contraponto 101

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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP ANO 16 N 0 101 Fevereiro 2016

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Fevereiro de 2016

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Page 1: Contraponto 101

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP

ANO 16 N0 101 Fevereiro 2016

Page 2: Contraponto 101

CONTRAPONTO2 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

PUCPontifícia Universidade católica

de sÃo PaUloPUc-sP

reitor

vice-reitor

Pró-reitora de Graduação

Pró-reitor comunitário

facUldade de filosofia,comUnicaçÃo, letras e artes

faficla

diretormárcio alves da fonseca

diretora adjuntaregiane miranda nakagawa

chefe do departamento de Jornalismovaldir mengardo

coordenador do Jornalismocristiano Burmester

vice-coordenador do JornalismoJosé salvador faro

c o n t r a Ponto

conselho editorialJosé arbex Jr.,

marcos cripa e Pollyana ferrari

comitê laboratorialluiz carlos ramos, rachel Balsalobre, salomon cytrynowicz, Wladyr nader

editorJosé arbex Jr.

ombudsman

secretária de redaçãomaria eduarda Gulman

secretárias de produçãoandressa vilela e Giovanna fabbri

editor de fotografialeonardo m. macedo

PUC

E D I T O R I A L

SUMÁRIO capa: evelyn nogueira

cartasdemúrcia A vida na cidade (pequena) grande pág. 3 opressão Redes Sociais: palco de ódios e racismos pág. 4 pixações Por detrás da porta pág. 6 educação O Enem e a representatividade popular pág. 7 estatutodafamília (Des) Regulamentação do atraso pág. 8 conjunturapolítica A verdadeira cara da Imprensa no Brasil pág. 10 educação Nenhuma escola a menos pág. 11 ensaiofotográfico Grades Amarelo-Ipê pág. 12 fotojornalismo O poder das lentes pág. 14 refugiados Quando o futebol é mais que um esporte pág. 15 saneamento O esgoto pode ser solução da crise pág. 16 desastreambiental Vale de lama pág. 17 desigualdadesocial Brasil é um dos países mais injustos pág. 18 atentadoemparis Ninguém é inocente pág. 19 37asemanadejornalismo Em debate, as várias faces da profissão pág. 20 resenha Símbolos do Poder Feminino pág. 22 crônica Direito ao aborto para poucos pág. 22 antena Milton Bellintani – Mil afetos que seguem pág. 23 cultura Brasil sedia primeira edição dos Jogos Mundiais Indígenas pág. 24

simetria design Gráfico – projeto/editoraçãoWladimir senise – fone: 2309.6321

contraPonto é o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da PUc-sP.

rua monte alegre 984 – PerdizesceP 05.014-901 – são Paulo – sP

fone: 3670.8205

número 101 – fevereiro de 2016

cill Press Gráfica e editorafone: 993.583.533

ErramosNo CP 99, a matéria intitulada “O direito à cidade“ é de autoria de Pedro Prata,Paola Micheletti e Laura Jabur.

No CP 100, a secretária de redação é Maria Eduarda Gulman.

Não feche a minha escola Na histórica paralisação dos professores da rede pública de ensino do Estado de São Paulo,

que durou 92 dias, entre março e junho de 2015, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o secretário da educação Herman Voorwald demonstraram, mais uma vez, não estarem aptos para dialogar com a população. Um pacote anunciado em setembro divulgou o fechamento de 94 escolas estaduais, no projeto de “reorganização” do ensino público paulista.

A distribuição dos alunos será organizada de acordo com o ciclo escolar, como ensino fundamental básico, anos finais do ensino fundamental e o ensino médio. Há risco das salas de aula ficarem superlotadas, como já é cotidianamente questionado pelos professores. Além disso, a distribuição de aulas entre os docentes ficará mais difícil e alguns precisarão lecionar em mais escolas para manter o salário.

A grande “reestruturação educacional” proposta pela Secretaria de Educação do Estado (SEE) pretende “reorganizar” o espaço físico dos colégios e centros de ensino alocando alunos do ciclo básico (1º ao 5º ano) – e do ciclo fundamental (6º ao 9º ano) em diferentes instituições de ensino – sendo que cerca de um terço das escolas que não retomarão as suas atividades no próximo ano apresentam desempenho acima da média estadual.

O último mês de outubro foi marcado por uma série de manifestações que levaram jovens estudantes da rede pública para protestar contra o fechamento de suas escolas. O mais es-pantoso foi, além da falta de diálogo com a população, a truculência da Polícia Militar de São Paulo ao agredir jornalistas e manifestantes.

Não é de hoje que a educação pública sofre com o processo de sucateamento; faltam professores, uma vez que os docentes são mal remunerados, o diálogo é mal estabelecido entre os representantes do governo e a sociedade, além da necessária (r)evolução na educação como um todo.

A inserção das novas tecnologias como apoio educacional, o incentivo a formação crítica dos estudantes, a eliminação dos sistemas de seleção para o ingresso nas universidades e a democratização do acesso ao ensino superior seriam fundamentais para superação desse déficit histórico que assola escolas em todo o estado. Mas claro, antes de qualquer coisa, fornecer aos jovens uma educação de qualidade, que os formem como humanos e não como competidores.

Enquanto a educação, um dos setores mais básicos e importantes da sociedade, é tratada com grande descaso e desdém por uma secretaria e um estado que, em teoria, deveriam ma-nejar recursos e esforços “para o amplo desenvolvimento da pasta tanto no âmbito individual quanto coletivo, a segurança pública recebe investimentos milionários para construção de presídios e captação de profissionais de segurança.

Essa discrepância de recursos revela, uma vez mais, o tipo de cidade e estado que nossos governantes e administradores políticos têm em mente: um estado onde as palavras de ordem e os conceitos morais e éticos são ditados por uma força bruta e violenta dos policiais, enquanto é deixado de lado o conhecimento e saber emancipatório promovido pelas escolas.”

Os 311 mil estudantes que serão afetados pelo fechamento das 94 escolas espalhadas pelo estado de São Paulo são apenas uma parte dos outros 6 milhões de jovens da rede pública do Estado de São Paulo que terão os seus vínculos educacionais desestruturados. É mais uma marca da ausência de diálogo com as comunidades e mais um exemplo de desordem na educação.

EXPEDIENTE

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

Por victoria azevedo

Cartas de MúrciaCONTRAPONTO

Confesso que a primeira vez que eu ouvi falar da cidade de Múrcia foi

quando comecei a procurar as universidades que a PUC tinha convênio para fazer meu intercâm-bio. A cidade de quase 400 mil habitantes me surpreendeu positivamente nesses três meses que eu já passei aqui – metade do tempo que eu vou ficar no Velho Continente. Apesar de ser considerada uma cidade “grande” e a mais importante da região, pra quem está acostuma-da a viver em São Paulo, Murcia é uma cidade pequena e deliciosa.

Localizada no sul da Espanha, a 50 km das praias e próxima a cidades como Granada (2h30 de carro), Cartagena (30 minutos de carro) e Alicante (40 minutos de carro), Múrcia é considerada uma cidade universitária. Tanto a “Universidad de Murcia” (UMU) que é pública e a “Universidad Católica San Antonio de Murcia” (UCAM) que é privada, atraem jovens de toda região. Eu estudo na UCAM e vou todos os dias de bicicleta pra aula. A universidade fica fora de Murcia, em Guadalupe, uma região que cresceu tanto que virou outra cidade. Murcia é rodeada pelos “pueblos cercanos” (povoados próximo, na tradução direta), e, inclusive, a maioria dos meus amigos espanhóis moram nessas cidades e estu-dam em Murcia. Divido apartamento com mais outras três espanholas que às sextas-feiras voltam para suas casas que estão há no máximo, uma hora da onde nós moramos. Pra elas, compensa mais morar em Murcia do que ir e voltar todos os dias pra casa – porque morar a quarenta minutos de onde elas estudam é “um absurdo”.

Eu moro no centro da cidade e faço tudo a pé: supermercado, farmácia, restaurantes, bares e baladas estão a cinco, dez minutos andando da minha casa, no máximo. O lugar mais longe que eu frequento é a estação de ônibus, que está a 20 minutos de caminhada. Curioso como as noções de tempo e distância para os espanhóis são dife-rentes das que nós estamos acostumados. Quando eu digo que vou e volto de bicicleta até a minha faculdade todos os dias, meus colegas me olham como se eu fosse um extraterrestre. O trajeto dura entre 20 a 30 minutos, e isso para os espanhóis é como se fosse uma eternidade. Mal sabem eles que em São Paulo nesse mesmo tempo muitas vezes a gente nem consegue sair de um bairro.

Outra surpresa que encontrei na cidade foi descobrir que ela era destino de muitos brasileiros contemplados pelo programa nacional de bolsa de estudos para cursar faculdade no exterior, o “Ciências Sem Fronteiras”. Às vezes, dependen-do do lugar que você anda, é possível escutar mais português do que o próprio espanhol, e com uma variedade de sotaques. Acho que neste ano vieram aproximadamente 80 pessoas – pelo me-nos esse é o número de participantes do grupo do Whatsapp chamado “Alô Alô Murcianos”, que brinca com a frase icônica da música da cantora Rita Lee. Sendo que desses 80, 60 fazem arqui-tetura e 20 estudam engenharia. Em jornalismo, além de ser a única brasileira na sala de aula, eu

aulas de “Teoria do Jornalismo” no primeiro semestre de faculdade.

Além disso, nota-se um desinteresse muito grande dos alunos que estão fazendo matérias de carreiras que não são as que pretendem se formar. Por um lado, acredito que a possibilidade de entrar em contato com diferentes conteúdos é uma oportunidade interessante para que o aluno possa conhecer diferentes âmbitos da comunicação. Mas, por outro lado, enxergo que as pessoas acabam se dedicando menos nas disciplinas porque têm um grande desinteresse pelo que estão aprendendo.

Por outro lado, a distribuição de aulas de cada disciplina é muito interessante. Cada uma tem duas aulas na semana, sendo uma delas teórica e a outra prática. Dessa forma, necessa-riamente toda semana os alunos devem produzir algum material, sendo esse relacionado ao con-teúdo aprendido na aula anterior. Eu acho que esse é um método bem interessante, porque na mesma semana os alunos conseguem colocar em prática o que aprenderam em sala de aula.

Poder fazer tudo a pé e ir de bicicleta para a faculdade realmente é um grande diferencial pra vida que eu levo em São Paulo. Não ter a pres-são de viver em um ritmo acelerado, aproveitar para dormir durante a “siesta” (horário depois do almoço em que o comércio fecha e no qual os espanhóis usam para dormir) e, é claro, não ter aulas às sextas-feiras são outras coisas que vão ser difíceis de me despedir quando eu tiver que voltar. Mas nada que uma boa comida caseira e uma música brasileira, na minha chegada, não possam resolver.

A vidA nA cidAde (pequenA) grAnde

Impressões de uma aluna brasileira sobre a vida universitária no sul da Espanha

sou a única intercambista – além dos brasileiros, a UCAM neste ano recebeu 200 alunos “Erasmus”, que é o programa equivalente ao “Ciências” para estudantes universitários europeus e mais uns 50 que vêm da Ásia e da América Latina.

Assim como qualquer cidade universitária, e ainda mais sendo no sul da Espanha onde as pessoas costumam sair muito à noite, a vida noturna de Murcia é muito agitada. Quartas à noite são para os “Erasmus”. Quinta é a noite universitária, na qual todos os espanhóis saem para beber nos bares. Sexta, noite das tascas – ba-res maiores em que se pode dançar. Sábado, das discotecas. Sempre existe alguma festa e alguma coisa para se fazer. Aprendi que é um costume na Espanha jogar guardanapos usados no chão dos bares e não nos lixos. Assim, se você estiver à procura de um bar e não sabe onde ir, uma dica é olhar pra quantidade de guardanapos jogados: quanto mais tiver, melhor é o bar.

O curso de comunicação que a faculdade oferece aglomera as carreiras de Jornalismo, Audiovisual e Publicidade. Nos três primeiros anos a grade horária dos três cursos é unificada e todos assistem às aulas nas mesmas salas de aula. Assim, no quarto e último ano o aluno de-cide para qual curso vai se dedicar e tem aulas específicas sobre a profissão escolhida. Eu estou fazendo três matérias com alunos de quarto ano de jornalismo e uma matéria com alunos do segundo ano. Tenho a impressão de que os alunos de quarto ano não estão preparados como deveriam, já que vão se formar no final deste ano – em uma ocasião, em uma sala de 30 alunos, ninguém soube responder qual era a função de um “ombudsman”, coisa que aprendemos nas

A Universidad Católica San Antonio de Murcia (UCAM) ocupa o prédio que antes foi um hospício e que se tornou posteriormente em um

monatério, o Monasterio de Los Jerónimos

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

Por Gabriela tornich e rafael santos

As redes sociais têm sido palco de constantes manifestações de ódio e

racismo. O aparente anonimato gera um empo-deramento do agressor, que se sente livre para difundir discursos de ódio e preconceitos infunda-dos e irracionais. A internet como espaço público e as redes sociais colocadas em protagonismo na sociedade atual reforçam o domínio de pessoas mal intencionadas.

Segundo o estudante Bruno Matos, 26, os agressores, em muitos casos, usam perfis falsos para cometerem ataques racistas nas redes so-ciais. “Dessa forma, não acho que a ferramenta em si estimule o ódio, mas o anonimato permite que os racistas se sintam à vontade para cometer este crime”, completou.

Os arrastões que viraram pauta nos meios de comunicação de massa reforçaram o racismo institucionalizado. Devido à visibilidade que os casos tomaram por meio de denúncias na internet, por meio de vídeos e postagem nas redes sociais, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro impedia jovens negros de circularem ao redor das praias cariocas. A maneira como o adolescente estivesse vestido seria um critério para barrar a sua visita.

“Este é apenas um elemento de uma conjuntura na qual os conflitos políticos e ide-ológicos se tornam mais evidentes. Neste caso em específico, o agravamento do discurso racista acontece porque a questão dos arrastões veio à tona e a militância dos direitos humanos se posicionou rapidamente denunciando o racismo institucional. De outro lado, os ditos cidadãos de bem (leia-se bens) reforçaram as falas ofensivas em relação a negros e pobres. Já em relação aos ataques físicos, a ideia do justiçamento é mais uma evidência do racismo e acontece principalmente pelo estímulo através das mídias tradicionais, programas policialescos e figuras fascistas que têm espaço aberto nas rádios, TVs e jornais”, argumentou Matos.

Racismo nas universidades - Em contrapar-tida, as redes sociais não servem somente para promover racistas e acentuar o discurso de ódio, elas também foram essenciais para a divulgação de casos de racismo dentro de universidades bra-sileiras, como é o caso ocorrido na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Há dois meses, uma pichação racista foi encontrada na porta do banheiro da uni-versidade. A frase que dizia ‘‘Lugar de preto é no presídio, não no Mackenzie” foi divulgada inicialmente no Facebook causando grande re-percussão, sendo depois veiculada em jornais e grandes portais de notícias.

A Universidade abriu investigação interna para apurar os autores. Em entrevista para o Contraponto, Tamires Gomes Sampaio, 2ª vice presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE) e estudante de direito do Mackenzie, relatou que além da nota de repúdio, alguns professores da faculdade pontuaram sobre o assunto em sala de aula. Além disso, segundo a estudante, o coletivo de estudantes negros do

redes sociAis: pAlco de ódios e rAcismos

Apesar de ser um espaço de denúncia, a internet também serve para garantir o anonimato dos agressores

Mackenzie, AfroMack, se reuniu com o reitor e levou algumas reivindicações, dentre elas um pedido de campanha para conscientização, que ainda não foi colocada em prática.

Ao ser perguntada sobre o racismo dentro da universidade e da forma como ele pode ser combatido, Tamires explicou que o problema deve ser enfrentado a partir da mudança de toda a estrutura social, com a ocupação de negros e negras nas universidades e em espaços de re-presentação. Além de ampliar o debate contra o racismo em escolas, para criar uma política de formação ideológica que, segundo ela, iniciaria uma transformação social efetiva.

Para Bruno, “nas universidades isso acontece principalmente porque tais espaços foram histori-camente ocupados pela elite branca. E em muitas instituições de ensino isso ainda acontece. Ao ver

o movimento negro alcançar algumas conquistas, como o acesso ao ensino superior através das cotas, os racistas sentem a necessidade de se posicionar e reafirmar que aquele espaço não é para negros.”.

