e tomando canto por canto para si, juntandotudo para a cultura.Além do teatro, da literatura e da música, existia ainda o rádio.�OArimatéia

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Tito fazia programas na Rádio Clube, Difusora, sei lá o que, e também tinha uma audiênciaenorme. Aqui se fazia novela de rádio, o Rodrigues Filho escrevia novela, com personagensdaqui e coisas locais�, relembra ele.

A capacidade teresinense de tolher novidades e arte em geral ia se propagando de casa emcasa, como numa espécie de comoção geral. Pelo menos é essa a impressão que se tem dasdeclarações dos entrevistados.Corroboram a impressão de Cineas as palavras deVilarinho.Con-ta ele, que certa feita, uma moça inventou de ir ao Jockey Club do Piauí de mini-saia. Resultado?�O coronel Júlio Castelo Branco jogou ela da escadaria do Jockey Clube para o meio da rua.Disse que ela não podia entrar no clube. Eu lembro bem porque era um show de Jovem Guarda.Ela foi literalmente jogada no meio do asfalto, pelo presidente do clube�.Alguém aí arriscaria usaruma roupa mais extravagante?

Sim, houve quem teve coragem.Os Brasinhas, por exemplo. Para grande mal à paz dos paisde Teresina, e seus filhos �de bem�, eles começaram a usar peças mais tresloucadas e desafiantes,provocando ira e paixão, por onde passavam.O trecho pode parecer exagerado,mas a amplituded�Os Brasinhas, na época, era exatamente essa. Eles eram adorados pela população jovem eodiados pelos responsáveis do futuro da nação.�Qualquer moça que fosse vista namorando um,ou dançava muito tempo na festa com um deles, ela ficava mal vista, ficava falada...Tinha uma queera uma fã ardorosa dos Brasinhas, chegaram até a jogar milho nos pés dela na praça Pedro II,chamando ela de galinha.Outra delas era muito bonita e era fã desse pessoal e foi ao show delesno Jockey Clube...como ela era falada, diziam que ela era rapariga. Mas não tinha nada demais,simplesmente porque era mais popular�.There�s no free dinner...Nunca houve,nem nunca haverá.O imaginário dos pais é que muito se perderia na formação dessas suas jóias prontas para oconsumo e o convívio em sociedade pacata e sobrevivente.

Para a juventude da época, no entanto, tais atitudes criavam uma identificação que levava auma transgressão de valores e uma capacitação de um enfrentamento mais direto com as resis-tências dos pais. Durante esse período de Jovem Guarda, Cineas Santos viveu na Casa do Estu-dante, e sentia isso na pele.�Havia uma efervescência cultural bastante boa. Era bom. Era alegre. Eisso ajudava a viver. Morava aqui na União Piauiense dos Estudantes Secundaristas, passava umafome arretada,mas cantava o tempo inteiro.Nós tínhamos três violões lá�, exclama ele, rememo-rando, hoje em condições bem melhores, aqueles dias de dificuldade e complemento pela música.�Morávamos 80 pessoas numa casa que cabiam 20, não tinha água, não tinha um banheiro, mas a

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gente cantava. Eu acho que é como aquela canção,�cantar é um jeito de não morrer��, explica.E ali nascia um caminho que levaria a abertura de novas possibilidades para as gerações

vindouras.

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A formação clássica d´OsBrasinhas começou a sefragmentar em 68. Percebe-seque aqui, José Ernesto já nãofaz mais parte do grupo. Essafoi a primeira de váriasmudanças.

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As gerações vindouras citadas no fim do capítulo anterior ainda teriam a sua vez.A vez continuavacom Os Brasinhas, senhores de tudo e de todos.As poucas referências históricas na imprensa,não passando de algumas poucas notas no colunismo social feito na cidade na época, era reflexoda inexistência dos cadernos que tratariam especificamente de cultura nos jornais locais, fato quesó aconteceu em meados da década de 70.

Assim, o sonho só começou a ser possível de ser sonhado por outras pessoas quando osrapazes influenciados pel�Os Brasinhas começaram a colocar as asas para fora das garagens, salase outros estúdios improvisados.

As citações mais clássicas, mas que não se comparam em expressão ao que a primeirabanda de rock da cidade representava, são Os Cartolas,The Dandies, Os Lords, Os Fantasmas,The Shammers,TheTangarás, Zé e Seus Quatro Ases, mas nenhum conseguiu atingir a populari-dade d�Os Brasinhas. Nenhum, com exceção de Os Metralhas.

Essa banda, formada depois da saída de PauloVasconcelos e José Ernesto de Os Brasinhas,contava com os já acima citados e com Paulo Chaves, Fernando Chaves,Mario Lúcio na bateria e

O Início do FimO Início do FimO Início do FimO Início do FimO Início do Fim

Para ler ouvindo:Roberto Carlos � Namoradinha de umAmigo Meu

[ou A morte anunciada de um Sonho]

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Rubito,que tocava o contrabaixo.�Eu saí uma semana antes do show de estréia. Eu me desentendie saí. Discuti com o Rubito, e naquela época, a gente era muito jovem, tinha o sangue esquentado,aí eu saí da banda e entrou o Fernando Chaves, irmão do Paulo Chaves.Aí eles fizeram um showmuito bonito em frente a Útil-lar�, recorda PauloVasconcelos.

Nessa formação, a banda estreou na fachada da Loja Útil-lar, propriedade de Aerton Fer-nandes, grande incentivador da cena roqueira da época e promotor de vários shows nacionais,como Roberto Carlos,Wanderleia e o pontapé,The Clevers, e intencionava conseguir o mesmoprestígio que Os Brasinhas, embora isso fosse quase impossível.

�Os Metralhas chegaram a fazer um sucesso relativo, era um concorrente à altura d�OsBrasinhas, mas com um som mais pesado, diferente, mas realmente era a banda concorrentemesmo d�Os Brasinhas�, explica oVasconcelos mais velho. Essa falta de prestígio para as outrasbandas que tanto se esforçavam para fazer um trabalho de relativa qualidade era bem presente naépoca, e para FranciscoVasconcelos, está baseado no gosto dos jovens.�[Além d�Os Brasinhas...]tinha um conjunto muito bom que tocava no Clube dos Diários, o Barbosa Show Bossa. Depoisteve uma outra banda, o Sambrasa, e outros muito bons... Mas essa banda também era muitorequisitada,mas era mais para o pessoal de idade. Para os jovens mesmo eram Os Brasinhas e osMetralhas. Não existia mais nada na época, não�, decreta Chico.

Esse decreto é corroborado com o currículo que Os Brasinhas passou a construir com otempo,tanto abrindo shows de artistas de grande renome,como acompanhando esses artistas nopalco. �Nós tocamos com o Jerry Adriani no estádio Lindolfo Monteiro, e com Silvio Aguiar.Depois o JerryAdriani voltou, e nós fizemos um show no SESC com ele,Wanderley Cardoso. Eraum privilégio muito grande,porque eram os nossos ídolos da época,e a gente se sentia maravilha-do em estar com eles, dividindo um show. Era bacana, muito bacana mesmo�, garante Chico. Eembora muitas coisas possam ser ditas,Os Brasinhas foi um grupo que pareceu valorizar bastanteseu público.Ao menos é o que garante a fala do mesmo ChicoVasconcelos.

Indago o que o marcou mais na sua passagem pel�Os Brasinhas. Sem pestanejar ou esperarmuito tempo, ele responde com firmeza.�As amizades... as amizades do grupo, os ensaios que agente fazia, as fãs...A gente ensaiava na casa do Sidney, ali na Rua Clodoaldo Freitas, e quando agente chegava pra ensaiar, a copa da casa dele já tava lotada de fãs, e as meninas sempre querendoconversar com a gente. Pra nós, era uma surpresa, porque a gente não tinha idéia da dimensãoque era tudo aquilo ali. Então, isso traz muita saudade pra gente�.

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Depois de participar de dois projetos, de viajar com Os Brasinhas por grande parte dascidades do interior do estado e por estados vizinhos, como Maranhão e Ceará, sendo a bandamais disputadas por essas localidades, com fãs, que juntamente com os gritos, foram importantespara a quebra do preconceito existente contra os cabelos grandes que as moças puxavam,depoisde muito preconceito, ChicoVasconcelos ainda fundou mais uma banda, que entrou nas referên-cias no início desse capítulo.Como já foi dito mais acima, além de Brasinhas e Metralhas, não haviaespaço para mais seu ninga.

�Os Lords era na mesma linha dos Brasinhas, só que naquela época o nome mesmo eraBrasinhas e Metralhas, então Os Lords fez pouco sucesso. As outras duas bandas eram maisrequisitadas, eram conjuntos de maior nome... E o pessoal que começou comigo nOs Lords nãoeram conhecidos, eram pessoas que estavam começando. E o certo é que Os Lords não fez osucesso que fazia Os Metralhas e Os Brasinhas, não...�, lembra, fugazmente, ChicoVasconcelos.

E dando os trâmitE dando os trâmitE dando os trâmitE dando os trâmitE dando os trâmites por fes por fes por fes por fes por findosindosindosindosindos[ou Há a perspectiva do fim]

Estórias à parte, relevâncias e sucessos à parte,o que fica marcado ao se perceber tudo isso é quea história do rock teresinense pode ter tido vários colaboradores,mas teve mesmo como epicen-tro Os Brasinhas e, já em menor grau, Os Metralhas.

Por isso,pode-se dizer que a primeira fase do rock teresinense se encerra em consonânciacom o declínio da Jovem Guarda.Os grupos foram acabando,mudando de formação e, em 1972,depois da primeira mudança em 68,Os Brasinhas já não eram mais quase nada do que foram noinício de sua carreira,crescidos,amadurecidos e com uma formação totalmente nova,que contavacom a cantora Lena Rios, a Barradinha; com o tecladista Donizete; o sanfonista Orion;o guitarris-ta Jimmy; Mário Lúcio e Renato Piau também nas guitarras, dentre muitos outros nomes que seperderam na história.

