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Crenças em relação à escola e a língua Guarani na aldeia Avá Guarani Tekoha Añetete em Diamante D’Oeste (PR) 1 Sonia Cristina Poltronieri Mendonça Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE/CAPES 2 [email protected] Resumo: O objetivo deste trabalho é apresentar alguns apontamentos da investigação em andamento sobre crenças e atitudes linguísticas manifestas por falantes bilíngues da aldeia indígena Avá-Guarani Tekoha Añetete no município de Diamante D’Oeste, na região Oeste do Paraná, e fronteira do Brasil com o Paraguai e Argentina. Do corpus da pesquisa selecionamos a entrevista com o líder religioso mais velho da localidade e com dois professores indígenas, com o intuito de analisar especificamente a crença em relação à escola e à língua. O interesse é desvendar questões de prestígio ou de preconceito com relação ao uso do Guarani, para os falantes cuja segunda língua (L2) é o Português. Verifica-se o papel da escola na valorização da língua Guarani e na memória das práticas socioculturais da comunidade indígena. Seguem- se os princípios teóricos metodológicos da Sociolinguística, de Crenças e Atitudes Linguísticas, da Psicologia e os Estudos da Linguagem para nortear os estudos que permitem avaliar língua e identidade étnica como intimamente relacionadas à maneira de ser, de pensar, de agir e de ver o mundo em cada indivíduo e em cada grupo social. Para tanto, são considerados encaminhamentos dados ao Projeto Crenças e Atitudes Linguísticas (CAL), desenvolvido por Aguilera (2009). Palavras-chave: Crenças e Atitudes Linguísticas, Língua Indígena Guarani, Ensino e Fronteira. Introdução Pretende-se, neste artigo, tecer reflexões sobre as crenças em relação à escola e a língua Guarani a partir da análise do Projeto Político Pedagógico da escola indígena da aldeia Tekoha Añetete e três entrevistas na escola. Informamos que o corpus deste artigo foi modificado depois da inscrição no Simpósio Línguas em Contato: Questões de Fronteira. Tal fato ocorreu porque dependíamos da autorização da FUNAI e da Comissão Nacional de Ética (CONEP) para entrada na localidade e realização da pesquisa de tese na aldeia indígena do município de 1 Trabalho orientado pela Professora Dra. Aparecida Feola Sella. 2 Doutoranda (2015-2019) pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Letras da Unioeste, linha de pesquisa Estudos da Linguagem: descrição dos fenômenos linguísticos, culturais, discursivos e de diversidade. Bolsista CAPES. Trabalho apresentado no XIII Seminário Nacional de Literatura, História e Memória e IV Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano (SLH); III Seminário Internacional e IV Congresso Nacional em Estudos da Linguagem (SNEL); III Seminário Internacional de Etnia, Diversidade e Formação; II Congresso Internacional de Leitura e Literatura infantil e juvenil da Rede Paranaense de Leitura.

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Crenças em relação à escola e a língua Guarani na aldeia Avá Guarani Tekoha Añetete em

Diamante D’Oeste (PR)1

Sonia Cristina Poltronieri Mendonça

Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE/CAPES2

[email protected]

Resumo: O objetivo deste trabalho é apresentar alguns apontamentos da investigação em

andamento sobre crenças e atitudes linguísticas manifestas por falantes bilíngues da aldeia

indígena Avá-Guarani Tekoha Añetete no município de Diamante D’Oeste, na região Oeste do

Paraná, e fronteira do Brasil com o Paraguai e Argentina. Do corpus da pesquisa selecionamos

a entrevista com o líder religioso mais velho da localidade e com dois professores indígenas,

com o intuito de analisar especificamente a crença em relação à escola e à língua. O interesse

é desvendar questões de prestígio ou de preconceito com relação ao uso do Guarani, para os

falantes cuja segunda língua (L2) é o Português. Verifica-se o papel da escola na valorização

da língua Guarani e na memória das práticas socioculturais da comunidade indígena. Seguem-

se os princípios teóricos metodológicos da Sociolinguística, de Crenças e Atitudes

Linguísticas, da Psicologia e os Estudos da Linguagem para nortear os estudos que permitem

avaliar língua e identidade étnica como intimamente relacionadas à maneira de ser, de pensar,

de agir e de ver o mundo em cada indivíduo e em cada grupo social. Para tanto, são

considerados encaminhamentos dados ao Projeto Crenças e Atitudes Linguísticas (CAL),

desenvolvido por Aguilera (2009).

Palavras-chave: Crenças e Atitudes Linguísticas, Língua Indígena Guarani, Ensino e

Fronteira.

Introdução

Pretende-se, neste artigo, tecer reflexões sobre as crenças em relação à escola e a língua

Guarani a partir da análise do Projeto Político Pedagógico da escola indígena da aldeia Tekoha

Añetete e três entrevistas na escola. Informamos que o corpus deste artigo foi modificado

depois da inscrição no Simpósio Línguas em Contato: Questões de Fronteira. Tal fato ocorreu

porque dependíamos da autorização da FUNAI e da Comissão Nacional de Ética (CONEP)

para entrada na localidade e realização da pesquisa de tese na aldeia indígena do município de

1 Trabalho orientado pela Professora Dra. Aparecida Feola Sella. 2 Doutoranda (2015-2019) pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Letras da Unioeste, linha de

pesquisa Estudos da Linguagem: descrição dos fenômenos linguísticos, culturais, discursivos e de diversidade.