Famosos atacados – Em julho deste ano, um caso que ganhou bastante visibilidade na mídia foi o da jornalista Maria Júlia Coutinho. Ela sofreu ataques racistas na página do Jornal Nacional no Facebook. A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), do Departamento Estadual de Homicídios e de Pro-teção à Pessoa (DHPP) instaurou inquérito policial para investigar o caso e um suspeito já foi ouvido. Atualmente, ela informa a previsão do tempo todas as noites em rede nacional.

A atriz Taís Araújo também foi vítima de ataques pelo Facebook. Os comentários racistas

OpressãoCONTRAPONTO

XII Marcha da Consciência Negra reuniu centenas de pessoas na luta contra o racismo

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A Universidade Presbiteriana Mackenzie fez uma nota de repúdio à pichação na porta do banheiro da instituição

Taís Araújo foi mais uma vítima de segregação nas redes sociais, que por muitas vezes, garantem o anonimato do agressor

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

não foram deletados pela atriz, que já se manifes-tou em sua página e repudiou as injúrias sofridas dizendo que os comentários estão registrados e já foram encaminhados para a Polícia Federal. Taís se defendeu: ‘’Não vou me intimidar, tampouco abai-xar a cabeça.’’ Além disso, coincidentemente, ela está em cartaz em São Paulo, junto de seu marido, Lázaro Ramos, com a peça O Topo da Montanha, sobre Martin Luther King, um dos mais importan-tes líderes do movimento para os direitos civis dos negros nos Estados Unidos e no mundo.

Aplicativo – Um aplicativo desenvolvido pelo Laboratório de Estudos em Imagem e Ciber-cultura da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) irá monitorar discursos de ódio e racismo nas redes sociais por meio de identificação e rastreamento dos agressores.

O projeto chamado “Monitor dos Direitos Humanos” foi encomendado pelo Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos com a finalidade de combater os discursos de ódio que são feitos nas redes sociais.

“O caminho para a desconstrução do racismo passa, sem dúvida, pela educação. Passa tanto pela instituição das cotas, que afirmam que a Universidade é sim lugar de negras e negros, quanto por mudanças no ensino básico, no qual é urgente que se faça cumprir a Lei 10369/03, que institui como obrigatória a História da África e dos africanos na grade curricular. Só por meio do acesso da negritude aos espaços que lhes foram historicamente negados e do resgate e valorização da identidade negra é que se com-bate o racismo em sua raiz”, disse Bruno.

Mídia e racismo – A mídia segrega o

racismo e dá grande visibilidade aos casos que envolvem famosos. Os casos envolvendo Taís Araújo e Maria Júlia Coutinho são exemplos da grande exposição e densa cobertura que a imprensa fez nos últimos tempos, no entanto, é preciso saber se esses veículos estão interessados em tratar verdadeiramente o racismo como um problema social ou estão interessados somente em audiência.

Dados do Anuário de Segurança Pública revelam que o Brasil é o país onde mais se mata no mundo. A cada dez minutos uma pessoa é assassinada no país e 77% dos jovens assassi-nados entre 15 e 29 anos são negros. Quando o assunto é a letalidade policial, esses números crescem. Em 2013 ao menos seis pessoas foram mortas nas mãos de policiais.

A advogada e cientista social, Talita Moreira explica que a injúria racial consiste em ofender a honra de alguém, quando o sujeito é determinado, ou seja, sabe-se quem é o autor da ofensa, sendo também afiançável e prescritível. Já o racismo é considerado crime grave, inafiançável e imprescritível. Segundo ela, a maioria dos casos são de injúria e não racismo, como o processo é longo e costuma não resultar em pena, as vítimas optam apenas pelo processo civil requerendo indenização por danos morais. Talita explicou que atualmente com o suposto anonimato na internet, a justiça se torna cada vez mais dis-tante da realidade, e as redes só escancararam um problema já enraizado no Brasil. Para ela, o ambiente virtual encoraja as pessoas a disseminar o ódio e por estar caracterizado principalmente pela informalidade das redes, os processos aca-bam não sendo realizados. Sua esperança está somente na educação, pois de acordo com ela, o sistema penal não resolve o problema.

XII Marcha da Consciência Negra reúne centenas de pessoas na luta contra a

discriminação racial“Arrasta a mulher negra, some com o pedreiro e a guerra às drogas está matando o povo negro.

Mata traficante, mata policial e a guerra às drogas está matando geral”, cantavam as centenas de manifestantes, no último dia 20 de novembro, para denunciar o genocídio da população negra e a marginalização decorrente dos séculos de escravidão. A data, em que é celebrado o dia da Consciência Negra, faz alusão a Zumbi dos Palmares, que ao lado de Dandara, se tornou um ícone da luta contra a submissão e escravidão do povo negro.

Maju agradeceu em rede nacional às mensagens de carinho recebidas em repúdio às agressões sofridas “Os preconceituosos ladram, mas a Majuzinha passa”

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Taís Araújo e Lázaro Ramos atuando na peça “O Topo da Montanha” no Teatro Faap em São Paulo

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CONTRAPONTO6 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

Por leonardo moschetti, mariana castro e nathalia moraes

Se cuida, se cuida, se cuida seu ma-chista… A América Latina vai ser toda

feminista!” está escrito em letras azuis, no ba-nheiro feminino da antiga FAFICLA, em frente ao campus Monte Alegre da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Deixar mensagens nas portas de banheiros – femininos ou masculinos – é uma prática co-mum no Brasil e no mundo. Desde a pré-história o ser humano utiliza a escrita como forma de expressão e manifestação de seus sentimentos, pensamentos e desejos, primeiro, nas paredes das cavernas e hoje refletida nos azulejos e portas de espaços públicos. As portas dos banheiros de escolas, universidades, e outros lugares públicos tornam-se espaços de manifestação de diversas ideias que se mantêm escondidas dentro das pessoas, mas que vêm à tona com a privacidade e o poder de anonimato.

As pichações podem ser vistas como for-mas de manifestação do inconsciente, ligadas a fantasias e desejos reprimidos. Por detrás das portas encontra-se de tudo. Mensagens de sexo, política, filosofia e desabafos lideram um ranking desenvolvido em 2004, pela pesquisadora Re-nata Plaza Teixeira, do Instituto de Psicologia Experimental da USP, quando passou dez anos estudando o tema ao redor do mundo.

Em meio a uma sociedade constituída por um pacto social, a existência de normas que repri-mem a expressão e manipulação do corpo torna o banheiro um espaço de transgressão e, princi-palmente, de liberdade. No entanto, dentro das universidades – inclusive da PUC-SP - essas mani-festações carregam na tinta da caneta mensagens de ódio cheias de preconceito ou discriminação social, racial, de gênero, entre outras.

Para a estudante do primeiro ano de jorna-lismo e membro da frente feminista da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Evelyn No-gueira, as pichações nas portas dos banheiros do campus representam vandalismo. ”Estão dificul-tando ainda mais um trabalho que já não é nada fácil. Devemos parar para pensar quanto tempo de serviço economizaríamos dessas mulheres (faxineiras) caso as portas não fossem pichadas. Considero um tremendo desrespeito.”

Segundo ela, as diversas manifestações de empoderamento feminino têm seu valor, mas re-presentam, ao mesmo tempo, um desserviço para a luta feminista, uma vez que seguem oprimindo as mulheres responsáveis pela limpeza do cam-pus. Essa prática ressalta o chamado feminismo branco, que fragmenta o movimento por priorizar os ideais que convém a uma parcela privilegiada de mulheres. “Como podemos defender nossos direitos a todos os custos, mas ignorar e silenciar mulheres negras? Feminismo branco é aquele que luta, mas luta de forma totalmente parcial; luta por mulheres que tem uma série de privilé-gios assegurados por sua condição social, e para mim, isso é uma luta inválida”, afirma.

Os encarregados da limpeza na univer-sidade recebem um treinamento prévio sobre como limpar os catorze banheiros do campus diariamente. No entanto, todo o esforço ainda

por detrás dA portAUm olhar sobre o que se escreve nos banheiros da universidade

não é o suficiente. Ivone de Oliveira, supervisora da Higilimp – empresa terceirizada responsável por coordenar a higienização – diz que a situ-ação é pior nos banheiros femininos. “É tanto absurdo que eles escrevem que a gente nem lê mais, às vezes eles usam caneta permanente, tinta, dificulta muito nosso trabalho.” Ela diz que, constantemente, as outras mulheres da equipe dividem suas angústias, posto que limpam e logo em seguida o banheiro já está sujo novamente.

Aqui, vale o questionamento: a quem serve esse feminismo? A uma elite branca e privilegiada, que tem acesso às melhores univer-sidades do país e mesmo assim se utiliza disso para oprimir ainda mais as mulheres negras e pobres?

Além disso, apesar de frases que incenti-vam o amor próprio e a cumplicidade entre as mu-lheres, o anonimato de uma cabine de banheiro possibilita a manifestação de diversas expressões preconceituosas. Os estudantes e frequentadores do espaço registram ali suas visões de mundo sem amarras sociais. Isso, como já demonstrado em diversas outras esferas - como a internet, por exemplo – dá margem para que as pessoas reve-lem seus lados mais obscuros e opressores.

A tão comum divergência de opiniões se faz clara neste contexto e leva as portas dos banheiros a se tornarem verdadeiros campos de

batalha. Uma frase preconcei-tuosa escrita em tinta preta, seguida de uma construtiva escrita de caneta azul. Uma caneta vermelha riscando ambas e por aí vai. O que ocorre é que, mesmo aqueles que escrevem nas melhores das intenções estão, na verdade, fomentando um hábito que – além de render muitas gotas a mais de suor para as que esfregam os rastros da guerra todos os dias - pode se tornar gatilho emocional para alguém que tinha como única intenção utilizar o toalete.

No mês passado, virou notícia um caso polêmico retrata-do em outra universidade privada de São Paulo. “Lugar de negro não é no Mackenzie, é no presí-dio”, dizia a frase que foi escrita em um dos banheiros da Facul-dade de Direito da unidade Hi-gienópolis. A instituição prestou queixa na polícia e apura o caso internamente. Até o momento o autor não foi identificado, e provavelmente não será.

Em meados de novem-bro, estudantes da PUC-SP fo-tografaram uma frase assusta-dora no banheiro masculino do primeiro andar da universidade: ”Preciso de ajuda para estuprar

uma dessas loirinhas da PUC.” O autor ainda deixou um email anotado ao lado, incentivando cúmplices a esse crime bárbaro. Este é mais um exemplo de como se deve falar sobre este tipo de manifestação, uma vez que ela ameaçou e amedrontou um número lamentável de mulhe-res. Os coletivos feministas da universidade e centros acadêmicos já estão se mobilizando para descobrir quem foi o autor e tomar as devidas providências legais. Até o fechamento desta edição, nada havia sido solucionado.

Segundo a psicóloga Alessandra Coimbra, manifestações como essas não são saudáveis. Ao contrário, apenas alimentam uma cultura de exclusão e não agregam valor nenhum ao cres-cimento humano. “Fomentar a violência gera a intolerância, seja em agressões escritas, verbais ou físicas”, completa.

A ideia não é de censurar, mas sim cons-cientizar. Historicamente, a PUC-SP defende a liberdade de expressão, e isso não irá mudar. Não se pode, porém, confundir esta com liber-dade de opressão. No caso das manifestações pessoais nos banheiros, a liberdade de quem escreve atinge a liberdade do outro, fazendo-se necessária uma reflexão na qual os privilégios pessoais sejam reconhecidos e, a partir disso, haja um trabalho para atingir uma universidade mais justa e respeitosa para todos os alunos, professores e funcionários.

PixaçõesCONTRAPONTO

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Não há apenas manifestação de ódio nas paredes dos banheiros

Mensagens preconceituosas são comuns

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

Por Bruna scavuzzi

o enem e A representAtividAde populAr

No fim da tarde de sábado do dia 7 de novembro, mais de 40 pessoas

lotavam uma sala na região central de São Paulo para ouvir atentamente ao discurso do Frei David Santos a respeito de como a ONG Educafro pode-ria ajudá-los a se preparar para o vestibular.

Vagas remanescentes, bolsas de estudo por meio de parcerias com faculdades pagas, descontos em cursos de línguas e plataformas online. Todos esses recursos são oferecidos pela Educafro, uma organização com atuação em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, destinada a auxiliar negros e pessoas de baixa renda a acessar os diferentes segmentos educacionais, inclusive o Ensino Superior, por meio do curso popular “EuVouPassar”.

Naquela tarde em questão, além da cor, só havia mais uma característica em comum entre as pessoas que assistiam à palestra: a vontade de ingressar em uma universidade. De resto, aquela pequena sala reunia estudantes do Ensino Médio, idosos, mães, homens desempregados, jovens trabalhadores. Entre toda a diversidade étnica existente, Kimberly Gonzaga também estava ali escondida.

Aos 18 anos de idade a jovem sonha em estudar Engenharia Química ou Química Industrial. Aos olhos do governo, ela faz parte da geração “nem-nem”, nem estuda e nem trabalha, mas, na realidade, desde março está se preparando no cur-sinho popular para participar do processo seletivo das faculdades públicas. A estudante conheceu o curso preparatório pelo irmão e ambos viram como uma boa oportunidade. “Existe todo um projeto social”, comenta a respeito das iniciativas e parcerias da organização.

Este ano, Kimberly prestou o Exame Na-cional do Ensino Médio (Enem) pela 3ª vez. “Es-pero que seja a minha última”, diz esperançosa. Considerando que a Universidade de São Paulo (USP) adotou o Sistema de Seleção Unificado (SISU), a jovem confessa que já esperava que o exame estivesse mais difícil. “Tinha muitos termos específicos que, mesmo eu tendo estudado em um colégio particular, não conhecia. Imagine um estudante de escola pública”, ressalta. “Eu me considero muito privilegiada por ter sido bolsista em um colégio de elite”, completa.

Desde sua primeira edição, o Enem ga-nhou mudanças estruturais, mas não por acaso. Em 1998, o exame era aplicado apenas para ava-liar o aprendizado dos alunos do Ensino Médio, servindo de parâmetro apara que o Ministério da Educação pensasse em formas de melhorar o ensino. A prova continha apenas 63 questões.

A partir de 2009, as universidades federais começaram a adotar a avaliação. Esperava-se que o Enem virasse um facilitador para o ingresso nessas instituições, contudo, o seu modelo de prova se tornou algo mais rebuscado. Conten-do 180 questões objetivas e uma redação para serem feitas em dois dias, o exame abandonou totalmente o intuito de desmascarar a qualidade do ensino no país.

Estruturalmente a avaliação corrobora com a verticalização do ensino superior, ainda

A concepção do exame por uma estudante de periferia

que, no discurso, o Enem possua a fama de atender a demandas sociais. “Um jovem que estude em escola pública não vai saber quem é Simone de Beauvoir”, afirma a estudante de cursinho a respeito do emprego cada vez mais recorrente de conteúdos específicos em questões que costumavam ser meramente interpretativas. “Querendo ou não, o Enem ainda é uma prova muito elitista”, completa.

O que realmente marcou o final de se-mana do exame nesta edição foi a proposta de redação. “A persistência na violência contra a mulher”, como o próprio nome já diz, não deveria causar espanto. Todavia, certa comoção ocorreu nas redes sociais, em partes pela apro-vação das feministas e, em contrapartida, pelas publicações machistas em desaprovação. Para Kimberly, mulher negra e militante do movimento feminista, essa reação ocorreu em decorrência da infiltração do machismo na estrutura da socieda-de brasileira. “O machismo existe, mas as pessoas negam ou banalizam a sua existência”, diz. A jovem afirma que o tema foi mais palpável para os estudantes de escola pública. “Quem convive com esse tipo de violência, querendo ou não, vai ter chances de argumentar”, conta.

Mesmo dizendo que o exame não se es-pelha na realidade das classes baixas, Kimberly

se sentiu representada pela proposta. “A vio-lência contra a mulher não acontece só quando há agressão física. Começa quando eu saio de casa e os caras ficam bravos por que eu nego as cantadas”, ressalta.

Em geral, a estudante não soube chegar a uma conclusão sobre o verdadeiro caráter do Enem, já que ao mesmo tempo em que afirma a existência do “feminicídio” por exemplo, ele também continua concedendo oportunidades aos privilegiados. “Meu irmão que não teve as mesmas chances que eu tive, não é representado pela avaliação”, exemplifica.

