conflito fiscal federativo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE MESTRADO EM DIREITO ADEMIR PICANÇO DE FIGUEIREDO CONFLITO FISCAL FEDERATIVO os incentivos dos Estados na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Belém 2007

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Uma análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Brazil's Supreme Court) sobre as disputas acerca do ICMS (IVA)

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR

    CENTRO DE CINCIAS JURDICAS

    CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

    ADEMIR PICANO DE FIGUEIREDO

    CONFLITO FISCAL FEDERATIVO

    os incentivos dos Estados na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal.

    Belm

    2007

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR

    CENTRO DE CINCIAS JURDICAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO

    ADEMIR PICANO DE FIGUEIREDO

    CONFLITO FISCAL FEDERATIVO

    os incentivos dos Estados na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal.

    Dissertao apresentada ao Curso de Ps-

    Graduao em Direito da Universidade Federal do Par,

    como requisito parcial para obteno

    do ttulo de Mestre. rea de concentrao:

    Tributao e Direitos Humanos

    Orientador: Professor Fernando Facury Scaff

    Belm

    2007

  • Figueiredo, Ademir Picano de

    Conflito Fiscal Federativo: os incentivos dos Estados na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal / Ademir Picano de Figueiredo. - - Belm: UFPA / CCJ, 2007.

    x, 110 f. : il. ; 31 cm.

    Orientador: Scaff, Fernando Facury Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Par,

    Centro de Cincias Jurdicas, Programa de Ps-graduao em Direiro, 2007.

    1. Federalismo 2. Incentivos fiscais 3. Desenvolvimento Regional. 3. ICMS Tributao 4. Guerra Fiscal 5. Tributao e Direitos Humanos - Tese . I. Scaff, Fernando Facury. II. Universidade Federal do Par, III. Centro de Cincias Jurdicas, Programa Ps-graduao em Direito. IV.Ttulo.

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR

    CENTRO DE CINCIAS JURDICAS

    CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

    ADEMIR PICANO DE FIGUEIREDO

    CONFLITO FISCAL FEDERATIVO

    os incentivos dos Estados na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal.

    Data: ______/_______/_______

    Banca Examinadora:

    ___________________________________

    ___________________________________

    ___________________________________

    ___________________________________

    Belm

    2007

  • Romana, Ademir, Giane e Arthur

  • RESUMO

    A utilizao da poltica fiscal como mecanismo de interveno do Estado no domnio

    econmico, pela via da induo, recorrente nas aes pretensamente desenvolvimentistas

    dos entes pblicos. No Brasil, esta opo de gesto tributria - levadas em conta as bases

    tensas da formao histrica de nosso federalismo e a acirrada competitividade propiciada e

    fomentada pela vaga neoliberal dos anos 90 catalizou um processo de conflituosidade entre os entes da federao que veio a ser conhecido como guerra fiscal. A guerra fiscal caracteriza-

    se pela concorrncia fiscal predatria entre os Estados da federao visando atrair para sua

    jurisdio tributria investimentos ou empreendimentos, ainda que em prejuzo de outros

    Estados federados. A intensificao desta cenrio conflituoso levou diversos Estados a

    litigarem no Supremo Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade dos incentivos por

    desobedincia imposio de acordo prvio nos termos da Constituio (art. 155, 2, II,

    g) e da Legislao do Confaz (Lei Complementar 24/75). Este trabalho analisa os aspectos gerais do guerra dos incentivos fiscais no mbito do ICMS e apresenta um mapeamento das

    principais ADINS relativas ao tema.

    Palavras-chave: Guerra fiscal, incentivos fiscais, tenso federativa, desenvolvimento e ICMS.

  • ABSTRACT

    The use of the tax policy as a mechanism of intervention of the State in the economic domain,

    by the induction way, is recurrent in the supposedly developmental actions of the public

    entities. In Brazil, this option of tax management - considering the tense bases during the

    formation of our federalism and the incited competitiveness generated and fostered by the

    neoliberal wave during the nineties - accelerated a conflicting process among the states of the

    federation that became known as tax war. The tax war is characterized by the predatory tax

    competition among the States of the federation aiming to attract for its jurisdiction tax

    investments or enterprises, even though damaging other Federative states. The intensification

    of this conflicting situation led several States to litigate in the Supreme Federal Court,

    questioning the constitutionality of the incentives, for desobeying the obligation of previous

    agreement as provided in the Constitution (art. 155, 2, II, g) and the Legislation of the Confaz (Complementary Law 24/75). This work analyzes the general aspects of incentives

    war in the scope of the ICMS and presents a mapping of the main ADINS relative to the

    subject.

    Word-key: Tax war, tax incentives, federative tension, development and ICMS

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Grfico 1 Comparao de conflitos fiscais por tipo de Adin.................................................................................87

    Grfico 2 Decises do STF na guerra fiscal ..........................................................................................................88

    Grfico 3 Estados proponentes de Adins ...............................................................................................................90

    Grfico 4 Estados questionados por Adins no STF ...............................................................................................90

    Grfico 5 Origem das Adins, por grandes regies .................................................................................................91

  • SUMRIO

    Introduo............................................................................................................................. .................................11

    Pressupostos tericos do tema..........................................................................................................................16

    Desarticulao do desenvolvimento nacional...................................................................................................18

    Aumento da tenso federativa..........................................................................................................................20

    Insegurana jurdica..........................................................................................................................................22

    Parte I Aspectos gerais da guerra fiscal..............................................................................................................24

    Captulo 1 Contexto histrico da guerra fiscal no Brasil ......................................................................................24

    1.1 Razes recentes da intensificao da guerra fiscal....................................................................................24

    1.2 Razes remotas no federalismo..................................................................................................................25

    1.3 Razes presentes em trs fases..................................................................................................................30

    1.3.1 Primeira fase..................................................................................................................................30

    1.3.2 Segunda fase..................................................................................................................................31

    1.3.3 Terceira fase...................................................................................................................................33

    Captulo 2 Desigualdade regional e teorias do desenvolvimento..........................................................................35

    2.1 Dimenso intrarregional das desigualdades..............................................................................................38

    2.2 Teorias do desenvolvimento......................................................................................................................39

  • 2.2.1 Schumpeter e o empresrio inovador............................................................................................40

    2.2.2 A idia dos plos de crescimento..................................................................................................42

    2.2.3 O Estruturalismo e a Cepal............................................................................................................43

    PARTE II ASPECTOS JURDICOS DA GUERRA FISCAL..........................................................................46

    Capitulo 3 Incentivos fiscais e o direito promocional............................................................................................46

    3.1 Vetores principiolgicos............................................................................................................................48

    3.1.1 Legalidade.....................................................................................................................................49

    3.1.2 Igualdade............................................................................................................................ ...........50

    3.1.3 Indisponibilidade do interesse pblico..........................................................................................52

    3.2 Conceituao e caractersticas dos incentivos fiscais...............................................................................53

    3.3 Incentivos fiscais no regime do ICMS.....................................................................................................58

    3.4 Modalidades de incentivos fiscais no regime do ICMS...........................................................................60

    3.4.1 Incentivos quantitativos diretos.....................................................................................................61

    3.4.1.1 Excluso ou restrio da base de clculo.............................................................................61

    3.4.1.2 Reduo de alquotas...........................................................................................................62

    3.4.2 Incentivos quantitativos indiretos.................................................................................................64

    3.4.2.1 Concesso de Crditos Presumidos.....................................................................................65

    3.4.2.2 Concesso de diferimentos..................................................................................................66

    3.4.2.3 Concesso de financiamentos ao ICMS..............................................................................66

    Captulo 4 Apropriao metodolgica da jurisprudncia e anlise de conflitos-tipo............................................67

    4.1 Papel institucional do STF no contexto da guerra fiscal.........................................................................70

    4.2 Conflitos-tipo da guerra fiscal no STF.....................................................................................................72

    4.2.1 Conflito Vertical............................................................................................................................72

    4.2.2 Conflito Intraestadual....................................................................................................................73

    4.2.3 Conflito Interestadual....................................................................................................................73

    4.3 Anlise de conflitos-tipo..........................................................................................................................73

  • 4.3.1 ADIN 3246-PA - guerra fiscal ou faroeste caboclo?....................................................................73

    4.3.2 Adin 1308-4 RS x RS Fogo Amigo ou esquizofrenia fiscal? ......................................................79

    4.3.3 Adin 1179 SPxRJ O imprio contra-ataca.................................................................................81

    Captulo 5 Mapeamento da guerra fiscal...............................................................................................................85

    5.1 Procedimento da pesquisa.......................................................................................................................85

    5.2 Constataes............................................................................................................................. ...............86

    5.2.1 A guerra fiscal em grande parte um conflito interno dos Estados..............................................86

    5.2.2 As decises cautelares representam parte considervel do Universo analisado...........................88

    5.2.3 A guerra fiscal SUL-SUL e no NORTE-SUL...........................................................................89

    CONCLUSO......................................................................................................................................................93

    Referncias Bibliogrficas...................................................................................................................................97

    Anexo - Ementrio das ADINs pesquisadas.....................................................................................................100

  • 11

    INTRODUO

    Em um regime federativo, a autonomia concedida a cada esfera de poder autoriza o

    estabelecimento de legislaes internas visando a atender os interesses prprios de cada ente

    federado. No aspecto fiscal, o federalismo possibilita legitimidade de arrecadao e transferncias

    obrigatrias, para que cada esfera de poder possa estabelecer certa economia prpria e atuar com a

    independncia que a Constituio concede, bem como para que possa atender ao que lhes exige o

    texto maior, em matria de distribuio de uma ampla gama de bens pblicos.

    H, contudo, uma dificuldade1 inerente aos sistemas federativos: a da compatibilizao dos

    conflitos de interesse. O que se acentua no quadro brasileiro, seja devido ao desequilbrio

    econmico e social entre as diferentes regies e entes federados, seja graas s razes, muito mais

    centrfugas que centrpetas, da formao histrica do federalismo brasileiro, em que, em vez de um

    governo central forte e comum, buscava-se bem mais a afirmao da autonomia pelos entes

    federados.