Bolsista CAPES. Trabalho apresentado no XIII Seminário Nacional de Literatura, História e Memória e IV

Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano (SLH); III Seminário

Internacional e IV Congresso Nacional em Estudos da Linguagem (SNEL); III Seminário Internacional de Etnia,

Diversidade e Formação; II Congresso Internacional de Leitura e Literatura infantil e juvenil da Rede Paranaense

de Leitura.

Diamante D’Oeste (PR). Sendo assim, não foi possível concretizar a proposta inicial do artigo,

ou seja, as entrevistas com o líder religioso mais velho e com os dois professores indígenas do

Colégio Estadual Indígena KuaaMbo‟e. Diante disso, apresentaremos neste texto a análise do

Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, dos depoimentos das lideranças indígenas

inseridos no PPP e quatro entrevistas: com o diretor da escola, a professora de língua

portuguesa, a professora de língua espanhola e um professor de língua Guarani.

Em termos linguísticos a língua Guarani faz parte do tronco linguístico Tupi, da Família

Linguística Tupi-Guarani, apresentando no Brasil os três dialetos ou sub-grupos linguísticos:

Kaiowá, Ñhandeva e Mbyá. De acordo com Angelis (2015) trata-se de uma língua que é escrita

desde o século XVI, mas circulam diferentes ortografias, conforme os dialetos e,

eventualmente, conforme o país, uma vez que não há mecanismos de pressão unificadora.

No Brasil, a população Guarani é de aproximadamente 52 mil pessoas, que vive em

centenas de aldeias espalhadas por mais de 100 municípios brasileiros, localizados em sete

estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo

e Mato Grosso do Sul. Toda a faixa de fronteira do estado do Paraná, na região oeste do Paraná,

é ocupada por aldeias indígenas predominantemente Guarani. De acordo com Bortolini (2014)

a presença do Guarani no Oeste paranaense remonta a longo período histórico de significativas

alterações em relação a ocupação do espaço, principalmente no século passado devido ao

processo de migratório de ocupação agrícola e formação de novas cidades.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 é uma importante conquista política para os

povos indígenas, pois ela reconhece a cultura própria e o direito ao território tradicional. A

partir desta Constituição, as diferenças culturais e linguísticas dentro do território brasileiro

passaram a ter sua existência garantida por lei:

(...) são reconhecidos aos índios a sua organização social, costumes, línguas,

crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que

tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer

respeitar todos os seus bens (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).

Na questão das escolas indígenas, o Artigo 210 desta Constituição garante aos povos

indígenas, “o uso de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”. As

Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena foram aprovadas em 14 de

setembro de 1999, por meio do Parecer nº 14/ 99 da Câmara Básica do Conselho Nacional de

Educação. O Parecer n.º14/99 garante o quadro próprio do professor indígena; a Deliberação

n.º 09/02, a Portaria Interministerial MJ e MEC n.º559/91 de 16 de Abril de 1991, sobre a

educação dos povos indígenas diz no seu artigo 3º “garantir o ensino bilíngue nas línguas

materna e oficial do País atendendo os interesses de cada povo indígena em particular e a Lei

11.645/08.

Levar em conta os Direitos Linguísticos das crianças, jovens e adultos indígenas

significa conhecer a realidade sociolinguística da comunidade de fala e discutir essa realidade

na escola, fortalecendo e valorizando a língua indígena em seu uso como língua de instrução,

de comunicação. Para isso, entendemos que necessário a reflexão sobre a realidade de sua

língua, do bilinguismo ou pluritilinguismo praticado na comunidade e, formular estratégias no

âmbito da escola para fortalecer e ampliar o uso da própria língua.

1. Dados da localidade da pesquisa

Os povos Guarani estão no Oeste do Paraná desde muito antes da conquista colonial da

América. Segundo Carvalho (2013), os dados arqueológicos mais antigos encontrados nessa

região mostram que os Guarani habitam este território desde pelo menos o século I depois de

Cristo (D.C.). Para Carvalho (2013, p. 115) essa região “se constitui o berço da cultura Guarani,

a partir das subdivisões que conhecemos como Kaiowá, Ñandeva e Mbyá”.

Entre os anos de 1940 existiam no oeste do Paraná cerca de 32 aldeias em um grande

território Guarani (Tekoa Guassu) e observa-se na década de 80 o seu quase desaparecimento.

