consciencia politica

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Curso de formação política 1 CURSO DE FORMAÇÃO POLÍTICA 2004 Realização APOSTILA E PROGRAMA Autoria: Humberto Dantas (organizador e coordenador) José Paulo Martins Jr. Luiz Gustavo Serpa Marcello Simão Branco Sérgio Praça Tatiana Braz Ribeiral

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Curso de formação política

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CURSO DE FORMAÇÃO POLÍTICA 2004

Realização

APOSTILA E PROGRAMA Autoria: Humberto Dantas (organizador e coordenador)

José Paulo Martins Jr.

Luiz Gustavo Serpa

Marcello Simão Branco

Sérgio Praça

Tatiana Braz Ribeiral

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Curso de formação política

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PROGRAMA DAS AULAS

Aula 1: Democracia: da direta à participativa – Humberto Dantas o Definição mais básica de democracia – a regra que permite que a decisão seja tomada

com base no conceito de maioria o Definição de democracia direta – como funcionava o sistema na Grécia. As

particularidades com relação à participação e a forma do sistema o Definição de democracia representativa – como surgiu o sistema ao redor do mundo o A democracia moderna, a diferença baseada no conceito de sufrágio universal – o

diferencial do século XX o Formas de participação que transcendem as eleições, a democracia semidireta. O

continuum entre as formas direta e representativa o Os canais tradicionais de democracia participativa: o referendo, o plebiscito e a lei de

iniciativa popular. A utilização desses mecanismos no Brasil e no mundo o A participação popular no processo Constituinte no Brasil o Os canais alternativos de participação popular no Brasil: os conselhos gestores, o

orçamento participativo, a legislação participativa e a gestão participativa Aula 2: Divisão dos poderes – Rafael Marinangelo

o Os autores clássicos da separação de poderes: Montesquieu e Federalistas o A preocupação central dos pais fundadores da República Norte-Americana: os freios e

contrapesos o A separação dos poderes em perspectiva comparada o O Império brasileiro e o quarto poder: o poder moderador o As relações entre os poderes no Brasil o A fusão de poderes: poder legislativo do executivo.

Aula 3: Presidencialismo e parlamentarismo – Sérgio Praça

o Critérios para diferenciar o A origem da legitimidade do Executivo o A relação entre poderes e entre mandatos o Os casos clássicos: o presidencialismo americano, o parlamentarismo inglês e o sistema

misto francês; o Longevidade dos sistemas o O Parlamentarismo é melhor? Induz a formação de maiorias (governos minoritários)? Gera

disciplina partidária? Gera governos fortes, que passam legislação? o O Caso Brasileiro e a experiência parlamentarista o O Presidencialismo de coalizão o Os Plebiscitos de 1963 e 1993.

Aula 4: Federalismo - História e Atualidade – Marcello Branco

o Federalismo como forma de divisão do Estado e como visão global da sociedade o Confederação, federalismo e unitarismo: semelhanças e diferenças o Tipos de federalismo: aqueles que unem e aqueles que mantém unido

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o Federalismo e sua relação com a democracia e o nacionalismo o Características de alguns países federais o Breve cronologia histórica do federalismo brasileiro o O federalismo brasileiro durante o regime militar o O federalismo brasileiro a partir da redemocratização o Federalismo e globalização: a ação independente dos governos subnacionais.

Aula 5: A Participação Política no Brasil – Tatiana Ribeiral

o História do voto no Brasil o Voto dos analfabetos o Voto censitário o Voto feminimo, perspectiva comparada o Retrospectiva dos excluídos do processo eleitoral até a Constituição de 1988 o O legado escravocrata o A República e a política coronelista no Brasil o O Estado Novo e a cidadania regulada o Evolução dos direitos políticos no Brasil, a inserção por meio da lei o Direitos civis, políticos e sociais no Brasil o A criação da Justiça Eleitoral o Lei e participação política no Brasil o Casuísmos históricos e participação política reprimida o Cidadania e redemocratização o Desafios para inclusão política no Brasil.

Aula 6: Partidos políticos no Brasil – José Paulo Martins Jr.

o O surgimento do conceito de partido político o O nascimento das primeiras organizações partidárias nos EUA e Inglaterra o O Império e os primeiros partidos brasileiros o O fim do Império e os partidos republicanos o Os partidos estaduais na República Velha o O período sem partidos do Estado Novo o A democracia liberal de 45-64 e os primeiros partidos nacionais o O golpe militar, o fim dos partidos da democracia de 45-64 e a instauração do bi-

partidarismo. o A abertura militar e os novos partidos o Situação atual dos partidos brasileiros.

Aula 7: Sistema Eleitoral – Humberto Dantas o Fazer a exposição em perspectiva comparada, utilizando como exemplo uma série de países

ao redor do mundo o Critérios para participação. Características e quantidade de eleitores e candidatos o Cargos eletivos e principais características eleitorais o Eleições majoritárias e eleições proporcionais – regras e critérios o Utilização de exemplos empíricos para a contagem de votos e eleição de representantes o O voto de legenda, o voto branco e o voto nulo o As questões relacionadas aos vices e aos suplentes o Funcionamento eleitoral – o dia das eleições e as principais regras.

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Aula 8: Sistema político e propostas de reformas – Tatiana Ribeiral o As recentes alterações no sistema eleitoral: a verticalização e a participação do Poder

Judiciário o As propostas existentes no Congresso Nacional o As regras para a filiação partidária o A alteração no tempo da TV o A migração de prefeitos para outras cidades o O financiamento público das campanhas eleitorais o A lista fechada em perspectiva comparada o O fim das coligações em eleições proporcionais o A ampliação do segundo turno o O aumento das chapas o Qual a quantidade de espaço para a ampliação de um sistema inflado?

Aula 9: Pesquisas e comportamento eleitoral – José Paulo Martins Jr.

o As eleições no Brasil pós-1974 o As campanhas eleitorais no Brasil e o peso do contexto político o A propaganda eleitoral e seu papel de reforço das convicções o A importância da pesquisa de opinião pública para as estratégias eleitorais o Os métodos quantitativo e qualitativo de pesquisa: suas diferenças e aplicações o As diferentes formas de análise: uni-variada, bi-variada e multi-variada o A importância das pesquisas de opinião pública para o avanço da ciência política o Os estudo sobre o comportamento eleitoral: as abordagens sociológica, sócio-psicológica e

econômica do voto. o O comportamento eleitoral do brasileiro.

Aula 10: Mídia, Marketing e política – Sérgio Praça

o Relações institucionais entre os campos o Autonomia relativa do campo político o Autonomia relativa do campo jornalístico o Mídia e agenda pública: o agenda-setting o Relações conjunturais: a mídia no momento eleitoral o Debates políticos na TV o Horário Eleitoral Gratuito o Marketing político.

Aula 11: Democracia e Desenvolvimento Econômico – Wagner Mancuso

o A teoria da modernização e a discussão da relação entre democracia e desenvolvimento econômico;

o A crise da idéia de modernização e a crise sócio-econômica da década de 80, a tentativa de solução com o Consenso de Washington;

o A crise do Consenso de Washington e a discussão atual sobre democracia e desenvolvimento;

o O Estado desenvolvimentista no Brasil; o A crise do Estado desenvolvimentista no Brasil; o Os problemas atuais enfrentados pelo Estado brasileiro no trato com a economia; o Relação Estado-Mercado I, liberdade de ação política frente às restrições econômicas;

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o Relação Estado-Mercado II, a nova discussão sobre o papel do Estado na condução da economia;

o Relação Estado-Mercado III, o papel da ética e do respeito à cidadania na ação dos agentes econômicos privados.

Aula 12: Política internacional e o contexto da globalização – Marcello Branco

o O conceito de relações internacionais o A Guerra Fria o A globalização e a formação dos blocos econômicos o A posição do Brasil no contexto globalizado o A ALCA e a posição do Brasil o O Mercosul e a posição do Brasil o Noções de geopolítica

Aula 1 – A importância da conscientização política e a Democracia

Humberto Dantas

O trabalho que iniciamos a partir daqui tem um intuito muito especial. Além da formação política

suprapartidária e da concessão de instrumentos para os alunos estenderem seus conhecimentos

sobre o tema, objetivamos a criação de um corpo de multiplicadores. Esse contingente deve ter em

mente que as informações debatidas devem ser levadas adiante. Seja sob a forma de indicação, ou

seja, encaminhando outros cidadãos para que estejam aqui conosco, ou como emissários de nossas

discussões, levando nossos conceitos para seus lares, ambientes de trabalho e relações sociais.

Vivemos, infelizmente, em um país em que grande parte da sociedade enxerga a política com pouco

interesse. A informação não é debatida e alguns preconceitos afastam os cidadãos de algo

indispensável para nossa sobrevivência. O que temos que ter em mente é que em uma sociedade

como a que vivemos, o desinteresse e a falta de informação política são fatores que influenciam

diretamente a qualidade de nossas vidas. A política está presente em todas as nossas relações.

Fazemos política em casa, no trabalho, em nossos relacionamentos pessoais etc. O homem é um ser

que vive a política em todas as suas relações. A política, nesse sentido, pode ser entendida como um

jogo, onde concedemos e conquistamos espaços em busca de uma posição que nos beneficie, nos dê

segurança e, ao mesmo tempo, faça com que nossos pares também conquistem posições relevantes.

Voltar as costas para a política é virar-se contra os mecanismos que nos possibilitam escolher os

rumos que queremos para nossas vidas. Quando dizemos que não gostamos de política, ou que

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simplesmente não ligamos para ela, estamos na verdade abrindo mão de participar da administração

dos caminhos que nos dizem respeito. Além disso, quando nos desinteressamos por esse assunto,

estamos entregando nosso destino nas mãos de outras pessoas. É desse descuido que podem nascer

práticas como a corrupção, por exemplo. É por conta desse afastamento que muitos dos brasileiros

costumam enxergar, muitas vezes equivocadamente, os políticos de nosso país como ladrões,

corruptos, sujeitos que ganham dinheiro fácil e que trabalham pouco. Se nós, cidadãos interessados,

estivermos próximos desses representantes, a administração pública e o exercício dos mais diversos

mandatos se tornarão ainda mais transparentes e veremos como é trabalhoso administrar um

município, um estado ou um país. Desse modo, gostar de política, informar-se, entender e

acompanhar representa cuidar de nossas próprias vidas. A política pública é um exercício de

responsabilidade, e é por isso que chamamos de prática de CIDADANIA.

Normalmente quando nós, cientistas políticos, realizamos palestras ou aulas como essas nos

deparamos com duas afirmações bastante comuns. É a partir dessas afirmações que conduziremos

parte desse nosso encontro. A primeira diz respeito à participação obrigatória dos cidadãos

brasileiros nas eleições. É comum ouvirmos dizer que se o voto não fosse compulsório, boa parte da

população deixaria de comparecer às urnas. Algumas pesquisas realizadas no ano de 2002 mostram

que esse contingente chegaria a metade dos eleitores. Infelizmente, acreditamos que o voto é

entendido, antes de qualquer coisa, como uma obrigação porque ele não é interpretado pela

sociedade como um DIREITO. Isso acontece porque as pessoas não costumam enxergar, na prática,

as mudanças que o voto é capaz de produzir. Quando um sujeito escolhe, ele está dizendo quem

prefere para lhe representar na administração do país, do estado e do município. Isso é algo

fundamental. O representante é quem vai ocupar nosso lugar no poder enquanto tomamos conta de

nossos assuntos particulares. A despeito dessa delegação de poder, devemos buscar proximidade

com o poder, afinal de contas, o poder é constituído pela nossa vontade, pelo nosso desejo, pelo

nosso VOTO.

A outra afirmação que sempre surge é que os políticos são todos corruptos, são todos: “farinha do

mesmo saco”. Nós, cientistas políticos, chegamos mesmo a ouvir, em oportunidades como essas,

que somos representantes de algum partido político e estamos aqui para pedir voto para alguém.

Obviamente, cada um de nós, envolvidos nesse curso, tem suas preferências partidárias. Nas últimas

eleições existiram aqueles que votaram em um candidato, enquanto outros votaram em seus maiores

adversários. Essa divergência é natural, e faz parte do jogo democrático respeitar as opiniões

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alheias. Também é natural que debatamos a respeito do porque de nossas escolhas. É importante

lembrar que no Brasil costuma-se dizer que política não se discute. Infelizmente, esse é um dos

piores ditados criados no país. A política sem discussão perde uma de suas principais

características. Devemos respeitar a escolha de cada um, mas não devemos deixar de debater os

motivos que levam nossos amigos e familiares a dirigir suas escolhas. O debate ajuda a construir a

sociedade. O importante, no caso desse curso, é deixarmos claro, desde essa primeira aula, que

nosso objetivo não é construir um pensamento voltado para o ideal de algum partido existente no

país. Respeitamos todos os grupos existentes, e nosso maior compromisso será com a informação

suprapartidária, ou seja, desvinculada de bandeiras, números, siglas e figuras do meio político. Sem

deixar, no entanto, de utilizar exemplos empíricos e fatos do dia-dia o que certamente envolverá

nomes e partidos.

Voltando às duas indagações devemos tecer considerações sobre o voto obrigatório e sobre o

sentimento popular de que os políticos são todos corruptos.

O voto obrigatório. Para perguntas e afirmações dessa natureza a resposta é sempre a mesma: a

relação entre participação e obrigatoriedade não é tão automática quando se pensa. E a exposição do

cenário mundial nos mostra isso. Em países com a Itália, a África do Sul, Israel, Suécia e Espanha o

voto é opcional. Nem por isso os eleitores se abstêm desse direito, e mais de 80% do contingente

cadastrado comparece às urnas. Em contrapartida, em países como o Peru, o México, a Venezuela,

o Paraguai e a Guatemala, o exercício é obrigatório e menos de 60% dos cidadãos exercem seu

direito. No Brasil a média de participação é de 78,3% - superior a países desenvolvidos onde o voto

também é obrigatório, caso da Bélgica com 75,2%. Em outras nações onde esse direito é

compulsório os resultados são ainda mais elevados, são os casos do Uruguai, da Costa Rica, da

Grécia, da Austrália e do Chile com mais de 80% de comparecimento. Para não fugir da análise de

todas as situações possíveis, é importante lembrar que também é comum a ausência do eleitorado

em países em que não existe o caráter obrigatório. No Japão, na Suíça, no Canadá, na França (onde

os eleitores se assustaram recentemente) e nos Estados Unidos – países desenvolvidos -, a ausência

supera a casa dos quarenta pontos percentuais.

De acordo com os dados acima podemos supor que existem outros fatores que influem na

participação do eleitorado, além, simplesmente, da característica opcional ou obrigatória desse

direito. O que percebemos então é que o voto é uma questão de consciência, e a participação é um

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sinônimo do envolvimento da população no processo. Sob esse ponto de vista, poderíamos imaginar

que o atendimento ou a resposta dos representantes aos representados é o que estimula a crença da

sociedade no processo de escolha. Além disso, alterações nas vidas das pessoas, promovidas por

mudanças no partido que ocupa a situação, podem dar a idéia aos eleitores de que o processo

eleitoral promove transformações.

Assim, o cenário político de uma cidade, de um estado ou de um país depende dos cidadãos. A

representação é exercida mediante uma escolha. O sujeito quando vai às urnas prefere X ao invés de

Y, W ou Z. Além disso, a insatisfação ou a indignação em relação às opções disponíveis pode levar

o eleitor a recusar as alternativas, o que motiva o voto em branco ou nulo. Em qualquer um desses

casos o cidadão compareceu às urnas, avaliou as alternativas e escolheu. Esse sujeito tem todo o

direito de se queixar, de reclamar e de mostrar insatisfação com qualquer que seja o vencedor. Isso

porque, no momento da escolha, ele disse o que preferia, e recebe assim o direito “moral” de avaliar

a situação. Quando o sujeito não vota, ele está dizendo que os outros cidadãos podem responder por

ele. Que qualquer coisa que os outros resolvam está bom – ele é indiferente, e a apatia é o pior mau

da política. Dessa forma, a discussão sobre a obrigatoriedade do voto deixa de fazer sentido quando

entendemos o seu verdadeiro valor.

A corrupção na política. Deriva dessa questão o segundo tema que escolhemos para iniciar nossa

discussão. Se os políticos são todos iguais, e se envolvem com corrupção, como poderemos votar

tranqüilos? Não acreditamos nisso. Existem representantes que infringem os limites da ética, da lei

etc. Mas sabemos que outra parte significativa é responsável, e busca o melhor para a sociedade.

Independente de quem é bom e quem é ruim - e não é nossa tarefa procurar e apontar esses sujeitos

aqui - os políticos que nos representam são colocados onde estão por nós. Isso significa dizer que se

não estamos satisfeitos com a conduta dos sujeitos que nos representam, boa parte da culpa é nossa.

Lamentavelmente, no entanto, boa parte do eleitorado escolhe seus representantes pautada em

motivos pouco racionais: beleza, aparência, riqueza, boa postura, fama, promessas infundadas, troca

de favores etc. Essa atitude compromete todo o restante da sociedade. A importância da educação

política nesse caso é fundamental. Considerar todos os políticos como corruptos é considerar que

também trazemos dentro de nós um pouco dessa corrupção, ou no mínimo uma dose de

irresponsabilidade. Isso porque cada representante é um pedaço de nós. Que age por nós, afinal de

contas, a lógica da representação é exatamente essa: conceder a outro uma responsabilidade com a

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qual não podemos (ou queremos) arcar. Dessa forma: fiscalizar, acompanhar, cobrar, se informar e

escolher conscientemente faz parte de nossas obrigações conosco e, principalmente, com a

sociedade.

Findada essa introdução, discutiremos um pouco do conceito de democracia. O objetivo aqui é

traçar um caminho capaz de nos mostrar os verdadeiros significados do termo democracia no

mundo político. A tarefa não é das mais fáceis, pois inúmeras teorias apontam caminhos diferentes.

Dessa forma, o que para um autor pode significar democracia, para outro pode ser apenas parte do

que se entende como tal. A única certeza que temos é que a participação consciente e a

responsabilidade de cada eleitor são fundamentais para a plena concretização / entendimento do

termo. Dessa forma, o que dissemos anteriormente é indispensável à democracia. De acordo com o

cientista político italiano Norberto Bobbio, “a apatia é um dos grandes males, se não o maior, da

democracia”.

Popularmente, em nossa vida social, seja no trabalho, em casa ou entre nossos amigos, entendemos

democracia como o desejo da maioria. Isso é, quando queremos tomar uma decisão em conjunto

damos a oportunidade de todos os que estão presentes escolher uma alternativa. A opção mais

votada vence, e o grupo opta por aquele caminho. Essa é a visão mais simples que podemos ter do

termo democracia: o desejo da maioria, expresso em um momento de escolha. Se olharmos para a

sociedade em que vivemos será possível notar que as eleições simbolizam esse tipo de escolha. O

que são eleições se não um processo onde todos os cidadãos escolhem representantes, idéias,

programas ou projetos que julgam ser o melhor para uma cidade, um estado ou um país? A

democracia vista de forma simples é exatamente isso: a possibilidade que temos de escolher e

seguir a orientação daquilo que a maioria escolheu.

Antes de nos aprofundarmos mais nas definições necessárias ao entendimento do termo democracia

é importante destacar a questão da maioria. Quando fazemos uma escolha, devemos entender que

mesmo seguindo o caminho trilhado por uma idéia que pode ser diferente da nossa predileta,

devemos ter em mente a importância de respeitarmos as minorias, ou seja, a relevância de

respeitarmos aqueles que não se tornaram vencedores. Esse grupo tem duas alternativas: juntar-se

aos ganhadores ou compor o que chamamos de oposição. Em um mundo democrático não nos basta

seguir as orientações do vencedor, mas sim estabelecermos as regras que garantam a sobrevivência

das minorias, ou melhor, que respeitem a diversidade de opiniões. O debate, as discussões e a

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possibilidade de haver uma oposição – que também respeite as regras – é fundamental para a

sobrevivência de um regime democrático. Devemos ter em mente que a minoria de hoje pode se

tornar a maioria amanhã, e essa é uma das principais características da democracia: garantir a todos

a chance de expor suas idéias e convencer a sociedade, por meios previstos em lei, que sua idéia é

relevante e pode ser apoiada.

Esse é um dos motivos que nos leva a afirmar que a democracia é preferível em relação a qualquer

outro tipo de regime. A liberdade de expressão, a possibilidade de formar oposição e ser igualmente

respeitado, cultiva em nós cidadãos a crença de que sempre teremos a oportunidade de expressar a

nossa opinião sem sofrermos agressões. A possibilidade de nos expressarmos, e assim construirmos

um mundo democrático, não basta ser garantida na política. Devemos promover essa ação em

nossos lares, em nossos empregos e junto de nossos amigos. O debate, a discussão e o confronto

sadio de idéias são indispensáveis para o nosso desenvolvimento enquanto cidadãos.