    Isto engendrou um federalismo tenso, cujo centro nevrlgico a busca de um arranjo

    institucional que seja capaz de solucionar os conflitos entre os nveis de governo sem, contudo,

    destituir cada ente de sua parcela de autonomia. A este arranjo chama-se pacto federativo, quando

    plasmado em uma Constituio rgida comum.(BERCOVICI, 2003, p.146)2

    Esta tenso federativa geneticamente instalada na experincia poltica brasileira repercute

    em muitos ambientes: poltica, economia e mesmo nas expresses da cultura. Em um deles,

    contudo, ganha tamanha relevncia que tem sido objeto de muitos estudos, entre os quais o que aqui

    1 O Professor Scaff mais enftico e aponta estas dificuldades como verdadeiros dilemas do sistema, seriam principalmente

    estes, aos quais voltaremos a nos referir: O financiamento da Unio atravs de contribuies e o desvio de recursos dos Fundos Participativos; A Lei de Responsabilidade Fiscal e o Pacto Federativo; A possibilidade de reteno pela Unio de recuros dos Estados e A guerra fiscal entre os Estados. SCAFF, Fernando Facury. Aspectos financeiros do sistema de organizao territorial do Brasil. Boletim de Cincias Econmicas XVLII (separata) Universidade de Coimbra, Coimbra, 2004 pp. 13-29.

    2 O fundamento da federao a Constituio rgida comum. (...) O que diferencia cada membro da federao a atribuio de competncias distintas pela Constituio. Outro dado essencial para a caracterizao de um regime federal a qualidade estatal dos entes federados (Estados-Membros, Provncias, etc), a chamada estatalidade, qualidade esta que depende da configurao destes entes enquanto centros de poder poltico autnomo e de sua capacidade de influir na tomada de decises do Estado como

    um todo. As tentativas de melhorar a capacidade poltica e administrativa dos entres federados dizem respeito, portanto, ao ncleo essencial da idia de federalismo

  • 12

    se apresenta. Este ambiente o da tenso federativa fiscal.

    A Constituio de 1988, sem dvidas, abriu novas perspectivas para o federalismo brasileiro,

    com nfase na cooperao federativa e na superao das desigualdades regionais, e isto fica

    bastante enfatizado quando observamos captulos como o da repartio da arrecadao tributria.

    Contudo, no se pode fechar os olhos crescente degenerescncia do princpio federal cooperativo

    em um ambiente de prticas predatrias entre os entes federados, que culmina no objeto de estudo

    deste trabalho, o conflito por recursos e investimentos financeiros entre os entes federados: a guerra

    fiscal.

    Em meados da dcada de 90, eclodiram na mdia nacional alguns litgios interestaduais

    quanto localizao de investimentos industriais. Ganhou notoriedade o caso da montadora Ford

    em 19993, que se instalaria no Rio Grande do Sul e, aps a oferta de maiores incentivos do governo

    da Bahia, com apoio do governo federal, ento mais afinado com os mandatrios baianos, migrou

    daquele para este Estado da federao. A expresso guerra fiscal tornou-se ento popular, servindo

    para representar a acirrada disputa poltico-fiscal travada entre Estados brasileiros, em um momento

    em que os diversos entes federados passaram a buscar a maximizao do fluxo de ingressos de

    investimentos e, para isso, concederam desoneraes de ordem fiscal aos empreendedores privados.

    Viu-se nesse perodo um recrudescimento deste tipo de embate, pois embora no fosse

    novidade a utilizao da poltica fiscal como instrumento de disputa econmica, chamou ateno o

    cenrio por assim dizer hobbesiano, em que a competio passou a ser travada, falta de meios de

    3 Essa foi a batalha mais famosa da guerra fiscal e representou um momento, de canibalizao de um estado da federao por

    outro. (ARBIX,2002, p. 119). A Ford havia contratado a localizao de uma nova fbrica no Rio Grande do Sul, mas o novo governo gacho, empossado em 1999, quis rever os termos da negociao por os considerar demasiado onerosos para o estado. A Ford,

    de sua parte, no concordou e tentou dobrar os dirigentes gachos com a ameaa de transferir o projeto para outra rea do pas. Antes que o impasse fosse desfeito, o governo da Bahia, agilmente, interps-se e deslocou o projeto para seu territrio, com a oferta de numerosas vantagens, entre as quais se destacavam os incentivos especiais do regime automotivo para o Nordeste.

    Para tanto, seria preciso o apoio do governo federal, o qual, aps algumas divergncias internas, chegou a uma frmula para viabilizar financeiramente a iniciativa da Bahia. Por essa frmula, o prazo de adeso ao regime automotivo para o Nordeste, o Norte e o Centro-Oeste, j encerrado em 1998, foi reaberto por mais um ano para atender situao especfica da Ford. Porm o

    montante da renncia de impostos federais ficou bem menor do que previra originalmente o referido regime . reduziu-se de R$700 milhes para R$180 milhes anuais em mdia, at 2010, em montante tido como suficiente para compensar a Ford pelo custo adicional de produzir veculos na Bahia e no no Centro-Sul. Houve tambm a concesso de crdito pelo BNDES, alm obviamente de benefcios oferecidos pelo governo da Bahia. (DULCI Otvio Soares guerra fiscal, desenvolvimento desigual e relaes federativas no brasil in REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 18, UFMG: Belo Horizonte 2002. p. 100.

  • 13

    regulao capazes de atenuar seu impacto negativo sobre as relaes federativas.4 (DULCI , 2002,

    p.100)

    Este cenrio, como dito, enfraquece o pacto de cooperao federativa afirmado na

    Constituio de 88, ao passo que acirra a tenso federativa, histrica companhia das relaes

    institucionais na federao brasileira.

    Tendo tudo isto em vista, este trabalho procurou analisar a concesso competitiva de

    incentivos fiscais, no mbito do ICMS, por parte dos Estados Federados, bem como, o tratamento

    jurisprudencial dado pelo STF ao acirramento desta competio.

    Vimos que, embora a guerra fiscal no formato que atualmente se apresenta tenha causas bem

    definidas, sua compreenso exige contextualizao mais aprofundada. O que se buscou fazer com a

    leitura e o correlacionamento entre razes remotas do federalismo brasileiro em especial sua

    vertente de tenso centrfuga e o fenmeno contemporneo dos conflitos fiscais.

    Desta associao identificamos como causa remota da guerra fiscal o que Raimundo Faoro

    chamou de capitalismo politicamente orientado, com o qual se oportuniza a reproduo no poder do

    estamento dirigente, atravs da manipulao dos instrumentos estatais de interveno no domnio

    econmico, de forma que se vejam preservados os subsdios e privilgios concedidos rede

    territorialmente dispersa de apoio e legitimao do governo central (parcela nacionalmente

    hegemnica do estamento dirigente). Ainda que, para isso, seja necessria a preservao de setores

    de menor produtividade e rentabilidade real, constatao que extramos de Luis Eduardo Fiori.

    Este viscoso caldo histrico-cultural, eivado das prticas mais venais de luta por preservao

    e ampliao de poder poltico, choca-se em diversos momentos da histria econmica do pas com a

    necessidade de obteno de resultados produtiva e rentabilmente reais, da... A sada em geral a

    centralizao por parte da Unio, como figura ditadora da linha econmica a ser adotada, quando

    no, tambm, da linha poltica. Nestes momentos igualmente se observa o estreitamento da

    4 DULCI Otvio Soares guerra fiscal... p. 95.

  • 14

    possibilidade ou da prioridade de se dilapidar recursos econmicos com a preservao de setores

    no rentveis, ainda que politicamente estratgicos.

    Destacadamente dois destes momentos representam marcos temporais relevantes para a

    anlise da guerra fiscal: a) o acirramento da concentrao poltica do regime de 64 para

    implementar as medidas do que consideraria seu milagre econmico e b) os planos econmicos e

    o ajuste fiscal para repactuao com o FMI nas dcadas de 80 e 90.

    No primeiro deles v-se a sucessiva alterao legislativa para o fortalecimento da

    capacidade da Unio de determinar os rumos da atividade econmica e diminuio da possibilidade

    de os Estados, unilateralmente, concederem incentivos fiscais, assim a reforma tributria de 65/66,

    que substitui o IVC pelo Imposto sobre a Circulao de Mercadorias (ICM) e inclui no Cdigo

    Tributrio Nacional a figura dos convnios, adicionada Lei Complementar 24/75, que cria o

    Conselho Nacional de Poltica Fazendria (Confaz), ir gerar um estancamento na concesso de

    incentivos por parte dos Estados no por parte da Unio, vejam-se Sudam e Sudene catalizado,

    sem dvida, pelo poder poltico ditatorial.

    Em seguida vem a transio para a Nova Repblica, enfraquecida relativamente a Unio e

    fortalecidos os governos estaduais por sua recente legitimao eleitoral, compondo-se o cenrio

    favorvel para, na Constituinte, consolidar-se a ampliao da autonomia dos Estados somada ao

    fortalecimento econmico conferido ao ICM, agora Imposto sobre Circulao de Mercadorias e

    Servios (ICMS), o que d novo calor disputa por investimentos, ao mesmo tempo em que se

    observa um natural esgaramento da capacidade coercitiva do governo federal e a fragilizao do

    carter impositivo das regras do Confaz, ou seja a conseqncia da distenso a progressiva

    retomada das disputas atravs dos incentivos estaduais

    Contudo, a dcada da Constituinte tambm a da hecatombe do endividamento e da

    hiperinflao. Neste perodo proliferam os planos de estabilizao, que culminam no plano real,

    bem como a necessidade de repactuao da dvida externa, que culmina na imposio de um severo

  • 15

    ajuste fiscal, tendente a restringir renncias de receita. Para dar sustento a esse ajuste, a Unio opera

    um hbil movimento de recentralizao arrecadatria, utilizando-se de modalidades tributrias que

    escapam ao rgido sistema de distribuio da receita determinado pela Constituio, essencialmente

    das contribuies sociais. A decorrncia natural seria o estreitamento da possibilidade de concesso

    de incentivos por parte dos Estados. Contudo, isto no ocorre.

    O que se v o acirramento da disputa fiscal e, premidos pela preservao de seus

    interesses, os Estados que se consideravam prejudicados - inicialmente So Paulo - valem-se da

    prerrogativa que a Constituio lhes conferia de argir ao STF a inconstitucionalidade das leis

    isentivas, com base na necessidade de convnio, moldada pela LC 24/75, mas recepcionada

    expressamente pelo disposto no art. 155, 2, XII, g da Constituio de 88. A guerra fiscal chega

    ao STF.