Segundo Carvalho, dois grandes projetos estatais (Parque Nacional do Iguaçu e Usina

Hidrelétrica de Itaipu) foram responsáveis pela desterritorialização indígena, e explica:

Decorrente da instalação desses dois grandes projetos estatais, a população

indígena passou a viver um processo de encurralamento sobre o território,

sendo transferidas das aldeias em que viviam para outras aldeias, que cada vez

em menor número, já se encontravam habitadas por outras populações

indígenas. (...) No processo de transferências dessas populações, nota-se por

outro lado, o superpovoamento, em algumas poucas aldeias do interior do país

e, por outro lado, grande parte dessa população Guarani foi expulsa para fora

do país, tornando-se assim o Leste paraguaio densamente ocupado.

(CARVALHO, 2013, p. 71).

Carvalho (2013) ilustra tais fatos com a expulsão da população indígena em quatro

aldeias existentes no Tekoa Guassu: Guarani e São João Velho, localizadas em atual Unidade

de Conservação (Parque Nacional do Iguaçu), administradas pelo IBDF (antecessor do

IBAMA); Colônia Guarani, localizada na antiga região de Três Lagoas em Foz do Iguaçu, hoje

município de Santa Terezinha de Itaipu, denominada pelos Guarani de “Vila Guarani”; e a

Aldeia Jacutinga.

A construção da Usina Itaipu Binacional resultou na formação do Lago de Itaipu e o

alagamento de grandes porções do território tradicional dos Guarani, no oeste paranaense,

atingindo a Aldeia Jacutinga e promovendo a dispersão de muitos grupos para outras regiões

no Brasil e o leste do Paraguai. Segundo Bortoloni (2014, p.15) a Aldeia Jacutinga compreendia

uma área de 1.500 hectares, próximo das barrancas do Rio Paraná antes do alagamento

provocado pela Usina Itaipu, sendo o último lugar entendido como área indígena onde os Avá-

Guarani habitaram no Brasil antes de ser criada a área indígena dos grupos que constituem o

Tekoha Añetete e o Tekoha Itamarã, no município de Diamante d’Oeste, e o Tekoha Ocoy, em

São Miguel do Iguaçu.

De acordo com Santos e Schallenberger (2014, p.54) foi graças às pressões da

comunidade indígena que a Itaipu se viu obrigada a oferecer um território maior, com uma

área de um pouco mais de 200 hectares, localizada no município de São Miguel do Iguaçu,

denominada Ocoy e mais tarde a área de 1.744 hectares em Diamante d’Oeste. Depois de vários

anos, cerca de 30 famílias foram então assentadas na área da Fazenda Padroeira, adquirida pela

FUNAI e Itaipu, sendo denominada de Aldeia Indígena Tekoha Añetete.

Embora a área do Tekoha Añetete seja aparentemente expressiva em termos de

extensão territorial, Santos e Schallenberger (2004) afirmam que não é suficiente para

acomodar toda a população descendente dos Guarani que já habitavam a região antes da

chegada das frentes de colonização, e, muito menos, para dar condições futuras de vida a esses

sujeitos, considerando de modo especial os elementos de sua cultura e o seu modo de viver.

Por conta disso, os indígenas continuaram reivindicando a demarcação de novas terras e, em

2002, conquistaram a área do Tekoha Itamarã, vizinha ao Tekoha Añetete.

Para melhor compreensão do contexto da pesquisa vale elencamos, a partir de

Tommasino, as características materiais e simbólicas de Tekoha para os Guarani:

Tekoha é a terra tradicional de um determinado grupo social ou família

extensa/Te‟yi que constituem unidades de produção e consumo. Ao Tekoha

está associada a casa, as relações com seus parentes; é onde enterram seus

mortos, onde rezam, onde radica a possibilidade de exercer o direito divino de

fazer suas roças, onde caçam e pescam. Cada família extensa pode formar uma

aldeia/Tatay Rupa de modo que cada Tekoha pode ter uma ou mais aldeias. O

conjunto das famílias das aldeias forma uma unidade maior que é identificada

como uma unidade religiosa e seu nhanderu. Explicando melhor, cada grupo

local forma uma parentela que constitui unidade econômica (de produção e

consumo) e o Tekoha pode ser formado por mais uma família-extensa que se

organiza em aldeias/unidades econômicas que no seu conjunto formam o

Tekoha/unidade religiosa. (TOMMASINO, 2010, p. 298).

Portanto, um Tekoha é o local onde vivem as famílias da comunidade indígena e um

grupo de pessoas relacionadas entre si por laços de parentesco consanguíneo. A palavra

significa mais que um pedaço de terra porque neste local se produz a cultura e o modo de viver

Guarani.

Tekoha Añetete, cujo nome significa “Aldeia Verdadeiramente Guarani”, situa-se na

Linha Ponte Nova do município de Diamante D’Oeste. É composta por aproximadamente 420

pessoas – adultas e crianças – da etnia Avá Guarani, que vive basicamente da venda de

artesanato, da agricultura e pecuária desenvolvidas na comunidade. Essa população pertence

aos subgrupos dos Mbya e Nhande’va, duas das três divisões dos povos Tupi-Guarani. Falam

a língua Guarani, traço de extrema importância na manutenção da cultura étnica. A língua

Guarani é aprendida pela criança junto à família e a aquisição da segunda língua (Português)

dar-se-á após ser matriculado na Educação Infantil, entre 4 e 5 anos de idade. A presença da

escola na aldeia tem contribuído no letramento da população residente e 286 indígenas são

alfabetizadas (IBGE, 2010). Em relação às condições de moradia o censo do IBGE de 2010

aponta que o tipo de moradia predominante é casa para todas as famílias indígenas e 87,9%

possui energia elétrica. Observa-se que a maioria dos índios tem em suas casas aparelhos de

TV, rádio e fazem uso de aparelhos celulares. Além das moradias, a aldeia Tekoha Añetete,

possui escola, posto de saúde, casa de reza, o espaço comunitário para atividades de lazer,

cultura e artesanato.

