conflito fiscal federativo
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Uma análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Brazil's Supreme Court) sobre as disputas acerca do ICMS (IVA)TRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR
CENTRO DE CINCIAS JURDICAS
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
ADEMIR PICANO DE FIGUEIREDO
CONFLITO FISCAL FEDERATIVO
os incentivos dos Estados na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal.
Belm
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR
CENTRO DE CINCIAS JURDICAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO
ADEMIR PICANO DE FIGUEIREDO
CONFLITO FISCAL FEDERATIVO
os incentivos dos Estados na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal.
Dissertao apresentada ao Curso de Ps-
Graduao em Direito da Universidade Federal do Par,
como requisito parcial para obteno
do ttulo de Mestre. rea de concentrao:
Tributao e Direitos Humanos
Orientador: Professor Fernando Facury Scaff
Belm
2007
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Figueiredo, Ademir Picano de
Conflito Fiscal Federativo: os incentivos dos Estados na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal / Ademir Picano de Figueiredo. - - Belm: UFPA / CCJ, 2007.
x, 110 f. : il. ; 31 cm.
Orientador: Scaff, Fernando Facury Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Par,
Centro de Cincias Jurdicas, Programa de Ps-graduao em Direiro, 2007.
1. Federalismo 2. Incentivos fiscais 3. Desenvolvimento Regional. 3. ICMS Tributao 4. Guerra Fiscal 5. Tributao e Direitos Humanos - Tese . I. Scaff, Fernando Facury. II. Universidade Federal do Par, III. Centro de Cincias Jurdicas, Programa Ps-graduao em Direito. IV.Ttulo.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR
CENTRO DE CINCIAS JURDICAS
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
ADEMIR PICANO DE FIGUEIREDO
CONFLITO FISCAL FEDERATIVO
os incentivos dos Estados na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal.
Data: ______/_______/_______
Banca Examinadora:
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Belm
2007
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Romana, Ademir, Giane e Arthur
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RESUMO
A utilizao da poltica fiscal como mecanismo de interveno do Estado no domnio
econmico, pela via da induo, recorrente nas aes pretensamente desenvolvimentistas
dos entes pblicos. No Brasil, esta opo de gesto tributria - levadas em conta as bases
tensas da formao histrica de nosso federalismo e a acirrada competitividade propiciada e
fomentada pela vaga neoliberal dos anos 90 catalizou um processo de conflituosidade entre os entes da federao que veio a ser conhecido como guerra fiscal. A guerra fiscal caracteriza-
se pela concorrncia fiscal predatria entre os Estados da federao visando atrair para sua
jurisdio tributria investimentos ou empreendimentos, ainda que em prejuzo de outros
Estados federados. A intensificao desta cenrio conflituoso levou diversos Estados a
litigarem no Supremo Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade dos incentivos por
desobedincia imposio de acordo prvio nos termos da Constituio (art. 155, 2, II,
g) e da Legislao do Confaz (Lei Complementar 24/75). Este trabalho analisa os aspectos gerais do guerra dos incentivos fiscais no mbito do ICMS e apresenta um mapeamento das
principais ADINS relativas ao tema.
Palavras-chave: Guerra fiscal, incentivos fiscais, tenso federativa, desenvolvimento e ICMS.
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ABSTRACT
The use of the tax policy as a mechanism of intervention of the State in the economic domain,
by the induction way, is recurrent in the supposedly developmental actions of the public
entities. In Brazil, this option of tax management - considering the tense bases during the
formation of our federalism and the incited competitiveness generated and fostered by the
neoliberal wave during the nineties - accelerated a conflicting process among the states of the
federation that became known as tax war. The tax war is characterized by the predatory tax
competition among the States of the federation aiming to attract for its jurisdiction tax
investments or enterprises, even though damaging other Federative states. The intensification
of this conflicting situation led several States to litigate in the Supreme Federal Court,
questioning the constitutionality of the incentives, for desobeying the obligation of previous
agreement as provided in the Constitution (art. 155, 2, II, g) and the Legislation of the Confaz (Complementary Law 24/75). This work analyzes the general aspects of incentives
war in the scope of the ICMS and presents a mapping of the main ADINS relative to the
subject.
Word-key: Tax war, tax incentives, federative tension, development and ICMS
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LISTA DE ILUSTRAES
Grfico 1 Comparao de conflitos fiscais por tipo de Adin.................................................................................87
Grfico 2 Decises do STF na guerra fiscal ..........................................................................................................88
Grfico 3 Estados proponentes de Adins ...............................................................................................................90
Grfico 4 Estados questionados por Adins no STF ...............................................................................................90
Grfico 5 Origem das Adins, por grandes regies .................................................................................................91
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SUMRIO
Introduo............................................................................................................................. .................................11
Pressupostos tericos do tema..........................................................................................................................16
Desarticulao do desenvolvimento nacional...................................................................................................18
Aumento da tenso federativa..........................................................................................................................20
Insegurana jurdica..........................................................................................................................................22
Parte I Aspectos gerais da guerra fiscal..............................................................................................................24
Captulo 1 Contexto histrico da guerra fiscal no Brasil ......................................................................................24
1.1 Razes recentes da intensificao da guerra fiscal....................................................................................24
1.2 Razes remotas no federalismo..................................................................................................................25
1.3 Razes presentes em trs fases..................................................................................................................30
1.3.1 Primeira fase..................................................................................................................................30
1.3.2 Segunda fase..................................................................................................................................31
1.3.3 Terceira fase...................................................................................................................................33
Captulo 2 Desigualdade regional e teorias do desenvolvimento..........................................................................35
2.1 Dimenso intrarregional das desigualdades..............................................................................................38
2.2 Teorias do desenvolvimento......................................................................................................................39
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2.2.1 Schumpeter e o empresrio inovador............................................................................................40
2.2.2 A idia dos plos de crescimento..................................................................................................42
2.2.3 O Estruturalismo e a Cepal............................................................................................................43
PARTE II ASPECTOS JURDICOS DA GUERRA FISCAL..........................................................................46
Capitulo 3 Incentivos fiscais e o direito promocional............................................................................................46
3.1 Vetores principiolgicos............................................................................................................................48
3.1.1 Legalidade.....................................................................................................................................49
3.1.2 Igualdade............................................................................................................................ ...........50
3.1.3 Indisponibilidade do interesse pblico..........................................................................................52
3.2 Conceituao e caractersticas dos incentivos fiscais...............................................................................53
3.3 Incentivos fiscais no regime do ICMS.....................................................................................................58
3.4 Modalidades de incentivos fiscais no regime do ICMS...........................................................................60
3.4.1 Incentivos quantitativos diretos.....................................................................................................61
3.4.1.1 Excluso ou restrio da base de clculo.............................................................................61
3.4.1.2 Reduo de alquotas...........................................................................................................62
3.4.2 Incentivos quantitativos indiretos.................................................................................................64
3.4.2.1 Concesso de Crditos Presumidos.....................................................................................65
3.4.2.2 Concesso de diferimentos..................................................................................................66
3.4.2.3 Concesso de financiamentos ao ICMS..............................................................................66
Captulo 4 Apropriao metodolgica da jurisprudncia e anlise de conflitos-tipo............................................67
4.1 Papel institucional do STF no contexto da guerra fiscal.........................................................................70
4.2 Conflitos-tipo da guerra fiscal no STF.....................................................................................................72
4.2.1 Conflito Vertical............................................................................................................................72
4.2.2 Conflito Intraestadual....................................................................................................................73
4.2.3 Conflito Interestadual....................................................................................................................73
4.3 Anlise de conflitos-tipo..........................................................................................................................73
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4.3.1 ADIN 3246-PA - guerra fiscal ou faroeste caboclo?....................................................................73
4.3.2 Adin 1308-4 RS x RS Fogo Amigo ou esquizofrenia fiscal? ......................................................79
4.3.3 Adin 1179 SPxRJ O imprio contra-ataca.................................................................................81
Captulo 5 Mapeamento da guerra fiscal...............................................................................................................85
5.1 Procedimento da pesquisa.......................................................................................................................85
5.2 Constataes............................................................................................................................. ...............86
5.2.1 A guerra fiscal em grande parte um conflito interno dos Estados..............................................86
5.2.2 As decises cautelares representam parte considervel do Universo analisado...........................88
5.2.3 A guerra fiscal SUL-SUL e no NORTE-SUL...........................................................................89
CONCLUSO......................................................................................................................................................93
Referncias Bibliogrficas...................................................................................................................................97
Anexo - Ementrio das ADINs pesquisadas.....................................................................................................100
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INTRODUO
Em um regime federativo, a autonomia concedida a cada esfera de poder autoriza o
estabelecimento de legislaes internas visando a atender os interesses prprios de cada ente
federado. No aspecto fiscal, o federalismo possibilita legitimidade de arrecadao e transferncias
obrigatrias, para que cada esfera de poder possa estabelecer certa economia prpria e atuar com a
independncia que a Constituio concede, bem como para que possa atender ao que lhes exige o
texto maior, em matria de distribuio de uma ampla gama de bens pblicos.
H, contudo, uma dificuldade1 inerente aos sistemas federativos: a da compatibilizao dos
conflitos de interesse. O que se acentua no quadro brasileiro, seja devido ao desequilbrio
econmico e social entre as diferentes regies e entes federados, seja graas s razes, muito mais
centrfugas que centrpetas, da formao histrica do federalismo brasileiro, em que, em vez de um
governo central forte e comum, buscava-se bem mais a afirmao da autonomia pelos entes
federados.