    Antes de fazer uma anlise mais detida da jurisprudncia do STF problematizaremos a

    questo das desigualdades regionais de desenvolvimento, isto porque o argumento central de

    concesso de Incentivos por parte dos Estados o da busca por equalizao deste desenvolvimento.

    Vimos que no unvoco o conceito e tambm que, nem sempre, a verificao de crescimento da

    atividade econmica representa desenvolvimento: para isso necessrio que se vejam alteradas as

    estruturas sociais que determinam o subdesenvolvimento.

    Vimos tambm os aspectos propriamente jurdicos dos incentivos fiscais, no com o objetivo

    de realizar uma taxidermia do conceito, distante disso, procuramos demonstrar, para alm das

    modalidades de incentivos no mbito do ICMS, o relacionamento de diversas disciplinas jurdicas

    no tratamento do tema e, principalmente, a necessidade de se aplicar a mescla ponderada entre os

    princpios da legalidade, igualdade e indisponibilidade do interesse pblico no tratamento da

    questo.

    Por fim, chegamos ao mapeamento jurisprudencial da guerra fiscal no STF, analisando um

  • 16

    universo de 37 Aes Diretas de Inconstitucionalidade (Adins)5, motivadas pela unilateralidade na

    concesso de incentivo e agrupadas conforme a natureza federativa das partes litigantes6.

    Constatamos que: a) a guerra fiscal em boa parte alimentada pela micro-poltica dos Estados, pois

    quase metade dos conflitos origina-se em conflitos intraestaduais; b) que arbitrada no STF,

    tambm em grande parte, por medidas liminares, dando mais contraste ainda ao pressuposto da

    insegurana jurdica e c) que, em que pese a aparente impresso de uma disputa entre os Estados

    desenvolvidos do Centro-Sul e os subdesenvolvidos do Norte-Nordeste, impresso talvez acentuada

    por preconceitos regionalistas e tambm pela famosa disputa RS versus BA pela fbrica da FORD,

    o maior volume de conflitos verificado entre Estados das regies Sul e Sudeste.

    Por fim, para concluir este trabalho, precisamos ao menos tentar responder a duas perguntas,

    que complementarmente so as hipteses geral e especfica deste estudo :

    a) o que melhor, levando-se em conta a atual realidade econmica, poltica e social do

    Brasil: uma carga tributria mais alta e menos dinheiro no bolso do contribuinte ou uma carga

    tributria mais baixa e mais dinheiro no bolso do contribuinte?

    b) o que melhor: arrecadar mais hoje ou incrementar o desenvolvimento com vistas a

    aumentar a arrecadao amanh?

    Pressupostos tericos do tema

    Em que pese seu apelo principalmente jornalstico, pode-se abordar teoricamente a

    expresso guerra fiscal. Para Scaff, A expresso guerra fiscal denota uma situao em que

    distintos Estados concorrem entre si concedendo vantagens fiscais para que no seu territrio sejam

    5 1179-SP, 1276-SP, 1296-PE, 1308-RS, 1467-DF, 1522/MC-RJ, 1577/MC-RJ, 1587-DF, 1601/MC-DF, 1978/MC-SP, 1999/MC-SP,

    2021/MC-SP, 2122-AL, 2155/MC-PR, 2157/MC-BA, 2345/MC-SC, 2357/MC-SC, 2376/MC-RJ, 2377/MC-MG, 2405/MC-RS, 2439-MS, 2458- AL, 2599/MC-MT, 260-SC, 2722-PR, 2823/MC-MT, 286-RO, 3246 - 1 , 3312-MT, 3389/MC-RJ, 3429-4, 3576-RS,

    3764/MG, 3794-3, 429-CE, 84-MG, 930/MC-MA.

    6 Dividimos as Adins pesquisadas em trs conflitos tipo: a) Vertical: Conflito iniciado formalmente pelo Procurador Geral da Repblica, porm instado por representao de um interessado contra ato ou lei de seu prprio Estado, destaque ADIN 3246 PA, que trata da poltica de incentivos fiscais do Estado do Par. b) Intraestadual: Neste formato de conflito as partes ativa e passiva

    so de um mesmo Estado, a ADIN 1308-4 RS ser o paradigma que trataremos para esse modelo c) Interestadual: conflito-tipo (Estado x Estado), que reflete a imagem que mais comumente que se atribui guerra fiscal, a ADIN 1179 SP ser o paradigma

    que analisaremos, na qual litigam Rio de Janeiro e So Paulo.

  • 17

    implantados novos empreendimentos7 (2004, p.23)

    Para Otvio Soares Dulci, trata-se de um jogo de aes e reaes travado entre governos

    estaduais (e adicionalmente entre governos municipais) com o intuito de atrair investimentos

    privados ou de ret-los em seus territrios. 8. O vocbulo guerra, ncleo significativo da expresso,

    obviamente, busca acentuar as cores da disputa, mas oportuno aprofundar a metfora com vistas a

    melhor compreender este fenmeno.

    O que define essencialmente a guerra a conflituosidade aberta em um lugar especfico (o

    campo de batalha) e em um tempo prprio (o estratgico), na guerra as partes atuam na perspectiva

    de um definitivo enfrentamento final em que ocorra a imposio de seu interesse atravs do

    desarmamento ou eliminao do adversrio. Com a iminente aproximao deste desfecho, as

    ameaas de destruio recproca levariam a um constante esforo de acumulao de recursos e

    protelao politicamente negociada do conflito.

    Na poltica, as contraposies programticas ou paroquiais tendem ao extremo quando se

    pe em questo a sobrevivncia ou viabilidade dos contendores, geralmente em situaes de

    eleies ou crises institucionais. Nestes momentos instaura-se, ainda que momentaneamente, a

    lgica do tudo ou nada, a mesma lgica inerente guerra.

    Em sntese, qualquer hostilidade mesmo embrionria e limitada ao plano das intenes, gera uma dinmica precautria que, movida pelas expectativas interagentes dos grupos, acaba

    conduzindo o conflito por uma lgica de radicalizao progressiva. (...) A guerra quando

    protelada, politiza-se, a poltica quando acirrada, beliciza-se.9(grifo nosso) (FIORI, 2003,

    p.41-42)

    neste ltimo sentido que nos apropriamos teoricamente da expresso guerra fiscal: trata-se

    de uma acirrada disputa poltica, em que os litigantes tendem a radicalizar suas aes em aparente

    desconsiderao do liame federativo que os une, comportando-se como se o conflito se direcionasse

    para um desfecho final necessrio, obrigando a tomada de posio (ataque ou defesa) e a

    7 Na prtica, instaura-se um verdadeiro leilo de benefcios, uma licitao s avesssas. Tais benefcios podem ser variados, sendo

    os mais comuns a iseno total ou parcial de ICMS, a suspenso, a dilao ou o diferimento no pagamento do tributo, reduo da base de clculo, devoluo total ou parcial, direta ou indireta, do montante arrecadado, ao contribuinte ou a interposta pess oas; crdito presumido, parcelamentos etc..

    8 DULCI, op. cit. p. 95

    9 FIORI, Jos Luis. O vo da coruja para reler o desenvolvimentismo brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2003 p.41/42

  • 18

    mobilizao estadual, sob pena de sucumbncia ante o inimigo. O campo de batalha, ou seja, o

    lugar institucional em que se desdobram os atos desta guerra, para os fins deste texto o STF. E a

    artilharia o mecanismo de controle concentrado da constitucionalidade da Adin.

    Os fatos estratgicos da guerra fiscal difundem-se em diferenciados, mas interligados,

    campos das cincias sociais aplicadas, notadamente no econmico, no poltico e, obviamente, no

    jurdico.

    Desarticulao do desenvolvimento nacional

    Do ponto de vista econmico o que se pode observar em grandes linhas o movimento de

    migrao ou expanso de empresas entre os Estados. Quando uma empresa se retira de um Estado,

    faz reduzir a arrecadao tributria e quando ingressa no novo Estado, ainda que fiscalmente

    desonerada, faz ampliar a receita, seja pelo imposto que ainda paga (quando no se trata de iseno

    total), seja pelas externalidades que gera na economia regional, fato tal que, segundo dados do

    Confaz,10

    os Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde h mais generalizao das polticas

    isentivas, lograram nos ltimos anos ampliar sensivelmente sua arrecadao de ICMS.

    Dulci observou que h diferentes papis para cada um dos atores envolvidos na guerra

    fiscal. Os Estados mais industrializados e de maior peso na federao tm competido por grandes

    projetos, geralmente de origem externa. Os demais Estados tm disputado investimentos,

    basicamente de capital domstico, em inmeros setores produtivos. Por efeito dessa competio,

    observa-se o deslocamento de setores e empresas pelo territrio nacional, atrs de vantagens fiscais

    comparativas, alm de diferenciais em custos como salrios mais baixos. A ocorrncia dessa

    movimentao de 'empresas ciganas' depende do setor de atividade. bastante vivel em setores

    10 A receita de ICMS de Estados menos desenvolvidos das regies Norte, Nordeste e Centro-Oeste cresceu 87,2% nos ltimos 11

    anos. O nmero representa quase o dobro do valor registrado nas regies Sul e Sudeste (42,1%). Os dados so do Conselho Nacional de Poltica Fazendria (Confaz) e explicam a resistncia em acabar com a guerra fiscal (...) Em 1995, as regies mais

    pobres acumulavam 23,5% da receita anual de ICMS; hoje j ficam com 28,8% - uma diferena de R$ 9 bilhes anuais. O nmero equivale a quatro vezes mais do que o valor que o governo federal se disps a colocar no fundo de desenvolvimento regional em troca da concordncia dos governadores em acabar com a guerra fiscal. A maior parte desse ganho de receita foi extrado de So Paulo. H 11 anos, o Estado acumulava 37,6% da arrecadao do ICMS, e hoje, 32,9%. (GOBETTI, Srgio. Guerra fiscal longe de acabar - aumento da receita de ICMS explica resistncia. In O Estado de S. Paulo 06/11/2006)

  • 19

    que requerem instalaes e insumos disponveis em qualquer lugar, como as indstrias de

    confeces, calados, cermica e laticnios. No se observando o mesmo em setores mais

    dependentes de acesso a mercados e fornecedores especficos, como os plos de tecnologia eletro-

    eletrnica.