Mas como dizem muitos por aí, tudo que sobe tem que descer, tudo que começa um diaacaba, ou nas palavras do próprio John Lennon:�The dream is over�.

E o sonho tinha acabado mesmo.A entrada em declínio dos Brasinhas se transforma numgalope de desce ladeira, e era chegada a hora, a fatídica hora de dizer adeus. Drama? Não.�Nós

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Se não estava na foto passada, José Ernesto aparecenessa, registro da primeira apresentaçãod´Os Metralhas, em 1968.

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acabamos a banda ainda no auge da Jovem Guarda, eu continuo ouvindo e fazendo a JovemGuarda, nem penso em mudar meu estilo musical, eu diria que todo grupo irá permanecer naJovem Guarda.Acho que nossa morte vai ser prestigiando, ouvindo, adorando, fazendo a JovemGuarda. Na época nós já tínhamos novos componentes, houve uma dissidência. Nós chamamosoutras pessoas, e aí vieram alguns estudantes da época pra compor Os Brasinhas, então o quemais tinha eram estudantes por volta de 70 e 71 e outros colegas que já estudaram, e eu melembro que em 72 acabou justamente por isso, cada um queria seguir seu caminho, eu já estavame formando em Odontologia, eu tinha um colega que tocava na banda, o Mário Lúcio, ele eraestudante, junto com o Donizete, e eles foram para o Rio estudar, concluir os estudos. Foi porisso que acabou, foi uma época certa de acabar�, fala PauloVasconcelos, naturalmente.

Mais de 30 anos depois, já não se sabe se é preciso ressentimento, dor ou chateação poralgo tão interessante ter acabado. Para PauloVasconcelos, muito provavelmente não. É certo queos anos já calejaram bastante esse professor universitário e dentista renomado, e talvez por issoele possa dizer de forma tão singela que tudo acabara.�Foi o momento de encarar o lado profis-sional mesmo, eu acredito que não mais do lado da música. O sonho acabou, tanto é que, todomundo estava pensando em sua vida, não mais no lado musical, mas nós tínhamos que assumirnosso lado profissional, eu como odontólogo, tinha que deixar mais de lado a música.A músicaenvolve muito o individuo,tem que ensaiar,e eu não tinha mais tempo pra ensaiar,precisava de umtempo para minha profissão. Larguei por isso, não só eu,mas como os outros que aproveitaram aépoca.O Ernesto já não estava mais no Brasinhas, então na época, quem fazia parte dos Brasinhasera: Eu, Sidney,Donizete,Renato e o Mário Lúcio, esses eram os componentes da época.O sonhoacabou e agora voltou de novo, não morreu, vai continuar eu não sei até quando�, pondera.

A volta do sonho a que Paulo se refere tem a ver com o retorno d�Os Brasinhas, em 2002,para o lançamento de um livro, �O Sonho não acabou...�, que conta a história da banda e paraalguns shows, que vêm ocorrendo em clubes, restaurantes e churrascarias de Teresina.

Mas não foi só PauloVasconcelos que sentiu com o término da banda. Seu irmão, FranciscoVasconcelos, também lembra bem desse declínio para o fim, mas com outras cores.

Ainda na entrevista na sua casa, na sala, sentados em móveis de madeira, gastos, mas aindavistosos, vendo numa prateleira uma foto de Os Brasinhas tirada quando do retorno da banda,pergunto a ele como foi perceber que o sonho estava chegando ao fim.A primeira coisa que saiuda boca de Chico foi um suspiro, antes dele declarar que foi algo �terrível�.�Terrível porque foi

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uma época maravilhosa das nossas vidas e a gente não consegue apagar, a gente não esquece deforma nenhuma, a gente tem a lembrança sempre viva�, garante ele. Insisto na pergunta, numatentativa de acabar com a minha dúvida de que aquele homem sentira mais do que apenas umasaudade instantânea.Corto o raciocínio dele e engato uma outra pergunta.�Mas como era perce-ber que tinha tanto sucesso e agora a situação estava mudando?�. Mais uma vez pensativo emacambúzio, como se tocasse num assunto assim periclitante, ele respondeu de forma sincera.�Éaquele negócio, né?Tudo o que começa tem meio e fim...A gente sentia bastante porque a genteestava se afastando dos amigos, e tava fugindo aquilo que a gente tinha nas mãos, e a gente sentiubastante.Depois que a banda acabou, nós sempre nos reuníamos na casa de um ou de outro prafazer uma brincadeira, e a gente sempre comentava os tempos bons que nós passamos juntos,mas a gente nunca perdeu o contato.A gente era assim como, era não, é como uma família.Agente sempre estava junto, brincando, tocando um violão, lembrando. Só que a gente não tinhanada assim guardado em fitas, nada gravado, porque foi um negócio assim tão rápido que a gentenem percebeu isso e a gente não deixou assim quase que nada, da época, gravado�, recorda ele.

É preciso dizer, todavia, que o retorno da banda para o lançamento do livro foi feito degrande repercussão na cidade, tanto que o número de shows aumentou. �Nós nos reunimosnovamente, para fazer um lançamento de um livro. E a intenção era só essa, nós fizemos umrepertório só para a uma apresentação de 20 músicas.Mas parece que a coisa se repetiu na frase�o sonho não acabou�. Então, as pessoas, os amigos diziam �rapaz, não vamos acabar com a banda,vamos fazer alguns bailes?�, e nós reforçamos o repertório e,por incrível que pareça,o sucesso foiquase o mesmo.A coisa pesou tanto que a gente já não tinha mais tempo pra fazer outra coisa, anão ser os bailes que a gente vinha fazendo�, lembra ChicoVasconcelos.

No meio disso tudo, do fim, das reuniões, das lembranças, brincadeiras, um fato tirou umpouco da alegria da época.Assassinado no dia 21 de dezembro de 1981, o grande parceiro debanda, músico genial e gênio indomável,Assis morreu depois de uma festa no Bairro Prainha, e asuspeita que as pessoas que viviam próximo a ele têm é que tenha sido um crime passional.�Foium golpe terrível, inclusive, no velório dele e no enterro, a banda toda estava presente. Foi umgolpe muito grande, porque ele era um grande amigo nosso. Um cara espetacular�, emociona-seChico Vasconcelos, que depois do declínio e término d�Os Brasinhas continuou na carreira demúsico até hoje, com a volta da banda.�Eu quase não parei depois que eu saí dos Brasinhas, dosMetralhas, de 68 pra 69 eu ainda fundei a banda �Os Lords�. E aí, quando chegou 72, a Jovem

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Guarda já tava perdendo a força... Eu passei a tocar na noite, voltei aos ritmos antigos, tocavabossa-nova, bolero... e não parei, não cheguei a parar, não. Parava assim um ano, um ano e meio,mas não resistia... Eu sempre gostei de tocar e eu toquei, e até hoje eu toco�, expõe Chico. Eassim, cada caminho foi seguido por cada um da banda. José Ernesto continua sendo funcionáriopúblico estadual do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí; Paulo Vasconcelos ainda é cirurgiãodentista e professor de Radiologia da UFPI,Assis Davis ainda descansa em paz,ChicoVasconcelospermanece no seu trabalho de funcionário público estadual, assim como Sidney Castelo Branco,e,por fim, Getúlio vai aposentado. Com revivals e retornos constantes, a formação flutua e varia,mas a original ainda está por aí. Ícone imóvel no tempo.

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Geraldo Brito depois de ter sido apresentado ao Jazze à Mpb. Seu início, no entanto, foi no rock.

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É como diz a música versada assim...�Um baú vai ser achado,a sua estrela renascerá�, do contem-porâneo grupo Mombojó, de Recife... E foi desse jeito que as coisas se sucederam. Depois do�legado�, ou dos caminhos abertos pelas mãos d�Os Brasinhas, o rock teresinense começou acolher sua fragrância por aí, pescando influências de todos os cantos possíveis, de onde a informa-ção chegava.

A demora para o acesso a essa informação estava maior, com uma ditadura convidando,gentilmente, algumas moças e rapazes produtores de conteúdo a visitarem outros países e por láficarem. Quem ia por vontade própria, e voltava, trazia na bagagem todo o conteúdo cultural daexplosão do rock, da literatura e do cinema que estava acontecendo por lá depois das nossasfronteiras, já que ter acesso a partir daqui era muito mais difícil.

Ou, no mínimo, quem daqui ia ao fabuloso centro cultural que era o Rio de Janeiro naépoca ficava sabendo de tudo. E se conseguisse largar a turma do píer de Ipanema, recheava abagagem com discos dos artistas nacionais mais consagrados da época, além de seus gurus inter-nacionais.Tudo muito misterioso, não? Bom... É preciso, então, contar a história direito.

A sua estrela renasceráA sua estrela renasceráA sua estrela renasceráA sua estrela renasceráA sua estrela renascerá

Para ler ouvindo Janis Joplin � Summertime

[ou O início do reinício]

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Ainda quando Os Brasinhas eram os senhores de tudo e de todos no rock teresinense, navirada de 66 para 67, e esse movimento se prolongou até os idos de 1972, quando a principalbanda minguou, aconteceu o rebento de um movimento musical transcendental e ultrajante, empleno outubro de B-r-o-bró emTeresina. Era aTropicália. Curiosamente, esse movimento poucoinfluenciou a nossa feitura roqueira, já que a mistura do fino e do brega, do iêiêiê com o bumba-meu-boi,da guitarra com o atabaque,não foi bem sentida aqui, funcionando como um transforma-dor dos artistas mais voltados à regionalidade da coisa-tropicália, ao invés de quebras de barreirase intersecções de linguagens. Duma forma mais direta, a Tropicália levou os regionais deTeresinapara um lado mais regional, e afastou os roqueiros daqui da mistura proposta pelo movimento.