O Tekoha Añetete ocupa um território de 1.744 hectares (CENSO 2010) e está

localizada a 15 quilômetros da cidade de Diamante d’Oeste. É uma reserva indígena legal

homologada (Decreto s/n 28/7/2000) e conquistada pelas famílias que ali se estabeleceram

desde 19 de abril do ano de 1997. O município de Diamante d’Oeste está situado no extremo

oeste paranaense, a 595 km da capital do estado, Curitiba. Foi elevado a município em 1989,

até então, fazia parte do município de Matelândia. De acordo com o Censo 2010 o município

tem 5.027 habitantes, 2.285 na área urbana e 2.555 na área rural.

1.1. Inserção da escola

A partir da “fundação” da aldeia, a mesma foi contemplada com várias benfeitorias, tais

como a construção do posto de saúde e a casa da cultura, que passou a ser o local onde as

crianças eram atendidas pelos professores indígenas que trabalhavam a língua guarani. Porém,

as crianças não pertenciam à rede de Educação Municipal e nem a Estadual, pois a Escola não

era legalmente constituída. Os alunos frequentavam a escola rural localizada fora da aldeia e

quando completavam 14 anos iam para a EJA – Fase I e então realizam o Exame de

Equivalência para poder continuar os estudos.

O decorrer dos anos, sobretudo nas três últimas décadas, as legislações e as políticas

públicas têm demarcado avanços na consideração das demandas das comunidades indígenas.

A educação escolar indígena refere-se, especificamente, à formação escolar, de acordo com o

Parecer 14/99, desde a “imposição de modelos educacionais aos povos indígenas, através da

dominação, da negação de identidades, da integração e da homogeneização cultural”, até os

“modelos educacionais reivindicados pelos índios, dentro de paradigmas de pluralismo cultural

e de respeito e valorização de identidades étnicas”.

As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena apresentam a

fundamentação da educação indígena, determinam a estrutura e funcionamento da escola

indígena e propõem ações concretas em prol da educação escolar indígena. A Lei de Diretrizes

e bases da educação nacional (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996), fixa as diretrizes e bases

para a educação nacional e estabelece regras especiais para a educação escolar indígena.

O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEIs), publicação do

MEC de 1998, que deu um novo perfil à proposta de escola diferenciada, apresenta

considerações gerais sobre a educação escolar indígena, quer através da fundamentação

histórica, jurídica, antropológica e pedagógica que sustenta a proposta de uma escola indígena

intercultural, bilíngue e diferenciada, quer através de sugestões de trabalho, por áreas do

conhecimento que permitam a construção de um currículo específico e próximo da realidade

vivida por cada comunidade indígena, na perspectiva da integração de seus etnoconhecimentos

com conhecimentos universais selecionados.

Somente em 21 de fevereiro de 2.006 foi criada a Escola Estadual Indígena Kuaa Mbo’e

– Ensino Fundamental, na aldeia Tekoha Añetete, através da Resolução nº 508/06 e em

08/08/2006 foi publicada a Resolução nº 3.835/06 que autorizava o funcionamento do Ensino

Fundamental séries iniciais. Dois anos mais tarde, em 16 de abril de 2008, é autorizado o

funcionamento do Ensino Fundamental de 9 (nove) anos, do 1º ao 5º ano, sob a resolução nº

1489/08.

Em 10 de novembro de 2008, o colégio recebe a autorização de funcionamento da

Educação Infantil sob a Resolução nº 5130/08 e passa a ser denominado de Escola Estadual

Indígena Kuaa Mbo'e – Educação Infantil e Ensino Fundamental, e em 08 de janeiro de 2009

sob a Resolução nº 73/09, é autorizado o funcionamento do Ensino Fundamental nas séries

finais e, em 15/10/2012 sob a Resolução nº 6212/2012 é autorizado o funcionamento do curso

de EJA por disciplinas, alterando a nomenclatura da instituição passando a ser Colégio Estadual

Indígena Kuaa Mbo’e – Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio.

O colégio conta com seis professores indígenas que trabalham o ensino da disciplina de

Língua Guarani e de Arte, seis professores não-indígenas que trabalham a Base Nacional

Comum nos anos iniciais. Nos anos finais, dois professores indígenas trabalham a disciplina

de Língua Guarani e sete (7) professores não indígenas trabalham as disciplinas de: Língua

Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências, Arte, Educação Física, LEM –

Espanhol e Ensino Religioso. O colégio conta com um diretor, duas pedagogas, uma

merendeira indígena e duas merendeiras não-indígena, dois auxiliares de serviços gerais e um

secretário.