    Um risco que se pode esperar na manuteno destas polticas competitivas que, ao fim dos

    incentivos, as empresas migrantes procurem outras condies favorveis, pois as empresas migram

    atrs de vantagens fiscais comparativas, e tomam suas decises alocativas tendo em vista os custos

    de oportunidade. Tal movimento poderia determinar, em mantidas as condies de disputa, um

    empobrecimento geral dos fiscos estaduais, em favorecimento de um enriquecimento geral dos

    agentes econmicos privados, pois seja quando migram, seja quando expandem suas atividades e

    direcionam seus investimentos, as empresas levam em considerao a parcela que deixaram de

    contribuir a ttulo de imposto.

    Esse delta, que permanece na esfera patrimonial da empresa, deixa de ser direcionado ao

    conjunto dos fiscos estaduais, que devem atender aos anseios dos brasileiros habitantes daquele

    territrio11

    . Esta concluso, contudo, no absoluta: por vrios fatores as arrecadaes estaduais

    tm se ampliado nos ltimos anos, mesmo em ambiente de guerra fiscal, e, em muitos casos, as

    desoneraes se compensam pela ampliao do esforo tributrio imposto parcela no-incentivada

    da populao, que continuar demandando por bens pblicos, mas precisar depreender mais

    recursos para tanto.

    A contabilizao da arrecadao, porm, no ainda o problema destacado, afinal, a

    manipulao da informao estatstica serve aos mais contraditrios objetivos. A questo a

    priorizao de projetos localizados de desenvolvimento, em detrimento do planejamento estratgico

    11 Assim, conforme observa o economista e ex-Presidente do IPEA, Glauco Arbix, a maioria dos governadores que se envolvem na

    guerra fiscal a defendem como nico recurso disponvel para a atrao de novas fbricas, alm de ser eficiente para a diminuio de desigualdades seculares. Mas entram na disputa sem definir a contraparte das empresas e tampouco os custos e o retorno para o setor pblico; sem estabelecer relaes de reciprocidade; sem indicar os meios de controle sobre os planos apresentados; sem se preocupar com a prestao de contas populao; sem se perguntar pelos direitos do estado e das cidades. ARBIX, Glauco. Guerra fiscal e competio intermunicipal por novos investimentos no setor automotivo brasileiro. Dados., Rio de Janeiro,

    v. 43, n. 1, 2000. Disponvel em: . Acesso em: 28 Set 2006. doi: 10.1590/S0011-52582000000100001.

  • 20

    nacionalmente considerado. Veremos que h diferentes concepes do que venha a ser

    desenvolvimento e, assim, conforme o enfoque ideolgico adotado se considera adequada ou no a

    adoo de tais polticas desonerativas, que, ainda que representem certa interveno do Estado no

    domnio econmico (por induo), no contexto histrico em que se as analisa, representam mais

    uma alternativa ao papel protagonista do Estado no planejamento do desenvolvimento econmico.

    Assim, a desarticulao do planejamento da superao do subdesenvolvimento, como uma

    estratgia nacionalmente considerada, a situao-problema que decorre da guerra fiscal, no

    espectro de uma anlise econmica. Frise-se, contudo que decorrente de/, mas tambm concorre

    para/, pois na lacuna deixada pela Unio como protagonista do processo desenvolvimentista,

    legtimo esperar que os Estados se empenhem em ampliar suas receitas para promover o que

    possam considerar desenvolvimento.

    Aumento da tenso federativa

    Ainda perceptvel no campo econmico, mas j apropriada pela problemtica poltica, pode

    se presumir que tambm decorra da guerra fiscal a ampliao da dependncia dos entes federados

    que concedem incentivos em relao aos mecanismos de repasse voluntrios da Unio Federal ou,

    visto pelo ngulo poltico, o aumento da presso dos entes federados sobre a Unio visando obter

    repasses voluntrios. De uma forma ou de outra aumenta a tenso na poltica federativa em

    prejuzo da cooperao harmnica e autnoma dos entes federados.

    O Federalismo mais que uma simples opo de organizao do Estado ou uma adjetivao

    da Repblica brasileira, est inscrito como clusula ptrea na Constituio de 88 e vigora

    brasileira desde antes da instituio oficial, com a proclamao da Repblica 188912

    . Contudo no

    se olvida a realidade historicamente tensa do federalismo brasileiro, seja no que tange legitimao

    12 Parece clara a autenticidade do ideal federativo no Brasil desde seus primrdios. As razes do sistema constituram-se ainda na

    fase colonial, quando a vida poltica brasileira j continha, em embrio, o carter dual de uma ordem federativa, distinguindo- se claramente o poder central (as autoridades da Coroa) e o poder local (as cmaras municipais). DULCI Otvio Soares guerra fiscal, desenvolvimento desigual e relaes federativas no brasil in REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 18, UFMG: Belo

    Horizonte 2002. p. 95

  • 21

    do poder central, processo constitudo atravs de consensos polticos, mas tambm atravs de muita

    represso violenta aos levantes localizados; seja no concernente convivncia harmnica dos entes

    federados. Nosso pacto federativo um construto instvel, no qual, em geral a estabilidade filha

    do centralismo sustentado pelos Estados hegemnicos, mas registrada em nome dos ideais de

    pacifismo e de nacionalidade.

    Fica bvia a influncia da prtica reiterada das disputas fiscais na ampliao da tenso

    federativa, notadamente quando a permisso para conceder incentivos constitucionalmente

    vinculada superao das desigualdades sociais e econmicas entre os Estados e regies do Brasil.

    Um outro fenmeno associado ao campo poltico, percebido por este estudo, a tenso

    institucional interna nos entes federados, captada em muitas das Adins pesquisadas. Sabe-se que o

    discurso oficial de quem concede incentivos o da superao ou, pelo menos, do arrefecimento dos

    desequilbrios econmicos entre os Estados. A disputa pelos investimentos estaria, assim, vinculada

    aos interesses de manuteno ou ampliao dos empregos e dos benefcios sociais que eles

    representam.

    No cotidiano poltico dos Estados menos desenvolvidos do pas comum o apelo

    necessidade de unio pelo desenvolvimento e, como ainda muito consolidada a tese de que novos

    empreendimentos econmicos, quaisquer que sejam, representam progresso, no apoiar a concesso

    de incentivos fiscais, ou discutir sua real eficcia em matria desenvolvimentista, resulta em pesado

    nus poltico.

    Some-se a isto o fato de que a concesso de incentivos fiscais constitui vnculos de lealdade

    com os beneficiados - lealdade esta bastante til no financiamento de campanhas - e temos o

    fenmeno da disputa fiscal intraestadual.

    Neste conflito-tipo, o governo do Estado litiga contra a prpria Assemblia Legislativa

    Estadual, ou contra Governos Estaduais anteriores que fizeram aprovar lei isentiva inconstitucional.

  • 22

    Neste cenrio o causador do ato considerado inconstitucional percebe as vantagens polticas de ter

    concendido o incentivo e o autor da ao, possivelmente at premido por exigncias da Lei, assume

    o papel de vilo ou de associado aos interesses dos Estados adversrios, quando questiona a

    constitucionalidade do incentivo

    Insegurana jurdica

    Por fim, no campo jurdico a guerra fiscal desconfirma a norma, alm de descumpri-la. O

    descumprimento da norma no contexto dos incentivos fiscais desonerativos do ICMS se d pela

    unilateralidade da concesso. A Legislao exige que se submeta os incentivos ao Confaz para

    celebrao de convnio pelas partes, convnio este que deve ser aprovado pela unanimidade dos

    Estados e referendado pelas respectivas Assemblias Legislativas. Isto no ocorre, sendo bem

    verdade que a exigncia de unanimidade torna a aprovao uma quimera inatingvel na maioria dos

    casos. Cientes disto, os Estados estabelecem sua poltica de incentivos e os concedem, pelo tempo

    que durar entre a promulgao do ato isentivo e a inquinao de sua inconstitucionalidade.

    A desconfirmao, que mais grave em matria de segurana jurdica, se d pelo

    mecanismo da inovao legislativa, pela aprovao de novos atos normativos, essencialmente

    idnticos queles invalidados por inconstitucionalidade. Tal prtica contribui para fragilizar as

    decises soberanas do STF, pois na prtica retira o efeito vinculante da deciso contrria s prticas

    da guerra fiscal.

    Outro foco de insegurana o da situao fiscal dos empreendedores incentivados, que,

    presumindo a legalidade dos atos de incentivo, atuam por vrios anos no Estado e, de um momento

    para outro, vem-se sujeitos execuo de uma dvida de vrios exerccios anteriores, pois a

    declarao da inconstitucionalidade surte efeito retroativo promulgao da lei isentiva.

    No difcil assim demonstrar que h nocividades na guerra fiscal, sua prtica

    disseminada acarretando acirramento da tenso federativa, incongruncias institucionais,

    desarticulao na poltica desenvolvimentista e insegurana jurdica. Porm, no se pode

  • 23

    negar que trouxe mais arrecadao aos governos de Estados menos desenvolvidos que, mesmo

    com as anlises econmicas desfavorveis no plano geral, experimentam ampliao de receita

    para implementar suas polticas e, ainda que, com a legislao e o entendimento

    jurisprudencial contrrios, apostam nessa estratgia.

  • 24

    PARTE I

    ASPECTOS GERAIS DA GUERRA FISCAL

    Captulo 1 Contexto histrico da guerra fiscal no Brasil

    1.1 Razes recentes da intensificao da guerra fiscal.

    A intensificao do conflito fiscal entre os Estados, em seu formato contemporneo, tm

    causas bem definidas. o efeito de certas condies polticas e econmicas que emergiram, desde

    meados da dcada de 80, cuja interao resultou potencialmente crtica.

    O principal marco temporal a delimitar este cenrio a Constituio de 1988, fruto de uma

    transio poltica que visou claramente corrigir a hipertrofia do poder central, o que era uma

    caracterstica do regime autoritrio iniciado em 1964. A sustentao poltica da transio se baseou

    em lideranas muito fortes em suas bases e oriundas da elite poltica de seus respectivos Estados -

    Tancredo Neves, Franco Montoro, Leonel Brizola, Miguel Arraes, entre outros. Era de se esperar

    que os bares da federao, como os definiu Fernando Abbrucio13, comandassem aes no

    sentido de fortalecer a instncia de poder que haviam conquistado com as primeiras eleies para os

    governos estaduais, desde o golpe. nesse ambiente poltico que deve ser interpretada a elstica

    ampliao das competncias arrecadatrias dos Estados, destaque especial, claro, para o novo

    estatuto jurdico do ICMS, lembrando que a descentralizao em geral representava um avano

    institucional adequado ao recm-institudo Estado democrtico de direito.

