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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP ANO 16 N 0 103 Maio 2016

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Maio de 2016

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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP

ANO 16 N0 103 Maio 2016

CONTRAPONTO2 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

PUCPontifícia Universidade católica

de sÃo PaUloPUc-sP

reitor

vice-reitor

Pró-reitora de Graduação

Pró-reitor comunitário

facUldade de filosofia,comUnicaçÃo, letras e artes

faficla

diretormárcio alves da fonseca

diretora adjuntaregiane miranda nakagawa

chefe do departamento de Jornalismovaldir mengardo

coordenador do Jornalismocristiano Burmester

vice-coordenador do JornalismoJosé salvador faro

c o n t r a Ponto

comitê laboratorialluiz carlos ramos, rachel Balsalobre, salomon cytrynowicz, Wladyr nader

editorJosé arbex Jr.

ombudsmanrodrigo Borges delfim

secretária de redaçãomaria eduarda Gulman

secretárias de produçãoandressa vilela e Giovanna fabbri

editor de fotografialeonardo m. macedo

PUC

E D I T O R I A L

SUMÁRIO

capa:victoria azevedo

ecologia Insustentável mundo sustentável pág. 3

choqueideológico Eleições polêmicas nos EUA pág. 4

eua/cuba Encontro em Havana: o fim do embargo econômico? pág. 6

reação A extrema-direita ataca na América do Sul pág. 8

futebolepolítica Não roubo merenda, eu não sou deputado pág. 10

ensaiofotográfico Um lugar e mil sensações pág. 12

100anosdesamba Se o senhor não tá lembrado, dá licença de contá pág. 14

cinema Tempos Modernos pág. 16

teatro 400 anos sem Shakespeare pág. 18

marévermelha “Vai ter luta” pág. 21

resenha O livro que me leu pág. 22

crônica Alma pág. 22

antena Processo de impechment da presidente Dilma é aprovado na Câmara pág. 23

feminismo “Bela, recatada e do lar” pág. 24

simetria design Gráfico – projeto/editoraçãoWladimir senise – fone: 2309.6321

contraPonto é o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da PUc-sP.

rua monte alegre 984 – PerdizesceP 05.014-901 – são Paulo – sP

fone: 3670.8205

número 103 – maio de 2016

cill Press Gráfica e editorafone: 993.583.533

Erramos

Por uma falha técnica, deixamos de incluir o nome da estudante Tatiana Maria como uma das autoras da reportagem “Uma imagem vale mais do que mil

palavras?”, publicada na edição anterior (102) do Contraponto.

Se empurrar o Cunha cai

“Na manhã do último dia 5 de maio, o ministro Teori Zavaski, do Supremo Tribunal Federal afastou Eduardo Cunha de deu cargo como presidente da Câmara dos Deputados. Entretanto, Cunha não deixou de ser deputado, mas está impedido de presidir a casa.

Ao longo da tarde da quinta-feira, o STF decidiu por unanimidade (11 votos favoráveis x 0 contrários) suspender Eduardo Cunha de seu mandato de presidência na Câmara. Para juristas e políticos, a decisão foi considerada histórica, além de inédita. A Procuradoria Geral demorou 5 meses para enviar o pedido de afastamento de Cunha ao STF, mas finalmente o fez, após Teori defender que a permanência do deputado prejudica a investigação de seu envolvimento no esquema de corrupção.

Ainda no conturbado dia 5, o ex-presidente da Câmara disse em pronun-ciamento a imprensa que a decisão era “política”, e até mesmo uma per-seguição, por ter Liderado o Processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Em outros momentos de seu pronunciamento, Cunha insistiu na ideia de que sofre uma “retaliação”, usando o argumento da demora da liminar a ser apreciada, e disse que recorrerá a decisão;

As redes sociais foram um dos principais palcos da réplica de notícias do afastamento de Cunha. A situação do ex-presidente foi ironizada com posts de suas redes sociais, que sempre citavam deus. Frases de efeito como “para deus nada é impossível” foram usadas para representar a decisão que o STF tomou.

Ainda nas redes, a hastag “tchauquerido” foi uma das mais citadas, mun-dialmente, no twitter durante a tarde. Na Câmara, ainda puderam ser vistas placas com a mesma frase, que ironizava a “manifestação” de deputados pró-impeachment feita durante a votação do dia 17 de abril.

Na noite do dia 5, a deputada Luiza Erundina ocupou a cadeira de presidente da Câmara para protestar contra o vice-presidente de Eduardo Cunha, Waldir Ma-ranhão. Foi a segunda vez que a Deputada ocupou a antiga cadeira de Cunha.

Mesmo com o afastamento do peemedebista da presidência devemos lembrar que Cunha ainda não teve seu mandato de deputado cassado e que não foi preso. A luta nas ruas continua diante do coro “se empurrar o Cunha cai”, que a cada ato recebe a força de mais vozes.

EXPEDIENTE

3CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

Por Giovanna fabbri e maria eduarda Gulman

EcologiaCONTRAPONTO

Desde os primatas, por volta de 25 milhões de anos atrás, os ancestrais

dos seres humanos faziam uso de sua inteligência e criatividade para conseguir se adaptar ao meio ambiente e sobreviver na natureza. Se não fosse o desenvolvimento de ferramentas, instrumentos, armas e a mais recente tecnologia, o ser humano não teria conquistado tudo o que almejou e a natureza continuaria dominante. O homem se considera um vitorioso ao conseguir sobreviver a todas as dificuldades encontradas em sua ca-minhada ao longo da história, mas também para alcançar todo esse progresso, teve de explorar intensivamente o que há de mais importante para ele, a natureza.

Hoje em dia, o homem que ao mesmo tem-po que se glorifica esse avanço no conhecimento do planeta, não se pode esquecer de todos os problemas e sujeiras que isso gerou. A modernida-de veio com um discurso de desenvolvimento em todas as áreas - política, social e econômica. Toda-via, muito do que se foi premeditado no passado não se concretizou no futuro, “a modernidade não conseguiu abraçar tudo que disse que abraçaria”, afirmou Hélio Francisco dos Santos

Formado em engenharia ambiental e educador na mesma área, Hélio acredita que a ciência e toda essa ganância pelo conhecimento e desenvolvimento tecnológico levou o homem a uma ilusão de que a modernidade e suas tecno-logias iriam salvá-lo. “Foram quase 300 anos de uma fé insana nas máquinas, e o resultado que encontramos é a pior distribuição de renda do mundo e uma grande concentração de capital, bens e recursos. O avanço tecnológico é incrível, mas a pobreza continua, a falta de solidariedade continua, a violência continua”, revela Santos.

De acordo com o educador, além dessas transformações e destruições do meio ambiente, ainda mais recorrentes na modernidade e no de-senvolvimento do capitalismo, ocorreu também a substituição do tempo biológico humano para o tempo da máquina. O homem se desvinculou totalmente da natureza, uma vez que sustenta o uso de seu tempo na velocidade da máquina que ele mesmo criou, “foi substituído o tempo de olhar para si como ser conectado com o meio, para se olhar numa conexão com a máquina, com o trabalho, com o capital. Isso complica a nossa conexão com o espaço e com o tempo e nos faz esquecer da nossa verdadeira essência e necessi-dades como seres humanos”, afirma Santos.

Após todo esse desenvolvimento insus-tentável incentivado pelo ser humano, o próprio homem passou a sentir os efeitos – poluição do ar e da água, crise hídrica, desmatamento, estresse, doenças, extinção de espécies, entre muitos outros – e assim repensar suas ações frente ao planeta.

Em função disso, diálogos e conferências sobre o desenvolvimento sustentável marcaram o final do século XX, assim como o crescimento desse novo estilo de vida. Para o engenheiro ambiental, “o desenvolvimento sustentável sur-giu como uma forma de conservar e utilizar os recursos de hoje sem gerar complicações para

ção ambiental em suas mais diferentes formas. E esse diálogo só acontece quando saímos do nosso espaço individual para pensar o coletivo.

Em outras palavras, para incentivar prá-ticas sustentáveis, é preciso encontrar as mais diferentes formas de se ensinar sobre a educação ambiental. Conforme Marcos Sorrentino, um dos educadores ambientais mais influentes do Brasil, só iremos conseguir transformar nossa cidade, nosso planeta, se integrarmos a educação am-biental em outras áreas e de outras maneiras, seja através da música, dança, pintura, festivais etc., e sempre em conjunto com toda a diversidade. “a educação está além dos muros da escola. Ela está na rua, na cidade, no andar na cidade, no olhar a cidade, no perceber a cidade. Por isso é tão importante criar não só espaços democráti-cos de diálogos, intervenções e eventos culturais locais”, acredita Hélio.

Além do dialogar, precisamos concretizar o conversado. E como? Segundo o engenheiro, localmente. A mudança vem sempre debaixo. “Não adianta ficarmos somente esperando atitu-des de nossos governantes, até porque faz parte dos nossos deveres como cidadãos pensarmos a cidade que queremos”.

Portanto a partir de uma gestão coletiva e integrada, com parcerias entre iniciativas públicas, esforços empresariais e das mobilizações civis, será possível discutir as relações do porque e para quem, incentivar ações individuais e sobretudo coletivas e fazer as pessoas se sentirem parte, per-tencentes do processo e da cidade educadora.

Só mesmo integrando todas as escalas da sociedade para quebrar esse vácuo enorme da sustentabilidade e assim poder dizer que sim, é possível ser sustentável nesse mundo tão insustentável.

Insustentável mundo sustentávelEducação ambiental é a principal ferramenta de estímulo a práticas

e cidades sustentáveis

as gerações futuras. Nós, como seres humanos, estamos nos transformando e transformando o espaço e as estruturas a todo instante. Logo, é impossível ser completamente sustentável, mas podemos ser de várias formas”.

Com isso, muitas ações de curto prazo foram implementadas ao longo dos anos, por parte de governos, ONGs, movimentos sociais e até mesmo por parte de cada indivíduo.

Porém, apenas iniciativas como reci-clagem, composteira urbana, cisternas para o aproveitamento de água da chuva, aquecedor solar de baixo custo e hortas domésticas não são suficientes. Como afirma Hélio “para caminhar para a sustentabilidade, deve-se vincular uma educação à essa ferramenta, se não, os motivos mais profundos pelos quais elas realmente po-deriam servir se perdem. O ser sustentável hoje, como caminhamos e levamos a vida, não se dá em relação ao conceito: as relações de porque e para quem ser sustentável estão corrompidas”.

Além disso, ações de curto prazo são ape-nas gestões ambientais, e isso não é o suficiente, uma vez que as ferramentas para essas medidas paliativas devem existir na consciência do ser humano, “ela precisa ser atrelada à reflexões do fazer pedagógico, filosófico, político, econômico, social, cultural, ou seja, atrelada a educação”, explica o engenheiro ambiental.

Por isso, medidas a curto prazo não re-solvem o problema pela raiz. Ditar as regras é fácil, mas só isso não resolve. A educação, como sempre, é a chave de todos os problemas.

Segundo Hélio, para realmente incentivar, promover e estimular a cidadania sustentável é preciso formar cidades educadoras. E cidades educadoras só são possíveis através da integração de todas as diversidades. E essa integração só se torna possível através do diálogo sobre e educa-

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Pequenas ações geram grandes impactos

CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

Por eduardo Gayer, Gabriela tornich e laís martins

Após dois mandatos de Barack Obama, os Estados Unidos deve conhecer o

nome do seu novo presidente em oito de no-vembro. Com alguns candidatos polêmicos e que trazem propostas incisivas e controversas – o período pré-eleitoral aquece o país. Dentre os candidatos que oficializaram suas candidaturas estão, o milionário Donald Trump, Ted Cruz e John Kasich pelo Partido Republicano, e Hillary Clinton e Bernie Sanders pelo Partido Democrata. Vale lembrar que o governador da Flórida Jeb Bush, filho e irmão dos ex-presidentes norte-americanos George H. Bush e George W. Bush, respectiva-mente, desistiu, em fevereiro, da disputa interna entre os republicanos após o fraco desempenho nas pesquisas e nas primeiras prévias. O mesmo aconteceu com Marco Rubio, senador também pela Flórida, em 15 de março, depois de perder as prévias em seu curral eleitoral.

Donald Trump – O Partido Republicano que elegeu seu último presidente em 2001, Ge-orge W. Bush, agora aposta em Donald Trump e Ted Cruz para representar o conservadorismo contra os Democratas. Trump é um magnata americano e uma personalidade midiática que apela para discursos xenofóbicos e racistas. Dentre as suas propostas, o milionário promete deportar cinco milhões de imigrantes ilegais, construir um muro na fronteira contra o México para evitar o fluxo de imigrantes e também arca com a promessa de dar fim ao Estado Islâmico. Com políticas imigratórias que agem incisiva-mente sobre a população islâmica que vive nos Estados Unidos, Trump ganhou popularidade com as recentes ondas de ataques coordenados pelo grupo radical Estado Islâmico. O oportunis-mo do candidato aliado à perigosa generalização que se faz sobre o islamismo não tem tido bons efeitos nos Estados Unidos. Poucos dias após os ataques em San Bernardino, no estado da Califórnia, que deixou 14 mortos em dezembro de 2015, o candidato declarou que, se eleito, irá barrar completamente a entrada de muçulmanos no país.

Ao início da corrida pré-eleitoral, pouco se acreditava que Trump teria reais chances de chegar a algum lugar. Agora, está claro que ele não veio para brincar e tem reais pretensões de assumir a Casa Branca. Com propostas que beiram o absurdo, o candidato encontrou no elei-torado republicano, a ala mais conservadora da sociedade, um nicho. Com seu discurso firme e inovador, o milionário chamou a atenção de uma parcela do eleitorado que se encontrava frustrada com a política americana, principalmente no que diz respeito à economia.

O professor de História e Relações In-ternacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Luís Fernando Ayerbe, defende que embora apresente propostas bastante radicais, Trump não é completamente conservador. Para o professor, “o candidato nada mais é que um oportunista, que usa a caricatura de radical para promover-se”.

eleIções polêmIcas nos euaCandidatos trazem propostas controversas e aquecem o período

pré-eleitoral nas primárias dos partidos Democrata e Republicano

Ted Cruz – Para Ayerbe, deve-se prestar atenção ao outro candidato republicano, Ted Cruz, que é, de fato, conservador. Embora a imprensa estadunidense dê a ele muito menos atenção do que a Trump, o senador do Texas vem conquistando vitórias importantes nas prévias presidenciais.

