cidadania e educacao uma abordagem historica (1530-2010)

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CIDADANIA E EDUCAÇÃO: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA (1530-2010) Magda Carvalho Fernandes* RESUMO: Esse estudo refere-se a uma contribuição para um melhor entendimento da cidadania no Brasil e da geração de direitos, principalmente, do direito à educação. Precisamos conhecer os paradigmas que envolvem a questão da cidadania, para que possamos compreender e tensionar o liberalismo, o que não significa superar, mas contribuir na revelação de suas contradições. Para tal, farei uma retrospectiva histórica do trajeto percorrido pelo país, apresentando avanços e retrocessos na geração de direitos, desde o período Colonial (1530/1822) até os primeiros vinte e cinco anos da Nova República (1985-2010). Os trabalhos desenvolvidos na obra do sociólogo britânico Thomas Humphrey Marshall (1967) e do historiador e cientista político José Murilo de Carvalho (2009) contribuíram com as principais argumentações na sustentação teórica das considerações e reflexões aqui apresentadas. ABSTRACT: This study refers to a contribution to a better understanding of citizenship in Brazil and the generation of rights, especially the right to education. We need to know the paradigms that involve the issue of citizenship, so we can understand the tension and liberalism, which is not to overcome, but contribute to the development of his contradictions. To do this, make a historical retrospective of the path traveled by the country, with advances and setbacks in the generation of rights, from the Colonial period (1530/1822) to the first twenty-five years of the New Republic (1985-2010). The work developed in the work of the British sociologist Thomas Humphrey Marshall (1967) and the historian and political scientist José Murilo de Carvalho (2009) contributed the main arguments in support of theoretical considerations and ideas presented here. PALAVRAS-CHAVE: História da educação – Cidadania no Brasil – Direito à educação KEYWORDS: History of education – Citizenship in Brazil – Right to education INTRODUÇÃO A questão central que se colocava no Brasil, do final da década de 1980 e início de 1990 tinha por equação o descompasso entre a esperança com as transformações no campo dos direitos sociais e o seu não desdobramento em concretude histórica. Percebendo essa questão central, José Murilo de Carvalho (2009) buscou realizar uma análise histórica da construção da cidadania no Brasil, tendo por base a análise do sociólogo britânico Thomas Humphrey

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Leitura importante para quem deseja pesquisar a relação entre cidadania e educação.

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Page 1: Cidadania e Educacao Uma Abordagem Historica (1530-2010)

CIDADANIA E EDUCAÇÃO: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA (1530-2010)

Magda Carvalho Fernandes*

RESUMO: Esse estudo refere-se a uma contribuição para um melhor entendimento da cidadania no Brasil e da geração de direitos, principalmente, do direito à educação. Precisamos conhecer os paradigmas que envolvem a questão da cidadania, para que possamos compreender e tensionar o liberalismo, o que não significa superar, mas contribuir na revelação de suas contradições. Para tal, farei uma retrospectiva histórica do trajeto percorrido pelo país, apresentando avanços e retrocessos na geração de direitos, desde o período Colonial (1530/1822) até os primeiros vinte e cinco anos da Nova República (1985-2010). Os trabalhos desenvolvidos na obra do sociólogo britânico Thomas Humphrey Marshall (1967) e do historiador e cientista político José Murilo de Carvalho (2009) contribuíram com as principais argumentações na sustentação teórica das considerações e reflexões aqui apresentadas.

ABSTRACT: This study refers to a contribution to a better understanding of citizenship in Brazil and the generation of rights, especially the right to education. We need to know the paradigms that involve the issue of citizenship, so we can understand the tension and liberalism, which is not to overcome, but contribute to the development of his contradictions. To do this, make a historical retrospective of the path traveled by the country, with advances and setbacks in the generation of rights, from the Colonial period (1530/1822) to the first twenty-five years of the New Republic (1985-2010). The work developed in the work of the British sociologist Thomas Humphrey Marshall (1967) and the historian and political scientist José Murilo de Carvalho (2009) contributed the main arguments in support of theoretical considerations and ideas presented here.

PALAVRAS-CHAVE: História da educação – Cidadania no Brasil – Direito à educação

KEYWORDS: History of education – Citizenship in Brazil – Right to education

INTRODUÇÃO

A questão central que se colocava no Brasil, do final da década de 1980 e início de 1990 tinha por equação o descompasso entre a esperança com as transformações no campo dos direitos sociais e o seu não desdobramento em concretude histórica. Percebendo essa questão central, José Murilo de Carvalho (2009) buscou realizar uma análise histórica da construção da cidadania no Brasil, tendo por base a análise do sociólogo britânico Thomas Humphrey Marshall (1967) sobre os elementos constitutivos da cidadania e seu desenvolvimento histórico.

Para que seja possível uma comparação entre o modelo produzido por Marshall para a Inglaterra e o produzido por Carvalho para o Brasil é necessário travar conhecimento com alguns dos elementos básicos da análise de Marshall. Antes, porém, a ideia de cidadania e democracia tornam-se importantes para o estabelecimento da concepção de direitos apresentada pelo sociólogo inglês.