“Por fim, eu gostaria de mostrar a vocês a nossa última conquista”, introduzia o Frei David já no fim da palestra. “Recentemente o MEC aprovou a adoção de mecanismos de in-clusão para estudantes negros no doutorado”, comemorava. Outras batalhas à parte, Kimberly continua fazendo planos para quando estiver formada na faculdade. Entre as suas inúmeras vontades, confessa que deseja trabalhar produ-zindo cosméticos adequados para mulheres e homens de pele negra. Até lá, ela e o resto das pessoas presentes naquela sala no centro de São Paulo têm poucas certezas, uma delas é que eles têm muito o que enfrentar.

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

Por evelyn nogueiraEm um dos momentos mais reacionários da história do país,

o patriarcalismo tolhe direitos

(des)regulAmentAção do AtrAso

No ano em que Marty McFly chega ao futuro, as coisas estão ainda mais

retrógradas e conservadoras do que em 1985, data em que De Volta Para o Futuro estreou nos cinemas. No último dia 24 de setembro, a Co-missão Especial do Estatuto da Família aprovou o Projeto de Lei 6583/13, que define família a partir da união estável entre homem e mulher, por 17 votos favoráveis a cinco contrários. Para virar lei, o projeto relatado pelo deputado Diego Garcia (PHS), ainda precisa passar por muitas etapas – ser aprovado por maioria no plenário, aprovado no Senado e enfim analisado pela atual presidenta Dilma Rousseff, que tem o po-der de vetá-lo –, porém é indiscutível o fato de que seu objetivo é dizimar a população LGBTTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis e Transgêneros).

A sociedade burguesa sempre foi quem estruturou o modelo “ideal” de família, dando espaço para o pátrio poder se destacar de formas bruscas e até mesmo sutis durante sua formação, além de já formatar um poder de classes dentro de casa. Para Beatriz Abramides, professora da PUC-SP e atual diretora da Associação dos Professores da PUC-SP, o PL 6583/13 é “ultra-conservador e reacionário”, pois se fixa em um único modelo de família, apesar de convivermos com inúmeros. O projeto, dentro de suas várias faces perversas, é mais uma forma de controle do patriarcado: a família só é reconhecida quando a mulher e a criança se tornam um objeto de propriedade do homem. Beatriz pontua que família é toda e qualquer que tenha uma relação afetiva, seja ela consanguínea ou não; irmãos e

Estatuto da FamíliaCONTRAPONTO

irmãs formam famílias, tios e tias que cuidam de sobrinhos e sobrinhas são uma família, avós que criam seus netos também são, assim como mães solteiras.

Discussão necessária – Em debate rea-lizado pela líder do grupo “Núcleo de Estudos e Pesquisas da Família” – certificado pela PUC-SP –, Marta Campos, a professora defendeu a plu-ralidade da palavra família. Família é toda aquela que se identifica como tal, mesmo que hajam projetos protocolados dizendo o contrário. A mesa de debate, composta por diversos ativistas contra o projeto de autoria do deputado Ander-son Ferreira (PR), rendeu ótimas falas e tentou mobilizar ainda mais pessoas para lutarem conta as medidas retrógradas da bancada BBB (Bíblia, Bala e Boi).

A professora, advogada e membro do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), Irma Pereira, diz que o estatuto da família está em crise desde 1988, e sempre que mulheres

alcançam uma posição mais “igualitária” na sociedade, o estatuto – que é inteiramente patriarcal – sofre um abalo em sua estrutura. O estatuto da mulher casada é um ótimo exemplo: a lei mudou mais de dez artigos do código civil, e a mulher passou a ter o mesmo direito que o homem sobre seus filhos, e o pátrio poder, de certa forma, começou a ser dividido. Irma ainda relembra o Artigo 226 da Constituição, que assegura para a família – sem designação de tipo desta – princípios básicos, como: dignidade, igualdade e proteção. A professora retoma a im-portância e existência do PLS 470/13, o Estatuto das Famílias – grafado no plural para contemplar todos os possíveis modelos da mesma -, de auto-ria da senadora Lídice da Mata, que asseguraria o direito de todas elas, formadas por consangui-nidade ou não. Irma afirma que o PL 6583/13 é um “retrocesso total, uma afronta direta aos direitos humanos”, já que visa, principalmente, limitar direitos da população LGBT+, e ainda diz que “casal homossexual não procria, mas cria”

Debate sobre o estatuto da família na PUC-SP

“o estatUto da família está em crise desde 1988, e sempre qUe mUlheres alcançam Uma posição mais “iGUalitária” na

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

da Família?”. Encerrada em agosto de 2015, o resultado – que pode ser conferido no site – teve 51,62% dos votos para “Não”, contra 48,09% para “Sim”.

Segundo o site da UOL, a enquete bateu o recorde de acessos, contando com 10,2 milhões de votos, além de mobilizar tanto militantes LGBT quanto lideranças da bancada evangélica.

Porém, em um relatório do Cenin (Centro de Informação) da Câmara consta que 1,6 milhão dos votos registrados em “não” foram feitas de um único computador, e é analisada a tentativa de fraude do Estatuto.

Vale ressaltar que em momento algum o site da Câmara julgava inconstitucional mais de um voto por pessoa, o que revela que o debate sobre fraude é apenas mais uma manobra da ban-cada conservadora, que tem se mostrado disposta a fazer de tudo para “conseguir o que quer”.

Campanha – O CFESS (Conselho Federal

de Serviço Social) lançou uma Campanha pela Livre Orientação e Expressão Sexual, que tem como objetivo principal mobilizar assistentes sociais, assim como a própria sociedade, para o debate e livre arbítrio em torno da orientação e expressão sexual do ser humano, visando apri-morá-lo profissionalmente.

A frase “O amor fala todas as línguas” é o slogan da campanha de cunho social, que tem como desafios: a reflexão sobre formas de opressão vivenciadas, a qualificação do debate para a sociedade civil e cotidiana, a reflexão sobre igualdade e liberdade na sociedade capitalista e a intervenção positiva na mídia, entre outras. O Conselho acredita que com o lançamento desta campanha, está contribuindo para combater a violência e defender direitos, o fortalecimento do debate sobre ética e direitos humanos, e a concretização do Código de Ética dos Assistentes Socias.

Retrocesso – Atualmente, o Brasil vive em um momento muito perigoso. Com a Ban-cada BBB presente na Câmara, está havendo um enorme retrocesso e todos os avanços conquistados até hoje estão sendo discutidos. Os direitos da família estão sendo negados, a discussão de gênero foi retirada do PME (Plano Municipal de Educação), o uso da pílula do dia seguinte está sendo visto como “meio abortivo”, e, portanto, há uma tentativa de criminalização para quem compre, a redução da maioridade penal foi aprovada – após manobra regimental de Eduardo Cunha (PMDB) – e o projeto de lei de terceirização foi aprovado na Câmara no primeiro semestre deste ano.

A violência contra a mulher está ganhando formas absurdas e inimagináveis; o direito de es-colha sob o próprio corpo é refutado e o acesso de atendimento gratuito a vítimas de violência sexual vem sendo negado constantemente, além da negação do título de família para as mulheres que são mães solteiras.

Estão sendo negados e criminalizados todos os debates que envolvem questões de direitos humanos, e a sociedade caminha para um rumo ainda mais conservador. O discurso da direita é preocupante por si só, mas também por ganhar cada vez mais força. É curioso pensar que todos esses debates para restrição de direitos são feitos em nome “de deus”, enquanto o Vaticano é chefiado por um dos Papas mais progressistas da história.

e dá a dignidade necessária que uma criança abandonada merece.

O representante do Conselho Regional de Psicologia (CRP), Luís Fernando de Oliveira Saraiva, tem uma posição um tanto quanto contrária à de Irma. Apesar de achar de extre-ma importância o PLS 470/13, discorda com a grafia de “famílias”, e acha que a palavra deve sempre ser escrita no singular pois “a família é múltipla”, e devemos aprender a contemplar essa multiplicidade. O professor de psicologia também é membro e co-coordenador do Núcleo Sexualidade e Gênero, que deu prioridade ao PL devido ao seu enorme retrocesso, e lançaram um manifesto pedindo a anulação imediata de tal, por desrespeitar totalmente os direitos humanos de toda a população que não tem uma “famí-lia-modelo” como a proposta pelo deputado Anderson Ferreira. Além disso, o professor acha “perigoso” usarmos família como sinônimo de amor, pois ao lembrar de conflitos e brigas, seu significado pode ser comprometido, portanto devemos sempre usar família como sinônimo de afeto, já que todos os conflitos fazem parte desta relação.

Uma análise interessante feita pela Revista Carta Capital, é que nem mesmo a família de Jesus Cristo faria parte deste modelo tradicional-conservador, proposto pela bancada reacionária. Jesus era filho de uma virgem e foi procriado pelo Espírito Santo, enquanto José era o “segundo pai” ou até mesmo “pai de criação” dele. É de extrema importância não enxergar a família como uma entidade natural ou até mesmo biológica, pois esquecemos que as maiores vítimas desses absurdos protocolados na Câmara são as crian-ças. Uma criança que é criada por quaisquer pes-soas, que não um homem e uma mulher vivendo

em uma união estável, tem seus direitos restritos. A saúde dela não será assegurada pelo Estado, assim como educação e moradia, visto que essa criança estará fora de todos os estatutos - caso eles sejam aprovados -, além de ser negada em sociedade por preconceitos consequentes ao PL 6583/13.

Fábio Cypriano, professor do curso de jornalismo da PUC-SP, acredita que “a pauta conservadora é uma desgraça”. O estatuto em questão, almeja uma ideia de família que é to-talmente falida, pois não existe tal coisa como “família perfeita” devido sua condição de hete-rossexualidade. Como professor de comunicação, Cypriano diz que o jogo das palavras – tal como a grafia de família no plural ou singular – é uma discussão real, pois devemos usar o vocabulário a nosso favor, e considera de extrema importância o uso de palavras que carregam um sentido arcai-co, porém acha que devemos contemplá-las para a contemporaneidade; relembra que a palavra “bicha” era usada para degradação do sujeito homossexual, mas a comunidade gay passou a adotá-la como forma de resistência. O professor pontua que a própria PUC reconhece a família em sua ampla pluralidade, pois concede bolsas de estudos a parceiros do mesmo gênero. Mesmo estando em uma faculdade católica, Cypriano afirma que a Pontifícia é uma das universidades mais progressistas atualmente, fazendo jus à sua história de luta e resistência.

Participação popular – Em fevereiro de 2014, o site da Câmara dos Deputados lançou uma enquete sobre o PL, que pergunta “Você concorda com a definição de família como nú-cleo formado a partir da união entre homem e mulher, prevista no projeto que cria o Estatuto

Charge publicada pela cartunista Laerte em sua página do Facebook

Entendendo melhor os projetos de leiO Projeto de Lei é uma proposta que passa por inúmeras fases até virar, de fato, uma lei. Todos

os projetos precisam ter um relator, que pode sugerir mudanças, e aprovar ou rejeitar a matéria a ser discutida. Além disso, os projetos passam pela Comissão de Constituição e Justiça, atualmente formada por 27 membros, que avaliam se o projeto está ou não de acordo com a constituição federal. Após ser aprovado pela Câmara, o projeto é encaminhado ao Senado, e para sua efetivação, a presidente precisa sancioná-lo, mas também pode vetá-lo total ou parcialmente.

A Constituição, por sua vez, também é uma lei – e atualmente, a maior delas -, e serve para or-ganizar o Estado e definir direitos e deveres dos cidadãos e cidadãs. Ela está sujeita a alterações, que podem ser feitas pelas PECs (Proposta de Emenda à Constituição), porém precisam ser aprovadas por um terço de deputados ou senadores, ou até mesmo pela presidenta.

Todos os processos legislativos são públicos, portanto, todos e todas têm acesso a eles, que são transmitidos pela TV e Rádio Câmara. Além disso, no site da Câmara todos os projetos estão arqui-vados, e podem ser acessados a qualquer momento.

Quando um Projeto de lei começa na Câmara, ele é denominado apenas de PL (Projeto de Lei) ou PLC (Projeto de Lei da Câmara), e quando se inicia no Senado, recebe a sigla PLS (Projeto de Lei do Senado).

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CONTRAPONTO10 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

Por andré vieira

A verdAdeirA cArA dA imprensA no BrAsil

Pautas conservadoras, linhas editoriais retrógadas e incentivos à cultura do ódio tornam-se cada vez mais comuns em páginas de

periódicos e revistas

Desde o momento de posse da presidente Dilma Rousseff, o País vive sucessivas

crises e escândalos nos mais diversos campos e segmentos econômicos, políticos e sociais. Enfrenta-mos, de fato, um verdadeiro estado de calamidade, desesperança e agonia em terras tupiniquins que irá se perpetuar interruptamente até que o Governo formado por “petralhas” “comunistas” e “boli-varianos” seja exonerado, cortes mais profundos em setores de base – educação, saúde, transporte – e em programas sociais não forem realizados e, sobretudo, se não for contida a corrupção de um único partido. Pelo menos é essa a visão que a im-pressa hegemônica reforça, diariamente, a partir de matérias, imagens, posts e vídeos que desvirtuam, modificam, alteram, sobrepõem a verdadeira na-tureza, sequência e importância dos fatos.

Assim, fica claro, logo de cara, a postura da maioria dos grandes veículos de (des)informação que, ao compactuar com os grandes concen-tradores de capital e seus ideais retrógrados e anacrônicos de Brasil, omitem informações, não dão a devida atenção à pautas e acontecimentos políticos, sociais, culturais, econômicos a não ser àquelas que estão circunscritos nos interesses de uma elite retentora de renda e de oportunidades. Elas fazem coberturas ridículas sobre fatos de bem público, ignoram lados cruciais em matérias para o desenvolvimento de debates e análises mais acuradas na esfera pública e, sobretudo, tornam-se porta-vozes oficiais dos setores mais conservadores e reacionários da política e econo-mia brasileira provando-se, dessa forma, inefici-entes para representarem a sociedade civil como um todo, uma vez que não se atem a fazer um jornalismo com princípios como a honestidade, a credibilidade e, principalmente, de transformar a realidade tornando-a mais justa e igualitária.

Acobertamento de pautas – Há alguns exemplos, só neste ano, no qual o posiciona-mento político dos meios de comunicação sobre um assunto foi crucial para ou a omissão ou maior repercussão do fato no espaço público de dis-cussões. Um dos casos mais recentes, que pode exemplificar isso bem, foi, sem dúvida, a maneira como não foi apurado, analisado ou ao menos mencionado a grande participação de agentes políticos do PSDB (Partido Social Democracia Brasileira) num dos maiores escarcéus políticos dos últimos tempos: o escândalo dos contratos da Petrobras. As denúncias só vieram a público cerca de quinze anos depois da concretização dos esquemas de propinas e contratos ilícitos no então governo de FHC (Fernando Henrique Cardoso) devido ao estouro do mensalão petista na mídia em 2013. No entanto, até o momento, não se sabe quem participou de tais transações ilegais e quem estava ligado ao partido; sabe-se, apenas, que há figuras políticas de grande peso envolvidas no quadro e o que procura-se saber é quem são essas pessoas e por que ficaram nas sombras por tanto tempo – coisas que, até hoje, depois de mais de três anos de investigações continuam sendo um mistério para todos.

Para Rosemary Segurado, professora de Política e do Programa de Estudos pós-graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) os recortes ou, ainda, os enquadramentos que a grande mídia produz são enviesados em uma ótica conservadora e pouco democrática que limita a quantidade de personagens, narradores e, consequentemente, narrativas que circulam no espaço de vinculação de informações e debates. “Os enquadramentos (da mídia hegemônica) são marcos interpretativos da informação e, consequentemente, um indivíduo exposto a enquadramentos negativos de uma mesma informação de maneira frequente passará a acreditar que aquele é o único ângulo da notícia, quando na maioria das vezes não é”, completa.

Empoderamento nas Redes – Ainda segundo a professora, torna-se cada vez mais necessário a expansão do espaço de debates e articulação de informações para outros domínios, sobretudo, para aqueles não físicos, não somente por não possuírem uma herança destinada ao avanço de pautas retrógadas e pensamento con-servador generalizado, mas sim por cultivarem a pluralidade de vozes e pontos de vistas que, muitas vezes, tornam-se fundamentais para re-forçar a importância do papel cidadão, servindo de parâmetros para a grande mídia se pautar: “O que começa a ocorrer é que a internet passa a funcionar como um contraponto e é fundamental para uma sociedade democrática, para a configu-ração da opinião pública e para o debate amplo que a outras perspectivas de ver a informação seja acessível. Embora seja um movimento ainda incipiente, nota-se que as informações veiculadas pelos grandes meios passam por uma espécie de checagem na internet, buscando justamente outra forma de ver a realidade.”

