combustão da palha da cana de açúcar - v.final

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Processos Termoquímicos de Conversão Energética-3S2012 COMBUSTÃO DA PALHA DA CANA DE AÇÚCAR Júlia Maria de Oliveira Camargo, [email protected] Rodolfo Sbrolini Tiburcio, [email protected] Stefany Silva Lisboa, [email protected] Universidade Federal do ABC. Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas. Avenida dos Estados, 5001. CEP 09.210-170 - Santo André, SP – Brasil Abstract. Atualmente o Brasil utiliza a biomassa como combustível ou como fonte para conversão energética e hoje é uma das principais alternativas à utilização dos combustíveis fósseis, sendo que este aproveitamento é obtido de resíduos agrícolas e agroindustriais, utilizando-os sem haver competição com área plantada para o cultivo de alimentos. Embora muito se fale a esse respeito, o uso desses resíduos em processos de conversão energética é pouco difundido e, muitas vezes, feito de maneira aleatória. A utilização da palha de cana de açúcar para conversão energética está sendo realizada através de mudanças tecnológicas na colheita e na lavagem da cana, além de mudanças na legislação ambiental, porém pouco se conhece a respeito das propriedades físico-químicas e termodinâmicas, essenciais para que se avalie o potencial de aproveitamento energético da palha em processos termoquímicos e bioquímicos de conversão energética, bem como os resultados obtidos a partir da combustão deste material em caldeiras de bagaço. A partir disso, o presente trabalho buscou analisar a utilização da palha da cana como combustível para caldeiras de sistemas de cogeração, desde os vários tipos de colheita desta biomassa, até a sua combustão em caldeiras. Keywords: palha de cana de açúcar, combustão, colheita, bioenergia, biomassa 1. INTRODUÇÃO O desenvolvimento tecnológico a que o mundo assistiu nas últimas décadas foi alavancado pelo uso indiscriminado de combustíveis fósseis. Hoje, a população sente os reflexos desse crescimento, como a escassez do petróleo e as mudanças climáticas globais. Autoridades de todo o mundo buscam por soluções rápidas e eficientes para esse problema. O uso da biomassa como combustível ou como fonte para conversão energética é hoje uma das principais alternativas à utilização dos combustíveis fósseis. Nesse contexto, o aproveitamento energético de resíduos agrícolas e agroindustriais é uma possibilidade de uso da biomassa como fonte de energia sem, no entanto, competir com a área plantada para o cultivo de alimentos. Embora muito se fale a esse respeito, o uso desses resíduos em processos de conversão energética é pouco difundido e, muitas vezes, feito de maneira aleatória. Historicamente, desde o início do cultivo das lavouras de cana de açúcar até os dias de hoje, a colheita foi preferencialmente realizada de forma manual. Para facilitar o corte e otimizar esse processo, a cana é queimada. No entanto, com o desenvolvimento tecnológico e com as mudanças na legislação ambiental, observa-se uma tendência à mecanização da colheita. Com isso, a palha, palhiço ou resíduo da cana, passou a ser deixada no campo, para proteger o solo e possibilitar a prática de plantio direto. No entanto, este resíduo apresenta grande valor energético e um dos maiores problemas no seu aproveitamento está associado ao seu transporte, do campo para a usina. O grande volume produzido, associado à baixa densidade, faz com que o transporte da mesma para - 1 -

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Processos Termoquímicos de Conversão Energética-3S2012

COMBUSTÃO DA PALHA DA CANA DE AÇÚCAR

Júlia Maria de Oliveira Camargo, [email protected] Sbrolini Tiburcio, [email protected] Silva Lisboa, [email protected] Federal do ABC. Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas. Avenida dos Estados, 5001. CEP 09.210-170 - Santo André, SP – Brasil

Abstract. Atualmente o Brasil utiliza a biomassa como combustível ou como fonte para conversão energética e hoje é uma das principais alternativas à utilização dos combustíveis fósseis, sendo que este aproveitamento é obtido de resíduos agrícolas e agroindustriais, utilizando-os sem haver competição com área plantada para o cultivo de alimentos. Embora muito se fale a esse respeito, o uso desses resíduos em processos de conversão energética é pouco difundido e, muitas vezes, feito de maneira aleatória. A utilização da palha de cana de açúcar para conversão energética está sendo realizada através de mudanças tecnológicas na colheita e na lavagem da cana, além de mudanças na legislação ambiental, porém pouco se conhece a respeito das propriedades físico-químicas e termodinâmicas, essenciais para que se avalie o potencial de aproveitamento energético da palha em processos termoquímicos e bioquímicos de conversão energética, bem como os resultados obtidos a partir da combustão deste material em caldeiras de bagaço. A partir disso, o presente trabalho buscou analisar a utilização da palha da cana como combustível para caldeiras de sistemas de cogeração, desde os vários tipos de colheita desta biomassa, até a sua combustão em caldeiras.

Keywords: palha de cana de açúcar, combustão, colheita, bioenergia, biomassa

1. INTRODUÇÃO

O desenvolvimento tecnológico a que o mundo assistiu nas últimas décadas foi alavancado pelo uso indiscriminado de combustíveis fósseis. Hoje, a população sente os reflexos desse crescimento, como a escassez do petróleo e as mudanças climáticas globais. Autoridades de todo o mundo buscam por soluções rápidas e eficientes para esse problema. O uso da biomassa como combustível ou como fonte para conversão energética é hoje uma das principais alternativas à utilização dos combustíveis fósseis.