Mas consideremos sempre a demora das coisas na vida da �Therezina� da época. Nascidapara a vida e morte sempre urgentes, aTropicália demorou demais para reverberar até aqui, e sóchegou quando já tinha acabado no plano nacional, como a luz de uma estrela que morre, e quechega até nós enquanto a estrela já definhou. Eram mesmo anos-luz de distância.O mais necessá-rio de se notar é que o Movimento daTropicália alterou profundamente o modo de fazer músicano país, e abriu espaço para artistas mais psicodélicos darem suas caras por aqui. Foi aí que agalera de fora, e daqui, pirou ao som de Jimi Hendrix, Janis Joplin, Rolling Stones, Pink Floyd,Genesis, Led Zeppelin.

Então,dois caminhos eram bem distintos nessas novas páginas do rock teresinense.Um erao caminho do regional, que se destacou e fez valer a sua voz, mas que era dissidente do rock,voltando-se para o lado mpbístico da manifestação tropicalista. O outro era o lado visceral dorock�n�roll, que se amalgamou com as guitarras mirabolantes e berrantes da porção rock�n�roll docaldeirão da Tropicália, encarando a coisa como �it�s only rock�n�roll but we like it�.

Nesses dois caminhos, alguns nomes se repetem, e alguns são bem intrínsecos a cada parte.Do lado do regional estão Geraldo Brito,Anna Miranda,Rubens Lima,Laurenice França,Cruz Neto,dentre vários outros. Esses têm pequenas colaborações para o lado rock, que se complementariacom a participação de Durvalino Couto, Edvaldo Nascimento e Edino Neiva. Esse trio seria oalicerce-mor do rock na CidadeVerde e, por sua relação maior com o ritmo do 4x4 [curiosamenteo formato menos usado nos rocks na época], serão também o cerne dessa parte do livro.

Na virada da década, muitos artistas debandaram para o sul do País à procura do �vamosver o que acontece�, tentando se firmar como artistas e instrumentistas de renome. Dentre osmuitos, os que melhor se destacaram foram Renato Piau, guitarrista;Chico Louco, baixista; e Lena

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Rios, cantora [que recebeu letras deTorquato para seu disco, Sem Essa Aranha, de 1972]. Muitosoutros foram no levante,mas forçando os que aqui ficaram a preencher uma lacuna de produtivi-dade e criatividade. Essa manifestação acintosa de produtividade criativa teve um nascimentoextemporâneo,mas quase coletivo.As duas vertentes da música esperaram até 1973 para coloca-rem as caras na rua e mostrarem o que vinham fazer aqui. Essa data foi a mesma do nascimentodo Festival Universitário, realizado na Universidade Federal do Piauí, e que abria espaço para asmanifestações culturais do local. Assim, nesse festival encontraram-se as duas turmas, ou pelomenos partes delas, [e] que não se consideravam turmas, mas gentes de pensamentos parecidose vontade de fazer música.

Quem começa a contar essa história é Durvalino Couto,hoje publicitário,mas baterista demãos cheias.�Em 1973/74, eu, o Edvaldo e o Edino Neiva fizemos o primeiro grupo de rock quelevava o nome de �banda�. Foi a Banda da Cidade Verde, que se apresentou apenas umas três,quatro vezes,mas foi um verdadeiro furor.A rapaziada enlouqueceu e daí nós nunca mais paramosde tocar.O pessoal pioneiro não se interessou em desenvolver autoria. Foi a minha geração, eu eEdvaldo, que começamos a fazer música própria�, explica ele, de forma breve.

A forma dessa primeira banda, que teve um caráter mais psicodélico e de produção dematerial próprio, estava completamente inspirada em bandas como Pink Floyd e Led Zeppelin.Representantes de uma outra turma, de uma outra forma de expressão e, acima disso, de outraforma de justificar o envolvimento com o rock, a barra pesou muito mais para eles que para ageração passada, na qual a Ditadura não via mal algum.

Face ao surgimento de músicas desafiantes,da vontade desses artistas de chocar e dizeremo que pensavam, a Polícia Federal finalmente teve algum serviço por essas terras. Informaçãodifícil de ser arrancada de Edivaldo Nascimento, de nascença, ou Edvaldo Nascimento no batismoartístico.Ainda envolvido com o rock nas suas mais diversas formas, tanto empunhando a guitarraquanto organizando shows, foi nesse clima de promoter que tentei entrevistá-lo. Por mais de trêsvezes ele me escapou por pouco, em meio a reuniões e compromissos. Por fim, durante umgrande evento de música pop na cidade, consegui arrancar dele uma entrevista, em meio a toda aconfusão que era o show de uma banda carioca no palco logo à nossa frente.

Se no samba, Julinho da Adelaide [pseudônimo de Chico Buarque] quebrava a cabeça daditadura com suas composições dúbias e ambíguas, aqui nessas ermas terras as composições deartistas sem pseudônimo davam trabalho para passar pelo crivo das autoridades da época.�Quan-

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Led Zeppelin

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do a gente ia tocar, as músicas tinham que passar pela censura,mas com a gente nunca aconteceude ficar música vetada, graças a Deus... Mas teve uns amigos nossos, como o Cruz Neto e opróprio Naeno, que tiveram músicas que foram censuradas naquela época e que foram vetadasem apresentação no show. Às vezes por bobagem, uma frasezinha... Porque aquele era um mo-mento muito delicado que a gente tava vivendo, né? Fim de Ditadura, começo de abertura demo-crática... Então, foi muito doloroso esse período. E muito rico também, porque a gente tinha quepassar uma mensagem, tinha que dizer uma mensagem�, lembra Nascimento.

Essa necessidade de mensagem levou a um aprofundamento da possibilidade poética, já queos artistas tinham que esmerar seu discurso para que ele passasse ileso pelo pente fino daditadura.�Nós fomos precursores desse movimento... Então, as pessoas ficavam admiradas com abeleza poética que tinha o nosso trabalho, que não era uma coisa assim �boba�, era uma coisa quetinha uma mensagem. Mas era com essa mensagem que a ditadura encucava e teve uma músicaminha que falava assim �No meu sangue,Adrenalina�...Aí os militares queriam saber, na época, quehistória era essa de adrenalina... E a gente disse que �não, adrenalina é aquele medo, assim quandoum cachorro corre atrás de você e você sente aquela coisa�.Aí foi que o cara liberou porque elepensava que adrenalina era coisa de sexo, mas nada a ver�, conta.

E, aí, era hora de desbravar tudo, todos os espaços. E no festival de música que a UFPIpromoveu, alguns nomes já se destacavam. �Eu lembro que nesse festival algumas pessoas jáapresentavam um material próprio, já vinha o Edvaldo Nascimento com as músicas dele, eu tam-bém já trabalhava algumas coisas, o Cruz Neto. Mas o que mais me chamou a atenção foi aparticipação do Edvaldo,que chegou meio tímido e,no ano seguinte, já estava com outras músicaspara apresentar�, conta Geraldo Brito, destaque da época também.

E assim como nos festivais nacionais, em que aTropicália não era bem aceita pelos defenso-res da MPB tradicional, músicas que fugiam à proposta regionalista também não eram aceitas debraços abertos aqui na capital.�Tanto que aqui tinha até uma geração minha com a galera que eracom músicas mais trabalhadas, tinha outra que era com música mais rock, com acordes maissimples. Lá no sul tinha espaço pra todo mundo, mas aqui acabou gerando aquelas brigas defestivais e brigas com esse negócio de �O que vale é o som regional, esse outro não está com nada,com guitarras� aquela briga�, confidencia Geraldo Brito, um dos poucos que transitava entre osdois estilos. Mesmo com esse levante regionalista, não existia uma disputa como aconteceu nopróprio Rio, de passeatas e manifestações contra a guitarra elétrica.

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No ano seguinte,em 1974,o festival se repetiu e,no fim dessa edição,que teve participaçãode gente comoViriato Campelo,Lázaro,Laurenice França,Maria da Inglaterra e Rubens Lima, comas músicas já em ponto de bala, foi formado um dos grandes marcos da música autoral desseprimeiro decênio do rock teresinense. Numa abordagem mais tropicalista, por essência e identi-ficação, surgiu o grupo Nortristeresina.

Esse grupo-espetáculo Nortristeresina trazia, além das composições de Laurenice França,Geraldo Brito, Rubens Lima, Lázaro e Pierri Baiano, inserções de textos de Osvaldo deAndrade,Torquato Neto, Cassiano Ricardo,Chacal e Meneses de Moraes.Numa divulgação impressionan-te, o Nortristeresina chegou ao II Festival Aberto de Londrina, no longínquo Paraná, ainda em1974. O único problema é que a platéia queria escutar repente, cordel e violada, se deparandocom um trabalho mais elaborado para o lado do regional. Mesmo com essa supressão de expec-tativas, o show foi muito bem recebido, mas teve vida curta na volta a Teresina.

Ao retornarem, o que era Nortristeresina virou Showpiau. Não foi bem uma transforma-ção,mas sim uma inspiração, uma continuação.�Surgiu um movimento aqui emTeresina chamadoShowPiau, que era um show que acontecia ali no Auditório do Herbert Parente Fortes, que ficaali onde era o antigo DNER, na Avenida Miguel Rosa. Enfim, era uma coisa que se tornou ummovimento cultural daquela época, para as pessoas mostrarem o seu trabalho, tocar músicas desua própria autoria�, expõe Nascimento.