A democracia pressupõe o poder nas mãos do povo. No Brasil, após o fim da ditadura militar, em 1985, essa expressão veio imbuída da crença entusiasmada e ingênua de felicidade nacional. O direito de votar em nossos representantes foi amplamente

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valorizado, como se rapidamente, fôssemos resolver questões relativas à violência, ao desemprego, ao saneamento básico, à má qualidade da educação, e muitos outros que passados mais de 25 anos, ainda continuam sem solução. Por isso, esse é um fenômeno complexo, que precisa ser compreendido a partir da construção do conceito de Cidadania – que pressupõe os direitos do povo que vive dentro de um espaço citadino – e os respectivos direitos que a constituem: civis, políticos e sociais.

Partindo da premissa de que não há democracia se não houver condições de direitos para os cidadãos daquele Estado, não há democracia se não há cidadania.

A leitura histórica, proposta por Marshall (1967) é chamada de gerações de direitos. Segundo ele, esses direitos teriam sido constituídos através de um processo sequencial; não por excludência; esses direitos vão dialogando para se formarem, um influenciando o outro, através de um caminho em que os direitos civis são construídos, depois viriam os direitos políticos e por último, os sociais.

Carvalho (2009) chama atenção que essa constituição atende a uma realidade europeia e mais especificamente, inglesa. Portanto, deve-se ter cuidado com essas gerações de direitos. Mas, grosso modo, dentro da teoria clássica da cidadania, proposta por Marshall, temos os direitos civis, que seriam: o direito à liberdade, o direito à vida, o direito à propriedade, caracterizando a cidadania como um conceito constituído dentro do capitalismo liberal do século XVIII; temos também os direitos políticos, basicamente, o direito de votar e ser votado. Por fim, os direitos sociais, que trazem como os dois grandes eixos: a saúde e a educação.

CIDADANIA E O DIREITO SOCIAL À EDUCAÇÃO NO BRASIL

Para se pensar a construção da cidadania no Brasil, Carvalho (2009) adota uma análise linear, partindo da constituição do Brasil tendo por marco inicial o processo de invasão dos portugueses às terras brasis realizado como parte do processo expansionista comercial e marítimo da passagem da Idade Média para a Moderna. O encontro entre sociedades americanas, europeias e africanas acabaram por resultar em um modelo de ocupação conhecido como colônia de exploração. Nessa, que teve por base a exportação de produtos agrícolas e minerais (séculos XVI-XIX), se constituiu em uma sociedade escravista, tendo como elementos fundadores: os colonizadores – representantes da metrópole portuguesa –, os colonos – elite europeia que se instalou no Brasil desde os primórdios da colonização – e os colonizados – africanos e indígenas, escravos ou livres e brancos pobres. Dessa tríade formou-se o binômio central dessa estrutura social: senhores e escravos.

Uma análise mais acurada leva à percepção de uma constituição em que os poderes públicos, a princípio atributos do Estado Nacional Absolutista português e os poderes privados não se constituíram com limites fronteiriços claros e, muitas vezes, o poder público esteve nas mãos do privado e, outras, os poderes privados tiveram seus direitos enfraquecidos. É o caso da Igreja Católica que desempenhou um forte papel como reguladora e controladora da sociedade brasileira durante mais de três séculos. Atividades como o registro de nascimento e morte, casamentos deram à Igreja um capitali que lhe proporcionava um forte poder diante do Estado português. Em relação ao capital social, conforme o exemplo acima, Bourdieu chama a atenção para o fato de

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que esse poder “[...] depende da extensão da rede de relações que ele [o agente] pode efetivamente mobilizar e do volume de capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um daqueles a que está ligado.” (2010, p. 67)

O campo dos direitos civis, negado veementemente aos escravos e a boa parte dos homens livres e pobres no Brasil em alguns momentos foi extensivo aos colonos. Os direitos de propriedade e liberdade, por exemplo, ficaram em muitos momentos limitados e subordinados aos interesses da metrópole portuguesa. A distribuição das capitanias hereditárias e das sesmarias aos homens bons ficou, em muitos momentos, subordinada a esses interesses. A propriedade, mesmo no século XVIII e XIX não era garantia por si só. Não se deve esquecer que a documentação sobre a terra era hereditária, mas não eterna e que poderia ser retirada do capitão donatário de acordo com os interesses do Estado português.

O exposto acima apresenta uma sociedade desigual, hierarquizada e composta de sujeitos de direitos de cidadania bastante variados desde o início de sua constituição histórica. Mais que isso, ao contrário do modelo inglês, a cidadania no Brasil se desenvolveu através de um caminho próprio, não respeitando a ordem de composição inglesa.