    Esta reviso do pacto federativo enfrentou, contudo, uma atitude agressiva e em sentido

    oposto da Unio Federal. Conforme demonstra Scaff (2004, p.14-15) o governo da Unio promoveu

    um movimento deliberado de (re)centralizao da arrecadao tributria, essencialmente com a

    13 ABRUCIO, Fernando Luiz. Os bares da Federao: os governadores e a redemocratizao brasileira. So Paulo:

    Hucitec/Departamento de Cincia Poltica da USP

  • 25

    utilizao das contribuies14

    , espcies de tributo no sujeitas s mesmas regras constitucionais de

    repartio da arrecadao, colidindo assim com a linha consagrada pela nova Constituio vigente

    e, alis, deturpando-a seriamente. Com esta postura, a Unio passava a capturar uma fatia maior

    ainda das receitas pblicas, necessrias implementao das polticas, ao passo em que se

    descentralizaram as competncias e a necessidade de recursos de Estados e Municpios.

    Ao mesmo tempo em que a Unio se fortalecia de recursos, seu governo politicamente

    orientava um enfraquecimento geral do Estado, optando por omitir-se da condio de agente

    protagonista da articulao do desenvolvimento, adotando toda uma seqncia de medidas de cunho

    neoliberal. Uma delas diz respeito ao abandono de polticas e de instrumentos de coordenao

    inter-regional, dentro da estratgia mais ampla de mudana do papel diretivo do poder central sobre

    a economia.15

    1.2 Razes remotas no federalismo

    Em que pese suas definidas causas presentes, fenmenos poltico-institucionais como a

    guerra fiscal so sintomas ou efeitos de conjunturas e at estruturas anteriores. A leitura crtica da

    realidade exige sempre a contextualizao dos objetos tratados, de forma a tornar mais seguras as

    concluses afirmadas: alguma especulao histrica sempre faz-se necessria para a mais adequada

    compreenso do assunto.

    Partimos da hiptese de que a guerra fiscal seja a expresso de uma srie de conflitos

    latentes no seio do federalismo brasileiro, conduzidos at os dias de hoje por um expediente

    14 por tal razo que cresce fortemente a arrecadao das chamadas contribuies (sejam as sociais sejam as de interveno no domnio econmico) pois no so partilhadas com os demais entes federativos. (...) Ou seja, a arrecadao tributria no Brasil

    aumentou como um todo, mas a dos impostos que so compartilhados pela Unio com Estados e Municpios (notadamente o IPI) no

    cresceu na mesma proporo. E a criao e a majorao das contribuies sociais exclusivas da Unio acaba por enfraquecer a sistemtica de federalismo participativo.

    15 As agncias federais de desenvolvimento regional, h muito esvaziadas, foram finalmente extintas em 2001. Tal setor da ao governamental foi, esse sim, descentralizado de bom grado, deixado praticamente a cargo das administraes subnacionais. (.. .) consolidou-se no mbito do governo federal uma postura basicamente avessa a polticas industriais ativas, de carter

    discricionrio. Seu discurso tem enfatizado sempre que as polticas relevantes so aquelas voltadas para os ganhos sistmicos, para a reduo do 'custo Brasil' etc. Na prtica, a progressiva retirada do governo federal das aes discricionrias no levou 'saudvel hegemonia do mercado', como muitos esperavam, mas criou um vazio de polticas rapidamente preenchido pela ao dos grupos regionais.

    DULCI Otvio Soares guerra fiscal, desenvolvimento desigual e relaes federativas no brasil in REVISTA

    DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 18, UFMG: Belo Horizonte 2002. p. 96

  • 26

    histrico descrito e conceituado por Raimundo Faoro: a reproduo no poder do estamento

    dirigente:

    Partindo de uma interpretao da ausncia do feudalismo na sociedade medieval

    portuguesa, Faoro considera que a crise Dinstica de 1383-85 teria dado fisionomia

    definitiva ao Estado nascente, onde o Rei era no somente o senhor da guerra e, portanto, do poder poltico, mas tambm o senhor das terras. Isso significava que, em Portugal, o rei

    era o dono de tudo e entre ele e seus sditos no havia intermedirios: ' Um comanda e

    todos obedecem'. Essa monarquia de tipo patrimonial acaba prendendo os servidores em

    uma rede patriarcal, o que os torna, pouco a pouco, uma espcie de nobreza particular.

    Juristas, letrados, burocratas, em suma, tornando-se como que a 'extenso da casa do

    soberano', compem ento uma 'corporao de poder': o estamento. 16. (FAORO, 2000)

    Segundo Faoro, esse estamento (Beamtenstand), que no se confunde com a burocracia

    (Berufsbeantentuam), logrou perpetuar-se no poder entre outras razes devido instalao de uma

    poltica econmica e financeira de teor particular, estatal e mercantilista, que atua e vigia, se

    expande e se amplia, com sobranceira: o capitalismo politicamente orientado.17(FAORO, 2000,

    p.369)

    No campo econmico, as medidas postas em prtica, que ultrapassam a regulamentao

    formal da ideologia liberal, alcanam desde as prescries financeiras e monetrias at a

    gesto direta das empresas, passando pelo regime das concesses estatais e das ordenaes

    sobre o trabalho. Atuar diretamente ou mediante incentivo sero tcnicas desenvolvidas dentro de um s escopo.18

    Assim, a perpetuao do estamento dirigente se apia na orientao poltica do capitalismo e

    no necessariamente apenas na gesto poltica do Estado. Os sistemas de subsdio e incentivos so

    mecanismos teis reproduo deste estamento, notadamente quando a seleo dos incentivados

    no republicana e vinculada a critrios objetivos, mas orientada a satisfazer acordos de conquista

    e permanncia de grupos polticos na gesto do Estado.

    O estamento burocrtico fundado no sistema patrimonial do capitalismo politicamente

    orientado, adquiriu o contedo aristocrtico, da nobreza da toga e do ttulo. (...). O

    16 PUTONI, Pedro. A tnica rgida do passado in FAORO, Raimundo. Os donos do poder v.2 10a ed. So Paulo: Globo; Publifolha,

    2000 p. 384 (Guia de Leitura)

    17 FAORO, Raimundo. Os donos do poder v.2 10a ed. So Paulo: Globo; Publifolha, 2000.No impera a burocracia, a camada profissional que assegura o funcionamento do governo e da administrao (Berufsbeantentuam), mas o estamento poltico

    (Beamtenstand). A burocracia, como burocracia, um aparelhamento neutro, em qualquer tipo de Estado, ou sob qualquer forma de poder (...). Uma poltica econmica e financeira de teor particular, estatal e mercantilista atua e vigia, se expande e se amplia, com sobranceira. A autonomia da esfera poltica, que se manifesta com objetivos prprios, organizando a nao a partir de uma

    unidade centralizadora, desenvolve mecanismos de controle e regulamentao especficos. O estamento burocrtico comanda o ramo civil e militar da administrao e, dessa base, com aparelhamento prprio, invade e dirige a esfera econmica, poltica e financeira. p.369

    18 FAORO, op. Cit. p. 369

  • 27

    patriarcado, despido de brases, de vestimentas ornamentais, de casacas ostensivas, governa

    e impera, tutela e curatela. O poder a soberania nominalmente popular- tem donos, que no emanam da nao, da sociedade, da plebe ignara e pobre. O chefe no um delegado, mas um gestor de negcios, gestor de negcios e no mandatrio

    19. (FAORO, 2000, p.379-

    380)

    Com a Repblica vir uma alterao importante no sistema estamental brasileiro, o que

    aponta o comentarista de Faoro, Pedro Putoni:

    (...) a novidade da pulverizao do patrimonialismo no sistema privatista de poder chamado

    'coronelismo', uma extensa rede clientelista que articulava os senhores locais poltica

    regional. O retraimento do estamento burocrtico apenas converte o agente pblico em um

    cliente, uma fragmentao da mesma estrutura, vista agora com um certo

    descentramento20, ou seja, o que aconteceu foi a multiplicao de pequenos estamentos ao redor de cada esfera oficial de poder, ou seja, cada ente do Estado da federao desenvolve

    o seu prprio estamento dirigente. (PUTONI, 2000, p.384)

    Refora-se esta argumentao com o conceito de coronelismo proposto por Victor Leal

    Nunes. Para o autor, a estrutura agrria baseada no latifndio, favorecia a relao de dependncia

    sobre os eleitores agregados ao proprietrio, formando-se assim os currais eleitorais. Neste

    contexto:

    (...) o coronelismo era sobretudo um compromisso, uma troca de favores entre o poder pblico, progressivamente fortalecido, e a decadente influncia social dos chefes locais,

    notadamente dos senhores de terras. (...) isto se explica justamente em funo do regime

    representativo, com sufrgio amplo, pois o governo no pode prescindir do eleitorado

    rural, cuja situao de dependncia ainda incontestvel21 (grifo nosso) (NUNES, 1997,

    p.40-41)

    O economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Jos Luis Fiori, tambm pode nos

    auxiliar neste raciocnio. Fiori lembra que o Estado brasileiro se enquadra entre aqueles nos quais as

    oligarquias locais lograram conservar, aps a independncia poltica em relao metrpole, a

    mesma estrutura de produo colonial e seu controle, o que foi possvel pelo estabelecimento de

    alianas polticas internas, que teriam permitido definir as fronteiras e estabilizar uma forma

    relativamente eficaz de dominao. Esse processo se deu mediante a confederao dos vrios

    19 FAORO, Raimundo. Os donos do poder v.2 10a ed. So Paulo: Globo; Publifolha, 2000 p.379-380.

    20 PUTONI, Pedro. A tnica rgida do passado in FAORO, Raimundo. Os donos do poder v.2 10a ed. So Paulo: Globo; Publifolha, 2000 p. 384 (Guia de Leitura)

    21 LEAL, Victor Nunes, Coronelismo, enxada e voto o municpio e o sistema representativo no Brasil. 3.ed Rio de janeiro: Editora Nova Fronteira, 1997. P. 40-41

  • 28

    grupos sociais e regionais da antiga colnia22 (grifo nosso) (FIORI, 2003, p.129)

    Variando entre momentos de tendncias regionalizadoras ou centralizadoras o Estado

    brasileiro conserva em seu relacionamento com a atividade econmica uma caracterstica

    peculiarmente relevante para o nosso estudo: a preservao de setores de menor produtividade e

    rentabilidade real.