Mas vamos voltar para a discussão a respeito da democracia. Nesse caso, vamos nos concentrar em

seu significado para o mundo político. Aprendemos na escola, e ouvimos até hoje, que a democracia

nasceu na Grécia Antiga, há cerca de vinte e cinco séculos atrás. Mas é importante mostrarmos

como o significado desse termo muda ao longo desse tempo. O que se considerou a primeira

experiência democrática é bastante diferente daquilo que entendemos por democracia atualmente.

Faremos aqui um breve histórico, e mostraremos como, ainda hoje, o nosso entendimento sobre o

que é democracia continua mudando.

A Grécia Clássica não era uma nação tal qual entendemos hoje. Era, na verdade, um conglomerado

de cidades, chamadas de cidades-estado. Uma dessas cidades, ou pólis (usando o termo em grego),

era Atenas. Essa talvez tenha sido a mais importante e destacada cidade da Grécia Antiga. É lá que

surgiu a experiência de democracia sobre a qual nos apoiamos hoje. Lá, os cidadãos discutiam os

assuntos públicos em uma praça (Ágora) e a maioria presente definia os rumos que seriam tomados

dali em diante. O grande detalhe é que nem todos os sujeitos que viviam em Atenas eram

considerados cidadãos, ou seja, nem todos tinham o direito de participar dessas reuniões públicas.

Os cidadãos atenienses eram homens, ou seja, as mulheres não tinham o direito de participar. Além

disso, os jovens também não tinham voz ativa, assim como os escravos – que compunham grande

parcela da população. Dessa forma, eram poucos os sujeitos que podiam discutir o futuro da vida

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pública. Ainda assim, a experiência é louvável, pois esse é o primeiro sistema que se tem notícia em

que existia uma possibilidade de debate. As decisões tomadas em praça pública não demandavam

representantes. Isso significa que o cidadão ateniense não escolhia um deputado, um senador ou um

vereador para lhe representar. As decisões eram tomadas por cada um dos cidadãos. Esse modelo de

democracia ficou conhecido como democracia direta, que representa uma forma de escolher /

administrar sem intermediários. Atualmente, a impossibilidade de implementação de um sistema

como esse é explicada, principalmente, por três razões: o enorme contingente de cidadãos existente

em um país, a extensão dos territórios nacionais e o tempo que seria gasto para se decidir algo.

A democracia representativa não pode ser entendida como uma resposta histórica às

impossibilidades geradas pela democracia direta, cuja experiência mais marcante e conhecida foi a

da Grécia Antiga. Isso porque a trajetória do conceito de democracia não é linear. No século XV, na

Suécia, foi criado um parlamento que dava a representantes do povo, da burguesia, do clero e da

nobreza voz num parlamento. Já no século XVII, funcionando com o intuito de limitar o poder

absolutista, a Europa experimentou uma série de experiências de separação dos poderes. Ocupando

lugar nos parlamentos estavam cidadãos eleitos para representar determinadas parcelas da

sociedade, na maioria das vezes as partes que tinham dinheiro ou propriedades. É dessa escolha que

nasce a idéia de democracia representativa, ou seja, o sujeito (eleitor) escolhe um representante para

ser sua voz no poder. Mas é interessante destacar que esse conceito nasceu ligado à posse. O

cidadão que tinha algo a perder, sob o ponto de vista econômico, tinha direito à escolha de

representantes, o restante era desprezado.

Iniciamos o século XX com a percepção de que não bastava mais pensarmos em representação de

determinadas classes no poder. A idéia de que deveria votar quem tinha algo a perder – sob o

aspecto econômico – foi deixada de lado. Passava a vigorar o sentimento de que todos os cidadãos

podiam contribuir para a construção do poder, e isso significa dizer que nenhum adulto deve ser

isentado do voto. Nasce a idéia do sufrágio universal (participação de todos). A mulher passa a

fazer parte da política, assim como os cidadãos das classes mais pobres. Atravessamos grande parte

do século XX sob a crença de que a forma representativa, desde que assegurada a liberdade de

participação de todos os cidadãos, era “ideal” para contemplarmos amplamente o conceito de

democracia.

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Após quase cem anos, chegamos ao fim do século XX acreditando na existência de uma crise dessa

forma representativa. Mas o que nos leva a esse tipo de percepção? Por uma série de motivos os

representantes já não conseguem mais identificar e atender todas as demandas da sociedade. As

exigências vêm se tornando mais complexas, e parece clara a necessidade de interatividade entre o

governo e a sociedade, ou seja, entre representantes e representados.

O conceito de democracia sofre então uma nova guinada em sua trajetória dinâmica. O sistema

representativo já não responde aos anseios da sociedade, mas a democracia direta parece inviável.

Como resultado, começa a se fortalecer o conceito de democracia participativa, com

características semidiretas, ou seja, não desconsidera os representantes, mas aproxima a sociedade

da arena decisória. De acordo com alguns teóricos, a democracia participativa passa a configurar-se

como um continuum entre a forma direta e a representativa. E cabe aos Estados Modernos criarem

mecanismos que viabilizem o estreitamento dessas relações.

Tais mecanismos podem ser divididos em dois grupos: os tradicionais e os alternativos. O primeiro

grupo está garantido, em parte ou integralmente, em quase todas as constituições democráticas do

mundo. São os referendos, os plebiscitos e as leis de iniciativa popular. Medidas inovadoras, no

entanto, surgiram e tornaram-se emblemáticas. O Brasil tornou-se um exemplo mundial no

desenvolvimento de ferramentas alternativas de participação com o Orçamento Participativo de

Porto Alegre (1989). A medida espalhou-se pelo país, e hoje centenas de governos – estaduais e

municipais – implementaram tais ferramentas em suas administrações. Em inúmeras localidades

também foram testadas, com sucesso, experiências de Gestão Participativa. Além de discutir os

investimentos, a sociedade passou a participar de reuniões que visavam democratizar o

gerenciamento de alguns serviços. Adicionalmente, centenas de Conselhos Gestores de Políticas

Públicas surgiram para discutir temas pontuais, dando aos governos diretrizes e idéias a respeito de

serviços específicos. Por fim, surgiram as Comissões de Legislação Participativa, uma iniciativa

inaugurada pela Câmara dos Deputados que, rapidamente, espalhou-se por dezenas de estados e

municípios. A idéia consiste em viabilizar a participação da sociedade nos trabalhos legislativos.

Outros países também se destacaram na criação de ferramentas dessa natureza. A Auditoria dos

Cidadãos sobre a Qualidade da Democracia, desenvolvida na Costa Rica, tem o intuito de medir

como a democracia funciona na vida cotidiana dos cidadãos e o que o governo pode fazer para

melhorar a qualidade do atendimento dos órgãos públicos; o Movimento Poder Cidadão na

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Argentina, onde a sociedade civil regula o funcionamento interno dos partidos, função antes

desenvolvida por agências estatais; a participação da comunidade na elaboração do orçamento

público na África do Sul, na Índia e em Israel; e a participação de entidades da sociedade civil no

processo constituinte da Tailândia em 1997.

O que todas essas experiências apontam é que a implementação de tais ferramentas demanda um

cuidadoso programa de educação política. Além disso, é importante destacar que a democracia não

é mais apenas um sinônimo de escolha, mas também de participação. Ao cidadão moderno já não

basta mais votar, ele tem que estar atento às ferramentas que o poder público coloca a sua

disposição para que lhe seja possível administrar parte daquilo que é seu. Se a sua cidade ou estado

não lhe concede canais de participação é hora de cobrar por isso também. A democracia, dinâmica e

inovadora, transcende o “simples” conceito de escolher, em um momento pontual, candidatos e

candidatas.

Bibliografia adicional

AVRITZER, Leonardo. “New Public Spheres in Brazil: Local Democracy and Deliberative Politics”. In.

www.democraciaparticipativa.org – 2001. No mesmo site existem outros trabalhos em português.

MONCLAIRE, Stéphane (coord.). A Constituição desejada. Brasília: Senado Federal - Centro Gráfico,

1991.

BENEVIDES, Maria Victória de M. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. São

Paulo: Editora Ática, 1991.

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1986.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Combatendo a corrupção eleitoral - Tramitação do primeiro Projeto de

Lei de Iniciativa Popular aprovado pelo Congresso Nacional. Brasília: Câmara dos Deputados, 2001.

COMISSÃO PERMANENTE DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA. Cartilha. Brasília, 2001.

DAGNINO, Evelina (org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

DAHL, Robert. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: EDUSP, 1997.

DAHL, Robert. Sobre a democracia. Brasília: UNB, 2001.

DIAS, Márcia Ribeiro. Sob o signo da vontade popular: o orçamento participativo e o dilema da Câmara

Municipal de Porto Alegre. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

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MUÇOUCAH, Paulo Sérgio de C. A participação popular no processo Constituinte. Caderno CEDEC 17,

São Paulo, 1991.

ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. “Relatório de Desenvolvimento Humano 2002”.

www.pnud.org.br – ONU – 2002.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

TEIXEIRA, Hélio Janny e SANTANA, Solange M. Remodelando a Gestão Pública. Ed. Edgard Blücher,

São Paulo, 1994.

TOURAINE, Alain. O que é a democracia? Petrópolis: Vozes, 1996.

WHITAKER, Francisco, COELHO, João Gilberto, MICHILES, Carlos, VIEIRA FILHO, Ammanuel,

VEIGA, Maria da Glória, PRADO, Regina. Cidadão Constituinte: a saga das emendas populares. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1989.

Aula 2 – A Divisão dos Poderes: os freios e contrapesos

Humberto Dantas

A idéia de divisão dos poderes nasce da necessidade de se dividir o poder absoluto e concentrado. O

objetivo, nesse caso, é contrapor as idéias absolutistas, que justificavam a concentração dos poderes

nas mãos de um soberano. Nesses casos, a vontade do soberano se confundia com a vontade do

Estado, exemplificada pela célebre frase de Luis XIV: l’Etat c’est moi (O Estado sou eu). Esta

concentração de poderes levou às arbitrariedades e ao abuso. Com a ascensão da burguesia o seu

fim foi determinado.

A história da separação dos poderes é a história da evolução da limitação do poder político. Tal

limitação pode ser entendida como uma doutrina, e considerações a seu respeito são feitas desde a

Grécia e Roma antigas. Em sua obra Política, Aristóteles defende a idéia de constituição média, ou

governo médio, no qual o equilíbrio entre das classes sociais é o principal objetivo. Já em Roma, a

idéia de constituição mista é retomada, mas com uma pequena diferença. Enquanto no primeiro

todas as classes têm acesso a todos os órgãos constitucionais, no segundo é utilizado um modelo

onde cada classe tem acesso ao órgão constitucional que lhe é destinado.

Ao longo da história a idéia de limitação de poder é desenvolvida principalmente na Inglaterra. O

modelo inglês serviria de inspiração à grande parte das nações democráticas modernas, dando início

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Curso de formação política

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ao que se entende por Estado de Direito ou Estado Constitucional – que tem como elemento

essencial a separação dos poderes.

Os principais teóricos da separação dos poderes foram o inglês Locke e o francês Montesquieu. O

primeiro acredita que “para que a lei seja imparcialmente aplicada é necessário que não sejam os

mesmos homens que a fazem, a aplica-la”, o que representa que os poderes Executivo e Legislativo

sejam separados. De acordo com o autor, o principal poder é o Legislativo e os demais devem estar

subordinados a ele. Locke ainda concebe um terceiro poder, atrelado ao Executivo, que é o Poder

Federativo. A incumbência desse é administrar o relacionamento com estrangeiros, com outras

comunidades, formar alianças e decidir sobre a guerra e a paz.

É Montesquieu, no entanto, o responsável pela inclusão expressa do poder de julgar dentre os

poderes fundamentais do Estado. Segundo o autor: “quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo

de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-

se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faça leis tirânicas para executa-las tiranicamente.

Também não haverá liberdade se o Poder de julgar não estiver separado do Legislativo e do

Executivo. Se estivesse junto do Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria

arbitrário: pois o juiz seria o legislador. Se estivesse junto do Executivo, o juiz poderia ter a força de

um opressor. Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou mesmo um corpo de principais ou

nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis (Legislativo); o de executar as

resoluções públicas (Executivo); e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares

(Judiciário)”.

Entretanto, é o temor dos americanos à tirania do legislativo – fortificado nas teorias vistas

anteriormente – que inspirou os federalistas (Madison, Hamilton e Jay) a construir um modelo de

separação de poderes que limitasse a força do Legislativo, equilibrando mais os poderes e

fortalecendo o poder Executivo. Nesse caso, os autores destacam: “para manter a separação dos

poderes, que todos assentam ser essencial à manutenção da liberdade, é de toda necessidade que

cada um deles tenha uma vontade própria; e, por conseqüência, que seja organizado de tal modo que

aqueles que o exercitam tenham a menor influência possível na nomeação dos depositários dos

outros poderes”.

Page 16: Consciencia politica

Curso de formação política

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Para os federalistas, a “desgraçada” supremacia do Poder Legislativo requer mecanismos de

equilíbrio, ou seja, um balanceamento no peso dos poderes. O Poder Legislativo deve ser dividido –

o que justifica a existência de duas casas (Senado e Câmara, por exemplo) – e o Executivo

fortificado. O veto é um dos principais exemplos dessa fortificação, senso possível ao Executivo

barrar decisões do Legislativo.

Foi também nos Estados Unidos que se concebeu força equilibrada ao Poder Judiciário. É a partir

de 1803 que passa a competir a esse Poder dizer o que é lei, ou seja, passa a competência desse

definir se os atos do Legislativo estão em conformidade com a Constituição – e podem ser

considerados leis – ou não. Afirmou-se assim o poder daquela corte para a declaração de

inconstitucionalidade de um ato legislativo, principiando o sistema de controle de

constitucionalidade.

Interessante notar que a partir de 1789 a separação dos poderes passa a ser considerada fundamental

em qualquer constituição. O artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão diz que

não há constituição em uma sociedade na qual a garantia dos direitos e a divisão dos poderes não

estejam asseguradas. Dessa forma, a separação dos poderes, enquanto técnica para a limitação do

poder é posta em prática nas Revoluções Liberais Burguesas dos séculos XVII e XVIII: Revolução

Gloriosa, na Inglaterra 1688/89, Independência Norte-Americana, em 1776, e Revolução Francesa,

1789 – em resposta aos abusos da concentração de poderes nas mãos do soberano, típica do

absolutismo da Idade Moderna.

O caso Brasileiro

A Carta Imperial de 1824 utilizava-se do princípio constitucional indispensável da divisão dos

poderes. O documento, no entanto, dividia os poderes da nação em quatro. Adicionou-se à clássica

tripartição o Poder Moderador, que conferia ao Imperador (chefe do Poder Executivo) o direito de

manter a independência, o equilíbrio e a harmonia dos demais poderes. Naturalmente, sua existência

desequilibrava por completo a relação entre os poderes.

Findado o Império, a primeira Constituição republicada do Brasil consagrou a tradicional tripartição

dos poderes, adotando o presidencialismo norte-americano no lugar da monarquia. Salvo alguns

pormenores de rigor jurídico, as demais constituições brasileiras surgidas até 1937 não alteraram de

forma significativa a clássica divisão de poderes.

Page 17: Consciencia politica

Curso de formação política

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Foi durante o governo Getúlio Vargas que experimentamos um novo desequilíbrio entre os poderes.

A Constituição de 1937 indica o presidente como autoridade suprema, estando em suas mãos o

direito de dissolver a Câmara dos Deputados em caso de não aprovação por aquele órgão de

medidas tomadas durante o estado de guerra ou emergência. A decisão do Judiciário de tornar

inconstitucional uma lei também foi enfraquecida, podendo o presidente solicitar o apoio do

parlamento para derrubar eventuais decisões contrárias dos juizes. Por fim, o Senado foi substituído

por um conselho de representantes estaduais e membros nomeados pelo presidente.

A retomada do modelo democrático em 1946 marca o reencontro com os preceitos constitucionais

da separação dos poderes. É importante registrar, no entanto, que a Constituição de 1967 introduziu

o instituto do decreto-lei, que conferiu competência legislativa plena ao chefe do Poder Executivo.

A Constituição de 1988, chamada de Constituição Cidadã, não inova ao enunciar a separação dos

poderes, reafirmando necessidade de independência e harmonia entre eles. Entretanto, alguns

detalhes fortalecem a inter-relação dos poderes: a possibilidade de edição de medidas provisórias

por parte do Executivo, o que lhe confere características legislativas; a concentração exagerada de

matérias reservadas ao legislativo federal, por força da repartição vertical entre União, estados e

municípios; e o reforço do Poder Judiciário e do Ministério Público na tutela dos interesses das mais

diferentes naturezas.

O sistema de freios e contrapesos (check and balances)

Não podemos, no entanto, falar em divisão de poderes sem entender o que significa o sistema de

freios e contrapesos (check and balances). O balance surge na Inglaterra a partir da ação da Câmara

dos Lordes (nobreza e clero) equilibrando os projetos de leis oriundos da Câmara dos Comuns

(povo), a fim de evitar que leis demagogas, ou formuladas pelo impulso momentâneo de pressões

populares, fossem aprovadas. Nesse caso, o objetivo implícito era conter o povo. Montesquieu, no

entanto, defende a existência de duas Câmaras, mas lembra que ambas devem ter o direito de frear

os impulsos advindos da outra. Dessa forma, adaptando para o caso brasileiro, o Senado tem o

direito de apreciar as matérias da Câmara, e vice-versa.

Na evolução do modelo político inglês podem ser identificadas outras duas formas de freios e

contrapesos: o veto e o impeachment. O primeiro representa o direito do Executivo de impedir

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Curso de formação política

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algumas decisões do Legislativo. O segundo é o mecanismo jurídico que permite o controle do

Legislativo sobre os atos do Executivo, lembrando que Fernando Collor de Mello foi o primeiro

caso de impeachment no mundo. Em ambos os casos não há sobreposição de funções, apenas

controle de um poder sobre o outro. O conceito de check surge nos Estados Unidos relacionado ao

controle do Judiciário sobre os outros poderes, limitando a ação pelo julgamento da

constitucionalidade das ações, como já discutimos.

A idéia de controle na Constituição de 1988 está prevista na relação entre todos os poderes. Os

controles podem ser divididos em controle de: cooperação – quando há co-participação obrigatória

de um Poder no exercício da função do outro; consentimento; fiscalização – quando há vigilância,

exame e/ou sindicância; e correção – quando o objetivo é exercer uma função tendo em vista sustar

ou desfazer atos praticados pelo outro Poder. Vale ressaltar que de acordo com a Constituição

brasileira todos os poderes exercem controle sobre os demais em funções específicas delimitadas

legalmente.

Diante do que apresentamos é importante destacarmos a importância da separação dos poderes,

como forma de garantir o funcionamento da nação dentro dos parâmetros de um Estado de Direito.

Além disso, com o intuito de frear ações impulsivas, é necessário destacar a função dos mecanismos

de interação entre esses poderes. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário têm funções específicas,

mas em todos os casos a influência dos demais é indispensável ao pleno funcionamento nacional.

- Texto baseado no artigo de Maurílio Maldonado, publicado em Revista Jurídica da

Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. MALDONADO, Maurílio. Separação dos Poderes

e Sistema de Freios e Contrapesos: desenvolvimento no Estado brasileiro. In. Revista Jurídica “9 de

Julho”, número 2, 2003, Procuradoria da Assembléia Legislativa do Estado e São Paulo.

Bibliografia adicional

ARISTÓTELES. Política. Brasília, Ed. UNB, 1993.

LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo, Vozes, 1987.

MADISON & HAMILTON & JAY. Os federalistas. Brasília, Ed. UNB, 1989.

MARTINS, Ives Granda da Silva. A separação de poderes no Brasil. Brasília, PrND, 1985.

METTENHEIM, Kurt Eberhart Von. A presidência brasileira e a separação dos poderes. São Paulo,

EAESP/FGV/NPP, 2001.

Page 19: Consciencia politica

Curso de formação política

19

MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo, Nova Cultural, 1994

PÁDUA, Marcílio. Defensor Pacis. Lisboa, Edições 77, 1993.

SALDANHA, Nelson. O estado moderno e a separação de poderes. São Paulo, Saraiva, 1987.

SILVA, Jorge Araken Faria da. Poderes de estado: funções atuação e relacionamento. Brasília,

Senado Federal, 1983.

SUORDEM, Fernando Paulo da Silva. O princípio da separação dos poderes e os novos

movimentos sociais: a administração pública no estado moderno entre as exigências da liberdade e

organização. Coimbra, Almedina, 1995.

VIANNA, Luiz Werneck (org.). A democracia e os três poderes no Brasil. Belo Horizonte, Ed.

UFMG, 2002.