O colégio possui uma demanda de aproximadamente 175 alunos nos turnos matutino,

vespertino e noturno. Os alunos são filhos de indígenas que moram na aldeia. No período

noturno o ensino é ofertado para adultos. De acordo com o diretor da escola, as crianças

aprendem a língua portuguesa na escola e a partir do que ouve no rádio ou na televisão. “O

costume nas famílias é falar somente na língua Guarani e a maioria das crianças chegam ao pré

e no primeiro sem compreender o português”, conta o diretor.

A grade curricular da escola segue a Base Nacional Curricular Comum. Do 1º ao 5º ano

tem professor regente de turma, sendo que no 1º ano é um professor indígena e acadêmico da

Unioeste, e do 2º ao 5º ano o professor regente é não-indígena. Nestas turmas, há 4 aulas

semanais de Língua Guarani com um professor indígena, com formação no Curso de

Magistério Indígena. Para os anos finais, se trabalha a Base Nacional Comum com professores

não-indígenas nas diferentes disciplinas e três aulas semanais de Língua Guarani com professor

indígena. O ensino médio é trabalhado em turmas de EJA de acordo com a Base Curricular

Comum.

2. Apontamentos teóricos

Os estudos de Crenças e Atitudes constituem uma importante contribuição para

reflexão sobre o ambiente sociolinguístico de uma comunidade de fala, principalmente em

contextos de diversidade linguística como o que vivemos na região Oeste do Paraná e na aldeia

Tekoha Añetete. Diversas são as áreas do conhecimento que recorrem à temática das

crenças para o desenvolvimento de seus trabalhos, entre elas a Linguística, Filosofia,

Psicologia, Educação, Sociologia, dentre outras. É complexo definir “crenças”, considerando

que cada área possui um objeto de estudo diferente e são diversos os conceitos e sentidos

atribuídos para referirem-se a elas. Nos dicionários de língua portuguesa encontramos algumas

definições: ato ou efeito de crer; convicção, credo; fé religiosa, confiança, opinião; estado,

processo mental ou atitude de quem acredita em pessoa ou coisa (MICHAELIS,2017;

AURÉLIO, 2017; PRIEBELAN, 2017)

Considera-se como pressuposto que a atitude linguística de um indivíduo é o resultado

da soma de suas crenças, conhecimentos, afetos e tendências a comportar-se de forma

determinada diante de uma língua ou de uma situação sociolinguística. A posição social que

ocupa uma língua, somada às crenças e aos sentimentos que o indivíduo mantém em relação

aos seus falantes, define a atitude linguística, que Moreno Fernández (1998, p.179) explica

como:

La actitud linguística una manifestación de la actitud social de los individuos,

distinguida por centrarse y referirse especificamente tanto a la lengua como

aluso que de ella se hace en sociedad, y al hablar de “lengua” incluímos

cualquier tipo de variedad linguistica: actitudes hacia estilos diferentes,

sociolectos diferentes, dialectos diferentes o lenguas naturales diferentes3.

As atitudes linguísticas têm sido definidas a partir de duas linhas teóricas que divergem

entre si de acordo com a definição que estabelecem para atitudes linguísticas, a saber: a

3 A atitude linguística é uma manifestação da atitude social dos indivíduos distinguida por centrar-se e referir-se

especificamente tanto à língua como ao uso que dela se faz na sociedade, e ao falar de ‘língua’, incluímos qualquer

tipo de variedade lingüística: atitudes em relação a estilos diferentes, socioletos diferentes, dialetos diferentes ou

línguas naturais diferentes. (MORENO FERNÁNDEZ, 1998, p.179, tradução nossa).

mentalista, de natureza psicosociológica, e a comportamentalista. Segundo Moreno Fernandez

(1998, p.182) a linha comportamentalista, as atitudes são interpretadas como uma “conducta,

como una reacción o respuesta a um estímulo, esto es, a una lengua, una situación o unas

carcterísticas sociolinguísticas determinadas4.” Para a linha mentalista, que sustenta o presente

trabalho, as atitudes são entendidas como um “estado interno del indivíduo, una disposición

mental hacia unas condiciones o uno hechos sociolinguísticos concretos [...] una categoria

intermediaria entre un estímulo y el comportamento o la acción individual5.” (MORENO

FERNÁNDEZ, 1998, p.182).

Aguilera (2009), baseada nos estudos de Lambert e Lambert e Moreno Fernández,

aponta que a atitude é constituída por três componentes colocados no mesmo nível: o saber ou

crença (componente cognoscitivo ou cognitivo); a valoração (componente afetivo); e a conduta

(componente conativo). A autora assinala que o componente cognoscitivo tem maior

importância diante dos demais, isso porque

conforma, em larga escala, a consciência sociolinguística, uma vez que nele

intervêm os conhecimentos e prejulgamentos dos falantes: consciência

linguística, crenças, estereótipos, expectativas sociais (prestígio, ascensão),

grau de bilinguismo, características da personalidade, etc (AGUILERA, 2009,

p. 106).