    Assim, apesar do espraiamento das relaes capitalistas, estas no no tenderam nunca a um

    padro geral de valorizao, no vigorando, portanto, condies homogneas de trabalho necessrio, preos de produo etc. Desse modo, os setores atrasados das classes

    dominantes no foram eliminados pelo mercado, nem as populaes expulsas da terra

    puderam ingressar no mercado geral de trabalho, sendo obrigadas a reproduzir-se,

    politicamente, atravs de um Estado que nelas encontrou, em contrapartida, apoios polticos decisivos. Essa nova realidade teria, contudo, conseqncias igualmente decisivas,

    pois, ao politizar a competio econmica, transportaria para dentro do Estado uma luta

    sem quartel e de difcil controle. Ali se disputaria, a cada dia, desde o direito

    sobrevivncia at o direito de manuteno de seus subsdios e rentabilidades diferenciados23 (FIORI, 2003, p.129-168)

    O Estado, ao politizar a competio econmica, interfere em seu andamento, entre outros

    motivos para conservar a viabilidade de alguns setores e agentes, estratgicos para a reproduo dos

    mecanismos de poder e controle. Constata ainda, que uma das consequncias desta dinmica uma

    luta que traz instabilidade e, destaque-se: o suposto direito de defender seus subsdios e

    rendimentos.

    O consenso poltico que sustentou a estrutura estamental nos primrdios da Repblica foi a

    poltica dos governadores e nesse deal os lderes regionais, em nome da gesto dos interesses de

    seus respectivos estamentos dirigentes, reconheciam e legitimavam o poder central, atravs da

    inclinao de seus currais eleitorais. Em troca, obtinham do poder central, que no deixava de ser a

    expresso dos estamentos locais mais poderosos, o reconhecimento de sua jurisdio poltica e os

    meios adequados para a manuteno desta hegemonia: nomeao de cargos pblicos, alm dos

    auxlios e subsdios financeiros em geral.

    22 FIORI, Jos Luis. O vo da coruja para reler o desenvolvimentismo brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2003, p.129

    23 FIORI, O vo da curuja, vrios trechos 129-168 Nessa luta (...) no h lugar para normas ou leis de carter geral e permanente. Os instrumentos e as regras valem enquanto so eficazes e a eficcia mede-se pelo nmero de fraes que logram satisfazer suas

    demandas. Nesse contexto, a prpria corrupo, se transforma numa dimenso normal, ou conseqncia inevitvel deste tipo de sistema ou regime polticop. 169.

  • 29

    certo que a Revoluo de 1930 foi um grande impacto sobre a estrutura estamental, mas

    no a extingue24

    , apenas reposiciona o governo central e seu estamento no protagonismo do

    domnio do poder.

    Em torno de Getlio 'um sistema estamental, com estrutura patrimonialista, ocupa o espao

    vazio rapidamente, diante dos olhos atnitos de camaradas e inimigos. Este patrimonialismo, que para Faoro no se mede pela extenso, tem a profundidade coincidente com a histria brasileira, nesta includa sua origem ibrica e vai desde a monarquia patrimonial, (...) at os planos financeiros das dcadas de 80 e 90 deste sculo25.

    (FAORO, 1993)

    No deixa, assim, de marcar as polticas de incentivo fiscal e a beligerncia federativa que

    municiam.

    O que tentamos demonstrar com esta digresso s razes do federalismo brasileiro a

    relao causal, ainda que remota, entre as razes presentes da guerra fiscal e a rgida tnica do

    patrimonialismo, que, plasmado em modelo federativo, se utiliza dos mecanismos de incentivo

    fiscal para a reproduo dos estamentos dirigentes locais, ainda que em favor de empreendimentos

    no suscetveis de viabilidade mercadolgica.

    Por certo que este fenmeno no se observa com identicidade em todas as regies e Estados

    do pas, revelando maior intensidade naqueles em que o estamento local consegue impor mais

    facilmente seus interesses ao governo, seja elegendo-o com apoio financeiro, seja pressionando,

    geralmente com ameaas de inviabilizao da atividade econmica.

    No Estado do Par, que por bvio destacaremos, em 2005 e 2006 presenciou-se acalorado

    debate poltico sobre o tema da concesso de incentivos fiscais, sob justificativa do estado de

    guerra26. Em momento posterior analisaremos especificamente o caso dos incentivos fiscais

    24 A ptica dos homens que ocupam o Catete, e 3 de novembro de 1930, ser adversa ao esquema da poltica dos governadores,

    mas se compreende dentro de suas coordenadas mentais. Vencedora a revoluo, empreendidas as reformas polticas e s

    polticas, com o voto secreto e a superviso judicial, outra vez So Paulo, com outros homens talvez, e Minas Gerais, com os mesmos lderes, comandariam a Repblica renovada. Para o Rio Grande do Sul, depois de quarenta anos de preteries e protestos, esta seria a sua jornada de otrio FAORO, op. Cit. p. 313

    25 FAORO, Raimundo. A aventura liberal numa ordem patrimonialista, in Revista da USP, 17;17, 1993

    26 Par se arma para a guerra fiscal. Sem submeter as novas regras ao Conselho Nacional de Poltica Fazendria, que poderia fazer restries, o governo do Estado regulamentou os incentivos fiscais a quatro setores. Empreendimentos em pecuria,

    agroindstria, indstria de pesca e indstria em geral passam a contar com tratamento tributrio especial(...) O Par est de volta ao front da Guerra Fiscal (...). As novas regras passaram a valer desde ontem, mas o clima de insegurana continua. Isto por que a

    concesso deste tipo de benefcios por parte dos Estados tem sido considerada inconstitucional(...) contudo, para o Governo do

    Estado, que se manifesta atravs de sua secretria de Gesto, Teresa Cativo: No podemos deixar o Estado parar, ficar sem condies de fomentar investimentos A realidade que todos os outros Estados tm (leis de incentivo) e, portanto, o risco de

  • 30

    paraenses, mas cabe destacar que em Estados como o Par, o debate dos incentivos fiscais tambm

    se encontra intensamente imbricado com o debate das polticas desenvolvimentistas. Pois esto em

    geral estas a justificar a concesso daqueles.

    1.3 Razes presentes em trs fases.

    Mais recentemente, Cavalcanti e Prado (2000) dividem em trs fases a histria da guerra

    fiscal no Brasil27

    . A primeira vai da metade final dos anos 60 at 1975; a segunda de 1975 at o

    incio dos anos 90 e a terceira a que estamos vivenciando ainda, a da guerra fiscal aberta.

    1.3.1 Primeira fase

    Findo o Estado Novo, a peia de subordinao dos Estados ao poder central arrefece, a

    redemocratizao traz a liberdade e a maior possibilidade de cada ente federado voltar a se ocupar

    com as perspectivas de seus interesses prioritrios. Naquele contexto poltico-econmico, que

    atravessou a segunda metade dos anos 50 at meados dos anos 70, embora muita tenso tenha

    ocorrido no campo da arena poltica, pode-se dizer que se conservaram na gesto tpicos aspectos de

    planejamento pblico. Esse perodo revela, por parte dos Estados, um conjunto de prticas que vo

    ao encontro do movimento mais geral realizado pelo poder central (PRADO E CAVALCANTI,

    2000, P.67). O ICM criado na reforma tributria de 1965/66, em substituio ao IVC. A

    formulao do novo tributo fortalecia a centralizao de receitas na esfera da Unio e a inteno era

    justamente evitar que os Estados empreendessem guerras econmicas entre si.

    Foi com este esprito que, para evitar a adoo de aes isoladas e desarticuladas por parte

    dos Estados, a Lei 5172 de 25/10/1966 (Cdigo Tributrio Nacional) determinou a celebrao de

    todos (...) a guerra fiscal est posta e resultado da falta de uma reforma tributria que iniba esses mecanismos. O Liberal (15 de julho de 2006)

    27 PRADO, Sergio e CAVALCANTI, Carlos Eduardo G., A guerra fiscal no Brasil. FUNDAP-IPEA-FAPESP, 2000. H registro de existncia de conflito tributrio desde a instaurao da Repbica (...) Lagemann e Bordin (1993) descrevem, por exemplo a adoo de medidas tributrias pelo Estado do rio Grande do Sul, em 1903, que visavam desonerao gradual dos produtos

    industrializados do imposto de importao.

  • 31

    convnios. Inicia-se, ento, um padro de regulao (...) atravs do qual os prprios Estados

    negociam regras e limites para a prtica de isenes (PRADO E CAVALCANTI, 2000 p.69).

    Nessa fase comeam a ocorrer uma srie de reunies entre as fazendas estaduais de mesmas

    regies. A primeira delas ocorreu em Recife em 23 de outubro de 1966 e nela ficou instituda a

    Conferncia dos Secretrios de Fazenda do Nordeste. Na reunio seguinte estabeleceu-se uma lista

    de gneros de primeira necessidade para serem isentos do ICM. Em 67 foi a vez dos Estados do

    centro-Sul se reunirem no Rio de Janeiro e em 68 os Estados da regio amaznica, j com a

    preocupao de atrair investimentos para a regio.

    O que se pode notar deste perodo a ateno inicial dos Estados para a adoo de regras

    quanto uniformizao da alquota interna, desonerao dos bens de primeira necessidade e

    ampliao de uma poltica de isenes.

    Este equilbrio no se mostrou duradouro. A queda de arrecadao e a constante

    interferncia da Unio, determinando incentivos em receitas estaduais, foram fragilizando o arranjo

    at ento perceptvel. No havia entrosamento entre os acordos de natureza local e os de carter

    supra-regional e, como tambm no houvesse sanes para o descumprimento dos acordos

    tarifrios, o clima comeou a esquentar. Conforme Prado e Cavalcanti (2000), a concluso mais

    geral que se extrai do perodo que o regime autoritrio, embora tenha procurado restringir a

    liberdade tributria dos Estados, no foi capaz de eliminar por completo a capacidade de eles

    promoverem polticas ou prticas fiscais de favorecimento s inverses privadas.