Aula 3 - Parlamentarismo e Presidencialismo: sistemas de governo

Sérgio Praça

Presidencialismo e parlamentarismo são sistemas de governo. Fundamentalmente, são as duas

maneiras como as democracias modernas podem se organizar politicamente. A relação Executivo-

Legislativo é o principal fator que diferencia os dois sistemas. Dez anos depois da realização do

plebiscito que colocou o assunto à frente das discussões da ciência política, e quarenta após o

primeiro plebiscito nacional sobre o tema, o debate “parlamentarismo vs. presidencialismo”

continua pertinente para o caso brasileiro. Nosso presidencialismo sobreviveu. Democracias

parlamentaristas ainda são o sistema de governo de boa parte da população mundial. Quais

características diferenciam esses sistemas? Um funciona melhor do que o outro?

De acordo com classificação realizada por um grupo de cientistas políticos em 2000, as

democracias do mundo entre 1950-1990 estão divididas em três tipos: presidencialistas (44

regimes), parlamentaristas (54 regimes) e mistas (9 regimes). Ditaduras não são regimes

presidencialistas. Apenas as democracias foram consideradas. Entre 1946 e 1999, de acordo com os

mesmos estudiosos, 1 em cada 23 regimes presidencialistas se tornou uma ditadura, enquanto

apenas 1 em cada 58 regimes parlamentaristas sofreu o mesmo destino. Assim, democracias

presidencialistas têm uma expectativa de vida menor do que as parlamentaristas. Elencar as

características institucionais que diferenciam um regime do outro, a fim de obter explicações para

essa discrepância de longevidades, têm sido o objetivo de cientistas políticos principalmente

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durante a década de 90. Embora nenhuma resposta categórica tenha sido encontrada, a discussão

tem sido academicamente frutífera.

É importante levar em conta, antes de qualquer coisa, a limitação da divisão entre regimes

parlamentaristas e presidencialistas. Além da existência de sistemas mistos (ex: França, Portugal,

Finlândia etc.), há diferenças substanciais entre regimes com instituições aparentemente idênticas.

Por exemplo: Brasil e Estados Unidos são ambos países presidencialistas. No entanto, o presidente

norte-americano não pode indicar o ministro da Fazenda sem que seu nome seja aprovado pelo

Senado, enquanto o presidente brasileiro pode escolher livremente seu gabinete. Mas a relativa

simplificação que segue pretende apenas apresentar o leitor às três diferenças básicas entre

parlamentarismo e presidencialismo e a alguns aspectos referentes ao Brasil. Antes das diferenças,

algumas observações sobre um tipo intermediário de sistema.

O semi-presidencialismo

Vigente em países como França, Finlândia e Portugal, o semi-presidencialismo tem três

características básicas: a) o presidente é eleito por toda a população; b) o presidente tem poderes

consideráveis (por exemplo: dissolver o parlamento); c) o primeiro-ministro e gabinete têm poderes

executivos e só podem ficar nos cargos se o parlamento não se opuser a eles (ou seja, dependem da

confiança do parlamento. Isso significa que o parlamento pode tirar o ministério.)

Mas há um perigo: o presidente pode não ter maioria parlamentar. Assim, o primeiro-ministro pode

ser oposição ao presidente. Isso aconteceu na França entre 1986-1988, 1993-1995 e 1997-2002. Nas

duas ocasiões, o presidente era François Miterrand, da esquerda. E o primeiro-ministro pertencia à

direita. Em 1995, Jacques Chirac, da direita, foi eleito presidente. Até as eleições legislativas de 97,

o primeiro-ministro pertencia ao mesmo partido que ele. Mas em 97 a esquerda conseguiu maioria

no parlamento e apontou como primeiro-ministro o socialista Lionel Jospin. De 1958 até 2002, o

mandato do presidente era 7 anos. A partir do ano passado, tornou-se 5 anos.

Vejamos agora as três principais diferenças entre regimes parlamentaristas e presidencialistas:

No parlamentarismo, o Executivo depende da confiança do Legislativo. No presidencialismo,

o Executivo é independente do Legislativo. Enquanto no sistema presidencialista impera o

princípio republicano de separação de poderes, no parlamentarismo ocorre a fusão entre dois

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poderes: o Executivo e o Legislativo. Nos dois sistemas, o Judiciário é independente dos demais. O

que significa depender da confiança do Legislativo? Significa que, no parlamentarismo, o Executivo

tem necessariamente maioria no Legislativo (eleita ou formada por coalizões) – senão pode ser

derrubado através de uma moção de censura. Ou seja: a maioria dos deputados concorda, ao menos

tacitamente, com a figura do primeiro-ministro. O mesmo não ocorre no presidencialismo. Nos

Estados Unidos, por exemplo, onde os dois principais partidos são o de republicanos e os

democratas, é muito comum o presidente pertencer ao partido republicano e o Congresso ser

formado por uma maioria democrata. É o “governo dividido”.

Dessa diferença decorre algo que pode ser visto como uma vantagem do sistema presidencialista: o

incentivo à estabilidade. Salvo raríssimas exceções, o presidente não pode ser derrubado pelo

parlamento. Seu mandato é fixo, assim como os dos deputados. Na França, onde há um regime

misto (alguns autores chamam de semi-presidencialista, outros de semi-parlamentarista...), foram

formados 29 governos diferentes entre 1946 e 1958, período que englobou a 4a República Francesa.

Por outro lado, há quem considere o mandato fixo uma “rigidez excessiva”, a qual não permite que

um Executivo possivelmente aquém dos desafios delegados a ele pela população, e que se torna

impopular, seja rapidamente substituído.

No parlamentarismo, o chefe do Executivo é escolhido pelo Legislativo. No presidencialismo, o

chefe do Executivo é eleito diretamente pelo povo. Como é escolhido um primeiro-ministro

(chefe do Executivo em regimes parlamentaristas)? Existe alguma variação entre os diversos países

que adotam o parlamentarismo, mas é sempre a composição do Legislativo que determina quem é o

primeiro-ministro. Na Inglaterra, onde é adotado um sistema bipartidário, o primeiro-ministro é o

líder do partido mais votado nas eleições. Ele é apontado formalmente pelo rei ou rainha e seu nome

é ratificado pelo parlamento – daí o termo “parlamentarismo monárquico”. No presidencialismo, a

escolha do chefe do Executivo é mais pessoal. A população vota diretamente em candidatos que, às

vezes, possuem fracos vínculos partidários – no Brasil, dois exemplos clássicos são Jânio Quadros

(PTN) e Fernando Collor de Mello (PRN).

Nos Estados Unidos, o povo vota diretamente em delegados partidários que compõem o colégio

eleitoral do país. Para ser declarado presidente, o candidato precisa somar 270 dos 538 votos de

delegados no colégio eleitoral. Como a legislação que rege essa eleição é estadual, as regras para a

escolha de delegados variam de um estado para o outro, mas, em geral, seguem o seguinte critério:

Page 22: Consciencia politica

Curso de formação política

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cada partido indica um número de delegados proporcional às bancadas de deputados e senadores do

estado.

No parlamentarismo, o gabinete do Executivo é colegiado. No presidencialismo, o Executivo é

unipessoal (presidente). Essa diferença é um pouco polêmica. Pressupõe-se o seguinte. Em

regimes parlamentaristas, o primeiro-ministro não é chefe dos outros ministros. Precisa consultá-los

antes de tomar decisões importantes. (Novamente, existem variações de grau entre os diversos

países que adotam o sistema parlamentarista.) Ao contrário, em regimes presidencialistas, o

presidente é quem importa de fato. As decisões dos outros ministros são subordinadas a ele, que as

aprova ou não. Os ministros atuam como agentes do presidente. É, portanto, um sistema muito mais

centralizado do que o parlamentarista.

Esse ponto pode ser usado como argumento contra o presidencialismo. Por ser um sistema no qual

“o vencedor leva tudo” (ou seja, o presidente e seu partido ganham todos os cargos do Executivo

nas eleições), é considerado menos inclusivo do que o parlamentarismo, sistema no qual coalizões

de governo seriam indispensáveis para a formação de uma maioria no Legislativo (exceto quando o

sistema é bipartidário). Porém, a lógica não é tão simples. Em países presidencialistas nos quais

existem mais de dois partidos (como o Brasil), coalizões de governo são praticamente

indispensáveis. O presidente distribui ministérios para os partidos mais propensos a lhe apoiar no

Legislativo.

Como se vê, as mesmas diferenças institucionais entre os sistemas podem ser vistas como vantagens

e desvantagens tanto do presidencialismo quanto do parlamentarismo.

A experiência brasileira

Na monarquia, tínhamos um regime parlamentarista, mas o Imperador dispunha do "Poder

Moderador", o que lhe permitia até nomear primeiros ministros que não dispusessem do apoio da

maioria parlamentar. Era o chamado “parlamentarismo às avessas”.

O parlamentarismo que vigorou no Brasil de setembro de 1961 a janeiro de 1963 foi uma

experiência sem igual em nossa democracia. Foi estabelecido para resolver o impasse político

criado pelos ministros militares que, com a renúncia de Jânio Quadros (PTN), em agosto de 1961,

tentaram impedir a posse do vice-presidente, João Goulart (PTB). Alegavam que suas vinculações

políticas com os sindicatos e grupos de esquerda colocavam em risco a segurança do Brasil.

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Primeiramente, os ministros militares tentaram obter o apoio do Congresso para o seu veto.

Queriam que fosse votado o impeachment de Goulart por “razões de segurança nacional”. Mas os

partidos não concordaram com esse golpe. Os grupos nacionalistas, sob a liderança de Leonel

Brizola (então governador do Rio Grande do Sul), formaram a Cadeia da Legalidade, com o

objetivo de garantir a posse de Goulart. Com a grande maioria contra o veto à posse de Goulart, o

Congresso articulou uma solução temporária para a crise: a implementação do parlamentarismo.

Temporária porque a mudança de regime teria de ser submetida a um plebiscito (um referendo, na

verdade) nove meses antes do fim do mandato de Goulart, em março de 1965. Porém, foi

antecipado para janeiro de 1963.

No período de 16 meses que durou o parlamentarismo, foram formados três gabinetes. O primeiro,

de setembro de 1961 a junho de 1962, teve Tancredo Neves como primeiro-ministro. O segundo

gabinete, que durou de julho a setembro de 1962, foi comandado pelo ministro Brochado da Rocha.

O último gabinete teve como primeiro-ministro Hermes Lima.

Apenas o primeiro gabinete consistiu em uma tentativa de estabelecer um governo parlamentarista

propriamente dito. Os outros dois funcionaram sob a liderança do presidente Goulart e tiveram

como prioridade o restabelecimento do presidencialismo - sacramentado pela consulta popular feita

em 6 de janeiro de 1963. O resultado final, com 40% de abstenção, foi: 9.457.448 eleitores a favor

do presidencialismo, 2.073.582 contra. Ou seja, 76,9% do eleitorado respondeu não à emenda

constitucional que criou o parlamentarismo em 1961.

Durante a Assembléia Constituinte no fim da década de 80, houve um grande debate a respeito do

regime político a ser instalado na Constituição. Em março de 88, houve a votação final. O

presidencialismo teve 344 votos e o parlamentarismo 212 votos. Mas ficou decidido também que a

decisão final sobre o sistema de governo brasileiro seria decidida em um plebiscito, a ser realizado

cinco anos depois, em 1993. Novamente, venceu o presidencialismo: 37.156.884 a favor (55,45%) e

16.518.028 (24,65%) eleitores contra o presidencialismo.

Bibliografia adicional

CHEIBUB, J. A. & LIMONGI, F. “Democratic Institutions and Regime Survival: Parliamentary

and Presidential Democracies Reconsidered”. Mimeo, s.d.

HUBER, J. Rationalizing Parliament. Cambridge University Press, 1996.

LAMOUNIER, B. (org.) A opção parlamentarista. IDESP/Sumaré, 1991.

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Curso de formação política

24

PRZEWORSKI, A., ALVAREZ, M. CHEIBUB, J. A. & LIMONGI, F. Democracy and

Development: Political Institutions and Well Being in the World, 1950-1990. Cambridge

University Press, 2000.

SHUGART, M. & CAREY, J. Presidents and Assemblies: Constitutional Design and Electoral

Dynamics. Cambridge University Press, 1992.

Aula 4 - Uma Introdução ao Federalismo e o Caso Brasileiro

Marcello Simão Branco

É possível distinguir duas maneiras diferentes e complementares de se entender o federalismo. Numa

acepção mais imediata, o identificamos com seu lado institucional, dividindo internamente o território de

um país (em estados, por exemplo), para permitir uma convivência mais pacífica e funcional. Mas há

também a acepção do federalismo como uma forma de visão global da sociedade.

Se o primeiro aspecto não é controvertido porque se baseia na teoria do Estado federal, ele não deixa de

ser redutivo. Pois, de um lado, o conhecimento do Estado não é completo, se não se levam em

consideração as características da sociedade, que permitem manter e fazer funcionar as instituições

políticas. Portanto, se o Estado federal é aquele dotado de certas peculiaridades próprias, que o tornam

diferente de outros tipos de Estado, devemos entender que os comportamentos daqueles que vivem neste

tipo de organização política, tenham também um caráter federal. Assim, é possível identificar o

comportamento federalista na Europa, durante os séculos XVIII, XIX e começo do XX, como uma forma

de se contrapor a Estados absolutistas e autoritários. Juntamente com o socialismo e o liberalismo, o

federalismo também foi um movimento sócio-político de relevo que ajudou a modificar a estrutura de

vários estados nacionais daquela época até hoje.

Já do ponto de vista institucional, é importante observar que as teorias e práticas federais foram ganhando

espaço em contraponto com outra organização descentralizada de poder, o confederacionismo. Isso

aconteceu principalmente em decorrência da dificuldade de estabilizar uma unidade territorial num

contexto de subunidades territoriais soberanas, ligadas por vínculos muito tênues.

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Assim, temos nas confederações estados independentes que se unem em torno de alguns objetivos em

comum para uma forma centralizada de poder, sem que percam, contudo, sua independência como

entidades políticas soberanas. Já com o federalismo, podemos ter Estados que também se unem em torno

de um centro de poder comum, mas aí eles abdicam de sua soberania, que passa a ser do novo Estado

federal que os reúne.

Outro aspecto relevante é que nas confederações a esfera de poder central se estende até às suas unidades

constituintes. Já no federalismo, a esfera do poder central se estende duplamente, para seus entes

constituintes e os cidadãos que os contém. Em outras palavras, em uma confederação o governo central só

se relaciona com Estados, cuja soberania permanece intacta, em uma Federação esta ação se estende aos

indivíduos, fazendo com que convivam dois entes estatais de estatura diversa, com a órbita de ação dos

Estados definida pela Constituição da União.

É importante também distinguir duas tendências de formação do federalismo. Uma onde o propósito é

“unir” e outra cujo objetivo é “manter unido”. O caso norte-americano se encaixaria no primeiro exemplo

e o brasileiro no segundo. No primeiro caso ocorre um ‘pacto federativo’, no qual unidades até então

soberanas, fazem uma intersecção de suas soberanias em um novo arranjo político que as centraliza em

uma única. Já no caso de dividir internamente o Estado, o objetivo é conceder autonomia às partes

constituintes. Este segundo caso tem sido aplicado com relativo êxito em países com problemas de

nacionalismo e diferenciação étnica e lingüística acentuada como, por exemplo, a Índia e mais

recentemente a Bélgica.

O mérito mais claro do federalismo está no campo das relações de organização e distribuição do poder,

mais do que em uma eventual eficácia econômica-administrativa. Existindo apenas dentro de um regime

político democrático, ele é o meio de organização territorial mais apropriado para garantir estabilidade e

legitimidade política aos governos dos Estados nacionais cujas sociedades são marcadas por grande

heterogeneidade de base territorial, cultural, lingüística, étnica ou religiosa. Seja um país muito extenso

territorialmente e/ou com grande diversidade étnica-linguística, a forma federada de divisão do poder

acomoda as tensões, reconhece e protege as diferenças e promove objetivos de convivência comum.

Em termos contemporâneos, contudo, temos visto com mais freqüência um Estado federal contrapor-se a

um Estado unitário, como meio de organização político-territorial nos mais diversos países. Em verdade, o

federalismo é pouco freqüente como forma de organização jurídico-administrativa. É limitado o número

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de países no mundo que são considerados federais: Estados Unidos, Canadá, Austrália, Áustria, Suíça,

Alemanha, Argentina, Brasil, México, Venezuela, Rússia, Índia, Nigéria, Paquistão e Malásia são os mais

habitualmente considerados. Entre eles, é possível separá-los entre os que têm um regime federativo sob

um regime democrático de longa data (América Anglo-Saxônica e países da Europa Ocidental), os da

América Latina, Ásia e África, marcados pelo subdesenvolvimento e seguidas rupturas institucionais ao

longo de suas histórias, e os do leste europeu, ex-socialistas. Outro aspecto digno de nota é que, entre os

países federais, encontram-se, em sua maioria, aqueles de maior extensão territorial do mundo – como a

Rússia, Canadá, Estados Unidos, Brasil, Austrália e Índia. Chama a atenção a exceção da China. Mas ela

pode ser explicada por uma razão básica: ela não é democrática, ao contrário dos outros países citados.

Brasil

O federalismo no Brasil foi adotado a partir da proclamação da República. Teve o objetivo de “manter

unido” o nosso vasto território, numa reivindicação que já existia com força desde o período monárquico.

República, abolicionismo e federalismo foram as três bandeiras políticas mais importantes durante o

século XIX.

Mas, como já ressaltado, um federalismo pleno só se efetiva sob um regime democrático. E as seguidas

rupturas institucionais que o país viveu durante o século passado tornariam difícil uma análise do

federalismo brasileiro, se nos detivéssemos em um modelo teórico idealizado. Assim, é possível entender

os diferentes momentos do federalismo brasileiro dentro de uma lógica gradualista, que leve em conta

momentos mais centralizados e outros mais descentralizados, do ponto de vista político, administrativo e

fiscal.

Durante os primeiros 30 anos da chamada República Velha havia poucos canais constitucionais de

comunicação entre as esferas de poder federal e estadual. A União e os estados ficavam isolados uns dos

outros politicamente. Apesar disso, o sistema fiscal era relativamente descentralizado, embora os recursos

da União fossem distribuídos de maneira desigual para os estados.

Este caráter de isolamento termina com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930. Mas não com

uma relação de complementaridade e sim de tutela, visto que o regime político não era democrático. Em

1932 acontece uma reforma eleitoral que aumenta a representação política dos estados menores em

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relação aos mais populosos, criando um dos problemas centrais do sistema eleitoral e do federalismo

brasileiro: a super-representação dos menores Estados no Congresso Nacional. Neste período o governo

federal passa a regular as relações fiscais externas e entre os estados. Ao negar às oligarquias regionais o

direito de decidir sobre um dos mais importantes aspectos de sua vida econômica, o governo pavimentou

o caminho para a industrialização, por meio da uniformização das regras fiscais.

Esta tendência centralizadora mudou parcialmente com a redemocratização de 1945, quando foi adotada

uma nova Constituição no ano seguinte. Os recursos para os municípios foram ampliados, com o objetivo

de diminuir sua dependência dos Estados. Essa constituição foi, ao mesmo tempo, centralizadora a favor

do governo federal e localista, porque transferiu vários impostos estaduais para os municípios e por fazer

com que os estados passassem a transferir parte de seus impostos para os municípios.

Já em 1964 tivemos o golpe militar que instaurou a mais fechada ditadura da história brasileira. Em termos

estritamente políticos, é possível afirmar que ao menos até 1974, o federalismo deixou de existir no país.

O grau de centralização política e fiscal foi imenso, numa forma de garantir a sobrevivência do regime e

arrecadar recursos financeiros para a União. Em um segundo momento, a centralização política diminui

um pouco, para se livrar de lideranças políticas conservadoras, que não serviam mais aos propósitos do

regime - que agora procurava gradualmente cooptar lideranças políticas mais moderadas. Isso teve efeitos

fiscais e administrativos, com a União repassando mais recursos para os estados e os municípios através de

fundos de participação e impostos sobre circulação de mercadorias.

Com a redemocratização de 1985 e a promulgação da nova Constituição de 1988, o federalismo emerge

novamente com força, do ponto de vista social, político e fiscal. Vários impostos federais foram

transferidos para os estados, aumentando suas bases tributárias, em especial a do seu principal imposto, o

ICMS. A segunda forma de aumento das receitas sub-nacionais se deu pelo incremento do porcentual das

transferências dos impostos federais que constituem os fundos de participação. A esta descentralização

fiscal, manteve-se a tradição de reter grande parte do monopólio legislativo na esfera federal, limitando a

capacidade dos estados de adotarem políticas próprias. Um problema que permanece é o da super-

representação dos estados menos populosos e desenvolvidos, embora ela possa ser entendida como um

meio para o amortecimento das clivagens regionais e para o funcionamento mais equilibrado das relações

entre os estados, dada a grande disparidade de poderio econômico entre o Sudeste e o Nordeste, por

exemplo.