Nesse contexto, o aproveitamento energético de resíduos agrícolas e agroindustriais é uma possibilidade de uso da biomassa como fonte de energia sem, no entanto, competir com a área plantada para o cultivo de alimentos. Embora muito se fale a esse respeito, o uso desses resíduos em processos de conversão energética é pouco difundido e, muitas vezes, feito de maneira aleatória.

Historicamente, desde o início do cultivo das lavouras de cana de açúcar até os dias de hoje, a colheita foi preferencialmente realizada de forma manual. Para facilitar o corte e otimizar esse processo, a cana é queimada. No entanto, com o desenvolvimento tecnológico e com as mudanças na legislação ambiental, observa-se uma tendência à mecanização da colheita. Com isso, a palha, palhiço ou resíduo da cana, passou a ser deixada no campo, para proteger o solo e possibilitar a prática de plantio direto. No entanto, este resíduo apresenta grande valor energético e um dos maiores problemas no seu aproveitamento está associado ao seu transporte, do campo para a usina. O grande volume produzido, associado à baixa densidade, faz com que o transporte da mesma para aproveitamento no processo não seja considerado como vantajoso. No entanto, pouco se conhece a respeito das propriedades físico-químicas e termodinâmicas, essenciais para que se avalie o potencial de aproveitamento energético da palha em processos termoquímicos e bioquímicos de conversão energética, bem como os resultados obtidos a partir da combustão deste material em caldeiras de bagaço. A partir disso, o presente trabalho buscou analisar a utilização da palha da cana como combustível para caldeiras de sistemas de cogeração, desde os vários tipos de colheita desta biomassa, até a sua combustão em caldeiras.

1. MECANIZAÇÃO DA COLHEITA DA CANA DE AÇÚCAR E A PALHA

Desde o início da produção de açúcar e álcool em larga escala, os produtores para aumentar o rendimento do corte manual da cana de açúcar queimam previamente os canaviais, visando o aproveitamento do colmo da cana de açúcar.

Devido às preocupações crescentes com o meio ambiente, e os danos causados pelas queima de canaviais, o Governo Federal criou um Decreto nº 2.661/98 em que é estabelecido o fim progressivo da prática da queimada controlada, considerando áreas passíveis de mecanização, porém no âmbito estadual existe a Lei nº 11.241/02 que é mais restritiva e estabelece o fim progressivo da queima da cana em áreas mecanizáveis e não mecanizáveis, sendo o

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prazo final para extinguir completamente as queimadas o ano de 2021 para áreas mecanizáveis e 2031 para áreas não mecanizáveis (GÓMEZ et. al., 2010 apud CORTEZ et al., 2010).

Em junho de 2007, foi celebrado um protocolo de cooperação (assinado por 155 usinas instaladas no Estado de São Paulo e 24 cooperativas de fornecedores de cana) entre o Governo do Estado de São Paulo, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento e a União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), em que esses prazos para o fim da queimada pretendem ser antecipados, sendo para áreas mecanizáveis 2014 e para áreas não mecanizáveis 2016 (UNICA, 2009 apud GÓMEZ et al., 2010).

Segundo Braunbeck (1988), a colheita manual é realizada por cortadores que selecionam e agarram 4 a 5 colmos da touceira de cana (que foram queimados anteriormente) e cortam os mesmos na base, com golpes de facão, depois os colmos são depositados em montes perpendicularmente às fileiras de plantio, sendo empilhados de forma aproximadamente paralela, que viabiliza a maior densidade de carga e o maior rendimento do transporte. A colheita manual pode ser realizada também sem a queima da cana, porém o rendimento é menor em relação à tonelagem colhida e a menor densidade da matéria-prima devido à queda no rendimento dos trabalhadores.

Após a colheita, ocorre a operação de carregamento com garra hidráulica, em que as carregadoras recolhem as canas amontadas pelos cortadores e as transferem para os caminhões e reboques que acompanham as carregadoras e que são enviados para a usina sucroalcooleira.

A queima da cana constitui em um impacto ambiental que compromete a qualidade do solo, gera danos para a fauna e a flora e implica na emissão de gases e partículas, dentre eles citamos o dióxido de carbono (CO 2), um dos gases de efeito estufa, o monóxido de carbono (CO) e o ozônio (O3), que oferecem riscos à saúde humana. Em contraste, a colheita da cana crua (mecanizada) implica na possibilidade de aproveitamento da biomassa proveniente das sobras e resíduos da planta, por exemplo, para a geração de energia elétrica em sistemas de cogeração (PAIXÃO & FONSECA, 2011).

A colheita mecanizada é realizada por cortadoras de colmos inteiros ou colhedores de cana picada, operando com cana crua ou queimada. As cortadoras colhem e transferem a cana simultaneamente para o transporte e deixam os colmos no campo para serem carregados em uma operação posterior. O transporte dessa cana é feito por carretas de transbordo que recebem os rebolos das colhedoras e os transferem para os veículos de estrada em local apropriado, segundo Braunbeck (1988).