No Brasil, de forma diferente, os direitos sociais tomaram a dianteira sendo seguidos pelos direitos políticos e por último, vieram os civis. Ainda que essa ordem deva se valer das mesmas considerações realizadas por Marshall para o modelo inglês, no sentido de se perceber um caráter de diálogo entre esses três elementos constitutivos da cidadania e não um caráter linear, onde tautologicamente um elemento foi gerando o outro, é importante deixar claro que houve uma preponderância dos direitos sociais no processo e constituição desses elementos, tanto na Inglaterra, quanto no Brasil.

Apesar dos direitos sociais fazerem parte de uma engrenagem maior chamada Cidadania, que também inclui a geração de direitos civis e políticos, para efeito de estudo, nesse trabalho, teve maior destaque o direito à educação, na construção da democracia no Brasil.

É no contexto colonial que tem início o processo de educação formal no Brasil. Como uma das primeiras representantes dos direitos sociais na nascente colônia, a educação jesuíta será constituída visando atender a uma elite colonial. Como os jesuítas foram os principais responsáveis pela educação brasileira durante mais de dois séculos (1549-1759), desenvolveram seu papel de representantes dos direitos sociais em consonância com os objetivos da política portuguesa para a colônia, garantindo à metrópole que o Brasil não passasse de mero produtor e fornecedor de gêneros que atendessem aos seus interesses econômicos.

Ao catequizar os índios, os jesuítas fortaleciam a política colonizadora, ensinando e valorizando o idioma português e os costumes europeus, em detrimento do respeito à expressão cultural desses americanos. Com a saída dos jesuítas, teve início a era pombalina, que instituiu o ensino laico e público (1772). O modelo de cursos de humanidades, característicos dos jesuítas é modificado para o sistema de aulas régias com disciplinas isoladas. As dificuldades com a implantação desse novo sistema educacional prosseguem. Os colégios são dispersos, não se investe na formação dos profissionais e ocorre a presença de muitos leigos. Faltam recursos para investir e a máquina do Estado é muito morosa no sentido de atender às necessidades da educação.

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Nesse sentido, apesar de ser uma primeira representação de direitos sociais, a educação formal não contribuiu para o processo de aquisição desses direitos do conjunto da sociedade, no Brasil Colônia. Se, num primeiro momento, a assistência estava totalmente a cargo da igreja, na era pombalina, também não houve interesse da administração colonial nessa “arma cívica” (CARVALHO, op.cit., p.23). Os direitos civis beneficiavam a poucos e os políticos, a muito menos. Logo, o Brasil já tem seu início marcado pelo descaso com o desenvolvimento de uma consciência de direitos.

A passagem do Brasil de colônia de Portugal a país independente permitiu, em 1822, o surgimento de novas possibilidades no campo da cidadania. Nesse período, o Estado brasileiro se compõe, segundo a Constituição de 1824, em uma Monarquia (Art. 3º), baseada em quatro poderes (Art. 10) – Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador – sendo este último destinado ao imperador que acabava por criar uma espécie de parlamentarismo às avessas já que os ministros de estado eram indicados pelo imperador fazendo uso das prerrogativas do poder moderador.

No que diz respeito à educação do período imperial brasileiro é possível verificar que com a Independência é mantido o princípio de liberdade de ensino com “instrução primária e gratuita para todos os cidadãos” (BRASIL, Art.179), previsto na Carta Magna de 1824. Em 15 de outubro de 1827, foi promulgada uma lei “a única que em mais de um século se promulgou sobre o assunto para todo o país e que determina a criação de escolas de primeiras letras, em todas as cidades, vilas e lugarejos – Art. 1º.” (AZEVEDO, 1963, p.564)

Sem grandes investimentos, a educação pública seria mais prejudicada com o Ato Adicional de 1834, que reservava para a Coroa a condução do Ensino Superior deixando às províncias a condução das escolas elementares e secundárias. Nesse cenário fica claro que o Império demonstra sua opção pela elite brasileira e, portanto, privilegia o Ensino Superior em detrimento do elementar e secundário. O direito social à educação ficava postergado para o futuro. Até a proclamação da República, em 1889, quase nada se fez pelo direito à efetivação de uma educação popular no Brasil.

A decadência do regime monárquico gera uma grande discussão em torno de assuntos educacionais. Num primeiro momento, já perde um de seus direitos fundamentais, posto que a Constituição de 1891 mantém a União desobrigada de fornecer educação primária, o que já havia sido estabelecido na Constituição de 1824. A quase ausência de uma educação popular se refletiu em um grande contingente de analfabetos.

Embora essa fosse a realidade, paralelamente, teve início um processo de busca por uma literatura escolar nacional, num contexto de crise do Império (1870-1889) e o nascimento da República (1889). Esse movimento se dirigia a um novo conceito de cidadão que começava a vigorar no Brasil nesse momento. Não se deve crer que houve um aumento da cidadania com o advento da República, mas é possível vislumbrar um novo paradigma educacional consonante com um novo contexto histórico.