Isto engendrou um federalismo tenso, cujo centro nevrlgico a busca de um arranjo
institucional que seja capaz de solucionar os conflitos entre os nveis de governo sem, contudo,
destituir cada ente de sua parcela de autonomia. A este arranjo chama-se pacto federativo, quando
plasmado em uma Constituio rgida comum.(BERCOVICI, 2003, p.146)2
Esta tenso federativa geneticamente instalada na experincia poltica brasileira repercute
em muitos ambientes: poltica, economia e mesmo nas expresses da cultura. Em um deles,
contudo, ganha tamanha relevncia que tem sido objeto de muitos estudos, entre os quais o que aqui
1 O Professor Scaff mais enftico e aponta estas dificuldades como verdadeiros dilemas do sistema, seriam principalmente
estes, aos quais voltaremos a nos referir: O financiamento da Unio atravs de contribuies e o desvio de recursos dos Fundos Participativos; A Lei de Responsabilidade Fiscal e o Pacto Federativo; A possibilidade de reteno pela Unio de recuros dos Estados e A guerra fiscal entre os Estados. SCAFF, Fernando Facury. Aspectos financeiros do sistema de organizao territorial do Brasil. Boletim de Cincias Econmicas XVLII (separata) Universidade de Coimbra, Coimbra, 2004 pp. 13-29.
2 O fundamento da federao a Constituio rgida comum. (...) O que diferencia cada membro da federao a atribuio de competncias distintas pela Constituio. Outro dado essencial para a caracterizao de um regime federal a qualidade estatal dos entes federados (Estados-Membros, Provncias, etc), a chamada estatalidade, qualidade esta que depende da configurao destes entes enquanto centros de poder poltico autnomo e de sua capacidade de influir na tomada de decises do Estado como
um todo. As tentativas de melhorar a capacidade poltica e administrativa dos entres federados dizem respeito, portanto, ao ncleo essencial da idia de federalismo
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se apresenta. Este ambiente o da tenso federativa fiscal.
A Constituio de 1988, sem dvidas, abriu novas perspectivas para o federalismo brasileiro,
com nfase na cooperao federativa e na superao das desigualdades regionais, e isto fica
bastante enfatizado quando observamos captulos como o da repartio da arrecadao tributria.
Contudo, no se pode fechar os olhos crescente degenerescncia do princpio federal cooperativo
em um ambiente de prticas predatrias entre os entes federados, que culmina no objeto de estudo
deste trabalho, o conflito por recursos e investimentos financeiros entre os entes federados: a guerra
fiscal.
Em meados da dcada de 90, eclodiram na mdia nacional alguns litgios interestaduais
quanto localizao de investimentos industriais. Ganhou notoriedade o caso da montadora Ford
em 19993, que se instalaria no Rio Grande do Sul e, aps a oferta de maiores incentivos do governo
da Bahia, com apoio do governo federal, ento mais afinado com os mandatrios baianos, migrou
daquele para este Estado da federao. A expresso guerra fiscal tornou-se ento popular, servindo
para representar a acirrada disputa poltico-fiscal travada entre Estados brasileiros, em um momento
em que os diversos entes federados passaram a buscar a maximizao do fluxo de ingressos de
investimentos e, para isso, concederam desoneraes de ordem fiscal aos empreendedores privados.
Viu-se nesse perodo um recrudescimento deste tipo de embate, pois embora no fosse
novidade a utilizao da poltica fiscal como instrumento de disputa econmica, chamou ateno o
cenrio por assim dizer hobbesiano, em que a competio passou a ser travada, falta de meios de
3 Essa foi a batalha mais famosa da guerra fiscal e representou um momento, de canibalizao de um estado da federao por
outro. (ARBIX,2002, p. 119). A Ford havia contratado a localizao de uma nova fbrica no Rio Grande do Sul, mas o novo governo gacho, empossado em 1999, quis rever os termos da negociao por os considerar demasiado onerosos para o estado. A Ford,
de sua parte, no concordou e tentou dobrar os dirigentes gachos com a ameaa de transferir o projeto para outra rea do pas. Antes que o impasse fosse desfeito, o governo da Bahia, agilmente, interps-se e deslocou o projeto para seu territrio, com a oferta de numerosas vantagens, entre as quais se destacavam os incentivos especiais do regime automotivo para o Nordeste.
Para tanto, seria preciso o apoio do governo federal, o qual, aps algumas divergncias internas, chegou a uma frmula para viabilizar financeiramente a iniciativa da Bahia. Por essa frmula, o prazo de adeso ao regime automotivo para o Nordeste, o Norte e o Centro-Oeste, j encerrado em 1998, foi reaberto por mais um ano para atender situao especfica da Ford. Porm o
montante da renncia de impostos federais ficou bem menor do que previra originalmente o referido regime . reduziu-se de R$700 milhes para R$180 milhes anuais em mdia, at 2010, em montante tido como suficiente para compensar a Ford pelo custo adicional de produzir veculos na Bahia e no no Centro-Sul. Houve tambm a concesso de crdito pelo BNDES, alm obviamente de benefcios oferecidos pelo governo da Bahia. (DULCI Otvio Soares guerra fiscal, desenvolvimento desigual e relaes federativas no brasil in REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 18, UFMG: Belo Horizonte 2002. p. 100.
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regulao capazes de atenuar seu impacto negativo sobre as relaes federativas.4 (DULCI , 2002,
p.100)
Este cenrio, como dito, enfraquece o pacto de cooperao federativa afirmado na
Constituio de 88, ao passo que acirra a tenso federativa, histrica companhia das relaes
institucionais na federao brasileira.
Tendo tudo isto em vista, este trabalho procurou analisar a concesso competitiva de
incentivos fiscais, no mbito do ICMS, por parte dos Estados Federados, bem como, o tratamento
jurisprudencial dado pelo STF ao acirramento desta competio.
Vimos que, embora a guerra fiscal no formato que atualmente se apresenta tenha causas bem
definidas, sua compreenso exige contextualizao mais aprofundada. O que se buscou fazer com a
leitura e o correlacionamento entre razes remotas do federalismo brasileiro em especial sua
vertente de tenso centrfuga e o fenmeno contemporneo dos conflitos fiscais.
Desta associao identificamos como causa remota da guerra fiscal o que Raimundo Faoro
chamou de capitalismo politicamente orientado, com o qual se oportuniza a reproduo no poder do
estamento dirigente, atravs da manipulao dos instrumentos estatais de interveno no domnio
econmico, de forma que se vejam preservados os subsdios e privilgios concedidos rede
territorialmente dispersa de apoio e legitimao do governo central (parcela nacionalmente
hegemnica do estamento dirigente). Ainda que, para isso, seja necessria a preservao de setores
de menor produtividade e rentabilidade real, constatao que extramos de Luis Eduardo Fiori.
Este viscoso caldo histrico-cultural, eivado das prticas mais venais de luta por preservao
e ampliao de poder poltico, choca-se em diversos momentos da histria econmica do pas com a
necessidade de obteno de resultados produtiva e rentabilmente reais, da... A sada em geral a
centralizao por parte da Unio, como figura ditadora da linha econmica a ser adotada, quando
no, tambm, da linha poltica. Nestes momentos igualmente se observa o estreitamento da
4 DULCI Otvio Soares guerra fiscal... p. 95.
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possibilidade ou da prioridade de se dilapidar recursos econmicos com a preservao de setores
no rentveis, ainda que politicamente estratgicos.
Destacadamente dois destes momentos representam marcos temporais relevantes para a
anlise da guerra fiscal: a) o acirramento da concentrao poltica do regime de 64 para
implementar as medidas do que consideraria seu milagre econmico e b) os planos econmicos e
o ajuste fiscal para repactuao com o FMI nas dcadas de 80 e 90.
No primeiro deles v-se a sucessiva alterao legislativa para o fortalecimento da
capacidade da Unio de determinar os rumos da atividade econmica e diminuio da possibilidade
de os Estados, unilateralmente, concederem incentivos fiscais, assim a reforma tributria de 65/66,
que substitui o IVC pelo Imposto sobre a Circulao de Mercadorias (ICM) e inclui no Cdigo
Tributrio Nacional a figura dos convnios, adicionada Lei Complementar 24/75, que cria o
Conselho Nacional de Poltica Fazendria (Confaz), ir gerar um estancamento na concesso de
incentivos por parte dos Estados no por parte da Unio, vejam-se Sudam e Sudene catalizado,
sem dvida, pelo poder poltico ditatorial.
Em seguida vem a transio para a Nova Repblica, enfraquecida relativamente a Unio e
fortalecidos os governos estaduais por sua recente legitimao eleitoral, compondo-se o cenrio
favorvel para, na Constituinte, consolidar-se a ampliao da autonomia dos Estados somada ao
fortalecimento econmico conferido ao ICM, agora Imposto sobre Circulao de Mercadorias e
Servios (ICMS), o que d novo calor disputa por investimentos, ao mesmo tempo em que se
observa um natural esgaramento da capacidade coercitiva do governo federal e a fragilizao do
carter impositivo das regras do Confaz, ou seja a conseqncia da distenso a progressiva
retomada das disputas atravs dos incentivos estaduais
Contudo, a dcada da Constituinte tambm a da hecatombe do endividamento e da
hiperinflao. Neste perodo proliferam os planos de estabilizao, que culminam no plano real,
bem como a necessidade de repactuao da dvida externa, que culmina na imposio de um severo
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ajuste fiscal, tendente a restringir renncias de receita. Para dar sustento a esse ajuste, a Unio opera
um hbil movimento de recentralizao arrecadatria, utilizando-se de modalidades tributrias que
escapam ao rgido sistema de distribuio da receita determinado pela Constituio, essencialmente
das contribuies sociais. A decorrncia natural seria o estreitamento da possibilidade de concesso
de incentivos por parte dos Estados. Contudo, isto no ocorre.
O que se v o acirramento da disputa fiscal e, premidos pela preservao de seus
interesses, os Estados que se consideravam prejudicados - inicialmente So Paulo - valem-se da
prerrogativa que a Constituio lhes conferia de argir ao STF a inconstitucionalidade das leis
isentivas, com base na necessidade de convnio, moldada pela LC 24/75, mas recepcionada
expressamente pelo disposto no art. 155, 2, XII, g da Constituio de 88. A guerra fiscal chega
ao STF.