Atualmente os processos convencionais de colheita manual e colheita mecânica com a queima prévia, visam apenas à utilização do colmo e para ambos os casos o aproveitamento do palhiço não faz parte do processo de colheita, este é parcialmente separado dos colmos e deixado no campo para recuperação.

O palhiço de cana deixado no campo é composto do de palha verde e seca (obtidos na colheita mecanizada), terra, ervas daninhas, ponteios e raízes e uma tonelada desse resíduo, segundo Ripoli et al. (2000) apud Magalhães,( 2006), equivale a 1,2 e 2,8 EBP (equivalente de barris de petróleo), sendo que um hectare fabrica aproximadamente quatro a nove toneladas de palhiço (peso seco), o que implica em uma energia desperdiçada.

Segundo Cortez et al. (2008 apud Gómez et al., 2010), a palha pode ser recuperada de três maneiras, por meio do recolhimento de palha lançado durante a operação de colheita, pela ação dos extratores das colhedoras, ou via colheita integral em que a palha é processada pelas colhedoras com os colmos e lançada no transbordo e rodotrem, para depois ser encaminhada para a usina.

As rotas para o recolhimento de palha são descritas abaixo:

A granel (impurezas vegetais ≈ 6%): na colhedora de cana, os colmos são separados da palha na própria máquina por meio do princípio de separação pneumática. Ocorre o lançamento dos colmos e do palhiço em uma câmara de limpeza na qual existe uma corrente de ar ascendente gerada por um extrator de fluxo axial, que é conhecido como extrator primário e em máxima rotação separa grandes quantidades de palha e impurezas leves e as lança no solo atrás da colhedora. O que resta de palha, colmo e demais impurezas são conduzidas ao extrator secundário, em que a biomassa sofre um segundo processo de separação (parte mais pesada), o material que não foi limpo nesse processo é descarregado no transbordo que se localiza ao lado da colhedora e a palha e o restante das outras impurezas são jogadas no solo. Nesta segunda etapa é possível adaptar a colhedora com um duto que direcione a palha para um reservatório, porém é necessário descarregar, limpar, armazenar e encaminhar ao processamento que possui um custo elevado devido à densidade da palha de 60 kg/m3 (CORTEZ et al., 2008). Vantagem: redução de custo, uma vez que o mesmo meio de transporte faz a colheita da cana e da palha. Desvantagem: baixa densidade carregada pelo caminhão (cana+palha), o que exige um aumento da frota de caminhões, entretanto, esse aumento é menor do que do tipo da colheita com enfardamento. Esse é o mecanismo mais utilizado no Brasil (Figura 1) (PIEROSSI, 2013).

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Figura 1. Colheita de cana e palhiço na colheita a granel ou parcial (PIEROSSI, 2013).

Picado a granel: o palhiço que se encontra no solo sofre um processo de secagem natural, é rastelado com enleiradoras no intuito de concentrar o material, depois é recolhido por uma colhedora de forragem que o submete a um processo de picagem, reduzindo o seu tamanho e sendo lançado depois em transbordos que posteriormente irão carregar os caminhões responsáveis pelo transporte desse resíduo até o destino final, que são as unidades de beneficiamento que deverão descarregar, limpar, armazenar e encaminhar ao processamento. Essa rota, segundo Cortez et al. (2008), apresenta três pontos negativos: aumento da contaminação do palhiço por impurezas minerais devido contato com o solo pós colheita, baixa eficiência de remoção de impurezas e a baixa densidade inviabiliza o transporte para grandes distâncias.

Adensamento de baixa pressão e enfardamento (impurezas vegetais ≈ 6%): com o intuito de mitigar o problema da baixa densidade do palhiço, foi testado, segundo Lima (2002) apud Cortez et al. (2010), o uso de um sistema de adensamento via prensa algodoeira, em que a prensa é alimentada de palhiço recebido do transbordo e que prensa esse resíduo em baixa pressão, em unidades estacionarias, onde o peso próprio do fardo, em função do seu grande tamanho garante a manutenção de uma maior densidade. No enfardamento o palhiço é recolhido pela enfardadora e utilizando uma baixa pressão é realizada a prensagem e posterior amarração desses fardos, que são deixados no campo para depois serem retirados e levados para a beneficiadora (Figura 2). Vantagens: a cana é transportada com grande densidade para a usina; a palha fica no campo por alguns dias o que faz com que a palha seque e chegue seca na usina. Desvantagens: custo de transporte e manutenção de colheitadeiras para o transporte unicamente da palha. Essa medida não é muito utilizada hoje em dia, por se mostrar muito custosa (PIEROSSI, 2013).

Figura 2. Enfardamento de palhiço sendo levado para unidade de beneficiamento (PIEROSSI, 2013).

Colheita integral (impurezas vegetais ≈ 20-25%): nesta rota todo o palhiço é colhido junto com os colmos, nas mesmas colheitadeiras, e uma parte muito pequena é deixada no solo, neste caso a colhedora opera com seus extratores desligados, ou seja, não há a separação do palhiço, colmo e impurezas (Figura 3). A cana e o palhiço misturados são lançados até o transbordo, que os conduz até o caminhão que, por sua vez, faz o transporte desse material até a usina onde são separados em uma unidade de limpeza a seco, envolvendo separação pneumática e mecânica com discos poligonais rotativos. Vantagem: redução de custo, uma vez que o mesmo meio de transporte faz a colheita da cana e da palha (MICHELAZZO, 2005; PIEROSSI, 2013).