    1.3.2 Segunda fase

    O segundo perodo inicia-se com uma participao mais direta do governo federal como

    patrocinador de um esforo de coordenao do sistema de convnios. (PRADO e CAVALCANTI,

    2000) Para tanto foram realizadas duas inovaes institucionais relevantes. Primeiramente, atravs

  • 32

    da Lei Complementar no. 24 de 7 de janeiro de 197528

    , a criao do Confaz,29

    que assumiu as

    atribuies de coordenar, dirigir, disciplinar e fiscalizar a celebrao de convnios entre os Estados

    brasileiros, de forma a viabilizar a harmonizao do ICM em todo o territrio nacional. Outra

    medida, j em conseqncia do fortalecimento autoritrio do governo central (lembremo-nos que

    que prefeitos e governadores eram ento nomeados pelo gereral-presidente), foi a ampliao da

    possibilidade da Unio oferecer incentivos fiscais no mbito do ICM.

    O novo arranjo institucional incluiu o estabelecimento de severas sanes para os Estados

    que descumprissem os termos conveniados. A inobservncia dos dispositivos poderia acarretar,

    cumulativamente: a) a nulidade do ato e a ineficcia do crdito fiscal atribudo ao estabelecimento

    recebedor da mercadoria; b) a exigibilidade do imposto no pago ou devolvido e a ineficcia da lei

    ou ato que conceda remisso do dbito correspondente. s sanes previstas poder-se-iam ainda

    acrescer a presuno de irregularidade das contas correspondentes ao exerccio, a juzo do Tribunal

    de Contas da Unio (TCU), e a suspenso do pagamento das quotas referentes aos fundos de

    participao vigentes poca.

    Contudo o maior instrumento sancionador era o poder poltico concentrado no governo

    federal. Prado e Cavalcanti registram que depoimentos obtidos de membros que participavam do

    Confaz na poca revelaram que o poder coercitivo da Unio era marcante nas reunies do rgo.

    Em geral, caso algum Estado mostrasse a inteno de votar contra medidas de interesse do governo

    federal, sofria imediatamente presses de natureza econmica ou extra-econmica, que acabavam

    por demov-lo da vontade original. Outro fenmeno redutor do nimo fomentador dos Estados foi a

    28 Art. 1. As isenes do imposto sobre operaes relativas circulao de mercadorias sero concedidas ou revogadas nos

    termos de convnios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei. Art. 2. Os convnios a que alude o art. 1, sero celebrados em reunies para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e

    do Distrito Federal, sob a presidncia de representantes do Governo federal.

    29 Art. 1 O Conselho Nacional de Poltica Fazendria - Confaz tem por finalidade promover aes necessrias elaborao de polticas e harmonizao de procedimentos e normas inerentes ao exerccio da competncia tributria dos Estados e do Distrito Federal, bem como colaborar com o Conselho Monetrio Nacional - CMN na fixao da poltica de Dvida Pblica Interna e Externa

    dos Estados e do Distrito Federal e na orientao s instituies financeiras pblicas estaduais. Art. 2 O Conselho constitudo

    por representante de cada Estado e Distrito Federal e um representante do Governo Federal. 1 Representa o Governo Federal o Ministro de Estado da Fazenda, ou representante por ele indicado. 2 Representam os Estados e o Distrito Federal os seus Secretrios de Fazenda, Finanas ou Tributao. 3 Os membros do Conselho indicaro ao Ministro de Estado da Fazenda os

    nomes dos seus substitutos eventuais. (Regimento do Confaz)

  • 33

    baixa arrecadao, o que levou-os a buscar o Confaz para eliminar desoneraes, sendo aceita a

    alternativa de que a Unio assumisse o nus da concesso de benefcios. Este mecanismo, que

    empoderava a Unio, tambm iniciou um fenmeno que at agora se manifesta, o aumento gradual

    da presso dos Estados por ampliao de sua participao nos fundos constitucionais.

    Passada a luxria financeira dos anos do milagre, no incio da dcada de 80, inflao e

    crise das fianas pblicas acabaram por impor restries maiores aos programas de incentivos

    estatais, num cenrio de incertezas, em que j se prenunciava os sinais da estagflao. Neste

    segundo perodo pode-se dizer que as regras do Confaz vigoraram com ampla efetividade, graas ao

    poder centralizado mas, principalmente, s perdas de receitas

    1.3.3 Terceira fase

    A reformulao do Sistema Tributrio Nacional pela Assemblia Nacional Constituinte de

    1988 transformou sensivelmente o cenrio das disputas tarifrias interestaduais. A ampliao da

    autonomia dos Estados somada ao fortalecimento econmico conferido ao ICM, agora ICMS, d

    novo calor disputa por investimentos, ao mesmo tempo em que se observa um natural

    esgaramento da capacidade coercitiva do governo federal e a fragilizao do carter impositivo das

    regras do Confaz.

    Percebe-se aqui que o prprio Confaz representa um organismo remanescente do perodo de planejamento e coordenao ativa das decises polticas e econmicas. Criado para ser

    um frum de proposio, debate e deliberao entre os Estados, buscava estabelecer

    diretrizes de mdio e longo prazo para as questes de natureza tributria, relativas ao

    ICM(S), que poderiam causar impacto sobre as decises mais gerais de poltica econmica.

    Desse modo, o funcionamento normal com solues propostas e subservincia s mesmas,

    foi possvel sob a vigncia de um Estado forte e centralizador. Recompor e equilibrar as

    divergncias existentes, de modo a conquistar a unanimidade dos votos, era plausvel num

    contexto poltico em que a Unio exercia todo o poder de presso/regulao sobre os

    demais membros da federao.(...) No perodo recente, a impossibilidade de firmarem-se

    condies semelhantes coloca em xeque a necessidade de existncia do Confaz (PRADO e

    CAVALCANTI, 2000,82)

    Posta prova, a legitimidade do Confaz se evapora, acirram-se os conflitos e as declaraes,

    os votos so obtidos somente aps inmeras e exaustivas reunies e os humores levam prximo ao

    limite do rompimento.

  • 34

    A natureza dos incentivos muda nesse perodo. Passaram a ser adotados cada vez mais os

    fundos vinculados aos oramentos estaduais para financiar o ICMS das empresas e ser realizadas

    operaes fiscal-financeiras, nas quais, em vez das empresas buscarem programas minimamente

    formalizados que melhor atendessem a suas expectativas, os Estados que passaram a conceber

    programas com o objetivo de atrair determinada empresa. Uma inverso completa de princpios e

    valores constitucionais e federativos.

    Nesse momento o cenrio de guerra aberta, de desafio declarado aos limites de prazo e

    reduo de alquotas e de migrao de empresas entre os Estados. Um dos principais prejudicados

    com esses fatos foi, por bvio, o Estado que detinha maior concentrao industrial. Insatisfeito com

    a crescente perda de arrecadao, o Estado de So Paulo inicia uma poltica reativa com objetivo de

    re-empoderar a legislao existente, no mbito do Confaz, mas no apenas ali.

    Em junho de 1994, o governo do Rio de Janeiro editou a Lei no. 2.273/94, buscando uma

    postura mais agressiva no uso direto do ICMS, como instrumento de incentivo ao investimento.

    Afrontando diretamente o que se entendia por pacfico na legislao vigente. Esta iniciativa levou a

    uma reao imediata do governo de So Paulo. O Estado ajuizou uma Ao Direta de

    Inconstitucionalidade (Adin) contra a lei fluminense (Adin no. 1.179 I SP). A guerra fiscal

    chegava ento ao supremo front das disputas institucionais, o STF.

    A observao desta anlise histrica nos permite intuir que, durante os perodos analisados,

    as disputas tarifrias entre os Estados s se refrearam em ambientes de crise econmica ou

    centralizao poltica na esfera da Unio.

    sob esse prisma que se deve analisar as motivaes dos Estados ao se dedicarem guerra

    fiscal, e sob esse prisma igualmente deve ser compreendida a delicada situao institucional que ela

    determina, pois quando uma disputa tratada pela corte mxima de justia no pode sair sem

    soluo objetiva, sob o custo de deslegitimar o supremo tribunal, que o esteio da segurana

    jurdica na federao.

  • 35

    Outro prisma significativo o do debate desenvolvimentista. J mencionamos que h

    diferentes concepes do que venha a ser e de como se manifesta o desenvolvimento econmico e

    vamos analisar um poucos estas concepes, bem como os reflexos delas nas opes por

    mecanismos de fomento, seja no quadro nacional, seja no regional de abissais desigualdades.

    Captulo 2 Desigualdade regional e teorias do desenvolvimento.

    O desenvolvimento regional desigual no uma preocupao recente dos debates

    econmicos, polticos e jurdicos do Brasil. A heterogeneidade na ocupao e no uso econmico do

    territrio, ocasionada por condicionalidades ou contingncias histricas, levou diferenciao

    sensvel entre os nveis de rentabilidade e viabilidade dos empreendimentos nas diferentes regies

    do pas, o que foi ainda intensificado pelo conseqente empoderamento poltico das regies

    economicamente mais bem sucedidas.

    O estudo das origens deste fenmeno um objeto prprio, autnomo aos objetivos deste

    trabalho, contudo no se pode deixar de dedicar ateno est temtica, pois a Repblica Federativa

    do Brasil considerou esta questo e elevou-a ao status de objetivo fundamental, tanto como garantia

    do desenvolvimento, quanto como reduo das desigualdades regionais. o que aparece na

    Constituio no art. 3o., III, como linha geral, e no art. 174 assume a expressa condio dispositiva:

    A lei estabelecer as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado,

    o qual incorporar e compatibilizar os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

    Esta disposio considera tarefa da federao como um todo a reduo das desigualdades

    regionais, mas qualquer investigao minimamente aprofundada ir constatar o que a mera

    observao emprica j permite intuir, a federao no logrou sucesso nesta empreitada, nem sob a

    gide da Repblica nem sob a gide do Imprio; nem em momentos democrticos, nem em

    momentos ditatoriais. Houvese, no se estaria produzindo um trabalho sobre a acirrada disputa

  • 36

    econmica entre entes federados, que de to acirrada se compara a uma guerra.