O diagnóstico de José Veríssimo, de 1890, mostra a busca pelo direito a uma nacionalização da educação que começa a se estruturar:

Os meus estudos foram sempre em livros estrangeiros. Eram portugueses e absolutamente alheios ao Brasil os primeiros livros que li. [...] Neste

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levantamento geral, que é preciso promover a favor da educação nacional, uma das mais necessárias reformas é a do livro de leitura. Cumpre que ele seja brasileiro, que não é o mais importante, mas brasileiro pelos assuntos, pelo espírito, pelos autores trasladados, pelos poetas reproduzidos e pelo sentimento nacional que o anime. (VERÍSSIMO, 1985, p.54-55)

No decorrer do século XIX e no início do século XX a busca por transformações referia-se ao processo de legitimação do espírito nacionalista que necessitava ser fortalecido. A noção de nação concebida pelo historiador inglês Eric Hobsbawm, quando defende a tese de que “O nacionalismo vem antes das nações. As nações não formam os Estados e os nacionalismos, mas sim o oposto.” (1990, p.19), reforça o espírito nacionalista que deveria prevalecer nos conhecimentos divulgados pela obra didática, por exemplo.

Com o advento da República, a luta pelos direitos vai se ampliando. É importante destacar que os direitos civis estavam ainda fortemente baseados no direito à propriedade e que esses eram fortes definidores dos direitos políticos e dos sociais, como a educação. As lutas pelos direitos civis, políticos e sociais foram, com intensidades variadas, combatidas pela República Velha (1889/1930).

A década de 1930 trouxe mudanças significativas para o Brasil. Através de um golpe de estado, liderado por Getúlio Vargas, teve início a chamada Era Vargas (1930/1945). Carvalho (op.cit., p.110-125) chama a atenção para o fato de que os períodos de exceção em nosso país não produziram apenas perdas no que diz respeito à cidadania. Essa forma de percepção da história brasileira permite alargar a compreensão no fato da aceitação de Vargas e de suas realizações no imaginário da sociedade brasileira. Retira também a ideia simplória do povo como sendo uma massa amorfa, manipulada e enganada pelo seu líder político maior.

Em detrimento de direitos civis e políticos, o que garantiu certo apaziguamento no processo das lutas que se desenvolviam no Brasil, foi o cumprimento de reivindicações trabalhistas históricas, apenas destituídas de seus criadores – os movimentos sindicais – e apresentadas como forma de doação ou outorga. O conjunto de leis sociais constituídas a partir de 1930 contribuiu no avanço das conquistas sociais, além de fortalecer a até então frágil “identidade nacional”.

Em relação aos direitos sociais, no que tange à educação, o movimento dos chamados pioneiros da educação nova (1930/1936), entre os quais podemos destacar Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, apresenta várias ideias que já estavam sendo veiculadas na primeira década do século, apontando mudanças significativas no processo democrático, ao reconhecer “[...] a educação elementar como um direito de todos e como parte essencial de uma sociedade industrial e igualitária.” (CARVALHO, Ibid, p.92). Num país com tantos analfabetos, esse se constitui o “calcanhar de Aquiles” dos direitos sociais básicos da democratização da educação.

O princípio da laicidade na educação, garantido na Constituição de 1891, traz um conflito importante no processo de democratização, posto que o ensino religioso, de base católica, era ensinado na escola pública brasileira, até então. Não é de se estranhar a organização de um movimento católico na busca de reversão do quadro. Esse movimento fora combatido pela maioria dos educadores escolanovistas. Até hoje o

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direito a uma educação laica ainda tem assento nas discussões escolares. Afinal, nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, Resolução nº 4, de 13/03/2010, o Ensino religioso integra a formação básica comum dos sistemas educativos (BRASIL, 2010, Art. 14).

A reforma escolanovista trouxe outras questões referentes à implantação de democratização da educação, como o destaque à preocupação com a formação de professores e a centralidade dos métodos de ensino que envolvia uma participação mais direta do aluno, enquanto sujeito da aprendizagem, através de experimentações e enfrentamento de desafios.

No jogo de forças no que diz respeito às gerações de direitos, se por um lado a sociedade viu reduzidos os direitos civis e políticos, por outro pode vivenciar o crescimento dos direitos sociais. Ao se obter as conquistas no campo dos direitos sociais não há dúvidas de que a sociedade realizava um grande avanço, mas percebia em seu mecenas o artífice desse processo.

A nova ordem internacional que vinha se constituindo no mundo com os encaminhamentos da II Guerra Mundial (1939/1945) trouxe um novo cenário que, ao lado das transformações internas no Brasil, acabaram por levar à derrubada do governo Vargas (1945). No que diz respeito às forças internacionais, a guerra proporcionou a mudança de liderança que até o início da I Guerra Mundial (1914/1918) estava nas mãos de países europeus como a Inglaterra, França e Alemanha. Durante o segundo quartel do século XX um novo quadro se desenhou. De um lado os Estados Unidos da América – EUA, e de outro, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, respectivamente representantes do mundo capitalista e socialista, foram ganhando forças.