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Curso de formação política

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Um segundo momento do federalismo brasileiro atual está relacionado com a adoção do Plano Real, de

estabilização econômica, em 1994. Estando ancorada numa política de juros altos, vem promovendo

mudanças sensíveis no arranjo federativo, porque ocorre uma recentralização dos recursos. Mesmo no

começo do governo Lula, esta questão continua em aberto, demandando uma reforma tributária que

permita um novo rearranjo fiscal para a distribuição dos recursos federais, além de permitir mecanismos

próprios de receita para as unidades sub-nacionais.

Bibliografia adicional:

KUGELMAS, Eduardo e SOLA, Lourdes (2000). “Recentralização/Descentralização: Dinâmica do

Regime Federativo no Brasil dos Anos 90”, Tempo Social, vol. 11, no. 2, fevereiro.

KUGELMAS, Eduardo e BRANCO, Marcello Simão (2002). “Os Governos Subnacionais e a Nova

Realidade do Federalismo”, Gestão Pública Estratégica de Governos Subnacionais Frente aos Processos

de Inserção Internacional e Integração Latino-Americana – Relatório Final, Cedec-PUC (SP) para

Projeto Temático da Fapesp, dezembro.

LEVI, Lucio (1983). “Federalismo”, Dicionário de Política, Norberto Bobbio, Nicolla Matteucci e

Gianfranco Pasquino, editores. Editora Universidade de Brasília, quarta edição.

SOUZA, Celina (2001). “Federalismo e Gasto Social no Brasil: Tensões e Tendências”, Lua Nova, Cedec.

STEPAN, Alfred (1999). “Para uma Nova Análise Comparativa do Federalismo e da Democracia:

Federações que Restringem ou Ampliam o Poder do Demos”, Dados, vol. 42, no. 2, Iuperj.

Aula 5 - A Participação Política no Brasil

Tatiana Braz Ribeiral

Em meados do século XIX votar era um símbolo de status no país. A lista do excluídos da

participação política era grande e incluía mulheres, jovens, escravos, pracinhas, padres e detentos.

Na verdade, o principal critério de exclusão política era mesmo a renda. Ser cidadão significava ter

dinheiro e, portanto, ter direito a opinar nos gastos públicos. Como herança do liberalismo político,

no mundo ocidental somente os abastados poderiam participar das escolhas políticas da sociedade,

no Brasil eram chamados de cidadãos-votantes.

Não podemos nos esquecer que nosso país foi o último país de todas as Américas a decretar o fim

da escravidão, permanecendo por muito tempo com toda a população negra e mestiça distanciada de

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Curso de formação política

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qualquer expressão política institucionalizada. Historicamente, passamos por muitas transformações

até alcançarmos o direito ao voto livre, secreto e universal. Tivemos também avanços no Império.

Não podemos nos esquecer que éramos um país Colônia de Portugal, isto significava total controle

político sobre as nossas riquezas, rendas, manifestações políticas ou organização administrativa.

Com a Independência em 1822, precisávamos ainda nos definir enquanto país, seu território e sua

identidade. No primeiro período foi necessária a organização de todo o sistema representativo e a

constituição de um Estado genuinamente brasileiro. Não é difícil supor que qualquer manifestação

política no Brasil Colonial tenha sido violentamente reprimida. Durante toda a fase imperial, pós-

independência, mesmo com direitos políticos muito limitados, o avanço foi em direção à

organização dos poderes e das funções estatais. Como dito anteriormente, no Império, o voto era

censitário e símbolo de status e prestígio social. A participação eleitoral somente poderia realizar-se

uma vez comprovada as posses e rendas do cidadão-votante.

Conquistamos a Independência e durante toda a fase imperial, mesmo com direitos políticos muito

limitados, o avanço foi em direção à organização dos poderes e das funções estatais. Gradualmente,

as regras que definiam o direito de votar e ser votado foram sendo ampliadas. No entanto, a

conquista da cidadania e o avanço dos direitos políticos esbarravam na escravidão e nos altíssimos

índices de analfabetismo.

Com a República Velha algumas mudanças foram introduzidas. Entre elas estaria a o fim do voto

censitário e a conseqüente ampliação do sufrágio masculino. A fraude no jogo eleitoral tomou o seu

contorno mais impressionante da História. Vários foram os mecanismos de manipulação do

resultado das consultas populares. Devido às constantes e violentas modificações na condução do

jogo eleitoral expressões como “voto de cabresto” e “bico de pena” marcaram toda a Primeira

República. A ampliação do sufrágio caracterizou o voto como moeda de troca entre os chefes locais

e a “Política Café com Leite”. Era o tempo dos coronéis e das inúmeras fraudes na apuração e

definição dos representantes no poder.

Caminhando em direção ao fim dos anos vinte, já encontramos o país com uma fisionomia um

pouco diferente. Nesta época, já existiam importantes centros urbanos no país, com indústrias

têxteis, alimentícias e sindicatos. Isto significava uma maior complexidade àquela estrutura rural do

voto de cabresto. A conquista agora dirigia-se para a moralização da política e das suas formas de

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Curso de formação política

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representação. A bandeira da moralização do sistema representativo foi levantada com os

movimentos dos anos 30. Depois do período chamado de Revolução de 30 vieram o voto secreto e o

voto feminino, além da criação da Justiça Eleitoral em 1932.

Quinze anos de ditadura interromperam a organização política institucionalizada em partidos e

agremiações políticas, bem como as manifestações da sociedade civil organizada. Com a

implantação do Estado Novo, em 1937, houve o único hiato na nossa trajetória partidária. Até 1945,

a administração dos estados e municípios era realizada por meio de interventorias diretamente

controladas pela organização burocrática criada por Getúlio Vargas. Algumas manifestações

populares foram estimuladas durante o período. As características mais marcantes do populismo

latino-americano estiveram presentes no período com os grandes comícios nos principais centros

urbanos do país, nos veículos de propaganda poderosos como as “conversas ao pé do rádio”, e no

controle e intervenção estatal nas organizações sindicais e de sociedade civil.

Em meio a uma política contraditória de repressão política e interventorias nos estados, o processo

de organização do poder foi permeado por políticas centralizadoras de qualquer controle da

organização sindical. Embora sem expressão política livre, o trabalhador teve suas férias

regulamentadas, salário mínimo definido e décimo terceiro salário. De inspiração fascista, foi criada

em 1942, a CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas. Os principais direitos sociais haviam sido

definidos no país, sempre com o controle autoritário do Estado, com o Congresso Nacional fechado

e a participação política sufocada.

No período entre 1946 e 1964, os partidos políticos puderam se organizar novamente, agora em

amplas bases nacionais. O sistema eleitoral e as regras de condução do jogo político ainda estavam

sendo institucionalizados. A Justiça Eleitoral precisava crescer para abraçar todas as transformações

sociais sofridas no país, migrações internas, urbanização e um crescimento populacional

vertiginoso.

Com a redemocratização, o Decreto Lei nº7.586 de 1945, estabeleceu o monopólio da representação

política por meio dos partidos políticos. A partir de então, todo e qualquer candidato a algum cargo

público deveria ser filiado a algum partido político que deveria ter caráter nacional. Os principais

partidos do período foram: a UDN (União Democrática Nacional), de oposição à influência

varguista; o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), ligado ao sindicalismo criado por Getúlio; e o

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Curso de formação política

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PSD (Partido Social Democrático), herdeiro das interventorias do Estado Novo. O Partido

Comunista Brasileiro (PCB), foi recriado em 1945, logo cassado em 1947, tendo os seus

parlamentares eleitos em dezembro do ano de sua recriação o mandato cancelado logo em 08 de

janeiro de 1948.

Foi no período de 1946 a 1964 que a participação do povo na política mais cresceu, tanto pelo lado

das eleições como da ação política organizada em partidos, sindicatos, ligas camponesas e outras

associações. O aumento da participação eleitoral pode ser demonstrado pelos números que se

seguem. Em 1930, os votantes não passavam de 5,6% da população. Na eleição presidencial de

1945, chegaram a 13,4%, ultrapassando, pela primeira vez, o contingente de 1872. Em 1950, já

foram 15,9%, e em 1960, 18%. Em números absolutos, os votantes saltaram de 1,8 milhão em 1930

para 12,5 milhões em 1960. Nas eleições legislativas de 1962, as últimas antes do golpe de 1964,

votaram 14,7 milhões de brasileiros. O número de eleitores inscritos era em geral 20% acima do dos

votantes, devido à abstenção que sempre existia, apesar do voto obrigatório. Em 1962, por exemplo,

o eleitorado era de 18,5 milhões, correspondente a 26% da população total.

Em 1964, havia uma considerável identificação partidária por parte da população. No total, quase

2/3 do eleitorado das principais capitais brasileiras era capaz de identificar um partido político de

sua preferência. Isto às vésperas do Golpe Militar. Talvez tal identificação, além do

desenvolvimento de movimentos sociais importantes nos grandes centros urbanos, indicando uma

politização crescente do brasileiro, possa também de alguma forma se associar aos diversos

estímulos às manifestações públicas, divulgações oficiais dos comícios nas rádios e emissoras do

governo e, de uma insipiente regulamentação das propagandas políticas no país.

O Segundo Ato Institucional (AI 2), de 1965, cancelou o registro de todos os partidos políticos e

estabeleceu o bipartidarismo no país. Eram tempos de ditadura militar (1964-1985), no qual toda

forma de organização de poder ficou condicionada a apenas duas agremiações: o MDB (Movimento

Democrático Brasileiro), e a ARENA (Aliança Renovadora Nacional). Neste período, os partidos

políticos representavam apenas manifestações artificiais das demandas da sociedade, uma vez que

nenhum verdadeiro movimento de contestação ao regime foi aceito.

O retorno à democracia foi “lento e gradual”, realizado por meio de um efetivo controle do regime

militar. O fim do bipartidarismo foi estabelecido em 1979, e um ano depois novas organizações

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partidárias surgiram, entre elas o Partido dos Trabalhadores (PT), advindo do movimento sindical

do ABC paulista.

Os anos iniciais da década de 1980 consagraram a transição para o regime democrático. Partidos

políticos foram constituídos e alcançaram o direito de participar das disputas eleitorais, e o quadro

político brasileiro tornou-se mais complexo e representativo da sociedade. Entretanto, a principal

conquista para a democracia ainda não havia sido alcançada: a plena recuperação do direito ao voto.

As primeiras eleições para Presidente da República só viriam mesmo acontecer em 1989.

As antigas legendas da Nova República não sobreviveram ao longo período do regime militar e

novos partidos políticos com outras bases sociais nasceram com a década de 80. Os pequenos

partidos foram excluídos, sobrevivendo apenas o PDS (Partido Democrático Nacional), herdeiro

direto da ARENA; o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), sucessor do antigo

MDB e o Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB, inicialmente ligado a um trabalhismo moderado.

Gravitando ao redor de outro importante líder do trabalhismo getulista foi criado o PDT (Partido

Democrático Trabalhista), organizado em torno da liderança de Leonel Brizola e Saturnino Braga.

Em 1984, já havíamos participado de um importante movimento de participação popular chamado

“Diretas-Já”. Assim foi definida a mobilização por todo o país para que houvesse eleições diretas no

país, o que só foi ocorrer cinco anos depois. Mesmo no Regime Militar, várias eleições foram

realizadas, mas sempre com a constante mudança de regras para o favorecimento das forças

armadas no poder. Anos em que qualquer crítica ao sistema militar, no plano da literatura, música,

cinema, política ou mobilização social de qualquer ordem era duramente reprimida. Estávamos com

olhos e bocas atados.

Uma nova redefinição do sistema partidário foi estruturada nos anos seguintes. Em 1985, com o

objetivo de livrar-se da identificação com o regime militar novas legendas foram criadas, surgindo o

PFL (Partido da Frente Liberal) e o PL (Partido Liberal), dissidentes diretos do antigo PDS. Foi

também no mesmo ano que o analfabeto readquiriu no país o direito ao voto, suspenso com a Lei

Saraiva em 1881. No mesmo ano, ressurgem os partidos de esquerda doutrinária como PCB, o

chamado “partidão” comunista, o PC do B (Partido Comunista do Brasil) e o PSB (Partido

Socialista Brasileiro), além de legendas formadas por cidadãos anônimos.

Page 33: Consciencia politica

Curso de formação política

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Em 1988, de uma cisão do PMDB, nasceu o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Outros partidos políticos como o PPB (Partido Progressista Brasileiro), hoje Partido Progressista

(PP), e o PPS (Partidos Popular Socialista, antigo PCB) vão configurar-se somente nos anos 90. Foi

neste período que o sistema partidário passou novamente por importantes transformações. Os

principais partidos continuavam surgindo de cisões dos antigos partidos instituídos durante o

período militar, acarretando uma organização com 22 partidos em 1990 e cerca de 30 no ano de

2003.

A nossa História de participação popular tem capítulos importantes. As eleições de 1989

representaram um resgate da participação e escolha direta do Presidente da República no país. A

comoção no país foi grande e a participação política intensa. Eleito com 35 milhões de votos e

apenas 40 anos, o mais jovem Presidente da República, Fernando Collor de Melo foi também o

primeiro brasileiro a ser eleito democraticamente após todo o Regime Militar. Em 1992, com uma

administração caótica mesclando uma política econômica baseada no confisco e na desconfiança,

escândalos de corrupção e má gestão pública, Collor sofreu o primeiro processo de impeachment de

toda a História Republicana. A geração dos “cara-pintada” saiu as ruas e, numa reação ao clamor

presidencial do “Não me deixem só”, em que o então Presidente pediu para que o povo se vestisse

de verde-amarelo, o luto se generalizou pelo país. A cor preta tomou as principais capitais, e as

manifestações contra a corrupção assumiram dimensões impressionantes. Em São Paulo, 120 mil

tomaram o Anhangabaú. Em Brasília, 100 mil pessoas foram para frente do Congresso Nacional,

somando 500 mil manifestantes em 17 cidades do país. O impeachment interrompeu o primeiro

governo eleito democraticamente em 29 anos. Na campanha, o “caçador de marajás” anunciou que

derrubaria a inflação com um golpe. Sou derrubado pela por políticos, pela imprensa e por eleitores

inconformados com a corrupção no país.

Depois do Brasil, outros países afastaram o seu presidente por um processo de impeachment. Foi

comum a estratégia da renúncia do mandato antes da cassação do presidente, o caso clássico foi do

Presidente Nixon, em 1974, nos Estados Unidos. A concretização do processo de expulsão ocorreu

em 1997, com o Presidente Abdalá Bucaram (Equador), afastado por incapacidade mental. E

também, em 1993, na Venezuela, quando o Presidente Carlos Andrés Perez foi afastado do poder e

preso um ano depois por envolvimento em corrupção.

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Curso de formação política

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Em 2002, nas últimas eleições para Presidente da República, governadores, senadores, deputados

federais e estaduais somaram 91 milhões de votos válidos, em um universo de 115 milhões de

eleitores. Embora com índices de abstenção por volta de 20%, temos hoje no Brasil uma

democracia consolidada, com uma estrutura tecnológica de ponta no cadastramento e apuração

eleitoral. Formalmente organizada, com uma das maiores economias do mundo, a democracia

brasileira convive com índices vergonhosos de distribuição de renda e de escolaridade. A via

eleitoral e democrática representa o único caminho para a resolução de nossos graves problemas

estruturais, no entanto não deve ocorrer sem um constante aprimoramento, e não há outra forma

senão a conscientização política e participação organizada da sociedade. Hoje temos total liberdade

de expressão, o mais importante é sabermos o que fazer com ela.

Bibliografia adicional

DUVERGER, Maurice; GUIMARÃES, Aquiles C. e PAIM, Antonio. Partidos Políticos e Sistemas

Eleitorais no Brasil: Estudo de Caso. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, c1982.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O Longo Caminho. Rio de Janeiro, Civilização

Brasileira, 2001.

FERREIRA, Manoel Rodrigues. A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro. Brasília, Senado

Federal, Conselho Editorial, 2001.

FLEISCHER, David. Manipulações Casuísticas do Sistema Eleitoral durante o Período Militar ou

Como Usualmente o Feitiço Volta Contra o Feiticeiro. Cadernos de Ciência Política. Brasília,

Fundação Universidade de Brasília, nº 10, 1994.

LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. Ed.Ver. Forense, Rio de Janeiro, 1948.

LIMA Jr, Olavo Brasil de. Democracia e Instituições Políticas no Brasil dos Anos 80, São Paulo,

Edições Loyola.1993.

NICOLAU, Jairo Marconi. História do Voto no Brasil. Jorge Zahar, São Paulo, 2002.

SADEK, Maria Teresa. A Justiça Eleitoral e a Consolidação da Democracia no Brasil. Ed

Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung. São Paulo,1995.

SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930-1964). São

Paulo, Alfa Omega, 1976.

Aula 6 - Os partidos políticos brasileiros

José Paulo Martins Jr.

Page 35: Consciencia politica

Curso de formação política

35

Os partidos políticos são as principais organizações políticas no mundo. Praticamente em todos os

países existem partidos, mesmo aqueles não democráticos.

O homem em sociedade sempre se reuniu em grupos. Podem ser grupos para o cultivo de um

campo, para caça, para a pesca, para produzir equipamentos e insumos, para prática de rituais, etc.

Na política, desde o surgimento do Estado, os homens também se reúnem em grupos. Durante boa

parte da história política da humanidade, os grupos políticos se reuniam em torno de alguma

liderança familiar, patriarcal ou de clã. Normalmente, a maioria dos homens estava excluída dos

negócios públicos e a política era realizada quase sempre em âmbito restrito.

Durante a idade média, os grupos políticos começaram a ganhar o nome de facção. Para os

estudiosos da política de então, a palavra facção era carregada de repulsa. Em toda a tradição do

pensamento político ocidental dificilmente se encontrará algum autor que não tenha adotado essa

perspectiva.

O termo partido entrou em uso substituindo a palavra facção, mas sem o peso negativo dessa última.

Lentamente, começou a se aceitar a idéia de que o partido não é necessariamente uma facção, que

não necessariamente um mal e que não perturba o bem-estar comum.

A passagem da facção para o partido foi lente e gradual, tanto no domínio das idéias, como no dos

fatos. No campo das idéias, os primeiros autores que começaram a diferenciar as duas noções foram

Voltaire, Montesquieu, Bolingbroke, Hume, Burke e os federalistas norte-americanos.

A transição da facção ao partido no campo dos fatos representa a passagem da intolerância para a

tolerância, desta para a dissensão, e da dissensão para a crença na diversidade. Eles foram aceitos na

política, mesmo com a relutância de muitos, mediante a compreensão de que a diversidade e a

dissensão não são necessariamente incompatíveis com a ordem política.

As facções podem ser entendidas como partes contra o todo e os partidos como partes do todo.

As principais funções dos partidos são a expressão, a canalização e a comunicação. Eles são canais

de expressão porque são organizações que representam o povo, expressando suas reivindicações.

Ao se desenvolverem, eles passaram a não transmitir ao povo os desejos da autoridades, mas antes

para transmitir às autoridades os desejos do povo. Eles se tornaram meios de expressão juntamente

com o processo de democratização da política. Os governos responsáveis se tornaram sensíveis

porque os partidos ofereceram os canais para articulação, comunicação e implementação das

demandas do governo.

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36

Os partidos também organizam a caótica vontade pública. Eles agregam e selecionam as políticas.

Mais do que expressar e refletir a opinião pública, eles a modelam e, em certo sentido, a

manipulam.

Além disso, são um canal de comunicação em dois sentidos: transmitem as demandas de baixo para

cima e de cima para baixo. Isso não quer dizer que eles sejam canais descendentes na mesma

medida em que são ascendentes.

Vários autores propõem definições bastante longas, que nem por isso se tornam uma sinopse de

uma descrição. Não é necessário dizer que definições complexas são extensas por definição. Deve-

se compreender que as classificações e tipologias também definem a classe “partido” com relação a

uma ou mais de suas propriedades. Em geral, os partidos são definidos em termos de i) atores, ii)

ações (atividades), iii) conseqüências (propósitos) e iv) campo. Mas os partidos também podem ser

definidos com respeito apenas à sua função, ou à sua estrutura, ou a ambas, ou à luz do esquema

input-output, e ainda de muitas outras maneiras.

Os partidos políticos são instituições básicas para a tradução das preferências das massas em

políticas públicas. (V.O. Key)

Um partido é um grupo cujos membros pretendem agir em concerto na luta competitiva pelo poder

político. (Schumpeter)

Um partido é um grupo que formula questões amplas e que apresenta candidatos às eleições.

(Lasswell e Kaplan)

Partido é qualquer organização que indique candidatos à eleição para uma assembléia eleita. (Riggs)

Partidos são organizações que têm o objetivo de colocar seus representantes declarados em posições

governamentais (Janda)

Partido é qualquer grupo político identificado com um rótulo oficial que apresente em eleições, e

seja capaz de colocar através de eleições (livres ou não), candidatos a cargos públicos. (Sartori)

O mecanismo de surgimento dos partidos políticos é simples. Em geral, eles surgiram a partir de

grupos parlamentares, seguidos da criação de comitês eleitorais.