O componente afetivo, segundo Aguilera (2009, p.106) “está alicerçado em juízos de

valor (estima-ódio) acerca das características da fala: variedade dialetal, acento; da associação

com traços de identidade; etnicidade, lealdade, valor simbólico, orgulho; e do sentimento de

solidariedade com o grupo a que pertence”. Aguilera (2009, p. 106) explica que o “componente

conativo, por sua vez, reflete a intenção de conduta, o plano de ação sob determinados

contextos e circunstâncias”. Ou seja, mostra a tendência a atuar e a reagir com seus

interlocutores em diferentes espaços sociais: rua, casa, escola, loja, trabalho e outros.

López Morales (1993) separa da atitude o conceito de crença, que são produzidos a

partir da consciência linguística. Para o autor “las actitudes sólo podem ser positivas,de

aceptación, o negativas, de rechazo; y una actitude neutra es imposible de imaginar (pensando

4 conducta como uma reação ou resposta a um estímulo, isto é, a uma língua, uma situação ou a características

sociolinguísticas dadas. (MORENO FERNÁNDEZ, 1998, p.182, tradução nossa). 5 estado interno do indivíduo, uma disposição mental para condições concretas ou um fato sociolinguístico [...]

uma categoria intermediária entre um estímulo e o comportamento ou a ação individual.

en su naturaleza conativa): se trata más bien de ausência de actitude6” (LÓPES MORALES,

1993, p.234). Morales entende que as crenças “pueden estar basadas en la realidade (mayor o

menor cantidad de segmentos fonológicos, grados diversos de funcionalidade acentual, etc),

pero em gran medida no aparecen motivadas empiricamente7”(LÓPES MORALES, 1993,

p.234).

Lópes Morales (1993) afirma que as crenças e as atitudes linguísticas afetam, não

somente os fenômenos particulares e específicos, mas também as línguas estrangeiras que

vivem ou não na mesma comunidade de fala, a língua materna e as variações linguísticas de

uma língua. Diante disso, entendemos que as consequências são variadas, que podem ser

positivas ou negativas em uma comunidade de fala, que podem contribuir na aprendizagem de

segundas línguas e fomentar a discriminação linguística, sendo que a atitude poderá ser

diferenciada entre os falantes de uma língua valorizada e uma língua estigmatizada.

3. Análise dos dados: crença em relação à escola e à língua Guarani

.

A compreensão da cultura Avá Guarani presente nesta região de fronteira deve ser

considerada como uma variável relevante a fim de se entender de que forma se expressa a

crença em relação à escola e língua Guarani no Projeto Político Pedagógico do Colégio

Estadual Indígena Kuaa Mbo’e. O Projeto Político Pedagógico da escola destaca que a maior

preocupação da escola é:

atender as necessidades da comunidade, garantindo o acesso a todos os

indígenas, a educação escolar e estimular a sua permanência com sucesso,

oportunizando uma melhoria na qualidade de vida e gradativamente fortalecer

os valores culturais da etnia Guarani, tanto em sala de aula quanto no

cotidiano dos seus alunos. (PPP, 2013, p. 11).

Constata-se que o Colégio Estadual Indígena KuaaMbo’e, conforme o proposto no

Projeto Político Pedagógico (PPP) e em seu regimento escolar, procura desenvolver suas

atividades de acordo com as condições e especificidades da comunidade indígena Guarani do

6 as atitudes somente podem ser positivas, de aceitação ou negativas, de desprezo, e uma atitude neutra é

impossível imaginar possível uma atitude neutra (pensando em sua natureza conativa) : se trata de mais de

ausência de atitude (LÓPES MORALES, 1993, p.234). 7 as crenças podem estar baseadas na realidade (maior ou menor quantidade de componentes fonológicos, graus

diversos de funcionamento, etc), mas em grande parte não aparecem empiricamente LÓPES MORALES, 1993,

p.236).

Tekoha Añetete, bem como as diretrizes nacionais da Resolução CEB nº 3, 1999, da Câmara

Nacional de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que de acordo com o Art.

3º deve atender:

I – suas estruturas sociais;

II – suas práticas socioculturais e religiosas;

III – suas formas de produção de conhecimento, processos próprios e métodos

de ensino-aprendizagem;

IV – suas atividades econômicas;

V – a necessidade de edificação de escolas que atendam aos interesses das

comunidades indígenas;

VI – o uso de materiais didático-pedagógicos produzidos de acordo com o

contexto sociocultural de cada povo indígena. (CEB nº 3, 1999, Art. 3º).