Nas forças armadas ocorre uma aproximação entre o exército brasileiro e a inteligência estadunidense. Através de cursos de formação de oficiais e participações conjuntas dos dois países na guerra, foi se desenvolvendo um novo papel para essas no Brasil, conhecido como Doutrina de Segurança Nacional – DSN. Dentre suas questões centrais, deveriam mudar o foco de defensoras dos direitos internacionais para defensoras dos direitos internos. Por conseguinte, o inimigo externo deixa de ser a principal preocupação dos militares e surge o inimigo interno: a ideologia comunista.

O saldo da Era Vargas (1930/1945) foi um conjunto de leis trabalhistas urbanas e o fortalecimento de um sentimento de identidade nacional. Enquanto processo histórico, a volta à democracia (1945/1964) deve ser analisada como um ato de rupturas e continuidades. Sem esse olhar, análises historiográficas se tornam superficiais e pouco verossímeis.

No que diz respeito às continuidades, o modelo político desenvolvido pós-1945 foi engendrado na Era Vargas. A legislação que criou o sistema partidário que definiria os rumos políticos do Brasil foi construída durante o período de exceção do Estado Novo (1937/1945). Outra ação que contribuiu no processo de redemocratização foi a anistia política, em 1943, que libertou presos contrários ao regime varguista, devolvendo-lhes

i O conceito de capital está associado ao trabalho desenvolvido pelo sociólogo Pierre Bourdieu, posto que os instrumentos teóricos em seus estudos apresentam o jogo de dominação e reprodução de valores associado ao capital acumulado que pode ser social, cultural, econômico e simbólico.

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os direitos políticos. Seu símbolo maior foi Luis Carlos Prestes, líder comunista preso da Intentona Comunista de 1935.

A redemocratização apresenta como elemento novo a Constituição de 1946, uma avançada legislação no que diz respeito às gerações de direitos: restabelece a independência dos três poderes, extingue a pena de morte, garante a livre defesa, decreta o fim da censura, garante o direito de votar a todos os brasileiros maiores de 18 anos, de ambos os sexos, devolve a eleição direta para presidente da República. O número de eleitores cresceu. Em 1930, apenas 5,6% da população exercia o direito de votar. Em 1945, 13,4%; em 1950, 15,9 % e em 1960, 18%. Pela primeira vez chegávamos aos percentuais vigentes no Período Imperial.

Em pesquisa realizada pelo IBGE, em 1964 ficou constatado que 64% do eleitorado tinha preferência partidária (CARVALHO, op.cit., p. 164). Por outro lado, a estrutura histórica de fraudes eleitorais continuava presente. Em relação aos direitos sociais o período não apresentou grandes avanços (CARVALHO, ibid, p. 152).

O processo inflacionário que permaneceu como um forte ingrediente da política do período contribuiu de forma significativa para um esvaziamento das políticas propiciadoras dos direitos sociais. Há que se ressaltar que esse cenário se contrasta com o anterior, o da Era Vargas (1930/1945), em que os direitos sociais estiveram em primeiro lugar no campo dos avanços na cidadania.

Em relação à educação, o período (1945/1964) foi marcado pela primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº 4.024, de 27/12/1961, quase trinta anos depois de prevista na Constituição de 1934 (Art. 5º). Em verdade, a primeira LDBEN teve sua discussão por um longo período (1946-1961) e traduz o embate no âmbito político-econômico entre o grupo nacionalista desenvolvimentista e o grupo que sustentava a tese da iniciativa privada como mecanismo para gerir a economia e a educação. O projeto que sobrepuja na LDBEN, do deputado Carlos Lacerda, defende a ideia da “liberdade de ensino” com bases inteiramente privatistas, sustentado por lideranças conservadoras, sobretudo, da igreja católica. Nos Artigos 3º e 4º são apresentadas as premissas para que o 5º pudesse enunciar conclusivamente em favor de recursos para beneficiar a iniciativa privada:

Art.3º - A educação da prole é direito inalienável e imprescritível da família. Art.4º - A escola é, fundamentalmente, prolongamento e delegação da família. Art.5º - Para que a família, por si e por seus mandatários, possa desobrigar-se do encargo de educar a prole, compete ao Estado oferecer-lhe os suprimentos de recursos técnicos e financeiros indispensáveis, seja estimulando a iniciativa particular, seja proporcionando ensino oficial gratuito ou de contribuição reduzida. (PROJETO DE LEI, 1960)

Na verdade, não evidenciava os direitos familiares, mas sim, a reivindicação de direito a condições isonômicas para o ensino público e privado. Na sua essência, a lei 4024/61 assegura a representação da iniciativa privada nos Conselhos Federal (Art. 5º e 8º) e Estaduais de Educação (Art.5º). O Conselho Federal deixa de ser um órgão de

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assessoramento e suas funções se sobrepunham às do Ministro da Educação, sendo que a esse último, cabia homologar as decisões do Conselho.