Antes de fazer uma anlise mais detida da jurisprudncia do STF problematizaremos a
questo das desigualdades regionais de desenvolvimento, isto porque o argumento central de
concesso de Incentivos por parte dos Estados o da busca por equalizao deste desenvolvimento.
Vimos que no unvoco o conceito e tambm que, nem sempre, a verificao de crescimento da
atividade econmica representa desenvolvimento: para isso necessrio que se vejam alteradas as
estruturas sociais que determinam o subdesenvolvimento.
Vimos tambm os aspectos propriamente jurdicos dos incentivos fiscais, no com o objetivo
de realizar uma taxidermia do conceito, distante disso, procuramos demonstrar, para alm das
modalidades de incentivos no mbito do ICMS, o relacionamento de diversas disciplinas jurdicas
no tratamento do tema e, principalmente, a necessidade de se aplicar a mescla ponderada entre os
princpios da legalidade, igualdade e indisponibilidade do interesse pblico no tratamento da
questo.
Por fim, chegamos ao mapeamento jurisprudencial da guerra fiscal no STF, analisando um
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universo de 37 Aes Diretas de Inconstitucionalidade (Adins)5, motivadas pela unilateralidade na
concesso de incentivo e agrupadas conforme a natureza federativa das partes litigantes6.
Constatamos que: a) a guerra fiscal em boa parte alimentada pela micro-poltica dos Estados, pois
quase metade dos conflitos origina-se em conflitos intraestaduais; b) que arbitrada no STF,
tambm em grande parte, por medidas liminares, dando mais contraste ainda ao pressuposto da
insegurana jurdica e c) que, em que pese a aparente impresso de uma disputa entre os Estados
desenvolvidos do Centro-Sul e os subdesenvolvidos do Norte-Nordeste, impresso talvez acentuada
por preconceitos regionalistas e tambm pela famosa disputa RS versus BA pela fbrica da FORD,
o maior volume de conflitos verificado entre Estados das regies Sul e Sudeste.
Por fim, para concluir este trabalho, precisamos ao menos tentar responder a duas perguntas,
que complementarmente so as hipteses geral e especfica deste estudo :
a) o que melhor, levando-se em conta a atual realidade econmica, poltica e social do
Brasil: uma carga tributria mais alta e menos dinheiro no bolso do contribuinte ou uma carga
tributria mais baixa e mais dinheiro no bolso do contribuinte?
b) o que melhor: arrecadar mais hoje ou incrementar o desenvolvimento com vistas a
aumentar a arrecadao amanh?
Pressupostos tericos do tema
Em que pese seu apelo principalmente jornalstico, pode-se abordar teoricamente a
expresso guerra fiscal. Para Scaff, A expresso guerra fiscal denota uma situao em que
distintos Estados concorrem entre si concedendo vantagens fiscais para que no seu territrio sejam
5 1179-SP, 1276-SP, 1296-PE, 1308-RS, 1467-DF, 1522/MC-RJ, 1577/MC-RJ, 1587-DF, 1601/MC-DF, 1978/MC-SP, 1999/MC-SP,
2021/MC-SP, 2122-AL, 2155/MC-PR, 2157/MC-BA, 2345/MC-SC, 2357/MC-SC, 2376/MC-RJ, 2377/MC-MG, 2405/MC-RS, 2439-MS, 2458- AL, 2599/MC-MT, 260-SC, 2722-PR, 2823/MC-MT, 286-RO, 3246 - 1 , 3312-MT, 3389/MC-RJ, 3429-4, 3576-RS,
3764/MG, 3794-3, 429-CE, 84-MG, 930/MC-MA.
6 Dividimos as Adins pesquisadas em trs conflitos tipo: a) Vertical: Conflito iniciado formalmente pelo Procurador Geral da Repblica, porm instado por representao de um interessado contra ato ou lei de seu prprio Estado, destaque ADIN 3246 PA, que trata da poltica de incentivos fiscais do Estado do Par. b) Intraestadual: Neste formato de conflito as partes ativa e passiva
so de um mesmo Estado, a ADIN 1308-4 RS ser o paradigma que trataremos para esse modelo c) Interestadual: conflito-tipo (Estado x Estado), que reflete a imagem que mais comumente que se atribui guerra fiscal, a ADIN 1179 SP ser o paradigma
que analisaremos, na qual litigam Rio de Janeiro e So Paulo.
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implantados novos empreendimentos7 (2004, p.23)
Para Otvio Soares Dulci, trata-se de um jogo de aes e reaes travado entre governos
estaduais (e adicionalmente entre governos municipais) com o intuito de atrair investimentos
privados ou de ret-los em seus territrios. 8. O vocbulo guerra, ncleo significativo da expresso,
obviamente, busca acentuar as cores da disputa, mas oportuno aprofundar a metfora com vistas a
melhor compreender este fenmeno.
O que define essencialmente a guerra a conflituosidade aberta em um lugar especfico (o
campo de batalha) e em um tempo prprio (o estratgico), na guerra as partes atuam na perspectiva
de um definitivo enfrentamento final em que ocorra a imposio de seu interesse atravs do
desarmamento ou eliminao do adversrio. Com a iminente aproximao deste desfecho, as
ameaas de destruio recproca levariam a um constante esforo de acumulao de recursos e
protelao politicamente negociada do conflito.
Na poltica, as contraposies programticas ou paroquiais tendem ao extremo quando se
pe em questo a sobrevivncia ou viabilidade dos contendores, geralmente em situaes de
eleies ou crises institucionais. Nestes momentos instaura-se, ainda que momentaneamente, a
lgica do tudo ou nada, a mesma lgica inerente guerra.
Em sntese, qualquer hostilidade mesmo embrionria e limitada ao plano das intenes, gera uma dinmica precautria que, movida pelas expectativas interagentes dos grupos, acaba
conduzindo o conflito por uma lgica de radicalizao progressiva. (...) A guerra quando
protelada, politiza-se, a poltica quando acirrada, beliciza-se.9(grifo nosso) (FIORI, 2003,
p.41-42)
neste ltimo sentido que nos apropriamos teoricamente da expresso guerra fiscal: trata-se
de uma acirrada disputa poltica, em que os litigantes tendem a radicalizar suas aes em aparente
desconsiderao do liame federativo que os une, comportando-se como se o conflito se direcionasse
para um desfecho final necessrio, obrigando a tomada de posio (ataque ou defesa) e a
7 Na prtica, instaura-se um verdadeiro leilo de benefcios, uma licitao s avesssas. Tais benefcios podem ser variados, sendo
os mais comuns a iseno total ou parcial de ICMS, a suspenso, a dilao ou o diferimento no pagamento do tributo, reduo da base de clculo, devoluo total ou parcial, direta ou indireta, do montante arrecadado, ao contribuinte ou a interposta pess oas; crdito presumido, parcelamentos etc..
8 DULCI, op. cit. p. 95
9 FIORI, Jos Luis. O vo da coruja para reler o desenvolvimentismo brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2003 p.41/42
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mobilizao estadual, sob pena de sucumbncia ante o inimigo. O campo de batalha, ou seja, o
lugar institucional em que se desdobram os atos desta guerra, para os fins deste texto o STF. E a
artilharia o mecanismo de controle concentrado da constitucionalidade da Adin.
Os fatos estratgicos da guerra fiscal difundem-se em diferenciados, mas interligados,
campos das cincias sociais aplicadas, notadamente no econmico, no poltico e, obviamente, no
jurdico.
Desarticulao do desenvolvimento nacional
Do ponto de vista econmico o que se pode observar em grandes linhas o movimento de
migrao ou expanso de empresas entre os Estados. Quando uma empresa se retira de um Estado,
faz reduzir a arrecadao tributria e quando ingressa no novo Estado, ainda que fiscalmente
desonerada, faz ampliar a receita, seja pelo imposto que ainda paga (quando no se trata de iseno
total), seja pelas externalidades que gera na economia regional, fato tal que, segundo dados do
Confaz,10
os Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde h mais generalizao das polticas
isentivas, lograram nos ltimos anos ampliar sensivelmente sua arrecadao de ICMS.
Dulci observou que h diferentes papis para cada um dos atores envolvidos na guerra
fiscal. Os Estados mais industrializados e de maior peso na federao tm competido por grandes
projetos, geralmente de origem externa. Os demais Estados tm disputado investimentos,
basicamente de capital domstico, em inmeros setores produtivos. Por efeito dessa competio,
observa-se o deslocamento de setores e empresas pelo territrio nacional, atrs de vantagens fiscais
comparativas, alm de diferenciais em custos como salrios mais baixos. A ocorrncia dessa
movimentao de 'empresas ciganas' depende do setor de atividade. bastante vivel em setores
10 A receita de ICMS de Estados menos desenvolvidos das regies Norte, Nordeste e Centro-Oeste cresceu 87,2% nos ltimos 11
anos. O nmero representa quase o dobro do valor registrado nas regies Sul e Sudeste (42,1%). Os dados so do Conselho Nacional de Poltica Fazendria (Confaz) e explicam a resistncia em acabar com a guerra fiscal (...) Em 1995, as regies mais
pobres acumulavam 23,5% da receita anual de ICMS; hoje j ficam com 28,8% - uma diferena de R$ 9 bilhes anuais. O nmero equivale a quatro vezes mais do que o valor que o governo federal se disps a colocar no fundo de desenvolvimento regional em troca da concordncia dos governadores em acabar com a guerra fiscal. A maior parte desse ganho de receita foi extrado de So Paulo. H 11 anos, o Estado acumulava 37,6% da arrecadao do ICMS, e hoje, 32,9%. (GOBETTI, Srgio. Guerra fiscal longe de acabar - aumento da receita de ICMS explica resistncia. In O Estado de S. Paulo 06/11/2006)
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que requerem instalaes e insumos disponveis em qualquer lugar, como as indstrias de
confeces, calados, cermica e laticnios. No se observando o mesmo em setores mais
dependentes de acesso a mercados e fornecedores especficos, como os plos de tecnologia eletro-
eletrnica.