Outro ponto relevante na descrição do PPP da escola em referência são os saberes e as

práticas socioculturais produzidos pelas comunidades indígenas, integrantes dos conteúdos de

aprendizagem e de formação, tais como “a língua materna, crenças, memória histórica, saberes

ligados a identidade étnica, a suas organizações sociais de trabalho, as relações humanas e

manifestações artísticas, as concepções cosmológicas que orientam as visões de mundo” (PPP,

2017, p. 32)

Com relação aos aspectos de ensino e aprendizagem, o PPP da escola destaca que o

ensino e a aprendizagem ocorrem de forma integrada com o modo de vida na aldeia. Neste

sentido, a direção da escola entende que se deve trabalhar com os valores, saberes tradicional

e práticas da comunidade, garantindo o acesso a conhecimentos e tecnologias da sociedade

nacional relevantes para o processo de interação e participação cidadã na sociedade. Com isso,

as atividades curriculares devem ser significativas e contextualizadas ao modo de vida da

comunidade e dos educandos, conforme explica Agustinho Martines8:

A criança indígena não é socializada com outra criança não indígena. Tem que

se entender a criança Guarani como ela vive, tem que conhecer como ela

vive. Tem que respeitar o índio como ser humano, somos diferente só na

cultura, no dialeto. (PPP, 2017; p.8-9).

É função da educação escolar indígena formar o cidadão participativo, responsável,

comprometido e crítico, oferecendo uma formação de qualidade visando sua formação

intelectual, emocional e física para assumir as atividades que lhes são passadas durante a vida,

8 Professor Guarani formado no Curso de Magistério Indígena

evitando todas as maneiras possíveis a repetência e a evasão, garantindo a meta qualitativa do

desempenho satisfatório de todos, com a permanência dos que nela ingressarem.

O Projeto Político Pedagógico (PPP) define a escola como espaço de debate, de diálogo

e de reflexão coletiva para fortalecer a comunidade, os costumes e a língua. Dessa forma, o

PPP é norteador do trabalho docente e o professor é o mediador na dinâmica interna da sala de

aula. De acordo com Alfredo Centurião, presidente da APMF:

O papel da escola dos juruás [não índios] é buscar respostas para suas

demandas, sendo estas diferentes das dos indígenas. A escola indígena tem que

buscar construir respostas para sua comunidade. Trabalhar para fortalecer

a comunidade, fortalecer os costumes e a língua. (PPP, 2017, p. 09).

Uma característica que chama a atenção no PPP do Colégio Estadual Indígena

KuaaMbo’e é a preocupação com o ensino e a aprendizagem de forma continuada, sem que

haja cortes abruptos nas atividades do cotidiano e que estejam articulados com a cultura

indígena e os costumes da comunidade. De acordo com a direção do Colégio, as atividades

complementares, por meio de projetos desenvolvidos de forma interdisciplinar pelos

professores, facilitam maior interação da escola com a aldeia. Entre os projetos se destacam:

Cacique no colégio, Contador de História/Rezador, Meio Ambiente, Ciência e Saúde, entre

outros.

As lideranças da localidade entendem que a educação escolar indígena deve estar

articulada aos anseios da comunidade a seus projetos de sustentabilidade territorial e cultural.

A escola e os que nela trabalham devem ser aliados da comunidade e trabalhar a partir do

diálogo e participação comunitária definindo desde o modelo de gestão e calendário escolar –

o qual deve estar em conformidade às atividades rituais e produtivas do grupo – até os temas e

conteúdos do processo ensino aprendizagem.

Em relação à função social da escola, dentro da terra indígena, Vicente Ava Jegavyju

Vogado9 destaca que

A escola indígena serve para preparar o pessoal para enfrentar, para competir

por igual como qualquer outro cidadão brasileiro do jeito que nós somos

também e pra saber preservar e ter orgulho da nossa identidade, ter orgulho

de ser índio porque muitas vezes pessoas até negavam sua própria identidade

porque sabia que ia sofrer muito preconceito. (PPP, 2017, p.09).

9 Liderança Guarani; Rezador (Xamói); professor Guarani formado no curso de Magistério Indígena.

Desta forma, verifica-se que o papel da escola é contribuir na valorização da cultura, na

preservação da identidade e da Língua Guarani, preparando os indígenas para o enfrentamento

dos desafios nas relações com a sociedade não indígena. Neste sentido, Vicente Vogado

explica que

A função da escola é sistematizar conhecimentos que existem fora dela, fora

da aldeia, conhecimentos do mundo global e, no caso específico do meu povo

Guarani, significa sistematizar o que vem da educação indígena da casa de reza,

com o conhecimento do mundo, por meio da educação escolar indígena, aqui

na escola. (PPP, 2017, p.11).

A sistematização de conhecimentos que possibilitem ao aluno compreender o mundo

em que vive e apropriar-se de informações com senso crítico fazem parte dos objetivos gerais

da escola estabelecidos no Projeto Político Pedagógico do Colégio Estadual Indígena

KuaaMbo’e, que também destaca: aprender a ler e a escrever na língua Guarani e aprender a

se comunicar bem na língua portuguesa, tanto na fala como na escrita.

Dessa forma, o procura-se afirmar e manter a língua e a cultura, sua

diversidade étnica, fazendo o aluno perceber a importância de se manter a

oralidade e ter orgulho de ser indígena. (PPP, 2017.p.24).