Figura 3. Palha sendo colhida junto com a cana na colheita integral (PIEROSSI, 2013).

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1.1 Limpeza a seco da palha

Segundo Junior (2009), a limpeza a seco implica em um processo de sopragem ou ação mecânica, no processo de sopragem um fluxo de ar é gerado por ventiladores que atravessam uma cama de cana picada ou inteira, que é proveniente de uma mesa alimentadora ou de um transportador (esteira transportadora metálica ou esteira transportadora de borracha), caindo em camadas, com retirada de parte das impurezas vegetais e minerais. O fluxo de ar é um fluxo cruzado que deve ser dimensionado adequadamente para que não ocorra o arraste dos toletes de cana. É um sistema de limpeza que apresenta eficiência de 40 a 75% em função do tipo de colheita, solo, variedade de cana, época do ano e clima. Esse processo viabilizou a utilização da palha para geração de energia. O processo de limpeza a seco por ação mecânica consiste em separadores ou em mesas com fundo furado, que fazem revolvimento do material para obter a separação de partículas. Ambos os processos retiram o resíduo sólido e entregam a cana limpa na moenda ou no difusor.

O uso do sistema de lavagem de cana a seco pode ser determinado pela necessidade de aumento da capacidade de moagem, ou seja, quando a usina opera no limite da capacidade, cada tonelada de palha que passa na moenda representa menos uma tonelada de cana a ser moída e devido ao teor de fibra deste material ser maior quando comparado com a cana, diminui ainda mais a capacidade de moagem (JUNIOR, 2009).

As usinas que utilizam esse método para limpeza da cana separam a palha e a terra recolhida, e os mandam para a lavoura, enquanto, outras usinas separam a palha da terra (pelo método seco em que a câmara recolhe a terra através de esteiras transportadoras que enviam para um reservatório, ou pelo método úmido em que uma cortina de água recolhe a terra e a palha, que separada esta da terra por um cush-cush (tipo de peneira que está sendo substituída por peneiras rotativas), e segue para o sistema de decantação, onde a água volta ao processo) e após isso a palha é encaminhada para a moenda. No entanto, o ideal é a utilização da palha como combustível adicional para as caldeiras de bagaço possibilitando um aumento de geração de energia excedente que pode ser utilização na planta sucroalcooleira (JUNIOR, 2009).

2. IMPLICAÇÕES DA PALHA NO CAMPO

Como apresentado anteriormente, a palha da cana de açúcar apresenta uma grande heterogeneidade quanto à composição química e física, uma vez que é constituída por três partes diferentes da planta. Além disso, há também uma grande variação da quantidade de palha gerada (em base mássica) em relação aos colmos de cana colhida. É importante destacar que esta quantidade de resíduo (palha) que é produzido a partir da colheita da cana depende de muitos fatores, tais como o sistema de colheita, a altura das pontas, variedade da cana, idade da cultura (fase de corte), solo, clima, dentre outros (HASSUANI et al., 2005).

A Tabela 1 apresenta a variação da quantidade de palha gerada de acordo com diversas variedades da planta. Por exemplo, enquanto a variedade CTC6 apresenta 9,80% de palha em base seca de cana colhida, a variedade SP81-3250 apresenta quase 30% em mesma base.

Tabela 1. Quantidade de palha disponível para diferentes variedades da cana de açúcar em % de base seca de cana colhida (adaptado de PIEROSSI, 2013).

Variedade % de palha Variedade % de palhaCTC1 16,50 CTC14 15,30CTC2 19,70 CTC15 15,10CTC3 17,50 CTC16 17,50CTC4 13,60 CTC17 20,10CTC5 16,50 CTC18 19,70CTC6 09,80 CTC19 13,60CTC7 11,90 CTC20 15,90CTC8 25,60 CT961226 13,40CTC9 16,90 SP81-3250 29,30CTC10 18,40 SP84-2025 17,90CTC11 18,30 SP89-1115 12,80CTC13 14,30 Média 16,63

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O conhecimento da quantidade de palha gerada em relação a quantidade de cana colhida é muito importante, pois tem influência direta na quantidade de palha que deve ficar no solo e a quantidade que pode ser levada à usina para cogeração. Neste sentido, por conta dos muitos fatores envolvidos na disponibilidade de resíduo da cana, apresentados anteriormente, alguns autores divulgam faixas de valores muito amplas, tanto para quantificar a porcentagem de palha gerada, quanto para a quantidade de palha que deve ser deixada no campo.

A quantidade de palha deixada no campo em relação a produção total da cana de açúcar levada à usina pode variar de 10 a 60% na Colômbia e de 20 a 35% na África do Sul (HASSUANI et al., 2005).

Hassuani et al. (2005) estimaram que a quantidade de palha deixada no campo por hectare de cana produzida é de 10 t/ha na Índia. Já Rozeff (1994 apud HASSUANI et al., 2005) apresentou que são deixadas 39 t de palha/ ha de cana produzida para uma produtividade de 81,49 t/ha na região do Rio Grande Valley, Texas nos Estados Unidos.