Um risco que se pode esperar na manuteno destas polticas competitivas que, ao fim dos
incentivos, as empresas migrantes procurem outras condies favorveis, pois as empresas migram
atrs de vantagens fiscais comparativas, e tomam suas decises alocativas tendo em vista os custos
de oportunidade. Tal movimento poderia determinar, em mantidas as condies de disputa, um
empobrecimento geral dos fiscos estaduais, em favorecimento de um enriquecimento geral dos
agentes econmicos privados, pois seja quando migram, seja quando expandem suas atividades e
direcionam seus investimentos, as empresas levam em considerao a parcela que deixaram de
contribuir a ttulo de imposto.
Esse delta, que permanece na esfera patrimonial da empresa, deixa de ser direcionado ao
conjunto dos fiscos estaduais, que devem atender aos anseios dos brasileiros habitantes daquele
territrio11
. Esta concluso, contudo, no absoluta: por vrios fatores as arrecadaes estaduais
tm se ampliado nos ltimos anos, mesmo em ambiente de guerra fiscal, e, em muitos casos, as
desoneraes se compensam pela ampliao do esforo tributrio imposto parcela no-incentivada
da populao, que continuar demandando por bens pblicos, mas precisar depreender mais
recursos para tanto.
A contabilizao da arrecadao, porm, no ainda o problema destacado, afinal, a
manipulao da informao estatstica serve aos mais contraditrios objetivos. A questo a
priorizao de projetos localizados de desenvolvimento, em detrimento do planejamento estratgico
11 Assim, conforme observa o economista e ex-Presidente do IPEA, Glauco Arbix, a maioria dos governadores que se envolvem na
guerra fiscal a defendem como nico recurso disponvel para a atrao de novas fbricas, alm de ser eficiente para a diminuio de desigualdades seculares. Mas entram na disputa sem definir a contraparte das empresas e tampouco os custos e o retorno para o setor pblico; sem estabelecer relaes de reciprocidade; sem indicar os meios de controle sobre os planos apresentados; sem se preocupar com a prestao de contas populao; sem se perguntar pelos direitos do estado e das cidades. ARBIX, Glauco. Guerra fiscal e competio intermunicipal por novos investimentos no setor automotivo brasileiro. Dados., Rio de Janeiro,
v. 43, n. 1, 2000. Disponvel em: . Acesso em: 28 Set 2006. doi: 10.1590/S0011-52582000000100001.
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nacionalmente considerado. Veremos que h diferentes concepes do que venha a ser
desenvolvimento e, assim, conforme o enfoque ideolgico adotado se considera adequada ou no a
adoo de tais polticas desonerativas, que, ainda que representem certa interveno do Estado no
domnio econmico (por induo), no contexto histrico em que se as analisa, representam mais
uma alternativa ao papel protagonista do Estado no planejamento do desenvolvimento econmico.
Assim, a desarticulao do planejamento da superao do subdesenvolvimento, como uma
estratgia nacionalmente considerada, a situao-problema que decorre da guerra fiscal, no
espectro de uma anlise econmica. Frise-se, contudo que decorrente de/, mas tambm concorre
para/, pois na lacuna deixada pela Unio como protagonista do processo desenvolvimentista,
legtimo esperar que os Estados se empenhem em ampliar suas receitas para promover o que
possam considerar desenvolvimento.
Aumento da tenso federativa
Ainda perceptvel no campo econmico, mas j apropriada pela problemtica poltica, pode
se presumir que tambm decorra da guerra fiscal a ampliao da dependncia dos entes federados
que concedem incentivos em relao aos mecanismos de repasse voluntrios da Unio Federal ou,
visto pelo ngulo poltico, o aumento da presso dos entes federados sobre a Unio visando obter
repasses voluntrios. De uma forma ou de outra aumenta a tenso na poltica federativa em
prejuzo da cooperao harmnica e autnoma dos entes federados.
O Federalismo mais que uma simples opo de organizao do Estado ou uma adjetivao
da Repblica brasileira, est inscrito como clusula ptrea na Constituio de 88 e vigora
brasileira desde antes da instituio oficial, com a proclamao da Repblica 188912
. Contudo no
se olvida a realidade historicamente tensa do federalismo brasileiro, seja no que tange legitimao
12 Parece clara a autenticidade do ideal federativo no Brasil desde seus primrdios. As razes do sistema constituram-se ainda na
fase colonial, quando a vida poltica brasileira j continha, em embrio, o carter dual de uma ordem federativa, distinguindo- se claramente o poder central (as autoridades da Coroa) e o poder local (as cmaras municipais). DULCI Otvio Soares guerra fiscal, desenvolvimento desigual e relaes federativas no brasil in REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 18, UFMG: Belo
Horizonte 2002. p. 95
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do poder central, processo constitudo atravs de consensos polticos, mas tambm atravs de muita
represso violenta aos levantes localizados; seja no concernente convivncia harmnica dos entes
federados. Nosso pacto federativo um construto instvel, no qual, em geral a estabilidade filha
do centralismo sustentado pelos Estados hegemnicos, mas registrada em nome dos ideais de
pacifismo e de nacionalidade.
Fica bvia a influncia da prtica reiterada das disputas fiscais na ampliao da tenso
federativa, notadamente quando a permisso para conceder incentivos constitucionalmente
vinculada superao das desigualdades sociais e econmicas entre os Estados e regies do Brasil.
Um outro fenmeno associado ao campo poltico, percebido por este estudo, a tenso
institucional interna nos entes federados, captada em muitas das Adins pesquisadas. Sabe-se que o
discurso oficial de quem concede incentivos o da superao ou, pelo menos, do arrefecimento dos
desequilbrios econmicos entre os Estados. A disputa pelos investimentos estaria, assim, vinculada
aos interesses de manuteno ou ampliao dos empregos e dos benefcios sociais que eles
representam.
No cotidiano poltico dos Estados menos desenvolvidos do pas comum o apelo
necessidade de unio pelo desenvolvimento e, como ainda muito consolidada a tese de que novos
empreendimentos econmicos, quaisquer que sejam, representam progresso, no apoiar a concesso
de incentivos fiscais, ou discutir sua real eficcia em matria desenvolvimentista, resulta em pesado
nus poltico.
Some-se a isto o fato de que a concesso de incentivos fiscais constitui vnculos de lealdade
com os beneficiados - lealdade esta bastante til no financiamento de campanhas - e temos o
fenmeno da disputa fiscal intraestadual.
Neste conflito-tipo, o governo do Estado litiga contra a prpria Assemblia Legislativa
Estadual, ou contra Governos Estaduais anteriores que fizeram aprovar lei isentiva inconstitucional.
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Neste cenrio o causador do ato considerado inconstitucional percebe as vantagens polticas de ter
concendido o incentivo e o autor da ao, possivelmente at premido por exigncias da Lei, assume
o papel de vilo ou de associado aos interesses dos Estados adversrios, quando questiona a
constitucionalidade do incentivo
Insegurana jurdica
Por fim, no campo jurdico a guerra fiscal desconfirma a norma, alm de descumpri-la. O
descumprimento da norma no contexto dos incentivos fiscais desonerativos do ICMS se d pela
unilateralidade da concesso. A Legislao exige que se submeta os incentivos ao Confaz para
celebrao de convnio pelas partes, convnio este que deve ser aprovado pela unanimidade dos
Estados e referendado pelas respectivas Assemblias Legislativas. Isto no ocorre, sendo bem
verdade que a exigncia de unanimidade torna a aprovao uma quimera inatingvel na maioria dos
casos. Cientes disto, os Estados estabelecem sua poltica de incentivos e os concedem, pelo tempo
que durar entre a promulgao do ato isentivo e a inquinao de sua inconstitucionalidade.
A desconfirmao, que mais grave em matria de segurana jurdica, se d pelo
mecanismo da inovao legislativa, pela aprovao de novos atos normativos, essencialmente
idnticos queles invalidados por inconstitucionalidade. Tal prtica contribui para fragilizar as
decises soberanas do STF, pois na prtica retira o efeito vinculante da deciso contrria s prticas
da guerra fiscal.
Outro foco de insegurana o da situao fiscal dos empreendedores incentivados, que,
presumindo a legalidade dos atos de incentivo, atuam por vrios anos no Estado e, de um momento
para outro, vem-se sujeitos execuo de uma dvida de vrios exerccios anteriores, pois a
declarao da inconstitucionalidade surte efeito retroativo promulgao da lei isentiva.
No difcil assim demonstrar que h nocividades na guerra fiscal, sua prtica
disseminada acarretando acirramento da tenso federativa, incongruncias institucionais,
desarticulao na poltica desenvolvimentista e insegurana jurdica. Porm, no se pode
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negar que trouxe mais arrecadao aos governos de Estados menos desenvolvidos que, mesmo
com as anlises econmicas desfavorveis no plano geral, experimentam ampliao de receita
para implementar suas polticas e, ainda que, com a legislao e o entendimento
jurisprudencial contrrios, apostam nessa estratgia.
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PARTE I
ASPECTOS GERAIS DA GUERRA FISCAL
Captulo 1 Contexto histrico da guerra fiscal no Brasil
1.1 Razes recentes da intensificao da guerra fiscal.
A intensificao do conflito fiscal entre os Estados, em seu formato contemporneo, tm
causas bem definidas. o efeito de certas condies polticas e econmicas que emergiram, desde
meados da dcada de 80, cuja interao resultou potencialmente crtica.
O principal marco temporal a delimitar este cenrio a Constituio de 1988, fruto de uma
transio poltica que visou claramente corrigir a hipertrofia do poder central, o que era uma
caracterstica do regime autoritrio iniciado em 1964. A sustentao poltica da transio se baseou
em lideranas muito fortes em suas bases e oriundas da elite poltica de seus respectivos Estados -
Tancredo Neves, Franco Montoro, Leonel Brizola, Miguel Arraes, entre outros. Era de se esperar
que os bares da federao, como os definiu Fernando Abbrucio13, comandassem aes no
sentido de fortalecer a instncia de poder que haviam conquistado com as primeiras eleies para os
governos estaduais, desde o golpe. nesse ambiente poltico que deve ser interpretada a elstica
ampliao das competncias arrecadatrias dos Estados, destaque especial, claro, para o novo
estatuto jurdico do ICMS, lembrando que a descentralizao em geral representava um avano
institucional adequado ao recm-institudo Estado democrtico de direito.