Outra crença em relação à escola é o seu papel para resgatar a cultura indígena e a

possibilidade de ponte para os alunos buscarem sua autonomia enquanto comunidade, enquanto

indivíduo da comunidade, conforme explica o diretor do colégio:

uma boa parcela dos alunos entendem que a escola é importante, que é uma

ponte para a autonomia da própria comunidade. Para alguns a escola é

como qualquer outro local e vem porque é obrigado. Para os mais velhos a

escola é uma conquista importante. Para eles a escola vem auxiliar na

formação política, na luta por seus territórios, na luta por seus direitos.

A crença em relação à língua Guarani nos mostra que ela é importante para a

sobrevivência da cultura Guarani e da comunidade indígena. O professor de língua Guarani,

Vicente Vogado afirma:

É uma língua bastante complexa e a gente luta para não deixar morrer a língua,

a religiosidade e o modo de ser indígena. O dia que a gente perder a língua

indígena a comunidade estará fadada ao fracasso e vai ser extinta como

aconteceu com outras comunidades indígenas no norte do país, que tiveram

contato com não-indío e já não falam mais a língua indígena.. O Kaingang e

muitos outros já perderam a sua essência porque deixaram morrer a

língua, perderam seu modo de ser, seus costumes, suas tradições. Foram

iludidos pelo mundo do não índio.

Vicente Vogado defende a valorização da língua Guarani para manter a tradição

indígena. Sua crença é que as crianças e os adultos devem adorar a fala em Guarani:

Não podemos perder a nossa língua e todos precisam valorizar. Criança,

adulto e mulher tem que adorar a fala da nossa língua. Tem algumas

comunidades que já não quer mais falar na língua dele. Tá perdendo a língua

dele. Tem alguma comunidade assim. O Guarani não, sempre tá mantendo.

A professora de português no colégio afirma que a língua Guarani é valorizada na

comunidade e na escola, mas os alunos encontram dificuldades na aprendizagem por que não

dominam a língua portuguesa:

Percebemos que os alunos têm muitas dificuldades porque não tem o domínio

da língua portuguesa. Eles têm mais dificuldade na interpretação de um texto

ou responder a uma pergunta por que não compreendem o significado de

algumas palavras.

A prova do vestibular indígena é outro exemplo de dificuldade relatado pela professora:

os alunos que fizeram a prova do vestibular indígena tiveram dificuldade de

interpretação da própria língua. Aqueles que escolheram fazer a prova de

espanhol tiveram menos dificuldade do que os que optaram pela língua

Guarani. Isso porque eles têm mais facilidade na oralidade e não na escrita.

A professora de língua espanhola entende que a dificuldade na aprendizagem se

justifica porque eles são falantes do Guarani e as outras duas línguas (Português e Espanhol)

são estrangeiras para os alunos.

A língua materna é o Guarani e o Português passa a ser difícil para eles. Eles

têm contato com o Português nas series iniciais e o Espanhol a partir do 6º ano.

Se torna bem complicado para eles porque tem palavras que eles não sabem o

significado em português. Verifico que no 9º ano eles conseguem entender

melhor porque tem mais domínio do português.

Apesar da dificuldade de aprendizagem devido a falta de domínio da língua portuguesa,

verifica-se a crença sobre a importância da escola como um espaço de conhecimento, e de

valorização da língua Guarani e da cultura indígena que podem contribuir na resistência da

comunidade para o enfrentamento dos desafios do mundo globalizado e cada dia mais

tecnológico.

4. Considerações Finais

A escola é um espaço de articulação de informações, de práticas pedagógicas e

reflexões dos indígenas sobre seu passado e seu futuro, sobre seus conhecimentos, seus projetos

e sua cultura, numa busca pelo fortalecimento da comunidade e sobrevivência no mundo

globalizado. Verificou-se que a análise do PPP e das entrevistas mostram que a escola e os que

nela trabalham devem ser aliados da comunidade de modo a fortalecer a cultura e a língua

Guarani. A articulação da escola por meio do diálogo com a comunidade contribui no modelo

de gestão e calendário escolar – o qual deve estar em conformidade às atividades rituais e

produtivas do grupo – até os temas e conteúdos do processo ensino aprendizagem.

Conclui-se que a crença em relação à escola da aldeia indígena Tekoha Añetete é atender

as necessidades da comunidade, garantindo o acesso a todos os indígenas a educação escolar e

estimular a sua permanência na localidade, oportunizando uma melhoria na qualidade de vida

e gradativamente fortalecer os valores culturais da etnia Guarani, tanto em sala de aula quanto

no cotidiano da vida comunitária.

A análise dos dados apontou que pela especificidade da comunidade indígena, se dá

importância à instituição escola. A escola, além da Opy (Casa de reza), é o ponto de referência

das famílias que residem na aldeia e, por consequência, a escola acaba se tornando ponto de

encontro de toda a comunidade. O resultado do estudo demonstra que a comunidade escolar

procura acolher saberes e práticas indígenas (ensinamentos, suas práticas e elementos culturais)

para obter maior sucesso na aprendizagem e autonomia dos alunos. Portanto, a escola contribui

para que os Guarani valorizem a sua própria cultura, sua religiosidade e através da língua

possam resistir às mudanças e pressões da sociedade não-indígena e das instituições do Estado.

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