Dessa forma, percebe-se que a cobertura da grande empresa sobre assuntos políticos e sociais de interesse da sociedade civil mostra-se cada vez mais contaminada pelos interesses dos grandes detentores de capital e, mais, revela-se um instrumento extremamente útil para a docilizar condutas, alienar o povo perante sua própria história e realidade e, principalmente, de manipular a forma e maneira como a “realidade” é vista e analisada; naturalizando preconceitos, racismos e, claro, incitando a cultura do ódio fora e dentro do mundo jornalístico – como os casos de ataques à jornalista Maria Júlia Continho (Maju) e mais recente à atriz e Taís Araújo.

Pode-se dizer, então, como explica Rose-mary, que a grande mídia brasileira é responsável por arquitetar microfascismos que contribuem, sistematicamente, para intolerância social, racial e étnica e promove verdadeiras caças às bruxas que degradam a diversidade e pluralidade cultural de diversos povos que de fato foram originários da verdadeira cara e do verdadeiro sentimento de ser brasileiro. “A mídia pode docilizar condutas e alienar. Pior que isso talvez seja a incapacidade de diálogo e a intolerância com a diferença, com a diversidade e uma espécie de caça às bruxas do pensamento dissonante”, completa a professora.

Fica claro, uma vez mais, à luz dos fatos que a mídia hegemônica está a serviço de um projeto de nação neoliberal do grande capital e que passará por cima de qualquer forma de re-sistência nacional que interrompa a “incansável” progresso da economia e política mundial. Cabe a nós, cidadãos e jornalistas, reverter esse quadro continuando a denunciar abusos e manipulações tanto do cenário político como, também, dentro da grande mídia.

Conjuntura políticaCONTRAPONTO

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11CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

Por Pedro Prata

nenhumA escolA A menos

Entre salas com mais de 40 alunos, usu-ários de drogas nos portões e falta de

infraestrutura, a comunidade escolar recebeu em outubro mais uma péssima notícia: o governador Geraldo Alckmin, através da Secretaria Estadual de Educação, promoverá uma reforma em 2016 na rede de ensino. O plano, que não contou com participação popular, é ampliar o número de es-colas com ciclo único, a fim de facilitar a gestão escolar e a aplicação de propostas pedagógicas. O plano ainda prevê o fechamento de mais de 90 escolas, a serem usadas pelos sistemas municipais. A comunidade escolar respondeu fervorosa.

Versão oficial – Nas campanhas que circularam na televisão com o intuito de escla-recer a população, insistiu-se na ociosidade de um número muito grande de salas e o melhor desenvolvimento escolar de alunos em escolas de ciclo único. Não à toa, esses têm sido os maio-res argumentos do Governo do Estado quando questionado sobre a reforma.

O governador Geraldo Alckmin ressalta o ganho pedagógico de estudantes de escolas com apenas um segmento. “O INEP, do MEC, diz que escolas de ciclo único têm aproveitamento 15% melhor”. Atrelado a isso, um levantamento feito pela Fundação Seade aponta que nos últi-mos 17 anos a rede estadual de ensino perdeu, aproximadamente, dois milhões de alunos, perda explicada pela municipalização do ensino básico, a migração para o ensino privado e mudanças na pirâmide etária populacional. Isso teria deixado 2956 salas ociosas, e a ideia é que todo esse espaço volte a ser usado.

Reação – Pais, alunos e professores se indignaram com a forma autoritária pela qual a reforma foi decidida, e a comunidade escolar reagiu ao anúncio das reformas. Protestos foram marcados em diversas datas, porém o mais sim-bólico foi a ocupação de várias escolas pelos alu-nos. Camilla Rodrigues, estudante do 1º Ano do Ensino Médio da E. E. Fernão Dias Paes, Pinheiros, participou da ocupação em sua escola. “A gente não é contra a reorganização escolar, a gente é a favor, mas somos contra essa forma pela qual está sendo feita, eles estão fazendo de forma autônoma sem consultar os alunos e professores pra isso. A gente é a favor da reorganização, sim, mas pra melhorar as salas, o ensino, melhorar a escola que está em si precarizada”.

De fato, a comunidade não foi chamada para conversar e negociar essas medidas que afetam tão diretamente a população. O diálogo é fundamental, uma vez que cada escola possui especificidades que devem ser respeitadas a fim de diminuir os impactos negativos nas famílias e professores como, por exemplo, a quebra de vínculos entre alunos e mestres, além de mexer com a organização familiar.

Kenia Ludi é mãe de um estudante da escola estadual Rosana Sueli Funari, de Embu das Artes. Ela não acredita que a reorganização vá melhorar a qualidade do ensino estadual, e teme que a escola para a qual o filho vá quando concluir

Governo estadual lança conjunto de reformas no sistema educacional que prevê o fechamento de 94 centros de ensino; em

contrapartida, alunos ocupam escolas, em protesto

o ensino fundamental não seja segura. “Acho que fechar as escolas e manter 40 alunos em sala sem apoio não muda nada no ensino e aprendizagem. Muitos drogados ficam na saída da escola e a ronda escolar não passa para fazer a saída”.

João Henrique Vieira, 30 anos, é professor de Geografia da E. E. Profª Nide Zaim Cardoso, es-cola de Mairiporã (grande São Paulo) que passará a fornecer somente o fundamental. Em entrevista via internet, João contou como foi o processo em sua escola. “Fomos à Câmara Municipal exigir que o Dirigente de Ensino, Celso Nicoleti, abrisse diálogo com as comunidades envolvidas. Porque a decisão não foi trabalhada com as comunidades como constava na diretriz da própria Secretaria de Educação. Após essa pressão, conseguimos que a reorganização aconteça por etapas”.

Em outros casos, as escolas a serem fe-chadas são as únicas nas redondezas. É o caso da escola rural E. E. Augusto Melega, em Piracicaba. Pais e professores fizeram pressão no Ministério Público contra o fechamento da escola, que fica a oito quilômetros da unidade mais próxima. Esse foi o primeiro caso em que o governo do estado vol-tou atrás e manterá o centro de ensino aberto.

A APEOESP (Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo) se posicionou contra a reforma apresentada pela Secretaria Estadual de Educação. Para o sindicato, o fechamento de es-colas significa redução de custos e investimentos, além de não apresentar medidas que impeçam a superlotação de turmas. Eles temem que, com as mudanças, muitos professores acabem sendo demitidos ou tendo seu número de aulas redu-zido. Isso é negado veemente pela Secretaria de Educação: “professores são concursados e têm estabilidade”.

Em nota pelo seu site, a APEOESP divul-gou sua posição de que “não há nesta reorga-nização nenhuma preocupação pedagógica. A secretaria, se estivesse de fato preocupada com a qualidade do ensino, valorizaria os pro-fissionais do magistério, resolveria os problemas estruturais das escolas, estabeleceria a gestão democrática na formulação e implementação do projeto político-pedagógico, asseguraria condições de trabalho aos professores e de aprendizagem aos estudantes”.

Esclarecimentos – O Grupo de Atua-ção Especial de Educação (GEDUC), do Minis-tério Público, abriu inquérito civil para apurar a reforma na rede estadual. O órgão destaca os impactos negativos na rotina escolar das crianças e adolescentes e procura saber os benefícios esperados pelo governo do estado a curto, médio e longo prazo. A ação pede informações detalhadas sobre as medidas pedagógicas e administrativas adotadas, além de questionar se escolas serão, de fato, fecha-das e quais os critérios para o fechamento. O Ministério Público ainda solicitou que a comunidade escolar e as entidades estudantis sejam consultadas.

Toda e qualquer reforma nas redes de ensino devem visar a melhoria na qualidade do ensino ofertado. A aprendizagem é o ponto central. Contudo, aplicar mudanças de forma autoritária, sem consultar as especificidades de cada comunidade, acaba por desestabilizar um sistema que já fragilizado. Não há caminho que não seja pelo diálogo.

EducaçãoCONTRAPONTO

Vizinhança apoia a luta dos estudantes

O descaso com a educação levou os professores às ruas

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Ocupação: o único jeito de ser escutado

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CONTRAPONTO12 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

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ensaio fotográfico

Por Júlia dolce

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Na Unidade Ipê da Fundação Casa, localizada no complexo da Ra-

poso Tavares, os menores só têm direito a ter fotos e cartas da família no quarto se mostrarem um “bom comportamento” e já estarem na terceira fase do sistema de evolução da pena. Mesmo assim, todas as cartas são lidas e analisadas por psicólogos funcionários da Fundação. Assim que são encaminhados para a unidade, os meninos entram no primeiro estágio, o de adapta-ção, seguindo para o de reflexão (no qual, por ironia, ganham como “recompensa” o direito de se olhar no espelho), passando para o de construção e finalmente o de conclusão.

A Ipê foi construída a partir da reforma da Febem. Abriga mais de 100 menores, de 12 a 16 anos. Conta com uma biblioteca com duas estantes de livros, uma ludoteca com diversos jogos de tabuleiro e uma sala de televisão com tapetes de bor-racha. Entretanto, a estrutura da unidade ainda remete à antiga Febem, com grades e portas de ferro amarelas nos quartos. Além disso, os adolescentes são obrigados a andar em fila indiana, com as mãos para trás e cabeças abaixadas.

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

Grades amarelo-Ipê

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

Por leonardo macedo, maria eduarda Gulman

e manoella smith

Como a força da imagem consegue impactar o mundo e marcar fatos históricos

o poder dAs lentes

É possível ler sobre a grandeza de monu-mentos históricos, a beleza intocada de

algum destino paradisíaco ou as atrocidades e os horrores causados por uma guerra, mas nada se iguala ao impacto de receber os fatos com os pró-prios olhos, ou seja, admirar uma imagem. Uma fotografia pode chocar o mundo, como foi o que aconteceu com a do menino sírio Aylan Kurdi, que foi encontrado morto em uma praia turca. Tal é o poder mobilizador de uma imagem.

A terrível situação dos refugiados que se alastra pelo Oriente Médio, sem perspectiva de melhoras, é pauta de inúmeras fotografias que retratam a realidade desses estrangeiros que ten-tam salvar suas vidas deixando seus países, suas famílias e suas casas em busca de uma vida melhor. Enquanto alguns conseguem se estabelecer em no-vos países, outros não têm a mesma sorte. Imagens de barcos naufragados, lotados, e muitas mortes mostram o que uma guerra pode fazer com o ser humano. Todavia, nem todas essas fotos foram tão marcantes quanto a do menino Aylan Kurdi.

No dia dois de setembro de 2015, o mundo inteiro se deparou com uma fotografia violenta e comovente. Uma criança de três anos foi encontrada afogada em uma praia da Turquia, onde a fotógrafa turca Nilüfer Demir conseguiu o clique. Aylan e sua família síria saíram de Bro-dum, na Turquia, e tentaram chegar ilegalmente na Europa por meio de uma viagem até a ilha de Kos, na Grécia. Como muitas outras, ela terminou em tragédia com o naufrágio da embarcação em que apenas o pai do menino sobreviveu. Depois desse acontecimento, a foto passou a ser um símbolo da questão humanitária deplorável na qual se encontra os refugiados.

Mas por que algumas fotografias tocam mais as pessoas que outras e acabam, assim, entrando para a história? Como afirma Cristiano Burmester, fotógrafo e professor da PUC-SP, “uma fotografia se torna um ícone quando é capaz de sintetizar o contexto de um momento ou período e tocar a sensibilidade do público de maneira ampla”. É por isso que várias fotos emblemáticas de diversos acontecimentos na história da huma-nidade, como a foto do beijo que simbolizou o fim da Segunda Guerra Mundial, a da vietnamita Kim Phùc correndo queimada pelo Napalm na Guerra do Vietnã, e agora também a do menino Aylan Kurdy, são consideradas um símbolo.

“Como as fotografias são um índice do real, ou seja, aquilo que se vê na foto, de fato, aconteceu, elas se tornam muito representativas de um sentimento comum a um grande número de pessoas devido ao conteúdo visual representar uma emoção muito próxima daquela vivencia-da no cotidiano das pessoas”, complementa Burmester. O poder da imagem encontra-se, então, na síntese, na capacidade de personificar catástrofes. O público se aproxima dos fatos e, consequentemente, a fotografia consegue des-pertar diversas emoções em um número imenso e diversificado de receptores. Essas imagens ícones tornaram-se símbolos dentro da cultura ociden-tal e, mesmo sem saber os detalhes por trás do clique, é impossível não reconhecê-las.

Essa aproximação do público com os fatos e também a divulgação das fotos se dão por conta do enorme poder dos grandes veículos de comunicação na sociedade. Sua credibilidade e grandeza fazem com que suas publicações alcancem um grande número de receptores e assim “reforçam o teor de ícone da fotografia”, como explica Burmester, que inclui: “muitas vezes, nós fotógrafos, nos deparamos com outras imagens tão ou mais fortes do que aquelas que obtiveram grande repercussão, mas o acaso não ofereceu a elas a receptividade dos veículos de Jornalismo”.

Além disso, em um mundo globalizado, as tecnologias influenciam diretamente na relação do receptor com a imagem. A crise dos refugia-dos, por exemplo, ganhou muito mais espaço na cobertura da mídia após a imagem do menino Aylan ter caído nas redes e ter se espalhado pelas telas de computadores ao redor do planeta. Para

o professor e fotógrafo, há um viés muito positivo nisso, uma vez que permite o desenvolvimento de uma linguagem visual, “quando observamos pessoas compartilhando fotos nas redes sociais ou Instagram, constatamos que estão se comu-nicando através de imagens e não de texto. Isto é algo novo no mundo”.

A força de uma fotografia impacta o mun-do e muitas vezes simboliza um fato histórico. As fotos lendárias como as já citadas acima, e atualmente a da criança síria, são exemplos de registros sensíveis e impactantes de diversos mo-mentos da história da humanidade. Esse posto de “ícone fotográfico” pode ser conquistado tanto por meio da internet (como ocorre nos tempos atuais) ou através do poder dos grandes veículos de comunicação. De qualquer forma, ao se de-parar com as imagens de fotógrafos sensitivos e sagazes não há como não se sensibilizar. O filme da história humana é duro de se revelar.

FotojornalismoCONTRAPONTO

Menino sírio Aylan Kurdi morto numa praia da Turquia

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“Quando as imagens ganham movimento” O papel da imagem nas coberturas de conflitos e guerras ao longo da história desempenha,

portanto, papel essencial na conscientização a cerca da gravidade do problema. A Guerra do Vietnã, por exemplo, foi muito influenciada pelo poder das imagens que se estendeu além da fotografia da menina Kim Phùc. O confronto foi o primeiro conflito militar televisionado para uma sociedade, o que possibilitava ao espectador ver o que acontecia nos campos de batalha.

Em janeiro de 1968, durante a ofensiva do Tet, a cobertura começou a ganhar caráter mais íntimo e realista até o momento ao mostrar o horror que os soldados americanos encaravam. A mudança da cobertura refletiu diretamente na opinião pública da sociedade americana – após a ofensiva, por exemplo, a proporção de editoriais em relação ao conflito era de dois contrários para um a favor. Em contato com as imagens das mortes e do sofrimento americano em campo de batalha, o povo se

sensibilizou com a causa e posicionou-se contra a guerra. Manifestações e atos contra a ação militar eclodiram e se es-palharam pelo país.

As imagens – em movimento ou congeladas por meio de uma câmera fotográfica – são mobilizadoras, fortes e carregam um valor simbólico enorme na sociedade. O menino Aylan é a menina Kim Phùc do século XXI e, com certeza, outras imagens marcantes aparecerão nos próximos anos, tornando-se símbolos da história da humanidade e instrumentos de conscientização e engajamento em confli-tos armados e crises humanitárias.

Menina vietnamita Kim Phúc queimada na Guerra do Vietnã

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

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Por João Gabriel e rogério dias

RefugiadosCONTRAPONTO

O futebol é um jogo que ultrapassa os limites do campo no qual é jogado.

Por seu caráter extremamente simbólico – alguns o dizem uma metáfora da vida – representa, mui-tas vezes, um embate maior do que simplesmente duas equipes brigando pela vitória. Alguns casos concretos comprovam esta tese, como a luta, na Espanha da década de 1950, entre os defensores da Catalunha, representados pela equipe do Barcelona, contra os defensores do franquismo, representados pelo time de coração do general Franco, o Real Madri.