Quanto aos recursos, retira-se a autonomia da esfera pública para privilegiar a privada. No Art. 95, fica assegurado o “financiamento a estabelecimentos mantidos pelos Estados, municípios e particulares, para a compra, construção ou reforma de prédios escolares e respectivas instalações e equipamentos, [...]”. Ora, um país que não tinha recursos para estender a rede pública de ensino, deixando de fora quase 50% da população em idade escolar, a lei sancionada, na realidade, representava uma extorsão ao direito democrático de uma educação pública de qualidade.

Nos vinte e um anos da ditadura militar no Brasil (1964/1985), a educação espelhou sua face antidemocrática: muitos educadores são perseguidos, presos e demitidos; os estudantes foram calados e a União Nacional dos Estudantes – UNE, proibida de funcionar pela Lei 4.464/64, entra na ilegalidade. Em 26/02/1969 o presidente estabelece o Decreto-lei nº 477, que cala a boca de alunos/as, professores/as e demais funcionários de estabelecimentos de ensino.

A partir de 1964 foram produzidos uma série de convênios entre o MEC e a United States Agency for International Development (USAID)ii, conhecidos como acordos MEC/USAID, dentre eles, a contratação de assessores americanos para auxiliar nas reformas da educação pública em todos os níveis de ensino.

Os técnicos norte-americanos que aqui desembarcaram, muito mais do que preocupados com a educação brasileira, estavam ocupados em garantir a adequação de tal sistema de ensino aos desígnios da economia internacional, sobretudo aos interesses das grandes corporações norte-americanas. (MINTO, 2006, s/p)

E no período mais violento da ditadura é instaurada a LDBEN, nº 5692/71. Dentro do espírito do slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”, a educação passa a ter a função de contribuir com o aumento da eficiência na produção, passa a ser um instrumento a serviço da racionalidade tecnocrática e tem por base a neutralidade científica.

A escola planejava o ensino de acordo com objetivos operacionais, que se refletiam na mecanização do processo de ensino, através de métodos que não colocavam em risco a organização racional, como por exemplo, a instrução programada. Ao contrário da escola nova, professor/a e aluno/a ao invés de terem meios a sua disposição, a situação se inverteu; o processo é que definia o que deviam fazer e como o fariam. Um modelo pautado numa pseudoneutralidade ideológica era conveniente ao modelo econômico, tendo em vista que um modelo educacional tecnocrata garantia a supressão da liberdade democrática. Esse modelo era de extrema conveniência para a ditadura, posto que vinha em direta colaboração com a política instaurada.

ii A Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (tradução) foi criada em 1961, com o objetivo de fornecer assistência técnica e financeira nas seguintes áreas: crescimento econômico e desenvolvimento agrícola, meio ambiente, educação e treinamento, assistência humanitária, saúde e nutrição, democracia e governabilidade. (http://www.usaid.gov/)

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A redução da entrada de capitais estrangeiros, o envio de remessas de lucros às matrizes das empresas que se instalaram no Brasil, o alto custo que coube ao país com a implantação e desenvolvimento das indústrias de base e de serviços, a opção pelo modelo político de submissão ao capital estrangeiro, precisavam apenas de uma gota d’água para demonstrar a sua ineficiência de gerar um crescimento econômico duradouro e para todos.

A eleição de 1974 foi um indicativo de mudança na posição da sociedade em relação ao apoio que, até então, vinha sendo ofertado ao regime ditatorial. Nesse ano, o MDB elegeu 16 senadores e a ARENA reduziu para 6 o número de representantes. Na Câmara dos Deputados o MDB passou de 87 deputados federais em 1970, para 165. O movimento inverso ocorre com a ARENA que possuía 223 deputados e passou a contar com 191.

Essa reação levou o governo a movimentos de resposta à sociedade. A eleição de Ernesto Geisel já demonstrava mudança nos rumos do governo no Brasil, onde acontecem sinalizações no sentido de conter os excessos do regime ditatorial. Através da Emenda Constitucional nº 11 (13/10/1978), a pena de morte foi abolida para os crimes contra a segurança nacional e restringida sua incidência à legislação aplicável, quando se tratasse de guerra, ou seja, na legislação militar. Outro avanço dos direitos foi o restabelecimento do habeas corpus e a extinção do Ato Institucional nº 5, o mais criticado da ditadura, atendendo aos anseios de crescentes setores da sociedade que se expressavam em jornais proibidos pela censura ou em pichações nos muros das cidades, onde comumente se via a frase “Abaixo o AI 5”.

A vitória do MDB em 1978 demonstrava que a sociedade continuava insatisfeita. O processo de distensão teve continuidade no governo do General João Batista de Figueiredo (1979/1985). O movimento de abertura, agora intitulado de “Ampla, geral e irrestrita” mantinha seus cuidados. Em 1979 foi extinto o bi e instituído o pluripartidarismo. A Lei da Anistia (1979) também contribuía em uma saída segura para os militares do poder. Era extensiva a todos os que haviam se confrontado no período ditatorial, o que protegia aqueles que tinham cometido excessos no período, como os torturadores. Ficavam de fora apenas os considerados guerrilheiros.