    Porque no logrou sucesso uma pergunta intrigante e a resposta no ser encontrada

    apenas nos arranjos polticos, mas em determinaes econmicas e mesmo histrico-geogrficas.

    Fato que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), sozinho, o

    Estado de So Paulo gerou em 2003 um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 494.813.616.000

    (pouco menos de meio trilho de reais), cerca de 1/3 do PIB total brasileiro30

    . , de longe, a maior

    participao no PIB nacional e este simples fato j permite intuir os abalos que se desdobram sobre

    o pacto federativo. Vamos ver o que alguns autores pensam a respeito destas implicaes, mas

    advertimos de pronto que aqui falamos de desenvolvimento desigual em relao ao paradigma

    industrial-capitalista de desenvolvimento, por ora o adotado, mas longe de ser o nico ou o

    preferido.

    A explicao mais adequada que encontramos para as origens da concentrao da riqueza no

    Estado de So Paulo dada por Wilson Cano31

    :

    (...)a crise de 1929 e sua recuperao provocariam o deslocamento do eixo dinmico da acumulao, do setor agro-exportador para o industrial. (...) As restries s importaes

    forariam a periferia nacional a importar, agora, produtos manufaturados de So Paulo; este,

    por sua vez, deveria crescentemente, importar mais matrias-primas e alimentos de outros

    Estados (...) periferia nada mais restava do que ajustar-se a uma funo complementar da

    economia de So Paulo. (CANO, ANO, p 62-63)

    E conforme se ampliava a integrao econmica das diversas regies brasileiras, antes

    caracterizadas como um arquiplago agrrio-exportador, mais tornava-se vantajosa a hegemonia

    paulista, pois ampliavam-se-lhe tanto mercados consumidores quanto fornecedores de mterias

    primas, as economias de escala obtidas pela concentrao industrial tornando os produtos de So

    Paulo mais competitivos e dando ao Estados do entorno mais prximo condies de aproveitar de

    forma vantajosa os efeitos da desconcentrao industrial que a guerra fiscal pode propiciar. Da no

    se estranhar que a primeira Adin relevante para a srie que abordamos nesse trabalho tenha se dado

    30 O PIB do Estado do Par, neste ano foi de cerca de 29 bilhes de reais o que equivale a meros 6% do resultado paulista

    31 CANO, Wilson. Razes da Concentrao Industrial em So Paulo. 4. ed. Campinas: Instituto de Economia da UNICAMP, 1998. P. 62-63

  • 37

    por uma disputa entre So Paulo e Rio de Janeiro.

    A hipertrofia da economia paulista, e sua conseqente expresso poltica no mbito da

    federao, propicia a qualquer Estado a evocao do discurso da superao das desigualdades

    regionais, pois mesmo Estados de nveis intermedirios de desenvolvimento podem se considerar

    desiguais em relao aos paulistas. A desproporcional riqueza de So Paulo gera inmeros abalos

    nas relaes federativas, entre elas a inviabilizao prtica dos convnios entre os Estados e o

    Distrito Federal no mbito do Confaz, pois como a unanimidade exigida para a aprovao de um

    novo convnio, basta o voto negativo de So Paulo para que o convnio no seja aprovado, uma

    situao de controle parecida com a que a Unio exercia no perodo autoritrio de 64 a 88, ou ainda,

    obviamente forando a comparao, um poder informal de veto.

    No entanto, a discusso do regionalismo brasileiro mais profunda e diferenciada que a

    comparao de cada Estado com So Paulo. H diversos registros de disputas no nvel intermedirio

    de riquezas, como a propagada disputa entre a Bahia e o Rio Grande do Sul por conta da instalao

    de uma fbrica de automveis, em nvel ainda mais perifrico, o confronto entre o Par e o

    Maranho acerca da tributao do carvo vegetal paraense que abastece a industria de ferro gusa

    maranhense.

    A expresso conflituosa dos regionalismos outro objeto prprio que nosso estudo coteja

    mas nem de longe cogita esgotar. Sabe-se que h muito carvo regionalista nas motivaes mais

    ntimas da guerra fiscal, mesmo porque h uma srie de distores nas leituras que os agentes em

    conflito fazem de seu papel e do papel dos demais Estados no contexto em anlise, mas para no

    nos afastarmos de nossa rota de trabalho, destaquemos a anlise feita a seguir por um pesquisador

    do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA) acerca dos efeitos da desconcentrao

    industrial no Brasil em relao distribuio per capta da riqueza.

  • 38

    2.1 Dimenso intrarregional das desigualdades

    Cllio Campolina Diniz32

    busca introduzir um elemento novo na anlise das perspectivas

    regionais, demonstrando que

    (...) o problema da pobreza est deixando de ser uma questo regional e passando cada vez

    mais a ser uma questo de distribuio interpessoal, j que os pobres passam a estar

    distribudos por todo o territrio. Assim, embora os indicadores sociais ainda mostrem uma

    diferena acentuada entre regies, de fato esta vem se reduzindo.(DINIZ, 1995)

    O pesquisador chega a esta concluso expondo o seguinte raciocnio:

    A partir da dcada de 40/50, todavia, comeou a ocorrer um movimento de desconcentrao

    geogrfica da produo; inicialmente com o movimento da fronteira agropecuria no

    sentido do sul do Brasil e, mais recentemente, em direo s regies Centro-Oeste e Norte e

    s faixas de cerrados do Nordeste. A partir de 70 comeou tambm a ser caracterizado um

    movimento de desconcentrao industrial do Estado de So Paulo. Os efeitos da

    desconcentrao agropecuria e industrial influem no setor de servios e comrcio,

    promovendo tambm sua desconcentrao.

    O efeito conjunto destes elementos tem sido a desconcentrao regional da renda em prol

    das regies mais vazias ou estagnadas e, ao mesmo tempo, uma concentrao da populao nas regies mais desenvolvidas, pois ocorre uma defasagem temporal entre desconcentrao

    da produo e seus efeitos nos movimentos migratrios, o que provoca um movimento de

    convergncia das rendas per capita regionais (DINIZ, 1995)

    No deve ento passar despercebida a questo da dimenso intrarregional das desigualdades

    e estudos vrios demonstram a similaridade proporcional entre os coeficientes de riqueza e pobreza

    nos grandes centros urbanos, locais onde habita notvel maioria da populao do pas. Neste

    cenrio, e admitindo a idia de que no se alcana desenvolvimento sem melhoria substantiva das

    condies de vida da generalidade da populao, s polticas pblicas voltadas ao desenvolvimento,

    entre as quais se enquadram a concesso de incentivos fiscais, se impe um outro munus: o de

    demonstrar a sua eficincia e eficcia na reduo dos ndices sociais de desigualdade. No seria

    suficiente assim, a ponto de justificar a excepcionalidade tributria, a percepo da melhoria de

    ndices econmicos e compar-los ao resultado geral do pas ou de determinado Estado da

    32 DINIZ, Cllio Campolina, A Dinmica Regional Recente da Economia Brasileira e suas Perspectivas. IPEA. Texto para discusso

    no. 375, Braslia, 1995

  • 39

    federao. Ou se demonstra desenvolvimento factual, ou no se justifica o tratamento privilegiado a

    determinados contribuintes.

    Esta percepo o pano de fundo de um discurso crtico concesso de incentivos fiscais de

    uma maneira geral, pois alimenta o argumento de que o tratamento favorecido aos empreendedores

    incentivados restringe a capacidade do Estado providenciar outras iniciativas pblicas que visem

    gerar os benefcios sociais necessrios para a reduo intrarregional das desigualdades. Ainda paira,

    em prol de uma defesa geral da concesso de incentivos e do empenho poltico dos Estados em

    pelejar fiscalmente por investimento, a tese amplamente difundida, segundo a qual, sem os

    incentivos, no haveria empreendimentos e, sem eles, empregos e crescimento econmico,

    premissas do desenvolvimento.

    Chega-se a uma disputa terica mais aprofundada sobre o que vem a ser desenvolvimento e,

    sempre que se advoga a favor dos incentivos fiscais como polticas de fomento ao desenvolvimento,

    alimenta-se uma das teorias a respeito.

    Suposio implcita de que a grande empresa trar a sua rede de fornecedores e empresas satlites ou, alternativamente, constituir demanda para as empresas j existentes no Estado.

    Essa suposio levaria, obviamente maximizao dos impactos internos potenciais em

    emprego e demanda interindustrial. evidente que a suposio no mnimo exagerada. Na

    realidade, quanto menos diversificada e moderna for a estrutura industrial j existente no

    Estado, maior a probabilidade de que ocorram vazamentos dos impactos dinmicos associados ao investimento. Os mesmos fatores que tornam exeqvel a produo em

    lugares mais distantes do principal centro consumidor, tornam tambm vivel que a nova

    empresa utilize fornecedores situados no Estado hegemnico. (PRADO E CAVALCANTI,

    2000, p. 95)

    O pano de fundo deste raciocnio tambm uma preocupao central do nosso trabalho: se a

    chegada de novas empresas em uma regio, atradas pelos incentivos fiscais, pode ser considerada

    desenvolvimento, devemos ento buscar uma viso geral sobre as teorias do desenvolvimento.

    2.2 Teorias do desenvolvimento

    O direito e a economia so cincias do comportamento humano, audacioso ou acanhado,

    errtico ou virtuoso. So as aes decididas pelos homens e mulheres que instruem o conhecimento

  • 40

    gerado por estas cincias. Ainda que possam ser expressas por diferentes formas de linguagem,

    entre elas a linguagem matemtica, no h exatido nas proposies destas cincias, pois no h

    exatido no comportamento dos homens e mulheres, atores sociais e econmicos.

    Partindo-se deste paradigma, pretendemos demonstrar a plurivocidade, presente nas teorias

    das cincias econmicas e repercutida no direito, da expresso desenvolvimento. Lembramos que,

    regra geral, tratam-se os incentivos fiscais de desonerao excepcional e sob condies, entre as

    quais est a promoo do desenvolvimento, e no apenas isso, a promoo do desenvolvimento

    social e regionalmente equilibrado. Ora, se para o direito necessrio verificar a condio para

    conceder o benefcio disposto na norma, um problema a ser enfrentado o fato de no haver