Outro caso emblemático do qual sempre devemos recordar foi a partida entre Argentina e Inglaterra, nas quartas de final da Copa do Mundo de 1986. Foi o primeiro encontro entre os dois países após o então recente fim da Guerra das Malvinas (1982) e a partida, além de acabar com a revanche sulamericana por 2 x 1, ficou marcada também pelo famoso gol la mano de Diós de Maradona e pelo que é considerado por muitos o gol mais bonito da história das Copas, também marcado pelo camisa 10 argentino.

Para o sociólogo, professor e pesquisador da Universo (Universidade Salgado de Oliveira) Mauricio Murad, o esporte em geral tem carac-terísticas políticas e sociais muito importantes, mas o futebol em particular tem ainda mais por ser o jogo mais popular do mundo. A partida de futebol é, muitas vezes, inundada pelo contexto histórico, político e social da qual as partes parti-cipantes pertencem. Além disso, “o futebol, pela grandeza simbólica que possui e por seu impacto mediático, é um forte meio para denunciar de-terminadas situações”, completa.

Murad concorda também com a afirma-ção de que o futebol é uma representação da vida social. O sociólogo descreve este como um “fato social total”, o que significa dizer que nele pode-mos ver representadas as instituições que formam uma determinada sociedade e, inclusive, por meio dele analisá-las. “O futebol é uma das mais expressivas representações sociais que temos no mundo, particularmente em algumas realidades sócio-culturais, como o Brasil”, conclui.

Por outro lado, explica-nos Murad que as sociedades são constituídas de contradições e que o futebol, por ser um fenômeno da cultura de massa e da massa, “alcança vez por outra rela-tiva autonomia face às estruturas da vida social”, desprendendo-se de determinantes políticas, econômicas e ideológicas. O professor enfatiza, no entanto, que esta liberdade, esta autonomia é absolutamente relativa. Isso fica claro quando lembramos os recentes e crescentes casos de preconceito racial contra negros, latinos ou afri-canos, por parte de torcidas europeias.

Por mais que o futebol em geral e as torcidas especificamente liderem o movimento de acolhimento dos refugiados, ainda existe esse preconceito nas torcidas e o a xenofobia na sociedade. Só nos seis primeiros meses deste ano foram registrados 176 casos de ataques à centros de acolhimento de refugiados na Alemanha; na histórica visita da conservadora primeira-ministra alemã Anegal Merkel a um destes centros, cerca de 150 pessoas protestavam contra a atitude,

Para que aconteça uma integração maior com os refugiados, de forma que eles sejam aceitos naturalmente dentro de uma socieda-de completamente estranha, o futebol, como afirmado anteriormente, tem tomado um papel importante. Apesar dos ataques aos centros de acolhimento, a Alemanha tem sido exemplo em como tratar a situação. A principal ação por parte de um clube veio do Borussia Dortmund, que, no final de agosto deste ano, convidou 220 refugiados para assistirem ao duelo contra o Odds Ballklubb, pela Liga Europa.

Além disso, os torcedores da principal liga de futebol do país (que representa a pri-meira divisão e recebe o nome de Bundesliga) tem mostrado que também se importam com o assunto. Faixas com os dizeres “Refugiados são bem-vindos” e cânticos ecoados pelos estádios são exemplos das torcidas dos principais clubes alemães que, apesar de terem fama de extre-mistas e fanáticos, conseguem passar por cima disso e realizar uma atitude tão louvável em prol de um bem maior.

Em um exemplo mais próximo, o Fla-mengo também tomou posição em relação ao assunto refugiados. As lojas responsáveis pela venda de produtos oficiais do time tem priori-zado a contratação de refugiados congoleses para os cargos. Marcelo Plaisant, produtor da MR Gestão que é a empresa responsável pelo trabalho de logística para os refugiados, conta que a ideia surgiu depois da onda migratória tanto de haitianos quanto de congoleses para o Brasil: “O Flamengo foi até a embaixada, e em uma conversa no departamento de marketing nós combinamos a compensação financeira deles e resolvemos conversar com o secretário das lojas e tentar a possibilidade de uma vaga por loja para cada um”, afirma.

Plaisant também comenta que a impor-tância de dar o emprego para os refugiados é algo que representa muito mais do que ganhar um dinheiro no fim do mês: “É o que permite a socialização deles, já que muitos enfrentam certo preconceito e não conseguem arranjar emprego. Para o Flamengo, que foi e é pioneiro em tantas coisas no Brasil, isso é muito importante porque os refugiados vivem, muitas vezes, em condições sofridas e o Flamengo consegue acolhe-los e lhes dar um emprego”, conclui.

Esta pequena e relativa autonomia que o futebol tem tomado em relação às sociedades mostra-se, cada vez mais, de fundamental impor-tância para os refugiados. Os casos em que este esporte assume o papel de acolhedor crescem e se desdobram das mais variadas formas: joga-dores ajudando a abrigá-los, clubes oferecendo empregos e torcidas mobilizando-se em favor da causa. O futebol, como afirma Murad, não é “panaceia, remédio para todos os males”. No entanto, ver o jogo acusado muitas vezes de “ópio do povo” ou “pão e circo” da sociedade moderna colocando-se em importante posição frente a crise dos refugiados, é esperança cres-cente para os amantes do drible e do gol.

quAndo o futeBol é mAis que um esporte

Torcidas e clubes se mobilizam pela causa dos expulsos de seus lares

chamando-a de traidora; outro país muito pro-curado pelos imigrantes, a Hungria, fechou suas fronteiras desde Outubro.

Mesmo assim, a Europa é o destino prin-cipal daqueles que fogem de países como a Síria. Buscar refúgio não é uma questão a ser decidida do dia para a noite. É uma situação a ser pensada e avaliada com muita consciência principalmente por ter que deixar tudo para trás: família, amigos, bens etc. Normalmente, se tornar um refugiado é a última opção. São pessoas que arriscam suas próprias vidas em perigosas travessias, em busca de condições de vida mais dignas ou mesmo para escapar de algum conflito em seu país de origem. Se tivessem ao menos seus direitos hu-manos respeitados, não teriam grande motivo para deixar suas casas.

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Torcedores do Borussia Dortmund estendem faixa em prol dos refugiados em jogo válido pela Liga Europa

Capa da revista El Gráfico, após a vitória argentina em 1986. “El grito de Maradona. El grito de un país”

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CONTRAPONTO16 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

Por thiago munhoz colaboração: isabella menon

o esgoto pode ser solução dA crise

Represas usando volume morto, falta de chuvas e água armazenada em

cisternas. Esse é o cenário que os habitantes do Sudeste têm enfrentado nos últimos meses desde o começo da crise hídrica. A falta do elemento mais essencial de nossas vidas levantou a questão do saneamento dentro da cidade de São Paulo, principalmente com relação ao consumo, reuti-lização e tratamento das águas.

Para tentar contornar essa situação, mui-tas propostas foram lançadas, mas a maioria impõe uma visão imediatista. Segundo estudo do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), 46% das notícias que trazem soluções referem-se às medidas urgentes, como utilização de volume morto, perfuração de poços ou racionamento. Medidas de planejamento, como investimento em infraestrutura de saneamento, replantio de vegetação nativa e recuperação de nascentes, compõe apenas 28% das notícias.

Esses dados não só revelam as possibili-dades de soluções, mas também as causas do problema. A crise hídrica que afeta os estados da região Sudeste é resultado de gestões falhas nas empresas de abastecimento, falta da presença de órgãos reguladores e, principalmente, da falta de investimentos em infraestrutura em detrimento de medidas a curto prazo.

No primeiro governo de Geraldo Alckmin (PSDB), há mais de dez anos, já começaram a aparecer as causas da atual crise. A abertura do capital da Sabesp em 2002, medida que a tornou uma empresa de capital misto com o governo do Estado de São Paulo, foi decisiva para a piora do quadro atual. Essa contradição se reflete na diminuição dos investimentos para a ampliação dos sistemas produtores de águas, na capacitação de profissionais e na manutenção da rede de distribuição.

Agora no segundo governo de Alckmin, São Paulo enfrenta os resultados da falta de investimentos no saneamento. Por conta da natureza do problema, o governador optou de inicio por medidas emergenciais. Com resultados não tão excepcionais, levou em conta também propostas de planejamento. Assim, cogitou re-tomar o projeto de tratamento das águas do Rio Pinheiros, que atravessa as zonas sul e oeste da capital paulista. O plano era poder reverter parte da água do rio para a represa Billings, na região do ABC Paulista, e outra parte para a Usina Henry Borden, para gerar energia elétrica em Cubatão. Contudo, o projeto não saiu do papel.

No meio desse cenário preocupante, orga-nizações e coletivos paulistanos se mobilizaram para mostrar que reviver o Pinheiros na verdade é possível e poderia ser uma válvula de escape à falta de água. Como é o caso da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) Águas Claras Rio Pinheiros que visa apoiar iniciativas e mobilizar o poder público, empresas e moradores da cidade de São Paulo para a recuperação do Rio Pinheiros e sua bacia hidrográfica.

O projeto adentra as questões mais técnicas do rio e realizou uma pesquisa com o objetivo de apoiar a definição e a implementação

Falta de investimentos estruturais impossibilita que o rio Pinheiros seja reserva de água para a Grande São Paulo

de estratégias de despoluição de revitalização das águas da Bacia do Tietê, da qual o Pinheiros é afluente. A pesquisa consistiu na análise de seis campanhas de monitoramento que a CETESB rea-lizou em 2013 e verificou que alguns parâmetros relativos à Classe 4 de rios – previsão apenas para usos relativos à harmonia paisagística e navega-ção – não foram alcançados. Ou seja, ainda são necessários esforços para que estes rios cheguem a atender aos limites mínimos aceitos para a pior das classes.

Outras organizações fogem dessa parte mais técnica e acham nas artes um meio de abordar as questões de gestão da água. O Projeto Vidas Secas SP é um deles e se mobiliza para visi-tar as represas do Estado de São Paulo a fim de realizar ações artísticas diversas, como exposições e performances. O integrante do grupo Flavio Barollo acredita que, se essas ações sensibilizarem algumas pessoas, essa seria a contribuição do projeto para a questão da crise hídrica.

A ação ganhou atenção da mídia com o evento “Mergulho no Rio Tietê”, na véspera do aniversário desse curso de água. Os organizadores criaram um espaço às margens do rio para apro-ximar a população desse corpo d’água poluído. Contou com exposição de fotos, contação de histórias, um ator “encarnando” Mário de An-drade e apresentação da banda Tribororo. Mas o que realmente marcou foi uma performance que Barollo realizou in loco entrando no Rio Tietê.

“A partir do momento em que você ultrapas-sa a questão do nojo, do cheiro, do risco, você con-segue se relacionar até com um rio cheio de esgoto” – conta o performer, e continua – “No começo a experiência foi difícil, mas a partir de então se tornou divertida, como deve ser a vida num rio”.

A encenação serviu como um alerta de comodismo e um descaso pelas más condições da Bacia do Rio Pinheiros. Barollo assinala que todo projeto que vise trabalhar com a sensibilidade do homem, com a quebra de paradigmas, com a exposição da nossa reali-dade crua e nua é importante. A arte, através de seu viés mais lúdico e interpretativo da realidade, consegue nos proporcionar as reais consequências da ação do homem e do futuro do planeta. “Resta a nós, como artistas, ten-tar rascunhar um novo homem para viver no século XXI, em harmonia total com o planeta e o ecossistema”, conclui.

O simples fato de alguém mergulhar no “rio-esgoto” pode nos relembrar de que aquilo continua sendo um rio. Mais que isso, ele nos faz pensar nos motivos desse e outros rios paulista-nos terem se tornado insalubres em tão pouco tempo e perdido seus status de curso d’água.

Para tentar reviver os rios da Bacia do Tietê, a prefeitura colocou em ação, em 1992, o Projeto Tietê. Com ele, seriam implantadas medidas de coleta de esgoto e limpeza da água, porém até o momento os rios pertencentes a bacia continuam iguais. A prefeitura pediu mais 10 anos para concluir a limpeza e a ideia de o Pinheiros ser uma alternativa a crise hídrica fica mais distante. Flavio acredita que isso deveria ser uma vergonha para nós todos. “Fica escancarado que esse sistema fracassou e que o ser humano é de fato a própria bosta gerada por ele. Bosta essa que está boiando no rio, pra todo mundo ver, por essas veias expostas, cortando a maior cidade da América Latina, a mais rica e a mais tecnológica”.

SaneamentoCONTRAPONTO

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

Por Pedro Prata

vAle de lAmA

Minas Gerais não tem litoral, mas viu um mar inundar seus morros. Uma onda

de lama encobriu o distrito de Bento Rodrigues, subdistrito da cidade histórica de Mariana, após uma barragem de resíduos de mineração se romper. Além do rastro de desolação no local e vilarejos próximos, o rompimento ainda custou, até o fechamento dessa edição, 12 mortos e 11 desaparecidos. A lama de resíduos atingiu o Rio Doce, matando sua fauna e flo-ra, cruzou o Espírito Santo e contaminou o Oceano Atlântico apenas duas semanas depois. O desastre já é considerado o maior da história.

Tudo começou na tarde do dia 6 de no-vembro. A mineradora Samarco, controlada pela empresa brasileira Vale e pela angloaustraliana BHP Billiton, possuía três barragens em Mariana: Fundão, Santarém e Germano. Por volta das 15h30, a barragem de Fundão se rompeu e atin-giu a de Santarém, que acabou transbordando. A barragem armazenava 62 bilhões de litros de rejeitos provenientes do beneficiamento de minério de ferro, o equivalente a 25 mil piscinas olímpicas. Inicialmente espalhou-se o temor de que os resíduos fossem tóxicos, mas químicos e a própria Samarco descartaram a possibilidade de danos à saúde humana.

As causas do rompimento ainda são desco-nhecidas, mas quaisquer que sejam é fato que não foi um acidente. Pequenos tremores de terra foram detectados por sismógrafos da UNB. Os técnicos da mineradora, embora não afirmassem catego-ricamente que essa teria sido a causa, sugeriram uma possível relação entre os tremores e o rompi-mento. Contudo, essa teoria pode ser facilmente confrontada. Em entrevista ao Jornal Nacional, o professor do Observatório Sismológico da UNB, George Sandi França, alegou que barragens são construídas para suportar tremores bem maiores do que os observados no dia do desastre.

O que se sabe é que o Ministério Público, quando concedeu a licença de operação em 2013, fez várias recomendações de reformas a serem feitas para garantir a segurança e estabi-lidade nas barragens, mas não teve resposta da mineradora. Para o promotor de Minas Gerais Carlos Eduardo Ferreira Pinto, “não foi acidente, não foi fatalidade. O que houve foi um erro na operação e negligência no monitoramento”.

Especialistas afirmam que cada barragem tem um limite de resíduos a ser recebido em um de-terminado espaço de tempo. Isso permite que toda a água da lama escoe pelos filtros e não prejudique a estrutura da barragem. A hipótese principal é a de que a Samarco estaria com um ritmo de produção acima do normal e não teria respeitado esse limite, levando ao comprometimento da barragem. Essa tese faz sentido, uma vez que o preço do minério de ferro está em baixa no mercado global, e a mineradora teria aumentado a produção para não diminuir o retorno financeiro.

Onze dias depois do desastre, a minerado-ra afirmou que as outras duas barragens correm o risco de se romper. Numa escala que mede a sua estabilidade e que vai de 0 a 2, a barragem de Santarém está com 1,37 e a de Germano com 1,22. O considerado seguro é a partir de 1,5.

Barragem de rejeitos de minério se rompe em Minas e destrói vilarejo, além de causar a morte de rio importante do estado.

Evidências apontam que não foi acidente

Quando se atinge o nível 1 é que a barragem se rompe.

Até o fechamento dessa edição, a Sa-marco havia recebido do Ibama um total de 250 milhões de reais em multas. Além disso, aceitou desembolsar 1 bilhão de reais iniciais para a constituição de um fundo para a recuperação da Bacia Hidrográfica do Rio Doce. Mas especialistas criticam o valor cobrado da mineradora, que até agora só soma 1,25 bilhão de reais.

Em 2010, por exemplo, uma empresa de pe-tróleo inglesa causou um derramamento de óleo no Golfo do México. A petroleira teve que arcar custos de recuperação ambiental, multas e ressarcimento às vítimas num total de 54 bilhões de dólares.

Isso aponta para outra deficiência na gestão do país. Segundo levantamento do jornal Folha de São Paulo, apenas 8,7% das multas aplicadas pelo Ibama são pagas. Pior, o teto estabelecido pela lei para multas ambientais é de 50 milhões de reais. Um valor tão baixo não permite que a multa iniba ações agressivas ao meio ambiente. Pelo contrário, gigantes como a mineradora Samarco acabam incluindo tais valo-res no seu planejamento financeiro, e continuam aceitando correr o risco de destruir a natureza.