Criado por Arnaldo Albuquerque, José Raimundo Machado, Fred Maia e Jorge Rizzo, tevesua estréia no Bar do Perninha,que ficava na rua Coelho de Resende,em 1975.A estrutura do barera muito limitada, e o show foi logo transferido para o auditório Herbert Parente Fortes, até areinauguração doTheatro 4 de Setembro, que aconteceu em março do mesmo ano.

O interessante do Showpiau era a forma como ele funcionava, se transmutando numamostra de compositores, com diversos artistas passando pelo palco do tal auditório.Anna Miran-da, José Rodrigues, os participantes do Nostristeresina e a Bandinha da Cidade Verde. E aqui ashistórias se cruzam e se separam.Depois do Showpiau noTheatro 4 de Setembro em 75,cada umdos participantes foi para o seu lado, com uma mistura bem mais regional, não abordada dentroda proposta desse livro.

Após essa separação, a Bandinha da CidadeVerde continuou sua história, mesmo que porpouco tempo. �A gente começou a fazer um trabalho de não-cover, vamos dizer assim, mas detentar compor e mostrar isso para as pessoas, por volta de 75, por aí.As pessoas ficavam malucas

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com toda aquela guitarra distorcida, elas achavam assim uma loucura...�, explica Nascimento.Cheia de ironias, essa banda tem uma trajetória que se inicia com ensaios nos fundos do 2º

BEC (Batalhão de Engenharia e Construção do Exército), incrustado nos limites da zona norte deTeresina. Embora fosse a �boca do leão�, não se podia escolher muito onde ensaiar naquelestempos de 72 em diante. Se Os Brasinhas, e as outras bandas subseqüentes da primeira leva dorock teresinense, se viravam com as garagens das casas para ensaiar, com a nova turma não eramuito diferente.�Era muito difícil fazer música emTeresina. Não tínhamos acesso a bons instru-mentos e ensaiar era uma loucura. Havia a lei protecionista e burra do similar nacional, então,comprar uma bateria Tama ou uma guitarra Fender Stratocaster era quase impossível para asnossas condições. O pessoal mais antigo (Brasinhas, Metralhas, etc.) ensaiava na casa de um e deoutro, em garagens, etc. Muitas vezes também eles conseguiam ensaiar nos clubes sociais ondetocavam bailes e tertúlias�, situa Durvalino.

Mas se o protecionismo nacional atrapalhava os roqueiros locais e a falta de locais paraensaio era bem resolvida pela galera da Jovem Guarda, o mesmo não se pode dizer dos rapazesque vinham começando a mostrar o rock por aqui no início da década de 70.�Eu,Edvaldo e Edinochegamos a ensaiar por várias vezes lá nos fundos do 2º BEC, nos instrumentos de um conjuntode baile que o BEC mantinha e que se chamava BEC Boys. Quem conseguia a autorização eraEdino Neiva, que tocava no conjunto.Me lembro que eu e Edvaldo (Edino era careta) fumávamosum e depois adentrávamos o BEC com os olhos injetados e nossos cabelos enormes. Os soldadi-nhos ficavam amontoados à porta da garagem e ficavam olhando e ouvindo a gente mandar ver.Era uma loucura, porque isso foi no auge da ditadura militar. Inacreditável�.

O discurso poético de Durvalino Couto pode dar a impressão de que ludibria o querealmente acontecia na época,mas, na verdade, traduz uma parte do que tudo aquilo foi e repre-sentou. Os espaços eram limitados, não havia estrutura, nem física para os ensaios, nem instru-mental, como o próprio músico declarou.

Mas essa questão do aproveitamento de espaços e de espaços disponíveis para ensaios eshows se deu por outros fatores afins. O Theatro 4 de Setembro necessitava urgentemente deuma reforma, pois já apresentava vários problemas, como o de estar bem aquém do que poderiaoferecer de verdade, em termo de estrutura. De acordo com o professor Cineas Santos, ascondições do 4 de Setembro eram bem precárias. �O Theatro 4 de Setembro estava um lixo,cadeiras quebradas, era um cinema velho, poeira, o pior cinema de Teresina funcionava ali, e as

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pessoas iam assistir a show lá,mas era muito ruim,muito desconfortável, não tinha ar condiciona-do, era um lixo, um pulgueiro, a despeito disso as pessoas iam�, conta ele.

Além do Theatro, existiam espaços como a Concha Acústica de Teresina, que tambémpassou por maus bocados. �Aquela concha acústica ficou inútil em Teresina, subutilizada, e naépoca era um espaço muito bom�, questiona Cineas. Mas essa busca por novos espaços paraapresentar material e composições levou a locais mais distantes do centro da cidade, que nãopoderia ser [nem deveria ser] unanimidade no quesito cultura.�No fim da década de 70,o ParquePiauí se transformou num pólo cultural com festivais, havia depois no Cristo Rei, um centro comteatro, com cinema, havia outros pólos�, coloca o professor.

Essa análise dos locais Cineas Santos tem bem fresca na memória,mas quando a questão éabordar a forma como esses espaços estavam sendo aproveitados, ele já se mostra distante.�Curiosamente, na década de 70, eu não estava mais ligado em música, eu estava mexendo comliteratura, outras coisas e não acompanhei bem o que estava acontecendo, mas tinha aí umascoisas, o Durvalino junto com o Edvaldo Nascimento, já era um pouco do reflexo da influência doTorquato Neto, mas eu não acompanhei bem esse período�, revela.Tinha mais gente também.

Hoje administrador de empresas, músico, professor de música, violonista, Geraldo Britocomeçou com os dois pés fincados no rock.�Eu me lembro quando eu toquei numa guitarra pelaprimeira vez. Foi uma experiência, assim, fantástica. Durante muito tempo eu quis ter a minhaprópria guitarra,mas só depois de muito ver ensaios e ir, foi que eu tive como tocar numa guitarrapela primeira vez�, lembra ele,mesmo não sabendo precisar a data.No entanto, a atenção dada aorock�n�roll foi limitada quando Brito esbarrou com a música popular brasileira e o jazz.Ao ouvirartistas como Baden Powell, Gil,Tom Zé e Caetano, um novo horizonte se abria diante dele.

�Eu larguei ali a Jovem Guarda um pouco e fui ouvir um violonista chamado Baden Powell,o disco dele me interessou e eu comecei a descobrir os acordes dissonantes,aí fui crescendo e fuienriquecendo muito, colocando em arranjos que a gente fazia, ouvindo essa coisa também que aGal estava fazendo�, contextualiza, citando a fase pós-Tropicália da artista. Esse �a gente� a queBrito se refere está diretamente ligado a todo o grupo que fazia parte da música regional deTeresina, participava dos shows coletivos noTheatro 4 de Setembro e em outros espaços, e que,assim, já se distanciava do rock.A outra ponta do caminho continuou a dar seus passos, semprecomprometida com um caráter mais ligado ao rock.

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Gilberto Gil

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Proposto para contar a história dos primeiros dez anos do rock teresinense, de 1966 a 1976,essas páginas carregam tudo que o tempo, as drogas [sejam elas quais forem/foram] e as ocupa-ções da vida de �gente grande� não apagaram. Isso é muito importante que seja dito. Da mesmaforma que é imprescindível dizer que estamos em 1974. E algumas coisas aconteceriam até o fimdesse período de 10 anos.

No cenário rocker mundial, artistas dos mais diversos estilos lançavam obras primas. Emalguns casos, havia artistas em entre safra, como o Pink Floyd, que estava de recesso depois dolançamento de Dark Side of the Moon, de 1973; eWish youWere Here, de 1975. Outro grupoprogressivo que lançou disco nesse ano foi a bandaYes, ao liberar no mercado o álbum Relayer.Estes artistas, dentre vários outros, influenciavam no tipo de som que os rapazes da segundageração rock teresinense queriam.

Na música popular brasileira, que se reformulava à força, abrindo espaço para os artistaspós-tropicálica que conseguiram se sustentar em meio ao fim do levante artístico, o ano de 74vinha farto. Nesse ano, Gal lançou o disco Cantar, uma virada em sua carreira. Num ano de larga

TTTTTeu pai nunca mais faloueu pai nunca mais faloueu pai nunca mais faloueu pai nunca mais faloueu pai nunca mais falouShe�s leaShe�s leaShe�s leaShe�s leaShe�s leaving homeving homeving homeving homeving home

Para ler ouvindo: Pink Floyd �WishYouWere Here

[ou O passado é uma roupa que não nos serve mais]

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produção, o disco de Gal não nasceu sozinho. Junto com ele vieram os discos de Gilberto Gil,BaratoTotal, e na tríade maior do movimento tropicalista,Caetano lança umTemporada deVerãoaoVivo na Bahia, com a participação de Gil e Gal.

Essa efervescência pós-tropicalista na música popular brasileira refletia-se aqui com a mes-ma demora que a Jovem Guarda levou para chegar aos nossos ouvidos. Com uma significativadiferença. Não bastasse ser rock, não bastasse chegar atrasado, não bastasse ser tudo o que era,a produçãoTropicalista e a que veio depois do movimento era visada com muito preconceito nacidade deTeresina.�No meu 1º show de rock,que foi super amaldiçoado aqui, foi assim um terror,um terror.Todo mundo achava aquilo um absurdo,os filhos das chamadas �boas famílias� se fossemeram muito escondidos, entendeu? Não manifestavam nenhuma atração, mesmo que gostassemdaquilo, coisa que era caracterizada como rebeldia, né? Que isso é característica do jovem, masnão se demonstrava�, afirma, veementemente, Marco Vilarinho sobre o primeiro show em queesteve.