Para o Brasil, poucos dados foram encontrados na literatura para a quantidade de resíduo produzido e deixado no campo. Segundo estudos realizados pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) são gerados, em média, 140 kg de palha/t de cana colhida (em base seca), o que equivale a cerca de 14 t de palha/ha (PIEROSSI, 2013).

Quanto ao estudo da quantidade de palhiço que deve ficar no campo, de acordo com a Agência Embrapa de Informação Tecnológica (AGEITEC) apenas de 40% a 50% são retirados do solo devido às vantagens oferecidas ao terreno, como a manutenção da umidade do solo e o aumento da matéria orgânica (AGEITEC, 2013). Para se ter um efeito de herbicida, após colheita mecanizada, 7,5 t de palha/ha (em base seca) devem ser mantidas no campo (MANECHINI et al., 2005). Hassuani et al. (2005) reportam outros benefícios em manter o resíduo da cana de açúcar no campo:

proteção da superfície do solo contra a erosão causada pela chuva e pelo vento; redução de variações de temperatura do solo, pois o solo fica protegido da ação direta da radiação solar; aumento da atividade biológica no solo; mais água disponível, devido à redução na evaporação de água a partir da superfície do solo; controle de ervas daninhas; dentre outros.

No entanto, o excesso de resíduo deixado no campo pode provocar contribuir negativamente, quanto, por exemplo, ao uso do nitrogênio na adubação de soqueiras. A uréia é a fonte nitrogenada mais utilizada na cultura e, quando aplicada sobre a palha, apresenta elevadas taxas de perda de N-NH3 por volatilização por causa da ação da urease do solo e da palha, que é produzida por bactérias, actinomicetos e fungos do solo ou, ainda, originada de restos vegetais (palhiço) (COSTA et al., 2003). Hassuani et al. (2005) também destacam outras desvantagens em manter o resíduo da cana de açúcar no campo:

riscos de incêndio durante e após a colheita da cana; dificuldades na realização de cultivo mecânico e adubação de soqueira; aumento da população de pragas que abrigam e multiplicam sob a camada de resíduo; dentre outras.

Durante o workshop “How much sugarcane straw to leave on the soil” realizado pelo Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN) em maio de 2012, pesquisadores discutiram os prós e os contras em deixar os resíduos da cana no solo. Especialistas concordaram que cada região do território brasileiro possui suas características específicas, como clima e tipo de solo e, assim, fica difícil encontrar um número exato que se aplica para todos os lugares (BIOEN, 2013).

Pierossi (2013) destaca a falta de dados existentes na literatura para o Brasil quanto a quantidade de palhiço que deve ficar no campo. Embora haja evidências de seus benefícios para o solo, não há resultados analíticos sobre qual quantidade de palha e quais substâncias garantem um bom preparo do solo. Neste sentido, Pierossi (2013) afirma que apenas em 2014 o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) terá um estudo completo sobre estas questões.

Por fim, Ometto (2005 apud PRADO, 2007) reporta que a contribuição da queimada da palha frente ao total de perda exergética das emissões atmosféricas é de, aproximadamente, 91% e deve-se utilizar a cana crua para o processamento industrial dos produtos do setor sucroalcooleiro, com o uso da palha e do bagaço para cogeração de energia.

3. CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-QUIMICA DA PALHA

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O conhecimento das propriedades físicas, químicas e termodinâmicas da biomassa residual, como a palha, é de fundamental importância para o dimensionamento dos equipamentos e para a definição das condições de processo, visando um aproveitamento energético com a máxima eficiência possível, seja em processos de conversão bioquímica ou termoquímica, como a combustão, por exemplo.

Segundo Beckmann et al. (2012), o primeiro passo para que se condiga fazer da biomassa residual um recurso energético é realizar sua caracterização. A definição de projetos de equipamentos industriais requer o conhecimento das propriedades e características do material a ser utilizado, o que, segundo Arnao (2007) e Lenço (2010), garante um aproveitamento eficiente e com rendimento adequado. Logo, para que se defina qual a melhor rota tecnológica a ser aplicada ao resíduo, deve-se caracterizá-lo de acordo com suas propriedades físicas, químicas e termodinâmicas.

Para o caso da escolha da combustão, como rota tecnológica, espera-se que a biomassa residual possua maiores teores de carbono e hidrogênio, bem como de materiais voláteis, uma vez que são essas frações que irão sofrer oxidação em presença e liberar calor. Além disso, espera-se também que a biomassa residual, a fim de seu reaproveitamento energético a partir da combustão, tenha baixo teor de cinzas, cuja composição pode causar incrustações e corrosões, o que leva à diminuição da eficiência da caldeira (VIRMOND, 2012).

Apesar da importância da caracterização dos resíduos agrícolas e urbanos, não há metodologias padronizadas para a caracterização desses materiais no Brasil, sendo necessária a busca por referências internacionais. A maior dificuldade está na composição extremamente heterogênea dos resíduos, como atenta Cortez et al. (2008). O autor refere-se a grande quantidade de partículas heterogêneas e polidispersas que compõem a biomassa residual.