Setores da Igreja Católica, tendo por base as discussões ocorridas na Conferência de Medelín na Colômbia (1968), que fortaleceu a opção “pelos pobres”, ganha força no Brasil com a Teologia da Libertação. Instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Associação Brasileira de Imprensa – ABI, a Sociedade Brasileira de Pesquisa e Ciência – SBPC reforçam esse coro anti-ditadura.

Nessa atmosfera de lutas o Congresso Nacional, através do Deputado Federal do PMDB Dante de Oliveira apresenta o projeto de lei que dá início à “Campanha pelas diretas já”, visando eleições presidenciais em 1985 de forma direta, como não ocorria desde 1960.

O antigo grupo arenista que havia migrado massivamente para o Partido Democrático Social – PDS, não conseguindo uma unanimidade sobre o nome para ser submetido ao Congresso Nacional como seu candidato, acabou fragmentado, o que fortaleceu a chapa de oposição que tinha Tancredo Neves (PMDB) para o cargo de presidente e José Sarney de vice, que retirou-se da presidência do PDS para criar o Partido da Frente Liberal – PFL e assim, fazer uma Aliança Democrática com o PMDB. O seu opositor Paulo Maluf (PDS) foi derrotado.

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Em 14 de março de 1985, véspera da posse, Tancredo Neves foi internado às pressas, vindo a óbito no dia 21 de abril. O Congresso se reuniu, anunciou a vacância e seu preenchimento pelo vice-presidente José Sarney, primeira sucessão presidencial civil, após 21 anos de ditadura militar no Brasil.

Em relação à cidadania é possível afirmar que o saldo do período ditatorial (1964/1985) foi negativo. Contribuiu para o fortalecimento de uma extremada distorção social que concentrou a riqueza nas mãos de poucos e deixando um grande contingente de miseráveis. No fim do período, mais de 40% da população brasileira estava abaixo da linha da pobreza, enquanto dois terços da riqueza nacional estavam concentrados nas mãos de 3% da população.

As conquistas sociais não foram suficientes para solucionar os problemas que se apresentavam para a sociedade e, mais do que isso, contribuíram para aumentá-los. Os programas de saúde, habitação e educação não tiveram fôlego para responder às necessidades de uma sociedade cada vez mais urbana e com salários cada vez mais defasados. Isso gerou a formação de um cinturão marginal nas periferias da cidade que se construiu sem a presença do Estado.

Postos de saúde, escolas, delegacias e outras instituições não ocupavam os espaços periféricos de morros e favelas. A miséria e o abandono foram seguidos pela aproximação de setores marginais da sociedade que encontraram nas periferias espaços fornecedores de “garçons”, mão de obra desqualificada, para a atividade ilícita do narcotráfico, benevolamente apoiada pelas classes privilegiadas, consumidoras das drogas ilícitas. A ausência de políticas públicas nesse período favoreceu o desenvolvimento dessa situação. A resultante desse processo foi a da organização do crime em grupos que passaram a exercer forte poder de opressão sobre os moradores desses espaços periféricos.

A equação que projetou a diminuição dos direitos civis e políticos, ao lado de alguns avanços sociais não gerou uma resultante positiva e o país saiu desse período bastante debilitado de suas práticas de cidadania. O direito à educação também não teve seu desdobramento na melhoria do ensino público. A constatação disso é o afastamento dos filhos da classe media e das elites brasileiras das instituições públicas para as privadas, que passaram a proporcionar a formação necessária para as profissões de ponta no país, os nossos quadros dirigentes. Enquanto isso, as instituições públicas faziam o caminho inverso.

A redemocratização reacendeu as esperanças de uma vida melhor onde a cidadania pudesse voltar a fazer parte do cotidiano dos brasileiros. Ainda que na organização da constituinte de 1986 não tenha se respeitado o uso do direito político de votar, já que os congressistas se autoproclamaram constituintes, a Constituição de 1988 nascia como um marco de um novo tempo: a Constituição Cidadã.

Da expectativa ingênua de que a Constituição se desdobraria automaticamente em medidas de concretude histórica no campo dos direitos, sobrevieram processos inflacionários e tratamentos de choques na economia que chegaram a por em discussão o limite do direito à propriedade e à intervenção estatal. Esse foi o caso do “Plano Collor” que realizou o confisco das cadernetas de poupança e de contas bancárias, até então espaços invioláveis dos direitos privados da propriedade. Através da construção de uma campanha baseada na “caça aos marajás”, Collor se colocava como um salvador

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da pátria que viria moralizar o Brasil dos seus desmandos na administração pública. Sem o respaldo do poder legislativo, Collor realizou um breve governo que acabou com sua cassação por impeachmentiii.

Diante das crises e planos econômicos que chocavam o cotidiano da população, os direitos sociais foram sofrendo reveses. Inflação desenfreada, salários com baixo poder de compra, educação pública de má qualidade, modificações no sistema previdenciário que aumentou o tempo de contribuição para a aposentadoria dilatando o tempo de prestação de serviços do contribuinte, dentre outras questões, foram responsáveis por um grande esfriamento nas expectativas da população em relação ao novo regime.