Esta reviso do pacto federativo enfrentou, contudo, uma atitude agressiva e em sentido
oposto da Unio Federal. Conforme demonstra Scaff (2004, p.14-15) o governo da Unio promoveu
um movimento deliberado de (re)centralizao da arrecadao tributria, essencialmente com a
13 ABRUCIO, Fernando Luiz. Os bares da Federao: os governadores e a redemocratizao brasileira. So Paulo:
Hucitec/Departamento de Cincia Poltica da USP
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utilizao das contribuies14
, espcies de tributo no sujeitas s mesmas regras constitucionais de
repartio da arrecadao, colidindo assim com a linha consagrada pela nova Constituio vigente
e, alis, deturpando-a seriamente. Com esta postura, a Unio passava a capturar uma fatia maior
ainda das receitas pblicas, necessrias implementao das polticas, ao passo em que se
descentralizaram as competncias e a necessidade de recursos de Estados e Municpios.
Ao mesmo tempo em que a Unio se fortalecia de recursos, seu governo politicamente
orientava um enfraquecimento geral do Estado, optando por omitir-se da condio de agente
protagonista da articulao do desenvolvimento, adotando toda uma seqncia de medidas de cunho
neoliberal. Uma delas diz respeito ao abandono de polticas e de instrumentos de coordenao
inter-regional, dentro da estratgia mais ampla de mudana do papel diretivo do poder central sobre
a economia.15
1.2 Razes remotas no federalismo
Em que pese suas definidas causas presentes, fenmenos poltico-institucionais como a
guerra fiscal so sintomas ou efeitos de conjunturas e at estruturas anteriores. A leitura crtica da
realidade exige sempre a contextualizao dos objetos tratados, de forma a tornar mais seguras as
concluses afirmadas: alguma especulao histrica sempre faz-se necessria para a mais adequada
compreenso do assunto.
Partimos da hiptese de que a guerra fiscal seja a expresso de uma srie de conflitos
latentes no seio do federalismo brasileiro, conduzidos at os dias de hoje por um expediente
14 por tal razo que cresce fortemente a arrecadao das chamadas contribuies (sejam as sociais sejam as de interveno no domnio econmico) pois no so partilhadas com os demais entes federativos. (...) Ou seja, a arrecadao tributria no Brasil
aumentou como um todo, mas a dos impostos que so compartilhados pela Unio com Estados e Municpios (notadamente o IPI) no
cresceu na mesma proporo. E a criao e a majorao das contribuies sociais exclusivas da Unio acaba por enfraquecer a sistemtica de federalismo participativo.
15 As agncias federais de desenvolvimento regional, h muito esvaziadas, foram finalmente extintas em 2001. Tal setor da ao governamental foi, esse sim, descentralizado de bom grado, deixado praticamente a cargo das administraes subnacionais. (.. .) consolidou-se no mbito do governo federal uma postura basicamente avessa a polticas industriais ativas, de carter
discricionrio. Seu discurso tem enfatizado sempre que as polticas relevantes so aquelas voltadas para os ganhos sistmicos, para a reduo do 'custo Brasil' etc. Na prtica, a progressiva retirada do governo federal das aes discricionrias no levou 'saudvel hegemonia do mercado', como muitos esperavam, mas criou um vazio de polticas rapidamente preenchido pela ao dos grupos regionais.
DULCI Otvio Soares guerra fiscal, desenvolvimento desigual e relaes federativas no brasil in REVISTA
DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 18, UFMG: Belo Horizonte 2002. p. 96
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histrico descrito e conceituado por Raimundo Faoro: a reproduo no poder do estamento
dirigente:
Partindo de uma interpretao da ausncia do feudalismo na sociedade medieval
portuguesa, Faoro considera que a crise Dinstica de 1383-85 teria dado fisionomia
definitiva ao Estado nascente, onde o Rei era no somente o senhor da guerra e, portanto, do poder poltico, mas tambm o senhor das terras. Isso significava que, em Portugal, o rei
era o dono de tudo e entre ele e seus sditos no havia intermedirios: ' Um comanda e
todos obedecem'. Essa monarquia de tipo patrimonial acaba prendendo os servidores em
uma rede patriarcal, o que os torna, pouco a pouco, uma espcie de nobreza particular.
Juristas, letrados, burocratas, em suma, tornando-se como que a 'extenso da casa do
soberano', compem ento uma 'corporao de poder': o estamento. 16. (FAORO, 2000)
Segundo Faoro, esse estamento (Beamtenstand), que no se confunde com a burocracia
(Berufsbeantentuam), logrou perpetuar-se no poder entre outras razes devido instalao de uma
poltica econmica e financeira de teor particular, estatal e mercantilista, que atua e vigia, se
expande e se amplia, com sobranceira: o capitalismo politicamente orientado.17(FAORO, 2000,
p.369)
No campo econmico, as medidas postas em prtica, que ultrapassam a regulamentao
formal da ideologia liberal, alcanam desde as prescries financeiras e monetrias at a
gesto direta das empresas, passando pelo regime das concesses estatais e das ordenaes
sobre o trabalho. Atuar diretamente ou mediante incentivo sero tcnicas desenvolvidas dentro de um s escopo.18
Assim, a perpetuao do estamento dirigente se apia na orientao poltica do capitalismo e
no necessariamente apenas na gesto poltica do Estado. Os sistemas de subsdio e incentivos so
mecanismos teis reproduo deste estamento, notadamente quando a seleo dos incentivados
no republicana e vinculada a critrios objetivos, mas orientada a satisfazer acordos de conquista
e permanncia de grupos polticos na gesto do Estado.
O estamento burocrtico fundado no sistema patrimonial do capitalismo politicamente
orientado, adquiriu o contedo aristocrtico, da nobreza da toga e do ttulo. (...). O
16 PUTONI, Pedro. A tnica rgida do passado in FAORO, Raimundo. Os donos do poder v.2 10a ed. So Paulo: Globo; Publifolha,
2000 p. 384 (Guia de Leitura)
17 FAORO, Raimundo. Os donos do poder v.2 10a ed. So Paulo: Globo; Publifolha, 2000.No impera a burocracia, a camada profissional que assegura o funcionamento do governo e da administrao (Berufsbeantentuam), mas o estamento poltico
(Beamtenstand). A burocracia, como burocracia, um aparelhamento neutro, em qualquer tipo de Estado, ou sob qualquer forma de poder (...). Uma poltica econmica e financeira de teor particular, estatal e mercantilista atua e vigia, se expande e se amplia, com sobranceira. A autonomia da esfera poltica, que se manifesta com objetivos prprios, organizando a nao a partir de uma
unidade centralizadora, desenvolve mecanismos de controle e regulamentao especficos. O estamento burocrtico comanda o ramo civil e militar da administrao e, dessa base, com aparelhamento prprio, invade e dirige a esfera econmica, poltica e financeira. p.369
18 FAORO, op. Cit. p. 369
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patriarcado, despido de brases, de vestimentas ornamentais, de casacas ostensivas, governa
e impera, tutela e curatela. O poder a soberania nominalmente popular- tem donos, que no emanam da nao, da sociedade, da plebe ignara e pobre. O chefe no um delegado, mas um gestor de negcios, gestor de negcios e no mandatrio
19. (FAORO, 2000, p.379-
380)
Com a Repblica vir uma alterao importante no sistema estamental brasileiro, o que
aponta o comentarista de Faoro, Pedro Putoni:
(...) a novidade da pulverizao do patrimonialismo no sistema privatista de poder chamado
'coronelismo', uma extensa rede clientelista que articulava os senhores locais poltica
regional. O retraimento do estamento burocrtico apenas converte o agente pblico em um
cliente, uma fragmentao da mesma estrutura, vista agora com um certo
descentramento20, ou seja, o que aconteceu foi a multiplicao de pequenos estamentos ao redor de cada esfera oficial de poder, ou seja, cada ente do Estado da federao desenvolve
o seu prprio estamento dirigente. (PUTONI, 2000, p.384)
Refora-se esta argumentao com o conceito de coronelismo proposto por Victor Leal
Nunes. Para o autor, a estrutura agrria baseada no latifndio, favorecia a relao de dependncia
sobre os eleitores agregados ao proprietrio, formando-se assim os currais eleitorais. Neste
contexto:
(...) o coronelismo era sobretudo um compromisso, uma troca de favores entre o poder pblico, progressivamente fortalecido, e a decadente influncia social dos chefes locais,
notadamente dos senhores de terras. (...) isto se explica justamente em funo do regime
representativo, com sufrgio amplo, pois o governo no pode prescindir do eleitorado
rural, cuja situao de dependncia ainda incontestvel21 (grifo nosso) (NUNES, 1997,
p.40-41)
O economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Jos Luis Fiori, tambm pode nos
auxiliar neste raciocnio. Fiori lembra que o Estado brasileiro se enquadra entre aqueles nos quais as
oligarquias locais lograram conservar, aps a independncia poltica em relao metrpole, a
mesma estrutura de produo colonial e seu controle, o que foi possvel pelo estabelecimento de
alianas polticas internas, que teriam permitido definir as fronteiras e estabilizar uma forma
relativamente eficaz de dominao. Esse processo se deu mediante a confederao dos vrios
19 FAORO, Raimundo. Os donos do poder v.2 10a ed. So Paulo: Globo; Publifolha, 2000 p.379-380.
20 PUTONI, Pedro. A tnica rgida do passado in FAORO, Raimundo. Os donos do poder v.2 10a ed. So Paulo: Globo; Publifolha, 2000 p. 384 (Guia de Leitura)
21 LEAL, Victor Nunes, Coronelismo, enxada e voto o municpio e o sistema representativo no Brasil. 3.ed Rio de janeiro: Editora Nova Fronteira, 1997. P. 40-41
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grupos sociais e regionais da antiga colnia22 (grifo nosso) (FIORI, 2003, p.129)
Variando entre momentos de tendncias regionalizadoras ou centralizadoras o Estado
brasileiro conserva em seu relacionamento com a atividade econmica uma caracterstica
peculiarmente relevante para o nosso estudo: a preservao de setores de menor produtividade e
rentabilidade real.