De descendência cubana, o republicano é integrante do movimento ultraconservador dentro do Partido Republicano, o Tea-Party, conhecido por defender posições radicais contra imigrantes, movimentos sociais e sin-dicais. Respaldado por um discurso religioso, Cruz ataca o movimento LGBT e as pautas de direitos das mulheres, como a legalização do aborto. Além disso, a proposta do candida-to segue na contramão da atual política de Barack Obama de restrição às armas de fogo no país. Enquanto o atual presidente trava contra o Congresso uma verdadeira batalha para enrijecer o controle das armas de fogo, Cruz reafirma sua posição em favor do Lobby

recusando qualquer tipo de controle e pro-mete afrouxar a legislação. Após os ataques de San Bernardino, na Califórnia, o senador afirmou: “Você não se livra de pessoas más se livrando de armas. Você se livra de pessoas más usando armas”.

Para Ayerbe, se eleito, Ted Cruz irá aplicar medidas liberais para poupar gastos do Estado, como travar a reforma na saúde de Obama, e tentar reverter o processo de retomada das relações com Cuba.

É fato que Trump é um dos candidatos mais conservadores que o partido Republicano já ofereceu ao seu eleitorado. A postura do milio-nário inclusive, é motivo de preocupação dentro do próprio partido. Por isso, setores importantes da sociedade e entre os Republicanos estão se esforçando para consolidar Cruz como o nome republicano para as eleições presidenciais. Está claro que, caso saia vitorioso nas prévias, Trump deixará uma mancha que o partido Republicano custará para limpar.

Choque ideológicoCONTRAPONTO

Pré-candidatos pelo partido Republicano à presidência: o bilionário Donald Trump (à esq.) e o fundamentalista cristão Ted Cruz, já fora da corrida

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“O candidatO [dOnald trump] nada mais é que um OpOrtunista, que usa a caricatura de radical para prOmOver-se”

(luís FernandO ayerbe)

�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

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Pré-candidata Hillary Clinton pelo partido Democrata

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Bernie Sanders, pré-candidato pelo partido Democrata

“O candidatO (trump) nada mais é que um OpOrtunista, que

usa a caricatura de radical para prOmOver-se”

(luís FernandO ayerbe, prOFessOr de História e relações internaciOnais)

Hillary liderava com uma segura margem, mas com vitórias recentes em importantes Estados, Sanders briga pelo páreo. As vitórias de Sanders confirmam a resistência do eleitorado mais jovem e pobre, já cansado do “establishment” norte-americano (elite social, econômica e política que exerce forte controle sobre o país) do qual a ex-primeira dama dos EUA faz parte.

Hillary Clinton – Hillary aposta na con-tinuidade do incentivo ao voto feminino, inicial-mente influenciado pela atual primeira dama Michele Obama e o presidente. Principalmente as mães solteiras, fiéis eleitoras do Partido De-mocrata, estão sendo encorajadas a se apro-ximarem das urnas, tanto nos votos como nas candidaturas. Em números, é nítida a diferença em relação aos republicanos que têm 70% de seu eleitorado casado.

Contribuindo com o processo de inclusão da mulher, a Emily’s List foi fundada por Ellen Malcolm em 1985, é a maior organização do país dedicada a recrutar, treinar, e apoiar as mu-lheres na política americana, em qualquer nível de representação. Atualmente o grupo apoia a candidatura de Hillary, pois eleita será a primeira mulher da história a chegar a presidência dos Estados Unidos, um grande passo para a ocupar a ausência feminina na política, reforçando o discurso de necessidade do protagonismo da mulher em todos os campos decisivos.

Ayerbe aponta que possivelmente com Hillary, a política externa dos EUA será um pou-co mais agressiva. Em comparação a Obama que só se envolveu em conflitos em situações extremas, a ex-secretária deve dar continuidade na relação com o Irã e Cuba, mas por ser mais dura em suas posições, será mais assertiva e deve mostrar o poder estadunidense ao mundo.

Em sua posição de senadora, votou a favor das ações militares no Afeganistão e no Iraque, porém posteriormente se opôs à maioria das condutas nacionais e externas de George W. Bush. Em sua posição de secretária de Estado, defendeu a intervenção militar na Líbia e visitou mais países que qualquer outro secretário.

A experiência e vivência política de Hillary a tornam popular entre a parcela mais velha do eleitorado democrata, enquanto as propostas ultra-liberais de Sanders fazem apelo a uma parcela dos jovens.

O socialista acusa a ex-secretária de Esta-do de se alinhar com políticos corruptos e com Wall Street, algo que ele sempre mina em seus discursos. Aliás, a troca de acusações entre os candidatos é muito comum e aquece os debates do partido Democrata.

Bernie Sanders – Alinhado com propos-tas de esquerda, Sanders desponta como um fenômeno no país, agarrado ao neoliberalismo

desde a década de 70. O pré-candidato tem tido uma postura bastante crítica em relação aos es-peculadores de Wall Street, que, de acordo com ele, são os responsáveis pela crise econômica de 2008, que ainda hoje mostra seus efeitos.

Para o historiador da Unesp, André Janu-ário, “Sanders pode ser considerado um ponto fora da curva, pois é um dos poucos políticos so-cialistas dos Estados Unidos. Sua ideia de utilizar o socialismo através da via democrática, ao meu ver, lembra muito os governos sul-americanos da última década, como Lula no Brasil, com ideias voltadas aos mais pobres e à classe média”. Bernie Sanders tem conquistado a simpatia dos eleitores jovens e de classe média e baixa, por suas propostas altamente reformistas como a implementação de um sistema universal de saúde e de ensino superior gratuito por meio de taxação dos bancos. Talvez, justamente por isso, Bernie tenha vencido, até o presente momento, em Estados que não lideram a lista dos mais ricos dos Estados Unidos.

Entretanto, o democrata socialista não é aceito por toda a classe média e baixa, sobretudo em estados com PIBs mais elevados. Chris Lemke, por exemplo, cidadã de Las Vegas (Nevada) que se diz de classe média, afirma que não votará em Sanders por ‘não compactuar com governos que dão tudo de graça aos cidadãos’: “Eu sou mais conservadora. Quanto mais o governo te dá benefícios, menos controle você tem sobre sua vida. Eu fico muito revoltada ao ver adultos sem emprego, mas que tem telefones celula-res. Sem contar que o Obamacare (projeto do governo federal norte-americano que obriga os cidadãos a ter plano de saúde) é muito caro para o Estado”.

Há quem diga que a referida ascensão da esquerda norte-americana significa um desgaste do modelo neoliberal. Mas há também os que pensam semelhante ao sociólogo Tiago Tomazi, “a principal oposição ao governo Obama vem justamente das medidas social-democratas propostas”, e não realmente de esquerda. O crescimento de votos em candidatos de esquerda, para ele, se justificaria apenas pelo contexto de crise, “historicamente, os extremos se exaltam. Isso acontece também com os pensamento ex-tremistas de direita, vide o crescimento do apoio ao Trump”.

Questionado sobre a utilização do termo “socialista” para definir Bernie Sanders, cunhada pelo próprio pré-candidato, mas contestada por muitos especialistas, Tiago segue na mesma linha que alguns colegas, “algo padrão no socialismo real é a propriedade estatal dos meios de pro-dução, assunto nem mencionado por Sanders. Portanto, na minha visão, é um equívoco usar o termo socialista para defini-lo”. André Januário, apesar de valorizar o salto dado à esquerda pela sociedade norte-americana, também crê que San-ders é apenas um social-democrata na medida em que se distancia de uma Revolução Socialista.

Com poucas prévias faltando, os candi-datos se aproximam de uma definição. Entre os democratas, Hillary precisa de menos de 250 delegados para se consagrar como a candidata da legenda. No partido Republicano, Trump está a pouco menos de 300 delegados de confirmar-se como o candidato republicano. No entanto, as recentes prévias mostraram que a disputa não será tão fácil e que tanto Sanders, quanto Cruz brigarão até o fim pela chance de se tornar o candidato à presidência pelos seus partidos.

Como funcionam as eleições nos Estados UnidosO processo eleitoral nos Estados Unidos é bem diferente do brasileiro – aliás, o voto lá é indireto

e opcional. Por lá, a eleição de um presidente começa no momento em que os cidadãos escolhem seus de-

legados, isto é, aqueles que os representarão nas prévias.Em seguida, esses delegados, proporcionais à população do Estado, escolhem, entre os candidatos

do partido, aqueles que representarão as duas maiores legendas – o Partido Democrata e o Partido Republicano - nas eleições à presidência. Para conquistar esse posto, um democrata deve receber 2.382 votos de delegados, ao passo que um republicano deve receber apenas 1.237.

Posta a eleição final, 538 delegados decidem, no Colégio Eleitoral, quem se torna presidente dos Estados Unidos.

Entre os democratas, partido do atual presidente Barack Obama, o cenário também é disputado. Concorrem à candidatura pela legenda Hillary Clinton, ex-secretária de Estado e ex-senadora dos EUA, e Bernie Sanders, um socialista do Vermont que até então não tinha destaque na cena política. No início das prévias,

CONTRAPONTO6 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

Por andré vieira

O último mês de março foi, com certe-za, um dos meses mais importantes

para a história recente de Cuba. A visita do pre-sidente norte-americano, Barack Obama, no dia 20, e o show gratuito para mais de 1.3 milhão de pessoas da banda inglesa The Rolling Sto-nes, no fim do mês, mostraram ao mundo uma abertura lenta e progressiva do exaurido regime político cubano; e que, futuramente, os EUA e a ilha caribenha poderão reatar laços diplomáticos mais profundos.

A visita do líder norte-americano Obama configurou um momento histórico entre as duas nações. Primeiramente porque se tratava da pri-meira vez, em 89 anos, que um presidente esta-dunidense pisava em solo cubano com intenções de abrir um diálogo minimamente democrático. Ademais a importância simbólica, foi um mo-mento onde também se pensaram medidas para a melhoria das condições de vida dos cubanos expatriados ou dos americanos com famílias em Cuba, além de, claro, encontrar novos caminhos para o fim do embargo econômico cubano que dura mais 60 anos.

Atualmente, o país caribenho enfrenta uma das piores crises econômicas de sua história, principalmente graças às graves crises política e econômica venezuelanas – que evitam que gran-de remeças de petróleo cheguem a Havana – e ao engessamento do mercado russo-ucraniano, o maior patrono cubano, que sofre grandes san-sões econômicas da União Europeia. Além disso, a ilha caribenha ainda sofre com a devastadora crise que assola a Europa desde 2008, que con-tribui para isolar ainda mais a já longínqua Baía dos Porcos. Contudo, a tempestade não só atinge as magras colheitas e as calmas praias cubanas; o líder e símbolo revolucionário Fidel Castro tem sinalizado, também, sua gradual retirada da vida política.

De fato, desde 2008, com o anúncio da sa-ída de Fidel do centro do espectro político, houve mudanças políticas que, embora tenham parecido pequenas e bem específicas, mostraram-se ex-pressivas dado o grande isolamento do regime: a entrada de empresas e indústrias estrangeiras, a flexibilização nas normas de trabalho e na remessa de lucros dessas empresas e, sobretudo, a mo-dernização de setores arcaicos da econômica via capital estrangeiro chamaram a atenção de inves-tidores mundo afora. Talvez a principal “reforma” política realizada em Cuba, nesses últimos anos, tenha sido a mudança do âmbito de poder de Fidel para seu irmão Raúl Castro, ex-comandante da Forças Armadas Cubanas.

Dessa forma, a troca de governantes cuba-nos representa uma ressignificação da imagem de Cuba aos olhos do “grande mercado” capitalista, não à toa o representante da maior nação capi-talista do globo fez questão de visitar a ilha que, de súbito, reapareceu no mapa-múndi.

É esse teor simbólico da mudança que o professor do Departamento de Relações Interna-cionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Geraldo Zahran, credencia como principal

encontro em Havana: o fIm do

embargo econômIco?Em clima de renovação interna e externa, o país mostra seu semblante ao receber dois dos principais representantes do

“mundo livre”: o presidente Barack Obama e a banda britânica Rolling Stones

agente modificador das relações entre cubanos e norte-americanos. “A saída de Fidel Castro para a entrada de Raúl tem um impacto simbólico muito forte, pois, mesmo os dois sendo irmãos, a imagem da revolução era Fidel. Dessa forma, com o afastamento do ícone revolucionário do centro do governo cubano, as relações diplomá-ticas entre os Estados Unidos e Cuba puderam ser facilitadas. Era impensável ver um presidente norte-americano sentado ao lado de Fidel assis-tindo um jogo de Beisebol”, afirmou.

Oficialização – Contudo, ao observar as mudanças políticas que ocorrem em Cuba desde 1990, pode-se dizer que a visita de Obama não passou de uma oficialização de um longo proces-so originado da década de 90, mais especifica-mente, 1991; época que há o fim tripé do estado operário – economia planificada, propriedade coletiva dos meios de produção e monopólio do comércio exterior – juntamente com o término do grande subsídio soviético da já desmantelada

União Soviética. É desse momento em diante que o comércio externo passa a ser feito diretamente pelas empresas e não mais pelo estado, e há a criação de empresas de capital misto (51% esta-tal, 49% privado) que atendem, diretamente, à “leis de mercado” superexplorando o trabalha-dor cubano e cortando direitos trabalhistas.

“Podemos dizer que a passagem de poder a Raúl Castro não abriu um canal de aproximação do governo norte-americano com Cuba, pois esse canal já estava aberto desde o início dos anos 90 pelo processo de restauração capitalista”, afirma Marcos Margarido, militante do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unidos). “Ao tomar a decisão de uma reaproximação formal com Cuba, com o restabelecimento de relações diplomáticas, Obama não fez nada mais do que oficializar politicamente o que já existia nas relações econômicas de forma disfarçada – o fim do bloqueio – e assim abrir as portas de um mercado - pequeno, mas a 200 Km de distância – às suas empresas. Não só para exportar, mas,

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O dia 20 de março foi palco do encontro histórico entre Barack Obama e Raúl Castro

“cuba sempre FOi um empecilHO para as pOlíticas na américa latina. nãO se trata apenas de uma relíquia dO passadO Ou

de um país Onde O isOlamentO ecOnômicO nãO FunciOnOu; cuba sempre criOu prOblemas na relaçãO dOs estadOs unidOs cOm O

brasil, cOm a argentina, a cOlômbia etc. assim, sanar Os impasses pOlíticOs é muitO interessante para O gOvernO nOrte-americanO.”

(geraldO ZaHran, prOFessOr)

�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

Reunindo um público superior a 1.3 milhão, o show dos Rolling Stones em Cuba foi enorme sucesso misturando o clássico da música britânica

com o fervor da platéia caribenha

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principalmente, para instalar-se lá e aproveitar as excelentes condições de superexploração dos trabalhadores cubanos que o novo Código do Trabalho, aprovado em dezembro de 2013, ofe-rece às empresas de todo o mundo”, completa Margarido.