Mais especificamente, no caso da palha da cana de açúcar, observa-se a acentuada heterogeneidade das propriedades físico-químicas, uma vez que esta se refere a três partes específicas da planta da cana de açúcar: as folhas secas, que se apresentam na cor marrom, as folhas verdes, na cor amarela ou verde e a ponta, que por sua vez, denomina toda a parte da planta entre o topo e o último nódulo superior. A Figura 4 ilustra as partes que constituem o chamado palhiço, palha ou resíduo da colheita da cana.

Figura 4. Denominação das partes da cana de açúcar (HASSUANI et al., 2005).

Nota-se, portanto, que a palha da cana de açúcar denomina três partes da planta da cana de açúcar, as quais se diferem entre si principalmente em relação à umidade e aos compostos inorgânicos. Por essa razão, o CTC publicou um livro “Biomass Power Generation” em que a caracterização da palha da cana é dada para cada uma das três partes constituintes, como apresentado na Tabela 2. Por outro lado, há trabalhos que preferem tratar a palha da cana de açúcar como um único resíduo heterogêneo, uma vez que é assim que ele tratado quando opta-se por sua combustão para a geração de vapor e potência. Paula et al. (2011) caracterizaram o palhiço da cana desta forma e seus resultados também são comparados na Tabela 2, que apresenta também a caracterização do carvão mineral, como referência de combustível sólido queimado em caldeiras, para que seja feito um comparativo das propriedades da palha como tal.

Tabela 2. Análises químicas no bagaço, palha da cana de açúcar e carvão.

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Hassuani et al. (2005) Paula et al. (2011)Bargato et al.

(2012)

Folhas secas Folhas verdes Ponta Bagaço Palha Bagaço Carvão

Análise Imediata(% base seca)

Carbono Fixo 11,6 15,7 16,4 18 17,46 17,16 51,9

Teor de umidade 13,5 67,7 82,3 50,2 - - -

Cinzas 3,9 3,7 4,3 2,2 4,32 0,8 13,8

Voláteis 84,5 80,6 79,3 79,9 78,64 82,31 34,3

Análise Elementar(% base seca)

C 46,2 45,7 43,9 44,6 43,42 46,7 71,5

H 6,2 6,2 6,1 5,8 5,71 5,9 4,7

N 0,5 1 0,8 0,6 1,23 0,9 1,3

O 43 42,8 44 44,5 49,64 46,5 7,4

S 0,1 0,1 0,1 0,1 - - 1,3

Cl 0,1 0,4 0,4 0,02 - - 0,08

Poder Calorífico Superior (MJ/kg) 17,4 17,4 16,4 18,1 16,347 16,117 29

Análise Elementar Mineral

P2O5 (g/kg) 0,5 2 2,5 0,5 - - 0,3

K2O 2,7 13,3 29,5 1,7 - - 2

CaO 4,7 3,9 2,6 0,7 - - 3

MgO 2,1 2,2 2,5 0,5 - - 0,9

Fe2O3 0,9 0,5 0,2 2,3 - - 9,2

Al2O3 3,5 1,4 0,5 2,3 - - 24,5

CuO (mg/kg) < 0,06 < 0,06 < 0,06 - - - -

ZnO 9 15 35 - - - -

MnO 169 120 155 62 - - -

Na2O 123 128 119 45 - - 0,6

A análise elementar indica o percentual em massa de cada componente constituinte do material. Embora a palha apresente um teor de carbono muito inferior ao do carvão, o combustível de referência, ainda assim, pode-se dizer que a palha apresenta características combustíveis, uma vez que carbono e hidrogênio são responsáveis por mais de 50% de sua composição, os quais irão sofrer oxidação em presença de ar durante a combustão, liberando calor. Além disso, quando comparada ao bagaço, combustível já muito utilizado para a cogeração, a palha apresenta resultados para a análise elementar muito semelhante (VIRMOND et al., 2012).

Por outro lado, o palhiço apresenta grande percentual de oxigênio, quando comparado ao carvão, o que implica no seu baixo poder calorífico frente ao do carvão, entretanto, o alto teor de oxigênio constituinte reduz a quantidade de oxigênio requerido no processo de combustão.

Análise de fundamental importância, o poder calorífico superior (determinado em bomba calorimétrica em base seca) representa a quantidade de energia liberada na forma de calor durante a combustão do material, tendo água dos gases de combustão na forma de vapor. O poder calorífico está intrinsicamente ligado à composição elementar e ao teor de umidade do combustível, ou seja, a viabilidade de utilização dos resíduos da cana como combustível está diretamente relacionada à umidade de utilização dos mesmos nos processos de cogeração (VIRMOND et al., 2012).

O teor de materiais voláteis, por sua vez, refere-se à quantidade de material que se desprenderá do combustível em forma gasosa, sofrendo combustão primeiramente. Assim, quanto maior for o teor de materiais voláteis na biomassa, melhor será sua combustão. Em relação à isso, observa-se na Tabela 2, que tanto a palha quanto o bagaço apresentam alto teor de materiais voláteis, quando comparados a carvão, o que indica que aqueles são combustíveis de fácil combustão (VIRMOND et al., 2012).

A análise do teor de cinzas dos resíduos da cana é de suma importância quanto à utilização desses materiais em processos termoquímicos de conversão, uma vez que quanto menor o teor de cinzas, menor serão os problemas nas caldeiras como incrustações, depósitos e corrosão. Neste sentido, tanto a palha quanto o bagaço, apresentam teores de cinzas bem inferiores em relação ao carvão.