Assim, apesar do espraiamento das relaes capitalistas, estas no no tenderam nunca a um
padro geral de valorizao, no vigorando, portanto, condies homogneas de trabalho necessrio, preos de produo etc. Desse modo, os setores atrasados das classes
dominantes no foram eliminados pelo mercado, nem as populaes expulsas da terra
puderam ingressar no mercado geral de trabalho, sendo obrigadas a reproduzir-se,
politicamente, atravs de um Estado que nelas encontrou, em contrapartida, apoios polticos decisivos. Essa nova realidade teria, contudo, conseqncias igualmente decisivas,
pois, ao politizar a competio econmica, transportaria para dentro do Estado uma luta
sem quartel e de difcil controle. Ali se disputaria, a cada dia, desde o direito
sobrevivncia at o direito de manuteno de seus subsdios e rentabilidades diferenciados23 (FIORI, 2003, p.129-168)
O Estado, ao politizar a competio econmica, interfere em seu andamento, entre outros
motivos para conservar a viabilidade de alguns setores e agentes, estratgicos para a reproduo dos
mecanismos de poder e controle. Constata ainda, que uma das consequncias desta dinmica uma
luta que traz instabilidade e, destaque-se: o suposto direito de defender seus subsdios e
rendimentos.
O consenso poltico que sustentou a estrutura estamental nos primrdios da Repblica foi a
poltica dos governadores e nesse deal os lderes regionais, em nome da gesto dos interesses de
seus respectivos estamentos dirigentes, reconheciam e legitimavam o poder central, atravs da
inclinao de seus currais eleitorais. Em troca, obtinham do poder central, que no deixava de ser a
expresso dos estamentos locais mais poderosos, o reconhecimento de sua jurisdio poltica e os
meios adequados para a manuteno desta hegemonia: nomeao de cargos pblicos, alm dos
auxlios e subsdios financeiros em geral.
22 FIORI, Jos Luis. O vo da coruja para reler o desenvolvimentismo brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2003, p.129
23 FIORI, O vo da curuja, vrios trechos 129-168 Nessa luta (...) no h lugar para normas ou leis de carter geral e permanente. Os instrumentos e as regras valem enquanto so eficazes e a eficcia mede-se pelo nmero de fraes que logram satisfazer suas
demandas. Nesse contexto, a prpria corrupo, se transforma numa dimenso normal, ou conseqncia inevitvel deste tipo de sistema ou regime polticop. 169.
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29
certo que a Revoluo de 1930 foi um grande impacto sobre a estrutura estamental, mas
no a extingue24
, apenas reposiciona o governo central e seu estamento no protagonismo do
domnio do poder.
Em torno de Getlio 'um sistema estamental, com estrutura patrimonialista, ocupa o espao
vazio rapidamente, diante dos olhos atnitos de camaradas e inimigos. Este patrimonialismo, que para Faoro no se mede pela extenso, tem a profundidade coincidente com a histria brasileira, nesta includa sua origem ibrica e vai desde a monarquia patrimonial, (...) at os planos financeiros das dcadas de 80 e 90 deste sculo25.
(FAORO, 1993)
No deixa, assim, de marcar as polticas de incentivo fiscal e a beligerncia federativa que
municiam.
O que tentamos demonstrar com esta digresso s razes do federalismo brasileiro a
relao causal, ainda que remota, entre as razes presentes da guerra fiscal e a rgida tnica do
patrimonialismo, que, plasmado em modelo federativo, se utiliza dos mecanismos de incentivo
fiscal para a reproduo dos estamentos dirigentes locais, ainda que em favor de empreendimentos
no suscetveis de viabilidade mercadolgica.
Por certo que este fenmeno no se observa com identicidade em todas as regies e Estados
do pas, revelando maior intensidade naqueles em que o estamento local consegue impor mais
facilmente seus interesses ao governo, seja elegendo-o com apoio financeiro, seja pressionando,
geralmente com ameaas de inviabilizao da atividade econmica.
No Estado do Par, que por bvio destacaremos, em 2005 e 2006 presenciou-se acalorado
debate poltico sobre o tema da concesso de incentivos fiscais, sob justificativa do estado de
guerra26. Em momento posterior analisaremos especificamente o caso dos incentivos fiscais
24 A ptica dos homens que ocupam o Catete, e 3 de novembro de 1930, ser adversa ao esquema da poltica dos governadores,
mas se compreende dentro de suas coordenadas mentais. Vencedora a revoluo, empreendidas as reformas polticas e s
polticas, com o voto secreto e a superviso judicial, outra vez So Paulo, com outros homens talvez, e Minas Gerais, com os mesmos lderes, comandariam a Repblica renovada. Para o Rio Grande do Sul, depois de quarenta anos de preteries e protestos, esta seria a sua jornada de otrio FAORO, op. Cit. p. 313
25 FAORO, Raimundo. A aventura liberal numa ordem patrimonialista, in Revista da USP, 17;17, 1993
26 Par se arma para a guerra fiscal. Sem submeter as novas regras ao Conselho Nacional de Poltica Fazendria, que poderia fazer restries, o governo do Estado regulamentou os incentivos fiscais a quatro setores. Empreendimentos em pecuria,
agroindstria, indstria de pesca e indstria em geral passam a contar com tratamento tributrio especial(...) O Par est de volta ao front da Guerra Fiscal (...). As novas regras passaram a valer desde ontem, mas o clima de insegurana continua. Isto por que a
concesso deste tipo de benefcios por parte dos Estados tem sido considerada inconstitucional(...) contudo, para o Governo do
Estado, que se manifesta atravs de sua secretria de Gesto, Teresa Cativo: No podemos deixar o Estado parar, ficar sem condies de fomentar investimentos A realidade que todos os outros Estados tm (leis de incentivo) e, portanto, o risco de
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30
paraenses, mas cabe destacar que em Estados como o Par, o debate dos incentivos fiscais tambm
se encontra intensamente imbricado com o debate das polticas desenvolvimentistas. Pois esto em
geral estas a justificar a concesso daqueles.
1.3 Razes presentes em trs fases.
Mais recentemente, Cavalcanti e Prado (2000) dividem em trs fases a histria da guerra
fiscal no Brasil27
. A primeira vai da metade final dos anos 60 at 1975; a segunda de 1975 at o
incio dos anos 90 e a terceira a que estamos vivenciando ainda, a da guerra fiscal aberta.
1.3.1 Primeira fase
Findo o Estado Novo, a peia de subordinao dos Estados ao poder central arrefece, a
redemocratizao traz a liberdade e a maior possibilidade de cada ente federado voltar a se ocupar
com as perspectivas de seus interesses prioritrios. Naquele contexto poltico-econmico, que
atravessou a segunda metade dos anos 50 at meados dos anos 70, embora muita tenso tenha
ocorrido no campo da arena poltica, pode-se dizer que se conservaram na gesto tpicos aspectos de
planejamento pblico. Esse perodo revela, por parte dos Estados, um conjunto de prticas que vo
ao encontro do movimento mais geral realizado pelo poder central (PRADO E CAVALCANTI,
2000, P.67). O ICM criado na reforma tributria de 1965/66, em substituio ao IVC. A
formulao do novo tributo fortalecia a centralizao de receitas na esfera da Unio e a inteno era
justamente evitar que os Estados empreendessem guerras econmicas entre si.
Foi com este esprito que, para evitar a adoo de aes isoladas e desarticuladas por parte
dos Estados, a Lei 5172 de 25/10/1966 (Cdigo Tributrio Nacional) determinou a celebrao de
todos (...) a guerra fiscal est posta e resultado da falta de uma reforma tributria que iniba esses mecanismos. O Liberal (15 de julho de 2006)
27 PRADO, Sergio e CAVALCANTI, Carlos Eduardo G., A guerra fiscal no Brasil. FUNDAP-IPEA-FAPESP, 2000. H registro de existncia de conflito tributrio desde a instaurao da Repbica (...) Lagemann e Bordin (1993) descrevem, por exemplo a adoo de medidas tributrias pelo Estado do rio Grande do Sul, em 1903, que visavam desonerao gradual dos produtos
industrializados do imposto de importao.
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31
convnios. Inicia-se, ento, um padro de regulao (...) atravs do qual os prprios Estados
negociam regras e limites para a prtica de isenes (PRADO E CAVALCANTI, 2000 p.69).
Nessa fase comeam a ocorrer uma srie de reunies entre as fazendas estaduais de mesmas
regies. A primeira delas ocorreu em Recife em 23 de outubro de 1966 e nela ficou instituda a
Conferncia dos Secretrios de Fazenda do Nordeste. Na reunio seguinte estabeleceu-se uma lista
de gneros de primeira necessidade para serem isentos do ICM. Em 67 foi a vez dos Estados do
centro-Sul se reunirem no Rio de Janeiro e em 68 os Estados da regio amaznica, j com a
preocupao de atrair investimentos para a regio.
O que se pode notar deste perodo a ateno inicial dos Estados para a adoo de regras
quanto uniformizao da alquota interna, desonerao dos bens de primeira necessidade e
ampliao de uma poltica de isenes.
Este equilbrio no se mostrou duradouro. A queda de arrecadao e a constante
interferncia da Unio, determinando incentivos em receitas estaduais, foram fragilizando o arranjo
at ento perceptvel. No havia entrosamento entre os acordos de natureza local e os de carter
supra-regional e, como tambm no houvesse sanes para o descumprimento dos acordos
tarifrios, o clima comeou a esquentar. Conforme Prado e Cavalcanti (2000), a concluso mais
geral que se extrai do perodo que o regime autoritrio, embora tenha procurado restringir a
liberdade tributria dos Estados, no foi capaz de eliminar por completo a capacidade de eles
promoverem polticas ou prticas fiscais de favorecimento s inverses privadas.
1.3.2 Segunda fase
O segundo perodo inicia-se com uma participao mais direta do governo federal como
patrocinador de um esforo de coordenao do sistema de convnios. (PRADO e CAVALCANTI,
2000) Para tanto foram realizadas duas inovaes institucionais relevantes. Primeiramente, atravs
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da Lei Complementar no. 24 de 7 de janeiro de 197528
, a criao do Confaz,29
que assumiu as
atribuies de coordenar, dirigir, disciplinar e fiscalizar a celebrao de convnios entre os Estados
brasileiros, de forma a viabilizar a harmonizao do ICM em todo o territrio nacional. Outra
medida, j em conseqncia do fortalecimento autoritrio do governo central (lembremo-nos que
que prefeitos e governadores eram ento nomeados pelo gereral-presidente), foi a ampliao da
possibilidade da Unio oferecer incentivos fiscais no mbito do ICM.
O novo arranjo institucional incluiu o estabelecimento de severas sanes para os Estados
que descumprissem os termos conveniados. A inobservncia dos dispositivos poderia acarretar,
cumulativamente: a) a nulidade do ato e a ineficcia do crdito fiscal atribudo ao estabelecimento
recebedor da mercadoria; b) a exigibilidade do imposto no pago ou devolvido e a ineficcia da lei
ou ato que conceda remisso do dbito correspondente. s sanes previstas poder-se-iam ainda
acrescer a presuno de irregularidade das contas correspondentes ao exerccio, a juzo do Tribunal
de Contas da Unio (TCU), e a suspenso do pagamento das quotas referentes aos fundos de
participao vigentes poca.
Contudo o maior instrumento sancionador era o poder poltico concentrado no governo
federal. Prado e Cavalcanti registram que depoimentos obtidos de membros que participavam do
Confaz na poca revelaram que o poder coercitivo da Unio era marcante nas reunies do rgo.
Em geral, caso algum Estado mostrasse a inteno de votar contra medidas de interesse do governo
federal, sofria imediatamente presses de natureza econmica ou extra-econmica, que acabavam
por demov-lo da vontade original. Outro fenmeno redutor do nimo fomentador dos Estados foi a
28 Art. 1. As isenes do imposto sobre operaes relativas circulao de mercadorias sero concedidas ou revogadas nos
termos de convnios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei. Art. 2. Os convnios a que alude o art. 1, sero celebrados em reunies para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e
do Distrito Federal, sob a presidncia de representantes do Governo federal.
29 Art. 1 O Conselho Nacional de Poltica Fazendria - Confaz tem por finalidade promover aes necessrias elaborao de polticas e harmonizao de procedimentos e normas inerentes ao exerccio da competncia tributria dos Estados e do Distrito Federal, bem como colaborar com o Conselho Monetrio Nacional - CMN na fixao da poltica de Dvida Pblica Interna e Externa
dos Estados e do Distrito Federal e na orientao s instituies financeiras pblicas estaduais. Art. 2 O Conselho constitudo
por representante de cada Estado e Distrito Federal e um representante do Governo Federal. 1 Representa o Governo Federal o Ministro de Estado da Fazenda, ou representante por ele indicado. 2 Representam os Estados e o Distrito Federal os seus Secretrios de Fazenda, Finanas ou Tributao. 3 Os membros do Conselho indicaro ao Ministro de Estado da Fazenda os
nomes dos seus substitutos eventuais. (Regimento do Confaz)
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baixa arrecadao, o que levou-os a buscar o Confaz para eliminar desoneraes, sendo aceita a
alternativa de que a Unio assumisse o nus da concesso de benefcios. Este mecanismo, que
empoderava a Unio, tambm iniciou um fenmeno que at agora se manifesta, o aumento gradual
da presso dos Estados por ampliao de sua participao nos fundos constitucionais.
Passada a luxria financeira dos anos do milagre, no incio da dcada de 80, inflao e
crise das fianas pblicas acabaram por impor restries maiores aos programas de incentivos
estatais, num cenrio de incertezas, em que j se prenunciava os sinais da estagflao. Neste
segundo perodo pode-se dizer que as regras do Confaz vigoraram com ampla efetividade, graas ao
poder centralizado mas, principalmente, s perdas de receitas
1.3.3 Terceira fase
A reformulao do Sistema Tributrio Nacional pela Assemblia Nacional Constituinte de
1988 transformou sensivelmente o cenrio das disputas tarifrias interestaduais. A ampliao da
autonomia dos Estados somada ao fortalecimento econmico conferido ao ICM, agora ICMS, d
novo calor disputa por investimentos, ao mesmo tempo em que se observa um natural
esgaramento da capacidade coercitiva do governo federal e a fragilizao do carter impositivo das
regras do Confaz.
Percebe-se aqui que o prprio Confaz representa um organismo remanescente do perodo de planejamento e coordenao ativa das decises polticas e econmicas. Criado para ser
um frum de proposio, debate e deliberao entre os Estados, buscava estabelecer
diretrizes de mdio e longo prazo para as questes de natureza tributria, relativas ao
ICM(S), que poderiam causar impacto sobre as decises mais gerais de poltica econmica.
Desse modo, o funcionamento normal com solues propostas e subservincia s mesmas,
foi possvel sob a vigncia de um Estado forte e centralizador. Recompor e equilibrar as
divergncias existentes, de modo a conquistar a unanimidade dos votos, era plausvel num
contexto poltico em que a Unio exercia todo o poder de presso/regulao sobre os
demais membros da federao.(...) No perodo recente, a impossibilidade de firmarem-se
condies semelhantes coloca em xeque a necessidade de existncia do Confaz (PRADO e
CAVALCANTI, 2000,82)
Posta prova, a legitimidade do Confaz se evapora, acirram-se os conflitos e as declaraes,
os votos so obtidos somente aps inmeras e exaustivas reunies e os humores levam prximo ao
limite do rompimento.
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A natureza dos incentivos muda nesse perodo. Passaram a ser adotados cada vez mais os
fundos vinculados aos oramentos estaduais para financiar o ICMS das empresas e ser realizadas
operaes fiscal-financeiras, nas quais, em vez das empresas buscarem programas minimamente
formalizados que melhor atendessem a suas expectativas, os Estados que passaram a conceber
programas com o objetivo de atrair determinada empresa. Uma inverso completa de princpios e
valores constitucionais e federativos.
Nesse momento o cenrio de guerra aberta, de desafio declarado aos limites de prazo e
reduo de alquotas e de migrao de empresas entre os Estados. Um dos principais prejudicados
com esses fatos foi, por bvio, o Estado que detinha maior concentrao industrial. Insatisfeito com
a crescente perda de arrecadao, o Estado de So Paulo inicia uma poltica reativa com objetivo de
re-empoderar a legislao existente, no mbito do Confaz, mas no apenas ali.
Em junho de 1994, o governo do Rio de Janeiro editou a Lei no. 2.273/94, buscando uma
postura mais agressiva no uso direto do ICMS, como instrumento de incentivo ao investimento.
Afrontando diretamente o que se entendia por pacfico na legislao vigente. Esta iniciativa levou a
uma reao imediata do governo de So Paulo. O Estado ajuizou uma Ao Direta de
Inconstitucionalidade (Adin) contra a lei fluminense (Adin no. 1.179 I SP). A guerra fiscal
chegava ento ao supremo front das disputas institucionais, o STF.
A observao desta anlise histrica nos permite intuir que, durante os perodos analisados,
as disputas tarifrias entre os Estados s se refrearam em ambientes de crise econmica ou
centralizao poltica na esfera da Unio.
sob esse prisma que se deve analisar as motivaes dos Estados ao se dedicarem guerra
fiscal, e sob esse prisma igualmente deve ser compreendida a delicada situao institucional que ela
determina, pois quando uma disputa tratada pela corte mxima de justia no pode sair sem
soluo objetiva, sob o custo de deslegitimar o supremo tribunal, que o esteio da segurana
jurdica na federao.
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Outro prisma significativo o do debate desenvolvimentista. J mencionamos que h
diferentes concepes do que venha a ser e de como se manifesta o desenvolvimento econmico e
vamos analisar um poucos estas concepes, bem como os reflexos delas nas opes por
mecanismos de fomento, seja no quadro nacional, seja no regional de abissais desigualdades.
Captulo 2 Desigualdade regional e teorias do desenvolvimento.
O desenvolvimento regional desigual no uma preocupao recente dos debates
econmicos, polticos e jurdicos do Brasil. A heterogeneidade na ocupao e no uso econmico do
territrio, ocasionada por condicionalidades ou contingncias histricas, levou diferenciao
sensvel entre os nveis de rentabilidade e viabilidade dos empreendimentos nas diferentes regies
do pas, o que foi ainda intensificado pelo conseqente empoderamento poltico das regies
economicamente mais bem sucedidas.
O estudo das origens deste fenmeno um objeto prprio, autnomo aos objetivos deste
trabalho, contudo no se pode deixar de dedicar ateno est temtica, pois a Repblica Federativa
do Brasil considerou esta questo e elevou-a ao status de objetivo fundamental, tanto como garantia
do desenvolvimento, quanto como reduo das desigualdades regionais. o que aparece na
Constituio no art. 3o., III, como linha geral, e no art. 174 assume a expressa condio dispositiva:
A lei estabelecer as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado,
o qual incorporar e compatibilizar os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.
Esta disposio considera tarefa da federao como um todo a reduo das desigualdades
regionais, mas qualquer investigao minimamente aprofundada ir constatar o que a mera
observao emprica j permite intuir, a federao no logrou sucesso nesta empreitada, nem sob a
gide da Repblica nem sob a gide do Imprio; nem em momentos democrticos, nem em
momentos ditatoriais. Houvese, no se estaria produzindo um trabalho sobre a acirrada disputa
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econmica entre entes federados, que de to acirrada se compara a uma guerra.