Nos parlamentos inglês e francês e na nascente república da América do Norte, formaram-se

agrupamentos políticos em torno de questões de políticas públicas e condução do Estado.

No caso dos EUA, tratava-se de constituir um país novo. Com a ampliação do sufrágio, os grupos

parlamentares tiveram que criar instrumentos e estratégias para conquistar novos eleitores.

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Um desses mecanismo foi o comitê eleitoral. Foram os partidos de esquerda, os trabalhistas e

socialistas, que aderiram inicialmente por essa forma de conquistar novos eleitores. Parcelas

consideráveis dos novos eleitores, geralmente trabalhadores urbanos vindos do campo, foram

conquistados pelos partidos de esquerda. Isso forçou uma melhor organização dos partidos de

direita, que passaram também a criar comitês para cativar eleitores.

Nem todos os partidos surgem no parlamento, muitos partidos surgem antes no eleitorado, em

agrupamento e associações, tais como os sindicatos.

Faz diferença a maneira como cada partido surge. A origem dos partidos, seus valores e líderes

iniciais terão sempre algum significado, ainda que apenas simbólico.

O surgimento dos partidos políticos no Brasil difere bastante daqueles do EUA, Inglaterra e França.

Eles não surgiram na esteira da expansão do sufrágio ou para organizar classes para atingir o poder.

Eles nascem atrelados à estrutura do Estado, ligados umbilicalmente à estrutura do poder e

dependentes dela. Os sistemas de partidos no Brasil sofreram diversas alterações, quase sempre

controladas “de cima”.

As raízes dos partidos brasileiros surgem um pouco antes da independência política. Àquela época,

como até muitos anos depois, a palavra partido ou facção eram malvistas. O momento ainda era de

definição da identidade nacional e qualquer noção de parte era considerado ruim. Não obstante, nos

anos de 1821 e 1822, a imprensa nacional fazia inúmeras referências aos partidos e às facções pré-

partidárias. Durante tudo o Primeiro Reinado, esses proto-partidos foram se organizando em torno

dos temas da Constituinte de 1823. A outorga da Carta Constitucional em 1824 e a posterior

abdicação de Dom Pedro I, lançaram os partidos no penoso aprendizado da mediação entre o

liberalismo formal e o autoritarismo real. Surgiram assim o parlamentarismo e as sucessivas

reformas eleitorais.

A abdicação foi o ponto de partida para a vida partidária brasileira, depois dela as facções

divergentes tomaram rumos próprios: os exaltados, os republicanos e os revolucionários de toda

ordem agruparam-se no Partido Liberal; os moderados e os partidários da constituição formaram o

núcleo do Partido Conservador; os reacionários, adeptos da volta do Imperador deposto, o famoso

partido Caramuru, desapareceram com a morte de D. Pedro I.

Um rápido balanço na obra dos partidos imperiais nos traz os seguintes resultados: a crédito dos

liberais temos: a regência, o Código de Processo, o Ato Adicional, a lei orgânica dos presidentes de

província, a Maioridade, a primeira lei eleitoral do Brasil, o esforço de guerra contra o Paraguai, a

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eleição direta, a propaganda abolicionista e a preservação dos ideais democráticos, contra abusos de

poder. Coube aos conservadores, o restabelecimento do Conselho de Estado, a reforma do código

de processo, a abolição da escravatura e todas as demais leis abolicionistas, a adoção do sistema

métrico decimal, o primeiro recenseamento geral do Império e o impulso à política de modernas

vias de comunicação.

Os liberais e os conservadores dividiram o poder durante todo o Império, inclusive em governos de

conciliação.

Muito se fala do parlamentarismo brasileiro. Alguns autores o classificam de “às avessas”. Isso

porque, ao contrário do modelo inglês, no qual o resultado das urnas definia o parlamento, este

decidia o governo e o Imperador dava posse ao Primeiro Ministro, aqui, o Imperador definia o

governo e o parlamento convocava eleições para atender suas exigências. As eleições eram

fraudadas para garantir o resultado desejado pelo Imperador.

Ainda durante o Império surgem os partidos republicanos. Podem ser identificadas duas frações

importantes desse “partido”: a paulista, mais conservadora e escravista e a pernambucana, mais

radical e transformadora. Os partidos republicanos ganham muita força com a adesão dos

escravocratas com a abolição de 1888.

Com o advento da república e a ascensão dos republicanos os poder, ocorreu um esvaziamento dos

partidos conservador e liberal, com as classes patrimoniais que dominavam esses partidos buscando,

pela primeira vez, apoio nos quartéis contra as ameaças à ordem impostas pelos republicanos

radicais.

A república, na verdade, não rompeu com a forma de fazer política imperial. As eleições

continuaram a ser fraudadas com o objetivo de manter a situação política sob controle do governo

federal.

Os partidos deixaram de ser formalmente nacionais e passaram a ser regionais. Existiam os partidos

republicanos de Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, o Federal, com base no Rio de

Janeiro, entre outros.

Foi nesse período que surgiu a famosa política dos governadores, que incluía a grande autonomia

aos estados, desde que esses seguissem a risca as determinações eleitorais do governo central, que

estabelecia o rodízio dos presidentes entre republicanos de São Paulo e Minas Gerais.

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Na Primeira República surgem também os primeiros partidos operários, os partidos socialistas e o

partido comunista. Era o início de organização política dos trabalhadores ainda muito impregnada

de ideais anarquistas e comunistas.

Apesar da incipiente organização, as demandas dos trabalhadores ainda eram consideradas casos de

polícia e não de política.

Durante a década de 1920, a temperatura política começa a subir muito no país. Eclode o

movimento tenentista, a coluna Prestes - Miguel Couto percorre todo o país, que entra em estado de

sítio. Toda essa agitação culmina com a deposição do Presidente Washington Luís e a subida ao

poder de Getúlio Vargas.

O período Vargas poder ser dividido em três partes: governo revolucionário (1930-1934), governo

constitucional (1934-1937) e Estado Novo (1937-1945).

Cabe destacar que durante todo seu governo, as demandas dos trabalhadores começaram a ser

incorporadas na legislação. Isso foi feito como se Getúlio Vargas fosse o pai dessa legislação,

aquele que consciente das necessidades do povo, o presenteava com sua sabedoria e bondade com a

legislação trabalhista.

Ainda que isso tenha sido feito, a agitação política continuou, principalmente porque na Europa

também crescia a agitação e a disputa entre liberais, fascistas e comunistas.

No período Vargas, houve nova reorganização partidária, com muitas organizações rejeitando o

rótulo de partidos. Novamente a idéia de partido era vista como algo pernicioso para o país.

Surgiram clubes políticos, como o 3 de outubro, que reunia os tenentes e os getulistas, a Aliança

Nacional Libertadora e o Associação Integralista Brasileira.

Após sofrer tentativas de golpes de estado por parte de comunistas e integralistas, Vargas dá um

golpe dentro do golpe e declara e extinção dos partidos políticos.

Foi muito fácil para ele responsabilizar impunemente os partidos para justificar seu golpismo. Eles

não tinham estrutura, organização, nem contato permanentes com suas bases, dispersas sem uma

rede de comunicações e transportes, então ainda por aparecer no Brasil.

O antipartidarismo era uma norma ideológica vigorosa e enraizada no pensamento político

brasileiro.

Os partidos políticos voltam a se reorganizar no apagar das luzes do Estado Novo, em meados de

década de 1940.

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Os principais partidos surgiram em torno do ditador. O PSD era formado por interventores e

burocratas ligados ao Estado Novo, o PTB surgiu em torno da máquina sindical criada pelo ditador

e a UDN reunia toda uma frente de oposição ao getulismo. O PCB também ressurgiu com força

eleitoral, mas logo foi posto na ilegalidade.

Esses três primeiros partidos citados, PSD, PTB e UDN, dominaram a cena política nacional

durante tudo o período de 1945 a 1964. Eram partidos nacionais, mas começaram com forças muito

desiguais, sendo o primeiro muito mais forte que os demais.

Com o passar dos anos e com o acúmulo de eleições, os outros dois cresceram a passaram a disputar

as eleições em condições de igualdade com o PSD. Volto a lembrar, esses partidos eram

extremamente dependentes do governo, sendo que PSD e PTB nasceram dentro do governo.

A fragilidade desse sistema de partidos ficou evidente quando as crises políticas começaram a se

desenrolar. A renúncia do presidente Jânio Quadros em 1961 jogou o país em um caminho tortuoso.

Veio o parlamentarismo e com ele grande instabilidade política. O presidente João Goulart

trabalhou contra esse sistema de governo até que conseguiu que o regime voltasse ao

presidencialismo. No entanto, a estabilidade de nossa democracia estava bastante comprometida e

os frágeis partidos de então não conseguiram dar sustentação ao governo, que foi derrubado pelos

militares.

Existem muitas explicações, de teses sobre o golpe de 1964. Algumas privilegiam as respostas

econômicas, argumentando que o Brasil, como país subdesenvolvido, não consegue ter um regime

democrático. Outras optaram por respostas políticas, apontando a instabilidade do governo de João

Goulart, sua inabilidade, o esvaziamento do centro com o racha do PSD, o insistente apelo aos

militares pelos udenistas.

No princípio, os militares mantiveram os partidos existentes, mas após uma derrota nas eleições

para os governos de estado de 1965, eles os extinguiram e criaram normas que permitiriam a

existência de até três partidos.

Foram criados dois, sendo que a eles era proibido se intitularem partidos. Surgiu a Aliança

Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Esses dois partidos existiram até 1979, quando o governo militar, na iminência de perder a maioria

na Câmara dos Deputados e no Colégio Eleitoral que elegia o presidente, voltou a permitir a livre

organização partidária.

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Curso de formação política

41

Surgem então o PMDB, herdeiro do MDB, o PDS, herdeiro da ARENA, que hoje é denominado

PP, o PT, o PDT e o PTB. Depois desses surgiram em 1985, o PFL e em 1988, o PSDB. Esses

partidos têm, desde então monopolizado a vida política brasileira, salvo raras exceções.

Os novos partidos começaram a surgir no final dos anos 70 e conquistaram seus registros

definitivos no início dos anos 80. Como sabemos, o regime militar só terminou em 1985.

Essa convivência entre novos partidos e novas demandas por liberdade, de um lado, e militares e

pressões pela manutenção do regime, de outro lado, fizeram com que a transição brasileira fosse

uma das mais longas do período.

O jogo entre partidos e regime teve diversos lances em que os militares cediam um pouco e

pressionavam um pouco, o mesmo ocorrendo com os partidos. Nesse jogo não havia muito espaço

para radicalismos, já que todos os atores políticos envolvidos estavam altamente comprometidos

com a moderação.

Assim, ao mesmos tempo em que abria as eleições para governador em 1982, o governo mantinha a

propaganda eleitoral da Lei Falcão e proibia as alianças eleitorais.

Na votação da emenda Dante de Oliveira, Brasília e o Congresso Nacional ficaram cercados pelo

Exército, ocorreram diversas ameaças de golpe e a emenda não passou. Não obstante, o veterano e

moderado Tancredo Neves conseguiu se eleger no colégio eleitoral, restituindo o governo a um civil

mais de 20 anos depois.

Existem diversos trabalhos acadêmicos e jornalísticos sobre os atuais partidos brasileiros. Até o

início dos anos 80, as análises traziam perspectivas sombrias. A grande maioria delas apontava que

o sistema partidário brasileiro era caótico, desestruturado, frágil, inconsistente e diversos outros

qualitativos pouco nobres.

Esses trabalhos afirmavam que o país nunca desenvolveu um quadro partidário definido e

duradouro. O argumento era o de que desde o Império até hoje, seis ou sete formações partidárias

totalmente distintas sucederam-se umas às outras, atrofiando-se ou sendo supressas, pela violência,

muitas vezes sem deixar rastro organizacional ou um foi simbólico que pudesse ser retomado na

etapa seguinte.

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Curso de formação política

42

Os partidos também sofreram e sofrem muitas críticas quanto à falta de uma definição ideológica,

principalmente na arena parlamentar. Durante muitos anos, foi moeda corrente entre os analistas

políticos brasileiros o fato de que no parlamento os partidos não se diferenciavam, que o que valia

de fato eram os parlamentares individualmente.

A face legislativa dos partidos, segundo essa literatura, mostra-se muito frágil, tão frágil que cabe

perguntar se de fato eles existem ou influenciam de maneira efetiva o comportamento dos

parlamentares.

A partir de meados dos anos 90, outros autores começam a discutir outras teses começaram a entrar

no debate. Trabalhos baseados em votações no congresso durante e depois da constituinte mostram

que os partidos brasileiros são bastante diferentes em termos ideológicos.

As diferenças na constituinte forma medidas em termos de nacionalismo, de conservadorismo, de

estatismo e esquerdismo. Da mesma forma, convidados a se posicionarem ideologicamente em uma

escala esquerda-direita, os deputados dos diferentes partidos se posicionavam em posições

coerentes na escala. Essas diferenças estavam correlacionadas a posições políticas em questões

públicas, tais como privatização, forças armadas como polícia, direitos trabalhistas, etc.

Outro trabalho importante mostra que o comportamento dos parlamentares no congresso não é tão

inconsistente e livre como se supunha. Analisando votações nominais na Câmara dos Deputados,

alguns autores descobriram que os parlamentares brasileiros são altamente disciplinados e que na

grande maioria das vezes, os deputados seguem a indicação dos líderes dos partidos.

Bibliografia adicional

CHACON, Vamireh. História dos Partidos Brasileiros. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1981.

DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Zahar/UNB, Rio de Janeiro, 1980.

LAMOUNIER, Bolivar. Partidos e Utopias: o Brasil no Limiar dos Anos 90. São Paulo, Ed.

Loyola, 1989.

LAVAREDA, Antônio. A Democracia nas Urnas - O Processo Partidário Eleitoral Brasileiro. Rio

Fundo Editora, Rio de Janeiro, 1991.

LIMONGI, Fernando e FIGUEIREDO, Argelina Cheibub. “Partidos Políticos na Câmara dos

Deputados: 1989-1994”. Dados, vol. 38, n.º 3. Rio de Janeiro, 1995.

MENEGHELO, Raquel. Partidos e Governo no Brasil Contemporâneo (1985-1997). Ed. Paz e

Terra, São Paulo, 1998.

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Curso de formação política

43

SARTORI, Giovanni. Partidos e Sistemas Partidários. Ed. UnB, Brasília, 1982.

SOARES, Glaúcio Ary Dillon. Sociedade e Política no Brasil. Difel, São Paulo, 1973.

SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estados e Partidos Políticos no Brasil (1930 - 1964). Ed.

Alfa-Omega, São Paulo, 1976.

Aula 7 - Uma Introdução aos Sistemas Eleitorais e o Caso Brasileiro

Marcello Simão Branco

Em termos contemporâneos o regime democrático é entendido, primordialmente, como aquele que

permite que seus cidadãos escolham seus representantes, por meio de eleições. Com o tempo, o

desenvolvimento do sistema político e social ocasionou, de uma forma geral, de um lado uma maior

competição dos políticos aos postos de poder eletivo (se organizando nos partidos políticos), e de outro,

uma maior participação dos cidadãos no processo de escolha dos políticos, com o aumento do chamado

sufrágio universal.

Para estruturar institucionalmente a organização e a competição ao poder, foram organizados os sistemas

partidários. E para dar a mesma estrutura institucional e organizada para a escolha dos representantes,

foram criados e organizados os sistemas eleitorais.

Desta forma, os sistemas partidários e eleitorais – assim como outros –, são instituições voltadas para a

legitimidade e alocação do poder, bem como para o exercício e funcionamento do regime democrático.

Três outras características complementares organizam e legitimam as eleições numa democracia: a

liberdade de voto e organização para a competição; a periodicidade das disputas; e o caráter prévio de

incerteza de seus resultados. A eles poderíamos acrescentar também, a garantia constitucional do

cumprimento do mandato conquistado nas urnas.

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Tratando especificamente dos sistemas eleitorais, existem dois modelos principais, que são modificados e

ganham versões diversas de país para país, e de momento histórico a outro. Basicamente, contudo, eles são

os sistemas majoritários e os sistemas proporcionais.

O sistema majoritário foi o primeiro a surgir. Baseia-se no princípio segundo o qual a vontade da maioria

dos eleitores é a única a contar para a eleição dos representantes, estabelecendo que o eleitorado está

distribuído territorialmente em distritos. Assim, cada distrito escolhe o seu representante (um ou mais),

numa disputa direta, vencendo quem tem mais votos, ou por maioria simples ou por maioria absoluta.

Já o sistema proporcional acompanha o desenvolvimento do regime democrático, com a maior

estruturação do sistema partidário e o aumento do sufrágio universal. Parte também do princípio de que

uma assembléia representativa deve criar espaço para todas as necessidades, interesses e idéias que

dinamizam uma sociedade. O princípio proporcional de escolha procura estabelecer uma maior igualdade

do voto e permitir a todos os eleitores um mesmo peso na escolha.

Uma virtude apontada para os sistemas majoritários é que ele permitiria uma base mais sólida para a

formação do governo, na medida em que haveria uma tendência de menor divisão dos partidos

concorrentes. Além disso, existiria um vínculo mais próximo entre o eleito e seu representado. Ambas as

justificativas são discutíveis, pois não há garantia de antemão de que o sistema partidário se organizaria

com menos partidos – outros fatores legais e sociais também influem –, e a eleição de representantes

majoritários (distritais), poderia tornar a política nacional mais provinciana, além de estimular a criação de

chefes políticos locais de grande poder econômico, prejudicando as demais forças políticas.

Já o sistema proporcional tem entre uma de suas principais qualidades a expressão eleitoral aos mais

diferentes segmentos sociais, não excluindo os grupos minoritários da possibilidade de estar representado.

Não há uma situação de “o vencedor leva tudo”, como no sistema majoritário. Várias correntes políticas

podem estar representadas no parlamento. As dificuldades do sistema proporcional estão vinculadas à

forma prévia de como são escolhidos os candidatos que concorrerão à eleição e os efeitos disso durante o

processo eleitoral. Temos, assim, o regime de lista fechada, no qual o partido seleciona e enumera a

relação dos candidatos à eleição. Cabe ao eleitor, votar na lista e não no candidato individual. Isso daria

aos dirigentes partidários um controle muito grande sobre os políticos e sobre o eleitorado. De outra parte

há o regime de lista aberta, no qual o partido seleciona seus candidatos, mas estes disputam livremente o

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Curso de formação política

45

voto individual do eleitor. Isso permite maior independência ao político e à escolha do eleitor, mas torna o

partido, em tese, mais fraco em controlar o comportamento do político.

Brasil

As eleições e a organização dos sistemas partidários e eleitorais em nosso país têm seguido uma série de

rupturas institucionais, marca da vida política do século passado, com períodos cíclicos de autoritarismo e

democracia. Deixando de lado o sistema político da chamada República Velha, de caráter excessivamente

oligárquico, com baixa competição e participação popular, a primeira experiência concreta de sistema

partidário e eleitoral no país ocorre entre os anos de 1945 e 1964. Depois da ditadura de Getúlio Vargas

(1930-45) e antes da ditadura militar (1964-1985).

Tanto na experiência de 1945-64, quando na atual, o voto é obrigatório e o sistema eleitoral adota o

sistema proporcional com lista aberta e voto de legenda para as eleições parlamentares (vereador,

deputado estadual, deputado federal) e majoritária para o Senado e para os cargos do poder Executivo:

prefeito (municipal), governador (estadual) e presidente (federal). A única diferença importante é que entre

os anos de 1945-64, também os vices presidentes eram eleitos majoritariamente.

Como peculiaridades básicas do período de 1945-64, tivemos a organização do sistema partidário em

torno de três partidos principais: os conservadores (PDS e UDN) e o populista (PTB). Com o

desenvolvimento do sistema, por meio de sucessivas eleições, passa a ocorrer um fenômeno de

crescimento de alguns partidos de âmbito mais regional, que passam a concorrer nacionalmente. Isso

ocasiona uma maior competição entre os partidos, com maior fragmentação do espaço de representação

política no parlamento federal.

Já nessa época tornava-se claro que as eleições no Brasil seguiam uma lógica de atuação estadual, pois,

entre outros fatores, os pleitos ocorriam em datas diferentes, permitindo uma maior autonomia desta ou

daquela eleição e o seguimento de uma lógica própria. Chama a atenção também neste período o grande

índice de votos em branco e nulo para os cargos proporcionais de parlamentares e para vice-presidentes.

Antes de ser entendido como uma forma de protesto e invibialização do sistema político, foi sim um

reflexo de como estes espaços institucionais de representação perdiam terreno – já nesta época –, para os

espaços executivos, uma característica que não tem se modificado substancialmente deste então.