A pouca demonstração pública ficou escondida debaixo de algum véu. Essa é a conclusãoque se pode tirar dos depoimentos colhidos com os entrevistados.Nas palavras de Geraldo Brito,Durvalino Couto e Edvaldo Nascimento, três dos vários que formaram o rock teresinense pós-jovem guarda e pós-tropicália, órfãos de expressões outras, mas primos do psicodelismo estran-geiro,os shows no auditório Herbert Fortes foram apenas o começo de um estouro difícil de nãose escutar. Mesmo debaixo de um véu.

Quem garante, ainda, é Marco Vilarinho, ao lembrar da forma como as pessoas se valiampara freqüentar o 4 de Setembro.�Lá [Theatro 4 de Setembro] tinha essa abertura, só que quemfreqüentava era muito mal visto, era muita pouca gente que ia ao teatro naquele tempo, o teatropassava praticamente o ano inteiro fechado porque não havia agenda. Então, havia um showzinhoou outro,mas tudo muito,muito quase fundo de quintal...Assim, sabe?�, explica um quase injustoVilarinho, ao analisar friamente a realidade vista por ele. Esse véu declarado também alimentavaoutras necessidades, como precisar se esconder atrás de versos enigmáticos para que só osiniciados, e não a Polícia Federal, entendessem a verdadeira mensagem.Nem sempre funcionava,mas...

�Mas as pessoas que estavam vivendo aquela coisa sacavam o que você tava falando. Entãofoi um momento legal, cara. Eu acho que a gente tem que viver cada etapa, cada momento da suavida é importante, tem que ser bem vivida, vamos dizer assim. E além de ser bem vivida, você tem

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que explorar aquilo do momento�,manda um corajoso Edvaldo Nascimento, sobre a necessidadede enfrentar o novo.

Durvalino Couto era um que queria viver de música.Antes de escolhê-la como seu ganha-pão, sabia que ela era seu refúgio maior. Nascido numa casa musical, com os irmãos escutandoElvis e similares, foi com um sentimento ainda hoje não digerido em palavras que ele viu na músicaum alicerce. �Quando eu tinha uns 15 anos surgiu em minhas unhas (dos pés e das mãos) umamicose que provocava até mesmo a queda das unhas.Tive que fazer um demorado tratamentocom vários remédios, inclusive um de uso tópico que era marrom! Eu vivia com as mãos nosbolsos e pelos cantos. Já imaginou? Um carinha novinho e com as unhas pintadas? Daí que eu iapara os bailes e ficava perto do conjunto, com as mãos nos bolsos. Foi assim que, observandoatentamente, aprendi a tocar bateria, que é até hoje o instrumento da minha paixão e da minhavida�. O início, poético se não fosse parcialmente trágico, abriu portas para encontrar os seus.Com datas perdidas na memória e nos anos,Durvalino encontrou Edvaldo Nascimento, na épocaainda Edvaldo Nascimento.�O nome do cara é Edivaldo, com o �i� no meio. Eu que tirei o �i� praficar mais eufônico. Edvaldo.Me arrependo, devia ter tirado tudo e o nome artístico dele seria EdNascimento, não acha?�, brinca o hoje publicitário Durvalino.

Esse encontro,que aconteceu depois de 1972, já mostrava um Edvaldo Nascimento influen-ciado por Mutantes e pelo ecletismo de Assis Davis, um dos principais incentivadores do seuinício na música. Irmão de Paulo e Fernando Chaves, componentes dos Metralhas, Edvaldo, aindacriança, teve contato direto também com os artistas d�Os Brasinhas, e dentre eles,Assis Davis.�Ele me encorajou a aprender a tocar guitarra, disse que eu tinha talento,que seria um guitarrista,que podia fazer minhas coisas. Foi um cara que me fez crescer bastante�, relembra ele, saudoso.Quando se deu o tal encontro entre Durvalino e Edvaldo, um tinha a vontade de tocar e o outroo conhecimento. Juntaram tudo com a oportunidade que a Jovem Guarda já dava a outros estilose colocaram o bloco na rua.

Mas o bloco precisava de calma.Um rei acabava de ser deposto, outro pretendia seu lugar.A transição, pacífica, revelou levantes de resistência em alguns momentos, logo dissolvidos pelapressa com queTeresina crescia.�[O iê-iê-iê acabou] devido à decadência natural da Jovem Guar-da.Teresina começou a crescer e aqueles bailinhos de fim de semana, tertúlias (e radiola na casada namorada) já não estavam com nada.ATropicália acabou de botar a pá de cal na caretice e orock internacional invadiu de vez e tomou conta da galera. Começou-se a ouvir outras coisas

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Edvaldo Nascimentocomeçou sua carreira norock durante os anos 70 eé um dos poucos que semantém fiel ao estilo atéhoje.

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além de Beatles e Rolling Stones. Surgiram TheWho, Led Zeppelin,TenYears After, Cat Stevens,Jimi Hendrix, Janis Joplin,Yes e todo o rock sinfônico de Gênesis,Uriah Heep e milhares de outrosgrupos. No Brasil, começaram a despontar figuras além de Chico, Caetano, Gil. Coisas comoMutantes, Luiz Melodia,OTerço, o rock nordestino deAlceuValença, o rock paulista de Rita Lee,Placa Luminosa, etc�, exemplifica o ainda hoje músico Durvalino Couto.Tudo isso serviu de ele-mentos para a fundamentação da forma de compor o repertório e o material de suas primeirasapresentações, que ainda vinham calcadas nos covers. �Nas primeiras apresentações fazíamoscover de Deep Purple, Grand Funk Railroad, Black Sabath, etc. Nas últimas apresentações, lança-mos a primeira música que compus com Edvaldo, que era uma marchinha de Carnaval que fize-mos e foi cantada no Carnaval daquele ano por um bloco de doidões do Marquês.A marchinhasugeria que enrolávamos baseados com o papel fininho que era usado como saco das legendáriasPipocas Oriental, de saudosa lembrança. Na época era fácil enrolar um na rua, porque a cidadetinha saquinho de Pipoca Oriental em todo lugar�, segreda ele.

A vontade de fazer suas próprias músicas, por sua vez, não surgiu como urgência artísticacomo se pode supor. A barra teve que ser forçada para que o receoso Edvaldo Nascimentomusicasse os versos de Durvalino e os colocasse à prova dos olhos dos que lotavam as apresen-tações no Herbert Fortes.�Eu forcei muito a barra. Daí o Edvaldo viu que podia musicar minhasletras e começou a gostar. Fizemos uma caralhada de porcaria até começar a acertar com �Minase Minas�,�Mistério do Planeta�,�Cerol na Linha�,�Ulisses� e muitas outras�, enuncia Couto.�Porquefoi todo um processo, vamos dizer assim,de amadurecimento daquela época,pela própria influên-cia do Torquato, né? Porque o Torquato vinha passar as férias aqui em Teresina e trazia muitainformação. Jimi Hendrix, Janis Joplin, eu tive conhecimento do trabalho desses artistas através doTorquato. E ele já era compositor naquela época, já fazia parte do movimentoTropicalista com oCaetano, o Gil. E ele falava que a gente tinha que tocar nosso trabalho, compor, fazer músicaprópria, e foi a partir disso que o Durvalino foi partindo dessa conscientização, partindo doTorquato que a gente começou a fazer um trabalho de não cover, vamos dizer assim, mas detentar compor e mostrar isso para as pessoas�, fundamenta Edvaldo.

Ainda assim, com um vigor diferente, a banda acabou-se, assim, por acabar. �A Banda daCidadeVerde fez apenas três ou quatro apresentações. Isso é que é interessante porque o que elacausou é infinitamente maior que a sua atuação de fato. Na época, nenhum de nós tinha instru-mento próprio. Edino tocava nos instrumentos do conjunto de baile BEC Boys. Edvaldo não tinha

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guitarra nem eu bateria. Esse é o motivo maior da irregularidade da banda em se apresentar.Achoque ensaiamos mais do que nos apresentamos e quem mais nos assistiu foram os soldadinhos doBEC... Não sei ao certo,mas acredito que tudo isso aconteceu entre o fim de 1972 e meados de1973�, explica Durvalino. Isso explica a falta de registros fotográficos da banda, que foi efêmera,mas marcante.

Um lugar do caralhoUm lugar do caralhoUm lugar do caralhoUm lugar do caralhoUm lugar do caralho[ou Como se faz um show de rock?]

Pressões à parte, depois de muito ralar com as composições próprias, as viagens e os ensaios,depois de dividir palco e atenção com outros artistas que faziam parte do cast dos shows noHerbert Fortes e noTheatro 4 de Setembro e, ainda, com o fim da Bandinha da CidadeVerde, foia hora e a vez de um Edvaldo Nascimento, já em �carreira-solo�, se mexer para conseguir umholofote só para si.A disputa não era apenas por reconhecimento ou fama, mas por um espaçodedicado apenas a ele, mesmo com o acompanhamento de uma banda composta para esta novaetapa. Assim, o show que aconteceu no Theatro 4 de Setembro foi o primeiro que pode serchamado verdadeiramente de �show de rock� em Teresina. �Fizemos o primeiro show-solo deEdvaldo Nascimento, o �Cerol na Linha�, e foi o primeiro show da minha geração a lotar o 4 deSetembro por dois dias.A nossa banda já era formada por Robert,Carlim e Quinha na percussão,sendo estes dois últimos irmãos. O Carlim tocava um puta baixo nos Cartolas, conjunto doempresário Magalhães. O Robert tocava guitarra-solo junto com o Ed�, lembra Durvalino. Comessa formação, e com o show à vista, a idéia era ensaiar. Mas onde?

�O Carlim conseguiu com o Magalhães que a gente ensaiasse e tocasse nos dias do showcom os instrumentos dos Cartolas, que era um conjunto de baile. Era o único de Teresina quetinha baixo e guitarra Fender, bateria Pingüim, mas adubada e com pratos Zildjan e ainda umsintetizador Moog.Fomos os primeiros a fazer show usando essa parafernália.Bom,o show foi noTheatro que, nessa época, era bastante acessível à galera. Depois veio o bar Nós e Elis, do EliasPrado Júnior, que morreu precocemente,mas foi um nome importante para a noite e, conseqüen-temente, para a música de Teresina�, lamenta Durvalino.

E dá-lhe ensaio. E dá-lhe show marcante na vida desses dois amigos. �E a partir dali eu

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comecei a tocar sempre as minhas músicas, sabe? As pessoas perguntam:�pô, por que tu não fazuma banda pra tocar modismos da época?�, e eu respondo: �porque não, cara, porque é meutrabalho�. Sofri muito e sofro muito por isso, porque normalmente quando você tenta tocar suasmúsicas as pessoas não entendem muito. Eu sempre primei por tocar sempre as minhas compo-sições, tanto é que eu quase não faço �noite�, essas coisas de noite porque você abdica um poucode tocar o seu trabalho e eu sempre primei pelas minhas coisas�, ensina Edvaldo Nascimento.

Essa primazia em relação ao material próprio criou identidade e resistência. Com o passardos anos, e a chegada da década de 80, os espaços foram se fechando para o rock, ainda mais umrock autoral.Quando era a hora de começar a tocar, depois que oTheatro ficou lotado e que deuvontade de tentar mais, de ousar mais, de ir mais longe, para outros centros, outras praias, a novaconstante foi de portas se fechando...

�Queria viver de música,mesmo.Queríamos.Fizemos uma banda de baile,a SomNascente:eu, Edvaldo, G. Brito, Márcio Menezes na flauta,Teotônio no sax e Janete Dias cantando. [E comela] fizemos algumas festas legais no Círculo Militar para o Colégio Diocesano. Uma vez, numadessas festas, tocamos aquela música da Baby Consuelo � �Você pode fumar baseado / baseado noque você pode fazer quase tudo...� � e o presidente do Clube queria prender a gente, foi umescândalo. Edvaldo tentou o Rio. Eu morei em São Paulo por três anos. Edvaldo chegou a fazeruma banda com um filho do Erasmo Carlos. Eu em São Paulo me dediquei mais a um trabalho deteatro de vanguarda. Mas somos muito ligados a isso aqui, eu não agüentei três anos e vimembora. Queria viver de arte de uma forma geral, tanto assim que abracei também a causa doteatro e fiz bastante teatro, aqui e em Sampa. Mas cidade grande é foda, meu�, entrega um resig-nado Durvalino.

As perspectivas para essa música feita aqui seguem outras tendências hoje, e um fatorpreponderante é a sorte.�Até hoje é difícil sobreviver de música emTeresina.As portas não estãofechadas, o mercado é que é pequeno. Os meninos da Banda Acesso têm um público muito fiel,mas é pequeno.As rádios daqui sabotam e não tocam a rapaziada. Eles querem jabá... Imperam aburrice e a pequenez de idéias.OTeófilo faz é tempo que diz que vai tentar lá fora.Espero que elevá.O Rubinho está em Sampa,o Mirton também,mas já virou publicitário.A guerra lá é foda,meu.Mas é importante tentar�, diz Durvalino, dando sua acalorada opinião.

Nessa discussão de espaços ou não, de homenagens aAssis Davis no Piauí Pop, de conquis-tar espaços, respeito, lugar, de poder tocar, de fugir da ditadura militar [mais sobre isso no próxi-

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mo capítulo], aconteceu a oportunidade de Edvaldo Nascimento e Durvalino Couto dividirem osmesmo palco, com a banda Dinos, de formação composta por artistas da segunda geração damúsica popular piauiense, como os dois já citados,mais Machado Júnior e Roraima.As apresenta-ções aconteceram não só no Piauí Pop de 2004 e 2005, onde a banda foi lançada,mas em outrosespaços, como na comemoração do Dia do Rock de 2005. O som, no entanto, parece ser muitodiferente do que foi a construção da Bandinha da CidadeVerde, e acontecem inserções de poesiae repertório baseado nas canções de Edvaldo Nascimento, um típico rock teresinense.

Essa continuidade no trabalho musical chegou apenas a Edvaldo Nascimento,que, somenteem 1995 lançou seu o primeiro disco-solo, chamado �Pedra Base�. Em 2000, lança o cd �CoraçãoQuente� e em seguida seu segundo cd �Eu sou todo escuro e sou o clarão�. Novas manifestaçõesdo rock teresinense só insurgiriam na década de 80, depois do primeiro Rock in Rio, em 1985.Mas isso já foge da nossa alçada. É um próximo passo.

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Durvalino Couto canta na banda Os Dinos, que uniunovamente Edvaldo Nascimento e o poeta cantor.Aqui, tem-se o artista em apresentação durante oPiauí Pop, em 2005.

acervoJornalODia

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A situação enfrentada por essa geração, no período dos primeiros dez anos do rock teresinense,assemelhava-se ao comportamento de guetos que os grandes movimentos musicais tiveram noinício da história da música jovem. A black music, o jazz, o soul, o rock e o blues eram todosmarginalizados. E dentro dessa cultura de gueto, as manifestações chamavam a atenção numarelação diretamente proporcional com o tipo de reação que causavam na sociedade.�Era tudo nasurdina.Cabelo grande você não usava no colégio,usava cortado,não podia usar cabelo grande nocolégio. Além dos colegas, que eram de famílias mais tradicionais, os próprios pais diziam queaquilo era coisa do demônio. Cabelo grande, essas calças muito coloridas, camisas que a genteusava muito na época. Eu cheguei a usar quando meu pai viajava, era uma camisa toda quadricu-lada, com um bocado de babado, entendeu? A gente usava, mas, quando ele chegava, aí tinha queesconder, jogar fora, alguma coisa assim�, explicaVilarinho. Essa limitação da estética e da musica-lidade parece que fez florescer a vontade de fazer mais.

1974 foi o ano do segundo festival de música da UFPI, ano de surgimento de diversosartistas, e ano da continuação do preconceito contra a juventude roqueira.As razões, no entanto,

Desde que eu tDesde que eu tDesde que eu tDesde que eu tDesde que eu tenhaenhaenhaenhaenhao Ro Ro Ro Ro Rococococock�n�Rk�n�Rk�n�Rk�n�Rk�n�Rollollollolloll

Para ler ouvindo: Jorge Ben � Porque é proibido pisar na grama

[ou O mundo é um moinho]

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pareciam ser diferentes agora. É certo que o preconceito nunca deixou de existir, desde o iníciod�Os Brasinhas, em 1966, até o fim dessa década, e estranhamente, até o fecho de um ciclo, em1976. Mas o preconceito passou a assumir outras formas, e a ditadura em voga e bem atuanteachou um novo alvo ao seu alcance aqui emTeresina.

�Claro que sempre houve aquele tipo de gente para quem o rock�n�roll era uma coisademoníaca e que induzia os jovens ao comportamento agressivo, ao sexo e às drogas. O Rockmudou a maneira de ouvir música, porque ouvia-se rock, no geral, BEM ALTO! Totalmente loud.Havia muito preconceito quanto a tudo que veio a seguir, cabelos longos, roupas loucas,maconha,sexo e pílula anticoncepcional. Foi mesmo uma revolução planetária de costumes.Houve repres-são, alguns enlouqueceram,os pais mandaram para os hospícios,mas depois a coisa foi relaxando,foram nascendo netinhos�, ironiza Durvalino. A bem da verdade, é preciso que se diga que aprimeira geração do rock teresinense não �arrumou confusão� com as autoridades.

A estréia na �vida bandida� foi com a segunda leva de roqueiros. �De vez em quando umdançava. Dançava em casa, a mãe, o pai encontrava maconha, pílula na bolsa ou na mochila, essesbaratos. Ou dançavam na polícia, aí a coisa era mais feia, porrada, tapa na cara, telefone, e, emalguns casos extremos, tortura braba. Eu e mais um grupo de rapazes e moças fomos presosfumando maconha na coroa do Rio Poty, ali na altura do CFAP (Centro de Formação deAspiran-tes da Polícia Militar do Piauí).Meu pai foi me soltar lá na delegacia da Praça Saraiva de madrugada,puto da vida.Aproveitou que era amigo do delegado e soltou todo mundo, ficou por isso mesmo,não foi lavrado flagrante.A gente representava algum perigo para a sociedade, mas não éramosterroristas e não andávamos armados. Não havia, pois, nada que nos fizesse mudar ou cortar ocabelo, fazer a barba, entende? Às vezes lançavam uma piadinha ou xingamento na rua, mas nãopassava disso.Também havia uma certa inveja porque a gente saía e namorava algumas meninaslindas, etc.�, conta um orgulhoso Durvalino Couto.

Mas antes de uma análise superficial dos acontecimentos, como uma reação extremada aouso de drogas, ao sexo livre e aos costumes não convencionais, é preciso notar que foi com isso,e a partir disso, que o famoso desbunde da década de 70 chegou ao Piauí. Era chegada a hora dese despedir da inocência da década de 60, e encarar as transformações que a nova década traziae oferecia.A pílula anticoncepcional trouxe a possibilidade não do sexo antes do casamento,masdo sexo livre, do experimentar, do conhecer. O objeto desejado é sempre a liberdade, mas asinterpretações eram completamente distintas.