Alguns ambientalistas consideram o dano ao Rio Doce irreversível. Toda a lama que escorre por suas águas pode sedimentar o seu leito, ma-tando sua flora aquática. Esse fenômeno, somado ao fim da oxigenação da água devido a tanta

lama, causou a morte de milhares de peixes em toda a sua extensão. A mata ciliar também foi arrancada pela enxurrada de rejeitos.

Sebastião Salgado, fotógrafo conhecido mundialmente, nasceu em Aimorés, cidade banhada pelo Rio Doce. Ele é um dos principais defensores da criação de um fun-do para a recuperação da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, e crê que a mineradora deva arcar com a recuperação de todas as nascentes. Para ele, é essencial que a dimensão do estrago seja proporcional às multas aplicadas. Ele sonha, no fim de sua vida, ver o rio onde nadou quando criança voltar a correr cheio de vida.

A Samarco ficará respon-sável por reconstruir o distrito de Bento Rodrigues, mas os morado-res não querem que ele fique no mesmo lugar onde era. A empresa

está com suas atividades embargadas, e só pode realizar ações que visem a reparação do ônus social e ambiental. Porém, a população local foi às ruas em protesto, pedindo para que a minera-dora não saia da cidade, mesmo após o desastre. O motivo: 80% da receita do município vem da atividade mineradora, que mantém por volta de 3.800 moradores locais empregados.

Desastre ambientalCONTRAPONTO

Lira Itabirana – Em 1984, Carlos Drummond publicou um poema em que já demonstrava a preocupação com o ônus social e ambiental que a mineração custava para seu estado natal.

I O Rio? É doce. A Vale? Amarga. Ai, antes fosseMais leve a carga.

II Entre estatais E multinacionais, Quantos ais!

III A dívida interna. A dívida externa. A dívida eterna.

IVQuantas toneladas exportamosDe ferro? Quantas lágrimas disfarçamos Sem berro?

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Rastro da destruição: a lama acabou com a vegetação e

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

modo puramente artificial, sem qual-quer contrapartida em investimentos sociais”. Além do mais, “o Estado é forçado a vender patrimônio público, que é patrimônio de todas e todos, só para pagar a dívida, o que amplia ainda mais a desigualdade”, completa o coletivo. Em setembro deste ano, a dívida cresceu 1,8% se comparado com o mês anterior, chegando em R$ 2,73 trilhões, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional.

Superávit primário – Priorizar o superávit primário é uma forma de promover o aumento da desigualdade socioeconômica, uma vez que ele exige a transferência de recursos de áreas bá-sicas e fundamentais para o pagamento dos juros da dívida pública. Neste ano, o governo prevê um superávit de 0,15% do PIB, equivalente a R$8,7 bilhões para pagar os juros da dívida.

Conforme esclarece a Audito-ria, “ao serem retirados recursos que permitem a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos dependentes dos serviços públicos para entregar aos credores da dívida pública, que são o estrato mais rico da sociedade – incluindo até não-residentes do Brasil – o fosso entre ricos e pobres

tende a aumentar, sobretudo no médio e longo prazos”.

Falta de serviços públicos gratuitos e de boa qualidade – Para serem de boa quali-dade, os serviços públicos gratuitos precisam de recursos. Entretanto, pouco do orçamento total da União destina-se aos investimentos públicos. Conforme dados da Auditoria, 45,11% do orça-mento total refere-se ao pagamento de juros e amortizações da dívida.

“Se o Brasil reduzisse drasticamente os seus gastos com serviço da dívida, o que é ple-namente factível após a realização de uma Audi-toria Cidadã da Dívida, visto que a dívida pública brasileira é repleta de fortes indícios de fraudes, ilegalidades e ilegitimidades, grandes quantias de recursos seriam redirecionadas para os serviços públicos gratuitos”, relata o coletivo.

Além disso, muitos dos serviços que de-veriam ser públicos ou gratuitos são concedidos ao setor privado, que diferentemente do público, visa o lucro.

Conclusões – Percebe-se então que gran-de parte das políticas públicas brasileiras compro-metem a distribuição justa das riquezas geradas no país. Medidas como a tributação progressiva da renda, a reforma agrária, a redução da carga tributária sobre produtos, sobretudo os essen-ciais, uma maior taxação de heranças, a taxação de grandes fortunas e uma maior taxação sobre os lucros em geral, gerariam receita e liberariam recursos para que o Estado pudesse investir no atendimento das necessidades da população e no seu bem estar.

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Por Giovanna fabbri Entenda os principais fatores da distribuição da renda e da riqueza no país

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De fato, esses últimos dez anos foram de vitória para a popula-

ção brasileira. O país conseguiu diminuir a faixa da miséria e tirar muitos da situação de pobreza. Entretanto, as águas muda-ram. De acordo com o Índice de Gini, realizado pelo IBGE, a desigualdade social piorou de 0,496 em 2012 para a 0,498 em 2013, o primeiro aumento desde 2001. Hoje o índice continua estagnado e as perspectivas não são das melhores.

Como consequência da má gestão política, da crise econômica e das inúmeras políticas conservadoras adotadas, o nú-mero de desemprego cresce, as políticas sociais são atropeladas, os investimentos tornam-se negativos e a desigualdade social piora ainda mais – é preciso lembrar que o Brasil continua um dos países mais desiguais do mundo e o 4o da América Latina, de acordo com a ONU.

Histórico “desigualitário” – Essa desigualdade está plenamente relacionada com a formação histórica do país. De acordo com o movimento social Auditoria Cidadã da Dívida – uma associação sem fins lucra-tivos que visa “realizar, de forma cidadã, auditoria da dívida pública brasileira, interna e externa, federal, estaduais e municipais” – a desigualdade social é fruto de processos históricos de concentração das riquezas, “os donos de capital conseguiram estabelecer um aparato legal e institucional que viabilizou a apropriação sistemática das riquezas do território nacional e garantiu a apropriação privada dos meios de produção e a extração do valor produzido pela exploração da classe trabalhadora”. Além disso, o Brasil foi o país que mais utilizou a mão de obra escrava e nada fez para reparar os danos a uma grande parcela da população.

Renda e salários desiguais – O histórico de concentração e apropriação de riquezas por uma minoria da população explica como a renda e o salário são distribuídos hoje.

Conforme explica a economista Márcia Flaire Pedroza, a renda de um país implica na soma dos lucros, salários, alugueis e juros do capital (setor financeiro) e para que não haja con-centração, a maioria da parcela do PIB (Produto Interno Bruto) deve ser distribuída nos salários. “O problema do Brasil é que tudo produzido continua concentrado em empresas e bancos. Se pegarmos a soma do que vai para os lucros e para o setor financeiro, ela supera em muito da participação dos salários”.

Além desse desequilíbrio na renda nacio-nal, o próprio emprego formal reproduz a má distribuição, uma vez que as diferenças salariais entre os cargos são enormes.

Sistema tributário regressivo – Diferen-te de muitos países do mundo, o sistema tribu-tário brasileiro é injustamente desproporcional às diferenças de salário. Segundo o economista Marcel Guedes, o sistema tributário é regressivo no sentido de que quem ganha mais deveria pagar mais, “todos os brasileiros pagam igual-

Desigualdade socialCONTRAPONTO

mente 27,5% no imposto direto (referentes ao patrimônio e renda), mas pensando na renda de cada um, quanto esse número atinge?”.

Ainda segundo Guedes, o maior problema está no imposto indireto, arrecadado nos produ-tos e serviços consumidos. “Todos consomem a mesma quantidade de sal, mas qual é o peso de imposto pago no sal para o pobre e para o rico?”, questiona o economista.

Ajuste fiscal injusto – O ajuste fiscal promovido pelo governo federal consiste em duas ações: cortar despesas do governo e ele-var a arrecadação pelo aumento de impostos e outras receitas.

De acordo com a Auditoria Cidadã, o ajuste contribui com a desigualdade social, uma vez que na prática é uma transferência da renda socialmen-te produzida – que compõe o orçamento geral da união – para as mãos dos credores da dívida pública, que são em boa parte, bancos, fundos de investimento e alguns investidores estrangeiros.

Em maio deste ano, o governo anunciou o bloqueio de R$ 69,9 bilhões em gastos no or-çamento de 2015, o maior contingenciamento de recursos da história. O corte afetou ministérios importantes como das Cidades, Saúde e Educa-ção. Em julho, foram anunciados mais R$ 8,6 bilhões em cortes, afetando diretamente aqueles que mais dependem dos setores públicos.

Sistema da dívida pública – O sistema da dívida brasileiro, que inclui os endividamentos interno e externo do governo, também reproduz desigualdade. Conforme o coletivo Auditoria Cidadã da Dívida, “desde os fins da década de 1980, o endividamento público tem crescido de

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Repartição da Riqueza no Brasilpertencente as percentuais da população - (2012)

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Declarantes faixaR$100.000 aR$500.000

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Legislativa0,29%

Judiciária1,23%

Essencial a Justiça0,24%

Administração0,90%

Defesa Nacional1,58%

Segurança Pública0,33%

Relações exteriores0,11%

Assistencia Social3,08%

Cultura0,04%

Direitos da Cidadania0,03%

Urbanismo0,06%

Habitação0,00%Gestão Ambiental0,16%Saneamento0,02%

Ciencia e Tecnologia0,28%

Agricultura0,47% Organização Agrária

0,12%Comércio e Serviços0,12%

Comunicações0,06%

Indústria0,10%Energia

0,04%Transporte0,56%

Desporto e Laser0,04%

Outros Encargos Especiais3,21%

Juros eAmortizações

da Dívida45,11%

PrevidênciaSocial21,76%

Transferênciasa Estados

e Municípios9,19%

Orçamento Geral da União - (Executivo em 2014) - Total = R$ 2,168 trilhão

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

Por maria eduarda Gulman e manoella smith

ninguém é inocente

Quando se trata de terroris-mo, é nítido o código que

os exterminadores querem passar, porém é difícil definir um começo exato ou eleger um único culpado para tal conflito. O confronto entre ISIS e os xiitas do Iraque, ou Irã e ISIS, ou ISIS e países do Ocidente como EUA e França constituem o caótico quadro da humanidade do século XXI em que certamente há muitos responsáveis e nenhum inocente.

Terrorismo, de acordo com Re-ginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, de um modo geral, é um ato, ou de exercício da vio-lência ou intimidação – com ameaça do uso da violência –, para um grupo de pessoas, ou um Estado, ou qualquer que seja o coletivo, e este ato de violência funciona quase que como uma mensagem, um código.

A capital francesa foi, pela segunda vez em menos de um ano, palco deste violento có-digo. Na noite do dia 13 de novembro, o Estado Islâmico coordenou ações simultâneas e sangren-tas que deixaram 129 mortos e 350 feridos. Três homens bomba atacaram a região próxima do Stade de France, em Paris, durante um jogo entre as seleções da França e Alemanha, e atiradores atacaram bares e restaurantes no 11º e 10º dis-trito, incluindo a casa de shows Bataclan, onde ocorreu o maior número de fatalidades.

Depois de 40 minutos que a banda Eagles of Death Metal começou a se apresentar na casa de show, três terroristas entraram na sala e começaram a atirar contra o público. “Faremos com vocês o que vocês fazem na Síria”, gritaram os responsáveis pelo ataque, segundo os poucos sobreviventes que conseguiram escapar. A tragédia chocou o país e o mundo inteiro. As redes sociais foram preenchidas com mensagens de solidariedade aos parisienses. Foi declarado estado de emergência e o presidente francês, François Hollande, disse que os ataques são um “ato de guerra”.

No dia seguinte – o comércio não abriu, as pessoas foram aconselhadas a não sair de casa, as ruas estavam tomadas por forças policiais e até a Torre Eiffel se apagou. O país fechou suas fronteiras para ninguém entrar ou sair de seu território. A comunidade internacional se solida-rizou com o ocorrido e nações como os Estados Unidos, Reino Unido e Israel se posicionaram em apoio total a França no combate ao terrorismo. Bashar al-Aassad, presidente da Síria, divulgou um comunicado em que afirma que o ataque de “terrorismo selvagem” a França é o que “o povo sírio vem suportando há mais de cinco anos”.

A resposta do Estado francês à matança foi severa tanto dentro quanto fora de seus territórios. Devido ao estado de emergência declarado, policiais fizeram buscas na noite de segunda para terça-feira, em 128 domicílios sus-peitos, apesar de não terem ordem judicial para tal. Seis dias depois dos atentados, uma operação realizada pela polícia em Saint-Denis, no norte do país, matou o mentor dos ataques, o belga

Terror na França assusta os países do ocidente e alerta todo o mundo

Abdelhamid Abaaoud, e sua prima, Hasna Ait-boulahcen, que se explodiu durante a operação que se encerrou com oito detidos.

Enquanto isso, aviões militares franceses realizavam um bombardeio na cidade de Raqqa, no leste da Síria, uma das cidades controladas pelo grupo Estado Islâmico. Os russos se junta-ram ao bombardeio ao lado dos franceses após finalmente reconhecerem que o avião da Metro-jet, que caiu na península do Sinai no dia 31 de outubro, foi derrubado por uma bomba em outra ação dos jihadistas. Os Estados Unidos, que lidera uma coalizão internacional contra o ISIS, também voltou a bombardear a área. O Observatório de Direitos Humanos na Síria afirmou que, nos últi-mos 14 meses, estima-se que quase quatro mil pessoas morreram em seu território.

Islamofobia – É preciso deixar claro que o Estado Islâmico e os outros grupos radicais não representam o islamismo na sua essência. Inclusive, os próprios seguidores da religião são igualmente – senão as maiores – víti-mas do terrorismo na medida em que o atentado potencializa a islamofobia e a xenofobia já existente. No dia seguinte a matança em Paris, por exemplo, uma mulher usando jihab (véu islâmico que cobre apenas a cabeça) foi impedida de entrar em uma loja da marca de roupas Zara na França.

Para tentar combater essa visão equivocada e xenofóbica, o grupo Etudiants Musulmans de France (Es-tudantes Muçulmanos da França), que existe há trinta anos, divulgou um vídeo na internet em que conde-na os ataques do grupo terrorista. Os estudantes seguram uma placa com a hashtag #NousSommesUnis (Nós estamos unidos) ao mesmo tempo em que a voz de um narrador diz: “eles invocam o Corão e citam seus versos. Mas derramar sangue de inocentes não tem justificativa nem no Islã e nem em qualquer outro lugar”. Dentro deste grupo, a parcela mais prejudica-da são os milhares de refugiados no continente europeu.

Apesar do apelo de alguns líderes para a questão, como o próprio François Hollande que afirmou em um discurso diante da assembleia de prefeitos em Paris que “a acolhida de refugiados caminha com o dever de proteger os france-ses”, a comunidade internacional se posiciona de maneira contrária perante o assunto. Indo na contramão do pedido do presidente Barack Obama, vários estados americanos como o Te-xas, Alabama e Michigan, se negaram a receber refugiados sírios após o atentado.

É necessário reconhecer que esse conflito não tem só uma vítima e um culpado. Tanto o Es-tado Islâmico, quanto os EUA, a França, a Rússia e outros países envolvidos mostram-se contrários do que seria uma real solução.

Atentado em ParisCONTRAPONTO

Estado IslâmicoO ISIS é um derivado da Al Qaeda no Iraque, uma organização que surgiu durante a invasão

americana para derrubar Saddam Hussein. O grupo jihadista, também conhecido como Grupo Estado Islâmico ou Daesh, em árabe, estava enfraquecido e aproveitou o caos provocado pela guerra civil na Síria para reerguer-se, lutando contra o regime de Bashar al Assad. O grupo segue a vertente wahabbita do islamismo sunita, que é pautada por uma interpretação ultra radical do Alcorão, levando, assim, minorias religiosas e mulheres a serem tratadas como cidadãs de segunda classe. Atualmente, o ISIS controla parte do território sírio e iraquiano e se sustenta a partir de impostos cobrados nas áreas em que controla, do dinheiro vivo de bancos das cidades que tomou, de petróleo e do tráfico de armas. As ações do grupo ultrapassam as fronteiras da Síria, do Iraque e da França: ela mata turcos e curdos na Tuquia; russos que passam de avião pelo Egito; libaneses em Beirut; e continua a ameaçar cada vez mais países no mundo todo.