Entretanto, não basta apenas analisar o teor de cinzas. É necessário verificar quais são os seus componentes inorgânicos constituintes, os quais são responsáveis pelos problemas nas caldeiras citados. Estes efeitos indesejados das cinzas diminuem a troca térmica nos tubos da caldeira e reduzem sua eficiência, ocorrendo principalmente devido a presença de metais alcalinos e de cloro e em menor quantidade à presença de silício e enxofre (VIRMOND et al., 2012). A Tabela 2 mostra que, segundo Hassuani et al. (2005), a palha apresenta valores superiores, quando comparada ao carvão, de teor de cloro e metais alcalinos, o que explica os problemas de sinterização das cinzas e corrosão em caldeiras que usam a palha como combustível. Além da análise química da palha, a análise física, como a composição granulométrica, é importante para o projeto de caldeiras, indicando a distribuição de partículas do material em frações

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de diferentes diâmetros médios. A Figura 5 mostra a distribuição granulométrica da palha coletada na usina Ester, na cidade de Campinas - SP.

Figura 5. Massa relativa das partículas da palha retidas em peneiras com diferentestamanhos de abertura (SILVA et al., 2010).

Observa-se que a palha analisada apresenta, em sua maior parte, partículas com tamanhos superiores que a malha de 76 mm e menores que 4,8 mm. De maneira geral, pode-se dizer, através das análises físico-químicas apresentada, que a palha possui potencial de aproveitamento energético em sistemas de cogeração que já utilizam p bagaço como combustível. Como ilustração, Pierossi (2013) afirma que a disponibilidade de palha da cana como combustível de caldeiras de cogeração pode aumentar o potencial de reaproveitamento energético de resíduos de 30 a 65%.

4. INFLUÊNCIA DAS PROPRIEDADES QUÍMICAS DA PALHA SOBRE A OPERAÇÃO DE CALDEIRAS

A princípio, a palha e o bagaço podem ser utilizados em processos de cogeração em usinas de açúcar e álcool, além de serem empregados na produção de etanol de segunda geração. Entretanto, segundo Hassuani et al. (2005), a palha contém maiores quantidades de cloro e metais alcalinos do que o bagaço, de modo que, se for queimada junto com este nas caldeiras, haverá emissão de dióxido de enxofre, cloreto de potássio. Além disso, a combustão da palha em caldeiras provoca incrustações e corrosões nas caldeiras, devido à sublimação e sinterização das cinzas deste resíduo (WERTHER et al., 2000).

As incrustações são depósitos de materiais nas superfícies de transferência de calor, o leva a uma diminuição da troca térmica entre os gases da combustão e a o fluido da caldeira. Michelsen et al. (1998) e Oleschko et al. (2007) mostram que esse fenômeno ocorre principalmente devido a presença de K e Cl, mas as deposições também apresentam silício, cálcio e enxofre. O cloreto de potássio, por exemplo, irá se depositar nas superfícies metálicas e reagir com o dióxido de enxofre, originando cloretos e sulfatos que atacam as superfícies metálicas (LEAL, 2010).

Os compostos que causam esses problemas em caldeiras, tais como HCl, NaCl, KCl, Na 2SO4 e SO2 são liberados como constituintes dos gases de combustão que ocorrem na faixa de 800 a 1200 ºC, cujas quantidades são proporcionais à temperatura destes gases, ou seja, quanto maior a temperatura dos gases de exaustão, maior será a quantidade liberada dos compostos inorgânicos que causam corrosão e incrustações, conforme ilustrado na Figura 6 (NUTALAPATI et al., 2007).

Figura 6. Superfície da sonda com e sem camada de depósito (SANDBERG, 2007).5. COMBUSTÃO DA PALHA EM CALDEIRAS

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Quando se trata da recuperação e do uso energético da palha de cana de açúcar em sistemas de conversão, é importante, a priori, citar dois aspectos: os custos da colheita, manuseio e transporte da palha até os pontos de pré-tratamento, sendo este local próximo do ponto de consumo local e os custos no pré-tratamento da palha para uma eficiente utilização energética. E no que concerne a combustão de palha em caldeiras é importante citar: os problemas com a dosagem desse material na condição de material com ampla granulometria, tamanhos e formas das partículas e baixíssima densidade quando a granel, pois a caldeira que queima o bagaço de cana de açúcar possui dosadores que não conseguem operar apenas com a palha e a manutenção da carga térmica por longos períodos operacionais, ou seja, conseguir manter a quantidade de vapor de água fornecido pela caldeira com a qualidade e parâmetros requeridos JUNIOR (2009).

O pré-tratamento da palha é composto de equipamentos de nivelação para a uniformização da altura do colchão da palha, evitando pontos de estagnação, subdoses ou sobredoses de volume de palha, e moinhos de faca em duas etapas consecutivas para atingir a granulometria de projeto ou martelos independentes ou combinados, facilitando a manipulação do material e garantindo uma elevada eficiência nas caldeiras. A granulometria da palha é controlada utilizando peneiras instaladas nos próprios moinhos, ou usando-se sistemas de transporte e classificação pneumática JUNIOR (2009).