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Durante o regime militar de 1964-1985, foi imposto um sistema bipartidário, com um partido do governo

(Arena, depois PDS) e um partido de oposição moderada, (MDB, depois, PMDB), como uma forma de

permitir um verniz de legitimidade eleitoral em nível parlamentar a um regime autoritário, bem como não

cessar inteiramente um canal de diálogo com aqueles que se opunham ao regime. Neste período,

aprofundou-se uma característica presente desde o regime de Vargas: a sobre e sub representação dos

deputados eleitos nos estados. Assim, os estados mais populosos (como São Paulo e Minas Gerais)

ficaram com menos representantes do que deveriam, ao passo que os estados do Norte, Nordeste e Centro-

Oeste, ficaram com mais representantes do que deveriam, levando em conta a pequena população em

comparação com os estados do Sudeste.

No novo sistema partidário e eleitoral vigente, que teve seu nascedouro pleno a partir de 1985, estes

problemas de representação dos deputados no Congresso Nacional permanecem, violando a noção de uma

pessoa, um voto (“one man, one vote”), bem como o equilíbrio político que deveria existir em um regime

federal como o brasileiro.

Mas este não é o único problema contemporâneo do sistema político nacional. Dentro do sistema

proporcional de lista aberta e voto em legenda, tem existido o incentivo racional – permitido pela

legislação – da coligação entre os partidos. Este fenômeno, essencial para a sobrevivência dos partidos

pequenos e dos grandes – nos estados e/ou municípios onde eles não estão bem estruturados –, provoca

uma maior fragmentação partidária, dificultando a formação de maiorias estáveis nos parlamentos e

obrigando o partido no poder executivo a negociar alianças e coalizões para melhor governar.

Há também dificuldades com a vigência das listas abertas, pois os candidatos adquirem uma grande

autonomia de campanha, contrariando, muitas vezes, orientações e objetivos coletivos do partido. Para

alguns analistas, este individualismo, com a competição centrada mais em candidatos do que em legendas,

reforçaria o desprestígio do partido junto aos eleitores. Outra crítica – esta ao sistema partidário – estaria

vinculada ao número excessivo de partidos legalmente aptos a concorrer no processo eleitoral e

participação no parlamento – 30 nas últimas eleições. Isso sem falar no problema sempre sensível do

controle sobre os recursos econômicos da campanha eleitoral.

Fatores como estes tendem a estimular vozes que clamam por uma reforma partidária e eleitoral. A tal

ponto que cada especialista – e mesmo não especialistas –, imagina a “sua” própria reforma. Mas todos

parecem não atentar para o fato de que a mera substituição de regras eleitorais e partidárias não é

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suficiente para a melhoria do regime democrático. Que os efeitos concretos de mudanças podem ser

diferentes – e piores –, daqueles idealmente imaginados. Mesmo com problemas sérios (como sobre

representação, coligação, financiamento de campanhas, relação entre o eleitor e o representante), a melhor

forma de depurar e melhor desenvolver os sistemas partidários e eleitorais do Brasil, é – com pequenas

modificações pontuais aqui e ali – deixar que o tempo, com seus sucessivos pleitos, se encarregue disso.

Pois com todas as limitações, o regime democrático-eleitoral brasileiro tem cumprido com relativa virtude

e funcionalidade, características básicas de uma democracia, como apontadas no início deste texto, tais

como competição, participação, incerteza, periodicidade e cumprimento de mandato. Se olharmos outras

experiências contemporâneas na América Latina e para trás em nossa própria história veremos que isto

não é pouco.

Isso, no entanto, não representa dizer que nos posicionamos contra a reforma política, muito pelo

contrário. Existem alguns pontos em nossa legislação político-eleitoral que precisam ser revistos. O que

queremos deixar claro é que reformar simplesmente para mudar pode não ser o suficiente. As alterações

devem ser muito bem avaliadas, para que não precisemos mudar novamente.

Bibliografia adicional

LAVAREDA, Antônio (1991). A Democracia nas Urnas: O Processo Partidário Eleitoral Brasileiro,

IUPERJ e Rio Fundo Editora.

MAROTTA, Emanuele (1983). "Sistemas Eleitorais", Dicionário de Política, Norberto Bobbio, Nicolla

Matteucci e Gianfranco Pasquino, editores. Editora Universidade de Brasília, quarta edição.

NICOLAU, Jairo Marconi (1996). Multipartidarismo e Democracia, Fundação Getúlio Vargas Editora.

RIBEIRAL, Tatiana e DANTAS, Humberto. “Participação política e cidadania”. Minas Gerais, Editora

Lê, 2003 – no prelo.

TAVARES, José Antônio Giusti (1994). Sistemas Eleitorais nas Democracias Contemporâneas, editora

Relume-Dumará.

Aula 8 - A Reforma Política no Brasil

Tatiana Braz Ribeiral

Page 48: Consciencia politica

Curso de formação política

48

Falar em reforma política no Brasil é discutir sobre muitos temas. Por reforma podemos entender

mudança, transformação. Quando falamos em reforma política nos referimos desde a organização

do processo eleitoral em si, quanto ao sistema eleitoral ou representativo no país. Por processo

eleitoral, podemos entender todos os passos relacionados à eleição em si, como a definição da

cédula de votação, o dia e hora da escolha de candidatos, as formas de apuração dos votos etc. Se

partirmos daí, veremos que no Brasil há muitos anos que o processo eleitoral vem passando por

mudanças. Não podemos negar que os resultados das eleições são muito mais confiáveis, que

podemos votar em quem quisermos, que há liberdade de escolha e o que for escolhido pelos

eleitores será respeitado. Esta foi uma longa conquista.

Mas hoje em dia, quando falamos em reforma política na maioria das vezes isto significa uma

mudança no sistema eleitoral e partidário, uma modificação na matemática da escolha dos

candidatos e nas regras de disputa eleitoral. O que vai poder ser feito, e o que não será mais

permitido. Mas a reforma política tornou-se uma unanimidade nacional sem ao menos sabermos do

que se trata ao certo. É preciso um acompanhamento cuidadoso não só dos projetos de lei em

tramitação como das modificações já em andamento das normas que regulamentam o processo

eleitoral no país. É importante que saibamos de fato quais são as suas conseqüências e também os

seus limites.

Em primeiro lugar, em cada partido político, em cada bancada, em cada segmento governista ou

oposicionista de qualquer estado existem, com certeza, opiniões diferentes sobre os temas mais

importantes da agenda de reforma política. Em nosso país o Congresso Nacional é a instância que

possui o maior acúmulo de discussões, especializações temáticas e Projetos de Lei ou de Emenda

Constitucional em torno da reforma política. A Comissão Especial de Reforma Política na Câmara

dos Deputados terá que examinar cerca de 170 projetos que tramitam sobre a matéria, além dos que

vieram do Senado.

A não coincidência entre o número de votos e a distribuição de cadeiras no parlamento, é um dos

grandes problemas do sistema eleitoral brasileiro. Isto significa, que nem sempre os políticos mais

votados são eleitos para os cargos de vereadores, deputados federais, estaduais e distritais que

disputam. De acordo com a matemática eleitoral, as coligações de partidos políticos em eleições

proporcionais são as principais responsáveis por este problema na nossa democracia. Para podermos

entender um pouco mais sobre o assunto, vamos lembrar que em 2002, apenas 32 dos 513

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deputados federais conseguiram, nominalmente, votos suficientes para se eleger. Os demais

conquistaram as cadeiras na Câmara dos Deputados em razão dos votos destinados às legendas, aos

seus colegas de partido ou à coligação da qual fizeram parte.

Ao longo dos últimos anos, diversos candidatos tiveram uma votação expressiva, muito superior à

obtida pela maioria dos concorrentes, e não conseguiram se eleger porque o seu partido não atingiu

o chamado coeficiente eleitoral. Neste sentido, tramita no Congresso Nacional – também na

Comissão de Reforma Política - um projeto no qual se proíbem as coligações em eleições

proporcionais, o que controlaria uma parcela importante dos problemas de nosso jogo eleitoral.

A intenção de por um fim às coligações em eleições proporcionais é de acabar com as combinações

mais variadas entre diferentes partidos, em uma mesma eleição. No entanto, como são

especificamente para as eleições proporcionais, somente se aplicaria para os cargos de deputado

federal, estadual (ou distrital) e vereadores. Parte desta transformação já ocorreu no país quando, no

ano de 2002, foi implantado no Brasil a verticalização das coligações eleitorais. Em uma decisão

inédita, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão do Poder Judiciário, proibiu os partidos políticos

de se coligarem, nos estados, com os adversários da disputa presidencial. Foi uma resolução

importante, capaz de transformar toda a disputa para o pleito de 2002. Com a decisão do TSE, os

partidos políticos foram obrigados a reorganizar as suas alianças, redefinindo seus cálculos políticos

em plena disputa eleitoral.

As discussões já estão ocorrendo há anos e, além do fim das coligações em eleições proporcionais,

os principais pontos discutidos são: a fidelidade partidária, o financiamento público de campanha e

o voto distrital misto, entre tantos outros temas.

A fidelidade partidária é a mais dramática distorção do sistema representativo brasileiro. Cerca de

30% dos deputados federais abandonam o partido pelo qual foram eleitos em cada legislatura na

Câmara dos Deputados. Isto significa um rearranjo de forças partidárias na disputados dos

principais recursos públicos como as lideranças das comissões permanentes, os fundos partidários e

o tempo no horário eleitoral gratuito. Estes poderes são distribuídos com base no cálculo da

proporcionalidade das bancadas na Câmara dos Deputados, no entanto, não leva em consideração as

escolhas firmadas no dia da eleição, mas sim, as trocas realizadas às vésperas da diplomação dos

candidatos. A proibição a essa ação, em linhas gerais, pode significar o fim das constantes

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Curso de formação política

50

mudanças de legenda no país, tão traumáticas para a democracia brasileira. Mais especificamente,

também poder ser entendida como a obrigatoriedade de aceitação das decisões tomadas pelas

lideranças e pelas convenções partidárias, por parte daqueles políticos filiados aos partidos

políticos. Neste sentido o objetivo seria uma maior unidade nas opiniões do partido frente às

votações no Congresso Nacional, ou seja, um fortalecimento dos partidos políticos.

Com relação ao voto distrital, o principal objetivo é que a eleição proporcional se transforme em

majoritária. Ao invés de dividir o país em 27 estados e eleger os representantes proporcionalmente,

o Brasil seria dividido - para os fins eleitorais - em 513 distritos que escolheriam em eleições

majoritárias, seu deputado federal. Isto também ocorreria nas eleições para as Assembléias

Legislativas e os estados seriam divididos de acordo com o número de deputados estaduais. Uma

discussão importante diz respeito à forma como estes distritos seriam divididos. É comum

identificarmos, em países que adotaram este sistema, o favorecimento de partidos e candidatos no

recorte geográfico adotado. Outra limitação é que as minorias perdem força de representação, pois

apenas o candidato mais votado em cada distrito é eleito. Uma outra alternativa seria o voto distrital

misto adotado na Alemanha. Neste caso, metade dos deputados é eleita de acordo com o processo

majoritário e outra metade seguindo as regras da proporcionalidade com lista.

Em linhas gerais, o argumento que justifica o financiamento público de campanhas eleitorais visa

diminuir a diferença econômica entre os candidatos e elevar a fiscalização sobre as doações de

campanha. Uma crítica que pode ser feita em relação ao mecanismo de financiamento público de

campanha, diz respeito ao estreitamento da vinculação entre os partidos políticos e o Estado,

diminuindo a participação da sociedade na gestão dos partidos. O modelo que poderá ser adotado,

no entanto, não está definido.

Além dos recursos para a disputa eleitoral, os partidos políticos precisam de dinheiro para sustentar

a estrutura montada nos municípios, nos estados e na nação como um todo. No entanto, existem

regras para o seu funcionamento e organização, como a proibição de recebimento de verbas de

organizações e governos estrangeiros, órgãos, fundações e empresas públicas, entidades de classe e

sindicatos.

É importante sabermos que cada um dos temas possui muitas possibilidades. O azul pode ser claro,

marinho, celeste, piscina, depende de sua intensidade. Como as cores, as leis também possuem

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nuanças e gradações. É preciso atenção aos conteúdos das leis, os seus detalhes escondem as suas

verdadeiras intenções.

Não sabemos ao certo quando tais matérias serão aprovadas no Congresso Nacional. As mudanças

propostas são muitas e podem reconfigurar a relação entre os representantes por nós eleitos, e a

nossa própria decisão de escolha. Como vimos, as propostas de reforma política podem desenhar

com outros contornos o processo de disputa e escolha dos candidatos. Talvez os partidos políticos

sejam financiados totalmente com o dinheiro público, ou pode ser que tenhamos dificuldades para a

mudança de legenda, ou ainda muitos partidos políticos podem apenas deixar de existir com a

reforma política. É importantes termos a nossa própria opinião sobre cada um dos temas. Algumas

mudanças podem ser muito boas, outras nem tanto. Cada assunto deve ser exaustivamente discutido

com a sociedade; e a sociedade somos nós.

Bibliografia adicional (centrada no texto da História do Voto – aula 3)

DUVERGER, Maurice; GUIMARÃES, Aquiles C. e PAIM, Antonio. Partidos Políticos e Sistemas

Eleitorais no Brasil: Estudo de Caso. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, c1982.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O Longo Caminho. Rio de Janeiro, Civilização

Brasileira, 2001.

FERREIRA, Manoel Rodrigues. A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro. Brasília, Senado

Federal, Conselho Editorial, 2001.

FLEISCHER, David. Manipulações Casuísticas do Sistema Eleitoral durante o Período Militar ou

Como Usualmente o Feitiço Volta Contra o Feiticeiro. Cadernos de Ciência Política. Brasília,

Fundação Universidade de Brasília, nº 10, 1994.

LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. Ed.Ver. Forense, Rio de Janeiro, 1948.

LIMA Jr, Olavo Brasil de. Democracia e Instituições Políticas no Brasil dos Anos 80, São Paulo,

Edições Loyola.1993.

NICOLAU, Jairo Marconi. História do Voto no Brasil. Jorge Zahar, São Paulo, 2002.

SADEK, Maria Teresa. A Justiça Eleitoral e a Consolidação da Democracia no Brasil. Ed

Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung. São Paulo,1995.

SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930-1964). São

Paulo, Alfa Omega, 1976.

Page 52: Consciencia politica

Curso de formação política

52

Aula 9 – Pesquisas políticas e eleitorais

José Paulo Martins Jr.

As pesquisas de opinião pública são ferramentas essenciais para as campanhas políticas e para o

desenvolvimento da Ciência Política em todo o mundo. Mas o que são essas pesquisas, como elas

são criadas, como se define o universo, a amostra, o questionário, a metodologia, como tratar os

dados que emergem dos questionários respondidos, quais são as fases envolvidas, como se analisam

os dados e como se chegam a resultados concretos, tanto para a definição de estratégias de

campanhas eleitorais quanto para o progresso da ciência? Todas essas perguntas são importantes e

pertinentes e tentaremos respondê-las nessa aula.

Existem importantes diferenças entre uma pesquisa de opinião pública destinada a subsidiar o

trabalho de uma campanha política e a destinada à pesquisa científica. No primeiro caso, a

metodologia pode ser um pouco mais flexível, permitindo o uso de ponderações e aproximações.

No segundo, o rigor metodológico deve ser a tônica, para que os resultados tenham validade perante

a comunidade científica nacional e internacional.

Como se faz uma pesquisa? O primeiro passo é definir qual é o problema a ser investigado. No caso

de uma pesquisa eleitoral, o problema é claro. Cabe investigar qual é a intenção de voto no

candidato e como ela se comporta em diferentes estratos sócio-econômicos e em regiões

geográficas diversas. Numa pesquisa científica, os temas a serem pesquisados são muito mais

amplos, dependendo do interesse do pesquisador. Por exemplo, um pesquisador pode estar

interessado em conhecer qual é o impacto dos partidos políticos na estruturação do eleitorado no

Brasil; se eles têm algum peso na cabeça do eleitor no momento em que ele define seu voto.

Portanto, o primeiro passo importante é o planejamento, com a definição do problema a ser

investigado, dos objetivos e da metodologia.

Em nosso dia-a-dia estamos sempre direta ou indiretamente nos baseando em dados observados.

Quando vamos a um supermercado, por exemplo, temos alguma noção sobre o preço de

determinados produtos, sabemos se eles cabem em nossos orçamentos e qual é a sua prioridade

dentre as necessidades de casa.

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53

Na pesquisa científica também precisamos coletar dados que possam nos ajudar a responder as

questões que norteiam o estudo. O pesquisador deve ter muito claro na mente aquilo que pretende

investigar. Se o objetivo geral é conhecer qual é o eleitor alienado, por exemplo, deve-se ter como

objetivo específico saber qual é o grau de informação política do eleitor, em quem ele votou na

última eleição, como ele faz para decidir seu voto, seu grau de satisfação com as instituições

vigentes etc. Também precisamos conhecer algumas outras informações do eleitor, como sexo,

idade, escolaridade, classificação sócio-econômica, lugar onde mora etc.

Para atingir seus objetivos, o pesquisador deve ter em mente o tipo de pesquisa que pretende fazer.

São muitas as opções que podem ser tomadas. Uma pesquisa pode ser qualitativa ou quantitativa.

As pesquisas qualitativas permitem chegar a respostas mais profundas em relação ao tema em

pesquisa. Elas habitualmente utilizam menor número de casos e seus resultados não podem ser

interpretados para toda a população. Um tipo de pesquisa qualitativa muito adotada em campanhas

eleitorais consiste em reunir de 8 a 12 eleitores com algumas características em comum, como sexo,

idade e partido/candidato preferido para testar o impacto de alguma propaganda eleitoral. Em

pesquisa científica são altamente difundidas as entrevistas em profundidade. Nelas, o pesquisador

grava longas entrevistas, pré-estruturadas ou não, com pessoas que têm algo importante a dizer.

As pesquisas quantitativas são as mais comuns, aquelas cujos resultados chegam com mais

freqüência ao ouvido da população. São os índices de intenção de voto, os índices de inflação,

dados do censo, a audiência dos programas de televisão e rádio, a popularidade do presidente, entre

muitos outros. Para esse tipo de pesquisa, o importante é a decisão de quem ou o que se vai

pesquisar. Em uma pesquisa eleitoral, a população ou universo são os eleitores, para o índice de

inflação são os preços dos produtos nos supermercados, para o censo toda a população do país, as

de índices de audiência aqueles que assistem televisão e ouvem rádio.

Normalmente não é possível realizar a pesquisa com o universo. A solução é a amostragem. São

quatro razões principais para se utilizar amostras em levantamento de grandes populações. 1)

economia: sai bem mais barato pesquisar somente uma parte da população; 2) tempo: é mais rápido

entrevistar menos gente; 3) confiabilidade dos dados: quando o número de elementos é reduzido,

pode-se dar mais atenção aos casos particulares, evitando erros; 4) operacionalidade: é mais fácil

realizar operações de pequena escala, como controlar entrevistadores.

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Curso de formação política

54

O tamanho da amostra depende de uma série de fatores que não vamos discutir em profundidade

nessa aula, principalmente porque são altamente técnicos e temos outros aspectos mais importantes

para tratar. Não obstante é importante ter em mente que é possível fazer boas pesquisas de intenção

de voto nacionais com 1.500 casos. Para ter uma maior margem de confiança nos dados e rigor

metodológico, uma amostra de 3.000 casos é mais que suficiente. Tudo isso depende, é claro, de um

bom plano amostral, que não deixe de fora nenhum setor importante do universo. A amostra deve

ser distribuída de forma a representar o mais fielmente possível a população.

A amostra pode ser probabilística ou não probabilística. O que significa e qual a diferença entre as

duas? Uma amostra probabilística é aquela em que todos os indivíduos do universo pesquisado têm

a mesma chance de serem sorteados para responder a pesquisa. Para obtê-la são necessários sorteios

sucessivos, em que são selecionados a cidade, o cluster, o quarteirão, a casa e o indivíduo dentro da

casa. Uma amostra não probabilística é aquela em que não existe a mesma chance. Normalmente

isso ocorre quando o pesquisador pretende controlar as variáveis. Por exemplo, pode-se querer

estabelecer que a pesquisa será feita com 50% de homens e 50% de mulheres, ou pode-se querer

estabelecer cotas de idade, escolaridade, renda, etc. A amostra não probabilística é mais barata do

que a probabilística, por esse motivo, a grande maioria dos institutos de pesquisa opta por ela.

Para coletar os dados que nos interessam precisamos de um instrumento. O mais utilizado é o

questionário estruturado, contendo uma maioria de perguntas fechadas e algumas perguntas abertas.

Cada variável que se pretende analisar aparece no questionário na forma de uma pergunta ou de

uma bateria de perguntas. O questionário antes de entrar em campo deve passar por uma pré-

testagem, sendo aplicado a alguns indivíduos com características similares aos indivíduos da

população em estudo. Isso é importante para se saber se as perguntas estão suficientemente claras,

se suas respostas não são óbvias, se existe alguma ambigüidade ou indução nas perguntas, e

respostas não previstas.