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CONTRAPONTO20 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

da redação*

2a feira manhã

Como ser freela?

A abertura da Semana de Jornalismo de 2015 aconteceu no auditório da

Associação dos Professores da PUC-SP (Apropuc), com o tema “Como ser freela?”, e contou com a presença de Carol Patrocínio e Stephanie Hering, ambas jornalistas freelancers, e a mediação da professora Pollyana Ferrari. Stephanie, que vem atuando como freela durante toda a sua carreira, começou sua fala dando dicas aos estudantes de como poderiam melhorar seus currículos buscan-do cursos online e outras ferramentas. Em seguida, a jornalista enumerou os prós e os contras de ser freelancer. “Os prós são a flexibilidade, poder tra-balhar em casa e com um baixo custo e em mais de um lugar ao mesmo tempo. Os contras são não ter acesso a benefícios, maior exigência no trabalho e não poder interagir com outras pessoas.”

Já Carol, que trabalha com comunicação desde 2003, acredita que todo profissional da área deve trabalhar em grandes empresas antes de tentar ganhar a vida como freela. Ao mesmo tempo, explica que nos grandes veículos os interesses são muito fortes e o jornalista acaba virando “só um soldadinho”. Carol pondera que o jornalista freela deve se organizar financeira-mente, e por isso nem sempre poderá escrever apenas sobre o que gosta, mas deverá aceitar tra-balhos com grandes clientes. Pollyana observou que é importante respeitar e valorizar o trabalho do profissional freelancer, pois a cobrança pela qualidade do trabalho será a mesma requerida de um jornalista com emprego estável.

2a feira noite

Jornalismo em rede

Propondo uma discussão sobre as mudanças pelas quais o ofício tem

passado desde a popularização da internet, a mesa foi integrada por Leandro Beguoci e Ana Paula Souza, ambos com ampla atuação na área. O primeiro passou pelas redações da Folha de S.Paulo, Editora Abril, IG e News Corp, onde fundou o departamento digital da FOX brasileira. Beguoci ainda trabalhou, até outubro deste ano,

ainda mantém seu poder dentre os meios de comunicação. Por fim, Zinet e Marina D’Aquino falaram sobre o projeto da Web Serie, que co-loca em pauta um assunto que a grande mídia aborda, muitas vezes, de forma preconceituosa e equivocada: a maioridade penal.

Durante o debate com o público, ficou clara a preocupação, por parte dos estudantes, de encontrarem, no futuro, condições alienadas de trabalho nos grandes veículos, sem terem espaço para trabalhar com temas pouco abordados.

3a feira noite

a voz das minorias

“Essa mesa entrou para a história da semana de jornalismo”, conclui o

professor Hamilton Octávio de Souza, mediador do debate sobre a imprensa alternativa e o impor-tante papel que ela exerce na sociedade. A mesa contou com a participação da jornalista Ana Ara-nha, da Repórter Brasil, Maria Rita Casagrande representando as Blogueiras Negras e a jornalista Maria Carolina Trevisan, dos Jornalistas Livres.

Ana falou sobre os desafios encontrados em seu trabalho na Repórter Brasil, especializada em denunciar casos de trabalho praticado em condições análogas às da escravidão. Maria Rita discorreu sobre o feminismo negro, construído a partir do olhar de mães e trabalhadoras negras, que, “cansadas de serem apenas um objeto de estudo”, resolveram ser sujeitas de suas próprias histórias, enfrentando todo tipo de ataques racis-tas e preconceituosos. Carol, ex-aluna da PUC, exibiu um vídeo institucional do Jornalistas Livres, coletivo que ajudou a fundar, antes de expor ca-sos em que a imprensa prestou um desserviço em questões mais polêmicas, como sobre os jovens em conflito com a lei.

Durante o debate com o público, várias intervenções ressaltaram a importância da existência de um espaço próprio das mulheres negras, e relataram diversos casos de racismo explícito. Maria Rita fez uma crítica ao jornalismo combativo, que fala sobre a luta diária da popu-lação negra, mas que abriga poucos negros. “A voz da minoria continua sendo contada por uma hegemonia branca.”

4a feira manhã

iniCiativas do Jornalismo autônomo

Julia Oliveira (revista Capitolina), Patricia Iglecio e Jay Viegas (revista Vaidapé) e o

cartunista Robson Vilalba relataram sua trajetória no campo do empreendorismo. Segundo Julia, Capitolina surgiu a partir de questionamentos a respeito dos danos que as revistas para adolescen-tes causavam, ao adotarem, como imperativo, a heteronormatividade, a gordofobia e a escolha de temas que subestimam a inteligência feminina. A revista procura introduzir o feminismo como forma

37a Semana de JornalismoCONTRAPONTO

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Realizada entre os dias 26 e 30 de outubro, atividade discutiu os rumos da comunicação, as alternativas e as dificuldades – da crise dos meios aos preconceitos de gênero e raça

em deBAte, As váriAs fAces dA profissão

na editora digital F451, responsável pelas páginas Trivela e Gizmodo. Ana Paula Souza, estudante de jornalismo da USP, é editora do site Lado M, que publica conteúdo voltado para o público fe-minino e bastante popular entre o público jovem. A mesa teve como objetivo abordar o papel de redes sociais, blogs e outras ferramentas digitais na construção de um Jornalismo mais dinâmico, em constante mutação.

A discussão sobre o uso da internet como principal fonte e meio de propagação de informa-ções e conteúdos não abordados pelas mídias tra-dicionais foi uma das pautas levantadas. As páginas pessoais, de coletivos e veículos de notícias alterna-tivos que se propagam nas redes sociais multiplicam rapidamente as informações e dão um novo rumo para a forma de ser feito o atual jornalismo. Os integrantes da mesa também observaram que se os novos meios de interação em rede facilitam a troca de informações, faltam “filtros” para assegurar a qualidade jornalística das informações.

3a feira manhã

reinventando os meios audiovisuais

A adaptação para internet e a luta pelo espaço de mídias alternativas se des-

tacam dentre as grandes mudanças sofridas pelo jornalismo nos últimos anos. Esse foi justamente o tema da mesa “Reinventando os meios audio-visuais: Rádio e telejornalismo”. O assunto foi dis-cutido pelos convidados Marilu Cabañas, da rede Brasil Atual (Radio CUT), Bianca Vasconcellos, da TV Brasil e os “ex-puquianos” Caio Zinet e Marina D’Aquino, criadores da Web serie “O filho dos Outros”. Como mediador, a mesa contou com a participação do professor Marcos Cripa.

Bianca explicou as diferenças entre as matérias produzidas pela TV Brasil e as outras grandes emissoras. A TV Brasil, considerada uma mídia não hegemônica, se destaca pela abordagem que faz das notícias e dos assuntos poucos discutidos nas mídias tradicionais. Marilu expôs suas experiências no rádio e como esse

Reinventando os meios audiovisuais: (da esq.-dir.) Marina D’Aquino, Marilu Cabanãs, Ana Lourenço,

Bianca Vasconcellos, Marcos Cripa e Caio Zinet. Ao fundo, os professores Valdir Mengardo e

Silvio Miele

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21CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

de libertação, quebrando tabus e estimulando o amor próprio entre os adolescentes. Completando um ano na plataforma digital a Revista recebeu o convite de publicar os textos em um livro que foi lançado este ano na Bienal do Livro.

Patrícia e Jay traçaram um panorama da Vaidapé, fundada em 2013. Com edições se-mestrais impressas, a versão digital é alimentada diariamente com textos, séries em vídeo, fotogra-fias e poemas entre outras coisas. Robson relatou sua trajetória no jornalismo em quadrinhos. A série “Patria Armada Brasil”, que resgata o que aconteceu no período da ditadura civil militar – fazendo um recorte de fatos históricos ocorri-dos no Paraná – foi publicada no jornal Gazeta do Povo e lhe rendeu o prêmio Vladimir Herzog na categoria das Artes. Parte da série foi utilizada e complementada para a elaboração de um livro publicado esse ano com o título de “Notas de um Tempo Silenciado” pela editora Besouro Box.

4a feira noite

um novo olhar para a assessoria

A atividade teve por objetivo debater a relação que existe entre assessoria

de imprensa e jornalismo. Participaram, como convidados, Thiago Costa, Beatriz Schauff e Ca-roline Zeferino, todos ex-alunos de jornalismo da PUC. A mesa foi intermediada pelo professor Luiz Carlos Ramos. Thiago, é dono de uma empresa de comunicações, Evcom, e Beatriz, da Agência Floter & Schauff, procuraram explicar o traba-lho do assessor, com o objetivo de desconstruir preconceitos sobre a atividade. Caroline relatou suas experiências profissionais, principalmente no que tange à esfera cultural, já que trabalha no Teatro Municipal, tendo passado, entre outros, pelo Auditório do Ibirapuera.

O enfoque principal foi dado à relação de transparência que o assessor deve ter tanto com o jornalista, quanto com seu cliente, um ponto de congruência na fala dos três convidados. Os estudantes participaram ativamente, questionan-do situações limite do ponto de vista ético, em que a assessoria é considerada muito mais uma atividade de propaganda e relações públicas do que jornalística propriamente dita.

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eu que fiz: mesa composta por ex-alunos de jornalismo

Debatedores propôem um novo olhar para a assessoria

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5a feira manhã

eu que fiz: Jornais laboratoriais

Mediada pelo professor José Arbex Jr e composta pela ex-aluna da ECA-

USP Carolina Linhares (atualmente redatora do caderno Poder, da Folha de S. Paulo), pelo ex-aluno da Cásper Líbero Paulo Pacheco (que hoje trabalha na UOL), e pelo ex-aluno da PUC Rodrigo Borges Delfim (trabalhando também na UOL), a mesa refletiu sobre a importância dos jornais laboratórios no processo de formação dos estudantes de jornalismo.

Inicialmente, os convidados – todos in-tegrantes de suas respectivas escolas, quando estudantes – falaram sobre suas experiências, evidenciando uma grande diversidade de con-cepções e modos de funcionamento dos veículos experimentais. No caso da ECA, há um jornal impresso diferente para cada ano da faculdade. A Cásper produz a revista semestral Esquinas, que conta com a participação de alunos de todos os anos, monitorados por um núcleo editorial. O jornal Contraponto, da PUC, conta com sete edições por ano, é integralmente produzido por alunos (exceto pela diagramação), e tem suas pautas e linha editorial decidida por um processo democrático que respeita a vontade da maioria.

Todos os convidados enfatizaram o fato de que a experiência que se adquire ao participar de produtos laboratoriais faz muita diferença na prática de uma redação, por exemplo. Acrescen-taram, ainda, que ao participar da produção com-pleta de um jornal, em que se debate pautas e há um intenso aprendizado, o estudante se prepara para o trabalho nas grandes redações.

5a feira noite

foto Jornalismo

Inicialmente, os convidados integrantes da mesa – Rafael Vilela (Jornalistas Livres/

Mídia Ninja) e Daniel Augusto Jr. (fotógrafo oficial do Corinthians) –, mediada pela profª Adriana Felden, fizeram uma pequena introdução sobre suas próprias experiências na área e traçaram um prognóstico sobre o futuro do fotojorna-lismo. Daniel e Rafael exibiram algumas de suas principais fotos e narraram suas histórias. Ambos também refletiram sobre a crise atual do jornalismo.

A partir disso, abriu-se um debate intenso sobre a atividade, incluindo questões éticas a respeito dos limites permitidos para a exposição de fotos de pessoas e eventos, em nome da necessidade de informar.

6a feira manhã

empoderamento da mulher

na mídia

A semana foi encerrada com um debate sobre o empoderamento da mulher

na mídia brasileira. A mesa, formada por três convidadas, contou com a presença de Jéssica Ipólito – do blog Gorda e Sapatão –, Carolina Piccarone – criadora do projeto Flores e Histe-ria –, e Júlia Dolce – representando o coletivo feminista de alunas de jornalismo da faculdade. O debate teve, como objetivo, refletir sobre a posição atual da mulher nas redações brasileiras e práticas machistas dentro da profissão e da própria faculdade.

Jessica relatou diversos ataques que seu blog sofre – machistas, racistas, misóginos e les-bofóbicos – vindos sempre de usuários anônimos, e a forma que lida com eles sem se desmotivar com tanto “chorume”. Carolina falou sobre a ini-ciativa de seu projeto, que visa atender mulheres neuroatípicas, uma vez que estas são ainda mais excluídas do conflito social, e reforçou a impor-tância da sua inserção em sociedade. Já Júlia, contou um pouco sobre sua pesquisa de Iniciação Científica, que abordou a representação feminina feita pela revista semanal Veja e também criticou práticas machistas dentro da universidade. Expli-cou, em particular, como o Coletivo Feminista 3 Rosas tenta acabar com o patriarcalismo dentro do departamento de jornalismo da PUC, por ela classificado como enorme.

Após as falas das convidadas, o coletivo preparou uma “intervenção surpresa”, contando com a participação de 13 mulheres espalhadas pela sala, dizendo a frase “existe machismo quan-do (...)”, e completavam com situações machistas vivenciadas dentro do curso. Nas frases estavam: “... nos chamam de feminazi”, “... a questão de gênero é secundarizada no jornalismo, como se não fosse um dos pilares da sociedade, há sécu-los” e “... um homem se diz feminista, mas rouba nosso protagonismo”, dentre outras. Segundo a professora mediadora, Anna Flávia Feldmann, a intervenção foi “linda e de arrepiar”. A profes-sora pontuou ainda diversos ataques machistas que sofre enquanto mulher e mãe, e explicou a importância de trazer uma visão feminista para suas aulas de Comunicação Alternativa.

Todas e todos que assistiram ao debate contribuíram com perguntas construtivas para a discussão atual do papel da mulher. A postura do Enem foi colocada em pauta, por ter abor-dado a violência contra a mulher como tema de redação, além de ter usado o texto de Simone de Beauvoir, filósofa e militante histórica do diversas feminismo. Foi também lembrado o caso da ga-rota Valentina, do programa Masterchef Junior, vítima de comentários pedófilos pelo Twitter. Em contrapartida, foi lembrada a campanha feita pelo site Think Olga, #primeiroassédio, que enco-rajou mulheres a relatarem situações de assédio vivenciados durante a infância.

Convidados relatam iniciativas do jornalismo autônomo

* Colaboraram: Ana Lourenço, Andressa Vilela, Evelyn Nogueira, Leonardo Sanchez, Letícia Rodrigues, Maria Eduarda Gulman, Mariana Castro, Mariana Presqueliare, Marianna Rosalles, Paola Micheletti, Rafael Santos, Talitha Arruda e Yoanna Dimitrios

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CONTRAPONTO22 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

Tentaram reduzi-las a meras esposas de ilustres artistas. A realidade, no

entanto, provou que se alguém ficou marcado na história da arte, definitivamente não foram seus maridos. Frida Kahlo, Remedios Varro, Maria Izquierdo e Leonora Carrington são apenas algumas das 16 artistas que fazem parte da exposição “Conexões entre mulheres surrealistas no México”, situada no Instituto Tomie Ohtake desde 27 de setembro e que irá até o dia 10 de janeiro.

Com a curadoria da pesquisadora Teresa Arcq, o acervo registra a rede de mulheres que se formou graças a sua união, atuando como mecenas umas das outras, se inspirando e trocando referências. Todas as obras expostas são resultados de estudos delas mesmas que cercavam o corpo femini-no. E desses encontros surge uma vasta obra que apresenta uma pluralidade de universos e expressa a força e a potência da mulher latina.

A representação das obras de arte dessas artistas mostram o que era estar e atuar, como mulher, no mundo naquele momento – século XX. Elas, através de sua força e de seus dons artísticos, mostraram do que a mulher é capaz de fazer e abriram espaço para o feminino no meio das artes.

Todas são consideradas artistas surrealistas. Com quadros repre-sentando os mais diversos e estranhos sonhos, fortemente influenciadas pelas teorias psicanalíticas de Freud e inspirando o inconsciente da artista, há uma certa combinação de abstrato, irreal e representativo nas obras. Como uma maneira de enxergar o mundo, o surrealismo

Vamos lá, por meio desta ten-tativa de proporcionar uma

lógica quanto ao assunto do direito ao aborto, venho antes contar a história de duas meninas-mulheres:

Uma delas é Mariana. Branca, dos olhos claros, cabelos dourados e sobre-nome complicado. Ela vivia sua rotina de universitária até que aos 19 anos des-cobriu que estava grávida. Viu todos os seus planos de vida indo por água baixo e com medo de contar à família, resolveu procurar uma clínica de aborto. Juntou o dinheiro da poupança, marcou um horário e em menos de 1 hora já estava acolhida em uma amiga.