A combustão da palha em caldeiras produz vapor de alta pressão, que aciona os turbos geradores que geram toda a energia elétrica consumida pelas usinas, além disso, também produz energia mecânica, para movimentar as moendas e outros equipamentos, que hoje passam a ter acionamento por eletricidade em boa parte das usinas. O vapor que sai dos turbos geradores com a pressão diminuída é utilizado como energia térmica nos processos de fabricação do açúcar como do álcool JUNIOR (2009).

Quando a palha é queimada, o dióxido de enxofre e cloreto de potássio são emitidos na fase gasosa, e a presença destes resulta em depósitos de espécies corrosivas na condensação em superfícies metálicas vulneráveis, tais como os superaquecedores. Estes depósitos contêm cloreto de potássio, que, quando reage com dióxido de enxofre e cloro gera espécies que atacam o metal. Os depósitos de sais alcalinos também causam a corrosão de componentes metálicos JUNIOR (2009).

Segundo o trabalho de Junior (2009), a palha foi analisada como uma possibilidade de combustível suplementar em caldeiras de alta pressão a bagaço, com turbinas de extração-condensação, em uma planta industrial totalmente eletrificada com aumento na geração de energia e possibilidade de comercialização do excedente. O autor faz a análise em duas plantas hipotéticas e uma planta real da Usina Pioneiro Bioenergia S/A, considerando como dados de entrada quantidade de cana de açúcar moída, produção de álcool e/ou açúcar, porcentagem de mecanização da colheita, utilização ou não do Sistema de Limpeza de Cana a Seco, entre outros parâmetros.

A utilização da palha como combustível complementar ao bagaço em caldeiras de alta pressão convencionais mostrou-se uma boa fonte, segundo Junior (2009), para obtenção de energia elétrica, porém apresentou problemas operacionais na utilização da caldeira de bagaço, para a combustão da palha, pois a saída dos gases de exaustão na caldeira passa entre tubos em um local chamado de Pré-Ar que aquece o ar atmosférico que entra na fornalha pelos ventiladores, em que ocorre a queima de ambos resíduos. Devido à presença dessa pressão negativa para libertar os gases de exaustão, uma parte da palha é sugada para dentro do conjunto pré – ar, que acaba entrando em combustão e queimando tubulações e chapas e que também ocorre quando a umidade do bagaço está alta, pois é necessária uma maior quantidade de ar para combustão consequentemente, uma maior exaustão dos gases, aumentando a pressão negativa dentro da caldeira e facilitando, desta forma, a ida do bagaço para a área do Pré-Ar.

6. TIPOS DE CALDEIRAS EM SISTEMAS DE COGERAÇÃO NO SETOR SUCROALCOOLEIRO

As caldeiras são os geradores de vapor mais utilizados pela indústria. Convertem vapor d’água pelo processo termoquímico da combustão a partir de combustíveis líquidos, sólidos ou gasosos, e operam em pressões superiores à pressão atmosférica. Existem ainda as chamadas caldeiras de recuperação que aproveitam também, por exemplo, o calor residual de processos industriais, contribuindo com a racionalização e o aproveitamento energético de sistemas complexos já estabelecidos (NOGUEIRA et al., 2005; ARNÃO, 2007).

No setor sucroalcooleiro as caldeiras queimam o bagaço de cana. Apesar de conter alto teor de umidade, dificultando sua queima, o bagaço possui um grande potencial para obtenção de energia elétrica (ARNÃO, 2007). Atualmente, com a mecanização da colheita da cana, almeja-se também a queima da palha nos sistemas de cogeração do setor sucroalcooleiro. A umidade da palha depende do tempo em que fica depositada no campo. No instante da colheita, a palha pode conter até 50% de umidade. Este teor de umidade pode cair para 30% de 2 a 3 dias e para 15% em duas semanas, o que pode representar um ganho energético em sua queima (HASSUANI et al. 2005).

As caldeiras do tipo aquatubulares são as comumente utilizadas no setor sucroalcooleiro por obterem maiores produções de vapor à pressões elevadas e altas temperaturas (supercríticas), já que estes parâmetros são fundamentais para melhorar o sistema de cogeração, como destacado anteriormente. Desta maneira, as caldeiras que operam nessas condições de pressão e temperatura são as que permitem obter máxima eficiência do sistema de cogeração (NOGUEIRA et al., 2005; ARNÃO, 2007).

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7. CONCLUSÕES

Com a mecanização da colheita da cana de açúcar, estimulada pelo Decreto Federal nº 2.661/98, a palha que antes era queimada, passou a ser um importante resíduo para o aproveitamento energético no setor sucroalcooleiro nacional, estimulando mais ainda o sistema de cogeração, já praticado com o uso do bagaço.

Apesar do potencial combustível da palha da cana e sua importância na conversão de energia elétrica, os estudos referentes ao emprego dessa biomassa em sistemas de cogeração ainda estão imaturos e necessitam de um desenvolvimento no sentido de apresentarem informações relevantes, por exemplo, quanto a viabilidade do seu uso em caldeiras para queima do bagaço e quais possíveis problemas de operação, principalmente, porque a palha apresenta um elevado teor de cinzas quando comparado com o do bagaço.

8. REFERÊNCIAS

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