A reabertura ou, melhor, a oficialização frente às câmeras de televisão e aos olhos dos jornalistas do mundo inteiro, desse diálogo entre Cuba e Estados Unidos representa, mais do que nunca, a retirada da forte presença contestadora cubana frente aos programas e políticas ianques na América Latina. Desde a inolvidável revolução que ocorreu “embaixo dos narizes americanos” - como Fidel ressalta em sua célebre frase -, Cuba sempre foi uma pedra no sapato norte-ameri-cano, dificultando, atrapalhando e barrando o desenfreado avanço imperialista no continente. Dessa forma, com a ilha caribenha fora do cami-nho, haveriam maiores avanços com os demais países anti-imperialistas na América do Sul e no Caribe. “Cuba sempre foi um empecilho para as políticas na América Latina. Não se trata apenas de uma relíquia do passado ou de um país onde o isolamento econômico não funcionou; Cuba sempre criou problemas na relação dos Estados Unidos com o Brasil, com a Argentina, a Colôm-bia etc. Assim, sanar os impasses políticos é muito interessante para o governo norte-americano.”, explica Geraldo.

O outro lado – Por outro lado, essa pseu-

do abertura política pode significar, para Cuba, voltar à sua renegada condição de “república das bananas” ou, ainda, de “bordel das Américas” quando viveu a condição de semicolônia e fanto-che ianque no começo do século XX. É regredir ao estado de uma colônia de férias norte-americana, da precarização das instituições e movimentos sociais, do descaso dos direitos humanos mais fundamentais, da legalização da prostituição, enfim, é sucumbir aos anseios de mercado, violentar os direitos trabalhistas conquistados à

sangue e suor e rasgar a constituição feita pelo povo em detrimento dos valores de mercado mais esdrúxulos.

Vale ressaltar, no entanto, que mesmo o governo se auto titulando do povo, popular e “democrático”, atualmente, ele não representa nada além de uma ditadura imposta por gestões dos irmãos Castro e, sobretudo, de burocratas, generais, agentes públicos e militares que im-põem, mesmo que veladamente, a sua vontade perante os anseios de milhões de trabalhadores e trabalhadoras. O dito governo proletário e o ideal de democracia do proletariado, bases da Revolução de 1959, não passam de propagandas ilusórias difundidas pelos pseudo defensores do povo e interesses do coletivo.

“Não se vê uma abertura política em Cuba, mas sim a continuidade da ditadura do Partido Comunista cubano, que hoje é exercida num sistema capitalista, isto é, é uma ditadura burguesa. Apesar das contínuas declarações do imperialismo, principalmente do governo norte-americano, contra a falta de “direitos humanos” em Cuba – feitas inclusive durante a visita de Obama – elas não passam disso: declarações vazias, pois o governo dos EUA está muito contente com a possibilidade de se aproveitar da oportunidade aberta pelo governo cubano”, afirma Margarido lembrando também que “o objetivo de Obama e do Governo cubano, com Raúl Castro à frente, mas com aprovação total de Fidel, é instaurar em Cuba um sistema produtivo igual à China, de produtos destinados à exporta-ção sob o comando das grandes multinacionais norte-americanas e europeias, com a vantagem de estar a poucos quilômetros das fronteiras dos EUA. O Porto de Mariel, construído pela corrupta Odebrecht, é uma etapa nessa estratégia”.

Nessa toada, é possível notar que esse grande projeto de “modernização, transparência e reforma” – uma autêntica Perestroika caribenha – adotado pelos governo cubano, apoiado pelas políticas externas da Casa Branca e evidenciado

pelos veículos de mídia ao redor do globo retrata, na verdade, um ensaio do desmonte das insti-tuições públicas, do fim dos direitos trabalhistas cubanos e, sobretudo, da precarização da já decadente economia e qualidade de vida cubana. Ademais, com a instauração do “livre mercado cubano” e com a retirada do embargo econômico ianque é possível que o novo semblante cubano chame a atenção dos exilados políticos cubanos, principalmente aqueles exilados na Flórida, e os instigue a adquirir uma enorme quantidades de terras e bens da antiga união configurando, as-sim, uma grande desproporcionalidade de poder entre os “cubanos estrangeiros” e os cubanos originários.

Essa iniciativa pode surgir, ainda, de um desejo perverso, desejo de vingança por parte desses cubanos: a geração pró Fulgência Batista pode, enfim, retornar ao paraíso americano de férias e castigar o pobre povo cubano por ousar desafiar o imperialismo norte-americano. “Talvez um dos maiores problemas que rondam o futuro da ilha caribenha são os cubanos exilados. Do-tados de um poder econômico assimétrico, em relação aos cubanos que vivem em Cuba, eles podem, com relativa facilidade, adquirir muita propriedade e, dessa forma, muita influência política dentro da ilha transformando-a, possi-velmente, num recanto de férias de luxo, uma alusão à Flórida”, completa Geraldo.

Perspectivas – Em meio a essa gradual

abertura política e, verdadeiramente, primeira experiência como república democrática – infeliz-mente, em Cuba nunca se constituiu uma nação legitimada pela voz democrática; da Espanha aos Estados Unidos e dos Estados Unidos para os irmãos Castro, a história da ilha caribenha sempre andou ao lado dos mais diferentes tipos de regimes autoritários sob espectros políticos diferentes – é possível imaginar cenários políticos e econômicos diversos.

Dos favoráveis, onde há a criação de instituições políticas e sociais e manutenção de conquistas advindas da revolução de 1959, até os mais nebulosos, com reprodução de abomi-nações neoliberais, venda do patrimônio públi-co, privatização das estatais, cortes em direitos trabalhistas e terceirização do trabalho como já visto na Argentina, Bolívia e Brasil.

Seja como for é necessário, mais do que nunca, que o espírito irreverente, ousado e libertador da grande revolução cubana esteja presente nos corações e mentes de cubanos, nesse momento de transição. Que a memória da luta por direitos, de justiça social e liberdade resista aos encantos do livre mercado, à terrível escavadeira das empresas internacionais e aos maliciosos anseios do mercado especulativo; aci-ma de tudo trata-se de um momento onde: “os trabalhadores cubanos tomem seu destino em suas próprias mãos, derrotem o governo cubano, e instaurem uma verdadeira democracia, a de-mocracia operária, sem ceder ao canto de sereia da “democracia” imperialista e rumem para uma nova revolução socialista naquele país.“, exalta Margarido.

É chegada a hora do surgimento de um sentimento coletivo de esperança, fé e confiança entre os já acomodados e desesperançosos cida-dãos cubanos; de uma verdade que emerge entre falácias e farsas recicladas ao longo de décadas, de, enfim, constituir um Estado onde o povo pode, finalmente, ditar os rumos democráticos da nação.

CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

Por Giulia villa real, isabel rabelo e Juliana munaro

Ofensiva pretende limitar direitos e restringir as liberdades

a extrema-dIreta ataca na amérIca do sul

A extrema-direita surgiu na França du-rante a Revolução Francesa de 1789,

quando uma parcela da população recusava a República e lutava contra a revolução a fim de restaurar a monarquia e a aristocracia francesa. Desde então, surgem vários movimentos e gover-nos de extrema direita, sendo os mais conhecidos o Fascismo, o Nazismo e a Ku Klux Klan.

A política da extrema direita é de hierar-quização da sociedade e de apoio à supremacia de indivíduos ou grupos, considerados superiores e mais valorizados do que os outros, reconhe-cendo a desigualdade como algo necessário. É normalmente associada ao ataque aos direitos humanos, composta por preconceituosos, ra-cistas, fundamentalistas religiosos, entre outros. Suas ações são baseadas na meritocracia, no nacionalismo, autoritarismo e anticomunismo.

A história da América do Sul é marcada por violentas ditaduras militares, em sua maioria regidas pela direita conservadora, que deixam marcas nas sociedades até os dias atuais. Hoje, há desconfianças em relação a grupos defensores das vertentes direitistas que têm ganhado cada vez mais força na política e em alguns casos ameaçando novamente a democracia.

Brasil – Vem crescendo no país a extre-

ma-direita com políticos ligados às correntes evangélicas, principalmente neopentecostais. Com ideais altamente conservadores e discursos de ódio contra as minorias, a exemplo dos de-putados Eduardo Cunha, Jair Bolsonaro e Marco Feliciano, eles trazem um retrocesso para a socie-dade brasileira, ao infringir os direitos humanos e defender o uso da violência.

Com grande influência e apoio de igrejas e dos fiéis evangélicos (25% da população), há uma ampla participação desses políticos na Câmara dos Deputados e no Senado atualmente. Na votação feita pelos deputados para o prosseguimento do impeachment da presidente Dilma Rousseff, no dia 17 de abril, essa participação ficou evidente com a quantidade de vezes em que Deus foi mencionado nas justificativas dos votos.

O Brasil, embora seja um Estado laico, pos-sui um sistema de governo com muitos religiosos, que buscam aprovar projetos apenas para o interesse particular e do grupo ao qual pertence, caracterizados pela intolerância e pelo ódio.

Colômbia – Na Colômbia, foi formada, em 1997, a AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), um grupo paramilitar de extrema-direita para combater as guerrilhas de inspiração comunista, como as FARC (Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia) e o ELN (Exército de Libertação Nacio-nal). Financiados principalmente pelo narcotráfico e por multinacionais, o grupo foi responsável por milhares de mortes e assassinatos de civis, cam-poneses, sindicalistas, entre outros.

Em acordos com o presidente Álvaro Uribe (2002-2010), a AUC foi desmobilizada. No en-tanto, ainda existem combatentes dispersos pelo território e identificados como Bacrim (Bandas criminales emergentes).

ReaçãoCONTRAPONTO

Venezuela – O atual governo da Ve-nezuela é presidido pelo esquerdista Nicolás Maduro, tendo sua liderança legitimada pelos chamados chavistas, termo que surgiu para representar grupo apoiador da ideologia de Hugo Chavez, ex-presidente venezuelano eleito democraticamente cinco vezes em 14 anos. Os chavistas também foram os grandes responsáveis pelas sucessivas vitórias da esquerda ao longo dos últimos 17 anos.

As disputas entre a coalizão opositora de direita, representada principalmente pela Ação Democrática (AD) e a Mesa da Unidade Democrática (MUD), e tendo atualmente como principal líder radical o elitista Leopoldo Lopéz, fundador do partido Voluntad Popular e conde-nado a 13 anos de prisão em 2015 sob diversas acusações incluindo a de associação criminosa, e os grupos chavistas apoiadores do governo de Maduro, renderam no passado e rendem até hoje diversos episódios violentos, sendo um dos últimos e mais violentos os protestos ocorridos em 2014, no qual opositores de direita, liderados por Lopéz, bateram de frente com grupos pró-governistas, criando uma onda de violência de ambos os lados, que levaram a diversos mortos e um número ainda maior de feridos.

Paraguai – A Asociación Nacional Repu-blicana, popularmente conhecida como Partido

Colorado, fundada em 1887 e característica por sua ideologia de direita e extremamente conservadora, governou o pais sul-americano desde sua criação, com exceção do período de 1904 à 1946, incluindo os 35 anos de ditadura de Alfredo Esstoener.

Em 2008, contudo, o Partido Colorado perdeu as eleições, sendo o ex-bispo, de corrente esquerdista e apoiador de movimentos sociais e dos sem-terra, Fernando Lugo, eleito o novo presidente paraguaio, e rompendo com os muitos anos de governo de direita.

Porém, no ano de 2012, Lugo perdeu um processo de impeachment inconstitucional, ocor-rido em pouco mais de 24 horas tendo apenas duas horas para sua defesa, também chamado de “golpe de Estado parlamentar”, promovido por opositores no Senado, que, em quase sua totalidade, é formado por direitistas. Lugo foi destituído do cargo sob alegação de “fraco desempenho de suas funções” e a ação foi con-siderada tanto pela Unasul quanto pelo Mercosul antidemocrática, que excluíram o Paraguai dos blocos. Em 2013, meses depois da destituição de Lugo, o Partido Colorado voltou ao governo do país, dando continuidade ao seu reinado de que totalizava até então, seis décadas.

Peru – O atual presidente peruano é Ollanta Humala, líder do partido de esquerda

Brasil: Culto evangélico realizado na Câmara dos Deputados fere artigo da Constituição Federal

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Venezuela: Durante protesto na Venezuela, estudantes de direita atropelam policiais, deixando dois mortos e 12 feridos

argentina: Manifestação contra a regulamentação da

“Lei de Medios”, que afetaria os direitos à liberdade de expressão e de acesso à

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

Chile – Em meio a um governo de esquerda de Michelle Bachelet, surgiu o partido de extrema direita Orden Republicano Mi Patria, liderado pelo neto do falecido ditador Augusto Pinochet, Pinochet Molina. Seria uma “última tentativa” de continuar com o legado do ditador, exaltando a campanha de “derrotar o marxismo” no Chile. O partido declara-se contra o casamento homossexual, a reforma da educação e da legalização do aborto e é a favor de maiores restrições para imigrantes.

Suriname – Foi colônia da Espanha, da Inglaterra e subsequentemente da Holanda, até 1975, quando conseguiu a independência e mudou de nome – até então se chamava Guiana Holandesa. Em 1980, sofreu um golpe militar de ideologia socialista, liderado por Dési Bouterse, que durou até 1988. Hoje, o ex-líder militar, Bouterse é presidente, eleito democraticamente em 2010. O país vive em uma fase de estabilidade política e a extrema-direita não possui força.

Guiana – O país onquistou sua inde-pendência da Inglaterra em 1966 e tornou-se república em 1970 e é governado pelo presidente David Granger junto ao primeiro-ministro Moses Nagamootoo, desde 2015. Por ser composto por diversas etnias, entre elas, de origem indiana (43%), africana (30%) e indígena (9%), ocorrem divergências.

A Guiana possui marcas de racismo negro, deixadas pelo período colonial e que se encon-tram muito presentes na sociedade até os dias atuais. Principalmente entre 2002 e 2006, houve muitas perseguições policiais contra guianeses africanos, causando centenas de mortes. No governo de Granger, a situação foi amenizada, mas ainda não extinta.

Equador – O país é governado por Rafael Correa, do partido Alianza País, desde 2007, quando logo formou uma aliança com o Partido Socialista-Frente Amplio e o Partido Comunista. Seu governou autodenominou-se de “Revolução Cidadã” devido às reformas políticas e sociais e mudanças estruturais. Em 2011, sua popularida-de chegou a 81%, porém ultimamente a direita vem crescendo e na ultima eleição para prefeitura teve diversas vitórias.

Em Quito, capital do Equador, Mauricio Rodas, líder do partido Sociedad Unida Más Ac-ción (SUMA) foi eleito. Durante a adolescência, foi vice-presidente da ala jovem do Partido Social Cristão, grupo político lembrado pelas torturas e desaparecimentos durante o governo de León Febres Cordero. Para Correa, a vitória da extre-ma-direita em Quito poderia iniciar um período de instabilidade política e colocar em risco seu projeto de governo socialista.