Um dos momentos mais delicados da pesquisa é a aplicação dos questionários. Sempre é necessário

uma boa supervisão no campo para se evitar falhas e fraudes que podem comprometer a confiança

nos dados. Todos os questionários deveriam ser verificados e criticados, e voltas devem ser feitas

quando alguma lacuna é observada.

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Curso de formação política

55

Após a aplicação do questionário, os dados precisam ser organizados para facilitar a realização da

análise. São atribuídos códigos às respostas, que podem assim ser armazenadas em programas de

computador. Esses programas transformam questionários em planilhas, tais como a do programa

Microsoft Excel. Simplesmente uma tabela que nas linhas contém os casos e nas colunas as

variáveis. Os softwares de pesquisa estão cada vez mais poderosos, e com mais recursos à

disposição do pesquisador. Eles permitem que se faça a análise exploratória dos dados. Existem

diversas técnicas que permitem organizar, resumir e apresentar os dados de tal forma que se possa

interpreta-los à luz dos objetivos da pesquisa.

Os dados podem ser tratados de maneira isolada, na chamada análise univariada. Com ela

conseguimos obter a distribuição da freqüência e as medidas de tendência central, dependendo da

variável. Pode-se construir gráficos de barras ou de setores. Os dados também podem ser analisados

de dois a dois, uma análise bivariada. É muito freqüente nas ciências sócias e nos estudos eleitorais

verificar se duas variáveis estão associadas em uma amostra. Pode-se ter o interesse de se verificar

se aumenta a intenção de voto em algum partido ou candidato enquanto aumenta a renda ou

escolaridade do entrevistado. Esse tipo de análise é feita através de distribuições conjuntas de

freqüência, chamadas de tabelas de contingência.

A partir de uma base de dados especialmente preparada para seu objetivo, o pesquisador tem a sua

disposição um enorme arsenal estatístico do qual lançar mão, cada qual adequado ao tipo de

problema que ele pretende enfrentar.

Existem diversos exemplos de como as pesquisas de opinião podem ser utilizadas na Ciência

Política. Internacionalmente, os trabalhos mais importantes foram os comandados por Paul

Lazarsfeld, da Universidade de Columbia, nos quais ele mostra que o voto de um indivíduo tem

muito haver com o ambiente em que ele está inserido. Se o eleitor mora na cidade ou no campo, se

ele é católico, protestante ou evangélico, se ele é pobre ou rico, se ele trabalha em grandes ou

pequenas empresas, tudo isso tem um peso significativo no momento de definição do voto.

Outros trabalhos importantes foram os levados a cabo pela chamada Escola de Michigan,

capitaneados por Miller. Nesses trabalhos, os autores investigam quais são os principais norteadores

do voto nos EUA e descobrem que o mais importante é a identificação partidária. Em tal

perspectiva – também conhecida como teoria psicossociológica de explicação do voto - a

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Curso de formação política

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identificação se originaria de uma adesão de base psicológica aos partidos, constatada através de

dados de pesquisa sobre o comportamento eleitoral. Tratar-se-ia de uma identidade partidária

forjada em bases afetivas no processo de socialização e, portanto mais resistente a mudanças ou

influências de outra ordem. A tese é a de que, uma vez formada, a identificação partidária tende a

tornar-se estável, ou seja, os eleitores que têm identificação partidária em graus variados, inclinam-

se a 'ver' a política e orientar suas ações numa direção partidária.

Em oposição à abordagem psicossociológica, a teoria da escolha racional dá um outro

significado ao fator identificação partidária na decisão do voto, questionando a idéia de lealdades

oriundas do processo de socialização como fonte única ou principal da identidade partidária. Para

Downs (1957), a identificação partidária se explica porque os partidos (e as ideologias políticas) são

referenciais que os eleitores usam para diminuir custos de obtenção e processamento das

informações políticas necessárias para a sua tomada de decisão. Observando em algumas ocasiões

que um determinado partido se comporta em conformidade com seus interesses, um determinado

eleitor pode, numa próxima eleição, utilizar esse conhecimento prévio para decidir seu voto,

economizando recursos (especialmente tempo) para se informar e fazer sua escolha. Além disso,

como em muitos casos determinados partidos acabam defendendo determinadas idéias mais do que

outros, a identificação com o partido acaba sendo o resultado de uma decisão racional e não

simplesmente de uma identificação afetiva ou normativamente fundada.

Outro autor importante, Morris Fiorina , por sua vez, adiciona um outro elemento a esse debate. Seu

argumento é o de que se a socialização do indivíduo previamente à sua vida adulta tem um peso na

identificação partidária, peso ainda maior tem a avaliação que o indivíduo faz da experiência

acumulada como eleitor, ao longo de sua vida adulta. Neste sentido, os cidadãos, segundo este

autor, monitoram as promessas e performances partidárias ao longo do tempo, encapsulando todas

estas observações em um julgamento sumário chamado identificação partidária (IP). Essa IP é uma

informação sintética e econômica que é utilizada pelo eleitor quando avalia plataformas ambíguas

feitas para lidar com futuros incertos.

A utilização das pesquisas nas campanhas eleitorais também é amplamente difundida e varia muito

de acordo com quem encomenda a pesquisa. Uma pesquisa para divulgação na imprensa, por

exemplo, deve ser registrada no Tribunal Regional Eleitoral, ter toda a sua metodologia divulgada e

estar aberta à investigação de quem quer que seja. Normalmente essas pesquisas apresentam ao

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Curso de formação política

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eleitor apenas os índices de intenção de voto, cruzado por algumas variáveis, tais como sexo, idade,

escolaridade, renda, entre outros.

Em pesquisas de campanhas eleitorais não é necessário o registro, desde que ela não seja divulgada.

Nesses casos, costuma-se utilizar diversas métodos diferentes de pesquisa. Para se avaliar o material

de campanha e as propagandas eleitorais, o método mais utilizado são as pesquisas qualitativas,

para saber a intenção de voto e construir modelos preditivos e explicativos, o método utilizado é o

quantitativo.

Para concluirmos, o que devemos ter em mente é que as pesquisas eleitorais que nos são

apresentadas em épocas de eleições são realizadas dentro dos mais rígidos métodos científicos. Os

cidadãos que acusam alguns institutos de manipulação de dados, ou fraude nos resultados, deixam

de considerar a idoneidade das empresas responsáveis pela divulgação dos números.

Naturalmente, a despeito do rigor utilizado, muitos cidadãos estranham o fato de nunca terem sido

entrevistados nesse tipo de pesquisa. As técnicas de amostragem, entretanto, permitem que um

número muito pequeno de pessoas represente todo o universo sem que os resultados se distanciem

da verdade. Assim, entre 115 milhões de eleitores apenas 3 mil são ouvidos nas pesquisas de

intenção de voto para presidente, por exemplo. Isso representa que apenas 0,0026% da população é

ouvida, ou seja, a chance de um cidadão opinar é de uma em quase 40 mil pessoas.

Bibliografia adicional

BABBIE, Earl. Métodos de pesquisas de survey. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2001.

CARREIRÃO, Yan de Souza. A decisão do voto nas eleições presidenciais brasileiras. Editora da

UFSC/FGV, Florianópolis, 2002.

COUTINHO, Ciro. Pesquisas de opinião no jornalismo brasileiro. São Paulo, Scortecci, 2002.

FIGUEIREDO, Marcus. A decisão do voto. São Paulo, IDESP / ANPOCS 1991.

FIORINA, Morris P. Retrospective voting in americam national elections. Yale University Press,

New Haven, 1981.

Aula 10 - Mídia, marketing e política

Sérgio Praça

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Curso de formação política

58

O país estava deprimido. À queda da Bolsa de Nova York em 1929, seguiram-se anos de recessão e

desemprego em massa nos Estados Unidos. Franklin Delano Roosevelt (FDR nas manchetes dos

jornais) foi o presidente eleito para resolver as emergências sociais e econômicas. Implementou seu

“New Deal” com certa facilidade, inchando o governo federal e gastando milhões em obras públicas

com o objetivo de reaquecer a economia. Se você fosse um(a) americano(a) da época, como ficaria

sabendo dos programas de Roosevelt? Simples. Ele falaria especialmente para você, sentado perto

da lareira, com voz mansa e confiante. Como? Pelo rádio.

FDR foi o primeiro presidente eleito do século 20 que aproveitou, com seus “bate-papos perto da

lareira” (fireside chats), o poder persuasivo da mídia. O advento dos meios de comunicação de

massa mudou a política. A política também mudou os meios de comunicação. Campos com

diversos pontos de tangência, jornalismo e política possuem, no entanto, relativa autonomia em

relação ao outro. É impossível entender inteiramente uma eleição sem prestar atenção nos efeitos da

mídia. Quem define os principais temas de campanha: políticos ou jornalistas? Os debates entre

candidatos são relevantes? Qual é a importância do marketing político? Abordando esses temas,

pretendemos introduzir o leitor à complexa relação entre mídia, marketing e o jogo político.

É necessário entender por que a mídia se tornou indispensável para a política. De acordo com a

concepção clássica do sistema representativo, os políticos (representantes) devem agir de acordo

com os interesses e opiniões de quem os elegeram (representados). Na prática, essa concepção se

enfraqueceu à medida que os políticos passaram a se aproximar, a conviver, nas assembléias.

Tornaram-se profissionais. Buscam se reeleger. Falam a mesma língua, um jargão jurídico-

administrativo cada vez mais distante do vocabulário dos eleitores. Esses fatores, entre outros,

contribuem para o afastamento dos representantes em relação aos representados. Ora, o que a mídia

tem a ver com isso? Ela pode funcionar, positivamente, como elo entre os dois grupos,

simplificando e amplificando as mensagens dos políticos; ou então, negativamente, a mídia pode

contribuir para a alienação dos eleitores ao se recusar a tratar de assuntos públicos relevantes.

Não era à toa que Franklin Roosevelt, o presidente dos “bate-papos perto da lareira”, usava palavras

simples para explicar seus projetos, que o homem comum entendia. Com o surgimento de novos

espaços públicos, há a necessidade de mediações. O rádio funcionava como elo que simplificava as

políticas de Roosevelt. Isso significa que a mídia apenas transmite as mensagens dos eleitos? Não,

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pois o campo jornalístico possui certa autonomia. Seus profissionais filtram não apenas as falas dos

políticos, mas mesmo os temas sobre os quais eles se manifestam, e o tempo de que dispõem.

Portanto, quando estudamos a manifestação política na mídia, percebemos que os jornalistas têm

tanto (ou mais) poder de controle sobre o que é expresso quanto os políticos. Para não abstrair

demais, um exemplo: debates políticos televisionados.

Quem ouviu o debate entre John Kennedy e Richard Nixon (candidatos à presidência norte-

americana em 1960) pelo rádio ficou com a impressão que Nixon venceu. Porém, quem assistiu ao

mesmo debate pela televisão não teve dúvidas: Kennedy ganhou. Enquanto Nixon suava, pálido,

com a barba por fazer, Kennedy sorria. O efeito visual pode, portanto, provocar distorções nas

mensagens transmitidas (mas é impossível afirmar objetivamente quem venceu o debate). Outro

tipo de constrangimento em debates é a limitação do tempo das respostas. Cada candidato tem

poucos segundos para transmitir suas idéias. E, geralmente, quem define os temas das perguntas são

jornalistas – embora, para o bem do espetáculo, raramente temas que não são corriqueiros na

política são levantados (como quando Fernando Rodrigues, da Folha de S.Paulo, perguntou a Marta

Suplicy sua opinião sobre monogamia durante debate nas eleições de 2000).

Um aspecto negativo que mostra como a mídia influencia a política é o fato de alguns dos partidos

brasileiros - talvez muitos - prezarem mais o horário gratuito de propaganda eleitoral do que a busca

por novos militantes. Ora, para que os partidos efetivamente representem interesses de eleitores,

eles necessitam de raízes sociais. Seja por meio de sindicatos, organizações, movimentos sociais

etc. Com a propaganda televisionada, muitos líderes partidários decidiram concentrar seus esforços

em arrecadar dinheiro para custear os programas eleitorais - não para mobilizar a sociedade em

torno de idéias ou mesmo de um tema específico. O contato do partido com o eleitor, mediado pela

televisão, é mais direto, mais pessoal do que através de manifestações de massa. À medida que isso

se torna regra, os filiados a partidos tornam-se raridade. Algo péssimo para a democracia, regime

dependente de partidos políticos.

Os responsáveis pela mídia também são relativamente autônomos em relação a outra categoria

jornalística: a fotografia. Analisando a construção da imagem de alguns dos políticos mais

importantes do país, estudiosos assinalam que, no fotojornalismo, ocorre um processo de ‘criação’

semelhante ao da produção da charge política. Enquanto a fotografia “informa” e documenta, a

caricatura deforma. Assim, o fotojornalismo pode ser utilizado para produzir humor ou sátira,

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60

sempre gozando da legitimidade de informação documental, supostamente isenta. Cada jornal

ocupa-se em produzir uma fotobiografia política dos principais representantes, escolhendo para

cada um desses atores a imagem pública que julga ser a mais conveniente ao público receptor.

Podemos afirmar que a opinião pública é formada por um discurso fotojornalístico que se abastece

no perfil dos seus atores desenhado pela própria imprensa.

Onde entra o marketing político? Em uma função muitas vezes vista como negativa na relação entre

mídia e política, pois pode contribuir para o obscurecimento de temas públicos relevantes. Isso

acontece quando as características pessoais de um candidato à presidência, por exemplo, tomam

praticamente todo o tempo do horário eleitoral concedido a ele. É utópico esperar que apenas os

assuntos que interessam aos eleitores sejam abordados, mas tratar uma candidatura como algo que

deve provocar emoções é despolitizar a política. Muitos analistas consideram que a primeira

campanha no Brasil a usar o marketing de forma eficaz foi a de Fernando Collor de Mello, em

1989. Essa prática se disseminou no Brasil desde então, profissionalizando cada vez mais as

campanhas.

Ao multiplicarem as mensagens dos eleitos e publicizarem temas urgentes da realidade do país, os

meios de comunicação cumprem papel fundamental de qualquer democracia. Porém, a relativa

autonomia daqueles que decidem o que vai ser transmitido pode prejudicar o debate cívico – ao

mesmo tempo, essa autonomia é absolutamente necessária para o regime democrático. Entre esses

extremos se relacionam mídia, marketing e política.

Bibliografia adicional

BARROS FILHO, C. (org.) Comunicação na pólis: ensaios sobre mídia e política. Petrópolis,

Vozes, 2002.

BOURDIEU, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997.

FIGUEIREDO, Rubens (org.) Marketing político e persuasão eleitoral. São Paulo, Konrad

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Estadão”, in BARROS FILHO, C. Comunicação na pólis: ensaios sobre mídia e política.

Petrópolis, Vozes, 2002.

Page 61: Consciencia politica

Curso de formação política

61

Aula 11 - Democracia e Desenvolvimento Econômico

Luiz Gustavo Serpa

A formação de sociedades democráticas como conhecemos atualmente, teve início na passagem do

século XVIII (mais especificamente com os eventos ligados à Revolução Francesa e a

Independência dos Estados Unidos) para o século XIX. Nesse período, começaram a acontecer as

primeiras lutas pela conquista de liberdades e direitos políticos que não fossem privilégios de

apenas alguns nobres, característica marcante dos regimes políticos construídos ao longo da idade

média e mesmo após o fim do feudalismo e início da idade moderna.

Em paralelo às conquistas políticas que foram acontecendo nos séculos XVIII e XIX, também era

percebido o avanço da luta por liberdades ligadas a forma de condução da economia, como

liberdade de produção, de contratos de circulação pelos vários mercados que antes eram protegidos

por monopólios etc.

Ao conjunto das lutas por todos esses tipos de liberdade está associada uma corrente de pensamento

conhecida como liberalismo. As idéias liberais nunca separaram os dois tipos de luta, por liberdades

políticas e liberdades econômicas. A reunião dessas idéias também é conhecida como o período de

conquistas burguesas, dado que os maiores beneficiados com as lutas pela liberdade foram as

pessoas que detinham o controle da produção, do comércio e das atividades econômicas em geral.

Durante essa época o avanço do que nós chamamos de capitalismo e o avanço do que nós

chamamos de democracia representativa era entendido como algo comum, tanto que essa forma de

democracia também é conhecida como democracia liberal. No entanto, a democracia não era

entendida como um tipo de organização política da sociedade que pudesse ser implementada em

qualquer sociedade, mas somente naquelas que também estivessem passando pelo processo de

construção de uma economia capitalista liberal, o que restringia a possibilidade de um país ser

democrático a apenas alguns países da Europa e os Estados Unidos.

Essa associação de idéias permaneceu aceita pela maioria das pessoas até o século XX. Nesse

século ocorreram grandes movimentos sociais que procuraram construir novas formas de

organização social apoiadas em idéias que eram concorrentes do liberalismo. As duas experiências

mais famosas ocorreram na União Soviética, que seguia a doutrina comunista, e na Alemanha e

Itália, que seguiram as idéias nazi-fascistas.

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Curso de formação política

62

Ao final da Segunda Guerra Mundial os países nazi-fascistas haviam sido derrotados e destruídos e

os sistemas capitalista e comunista passaram a concorrer, liderados por seus dois grandes

representantes, Estados Unidos e União Soviética. Foi dentro desse contexto que a associação entre

democracia e desenvolvimento econômico passou a ser mais forte, porque no mundo capitalista

acreditava-se que a conversão ao comunismo acontecia devido ao atraso econômico e social das

sociedades onde ocorriam as revoluções comunistas, enquanto no mundo comunista acreditava-se

que o mau funcionamento econômico e social do capitalismo é que permitia a instalação de

sociedades comunistas. De qualquer forma, para ambos os sistemas, a capacidade de desenvolver

economicamente as sociedades parecia ser vital para justificar as formas de organização da

sociedade e para tentar provar qual era mais eficiente.

A preocupação com o desenvolvimento econômico das sociedades e a associação desse

desenvolvimento com a possibilidade de existência de democracias estáveis passou a ser a grande

preocupação do mundo ocidental depois da Segunda Guerra. Dessa preocupação surgiram vários

órgãos que existem até hoje, como o FMI e o Banco Mundial, que pretendiam ajudar o bom

funcionamento das economias capitalistas e promover o desenvolvimento econômico em todos os

países que fossem simpáticos ao mundo capitalista.

Essas idéias tiveram forte impacto na sociedade brasileira, que a partir de 1945 passou a buscar de

forma mais consciente o desenvolvimento da economia nacional. Empréstimos estrangeiros oficiais,

missões externas que vinham nos ensinar a promover o desenvolvimento econômico, planejamento

econômico, órgãos do governo voltados para essas atividades como o BNDE e a SUDENE

começaram a ser criados no Brasil ao longo dos anos 50 e várias outras atividades, todas sempre

buscando garantir o desenvolvimento econômico do país.

Deve ficar claro para todas as pessoas que estudam essa época que as ações tomadas no Brasil e em

vários outros países do mundo que buscavam o desenvolvimento econômico partiam do princípio

de que era necessário primeiro realizar esse desenvolvimento, para somente depois ter certeza da

consolidação da democracia dentro dessas sociedades. As várias teorias que justificavam essa forma

de ação política ficaram conhecidas como Teorias da Modernização e o período que se inicia com o

final da Segunda Guerra e termina com o Golpe de 1964 ficou conhecido no Brasil como

Desenvolvimentista. Grandes avanços econômicos foram obtidos ao longo desse período, como o

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63

início da exploração do petróleo pela PETROBRAS, o desenvolvimento da indústria

automobilística, vários investimentos na infra-estrutura como em rodovias, produção de energia

hidrelétrica, transmissão de energia, telecomunicações e outros setores importantes.

Por outro lado, o Brasil que após 1945 tinha começado um novo período político com o fim da

ditadura de Getúlio Vargas e o início de um período democrático que só foi interrompido em 1964,

passou a sofrer crescentes dificuldades em manter seu sistema democrático em funcionamento,

devido a problemas causados pela má compreensão da época das prioridades entre desenvolvimento

econômico e democracia. Isto porque, como o desenvolvimento econômico era percebido por todos

como fundamental para a melhoria das condições de vida de nossa população e ao mesmo tempo

como necessário para que a própria democracia pudesse funcionar, ele era priorizado diante da

própria democracia. Em outras palavras, cada vez mais naquele período, se fosse preciso escolher

entre manter o desenvolvimento econômico ou garantir o acesso de todos a direitos políticos e

sociais, a escolha recaia na alternativa de abrir mão do bom funcionamento da democracia em troca

da possibilidade de mais desenvolvimento econômico. Essa forma de agir levou a que grande parte

da população brasileira não tivesse acesso aos frutos do crescimento econômico e que, ao procurar

lutar por esse acesso através de manifestações políticas, fosse rejeitada como um impedimento ao

desenvolvimento econômico do país e a própria consolidação da democracia. A conclusão desse

processo ocorreu com o Golpe Militar de 1964, que em nome da defesa da democracia e do

desenvolvimento econômico do país destruiu o sistema democrático.

A aposta feita pelos militares foi a do crescimento econômico como resposta à falta de democracia.