Porque no logrou sucesso uma pergunta intrigante e a resposta no ser encontrada
apenas nos arranjos polticos, mas em determinaes econmicas e mesmo histrico-geogrficas.
Fato que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), sozinho, o
Estado de So Paulo gerou em 2003 um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 494.813.616.000
(pouco menos de meio trilho de reais), cerca de 1/3 do PIB total brasileiro30
. , de longe, a maior
participao no PIB nacional e este simples fato j permite intuir os abalos que se desdobram sobre
o pacto federativo. Vamos ver o que alguns autores pensam a respeito destas implicaes, mas
advertimos de pronto que aqui falamos de desenvolvimento desigual em relao ao paradigma
industrial-capitalista de desenvolvimento, por ora o adotado, mas longe de ser o nico ou o
preferido.
A explicao mais adequada que encontramos para as origens da concentrao da riqueza no
Estado de So Paulo dada por Wilson Cano31
:
(...)a crise de 1929 e sua recuperao provocariam o deslocamento do eixo dinmico da acumulao, do setor agro-exportador para o industrial. (...) As restries s importaes
forariam a periferia nacional a importar, agora, produtos manufaturados de So Paulo; este,
por sua vez, deveria crescentemente, importar mais matrias-primas e alimentos de outros
Estados (...) periferia nada mais restava do que ajustar-se a uma funo complementar da
economia de So Paulo. (CANO, ANO, p 62-63)
E conforme se ampliava a integrao econmica das diversas regies brasileiras, antes
caracterizadas como um arquiplago agrrio-exportador, mais tornava-se vantajosa a hegemonia
paulista, pois ampliavam-se-lhe tanto mercados consumidores quanto fornecedores de mterias
primas, as economias de escala obtidas pela concentrao industrial tornando os produtos de So
Paulo mais competitivos e dando ao Estados do entorno mais prximo condies de aproveitar de
forma vantajosa os efeitos da desconcentrao industrial que a guerra fiscal pode propiciar. Da no
se estranhar que a primeira Adin relevante para a srie que abordamos nesse trabalho tenha se dado
30 O PIB do Estado do Par, neste ano foi de cerca de 29 bilhes de reais o que equivale a meros 6% do resultado paulista
31 CANO, Wilson. Razes da Concentrao Industrial em So Paulo. 4. ed. Campinas: Instituto de Economia da UNICAMP, 1998. P. 62-63
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por uma disputa entre So Paulo e Rio de Janeiro.
A hipertrofia da economia paulista, e sua conseqente expresso poltica no mbito da
federao, propicia a qualquer Estado a evocao do discurso da superao das desigualdades
regionais, pois mesmo Estados de nveis intermedirios de desenvolvimento podem se considerar
desiguais em relao aos paulistas. A desproporcional riqueza de So Paulo gera inmeros abalos
nas relaes federativas, entre elas a inviabilizao prtica dos convnios entre os Estados e o
Distrito Federal no mbito do Confaz, pois como a unanimidade exigida para a aprovao de um
novo convnio, basta o voto negativo de So Paulo para que o convnio no seja aprovado, uma
situao de controle parecida com a que a Unio exercia no perodo autoritrio de 64 a 88, ou ainda,
obviamente forando a comparao, um poder informal de veto.
No entanto, a discusso do regionalismo brasileiro mais profunda e diferenciada que a
comparao de cada Estado com So Paulo. H diversos registros de disputas no nvel intermedirio
de riquezas, como a propagada disputa entre a Bahia e o Rio Grande do Sul por conta da instalao
de uma fbrica de automveis, em nvel ainda mais perifrico, o confronto entre o Par e o
Maranho acerca da tributao do carvo vegetal paraense que abastece a industria de ferro gusa
maranhense.
A expresso conflituosa dos regionalismos outro objeto prprio que nosso estudo coteja
mas nem de longe cogita esgotar. Sabe-se que h muito carvo regionalista nas motivaes mais
ntimas da guerra fiscal, mesmo porque h uma srie de distores nas leituras que os agentes em
conflito fazem de seu papel e do papel dos demais Estados no contexto em anlise, mas para no
nos afastarmos de nossa rota de trabalho, destaquemos a anlise feita a seguir por um pesquisador
do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA) acerca dos efeitos da desconcentrao
industrial no Brasil em relao distribuio per capta da riqueza.
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2.1 Dimenso intrarregional das desigualdades
Cllio Campolina Diniz32
busca introduzir um elemento novo na anlise das perspectivas
regionais, demonstrando que
(...) o problema da pobreza est deixando de ser uma questo regional e passando cada vez
mais a ser uma questo de distribuio interpessoal, j que os pobres passam a estar
distribudos por todo o territrio. Assim, embora os indicadores sociais ainda mostrem uma
diferena acentuada entre regies, de fato esta vem se reduzindo.(DINIZ, 1995)
O pesquisador chega a esta concluso expondo o seguinte raciocnio:
A partir da dcada de 40/50, todavia, comeou a ocorrer um movimento de desconcentrao
geogrfica da produo; inicialmente com o movimento da fronteira agropecuria no
sentido do sul do Brasil e, mais recentemente, em direo s regies Centro-Oeste e Norte e
s faixas de cerrados do Nordeste. A partir de 70 comeou tambm a ser caracterizado um
movimento de desconcentrao industrial do Estado de So Paulo. Os efeitos da
desconcentrao agropecuria e industrial influem no setor de servios e comrcio,
promovendo tambm sua desconcentrao.
O efeito conjunto destes elementos tem sido a desconcentrao regional da renda em prol
das regies mais vazias ou estagnadas e, ao mesmo tempo, uma concentrao da populao nas regies mais desenvolvidas, pois ocorre uma defasagem temporal entre desconcentrao
da produo e seus efeitos nos movimentos migratrios, o que provoca um movimento de
convergncia das rendas per capita regionais (DINIZ, 1995)
No deve ento passar despercebida a questo da dimenso intrarregional das desigualdades
e estudos vrios demonstram a similaridade proporcional entre os coeficientes de riqueza e pobreza
nos grandes centros urbanos, locais onde habita notvel maioria da populao do pas. Neste
cenrio, e admitindo a idia de que no se alcana desenvolvimento sem melhoria substantiva das
condies de vida da generalidade da populao, s polticas pblicas voltadas ao desenvolvimento,
entre as quais se enquadram a concesso de incentivos fiscais, se impe um outro munus: o de
demonstrar a sua eficincia e eficcia na reduo dos ndices sociais de desigualdade. No seria
suficiente assim, a ponto de justificar a excepcionalidade tributria, a percepo da melhoria de
ndices econmicos e compar-los ao resultado geral do pas ou de determinado Estado da
32 DINIZ, Cllio Campolina, A Dinmica Regional Recente da Economia Brasileira e suas Perspectivas. IPEA. Texto para discusso
no. 375, Braslia, 1995
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federao. Ou se demonstra desenvolvimento factual, ou no se justifica o tratamento privilegiado a
determinados contribuintes.
Esta percepo o pano de fundo de um discurso crtico concesso de incentivos fiscais de
uma maneira geral, pois alimenta o argumento de que o tratamento favorecido aos empreendedores
incentivados restringe a capacidade do Estado providenciar outras iniciativas pblicas que visem
gerar os benefcios sociais necessrios para a reduo intrarregional das desigualdades. Ainda paira,
em prol de uma defesa geral da concesso de incentivos e do empenho poltico dos Estados em
pelejar fiscalmente por investimento, a tese amplamente difundida, segundo a qual, sem os
incentivos, no haveria empreendimentos e, sem eles, empregos e crescimento econmico,
premissas do desenvolvimento.
Chega-se a uma disputa terica mais aprofundada sobre o que vem a ser desenvolvimento e,
sempre que se advoga a favor dos incentivos fiscais como polticas de fomento ao desenvolvimento,
alimenta-se uma das teorias a respeito.
Suposio implcita de que a grande empresa trar a sua rede de fornecedores e empresas satlites ou, alternativamente, constituir demanda para as empresas j existentes no Estado.
Essa suposio levaria, obviamente maximizao dos impactos internos potenciais em
emprego e demanda interindustrial. evidente que a suposio no mnimo exagerada. Na
realidade, quanto menos diversificada e moderna for a estrutura industrial j existente no
Estado, maior a probabilidade de que ocorram vazamentos dos impactos dinmicos associados ao investimento. Os mesmos fatores que tornam exeqvel a produo em
lugares mais distantes do principal centro consumidor, tornam tambm vivel que a nova
empresa utilize fornecedores situados no Estado hegemnico. (PRADO E CAVALCANTI,
2000, p. 95)
O pano de fundo deste raciocnio tambm uma preocupao central do nosso trabalho: se a
chegada de novas empresas em uma regio, atradas pelos incentivos fiscais, pode ser considerada
desenvolvimento, devemos ento buscar uma viso geral sobre as teorias do desenvolvimento.
2.2 Teorias do desenvolvimento
O direito e a economia so cincias do comportamento humano, audacioso ou acanhado,
errtico ou virtuoso. So as aes decididas pelos homens e mulheres que instruem o conhecimento
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gerado por estas cincias. Ainda que possam ser expressas por diferentes formas de linguagem,
entre elas a linguagem matemtica, no h exatido nas proposies destas cincias, pois no h
exatido no comportamento dos homens e mulheres, atores sociais e econmicos.
Partindo-se deste paradigma, pretendemos demonstrar a plurivocidade, presente nas teorias
das cincias econmicas e repercutida no direito, da expresso desenvolvimento. Lembramos que,
regra geral, tratam-se os incentivos fiscais de desonerao excepcional e sob condies, entre as
quais est a promoo do desenvolvimento, e no apenas isso, a promoo do desenvolvimento
social e regionalmente equilibrado. Ora, se para o direito necessrio verificar a condio para
conceder o benefcio disposto na norma, um problema a ser enfrentado o fato de no haver