Uruguai – Tabaré Vázquez e José Mujica foram os últimos presidentes do Uruguai, ambos do partido centro-esquerda Frente Ampla. Apesar de possuírem uma forte oposição de direita, ela não é radical.

Em 2006, foi achado na baía de Montevi-deu um “troféu de guerra” alemão, uma águia de dois metros com uma suástica. Sua exposição foi breve, pois surgiu um conflito relacionado à peça: para o ministro alemão das Relações Exteriores, a exposição enaltece os ideias do nazismo, devendo evitar que símbolos nazistas sejam comercializados; já os responsáveis pelo resgate desejam obter lucro sobre sua venda ou exposição.

Nacionalista Peruano, recebedor de apoio público de Hugo Chavéz e Evo Morales, presidentes da Venezuela e da Bolivia, respectivamente.

No entanto, atualmente, está em curso uma eleição para decidir o sucessor de Humala. Pesquisas apontam que a ganhadora mais prová-vel é Keiko Fujimore, do partido conservador For-ça Popular, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, que ficou no poder de 1990 a 2000 e hoje está preso, condenado por crimes lesa humanidade por permitir a ação de grupos de extermínio contra civis, responsabilizado pelas chacinas de Barrios Altos em 1991 e La Cantuta em 1992 e corrupção, recebendo pena de 25 anos.

A corrente fuijmorista, como ficou co-nhecida, ainda deixa simpatizantes, dividindo opiniões entre os que apoiam o governo de Keiko, pois consideram que seu pai pôs fim ao terrorismo e à crise econômica, e os que veem sua candidatura com extrema desconfiança, não esquecendo os motivos pelos quais o ex-gover-nante encontra-se preso.

Bolívia – Governando a Bolívia por mais de uma década e durante o seu terceiro man-dato, o atual presidente boliviano é o indígena Evo Morales, símbolo da esquerda no poder no continente americano e responsável por implementar políticas de nacionalização das in-dústrias de petróleo e de gás, sendo esse último intensamente disputado pelos países fronteiriços com a Bolívia e por lutar pela autonomia não só boliviana como também de todos os países da América Latina.

Em fevereiro deste ano, foi realizado um referendo para decidir se haveria possibilidade de alterar a constituição boliviana para que Morales pudesse se reeleger nas próximas eleições, porém a oposição de direita ganhou forças, principal-mente devido as sucessivas vitórias também em regiões como a Argentina e até mesmo Venezue-la, e o voto “não” para uma possível recandida-tura de Morales teve números superiores aos de “sim”, impedindo-o de participar das próximas eleições. Assim, a direita antes enfraquecida, agora prospera com a grande possibilidade de eleger um direitista como próximo presidente.

Argentina – Em dezembro de 2015, o líder de uma frente de direita, Mauricio Macri, último prefeito de Buenos Aires e ex-presidente do clube Boca Juniors, assumiu a presidência do país e pôs fim aos 12 anos de governo kirchne-rista de esquerda. Macri tem grande apoio da população conservadora e concordou com gru-pos de extrema direita no pedido de soltura dos militares presos por mortes e torturas durante a ditadura, liberando cinco até agora.

Além disso, os grupos de extrema direita vêm se expandindo e preocupando ativistas dos direitos humanos. A Argentina é o país la-tino-americano com maior numero de páginas neofascistas na internet, ferramenta que facilita a divulgação e a comunicação entre os adeptos. Isso é evidenciado nas últimas manifestações pedindo a volta da ditadura militar e o crescente número de jovens com símbolos neonazistas, como tatuagens com a cruz de ferro.

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Brasil – Vem crescendo

no país a extrema-direita

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Venezuela – As disputas entre a coalizão opositora

de direita, representada principalmente pela

Ação Democrática (AD) e a Mesa da Unidade

Democrática (MUD), e tendo atualmente como

principal líder Leopoldo Lopéz, fundador do

partido Voluntad Popular

Paraguai – Em 2013, meses depois

da destituição de Lugo, A Asociación

Nacional Republicana, popularmente

conhecida como Partido Colorado,

fundada em 1887 e caracterizada

por sua ideologia de direita e

extremamente conservadora voltou

ao governo do país.

Peru – Atualmente, está em

curso uma eleição para

decidir o sucessor de Humala.

Pesquisas apontam que a

ganhadora mais provável é

Keiko Fujimore, do partido

conservador Força Popular.

BolíVia – Foi realizado um referendo

para decidir se haveria possibilidade

de alterar a constituição boliviana para

que Morales pudesse se reeleger nas

próximas eleições e o voto “não” para

uma possível recandidatura de Morales

teve números superiores aos de “sim”

argentina – Em dezembro de 2015, o

líder de uma frente de direita, Mauricio

Macri, último prefeito de Buenos

Aires, assumiu a presidência do país

e pôs fim aos 12 anos de governo

kirchnerista de esquerda.

Chile – Em meio a um governo de esquerda

de Michelle Bachelet, surgiu o partido

de extrema direita Orden Republicano

Mi Patria, liderado pelo neto do falecido

ditador Augusto Pinochet, Pinochet Molina.

uruguai – Tabaré

Vázquez e José Mujica

foram os últimos

presidentes do Uruguai,

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possuírem uma forte

oposição de direita, ela

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ColômBi – foi formada, em 1997, a AUC

(Autodefesas Unidas da Colômbia), um grupo

paramilitar de extrema-direita para combater as

guerrilhas de inspiração comunista, como as FARC

(Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia) e o

ELN (Exército de Libertação Nacional).

equador – Em Quito, capital

do Equador, Mauricio

Rodas, líder do partido

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Acción (SUMA) foi eleito.

CONTRAPONTO10 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

Por augusto oliveira, daniel Yazbek, isabela rovaroto, Pedro assis

e Pedro Prata

não roubo merenda, eu não sou deputadoCom a agitação do cenário nacional, torcidas organizadas

realizam protestos contra práticas no âmbito do mundo da bolae das instituições

Um número de torcedores anda em grupo. Todos devidamente unifor-

mizados com a camisa do seu time carregam faixas e cantam músicas previamente decoradas. Esse cenário, que muitos já devem pensar se tratar de um pré-jogo, na verdade ocorreu no dia 31 de janeiro, longe dos estádios, na frente da Federação Paulista de Futebol (FPF). A Gavi-ões da Fiel, principal torcida organizada ligada ao Corinthians, realizou um protesto contra a entidade que regula o futebol no estado de São Paulo. Desde então, a uniformizada tem realiza-do diversos protestos com uma pluralidade de reivindicações como, por exemplo, preço dos ingressos, monopólio da transmissão dos jogos, críticas à gestão da FPF e transparência na gestão da nova arena. Procurada, a Federação não quis dar entrevista.

Mas a Gaviões da Fiel não se restringiu ao mundo da bola. Dois meses após terem feito seu primeiro protesto, os integrantes da organizada se reuniram em frente à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, com uma faixa onde se lia “CPI da merenda já”. Foi um apelo para que os deputados estaduais instaurem uma investigação contra o presidente da Assembleia, deputado Fernando Capez (PSDB), acusado de receber propina em esquema de superfaturamento da merenda escolar. Capez, que nega as acusações, foi ativo inimigo das torcidas organizadas no passado e agora se torna um dos principais alvos dos torcedores.

Em entrevista exclusiva para o Contra-ponto, o comentarista esportivo Juca Kfouri destacou o contexto político no qual a Gaviões foi criada e como esse viés político se perdeu. “A Gaviões já nasceu politizada, nasceu para confrontar o ditador Wadi Helu. [...] Com o tem-po, a Gaviões perdeu-se nesse mar de violência e isso evidentemente não faz bem para a sua imagem”, comentou. Além disso, ele acredita que propostas como o fim das organizadas só comprovam a ineficiência do Estado em relação à violência nos estádios.

Os Gaviões – A torcida organizada ligada ao Corinthians tem um viés político atrelado à forma de torcer que vem desde a sua fundação, no dia 1º de julho de 1969. Nasceu da vontade de um grupo de torcedores que desejavam discutir a gestão do clube de futebol em plena Ditadura Militar. Se opunham à administração do deputado da ditadura Wadi Helu, que por diversas vezes tentou acabar com o grupo. Em 1971, levantaram a faixa “anistia ampla, geral e irrestrita” durante um jogo. No mesmo ritmo, a década de 80 é um símbolo para a luta política no futebol brasileiro. Liderados pelos jogadores Sócrates, Vladimir, Casagrande e pelo diretor de futebol Adilson Monteiro, o movimento De-mocracia Corinthiana se propôs a gerir o clube democraticamente, além de tomarem postura no movimento pelas Diretas Já.

Foram muitas manifestações do dia 31 de janeiro até o fechamento desta edição. Na visão

de Juca Kfouri, a retomada de postura engajada da Gaviões é consequência do cenário político contur-bado em que não é possível manter-se neutro. “A Gaviões retoma agora uma postura de protesto aí contra o Capez, não apenas porque ele foi dema-gogicamente o inimigo da Gaviões, mas porque eu acho que a Gaviões sentiu que nesse momento político do Brasil ela não poderia estar distante das manifestações populares”, comenta.

No dia 17 de abril a maior torcida orga-nizada da América Latina convocou um ato em protesto às entidades que, na visão deles, de diferentes formas, inibem a festa do torcedor e o espetáculo do futebol. Cerca de cinco mil co-rinthianos se reuniram no Vale do Anhangabaú para reivindicar uma administração do futebol mais transparente e popular. Com a presença de lideranças dos Gaviões da Fiel de diferentes épo-cas, oito pautas foram apresentadas. Em meio a uma festa marcada por bandeirões, sinalizadores e cantos altos, o torcedor que esteve presente pôde se aproximar e entender mais sobre as cau-sas que estão motivando os recentes protestos das torcidas no estádio. O objetivo de mostrar ao público o ideal de festa que elas gostariam de realizar nos estádios foi totalmente cumprido.

O número de torcedores alvinegros pre-sentes foi surpreendente, uma vez que não se esperava tantos adeptos na luta contra o futebol moderno em tempos de elitização do esporte mais popular do país, o movimento parece ter demonstrado uma força maior do que era espe-rada e uma aceitação igualmente maior.

Violência – Durante um de seus pro-testos, a uniformizada do Corinthians foi fortemente reprimida nos estádios, o que fez a opinião pública condenar veementemente a violência gratuita por parte da Polícia Militar de São Paulo. E, enquanto isso, protestos se espalhavam por outras organizadas como, por exemplo, a Torcida Jovem (Santos), a Pavilhão 9 (Corinthians) e a Torcida Tricolor Independente (São Paulo), até o dia em que um clássico entre Corinthians e Palmeiras, no dia 3 de abril, acabou com brigas em vários pontos da cidade e a morte de um homem ido-so. Em resposta, o Ministério Público de São Paulo proibiu a presença de faixas, bandeiras e de uniformes nas arquibancadas, além de decretar torcida única nos estádios em jogos de clássicos paulistas.

Futebol e políticaCONTRAPONTO

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Torcedores pedem investigação de operação de desvio de dinheiro

Protestos denunciam esquema de corrupção

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11CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

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Torcida organizada: luta contra a elitização do futebol

A história mostra que violência e futebol sempre estiveram próximos. A oficialização do futebol como esporte ocorreu em 1885, na Ingla-terra. Já em 1890, o termo hooliganismo surgiu na Europa para denominar brigas e vandalismo relacionados aos torcedores. Em 1960 o termo hooligans foi atribuído aos grupos de torcedores fanáticos que buscavam um sentimento de perten-cimento e patriotismo com outros torcedores dos seus times do coração ao brigar com seus rivais de forma irracional e desumana. Após passar quase quatro anos entre os torcedores brigões da Europa, o jornalista Bill Buford apontou como o sentimento de pertencimento, além da violência constante, são fatores ao mesmo tempo excitantes e atraentes.

Tragédias e confrontos sangrentos acon-teceram, até que as autoridades europeias tomassem uma atitude para inibir a violência no futebol. Medidas que destoam, em muito, das adotadas pelo Ministério Público e as forças de segurança do estado. “O Ministério Público e as Forças de Segurança Pública de São Paulo estão procurando a paz dos cemitérios”, comenta Juca Kfouri. Ele continua: “Quando você não dá conta do problema, a melhor maneira de ‘soluciona-lo’ é proibi-lo. É um atestado de incompetência”.

Kfouri argumenta que são necessárias medidas de prevenção, educação, repressão e pu-nição, mas no Brasil apenas a parte da repressão é feita, uma repressão isolada que só gera mais violência. Ele exemplifica com os Barra Bravas na Argentina, grupo de torcedores extremamente violentos. “Na Argentina, os Barra Brava dão aula de violência. E lá é muito menos fiscalizada [a questão da violência]. Faz tempo que é torcida única, e não diminuiu a violência”.

A torcida na sociedade – O futebol é um patrimônio público e, como tal, é reflexo da sociedade. Em épocas de agitação política como a atual, não há como não ver influências no es-porte, que atua como um intermediador entre os torcedores e as grandes instituições. No futebol, esporte mais popular do país, a mobilização ou falta dela nas torcidas organizadas demonstra a importância e a influência destas organizações na opinião pública. O ídolo corinthiano Sócrates disse uma vez ao Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal do Estado de São Paulo: “Esse é o grande medo do sistema. Você imagina a Gaviões da Fiel politizada? Você tem mobilização já pronta, você tem palco, duas vezes por sema-na, para exercer o seu direito, a ação política, só falta a politização”.

Com diversas manifestações dentro e fora dos estádios por virem, pode-se esperar a abertura de um novo canal de representação e participação da população na política, além de um impacto cultural no país. No cenário univer-sitário, está para ocorrer neste mês de maio o JUCA, Jogos Universitários de Comunicação e Artes, o qual, já na edição passada e durante os preparativos para esta, se posicionou contra atitudes preconceituosas por parte de atletas e participantes, ocasionando até na expulsão de algumas instituições do evento. Recentemente, uma página intitulada “Jucats”, que posta fotos de garotas que participarão do torneio, fez uma postagem com as seguintes hashtags: #trancasuabarracanoJUCAsenaoeuinvadohein e #opendebranquinha, o que gerou muita in-dignação na rede e fez com que diversas das Atléticas participantes dos Jogos postassem notas de repúdio à página. No Dia da Mulher, a página oficial do JUCA no Facebook postou hashtags como “#Respeitaasminas” e #JucaSe-mOpressão. No campo do futebol, é crescente a criação de coletivos ligados a times e que tratam de política, como por exemplo o Movi-mento Toda Poderosa Corinthiana e o Coletivo Democracia Corinthiana.

Violência no futebol europeuA cidade de Heysel foi palco da primeira grande tragédia envolvendo briga de torcedores. Uma

confusão entre torcedores italianos da Juventus e ingleses do Liverpool deixou 39 mortos e um número indeterminado de feridos na final da Taça dos Campeões Europeus, que ocorreu na Bélgica no dia 29 de maio de 1985, evento pelo qual os hooligans foram responsabilizados por seus atos violentos e depredadores.