A situação era justificada da seguinte maneira: quando o desenvolvimento econômico estivesse

consolidado no país não existiriam mais ameaças à democracia e só então ela poderia ser utilizada

sem a tutela dos militares.

O longo período de ditadura militar (1964-1985) apresentou em seu início um sucesso econômico

formidável em conjunto com um progressivo aumento da repressão e destruição das instituições

democráticas. O Brasil passou a ser o país que crescia mais rápido no mundo ao mesmo tempo em

que abandonava a democracia. Era quase que a inversão da idéia original de 1945, de que o

desenvolvimento econômico levaria ao fortalecimento da democracia. As conquistas econômicas

foram impressionantes, como industrialização pesada com setores químicos, petroquímicos,

mecânicos, elétricos, com o desenvolvimento de indústria de aviação, bélica, de equipamentos

Page 64: Consciencia politica

Curso de formação política

64

eletrônicos etc. Vários outros exemplos poderiam ser citados e não faz sentido negar o

desenvolvimento econômico que foi conseguido durante o período militar. Entretanto, grande parte

da população se encontrava marginalizada politicamente e mesmo socialmente dos benefícios desse

avanço.

Porém, o período militar não foi somente de avanço econômico. A partir da segunda metade da

década de 70 graves problemas na economia internacional, como a crise do petróleo, explosão das

taxas de juro internacionais e o aumento da dívida externa dos países em desenvolvimento levaram

o Brasil a parar de crescer. Nesse momento é que apareceu o grande perigo da aposta feita por nós,

pois agora estávamos sem desenvolvimento econômico possível e sem democracia. Foi diante dessa

situação que os militares foram paulatinamente perdendo legitimidade diante da sociedade

brasileira. O processo de redemocratização do Brasil teve eventos importantes, como a reabertura

de 1979, e a campanha pelas eleições diretas em 1983-4.

Com o final do período militar os governos civis que o sucederam tiveram que enfrentar uma

verdadeira herança maldita. Inflação, recessão, desemprego, fome, crise social e vários outros

problemas sócio-econômicos estavam associados às dificuldades de se recomeçar um sistema

democrático. O Brasil passou toda a segunda metade dos anos 80 enfrentando esses problemas sem

sucesso. E foi então que uma nova “moda” intelectual internacional surgiu. Ela se chamou consenso

de Washington, pois foi elaborada na sede do Banco Mundial que fica naquela cidade, e defendia

que várias das ações que o Brasil e outros países haviam tomado buscando seu desenvolvimento

econômico desde os anos 50 estavam erradas ou precisavam ser mudadas. Economias fechadas ao

comércio internacional, empresas estatais, produção voltada exclusivamente para o mercado

interno, desequilíbrio fiscal nas contas dos governos e outras ações / situações desse tipo passaram a

ser vistas como as causas da falta de crescimento econômico de países como o Brasil. Nesse

momento, agora que não existe mais o desafio comunista devido à queda do mundo socialista entre

o fim dos anos 80 e o início dos 90, a ênfase não é mais na democracia, mas sim no bom

funcionamento das economias. Esse bom funcionamento é entendido por muitos como

privilegiando de forma exagerada a capacidade dos países de garantirem que os investimentos

estrangeiros neles nunca sofram perdas. De qualquer forma, desde o governo Collor o Brasil busca

fazer as reformas apontadas pelo consenso de Washington. Muitas delas já foram feitas, mas nosso

país nunca mais conseguiu iniciar um novo processo de desenvolvimento econômico como aquele

que foi conseguido no período que vai de 1945 a 1975.

Page 65: Consciencia politica

Curso de formação política

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Ironicamente, hoje o Brasil é uma sociedade mais democrática do que jamais foi. Desde 1985

estamos construindo um processo democrático que está consolidando-se de forma muito rápida.

Evidentemente, os desafios que devemos enfrentar são enormes. Nossa sociedade continua muito

desigual e injusta, econômica e politicamente. Mas hoje todos temos consciência de que nosso

desenvolvimento como sociedade mais justa e próspera passa pelo desenvolvimento da economia e

da democracia de forma conjunta. Todos sabemos que o Estado brasileiro tem que enfrentar

restrições econômicas, que a condução da política econômica não pode ser mais feita como foi no

passado e que todos os cidadãos devem rever sua forma de agir economicamente buscando formas

mais éticas, justas e eficientes. Esses desafios são grandes, mas desfrutando de liberdade

democrática podemos esperar que consigamos superar a todos construindo um país bem melhor do

que temos atualmente.

Bibliografia adicional

ALVAREZ, Sônia; DAGNINO, Evelina & ESCOBAR, Arturo. Cultura e Política nos Movimentos

Sociais Latino Americanos; Novas leituras. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2000.

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n.º 45 Dez/1991.

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SROUR, Robert Henry. Poder, cultura e ética nas organizações. Rio de Janeiro, Campus, 1998.

STEPAN, Alfred. Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.

TOURAINE, Alain. O que é a democracia? Petrópolis, Vozes, 1996.

WILLIANSON, John. A economia aberta e a economia mundial. Rio de Janeiro, Campus, 1989.

Política Internacional: da Segunda Guerra à Globalização

Marcello Simão Branco

Temos hoje, neste início de século XXI, um mundo bastante diferente daquele saído do maior evento militar

do século passado, a Segunda Guerra Mundial. Em 1945 o contexto internacional mostrava a vitória dos

Aliados frente às forças do Eixo. Com a Europa e boa parte da Ásia em ruínas, começava um mundo novo,

com duas grandes superpotências (Estados Unidos e União Soviética) determinando os rumos ideológicos e

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políticos dos demais países do planeta até o fim dos anos 80, num período que ficou conhecido como Guerra

Fria. Do ponto de vista institucional também houve mudanças importantes nas relações internacionais.

Foram criados a Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco

Mundial entre outras, para estruturar e coordenar as relações entre os países, tanto do ponto de vista político,

como econômico.

O que é importante ressaltar é que cerca de 60 anos depois do fim do conflito, o mundo ainda tem

como principais heranças as criações institucionais daquele período sangrento e conturbado. E é por

esta razão que o marco inicial de análise deste texto toma como ponto de partida o mundo incerto

que se vislumbrava em meados dos anos 40. Mas ao invés de repassarmos histórica e

cronologicamente os períodos posteriores, vamos antes tentar entender um pouco da lógica e da

complexidade que motiva os países em suas relações internacionais.

Nos termos mais genéricos a própria expressão ‘relações internacionais’ indica o conjunto de

relações que intermediam entre os Estados e as instituições internacionais. E implica na distinção

entre uma esfera de suas relações internas e de suas relações externas. Pois enquanto as internas se

desenvolvem normalmente sem o recurso à violência, que é monopólio da autoridade soberana, as

relações externas se desenvolvem com a possibilidade da guerra, isto é, envolvem a possibilidade

permanente da guerra ou sua ameaça, quando não sua experiência freqüente.

Soberania e anarquia

O conceito fundamental a ser entendido é que se a soberania, ou monopólio internacional da força, é

o poder de garantir, em última instância, a eficácia de uma ordem jurídica, assegurando a

manutenção das relações pacíficas internas do Estado, ela é também, de outro ponto de vista, a

causa da guerra nas relações externas dos Estados. Isso porque, num contexto internacional, o

Estado não reconhece juridicamente nenhuma outra instância de poder acima de sua própria.

Mesmo que haja autoridades e instituições supra-estatais, o Estado reserva para si mesmo a decisão

final de suas ações no plano internacional. Não é por outra razão que a quase totalidade dos Estados

soberanos e reconhecidos em sua independência política possuem Forças Armadas. No limite, é um

recurso e uma proteção contra eventuais agressões de outros Estados.

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Dentro deste quadro, temos o que alguns analistas das teorias de relações internacionais chamam de

uma dicotomia entre ‘soberania estatal-anarquia internacional’. Ou seja, as relações internas são

coesas e tem uma fonte única de poder e legitimidade. Já as externas não são reguladas por uma

fonte única de poder, permitindo a cada Estado defender seus interesses em pé de igualdade teórico

com os outros Estados. Teórico é bem a palavra, pois na prática histórica dos países existem

configurações de poder entre eles que moldam suas relações e definem suas estratégicas externas.

Para resumir o argumento, existe uma hierarquia entre os vários Estados, baseadas em fatores como

maior poderio econômico, militar, populacional e de recursos naturais e tecnológicos, entre outros.

Assim, há uma diferenciação entre as chamadas ‘grandes potências’, ou seja Estados realmente

capazes de se defender de modo autônomo, das potências médias e pequenas, que precisam buscar a

proteção de uma das grandes potências. Uma decorrência desta hierarquia é que as decisões

fundamentais do contexto internacional são as tomadas por uma minoria de países: os mais

poderosos, as grandes potências.

Como se vê, com esta hierarquização se reduziu uma situação de aparente caos, onde todos os

Estados podem tudo contra qualquer outro, para uma de contenção e concentração em alguns

poucos países. E mesmo entre estes, chamados de grandes potências, deve existir um equilíbrio, no

qual não deve haver uma excessiva diferença de força e interesses entre eles, capaz de impedir que

qualquer deles se sobreponha a todos os demais.

A hierarquia entre os Estados e o equilíbrio entre as grandes potências, ao lado do quadro básico de

anarquia do sistema internacional, são os dois elementos estruturais que transformam uma

pluralidade caótica de Estados num sistema que permite uma relativa ordem, tornando mais

compreensível e previsível as relações entre eles.

Ainda do ponto de vista teórico e conceitual é importante entender como este sistema de Estados

mais poderosos vem se configurando e modificando ao longo da História. Pois é,

fundamentalmente, das relações de força e interesses entre eles, que as relações internacionais

adquirem condições de paz ou guerra. Basicamente temos a existência de sistemas de Estados

unipolares, bipolares e multipolares. Unipolar onde apenas uma grande potência domina o cenário

internacional como, por exemplo, o Império Romano. Bipolar onde o mundo está dividido entre

dois países poderosos como, por exemplo, Estados Unidos e União Soviética. E multipolar onde as

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relações internacionais se estruturam em um conjunto de países, um número limitado, mas não

propriamente definido. Como exemplo, podemos apontar a Europa de meados do século XIX até a

deflagração da Segunda Guerra Mundial.

Guerra fria

Com estes marcos estabelecidos é possível entendermos de forma mais clara as relações

internacionais deste último meio século. Pois o que tínhamos no cenário que levou à conflagração

armada de 1939-45? Um sistema multipolar que entrou em colapso. Aliás, que já apresentava

problemas desde 1914 com a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Do enfrentamento das potências

grandes da Europa (Alemanha, Reino Unido, França e Itália), de uma potência em ascensão na Ásia

(Japão), foi dado o estopim para a Segunda Guerra. E este conflito permitiu ao seu final que dois

grandes países passassem a protagonizar o cenário internacional, transformando a implosão do

sistema multipolar em um sistema bipolar.

Esta competição por poder e hegemonia pelos Estados Unidos e União Soviética se estruturou,

contudo, sob a base de um conjunto de instituições internacionais até então inédito. Como vimos

nasce a ONU e outras organizações multilaterais complementares, com o claro propósito de mediar,

negociar as relações entre os Estados, estabelecendo vínculos, acordos e tratados políticos e

econômicos, como meio de impedir o ressurgimento de um novo conflito de dimensão mundial.

Contudo, pelo fato de a ONU estar sob a égide da ação das principais potências internacionais, ela

fica ‘engessada’, isto é, subordinada em boa parte às decisões dos principais atores do cenário

internacional. Tanto é que ela é estruturada em duas instâncias decisórias principais: 1) a

Assembléia Geral, com a presença de todos os países filiados, onde são deliberadas várias questões

de interesse dos países, desde problemas políticos até sociais. 2) O Conselho de Segurança, que é o

órgão decisório, por meio do qual, os principais países do ponto de vista político e militar decidem

questões da segurança internacional. Apenas eles têm o poder de voto (e veto) neste conselho:

Estados Unidos, União Soviética, China, Reino Unido e França. Exatamente os países vencedores

da Segunda Guerra.

Dentro deste contexto, o que caracteriza de saída a superioridade do gigante do Oeste e do gigante

do Leste, são seus arsenais nucleares. Esta vantagem, que já se configura no próprio fim da Segunda

Guerra, nasce não apenas de uma capacidade militar superior, mas também de um uso deliberado de

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recursos econômicos e tecnológicos para fins estratégicos. Mesmo sendo comparativamente mais

‘pobre’ do que os Estados Unidos, a União Soviética concentra vitalmente seus recursos no

desenvolvimento militar, o que acabará, por fim, a sérias distorções internas com efeito decisivo

para a sua derrocada em fins dos anos 80.

Mas a capacidade militar de ambos os países não é tudo. Muito importante também é o cunho

ideológico. Ambos são portadores de uma mensagem universal, que defende uma determinada visão

de mundo muito particular e excludente da sua concorrente. No caso elas são os valores

democráticos e capitalistas dos americanos e os valores socialistas dos soviéticos. Desta maneira a

Guerra Fria entre as duas superpotências se justifica essencialmente por sua defesa ideológica e se

ampara materialmente na corrida armamentista nuclear. Contribui para ampliar o conflito latente a

internacionalização dos assuntos mundiais. Pois estes dois países disputam poder e influência em

todos os cantos do globo.

Assim, quando se somam os elementos militares e ideológicos, articula-se plenamente o exercício

hegemônico das duas superpotências, com a formação de alianças militares (Organização do

Tratado do Atlântico Norte [OTAN], pelo lado americano; Pacto de Varsóvia, pelo lado soviético).

Formam-se, desta maneira, zonas de influência em que a presença do rival deve ser evitada

terminantemente. Uma situação tal que uma alteração deste ‘equilíbrio de terror’ pode levar

decisivamente a uma guerra, como o caso da instalação de mísseis nucleares em Cuba em 1961.

Desta maneira, as relações internacionais de todo o planeta ficam subordinadas aos interesses

maiores de americanos e soviéticos. As políticas internas de potências médias e pequenas são

influenciadas pelos interesses dos dois países, de acordo com o grau de autonomia militar e

desenvolvimento econômico de cada nação. Desta forma, por exemplo, um país reconstruído das

ruínas da guerra, novamente rico e com pequeno arsenal nuclear como a França, tem um poder de

manobra razoável dentro do bloco ocidental. Já um país subdesenvolvido, do Terceiro Mundo, fica

mais dependente dos interesses ideológicos e militares de americanos e soviéticos.

É dentro deste quadro que se assiste durante os anos da Guerra Fria a várias guerras civis e

insurreições militares em países da Ásia, África e da América Latina. Ao fim da Segunda Guerra

dois outros fenômenos foram muito marcantes no cenário internacional. Primeiro um processo de

descolonização acentuado na Ásia e na África, com vários países ganhando a independência política

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dos seus antigos dominadores europeus. E em segundo lugar, ao clima de vitória dos Aliados e o

ressurgimento dos valores liberais-democráticos como a melhor forma de organizar uma sociedade,

vários países, entre os descolonizados e outros anteriormente influenciados pelo fascismo, se

tornaram democráticos. Mas dentro deste quadro de mudança acentuada dos regimes políticos,

também o socialismo teve uma influência importante, cooptando muitos países para sua esfera de

influência. E devido a esta concorrência ideológica, que tinha como interesse real, a ampliação da

zona de influência de americanos e soviéticos, foram deflagradas guerras civis, invasões armadas e

golpes de Estado, que terminaram por convulsionar o cenário internacional de forma dramática,

especialmente a partir dos anos 60. Soviéticos incentivavam os países a entrarem para sua zona de

influência, seduzindo-os com armamentos e recursos econômicos. E os americanos passaram a usar

de expediente semelhante, deixando num plano secundário a defesa de seus valores democráticos.

Bastava apenas que os governantes os apoiassem contra os soviéticos. Desta forma, há uma forte

regressão em vários regimes democráticos, com a instalação de ditaduras de perfil militar e

conservador em vários países, especialmente na América Latina.

É dentro deste contexto que podemos entender o que aconteceu em parte com o Brasil, que caiu

como mais um dominó do tabuleiro em 1964. Antes disso, ao fim da Segunda Guerra, o Brasil se

alinhou claramente aos Estados Unidos em sua política externa. O principal interesse do país era

conseguir investimentos financeiros externos para o desenvolvimento industrial, mas quando no

plano interno um discurso nacionalista de viés mais ‘esquerdista’ ganha corpo, dada a precariedade

do sistema político e baixa adesão aos valores da democracia, o Brasil sofre um golpe de Estado

civil-militar em 1964 que perdurará até 1985. E este regime militar adota uma política severa de

ataque a qualquer interesse que não seja o da sua chamada Doutrina de Segurança Nacional, que

estipulava os agentes subversivos socialistas ou não partidários do regime como inimigos internos

do Estado. O Brasil entrava na chamada órbita americana, como um exemplo dos alinhamentos

internacionais das potências pequenas e médias (como o Brasil) no período.

E esta lógica de aumentar a zona de influência e evitar a perda para o inimigo se exacerba com a

disputa armamentista que se dá não só entre Estados Unidos e União Soviética, mas em graus

proporcionais, a todos os países. De toda forma, este processo permanente de construção de armas

cada vez mais poderosas e destrutivas leva a uma situação paradoxal. A capacidade de destruição é

tal que ultrapassa demais as necessidades de segurança de cada um. Ou seja, se utilizados os

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arsenais nucleares, levariam, não à intimidação ou destruição do adversário, mas à destruição da

vida na Terra.

Uma conseqüência é a de que, em boa medida, a lógica nuclear se desliga da lógica política. O

emprego da ameaça nuclear como instrumento de intimidação do adversário se dilui. Continua a

valer como um diferencial de poder, consome recursos gigantescos, mas, no limite, seu efeito é

mais simbólico do que prático.

Assim é que a continuação desta corrida armamentista acaba por ser uma das principais causas do

colapso do regime soviético. Em determinada altura, o planejamento econômico estatal não

consegue mais dar conta dos investimentos militares e tecnológicos e ainda atender as demandas

sociais de sua também enorme população espalhada pelo maior território de um país em todo o

mundo. Chegamos em 1989 e o mundo assiste com um misto de júbilo e perplexidade os regimes

socialistas do Leste Europeu caírem um a um e com pouco derramamento de sangue.

Nova ordem mundial

Após a extinção da União Soviética, o mundo assiste ao fim do chamado sistema bipolar que

controlou as relações internacionais de 1945 a 1991. Entramos numa nova fase marcada por outras

ameaças, um legado institucional da ONU e outras organizações afins afeiçoadas a um mundo que

também não existe mais, fenômenos como uma nova onda de democratização em vários países do

mundo e a globalização do comércio e o desenvolvimento de blocos econômicos como dois eventos

importantes, em meio à constatação de que o sistema de Estados é agora comandado por uma única

superpotência: os Estados Unidos.

Para o Brasil, um país de uma região periférica, mas ainda assim a principal potência da região do

planeta em que se encontra (a América Latina), duas opções muito importantes são verificadas: a

restauração da democracia, com o fim da ditadura militar, e a aproximação com seu principal

adversário político na região, a Argentina, criando o Mercado Comum do Sul (Mercosul), já em

1986. Neste sentido a orientação da política externa brasileira tem seguido, com pequenas variações

de governos a governos, a defesa de valores tradicionais de sua diplomacia (como a solução pacífica

dos conflitos e a não interferência internacional em assuntos internos de países), bem como uma

promoção de valores democráticos para os seus vizinhos e uma forte opção de integração regional,

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ampliada mais recentemente com as negociações em curso da Área de Livre Comércio das

Américas (Alca).

Já o cenário internacional está marcado pela supremacia econômica e militar americana e em uma

vasta e jamais vista antes interconexão das trocas econômicas. No estágio histórico a que chegamos

é possível falar de capitalismo e sociedade civil com amplitude transnacional. Mas este mundo

socio-economicamente interligado não é propriamente unipolar do ponto de vista político-

estratégico. Apesar das recentes ações unilaterais norte-americanas devido aos atentados terroristas

de setembro de 2001 e suas respostas militares, como as invasões ao Afeganistão (2001) e ao Iraque

(2003), o mundo ainda busca um novo paradigma de equilíbrio entre os principais países, num

sistema que poderia ser mais propriamente compreendido como unimultipolar. Ou seja: uma grande

potência de alcance mundial e potências relevantes, mas de nível regional ou continental, como a

Rússia, a União Européia e a China, por exemplo. É um mundo em transformação e com contornos

indefinidos, potencializados com a ascensão do terrorismo em escala internacional como um

inimigo insidioso e desestabilizador.

A definição de um quadro que seja minimamente seguro para a convivência humana no planeta

passa pela reformulação e um papel de maior importância e poder de decisão da ONU. Mas, como

no passado, ela ainda depende em boa parte dos interesses das maiores potências. E num sistema em

que um país tem uma preponderância gigantesca com relação aos demais esta tarefa fica difícil de

ser concretizada, ao menos no curto prazo dos próximos anos.

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