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Assim, a maconha, droga endiabrada que colocava a juventude a perder, era, para alguns osjovens da época, uma porta para novas descobertas, os cabelos grandes e as roupas diferenteseram formas de chocar a sociedade.Algo do tipo�eu deveria me vestir como você? Não mesmo!�.Ou, como contouTorquato Neto, que viveu o desbunde tropicalista que terminou por se refletirno Piauí, no texto �Na Segunda se volta ao Trabalho�, publicado em �Torquato Neto ou A CarneSeca é Servida�, um compilado de textos deTorquato organizado por Kenard Kruel, em 2001.

�Pois eu vou contar uma história.Sem pé nem cabeça: você sabe com quem está falando? Eu respondi que não e a autoridade

mostrou-se ofendidíssima. Foi por isso que explicou assim:- Polícia.Ora,eu agradeci,mostrei meus documentos,o cara conferiu que tudo era legal, e estava em

ordem e em seguida iluminou-se:- Ora, bicho, esse teu cabelo está muito grande.Aí eu fui alugar um[a] apartamento para morar.Quem não precisa de um? Quando a gente

mora só e tem quem convide, a gente aceita e evita o vexame.Mas quando a gente tem família, ojeito é aquele mesmo: primeiro enfrentar os porteiros olhando desconfiadíssimos para a minhacara enquanto entrega as chaves.Vai a descarta:

- Acho que nem adianta olhar. Parece que já está alugado.Pelo telefone os caras não me vêem, de modo que a informação é batata.- É conversa do porteiro.Aí eu fui lá, acertar a transa, assinar os papéis e tal. Aí o cara olhou para a minha.Aí ele

conferiu muito e aí ele decidiu:- Tem gente na frente.Aí eu saí na rua.Primeiro naTijuca,onde as pessoas se divertem olhando.Depois na cidade,

onde as pessoas me cercaram na Rua daAssembléia e gritavam corta o cabelo dele e tal.A gentepensa: vou tomar muita porrada dessa gente.Eles olham com ódio para o meu troféu.Meu cabelogrande e bonito espanta, espanta não, agride (a tal palavra) e eu me garanto que eu não corto.

História de cabelos...Um cara suado e de gravata, cara de ódio, passa por mim na Conde de Bonfim, cara de uns

quarenta anos, cara de pai de família classe média típico nacional, passa no seu fusquinhasinho equando me vê dá um berro:

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The Beatles

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- Cachorro cabeludo!Inteiramente maluco, o cara. Doido de pedra. Ou não?Desci do ônibus e saí andando pela Gomes Freire.Vinha uma senhora gorda fazendo com-

pras com um garoto pequeno e um tipo � filho com jeitão de funcionário, sei lá de quê.De longe,enquanto eu vinha, eles já sorriam e cochichavam tramando. Eu vi. Bem na minha frente os trêspararam e a vanguarda do movimento adiantou-se � era o garotinho:

- É homem ou é mulher?Eu respondi.- Mulher.O rapazinho, o outro, gritou.Atenção? Gritou.- Cala a boca, cabeludo desgraçado.A mulher deu uma gargalhada e eu passei.Inteiramente malucos, doidos varridos, doidos de pedra.Ou não (?).Aí, crianças, a gente declara novamente: são uns malucos. São uns loucos. São uns totalita-

ristas: cabeludo não entra. São uns chatos, são loucos, totalmente loucos, e perigosos. É assim queeles estão: doidos, malucos, loucos e perigosos. Ou não?� [13/12/71 � segunda-feira]

A mensagem deste texto, mesmo que longo e mesmo que poético em quase demasia, éclara e direta: as pessoas demoravam a saber lidar com o novo, e, principalmente, viam os desbun-dados como seres totalmente estranhos à sociedade normal. Mais do que na época da JovemGuarda, quando o choque cultural era pela quebra de costumes em níveis �aceitáveis�, nesselevante a quebra de valores era para provocar o choque, a necessidade do choque para a saída domarasmo, da mesmice, do pensamento comum.Ao menos era isso que eles queriam. Porque opreconceito existia forte.Talvez mais forte ainda que na década de 60.Agora,era difícil existir umabase protetora para esses garotos. Em troca, o desamparo. Desamparo da sociedade, dos pais eaté dos amigos. �Eu lembro que eu tinha uma amiga, era Solange o nome dela, ela queria sercantora, eu também queria ser cantor,mas ela tocava violão, eu também tocava,mas era só ilusão,na verdade. Só que eu queria, eu gostava muito de cantar e queria ser cantor, mas havia umabarreira muito grande, por questões religiosas, pra eu me aproximar daquele grupo, daquelaspessoas. E eu lembro que uma certa vez, eu a vi, e naquele tempo os negros usavam aquele cabeloque chamava balula, black power... E ela estava com um grupo deles num festival que houve lá naEscolaTécnica.Quando eu a vi no meio deles, aí, pela formação que eu tinha, é também como se

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tivesse morrido assim uma pessoa, sabe?Tem muita gente da família dela que chegou mesmo atéa execrá-la assim, porque achava que ela estava perdida�, conta um hoje mudado MarcoVilarinho.

O texto deTorquato Neto, reproduzido neste capítulo, também dá essa prova do estranha-mento geral que tudo ligado ao rock estava causando por aqui. Mas é engraçado, se não fossetrágico, notar que falar o nome deTorquato Neto hoje é bem simples,mas naquela época, ele eraignorado dentro da própria cidade-natal. Não por maldade, mas por falta de informação. �Naépoca ele era popular,mas popular entre os artistas, pouca gente sabia quem eraTorquato Neto,nem a gente sabia que ele fazia todo esse movimento no Rio de Janeiro. Porque, quando se falavaemTropicália, se falava em que? Em Caetano,Gal,Gil e na Bethânia.Aí falava um pouco noTom Zé,mas pouca coisa assim.Mas oTorquato Neto,eu mesmo nunca soube nem quem era,eu sabia queele existia, mas era limitado.Alguns artistas sabiam disso, a Lena Rios, que andava muito com ele.Mas o povo, no geral, ninguém sabia quem era Torquato Neto, nem jamais vislumbrava o que eletinha feito, que ele tinha tido uma participação tão grande no movimento Tropical, na culturabrasileira, ninguém sabia aqui no Piauí�, atesta Marco Vilarinho. Essa falta de conhecimento daobra específica deTorquato não foi desculpa ou empecilho para que as manifestações diferencia-das de cultura e ação se mostrassem no cenário local.

�É claro que toda mudança significativa de costumes vem agregada a valores morais efilosóficos diferentes do estabelecido pelo status quo. Então, se eu amava e trepava com minhanamorada (no banco detrás dos carros ou, logo a seguir, nos motéis que proliferaram emTeresinaa partir de 1970), havia uma grande mudança de comportamento e nas relações familiares, aindaque ela não engravidasse. Para a polícia e os órgãos de repressão da época, quem usava cabelosgrandes, ouvia rock e músicas dos Beatles, Stones & cia, era chegado numa �diamba� [gíria paramaconha] e lia coisas estranhas como O Pasquim,A Flor do Mal, Rolling Stones,Opinião (jornaisalternativos à grande imprensa da época) e também autores como Jack Kerouac,Hermann Hess,os poetas concretos e Fernando Gabeira, lia livros com títulos estranhos como �As Portas daPercepção�,�OApanhador no Campo de Centeio�,�On the Road� e ouvia as loucuras daTropicáliasó podia ser comunista, subversivo ou simpatizante. Sendo assim, acredito que a gente represen-tava risco à ordem e à moral, sim, senhor, embora não militássemos nas atividades políticas clan-destinas, de onde vieram a surgir as novas lideranças, os novos sindicatos, as novas agremiaçõespolíticas que geraram PTs, CUTs OABs e ABIs da vida. Demos a nossa contribuição, e foi tudofeito com muito prazer,of course�,bate,Durvalino,no peito estufado.�A ditadura dos milicos não

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tinha jeito mesmo.Tudo era proibido, qualquer manifestação era reprimida no nascedouro. Asatividades culturais eram sistematicamente sabotadas.O que fizemos foi uma cultura de resistên-cia. Por isso, acredito que fizemos a nossa parte.A sociedade civil organizada venceu e a ditaduraacabou�, orgulha-se, ao completar.

Essa auto-afirmação de novos valores, de novas perspectivas, ou da urgência dos mesmos,batia de frente com o que a cidade suportava. Dentre a classe musical, era maior a cada dia aconscientização de que havia barreiras a serem vencidas. Mas, por outro lado, não existia [tam-bém] uma discussão, por parte dos garotos da década de 70, sobre o que foram os anos 60 parao rock em Teresina e o que os rapazes estavam fazendo. As análises, isoladas e superficiais, sótratavam das diferenças mais diretas e inegáveis.

�Não, a gente apenas os [turma do iêiêiê] achava ultrapassados. Mas, ainda assim, eu eEdvaldo tocamos várias vezes comAssis Davis�, coloca Couto.Nessa ligação de saber quem eraquem, o que cada um queria e para onde ia,os artistas da época aprenderam o que puderam comquem já estava na luta. O choque parecia vir como desejo primeiro, mesmo que não fosse omesmo choque cultural, referido logo acima. Depois do estudo que comporia o arranjo, o restoera adicionado.�Não sei se tocávamos para chocar.Acho que tocávamos para chapar, isso sim.Agalera ficava de olhos vidrados nos solos do Edino que eram bastante demorados.Os temas quea gente tocava demoravam uns dez minutos ou mais. Claro que chocava alguns, mas chapava amaioria�, explica Durval.