Anos depois, no dia 15 de abril de 1989, o futebol mundial viveu seu momento mais miserável e triste de toda a história. A semifinal da Copa da Inglaterra, a FA Cup, entre o gigante Liverpool e o ainda forte Nottingham Forest, teve apenas seis minutos de bola rolando, minutos esses que se eternizaram. A casa do confronto foi o estádio de Hillsborough. Houve tumulto decorrente do grande número de pessoas na entrada da torcida do Liverpool, o que fez com que o chefe de polícia David Duckenfield resolvesse abrir o portão para conter a agitação do lado de fora, um erro que mais tarde se tornaria fatal. À medida em que o estádio enchia, pessoas começaram a ser comprimidas contra as grades. O jogo foi interrompido quando torcedores já despencavam das arquibancadas e outros eram esmagados. Foram 96 mortos e 766 feridos.

O caso serviu de “gota d’água” para as autoridades. Um momento de ruptura com o sistema antigo de futebol, onde as condições dos estádios eram precárias e pouco se fazia para conter a selvageria generalizada. O apoio popular surgiu para acabar de vez com as brigas que deterioravam o futebol há muito tempo.

As punições foram feitas, os criminosos afastados, os estádios se modernizaram, os ingressos au-mentaram de preço, a mídia mudou sua forma de tratamento para com as diferentes formas violência e a liga se reestruturou até se tornar a mais rica do mundo.

Houve campanhas para se repopularizar as arquibancadas na Inglaterra, principalmente quando veio à tona que o governo britânico interferiu nas investigações do caso, visando fraudar e culpar pelo desastre torcedores bêbados que chegaram à porta do estádio sem ingresso, sendo que nesse relatório há a confirmação de que das 96 mortes, 41 poderiam ter sido evitadas depois do horário de desistência do atendimento realizado no campo.

Uma música intitulada You’ll never walk alone (“Você nunca caminhará só”) é cantada até hoje pela torcida do Liverpool e demais torcidas da Europa durante clássicos em memória do ocorrido. A negligência, o despreparo e o preconceito contra a torcida que naquele dia existiram e servem de exemplo para que nunca mais ocorra cenas lamentáveis como tal. O hooliganismo não é legítimo, porém, o preconceito para com as torcidas organizadas também não é.

“a gaviões já nasceu pOlitiZada, nasceu para cOnFrOntar O ditadOr Wadi Helu. [...] cOm O tempO,

a gaviões perdeu-se nesse mar de viOlência e issO evidentemente nãO FaZ bem para a sua imagem”

(juca KFOuri)

Faixas no estádio: pluralidade de pautas

Até mesmo o clube não escapou das críticas de sua própria

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CONTRAPONTO12 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

Um lUgar e mil sensaçõesCONTRAPONTO

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Foi difícil escolher apenas algumas fotos de um lugar tão incrível como Atenas, capital da Grécia. Foram apenas alguns dias nesse lugar incrível, mas aproveitei de tal forma que pude respirar história do início ao fim.

Quem deseja conhecer mais sobre o passado da população grega e se deslumbrar com uma arquitetura milenar tem que colocar a Grécia no próximo roteiro. Ao caminhar pelas ruínas da Acrópole relembrei várias aulas de história e fiquei imaginando o funciona-mento daquela cidade até o momento em tudo virou ruína, transformando aquele espaço em um museu a céu aberto.

Quase todos os trajetos foram feitos andando por dois motivos: economizar dinheiro e conhecer cada cantinho. Também não entrei em restaurantes, comprei coisas no mercado e cozinhei num hostel.

Uma viagem curta, mas que me rendeu boas memórias e aprendizados.

Templo de Hefesto Templo Erechtheion

Lateral do Partenon

Frente do Museu da Acrópole

Academia de Atenas

Ruínas da Acrópole

13CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

Um lUgar e mil sensações

Templo de Hefesto

Manifestações nas ruas de Atenas

Ruínas desconhecidas

Soldados em frente ao ParlamentoPartenon

Partenon

Biblioteca de Atenas

CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

Por daniel Yazbek, Paola micheletti e victoria azevedo

O sambista Adoniran Barbosa -- que neste ano completaria106 anos – deixou um legado ímpar para a música brasileira

se o senHor não tá lembrado,dá lIcença de contá

O Samba do Arnesto, Trem das Onze, As Mariposa e Saudosa Maloca estão

entre os seus maiores sucessos. João Rubinato era filho de Francesco Rubinato e Emma Ricchini, imigrantes italianos vindos da província de Ve-neza para o Brasil ainda no século XIX. Nascido em Valinhos, no estado de São Paulo, no dia 6 de agosto de 1910, mais tarde mudou de nome e tornou-se Adoniran Barbosa. Esse era o nome de um personagem de rádio criado por ele, que devido ao grande sucesso acabou incorporado ao próprio criador, o qual viria a se tornar a maior personalidade do samba paulista – Adoniran era o nome de seu amigo e Barbosa, uma homena-gem ao cantor Luiz Barbosa.

O Arnesto na verdade era Ernesto, nunca o convidou para um samba e nem morava no Brás. Os dois se conheceram em 1938, quando a cantora Nhá Zefa apresentou um ao outro. Ernesto Paulelli tocava violão para Adoniran no começo da carreira, nos tempos da Rádio Record. O músico largou a carreira para se casar e, em 1955, sua mulher ouviu a canção pelo rádio. O sambista havia cumprido a promessa de quase vinte anos atrás: “Fui com a sua cara Arnesto e vou fazer um samba para você.”

Adoniran também nunca morou em Ja-çanã, ele só passava por lá nas viagens que fazia para se apresentar em circos da periferia. As mariposas costumam girar em torno da lâmpada – talvez não “pra si isquentá” – e as mulheres deviam ver algum charme na gravata borboleta do sambista boêmio. A maloca também não dá para saber se existiu daquele jeito, se a história era bem aquela, mas denunciava uma situação pela qual muitas famílias estavam passando na época e passam ainda hoje.

Trajetória – Quando criança, largou os estudos para trabalhar e ajudar a família, que, além dele, contava com sete filhos. Foi tecelão, balconista, garçom, vendedor ambulante de meias e até pintor de paredes. Na década de 30, trabalhando como entregador de uma loja de tecidos da Rua 25 de Março, o aspirante a artista começou a frequentar os programas de calouros da rádio Cruzeiro do Sul, em São Paulo. Em 1933, depois de algumas desclassificações por “sua voz fanha”, Adoniran conquistou o primeiro lugar no programa de Jorge Amaral, cantando Filosofia, de Noel Rosa.

Dona Boa foi sua primeira música gravada, arranjada juntamente com o maestro e compo-sitor José Aimberê. A composição foi eleita pela prefeitura de São Paulo como a melhor marcha carnavalesca do ano de 1935.

O compositor ficou na rádio Cruzeiro do Sul até 1940, quando, a apelo de Otávio Gabus Mendes, mudou para a rádio Record, em 1941. Lá iniciou seu trabalho de ator, fazendo parte de uma série de radionovela intitulada “Serões Domingueiros”. Foi a partir desse momento que

Adoniran começou a criar sua coleção de perso-nagens, no geral, cômicos e satíricos, como Zé Cunversa – malandro e gatuno – e Jean Rubinet – galã das telonas.

O populismo de seus personagens casava com suas composições. O jeito pouco preocupa-do com a grafia com que escrevia rendeu-lhe críti-cas negativas de gente respeitável, como o poeta Vinicius de Moraes. Apesar deles nunca terem se falado, nem ao menos se conhecido, pairava no ar um sentimento de “rixa” entre os dois. Até que, mais tarde, em 1957, o paulistano gravou uma música do carioca, Bom Dia Tristeza, que foi imortalizada pelos vocais de Maysa. O poeta, na verdade, nem sabia quem gravaria a canção. Ele entregou a letra a Aracy Almeida, para fazer com ela o que bem entendesse. Ela, por sua vez, entregou ao adorado sambista paulista e a música se tornou um grande marco.

Pela Record, Adoniran conheceu o pro-dutor Osvaldo Moles, responsável pela concep-ção dos principais textos interpretados por ele. Ralaram juntos por 26 anos. No rádio, o grande acontecimento dessa sociedade foi o programa “Histórias de Malocas”, cujo personagem princi-pal, Charutinho, ganhou vida na voz e interpre-tação de Adoniran. O programa esteve no ar até 1965, chegando a apresentar uma versão para televisão. No samba, essa união gerou clássicos como Tiro ao Álvaro e Pafúncia.

Em 1945, Adoniran Barbosa atuou no cine-ma. Suas primeiras aparições foram nos filmes Pif-Paf e Caídos do Céu, os dois de Ademar Gonzaga. Em 1953, atuou em O Cangaçeiro, de Lima Barreto.

A excitação na sua vida de compositor veio com a premiação do grupo Demônios da Garoa, no Carnaval de São Paulo, com o samba Malvina. Começou aí mais uma duradoura parceria na vida do cantor, agora com os Demônios. No ano seguinte, o feito se repetiu com uma criação de Adoniran e Osvaldo Moles, Joga a Chave.

O grupo Demônios da Garoa teve parti-cipação fundamental na concepção de abusar dos desvios de linguagem nas letras das músi-cas. O conjunto gravou os principais sucessos do sambista, começando por Saudosa Maloca, composto em 1955. Depois vieram os hits Samba do Arnesto, As Mariposas, Trem das Onze, entre tantas outras. A canção Tiro ao Álvaro, uma de suas últimas composições, foi gravada em 1980, por Elis Regina – sua fã declarada.

Apesar de retratar de forma bem humorada e criativa a realidade das classes mais simples e po-pulares nas grandes cidades, Adoniran só recebeu o merecido reconhecimento no final dos anos 70, o que lhe causou muito ressentimento. Entretanto, hoje ele é contemplado por todos brasileiros, e seu estilo de vida continua vivo graças a uma vasta e ins-piradora obra, sendo ele o único sambista paulista genuinamente reconhecido pelos cariocas.

100 anos do sambaCONTRAPONTO

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Retrato do sambista paulista Adoniran Barbosa

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A canção Tiro ao Álvaro, uma de suas últimas composições, foi gravada em 1980, por Elis Regina – sua fã declarada

“Fui cOm a sua cara arnestO e vOu FaZer um samba para

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

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O samba de Sampa – As histórias do sambista misturam a realidade das ruas paulista-nas com um grande punhado de imaginação. A cidade de São Paulo e sua região metropolitana passavam por um intenso processo de urbaniza-ção, exaltado pelo mote do progresso, mas que deixava fardos a serem carregados pelas classes excluídas.

Adoniran cantou com a voz do povo, pelo povo. A linguagem, que misturava um cai-pirês desajeitado ao jeito de falar da italianada paulistana em todos seus desacordos com a concordância verbal, fez dele um verdadeiro poeta da oralidade. O compositor, com quase nenhuma instrução, utilizou de seu apurado e sensível olhar de artista para retratar as mazelas da modernidade e as alegrias de quem tentava resistir a elas. As malocas, o transporte público, a boemia, as paixões estão no seu samba. Quanto mais trivial o assunto, maior parecia a poesia - e junto dela vinham as apuradas e bem humoradas críticas sociais.

Apesar do nascimento em Valinhos, a ci-dade grande era o lugar de Adoniran. As músicas demonstram sua cumplicidade com o lugar, assim como a preocupação em dar algum alento ao seu povo. O tom humorístico, quase caricatural, dis-farça o inconformismo, a resistência. Mas, bons ouvidos podem perceber, na cadência do samba, uma denúncia que dança conforme a música.

O compositor tinha uma imaginação fértil e abusava dela em suas composições. A criatividade começava pelo nome, que ele mesmo inventou. Depois, foi compondo que matou gente, derrubou casas, criou e desfez paixões. E muitas foram as personagens que tiveram voz graças ao composi-tor. Toda essa mentira poética era pano de fundo para denúncias e críticas de verdade. A doce melo-dia do sambista e o jeito único de cantar e compor foram uma prova de amor, esse sim verdadeiro, para seu povo e sua São Paulo.

Saudoso Sambista – Adoniran Barbosa, João Rubinato, Charutinho e tantos outros per-sonagens saíram de cena em 23 de novembro de 1982, data da morte do saudoso sambista. Ele faleceu aos 72 anos de idade, por complicações de um enfisema pulmonar. Deixou órfã a filha do primeiro casamento e viúva a esposa com a qual passou mais de quarenta anos casado.

Em 6 de Agosto de 2016, Adoniran com-pletaria 106 anos. É uma pena não ter vivido para ver quantos jovens ainda cantam sua música e quantos sambistas ainda têm seu samba como referência principal. Talvez fosse difícil para ele permanecer vivenciando os mesmos problemas na capital paulistana, mas a boemia continuaria sendo um ótimo divertimento.

Ele nasceu pobre, cantou a pobreza e morreu pobre. O dinheiro que ganhou gastou

na boemia e ajudando os muitos amigos que acumulou durante a vida. Mas, sua simplicidade não pode ser confundida com simplismo, mesmo que suas letras tenham sido consideradas “fracas” gramaticalmente, elas foram intensas no campo da imaginação. Adoniran foi um excêntrico imagé-tico, suas obras tinham em comum a capacidade de se reproduzir figuradamente na mente de cada um. “Pra falar errado, precisa saber falar certo” e “falar errado é uma arte, senão vira deboche” dizia ele. Seus retratos da realidade não tinham nada de rasos e exprimiam com prudência o que, de fato, ocorria nas ruas da metrópole.

O sambista, artista, ator, compositor fez democracia com música - ou música com de-mocracia. Todos ouviam suas canções, e mais: entendiam o que era cantado. Episódios coti-dianos que pouco saltam aos olhos ganharam dimensões nunca antes experimentadas, uma extensão poética da vida. A sensibilidade que vem do jeito bruto, do estereótipo do homem que falo rouco, mulherengo, malandro mostra o tamanho da complexidade do ser humano.

Esse paulista, que conquistou a todos com seu jeito rouco e maluco, ainda tem frases suas reproduzidas diariamente por fãs assumidos e acidentais, o que faz com que sua dinâmica po-ética e malandra jamais seja esquecida. “Chega de homenagens, eu quero o dinheiro”.