A outra delas é Mariana. Negra, dos olhos cor de mel, sobrenome qualquer e má instruída. Ela vivia sua rotina de 3 “busão” por dia e acordar às 3 da manhã para trabalhar até que aos 19 anos também descobriu que estava grávida. Com medo de não ter como cuidar ou alimentar a criança, procurou Dona Raimunda, a rainha dos abortos de seu bairro. Depois de 2 horas de “cirurgia” chegou em casa aos prantos, trêmula de dor, temendo pegar qualquer infecção e morrer.

Agora pensando na história delas, qual diferença podemos ver? Os tantos anos de opressão e preconceito que obrigam Mariana do sobrenome qualquer a arriscar sua vida em uma “clínica” sem estrutura adequada em prol da escolha de não ser mãe.

A semelhança? Precisarem procurar clínicas clandestinas ou mesmo estrangeiras para efetuarem uma prática que cabe somente a escolha e decisão da mulher - e não do controle do Estado.

É fato que o assunto gravidez continua sendo um tabu na socie-

dade brasileira. Antes de criticar, julgar e con-denar a escolha das Marianas, é preciso falar sobre a gravidez. Desde sempre, é ensinado a qualquer menina que seu principal papel é ser mãe, mas nem todas as mulheres querem ter filhos, nem todas as mulheres podem ter filhos, nem todas as mulheres escolheram ter filhos, nem todas as mulheres ficaram felizes ao descobrirem que iam ter filhos. Então por que ela é obrigada a ter filhos? Por que o homem não é obrigado a ter filhos? Por que o homem não é julgado por não querer ter fi-lhos? Por que o homem pode abandonar seus filhos? Por que o homem pode abortar?

Todas as Marianas estão cansadas de serem passivas quanto a própria decisão e de ainda por cima serem julgadas e culpadas

pela escolha de não ser mãe. Além de muitas serem obrigadas a terem filhos sem a ajuda de um pai, elas são culpadas por sentirem vontade de abortar. Isso é justo?

É justo existir clínicas clandestinas privadas que lucram em cima do aborto? É justo ter que arriscar a própria vida por não ter dinheiro para procurar uma clínica decente? É justo um país que vira as caras para um problema já exaustivamente debatido? É justo só mulher não ter voz para um assunto de dupla responsabilidade? É justo a mulher não ter escolha sobre o próprio corpo?

Precisamos urgentemente pensar na situação de todas as Marianas e para isso repensar o direito ao aborto. Esse direito é uma questão de saúde e direitos humanos, e não de interesses privados, valores conservadores ou fundamentos religiosos.

liberta-se das exigências da lógica e da razão. E essas defensoras revolucionárias da arte combatem a indife-rença poética e a limitação da arte, seja ela um quadro, um desenho ou até mesmo esculturas.

Com obras desde a famosíssima “Os encar-cerados” de Bridget Tichenor até fotos, rascunhos e reportagens de Maria Izquierdo e Remedios Varro, a exposição se mostra muito importante por surpreender os espectadores com o viés feminista e também por dar visibilidade a outras artistas, além de Frida Kahlo.

Além disso, “Conexões entre mulheres surre-alistas no México” apresenta uma fascinante cultura mexicana por intermédio de Frida. Suas obras dispensam apresentação. A ênfase nos autorretratos e a constante representação de Diego Rivera – seu companheiro até o fim da vida – em vários dos quadros, marcaram presença na exposição que contou também com uma coleção de trajes e acessórios da artista, bem como retratos feitos por diversos fotógrafos.

A mostra reuniu obras icônicas de Frida Kahlo, como por exemplo, Abraço Amoroso e seus famosos autorretratos. Além também de contar sua história de vida, seu amor irracional por Diego Rivera, os diversos aci-dentes, deficiências e desencantos com a vida.

Essa exposição tem absoluta importância para mostrar do que as mulheres são capazes. Para esquecer a imagem do homem, para parar de denominá-las “esposas de não sei quem”, para pensar na mulher e somente nela. Para conhecer e refletir sobre as mulheres surrealistas, independentes e audazes do México.

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InstItuto tomIe ohtake – de 27 de setembro de 2015 a 10 janeIro de 2016

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23CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

Por Guilherme Zocchio

■ Mil afetos que seguem

Há uma passagem do escritor português Valter Hugo Mãe que diz: “todos nascemos filhos de mil pais e de mais mil mães […] como se os nossos mil pais e mais as nossas mil mães coin-cidissem em parte, como se fôssemos por aí irmãos, irmãos uns dos outros. Somos o resultado de tanta gente, de tanta história, tão grandes sonhos que vão passando de pessoa a pessoa, que nunca estaremos sós”.

Acordar terça-feira, 3 de novembro, após o último feriado de finados, foi sentir a morte de um destes nossos mil pais. O jornalista, professor, mes-tre, amigo e, por sua generosidade singular, também pai Milton Bellintani faleceu, vítima de ataque cardíaco. Ao partir, aos 55 anos, deixou órfãos mil filhos, mil pais e mães, sobretudo milhares de irmãos com quem com-partilhou a caminhada em vida.

Não só perdemos um grande jornalista, com sólida carreira trilhada em diver-sos veículos, entre os quais uma série de publicações da editora Abril, como a revista Placar, e o jornal Folha de S. Paulo, além de entidades governamentais e do terceiro setor, mas também uma pessoa que entendia sua profissão, seu lugar no mundo, em um sentido maior.

Milton era defensor dos direitos humanos, um indivíduo engajado nas causas coletivas. Sua história de vida, afinal, confundia-se com a de tantos outros mil homens e mil mulheres que vivem e viveram nesta terra chamada Brasil. Ainda lembro quando nos encontramos e ele me falou de seu pai, preso por resistência à ditadura militar, um episódio decisivo para as escolhas que iria trilhar.

Sem dúvidas, é preciso salientar, agora que reescrevo nessas linhas um pouco de sua história, que Milton atuou intensamente pelo direito à memória, à verdade e à justiça sobre os crimes cometidos pelo Esta-do brasileiro entre 1964 e 1985. Para isso, não lhe faltaram títulos. Coordenava a Comissão da Verdade do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, dirigiu o Núcleo de Preservação da Memória Política e fundou, ao lado de seus mil irmãos e filhos, o projeto “Ponte” sobre segurança pública, justiça e direitos humanos.

Das intensas conversas que tivemos, lembro dos sonhos e utopias que compartilhávamos. São aspirações de pessoas que vivem em um país que, após um século de duas ditaduras, quinhentos anos de escra-vidão e incontáveis vidas que se perderam para um Estado violento e opressor, sofre para manter uma frágil democracia e que ainda hesita em ser moderno. Nesse contexto, Milton também lutou pelo fim da exploração do homem pelo homem, pela busca por outras formas de viver e de existir.

Seguia como nos versos eternizados pela voz de Mercedes Sosa, cantora a respeito da qual trocamos proveitosas palavras: “que a dor não me seja indiferente […] que o injusto não me seja indiferente […] que a guerra não me seja indiferente […] que o engano não me seja indi-ferente […] que o futuro”, enfim, “não me seja indiferente...”.

Para a PUC-SP, arrisco dizer que há duas empreitadas mais impor-tantes entre as várias que Milton se engajou. Ele foi professor da disciplina de Sistemas de Produção Cultural na América Latina, do curso de jornalismo cultural Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão (Cogeae). E, além disso, ombudsman do Contraponto entre 2012 e 2013.

Peço a licença eu que vos escrevo, ex-contraponteiro, para falar um pouco mais sobre esta última passagem, uma vez que tive a opor-tunidade junto da minha colega Rute Pina, outra antiga colabora-dora deste jornal, de fazer o convite para que Milton se tornasse o crítico de linha de frente desta publicação. À época, ele atendeu

ANTENA

a solicitação da maneira mais gentil possível. “Seria uma honra”, lembro-me bem de como disse em janeiro de 2012.

O período à frente do cargo de ombudsman não poderia ter sido mais proveitoso. Lembro com precisão das críticas que ouvimos. Todas, sem exceção, foram-me úteis em alguma medida. Isso reforça um traço muito específico da personalidade dele: seu talento quase inato para transmitir conhecimento, ser tutor de jovens aspirantes a jornalistas; mais do que tudo, ensinar àqueles que ainda têm muito o que aprender.

Por conta deste dote singular, Milton coordenou um projeto de com-plementação universitária para estudantes de jornalismo. Foi um dos realizadores do curso “Repórter do Futuro: descobrir São Paulo, descobrir-se repórter”, ao lado do seu amigo Sérgio Gomes, com a prestadora de serviços Oboré Projetos Especiais em Comunicações e Artes, a Câmara Municipal de São Paulo e algumas das principais escolas da área. Nesta empreitada que eu e Milton nos conhecemos. E creio que foi neste projeto, também, que Milton acumulou a maior parte de seus mais de mil filhos e filhas.

Eu cometeria uma injustiça se parasse para citar os nomes --eventual-mente esqueceria de algum-- de todas e todos os irmãos e irmãs de “Repórter do Futuro” que compartilhamos a dor da perda de um pai tão querido. Assim que soubemos da notícia, nós fomos os primeiros e primeiras a procurar uns aos outros para dividir o luto, para encarar esse vazio que ficou com a sua partida.

Milton era uma pessoa afetada por uma infinidade de devires: profes-sor-escritor-militante-tutor-jornalista-mestre-pai-irmão-amigo. Para aqueles que o conheceram, essa multiplicidade se manifestava como um todo em cada atividade que ele exerceu em vida.

Por fim, gostaria de dizer que escrevo aqui sobre a dor de quem conheceu Milton Bellintani por muito menos tempo e o viu em menos ocasiões do que outras pessoas. Em nome dos meus mil irmãos jornalistas, dos outros mil filhos agora órfãos, deixo nossos sentimentos em especial à irmã dele, Cláudia, às suas duas filhas e à sua esposa, Silvia.

A vocês que devem sentir uma dor em outra intensidade, talvez mais forte, e ao próprio Milton, quem eu gostaria que pudesse ler essas palavras, queria dizer que as suas histórias e os sonhos seguem vivos. E assim continuarão por muito tempo. Isso tudo também é parte da mim e das outras tantas mil pessoas que o Milton conhe-ceu enquanto esteve aqui. Acho que a vida continua, não como um clichê, mas como parte desses nossos mil afetos, em nós, filhos de mil homens.

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Milton Bellintani

Milton Bellintani (à dir.) com os amigos Sérgio Gomes e Cristina Cavalcanti

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CONTRAPONTO24 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Fevereiro 2016

a família indígena. Elas tiveram oportunidade de participar, por exemplo, da corrida da tora, um clássico dos jogos indígenas. Ela não é uma invenção do comitê intertribal, é uma tradição que vem da comunidade e que demonstra como é a força indígena da mulher e os valores que ela adquire e repassa”.

No último dia dos jogos, o vereador de Palmas Hiram Gomes falou na tribuna da Câmara sobre a importância política e social do evento. Para ele, o legado da competição vai além dos benefícios materiais: “receber os povos indíge-nas do mundo todo e poder confraternizar com eles é o primeiro passo para uma reavaliação da questão indígena no país”.

Destaque para cultura dos Maias – A delegação da Guatemala, formada por 25 integrantes da etnia Maia, marcou presença nos Jogos. Para Marta Eulália Estrada Xicará de Leiva, líder do grupo guatemalteca, a competição dá a oportunidade de os olhares do mundo se voltarem para a magia e os mistérios da cultura Maia. “Esperamos levar o conhecimento de nossa cultura. O mundo vai conhecer o patrimônio his-tórico, natural e cultural da Guatemala, além dos coloridos trajes típicos e a amabilidade de nossa gente, origem e destino de uma biodiversidade única no mundo”, diz Marta.

BrAsil sediA primeirA edição dos jogos mundiAis dos povos indígenAs

Entre os dias 23 de outubro e primeiro de novembro, foram realizados na

cidade de Palmas, no Tocantins, os I Jogos Mun-diais dos Povos Indígenas. Organizado por índios brasileiros apoiados pelo Ministério do Esporte, pelo governo estadual do Tocantins, governo municipal de Palmas e PNUD (Programa de Na-ções Unidas para o Desenvolvimento), o evento teve como objetivo unir as várias tribos indígenas globais, a fim de compartilharem suas diferentes culturas e modalidades esportivas.

O Brasil foi o primeiro país a sediar o even-to que contou com a participação de 23 etnias nacionais e povos de 22 países, selecionados pelo Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena (ITC), que tomou como critérios de escolha a conservação dos costumes, idioma, crenças, ritos, pinturas corporais, música e os esportes tradicionais dos povos.

Carregando a frase “Em 2015, somos todos indígenas”, os três primeiros dias de pro-gramação (13 ao total) foram reservados para uma excursão pelos pontos turísticos de Palmas, com o objetivo de ambientalizar e integrar os participantes com o restante da comunidade nativa do município. Para garantir a participa-ção nas atividades, o pré-requisito estabelecido para as etnias brasileiras era já terem disputado alguma edição dos jogos Nacionais Indígenas, que são realizados no país desde 1996, além de cumprirem todas as regras estabelecidas nas edições passadas.

Porém não foi apenas o bom comporta-mento que contou. Os indígenas precisam ser nascidos nas aldeias, falar sua língua original e co-nhecer sua cultura. Escolhida a etnia participante, cabe ao cacique e ao chefe da delegação recrutar os atletas. Do Brasil, participaram as delegações das etnias Asurini, Bororo Boe, Rikbatsa, Javaé Itya Mahãdu, Guarani Kaiowá, Kayapó Meben-gokre, Kaingang, Kamayurá, Karajá, Kyikatejê / Parakatejê, Canela Rãmkokamekra, Krahô, Kuikuro, Kura Bakairi, Mamaindê Nhambikwara, Manoki, Matis, Paresi, Pataxó, Tapirapé, Terena, Waiwai, Xavante e Xerente.

O slogan do primeiro JMPI foi “O impor-tante é celebrar”. Escolhido cuidadosamente por brasileiros, a preocupação maior era de realizar uma competição genuinamente indígena, feita por eles e para eles. Os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas não são um campeonato qualquer, to-dos os índios querem participar, a ideia principal é de promover a unidade na diversidade.

De acordo com o coordenador-geral dos Jogos, Marcos Terena, assim como em outros eventos esportivos de nível internacional, o Brasil foi um grande anfitrião, “os povos puderam par-ticipar de todos os eventos dos Jogos Mundiais, tanto a nível cultural quanto social. Respeitamos os valores tradicionais que todas as culturas têm”, destacou. Terena ressaltou também o valor da integração entre todos os participantes, “é a nossa primeira experiência de integração entre os povos indígenas do Brasil e os outros países, e essa é a nossa mensagem para os povos que estão vindo: a aproximação”.

Ele ainda se pronunciou sobre a impor-tância da participação das mulheres nas com-petições, “as mulheres são parte essencial para

Por mariana Presqueliare e nathalia moraes

A PEC 215 foi pauta de manifestações – Em meio às festividades típicas, o evento serviu também para retomar uma discussão pouco evidenciada pela mídia: a aprovação da proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que trans-fere do Ministério da Justiça para o Congresso Nacional a decisão a respeito da demarcação das terras indígenas.

Em repúdio às atitudes do governo e do Congresso Nacional, as etnias Krahô e Apinajés, do Tocantis, não participaram dos jogos. Os Guarani-Kaiowá também foram uma das etnias a tecer críticas contra a PEC; algumas de suas lide-ranças evidenciaram seu descontentamento por meio de uma carta enviada para as autoridades. A celebração de abertura foi marcada pelo discurso de lideranças indígenas e vaias direcionadas à presidente Dilma Rousseff.

Dentre os argumentos defendidos pelos índios está a quantidade de verba investida no evento: foram R$ 100 milhões que, segundo eles, poderiam ser convertidos em saúde e na moni-toração dos territórios demarcados. Os conflitos violentos envolvendo fazendeiros, latifundiários e as comunidades indígenas são também motivo de discussão, já que ameaçam seu reconhecimento enquanto povo.

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Ao todo participaram do evento 55 etnias,sendo vinte e três localizadas no Brasil

CulturaCONTRAPONTO

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Índio celebra a abertura da primeira confraternização

mundial entre etnias

“é a nossa primeira experiência de inteGração entre os povos indíGenas do brasil e os oUtros países, e essa é a nossa

mensaGem para os povos qUe estão vindo: a aproximação”

(marcos terena, coordenador-Geral dos joGos)