A chapação, por sua vez, não chegava à polícia, sempre atenta a qualquer movimento sub-versivo,querendo saber, e muito,o que as letras e poemas daquela geração diziam.Como EdvaldoNascimento já afirmou, era preciso rebolar bastante pelas linhas para encaixar a idéia originalnuma formatação agressiva apenas para os não iniciados. Era preciso jogo de cintura para driblara PF. �As pessoas que estavam vivendo aquela coisa podiam sacar o que você estava falando...Então, foi um momento legal, cara... Eu acho que a gente ter que viver cada etapa, cada momentoda sua vida é importante, tem que ser bem vivida, você tem que explorar aquilo do momento...Hoje nós temos a liberdade de expressão, mas a gente continua tendo a pobreza, a miséria, adiscriminação racial... Então, a gente continua batendo nessa tecla, de que as pessoas se conscien-tizem, pra que isso não aconteça. Então, a gente já está focando mais nessa linha, né? De não-guerra, essa coisa assim...�, aponta o guitarrista Edvaldo Nascimento.

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Eu sei quem sou e aonde vEu sei quem sou e aonde vEu sei quem sou e aonde vEu sei quem sou e aonde vEu sei quem sou e aonde vououououou[ou Mal começaste a conhecer a vida]

Assim, o preconceito continuava, os olhares continuavam, a idéia de subversão continuava, tudocontinuava e seguia como havia sido desde o surgimento dessa coisa que virou o rock na capitaldo Estado.As influências iam e vinham, passavam, solidificavam, mudavam, mas a configuração deuma cidade só, mas com duas caras olhando para o rock de maneiras bem distintas, não semodificava. Desde 66, até 76, as visões se misturavam a apoios isolados de amigos ou familiaresmais distantes do conservadorismo da cidade,e que ficou bem marcado na declaração dos entre-vistados por todo o livro, com a visão mais estreita da cidade, que limitava o rock a uma manifes-tação artística de pervertidos.

Essa análise mais distante do ar de perfeição que costumou pairar sobre as entrevistas foimeio quebrada de repente. �Vilarinho, é impressão minha, ou a história do rock teresinense émeio mascarada? Existia,mas era muito marginalizada, as pessoas não queriam, foi uma coisa que,realmente teve que vencer muitas barreiras pra poder acontecer?�, perguntei eu, na sala dereuniões do jornal O Dia, a Marcos Vilarinho, que respondeu: �Muitas barreiras mesmo, porqueprimeiro era um povo [de Teresina] que não se dispunha a quebrar esses padrões. Eu até louvomuito os roqueiros daqui porque eles tiveram que enfrentar muitas batalhas,eles foram amaldiço-ados, marginalizados mesmo, entendeu? Eles foram tidos como vagabundos, como pessoas quenão tinham nenhum objetivo na vida,que encaminhavam outros.Então,muitos pais, a maioria totaldos pais de família, não queria ter um roqueiro, um cara daquele cabeludo como companhia deseus filhos e muito menos de uma filha�, expõe.

Continuo a perguntar.A sala não oferecia risco nenhum, não havia risco nenhum, nem aquem ofender, mas o clima era pesado como se tratássemos de um tema delicado, e não demanifestações artísticas.�Se esse medo acontecia com os pais dos adolescentes, no caso, com OsBrasinhas não tinha muito isso, né?Todos os que eu entrevistei até agora afirmam que as famíliasapoiavam...�.Ao queVilarinho retruca com reafirmação da ojeriza sofrida na época pelos artistas.�Mas é justamente porque eram pessoas avançadas. Naquele tempo quem participava, que ficoulá pelo mundo artístico, eram pessoas de poucas posses, eram pessoas que não tinham muito,elaseram vistas na sociedade como [pessoas que] não tinham educação, que não tinham berço equem não tinham dinheiro. Então, eles faziam aquilo porque eram meio de ganhar dinheiro, mas

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eles eram super mal vistos, o pai deles levava porque também não tinham nenhuma formação,para os olhos da sociedade. Mas um pai que tinha um certo nome na sociedade, uma certaprofissão, uma profissão que diria que era �fulano subiu na vida�, jamais levaria um filho dele, jamaisadmitiria que um filho dele participasse de um movimento musical�, completou o jornalista. Essepensamento generalista, no entanto, não encontra reforço em declarações de componentes d�OsBrasinhas, que atestam o apoio de suas famílias nos capítulos anteriores.

Ainda assim, os dez primeiros anos do rock teresinense foram de luta e de conquistas,caminhos abertos para quem vinha. E eles vieram.

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Domingo foi o dia do descanso, na crença católica apostólica romana, depois de Deus ter tudocriado. Suponhamos, então, que o período que sucede a toda criação do rock teresinense fosse,agora, o momento de descansar.

Não, os primeiros protagonistas do nosso rock não foram deuses, não há blasfêmia aqui.No entanto, é salutar observar que eles ergueram monumentos, obras inteiras do nada, do áridopó que sufocava as narinas de quem ouvia aquela música tão estranha saindo dos rádios. Era umnada, um vão, um espaço perdido. Eles vieram para tudo construir, rompendo paradigmas, surpre-endendo, derrubando preconceitos, ou enfrentando-os. Tudo do zero, tudo do nada. Do nada.Méritos sejam dados,honrarias sejam feitas, só com essa pesquisa foi possível entender que muitodo que se faz hoje, do que já se tem, do que já se observa de mudanças, começou ali, pelos dedos,esforços, ensaios, bailes, shows, cubas libres, baseados, baculejos, banhos de rio, na coroa, dias delua, amores, vontades, desejos e serenatas de todos esses rapazes.

O primeiro decênio do rock é dividido em duas fases claras:Os Brasinhas na primeira fasee outros movimentos, como Nostristeresina e Bandinha da CidadeVerde na segunda fase desses

Hoje é domingo, pede cacHoje é domingo, pede cacHoje é domingo, pede cacHoje é domingo, pede cacHoje é domingo, pede cachimbohimbohimbohimbohimbo

Para ler ouvindoThe Beatles �With a Little Help From my Friends

[ou Dia da Criação]

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dez anos.Na primeira parte desses dez anos, totalmente inspirada na Jovem Guarda e no iêiêiê, oque marca o movimento é a abertura forçada da cidadeTeresinense para uma música tão diferen-te como o rock.Tão diferente e tão nova que quando Os Brasinhas começaram, demorou paraque outra banda pudesse fazer tremer o império construído por eles. E ainda assim o tremor foiquase imperceptível. Os Brasinhas eram o centro das atenções, a banda mais requisitada, a quetinha um séqüito de fãs mais representativo... Nada pode tirar deles o ineditismo e a iniciativa detrazer o rock paraTeresina, embora, numa análise mais crítica, eles tenham sido apenas repetido-res do que acontecia fora daqui.

Por outro lado, esse foi o principal mérito da segunda fase do início nosso rock, que já seinspirava em outros movimentos, como a Tropicália e o rock progressivo. Essa segunda fase trazmúsicos preocupados em compor suas próprias canções e mostrá-las em apresentações ao pú-blico, seja ele qual for, diferentemente da turma da primeira fase, que tocavam apenas em festasfechadas e bailes.

E foi assim que músicos como Geraldo Brito, Durvalino Couto e Edvaldo Nascimentofundamentaram e sedimentaram um caminho que percorrem até hoje.

A principal lição deixada por esses artistas para quem veio depois deles é que fazer músicaem Teresina é algo que precisa misturar muita força de vontade com muita paixão, já que osempecilhos e dificuldades surgem a todo momento. As coisas já vêm abrandando, mas aindaexiste muito a se vencer.

Aqui, vê-se o vislumbre do fim de uma primeira fase. O sonho não acabava dessa vez. Naverdade, acabava, e se transformava, quase que imediatamente em outra coisa.Os anos depois de76 foram de entresafra, um período de obscuridade. Em 72, Edvaldo Nascimento começa a fazerseu material próprio, e aí, junto com a Bandinha da CidadeVerde, e depois, sozinho, produz até1982. Seis anos de hiato do fim do nosso decênio de estudo até aparecerem novos parceiros.Depois disso apareceram outros grupos, como a bandaVênus, com o Robert Ferreira, começoucom um trabalho cover,mas, depois, gravaram produções próprias, a partir da entrada deThyrsoNeto, que trazia suas composições para dentro da banda.

Mas isso já vai fora do nosso período de pesquisa. Isso já era música teresinense feita noinício da década de 80.

Olhando para trás é que se tem a idéia do que tudo foi.A criação de todos esses rapazesse baseia no furo do bloqueio, na vitória à tentativa de manter tudo o mesmo. Uns pela vontade

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de dançar pelos salões. Outros pela vontade de chocar e mudar pelo choque, pela imagem dodesbunde.

Mas Teresina sempre teve uma característica bem própria, pois ao mesmo tempo em queessa cidade era tão rica em artes, ela tentava, a todo custo, sufocar esse talento natural. Uma lutacontra o seu destino, se ele existir. Era um levante, uma vontade de renegar a arte, preferindo darespaço às práticas já estabelecidas de �vencer na vida�. Existia todo um contingente de expressõesartísticas a serem mostradas, mas que essa aversão ao apoio às artes fez declinar. Um exemplodessas expressões era o folclore da cidade, que era bem construído e ligado à nossa população,mesmo que essa sempre assumisse uma postura distante, de não participação.

De acordo com os dados colhidos e das entrevistas concedidas, todas essas formas popu-lares de cultura eram consideradas popularescas, marginalizadas, associadas às camadas maispobres da população teresinense.A cultura popular era considerada cultura popularesca, não erabem vinda.

Nesses tempos, o tratamento dado a essas manifestações era de admiração à distância,numa contradição de apoiar, mas sempre de longe; de aplaudir, mas sem querer se aproximar; dedar vivas,mas sem querer aquilo perto de si. 1x0 para a resistência à cultura do povo, seja ela qualfor, seja qual for o modo de manifestação.Mas isso já é conversa para outro livro.Pode fechar essee tocar a vida.

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