O sambista, artista, atOr, cOmpOsitOr FeZ demOcracia cOm música -- Ou música cOm

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Ilustração inspirada nas composições Saudosa Maloca, As Mariposas e Trem das Onze, de Adoniran Barbosa

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A doce melodia do sambista e o jeito único de cantar e compor foram uma prova de amor, esse sim verdadeiro, para seu povo e sua São Paulo

CONTRAPONTO16 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

Por Beatriz Gimenez, Julia castello Goulart e rodrigo sanzi acerbi

Tempos modernos

Tempos Modernos estrelado e dirigido por Charles Chaplin, completa 80

anos. O filme marca a passagem do cinema mudo para o falado e a despedida dos telespectadores ao personagem Carlitos, o vagabundo. Retrata a vida urbana dos Estados Unidos até o ano de 1930, demonstrando os modos de produção industrial baseados na divisão e especialização do trabalho na linha de montagem. Apesar de ter se tornado um clássico para o cinema pela forma tão elogiada de atuação de Chaplin, Tempos Mo-dernos critica a sociedade e o sistema capitalista vigente na época por meio do humor. Hoje ainda podemos dizer que as críticas se mantém atuais, porque o ser humano, que antes era apenas uma engrenagem fundamental para o sistema, continua sendo controlado por ele.

Na história, Carlitos tem um surto nervoso por causa de seu trabalho constante e repetitivo. Ele é internado em uma clínica de tratamento. Logo que recebe alta e sai do local, encontra sem querer um grupo de manifestantes. Ele é confundido com o líder dos revoltosos e é preso pela polícia. Na cadeia, Carlitos ajuda a polícia a evitar a fuga de presidiários e com isso, ganha sua liberdade. Por seu grande ato heroico, Carlitos recebe uma carta que irá ajudá-lo a encontrar emprego. Ele percebe que as fábricas, até mesmo aquela em que ele trabalhava, estavam fechadas. Encontra uma menina que rouba um pão, por quem se apaixona. Carlitos passa por vários empregos, até que faz sucesso como cantor em um bar, onde sua amiga também trabalha. Mas o sonho dura pouco. A menina é filha de um dos manifestantes que foi morto por um tiro durante o protesto, e por ter fugido da polícia quando es-tava sendo encaminhada para o orfanato, estava sendo procurada. A polícia os encontra e ambos fogem para longe, buscando uma nova vida.

Nessa história de amor, há cenas que mar-caram o cinema pela sua forma humorística. No início do filme, um rebanho de ovelhas brancas avança em direção ao espectador. Sobrepondo-se ao rebanho, vê-se uma multidão saindo do metrô: são trabalhadores que caminham rápido para a fábrica. Para a professora de História Le-onor Campos de Oliveira, é uma clara metáfora às pessoas “domesticadas” que correm para o abatedouro, ou seja, as fábricas.

Ainda, Leonor aponta para os ambientes das fábricas que são tomados por gigantescas máquinas. Fica evidente que os trabalhadores não usam nenhum equipamento de segurança, que na época, não eram exigidos. Isso mostra a quantidade de acidentes que deveriam acontecer com os operários todos os dias. Outro ambiente interessante é o interior da sala do presidente da fábrica, que se distrai com um quebra-cabeça que parece um mapa da Europa, podendo ser uma crítica à abrangência do capitalismo no mundo. Ele também dá ordens aos operários para aumentar a velocidade das máquinas por meio de um enorme monitor de televisão. Leonor destaca que a televi-são era uma invenção recente – em 1936, ano de lançamento do filme, ocorreram as transmissões, pela televisão, dos jogos Olímpicos de Berlim.

80 anos de um filme atemporal

Mas a cena mais famosa do filme é a que Carlitos é chamado para experimentar a nova máquina de comer. Essa máquina, se-gundo a empresa que está tentando vendê-la ao presidente da indústria, diminuirá o tempo gasto pelos operários com o almoço, além de que não seria mais necessária uma pausa para a refeição. No fim, a máquina encrenca e Carlitos fica em apuros. O presidente desiste de adotá-la alegando que ela não é prática.

Nesta única cena pode-se encontrar várias críticas ao sistema capitalista. Quanto menos tempo o trabalhador gasta com o almoço e com sua hora de repouso, mais tempo ele estará trabalhando, e mais lucro o presidente ganhará – uma crítica da relação do tempo com o dinheiro que permitiu a exploração do trabalhador com as longas jornadas de trabalho. Além disso, a

professora evidencia a postura do presidente com o operário: ele deteve-se em comprar apenas pela má qualidade da máquina, não se sensibilizando com o sofrimento do operário.

Leonor é professora de História do ensino fundamental I (crianças entre os 12 aos 15 anos) no Colégio Marista Diocesano, em Uberaba-Mi-nas Gerais. Ela nos conta a importância de passar esse filme para crianças dessa faixa etária para que eles possam visualizar o conteúdo dado em aula e relacionar com o filme. Ela afirma: “Com o filme, há a possibilidade de discutir situações do século vigente, as relações entre os homens e a tecnologia, a questão do tempo numa socie-dade que move com extrema rapidez e a própria natureza humana”, explica a professora, “as críticas do filme são atuais, pois o modelo de produção desenfreada nos corta a criatividade e

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

Tempos Modernos

mostrou em 1936 uma visão da

realidade de sua época, mas que

reflete até hoje a posição do indivíduo em relação à subjetividade

da vida humana

a percepção do mundo ao redor. Por vivermos em rotina, perdemos a capacidade de analisar possibilidades ou até mesmo de analisar solu-ções eficazes dentro de organizações e equipes. Trabalhamos frente a egos e exigências que nos são passados em forma de metas, algumas impossíveis, e tudo isso em prol de uma única coisa, o lucro”, completa.

Chaplin estava preocupado com os pro-blemas sociais e econômicos de sua época. Em 1931 e 1932 ele embarcou em um tour mundial que durou 18 meses. Na Europa, ficou pertur-bado com o crescimento do nacionalismo e dos efeitos sociais da Grande Depressão, do desem-prego e da automação. “Tempos Modernos tornou-se um clássico por abordar, com humor e contundência, a brutalização do homem pelo avanço do sistema capitalista e, como se dizia na época, do “maquinismo”, ao início da auto-mação das linhas de produção. Foi resultado de uma ampla reflexão de Chaplin sobre o estado do mundo na primeira metade dos anos 1930, quando os EUA, por exemplo, viviam a Grande Depressão”, afirmou o professor Rizzo.

Lendo livros sobre a teoria econômica, Chaplin elaborou sua própria solução econômica, um inteligente exercício de idealização utópica, baseado não em uma melhor distribuição de riqueza, mas também do trabalho. Em 1931 ele disse a um repórter de jornal: “O desemprego é a questão vital. As máquinas deveriam trazer benefícios a humanidade, não gerar má tragédia em que os seres humanos não tem trabalho”.

Charles Chaplin, ao ter uma perfeita noção de tais dilemas sociais, foi um ator ampla-mente conhecido pelo seu caráter revolucionário. Suas críticas ao sistema capitalista, à repressão, à ditadura e ao sistema autoritário alemão culmina-ram na proibição de seus filmes pela Alemanha nazista durante a década de 1930. Entretanto, não impediram sua tradução para diversos ou-tros idiomas e disseminação para outros países, principalmente do personagem Carlitos ou “O Vagabundo” (do inglês, “The Tramp”).

Personagem Carlitos – Carlitos, presente em inúmeros curtas e longas-metragens do ator, era um personagem oprimido e cômico que, ao mesmo tempo que remete ao clássico gentleman (homem da classe alta britânica) do século XIX, mostra sua pobreza e ânsia por se encaixar na sociedade. A calça social muito larga, o paletó apertado, os sapatos extremamente grandes e velhos, juntamente com os pés sempre entrea-bertos e a bengala de bambu, atribuíam-lhe uma irônica “pomposidade” em meio à sua miséria. Por fim, o bigode, que antes escondia a pouca idade de Chaplin (25 anos), deu uma maior res-peitabilidade ao personagem.

Dessa forma, vemos que Carlitos é a per-feita personificação do típico cidadão de classe média ou baixa do capitalismo: um homem que ao mesmo tempo que tem seus sonhos típicos de uma casa, esposa e emprego fixo, encontra-se encurralado em um sistema falho em que o desemprego e a pobreza são praticamente inelutáveis.

A crítica feita à alienação do indivíduo feita por Chaplin no filme mantém-se atual. “Desde o lançamento de Tempos Modernos, aprofundou-se o quadro que Chaplin diagnosticou, com um adendo importante: o consumismo, sem o qual o capitalismo não se sustenta”, alegou o jornalista e crítico de cinema Sérgio Rizzo.

Essa ideia foi também reforçada por José Salvador Faro, professor da Universidade Me-

todista de São Paulo (Umesp) e de Sistemas de Comunicação da PUC-SP, “a simbologia do filme é mais do que atual, é atualíssima. Digo isso não só em relação à dependência que o homem vive em relação às técnicas, mas também aos efeitos de natureza ps íquica e cultural decorrente dessa condição. Toda a nossa subjetividade encontra-se presa a essa engrenagem”.

É evidente que o homem de hoje, assim como em 1930 na era industrial, ainda é uma engrenagem mais do que subordinada ao siste-ma, tornando-se controlado cada vez mais pelos meios de produção e pelo consumismo. Por outro lado, conforme o professor José Faro, “o homem pode um dia se libertar desse sistema, contudo, uma mutação dessa ordem não pode ficar nas mãos do interesse privado”.

Tempos Modernos mostrou em 1936 uma visão da realidade de sua época, mas que reflete até hoje a posição do indivíduo em relação à subjetividade da vida humana. À medida que os sistemas culturais, que dão significado à vida

das pessoas e que as representa, multiplica-se, novas identidades surgem, assim como cada vez mais indivíduos se identificam por uma cultura temporária e passageira, não mais ligado as suas características individuais.

Isso foi um problema no século passado, é um problema agora no século 21, mas o que realmente é preocupante é como um indivíduo que vive subordinado ao sistema, que fica pro-gressivamente mais alienado e dependente, pode influenciar a sociedade futura? Conforme José Faro, “Se a subordinação prevalece e ela se inscreve no destino da humanidade, tudo indica que viveremos num estado de anomia coletiva – como várias obras de ficção já mostraram e que, de algum modo, acabaram se tornando realidade. O admirável mundo novo já não é o que vivemos?”.

Charles Spencer Chaplin nasceu em Londres, na Inglaterra em 16 de Abril de 1889 e faleceu no natal de 1977.

Chaplin ama o cinema mudoChaplin, um símbolo do cinema mudo, escolheu não dar voz ao personagem Vagabundo

tanto por sua afinidade ao estilo, quanto por uma crítica social, em que aqueles pertencentes a classes mais baixas não tinham oportunidade para expressar suas opiniões ou reivindicar suas necessidades. Porém, Chaplin dava oportunidade ao som através do barulho das máquinas, da voz do presidente ou do rádio da delegacia, para talvez demonstrar de forma implícita aqueles que realmente eram valorizados na sociedade.

Só no final do longa, o ator resolve dar voz ao personagem por meio de uma apresentação final na qual Carlitos improvisa a letra de uma música através de um linguagem também inventada, representando o lugar que ele melhor se encaixa na sociedade industrializada: o palco. Com a valorização da imaginação e da criatividade, Chaplin demonstra o caminho que seguirá em seus próximos filmes, agora falados, e o fim próximo do personagem Carlitos em sua carreira.

“desde O lançamentO de tempOs mOdernOs, aprOFundOu-se O quadrO que cHaplin diagnOsticOu, cOm um adendO impOrtante:

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Da mesma maneira que algumas de suas tragédias são ditas românticas, algumas comé-dias shakespearianas também integram esse subgênero. Conto de Inverno, A Tempestade e Os Dois Nobres Parentes possuem características como a oposição da virtude sobre o vício e uma abordagem universalizada, que extrapola os em-bates internos das personagens . A Tempestade, por exemplo, é uma das obras mais interpretadas e encenadas de Shakespeare, que percebeu que a nobreza e aristocracia se interessavam por histórias de descobertas e aventuras.

Por fim, William Shakespeare foi pai de obras classificadas como dramas históricos, que buscavam inspiração no passado das monarquias. São elas Henrique IV (partes I e II), Henrique V, Henrique VI (partes I, II e III), Henrique VIII, Vida e Morte do Rei John, Péricles, Príncipe de Tiro, Ricardo II e Ricardo III. Esse grupo de escritos tinha um tom político e, na época em que alguns deles foram publicados, chegaram a ser considerados

Por isabel rabelo, Julia alencar, Julia castello Goulart, leonardo sanchez,

letícia sepúlveda e Paula Zarif

Mesmo depois de quatro séculos, obras do dramaturgo inglês continuam atuais

400 anos sem sHakespeare

No dia 23 de abril, completam-se 400 anos da morte de William Shakespe-

are, considerado por muitos estudiosos o maior autor de língua inglesa. Com um acervo gigan-tesco de obras que provaram ser atemporais, o britânico é conhecido mundialmente graças ao universalismo dos temas presentes em seus escri-tos e por ter sido uma das figuras mais influentes de sua época. A contribuição do dramaturgo para as artes é imensurável e até hoje Shakespeare é considerado um dos autores mais populares do planeta, com suas peças sendo encenadas em todos os cantos do mundo e inspirando desde novos escritores até grandes sucessos de Hollywood.

William Shakespeare nasceu na pequena cidade de Stratford-upon-Avon, na Inglaterra, em 23 de Abril de 1564. Ele era o filho mais velho de uma família de agricultores e comerciantes. A peste bubônica, uma das maiores inimigas de sua época, matou três de seus sete irmãos e mais tarde, seu único filho homem, Hamnet. John Shakespeare, pai do dramaturgo, era um homem próspero, mas que trabalhava arduamente. En-quanto isso, Shakespeare passava sua infância nas fazendas que a família de sua mãe possuía, e foi ali que aprendeu muito dos costumes do interior, muito retratado em suas peças.

Apesar de ansiar a universidade, o escritor foi aprendiz de seu pai, mesmo sem gostar do ofício de artesão e comerciante. Aproximada-mente em 1578, porém, o pai de Shakespeare perdeu sua fortuna por motivos desconhecidos. Dessa forma, Shakespeare começou a ajudar filhos de comerciantes com suas lições de latim para ganhar algum dinheiro. Foi em uma dessas aulas que ele conheceu Anne Hathaway, a irmã mais velha de um de seus alunos, com quem se casou e teve três filhos.

Shakespeare era apaixonado pelos livros e com eles viajava para além das fronteiras de Stratford. Ele ia a Tróia com Aquiles, a Roma com César e a Agincourt com Henrique V. Foi então que o dramaturgo começou a escrever grandes peças que mais tarde o levaria aos palcos de Londres. Dessa forma, ele deixa sua família para trás, garantindo-lhes sustento, mas fica sem vê-los por longos períodos, enquanto produzia alguns dos maiores sucessos teatrais da capital inglesa. Esses escritos são convenientemente se-parados em três categorias: tragédias, comédias e dramas históricos.

Foram as tragédias que fizeram de Shakes-peare um dos maiores de sua época e de toda a história. O que une as tragédias shakespearianas é a forma que as histórias assumem. Nesse tipo de obra, os protagonistas são imperfeitos, apre-sentam fraquezas que, por fim, os levam a um desfecho fatal. As histórias são recheadas de personagens que representam vícios e muitas vezes são manipuladores, frios e tiranos.

Ao todo, Shakespeare escreveu 10 ou 12 tragédias. Isso porque muitas de suas obras pos-suem características de mais de um de seus estilos literários. Dessa forma, fica difícil classificá-las e as

TeatroCONTRAPONTO

pouco conhecidas Troilo e Créssida e Cimbeline acabam sendo consideradas tragédias ou comé-dias, dependendo da visão do especialista.

As peças tradicionalmente trágicas do dramaturgo são a sangrenta Titus Andronicus, Júlio César, Hamlet, Otelo, Rei Lear, Macbeth, Tímon de Atenas e Coriolano. Já Romeu e Julieta e A Tragédia de Antônio e Cleópatra são tragé-dias românticas, um subgênero da literatura de Shakespeare.

O inglês também publicou comédias de enorme sucesso. São elas, A Comédia dos Erros, A Megera Domada, Os Dois Cavalheiros de Vero-na, Trabalhos de Amor Perdidos, Sonho de uma Noite de Verão, O Mercador de Veneza, Muito Barulho por Nada, Como Gostais e Noite de Reis. Segundo o crítico Harold Bloom, nada escrito por Shakespeare antes de Sonho de uma Noite de Verão se equipara a essa peça e, até certo ponto, nada escrito por ele depois iria superá-la, devido à sua complexidade.

William Shakespeare, nascido em abril de 1564 e morto no mesmo

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Cena do musical Amor Sublime Amor, de 1962. No filme, Tony representa Romeu, enquanto a porto-riquenha Maria é Julieta

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propaganda para a dinastia Tudor, cuja última representante, rainha Elizabeth, foi a ocupante do trono inglês durante boa parte da vida de Shakespeare.

Influência através dos séculos – As obras de William Shakespeare foram escritas no contexto do movimento renascentista, que ocorreu entre fins do século XIV e fim do século XVI, valorizando o antropocentrismo.

As personagens de suas obras são donas de suas vontades, ou seja, Deus não determinava seus destinos. Tal característica acentua bem o rompimento dos padrões tradicionais das histó-rias na Idade Média, configurando a presença do Renascimento. Exemplo disso é a obra Hamlet, na qual o príncipe da Dinamarca questiona, em seu famoso monólogo: “ser ou não ser, eis a questão”. Com essa indagação, ele coloca o ser humano no centro do mundo, uma vez que não precisa mais de Deus para resolver suas contra-dições. Além disso, a política sempre foi muito presente, principalmente em Otelo, Macbeth e no próprio Hamlet, obras nas quais esse tema é central.

Conforme Nancy Alves, professora forma-da pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), Shakespeare foi com certeza um dos maiores representantes literários do movimento renascentista, “nas obras dele, é o homem que vai forjar o seu destino, grande característica renascentista nas obras de

Shakespeare. Os personagens são muito bem construídos, além de serem movidos por seus sentimentos. Ele foi um dos maiores represen-tantes do renascimento para a literatura, por justamente forjar o ser humano. Na época de Shakespeare, na Inglaterra, não houve outro que fez isso como ele o fez”.

O caráter político das obras é inegável e, para o professor de literatura inglesa John Mil-ton, formado pela Universidade de Gales, isso se deve à censura da época. Era necessário mostrar que a Inglaterra precisava de um forte governo central. O professor ainda complementa que era importante que os autores tivessem apoio dos governantes, no caso de Shakespeare, apoio da rainha, “se formos analisar as partes políticas dos romances, como em Ricardo III, você vai perce-ber que independente de sua própria opinião, que não sabemos qual era, ele vai de encontro com aquilo que a rainha acreditava. Eu acredito que essa postura de Shakespeare, politicamente falando, na caracterização dos personagens po-líticos, que estavam mais próximos de sua época, era sempre de uma maneira que ficasse bem vista aos olhos da rainha Elizabeth I”.

John Milton ainda coloca Shakespeare como peça fundamental, “junto com os poetas Wyatt, Surrey – os dois muito influenciados pela cultura italiana, introduzindo o soneto do italiano – e dramaturgos como Ben Jonson, John Fletcher, Christopher Marlowe, para a afirmação da cultura local”.

Após 400 anos de sua morte, o autor ain-da consegue arrebatar milhões de pessoas com suas obras. Nancy Alves justifica esse aconteci-mento pelo fato de Shakespeare retratar muito bem a natureza humana. Por mais que o tempo passe, as pessoas continuam com os mesmos sentimentos, desta forma são capazes de se identificar com as histórias e com as personagens, “Shakespeare é um excelente retratista literário, ele retratou a parte psicológica maravilhosa-mente bem, o ser humano é sempre o mesmo, os sentimentos são os mesmos, desta forma os leitores conseguem entender o que Romeu, Julieta e Macbeth sentiam. Essa identificação é o que torna a obra dele eterna”.

No Brasil, há uma tese levantada por es-pecialistas de Shakespeare de que a personagem “Capitu”, da obra Dom Casmurro de Machado de Assis, apresenta diversas semelhanças com a personagem “Desdemona”, da obra Otelo de Shakespeare. A professora Nancy Alves diz “que o Machado, como grande literato que era, devia conhecer a obra de Shakespeare, porém não acre-dito que ele tenha criado Capitu com influências de Desdemona. Capitu é única. Bentinho não tem muito a ver com Otelo, o seu ciúme é absoluta-mente controlado e sua desconfiança não se ma-nifesta da maneira violenta, diferentemente da de ‘Otelo’. Além disso, ao lermos a obra percebemos que Desdemona é uma mulher que amava o mari-do e que era fiel, entretanto não temos a mesma certeza quanto a Capitu, porque não sabemos se

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Atores do Grupo Careta na peça “Hamelete”

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ela realmente traiu Bentinho. O grande foco da obra Otelo é o ciúme, enquanto que o foco de Dom Casmurro é a dúvida da traição”.

Apesar de sua popularidade, porém, há quem diga que William Shakespeare, na verdade, nunca existiu. Há quem credite seus trabalhos a um grupo de escritores, devido a vários motivos, como a riqueza dos lugares que Shakespeare descreveu, levando em conta que o dramaturgo, de acordo com os registros, nunca teria deixado a Inglaterra. Os professores Nancy Alves e John Milton não acham que essa hipótese seja verdadeira. Para Nancy, “Shakespeare foi uma pessoa, acredito que ele existiu. A linguagem de um autor é muito única, ninguém consegue imitar. Cada autor tem uma linguagem e um estilo próprio. Se pegarmos todas as obras que ele escreveu, possuem a mesma linguagem, então só pode ser a mesma pessoa”.

John Milton defende que essa ‘besteira’ vem de críticos que acreditam que apenas um nobre teria sido capaz de escrever tais maravi-lhas, “mas sabe-se tão pouco sobre a vida de Shakespeare que sua história é sempre aberta a muitas interpretações.”

Shakespeare para todos – Por tratar de questões humanas e comportamentais como os relacionamentos e disputas de poder e o maniqueís-mo entre o bem e o mal, o trabalho de Shakespeare é considerado atemporal e universal até os dias de hoje. Ele mostrou o indivíduo em sua diversidade e conseguiu revelar as facetas humanas no período elisabetano, de forma que suas interpretações da sociedade e das pessoas continuam importantes para entendermos nossa realidade.

William Shakespeare produziu obras que trazem uma reflexão sobre a vida, a morte e a condição de cada um no mundo. “Ele tem uma filosofia imediata, que se dá nos dramas, na mistura de tragédia e comédia, nas passagens em que Hamlet toca no problema da metafísica e Lear conclui que o mundo é irrecuperável. Hamlet é o personagem mais sábio de toda a literatura”, de acordo com o crítico Harold Bloom.

No Brasil, iniciativas como a do professor de li-teratura e dramaturgo Octávio da Matta contribuem para manter a obra de Shakespeare viva e ainda modernizá-la e trazê-la para um contexto brasileiro. Ele é o responsável por transformar as peças do inglês em cordel, como aconteceu com Hamlet, que, na visão de Octávio, virou “Hamelete”.

Sobre o porquê de transformar Hamlet em cordel, Octávio explica que “o cordel tem uma relação muito forte com a canção de gesta, da literatura medieval, que são narrativas orais, de feitos heroicos e guerreiros. Ele trabalha em uma espécie de gesta do sertão, então pensamos em pegar os personagens de Hamlet, que têm uma veia trágica, e amarrar com a cultura do nordeste, por ser um povo guerreiro”.

O teatro shakespeariano é voltado ao povo, embora muitos o elitizem. A ideia de “Ha-melete” foi justamente pegar uma arte popular e trazer para o contexto cultural brasileiro. De acordo com Octávio, “o propósito foi embalar a obra na íntegra com a cultura nacional. Na peça original, as mulheres não podiam fazer parte do

O cinema de ShakespeareWilliam Shakespeare certamente jamais previu a invenção do cinema, que ocorreu quase 300 anos

após sua morte. Mestre das artes cênicas, suas obras servem hoje de inspiração para aqueles que dominam a chamada sétima arte. O material produzido pelo dramaturgo muitas vezes ganha vida nas telas, em adaptações fiéis de suas peças, mas há quem prefira ter certa liberdade criativa, usando as temáticas shakespearianas apenas como base para seus filmes. Confira alguns longas-metragens que podem não parecer, mas são inspirados nas obras de Shakespeare:O Rei Leão: clássico da animação dos estúdios Disney, o filme de 1994 foi inspirado em Hamlet, que também narra a jornada de um príncipe após uma traição familiar motivada pela ambição de se tornar rei.Amor, Sublime Amor: considerado por muitos especialistas o maior musical estadunidense de todos os tempos, o vencedor do Oscar de 1962 foi inspirado em Romeu e Julieta. Nesse caso, as famílias Capuleto e Montecchio são trocadas pelas gangues rivais Sharks e Jets, influentes em Nova York.Ela é o Cara: a história de uma garota que se passa pelo irmão para poder entrar para o time de futebol da escola foi inspirada em Noite dos Reis, em que a personagem Viola também finge ser o irmão Sebastian.Dez Coisas que Eu Odeio em Você: o clássico adolescente da década de 90 ecoa a história de A Megera Domada, na qual uma caçula precisa esperar a irmã mais velha se casar para poder ficar com o homem pelo qual está apaixonada.O Planeta Proibido: mais conhecido pelo título original, “Forbidden Planet” é uma versão modernizada de A Tempestade. Enquanto a ilha isolada onde a história se passa é substituída por um planeta des-conhecido, os elementos sobrenaturais de Shakespeare viram forças alienígenas na ficção científica.

espetáculo e os papéis femininos eram realiza-dos por homens. As personagens femininas em ‘Hamelete’ também foram feitas por homens e os narradores foram mulheres”.

Além de Machado de Assis, outros autores brasileiros também apresentam certa influência de Shakespeare em suas obras. No “Manifesto Antropófago”, de Oswald de Andrade, o bra-sileiro recorre a um dos monólogos de Hamlet, escrevendo “Tupi, or not tupi, that is the ques-tion” (ser ou não ser Tupi, eis a questão).

Para Octávio, a popularidade de Shakes-peare permanece em alta há mais de 400 anos porque “falar do ser humano e dos sentimentos humanos é falar de algo inesgotável e, por isso, ele continua tão vivo até hoje”.

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(nancy alves, prOFessOra)

21CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

Por victoria azevedo

“vaI ter luta”

Saindo do metrô já era possível escutar o barulho que vinha do largo. Uma

maré vermelha – que não parava de crescer – se aglomerava no Anhangabaú, em manifestação contra o processo de Impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a favor da democracia. Tinha tanta gente, que mal era possível andar sem esbarrar em alguém. Sentados ou de pé, jovens e pessoas mais velhas, homens e mulheres. Entre uma fala e outra de pessoas representantes de movimentos sociais, e versos cantados por mú-sicos convidados, era puxada a frase de efeito “Não vai ter golpe”. O clima de frágil otimismo foi diminuindo durante as (longas) horas da votação. Mas sem abaixar a cabeça, as pessoas seguiam repetindo: “Vai ter luta”. E vai ser cada vez maior se depender da força que tinha o Anhangabaú naquele dia.

Ato realizado no Anhangabaú, em 17 de abril, refletiu o repúdio de uma parte da sociedade ao golpe

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CONTRAPONTO22 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

Cada texto é uma carta – e toda carta só se realiza se encontrar

seu destinatário.” Essa é a primeira frase do livro A menina quebrada de Eliane Brum. A jornalista expõe, já nas primeiras páginas, o principal motivo que a leva a escrever- escreve porque a vida lhe dói, porque não seria ca-paz de viver sem transformar dor em palavra escrita. Brum escreve para falar sobre a vida, e nós a lemos para encontrar a vida. Porque todos nós buscamos um ser- estar no mundo e, muitas vezes, precisamos ver o mundo através dos olhos de outra pessoa. Ela nos leva a transformações, caso permitamos, porque, como ela mesma diz: “é pelos incômodos e pelas dúvidas que nos tornamos capazes de viver várias vidas em uma só”. Por mais que busquemos apagar nossas marcas, somos pessoas quebradas. Mas porque queremos apagar nossas marcas, se elas nos fazem ser quem somos? Por que, mesmo predispostos a nos quebrar, nós continuamos a viver?

A menina com pais que, mesmo depois das marcas da idade, conti-nuam achando posições para deitarem lado a lado e conversarem sobre a vida pela manhã; a menina que ouvia histórias e queria saber o porquê de tudo; a menina que passeava de carro com a família aos domingos e reparava as casas bonitas da vizinhança; a menina que se tornou uma repórter que enxerga as menores delicadezas. A melhor pior praia do mundo é aquela onde ela pode ver seus pais do jeitinho que quer lembrar-se deles. Fala tanto de sua vida, porque acha que suas experiências podem nos mostrar que sim, cometemos erros, temos preconceitos, mas também podemos superar coisas inimagináveis se assim o quisermos. Como repórter, ela ouviu histórias e aprendeu com elas. Conheceu muitas pessoas. Pessoas que tomavam muitos remédios, mas não possuíam acompanhamento médico. Mulheres que não

Nome forte, se chamava Alma. Menina magra, de pernas compri-das, de olhos grandes e escuros. Nome forte pra curta vida dura.

Era alma, mas era feita de matéria. Tinha corpo, mesmo que miúdo. Era alma que vinha de longe. Alma palestina da Síria. Aqui (e para o mundo), refugiada. Alma refugiada. Só mais uma entre outras milhões.

Alma também esperta. Três meses na escola foram suficientes para lhe introduzir o português. “Menina bonita”, ela me dizia enquanto olhava seu retrato no visor da câmera em minhas mãos. Eu concordava: era mesmo. Alma bonita. Trocava de pose. Mais um clique. Os olhos grandes e escuros iam perdendo a timidez. Agora curiosos, miravam a lente com ar de diversão.

O cômodo era grande, embora pequeno para as famílias que moravam ali. No total, cerca de sete almas refugiadas se dividam entre os quatro ambientes. Uma cozinha improvisa-da era equipada com utensílios de uma culinária típica que também veio de longe: quem sabe assim, preencher a vida nova no país estranho com um pouco de alma árabe. Não havia paredes que separassem a cozinha da sala, que era mo-biliada com uma pequena mesa redonda e algumas poucas cadeiras em volta. No canto direito, um colchão com lençóis desarrumados: cama de um desafortunado que provavelmente não coube em nenhum dos dois pequenos quartos. Lá, já se espremia gente suficiente.

Alma era familiarizada com o ambiente, já fazia quatro meses desde que o edifício abandonado fora ocupado. Sua casa, também simples e improvisada, ficava no sétimo andar. Ela andava pelo prédio, brincava com as outras crianças e se pendurava no colo do seu avô. Os seus olhos grandes e escuros não souberam me responder, mas me questionei se, por trás daquela alma alegre, não havia uma menina assustada e com saudades de casa. Talvez sua pouca idade e sua meninice ainda

lhe camuflassem os episódios duros da vida. Ou talvez o mundo fique mais bonito sob os olhos da alma.

Mas no medo, ninguém é solidário. Não entendem sua cultura e não enxergam como a deturpam. O mundo, que até ontem prometeu dar um lar para seus filhos órfãos, agora fecha suas portas para almas doídas, feridas e mutiladas. Almas refugiadas como você. Penso nos seus olhos grandes e escuros e não consigo evitar de pensar que uma delas poderia ser você, menina Alma. Me pergunto, enfim, até quando sua alma de menina se preservará neste mundo cruel e egoísta.

conheciam o parto humanizado, gays que não são gays, pessoas que davam lição de moral, mas não as seguiam. Conheceu pedófilos e malvados rotulados pela mídia. Essa mídia que nos faz acreditar sempre que a vítima representa o bem e o culpado representa o mal.

Eliane busca viajar para se desconhecer, para usar palavras que não são suas e buscar novas. Ela se preo-cupa com a senhora que mora dois andares abaixo do dela, com a mãe órfã, com o depressivo na contramão, com os bebês censurados, com os ateus em um Brasil cada vez mais evangélico, e com a pobre rainha má que tem medo de envelhecer. E até do sofrimento do que é perder uma mãe e uma filha, porque nem as mães nem os filhos deveriam morrer.

Ela nos alerta a todo minuto aos problemas de termos uma única história, e pensar e criar com apenas a mesma cabeça e as mesmas palavras. Da mesma ma-neira que consegue nos levar a refletir sobre Lula, Eike Batista, Maluf, Haddad, Dilma, ela nos emociona com A menina quebrada porque, além de seres racionais, nós

somos “sonhadores despertos ou despertos sonhadores.” Assim, a vida se torna menos clichê com suas histórias, porque nos lembra de que a vida se faz nas marcas. E que como eu me perguntava antes de ler esse livro, por que insistimos em viver em um mundo em que podemos ser quebrados, machucados? Eu entendi o porquê no final dele: Toda história ruim tem várias partes boas que perdemos, por estarmos tão preocupados em não errar, em não sofrer, exatamente em não querer viver a parte ruim. Mas a vida possui, sim, suas delicadezas que nos emocionam, que nos fazem querer viver. Porque só depende de nós sentir na pele do outro e ouvir outras historias diferentes e iguais a nossa, que nos ajudam a percorrer um caminho na vida. Assim, Eliane, sentada em sua Escrivaninha xerife, consegue nos dar rumos, direções e pensamentos para nos perdemos no labirinto que existe dentro de todos nós.

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A meninA quebrAdA AutorA: EliAnE Brum

EditorA: ArquipElAgo – 432 págs – 2013

23CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Maio 2016

■ Escândalo do Panamá Papers revela grandes nomes

No começo do mês de abril, através de uma ampla cobertura jorna-lística, foi desvendado um dos maiores esquemas de lavagem de dinheiro já conhecidos, o Panamá Papers. Com a colaboração de mais de 376 jornalistas, 109 veículos de informação em 76 países e, principalmente do jornal alemão Süddeutsche Zeitung, foram desvendados mais de US$ 7,6 trilhões em impostos sonegados por meio de mais de 214 mil empresas offshore ligadas à empresa Mossack Fonseca, do Panamá.

Nos mais de 11,5 milhões de documentos vazados pela empresa pa-namenha, pelo menos oito nomes de líderes mundiais chamaram atenção do público: o atual presidente da Rússia, Vladimir Putin, da Argentina, Maurício Macri e da Ucrânia, Pietro Poroshenko; o rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdulaziz al Saud; o emir de Abu Dhabi, além do craque argentino Lionel Messi e do presidente da União das Federações Europeias de Futebol (Uefa), Michel Platini.

Foram citados, até o momento, 57 nomes de brasileiros que possuem alguma ligação com o esquema milionário de lavagem de dinheiro. Dentre eles, aparecem os nomes do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMBD-RJ), o senador Edison Lobão (PMDB-MA) e o deputado federal Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), que também são investigados pela operação Lava Jato.

■ Confirmada ameaça terrorista no Brasil No último dia 14, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) autenticou

a informação que o francês Maxime Hauchard, integrante do Estado Islâmico (EI), postou sobre um possível ataque ao Brasil.

Conhecido nas redes como “o carrasco”, o radical Abou Adballah al-Faransi, mais conhecido como Maxime, é suspeito de ser um dos terroristas que decapitam jornalistas e reféns políticos em vídeos enviados ao governo norte-americano e principal articulador do grupo extremista islâmico.

Uma das maiores preocupações da Abin são os conhecidos “lobos so-litários”, indivíduos simpatizantes da ideologia linha dura do grupo que agem de forma autônoma e isolada: “Não dá para saber até que ponto estas pessoas possam se radicalizar. Nós achávamos que a Al Qaeda era o fim do mundo, mas agora com estes atentados em Paris, a possibilidade de um indivíduo conseguir um AK-47 num Paraguai da vida, ou num morro da vida e sair atirando em gente é uma coisa que foge da simples capacidade de monitoramento”, afirma Edmar Furquim, oficial da Abin.

Mesmo diante de um improvável ataque terrorista, a organização de inteligência brasileira organizou, para as Olimpíadas, a concentração de 110 agências de inteligência de todo o mundo para a fiscalização e controle de imigrantes suspeitos durante todo o período dos jogos olímpicos.

Por andré vieira

■ Processo de impeachment da presidente Dilma é aprovado na Câmara

No dia 17 de abril, após mais de seis horas de votação, a Câmara dos Deputados aprovou a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).

Em agitada sessão, com votos dedicados à família, ao Brasil e ao fim da corrupção, deputados e deputadas aprovaram com 367 votos a favor, 137 contra, duas faltas e sete abstenções, o pros-seguimento do impedimento da presidente. O rito segue agora para o Senado, onde precisa de maioria simples (41 votos dos 80 Senadores) para afastar Dilma do cargo. Caso isso se concretize, a presidente será impedida de governar o País por 180 dias até novo julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presi-dente da casa, Ricardo Lewandowski.

Em caso da vacância do cargo de Dilma, o vice, Michael Temer (PMDB), assume a cadeira de presidente. Mesmo tendo rompi-do publicamente relações com o governo petista e de ter sido acusado pela ex-companheira de golpista e conspirador, Temer organiza sua ascensão à presidência pleiteando novas alianças e revitalizando sua imagem política.

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As principais vias de acesso a São Paulo foram paradas pela mobilização popular da frente

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■ Nova edição de Charlie Hebdo esquenta debates nas redes

Mais uma vez, o sátiro jornal francês é protagonista de uma polêmica. Em sua edição de número 1236, o canard enchainé, de Gérard Briard trouxe em sua capa o cantor e compositor belga Stromae, cercado de mem-bros decepados das vítimas dos atentados sofridos na Bélgica citando trechos de um dos maiores sucessos do artista: Papa où t’es? (Papai, onde está você?)

A capa viralizou nas redes e nos veículos de informação de língua francesa, que questionaram a relevância daquela capa na vida dos familiares atingidos pelo ataque terrorista em Bruxe-las. E ressaltou, uma vez mais, a importância de um órgão regulatório da imprensa na França.

Stromae não se posicionou sobre o assunto, contudo, seus familiares e amigos próximos fizeram lembrar aos redatores do Hebdo que o pai do artista morreu num genocídio realizado em Ruanda pelos Tutsis, algo muito semelhante ao terror presenciado em Bruxelas.

■ MTST organiza grande paralização em estradas de nove estados

Em resposta à aprovação do processo de impeachment na Câmara, movimentos da frente Frente Povo Sem Medo realizaram 30 blo-queios nas principais rodovias e avenidas em nove estados diferentes. Com o objetivo de, segundo Guilherme Boulos, “denunciar o golpe em curso no país e defender os direitos sociais, que entendemos estarem ameaçados pela Agenda de retrocessos apresentada por Michel Temer caso assuma a presidência”, a mobilização durou toda a manhã do dia 28 de abril.

O periódico sátiro francês extrapola seu “tradicional”

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“Esse protesto não é contra as mulheres que escolhem uma vida tradicional. É contra a ideia de que só essas mulheres têm valor”, publicou Nana Queiroz, jornalista e criadora do movimento Eu Não Mereço Ser Estuprada, em sua página no Facebook. O movimento defende a liberdade das mulheres, para que elas não se sentam inferiores ao sexo masculino, em qual-quer âmbito.

Toda vez que acontece um retrocesso so-cial, são as mulheres (tratadas como minoria) que sofrem com seus direitos; arduamente conquis-tados. Elas lutam há muito tempo pela equidade em direitos e apesar de tudo que conquistaram, ainda resta muito a conquistar. Nesse sentido, tal reação à reportagem evidencia que “não quere-mos ser recatadas, não queremos ser tomadas em nossa beleza como objeto de posse ou de consumo, e muito menos queremos ficar presas em nosso lar sem poder ter vida pública”, como defende Diana Corso, psicanalista e escritora.

Produzir uma matéria em que a mulher é tida como bem privado de um homem público, em uma mídia de grande visibilidade como a Veja, coloca o em xeque aquilo que o movimento feminista sempre lutou para que as mulheres quisessem ser. “Queremos ter um lar, mas não ser do lar. Queremos ser recatadas quando bem entendermos e assim desejarmos. E caso não

“bela, recatada e do lar”

Se o dia 17 de abril foi marcado pela votação na Câmara dos Deputados do

processo de Impeachment da presidente Dilma Rousseff, em Brasília, o dia 18 foi escolhido a dedo pela revista semanal Veja articular mais uma de suas manobras golpistas. Enquanto o vice presidente Michel Temer ganha mais destaque dentro e fora do Congresso, pela possibilidade de assumir o cargo de Presidente da República, o veículo de direita vem utilizando da figura do político para deteriorar a imagem da presidenta e moldar a opinião pública através de matérias truculentas.

Nesse contexto, a segunda-feira pós-vota-ção foi alvo de uma reportagem online da Veja em que, seguindo a fórmula bem-sucedida do passado, ela descreveu as “qualidades” da “fu-tura primeira-dama” do Brasil, Marcela Temer. Com atitude machista e tom ditatorial, o veículo apostou na mesma posição adotada por blogs e revistas nas eleições presidenciais de 2014, quando a esposa do candidato Aécio Neves, Le-tícia Weber, ganhou destaque na mídia pela sua beleza, dedicação à família e ótima conduta.

Na época, assim como aconteceu na dé-cada de 1990 com Rosane Collor, então mulher do ex-presidente Fernando Collor, as mulheres da classe média/alta brasileira se sentiram con-templadas pelo padrão idolatrado pela imprensa e representado por Letícia e Rosane. O apelo sensacionalista dessa parte da imprensa não movimentou as ruas nem as redes sociais ou se quer foi questionado pela maioria feminina.

Contudo, com o recente acontecimento na tarde do dia 18, as mulheres agiram e rea-giram ao questionar a intenção da matéria em não apenas taxar um protótipo feminino, mas desqualificar as características da presidenta Dilma, tornando sua feminilidade inadmissível ao cargo presidencial.

Esposa de Temer há 12 anos, a mãe de Michelzinho foi classificada como “bela, recatada e do lar”, como dizia o título da reportagem. A afirmação foi justificada por argumentos como: “gosta de vestidos na altura dos joelhos”, “sempre chamou atenção pela beleza”, “seus dias consistem em levar e trazer Michelzinho da escola” e ainda encerra com: “ela tem tudo para se tornar a nossa Grace Kelly”.

Com a difusão dos movimentos feminis-tas por todo Brasil, seja nas redes sociais ou nos protestos de rua, as mulheres, em sua maioria jovens, logo encontraram um modo de reagir à misoginia e ao discurso falacioso que atacou a presidenta Dilma e condenou a mulher a ser o que lhe é imposto ser.

No Facebook, Twitter e Instagram mi-lhares de mulheres divulgaram fotos e memes delas mesmas em situações que questionam o tipo “bela, recatada e do lar” apresentado pela jornalista Juliana Linhares, na matéria da Veja. As redes sociais foram bombardeadas por imagens de mulheres seminuas, bebendo no bar, na balada, em festas. Não fosse o ideal enraizado ao longo dos anos na sociedade e estimulado pela mídia, seriam fotos “nor-mais”, de quem tem direito de publicar o que sente vontade e compartilha com os amigos o que bem entender.

Por maria eduarda Gulman e nicole Wey Gasparini

sejamos recatadas, queremos o direito de não sermos estupradas. Queremos ser belas, sim, mas do nosso jeito, não como uma boneca inflável”, completa a psicanalista.

Com a visibilidade alcançada pelo movi-mento feminista através de páginas, blogs e pla-taformas da mídia digital, grande parte da mulher do século XXI não se sente mais contemplada pelo estereótipo feminino imposto pela matéria da Veja. Não fossem os eventos de debate a respeito dos direitos da mulher, a organização de protestos nas ruas, as discussões incitadas no ambiente virtual, por páginas feministas, talvez a reportagem do veículo de direita não tivesse sido tão problematizado, questionado e atacado pelas mulheres.

Graças ao lugar ocupado hoje pelo sexo feminino, tanto em instituições de trabalho quanto na esfera pública de debate, foi possível enxergar a truculenta intenção de uma reporta-gem que buscou colocar a mulher novamente no espaço já ocupado por ela. Lugar passivo, em que tudo é aceito, de forma submissa. Contudo, agora que os olhos e a mente da maioria já fo-ram abertos, será difícil que elas deixem passar qualquer tentativa de posicioná-las novamente onde não devem estar.

Matéria misógina de revista com grande circulação cria uma caricatura da “mulher correta”

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Mulheres postaram fotos ironizandoa visão que a revista sustenta