Fernando Henrique Cardoso (1995/2002) iniciou o seu governo com a promessa de um novo horizonte no campo dos direitos. Embalado pela participação no Governo Itamar Franco (1992/1994), substituto de Collor, primeiro como Ministro das Relações Exteriores e depois, como Ministro da Fazendaa, teve sua campanha à presidência impulsionada pela associação de seu nome ao plano econômico lançado nesse governo: o Plano Real. Com o sucesso inicial do controle inflacionário, o plano trouxe novas esperanças à população. No entanto, a sustentabilidade, a médio prazo, levou o país à uma nova crise econômica que teve seu momento mais agudo após a reeleição de Cardoso (1999), ainda bastante baseada no sucesso do plano real.

Ao lado dos problemas do Plano Real o governo, seguindo a conjuntura do capitalismo internacional liderada pela Inglaterra de Margareth Thatcher e pelos Estados Unidos de Ronald Reagan, aprofundou o modelo neoliberal, que já vinha sendo implementado pelos governos da redemocratização. Com isso, o papel do estado na economia foi sendo reduzido – política de estado mínimo – o que agravou ainda mais a situação da população mais pobre dependente historicamente da presença de um estado que contribuísse na redução das desigualdades sociais. A resultante desse processo é que o descompasso entre os direitos civis e políticos em relação aos sociais, levaram a uma perda de aceitação do governo Cardoso. Mais uma vez a população demonstra sua insatisfação nas urnas elegendo o líder oposicionista, Luis Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, candidato pela terceira vez consecutiva à Presidência da República.

Durante o governo Lula (2003/2010) o descompasso entre os três conjuntos de direitos sofre um reequilíbrio. Ainda assim, os avanços não conseguiram acabar com as fortes desigualdades sociais que afligem o Brasil como resultante de seu modelo colonial escravista que se desdobrou em um império e uma república excludente. O problema da violência é fator de grande preocupação social. Os sistemas de saúde e educação ainda são bastante precários. Problemas como os de saneamento básico nos colocam entre os piores países do mundo. A herança de uma cultura política que somente percebe o papel desse direito na prática da cidadania da hora de votar, deixando de acompanhar as trajetórias de seus representantes políticos, uma legislação eleitoral que cria distorções nas representações das unidades das federações e uma legislação pouco eficiente para coibir os erros do legislativo e do executivo, ainda provocam graves problemas de corrupção da máquina pública desviando importantes recursos de setores fundamentais como o da saúde e da educação.

iii Termo da língua inglesa que significa impugnação de mandato, quando acontece a cassação de mandato do chefe do Poder Executivo pelo Congresso Nacional.

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O sistema judiciário ainda é excessivamente lento e burocratizado, permitindo que os cidadãos sejam tratados de forma diferenciada de acordo com o seu poder aquisitivo. Ainda que avanços como a autonomia conseguida pelo Ministério Público diante do Poder Judiciário, os trâmites pelos quais os processos devem transitar acenam favoravelmente aqueles que desejam burlar a lei.

O sistema carcerário é uma fábrica de delinquentes e o sistema de segurança pública ainda trata o cidadão como um inimigo, se dirigindo à sociedade como sua inimiga e não, como uma sociedade a ser protegida. Há movimento no sentido de alterar essa realidade como o das Polícias Comunitárias, mas ainda é muito tímido.

A educação continua sendo responsabilizada por corrigir as mazelas das injustiças sociais, sendo considerada como o mais importante elemento transformador dessa realidade. Porém, a política educacional está voltada para uma transformação quantitativa na realidade educacional. Movimento válido, mas de pouco resultado no que diz respeito à mobilidade social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo que venhamos a colocar a grande maioria nas salas de aula, o modelo educacional não propõe mudanças no estado de coisas vigentes. Segue a estrutura de uma cidadania proposta pelo modelo capitalista que foi sendo engendrada ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX. Busca contemplar a todos os/as cidadãos/ãs no que diz respeito a ter direitos, porém, esses direitos devem ser ofertados de forma tal que não ponham em risco os valores fundamentais da sociedade de classes; primordialmente o direito à propriedade. Todos devem ter direito a ter direito à propriedade, sem que seja garantida necessariamente a sua realização.

A educação no Brasil foi construída visando a reprodução de modelo. Os conteúdos que são apresentados nas escolas contribuem nesse processo. A hiper valorização das ciências exatas e biológicas em detrimento das humanas é um indicador dessa realidade. Nos espaços em que a discussão desse modelo histórico poderia estar sendo mais profundamente discutido, observa-se a sua redução.

A ampliação das conquistas quantitativas deve se desdobrar em qualitativas em que para além das transformações de caráter conteudista deve-se buscar um conhecimento significativo que contribua na transformação de nossa sociedade produzindo cidadãos mais ativos e perceptivos de seus direitos e deveres.

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* Professora dos Cursos de Pedagogia (presencial e EAD) e Ciências Biológicas do Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN. Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS.