chuang tzu - aforismos

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"Existir, debaixo deste cu alguma felicidade perfeita que seja capaz de contentar o homem? Mas, para a conseguir que ser necessrio observar? Que deveremos evitar? Em que poderemos depositar a esperana? De que nos deveremos afastar? O mundo preza as riquezas, as honrarias, a longevidade, as vantagens da reputao, deleita-se com o bem-estar fsico, a boa comida, os belos adornos; e despreza a pobreza, a obscuridade, a morte prematura e a m fama, considerando como experincias amargas todas as privaes do que atrs referido. Quando no consegue tais coisas aflige-se e preocupase. Todavia tal atitude no passa de pura insensatez!

O rico amarga uma vida de trabalho intenso, acumulando mais dinheiro do que poder gastar. As suas aces alienam-no do bem-estar corporal. Dia e noite os nobres pensam no que os seus actos tm de bom e de ruim. Desse modo prejudicam o prprio organismo. O nascimento concomitante com as suas dores; quando se vive demasiado, tornamo-nos caducos e angustiamo-nos com a aproximao da morte. Isso completamente distinto do verdadeiro bem-estar.1

O heri que se sacrifica pelos seus semelhantes considerado bom, porm, a sua bondade no suficiente para lhe conservar a vida. No sei se a bondade que lhe atribuem verdadeiramente boa ou m. Se boa, como poder ser que no lhe conserve a vida? Se tal no for bom, como se poder admitir que o heri seja capaz de salvar a vida do semelhante? H um ditado que diz: Se os teus concelhos no forem escutados, serena o esprito, deixa as coisas correrem e abandona toda a disputa. Todavia Zi Xu lutou a tal ponto que foi supliciado; no tivesse lutado e a sua glria no teria sido perfeita. Ter sido um bem? Ter sido um mal? A massa sempre impelida a uma certa felicidade coagida. Porm, no sei quando se trata de uma felicidade autntica ou patolgica. Aquilo que torna a massa feliz, aquilo por que se esfora a maioria - como se no pudesse proceder de outro modo - a isso chamam todos, felicidade. Mas no sei quando se tratar de felicidade ou no. Existir mesmo essa felicidade? No no-afirmar (no-aco), segundo o meu parecer, reside a felicidade; todavia, todos consideram a no-afirmao como o maior dos padecimentos. Por isso se diz que a Suprema Felicidade desconhece a conscincia do que seja, assim como do oposto; a glria suprema carece de objecto. O verdadeiro e o falso no podem ser definidos com exactido, mas o no-afirmar justamente o que permitir determinar e distinguir, com toda a segurana, o verdadeiro do falso. Se a felicidade est no fazer viver, s a no-aco comporta a

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conservao da vida. Entre os homens, contudo, quem estar em condies de noafirmar?"

PrefcioO Taosmo formula princpios psicolgicos duma natureza universal de tal forma abrangente que podem ser aplicados a toda a humanidade. Mas, por outro lado, exactamente por serem to universais, os princpios do taosmo carecem de uma retraduo e uma ateno especial sempre que a sua aplicao prtica for posta em questo. Evidentemente, os princpios gerais so inegavelmente dotados da maior importncia, mas igualmente importante conhecermos o caminho que conduz sua compreenso real, e nos mnimos detalhes. O perigo da mente ocidental est na simples aplicao das palavras em vez de factos. O que a mente ocidental precisa da experincia concreta de factos, experincia essa que no pode ser substituda pela palavra. Por isso me interesso sobretudo pelos caminhos e mtodos que possam conscientizar a mente ocidental dos factos psicolgicos subjacentes ao conceito do Tao - se que este pode ser chamado de conceito. Se algum pudesse chegar verdade por meio da simples questo da apreenso de palavras de sabedoria, ento o mundo j teria sido salvo desde os tempos remotos do Taosmo. Mas, como refere, e muito bem, Chuang Tzu, o problema est em que os velhos sbios no conseguiriam iluminar o mundo por no existirem mentes suficientes que pudessem ser iluminadas! O ensino da sabedoria possui muito pouca importncia; em todo o caso, a sabedoria no pode ser ensinada pelo recurso ao uso da palavra.3

Ela s passvel de o ser pelo contacto pessoal e pela experincia do imediato. A maior e quase insupervel dificuldade reside na questo dos meios capazes de induzir as pessoas a fazerem as experincias psicolgicas indispensveis que abram os seus olhos para a verdade subjacente. A verdade uma s e a mesma em toda a parte e devo dizer que o taosmo consiste numa das suas formulaes mais perfeitas que jamais conheci. C. G. J.

"Deixai a vossa mente vaguear pelo que puro e simples; Tornai-vos um com o infinito, Permitindo que todas as coisas sigam o seu curso. No procureis tornar-vos inteligentes; Desse modo havereis de conquistar a vs mesmos e ao mundo..."

ApresentaoMovido pelo imperativo dum carcter que se prende com a interpretao, actualizao e preservao de textos de um cunho de valor primordial intrnseco realizao humana - instrumento precioso nico para a libertao das conscincias - elegi este empreendimento como signo da necessidade imperiosa de disseminao do conhecimento para fins de esclarecimento individual (indivduo esse que se ergue como alvo objectivo de toda a4

transformao plausvel), recorrendo a um mximo de fontes originais (bem como ancestrais) possvel como forma de apuramento da verdade por detrs dos aspectos sempre limitativos da cultura e da poca. Talvez a razo de ser desta tendncia se perca na memria dos tempos; contudo o seu objectivo no deixa de apelar a um sentimento sempre actual, conforme o j descrito. No que toca presente edio, somos inevitavelmente levados a interrogar-nos sobre quem este homem que num tom to altivo se nos dirige? Que valores poder representar para a presente civilizao decadente, to distante no tempo, daquela em que supostamente viveu? Historicamente viveu cerca de 300 anos a.c. e est para Lao Tzu como So Paulo est para Cristo, ou seja, foi o discpulo do afamado fundador do Taosmo que melhor soube sintetizar o seu pensamento sem cair no ardil da imitao. Contudo, no desempenhou maior papel para alm desse porquanto socialmente no assumiu qualquer funo representativa, escusando-se a abdicar da sua modesta condio "a troco de uma mo cheia de iluses efmeras". Chuang Tzu depura como ningum o estilo do velho mestre ao acentuar a relatividade de todo o conhecimento, porm, mostra-se enftico e contundente ao apontar os subterfgios e os ardis inerentes percepo - justo onde uma interpretao menos cuidadosa tende a imiscuir-se a fim de assegurar a discriminao do "bem" e da "verdade". Avesso a todas as tendncias submissas, a todo eufemismo e correntes de pensamento que visam - em maior ou menor grau - redecorar meramente os cenrios do eterno drama humano, este homem trata as coisas pelo nome, antes mesmo de preparar o seu auditrio para o acto, sem qualquer tipo de falsa comiserao nem parcialidade. Mas, referir ele alguma coisa escandalosa ou seremos ns quem, embevecidos por este ritmo intoxicante de vida viciosa e complacente, simplesmente se recusa a aceitar a franca exposio que nos estende? Reza um velho ditado que: quando o aluno est pronto, o mestre aparece... Quanta verdade velada numa simples declarao! Sem silogismos nem mistificaes, exprime5

unicamente o significado da condio do trabalho sobre simesmo, porquanto ao predispor-se a alcanar o esclarecimento tambm acaba por descobrir no comportar este quaisquer definies de carcter exclusivo nem alimenta suposies de separatividade ou de natureza estritamente espao/temporal, no tendo, por isso mesmo, qualquer assento na imagem, mas apontando para a essncia. Porm, no devemos incorrer na presuno de nos tomarmos pelo que no somos, colocando o carro na frente dos bois; o p constitui a medida do que devemos calar; no obstante; frequentes vezes o conhecimento adquirido define a justa medida daquilo por que nos tomamos, criadores que somos da nossa realidade. Tendemos a avaliar os objectivos conseguidos e o prprio desempenho com a mesma mtrica com que avaliamos os nossos oponentes, ou seja, a subjectividade da nossa medida; todavia isso pode levar-nos a subestimar o poder da fraqueza do que s tem por costume desabrochar na altura apropriada. Mas no, definitivamente no se trata de exigir qualquer confirmao da prpria evoluo porquanto toda a confirmao radica no terreno escorregadio da suposio gratuita. O livre arbtrio compreende um aspecto primordial da realizao; a liberdade de escolha constitui a mais elevada garantia da nossa estrutura holstica ou gestalt. Contudo, engloba uma enorme responsabilidade, pois assim como escolhemos tambm definimos o grau de compromisso com a evoluo ou retrocesso relativamente realizao da essncia. Quando, por aco da premncia dos desafios da vida, somos confrontados com a necessidade imperiosa da escolha, torna-se-nos subitamente claro em que termos precisamos responder, porquanto sempre se nos estendem dois caminhos: o caminho amplo e o caminho estreito; qual dos dois ser o qu - o servio por si mesmo e (entenda-se), pelos outros, ou o caminho do proveito prprio e do ganho fcil. Qual deles se funda na sua maior parte na exclusividade e no medo mais embrenhado e qual na justia (aplicvel em qualquer situao) isso me escusarei eu de referir, no obstante. Requer-se, para o efeito, duma resposta conseguida em termos absolutos, o que, em ltima anlise descarta meras noes de distino e arbitrariedade.6

Esta a encruzilhada que inevitavelmente se nos apresenta, e ao que temos, mais cedo ou mais tarde, que responder em conscincia e sem possibilidade de subterfgios, porquanto a conscincia o mais recto censor. S a percebemos o que est verdadeiramente em jogo nesta questo total do viver! O problema est, talvez, em que mascaramos essa necessidade (ou conscincia) com um apelo ao juzo fcil e imitao, e tornmo-nos facilmente vtimas neste jogo da poderosa seduo de sujeio ao tempo. Sem dvida que viver de corao aberto algo de verdadeiramente arriscado; contudo, considerado sob que ponto de vista? Muita coisa precisa ser derrubada antes que se chegue a poder edificar de novo; Mas, que far descerrar o vu da iluso dos nossos olhos? Todavia, haver realmente necessidade de tomarmos qualquer premissa letra numa precipitao que compromete a natureza do original? No ser de todo inadequado correr sobre pavimento de vidro? O supremo propsito da vida exige que avancemos passo a passo, sem recorrermos negao nem rejeio condicionada a fim de nos capacitarmos a vislumbrar o real significado de o que . E o que , nua ltima instncia, expresso do sagrado. Essa ser porventura a resposta cabal que poderemos encontrar para tal dilema, ao invs de recorrermos a frases feitas e a lugares-comuns to caros a um uso gratificante. No corramos o risco de subverter a percepo holstica da vida, porquanto nada pode substituir a singularidade de existirmos num todo infinito e indissolvel, sem comeo nem fim. Amadeu Duarte

O TextoChuang Tzu era casado, mas muito pobre7

Vestia uma tnica de pano grosseiro, muito remendada E trazia os ps envoltos em andrajos Na sua juventude estivera empregado numa manufactura de laca Posteriormente retirou-se a fim de escrever e viver Em harmonia com o Tao Desempenhar as funes de um funcionrio Ou o cargo importante de ministro No lhe podia convir, por ser contrrio ao seu pensamento E liberdade natural que preconizava "Pobreza no aflio" costumava dizer "Quando um letrado no consegue pr em prtica a sua doutrina Isso sim, que se torna aflitivo" Possuidor duma tnica remendada e sapatos esburacados ele pobre Porm, no se aflige Isso significa apenas que no encontrou a poca favorvel.

Numa altura em que ele pescava linha, no rio, O imperador enviou dois oficiais com uma proposta de ofcio Sem levantar a linha nem sequer voltar a cabea, respondeulhes: "Ouvi contar que existe no palcio uma tartaruga sagrada Morta h trs mil anos. No verdade? O vosso rei conserva a sua carapaa envolta num pedao de tecido Sobre o templo dos seus antepassados Dizei-me: essa tartaruga no teria preferido8

Viver a arrastar a cauda na lama?" "Sim, com certeza", disseram eles "Pois ento ide-vos embora!" Declarou Chuang Tzu "Tambm eu prefiro arrastar a minha cauda na lama!"

Foi atravs de uma conscincia livre, imediata e luminosa Que Chuang Tzu descobriu a fonte da clareza que em vo buscava. At ento seguia a via da "auto preservao". Um belo dia passava ele por uma floresta de castanheiros Quando notou a aproximao de um estranho pssaro Com asas de sete ps de comprimento e olhos esbugalhados O pssaro roou a sua cabea e foi pousar um pouco mais adiante Que pssaro seria esse que no lhe dava ateno nem fugia? Arregaou o seu manto, armou a besta e apontou-lha Estava prestes a arremessar-lhe uma flecha Quando notou uma cigarra que frua da sombra a um canto Esquecida de tudo o mais. Um louva-a-deus pousado numa folha preparava-se para a devorar Esquecendo assim de velar pela prpria segurana E ele percebeu que o pssaro bizarro tinha feito o mesmo Para se apoderar do louva-a-deus Ai de mim! disse ele Os seres precipitam-se uns sobre os outros Como a perda sobre o ganho! Perturbado arrumou de lado a besta e voltou para trs O guarda florestal viu-o e repreendeu-o9

Chuang Tzu fechou-se em casa, sem sair, durante trs dias E respondeu a um discpulo que o interrogou Sobre a razo desse procedimento: Por atender s formas exteriores das coisas Perdi a minha verdadeira natureza Quem contempla guas lamacentas No pode vislumbrar formas distintas com clareza Meu mestre ensinou-me que se lidarmos com o vulgo Acabaremos por nos tornar como ele.

Nascemos e morremos; Essa a ordem das coisas! Aqueles que a aceitam encontram-se ao abrigo Tanto da alegria como do sofrimento. A vida segue-se morte A morte antecessora da vida. Comea com o primeiro alento medida que este se desenvolve torna-se vida Quando se dispersa torna-se morte.

Aqueles que cultivam o Caminho No prezam o dever nem a justia social (como primordiais) Mas desenvolvem diligentemente as prprias qualidades Porque aquele que acusa os outros Sem ter a correcta perspectiva de si mesmo E que percebe os outros sem entender a si prprio Perde a clareza da sua viso10

E torna-se algum que no ele prprio.

O recolhimento do homem sensato No aquilo que o mundo costuma chamar de inaco. O seu recolhimento resultado de uma atitude mental equilibrada A criao inteira no seria capaz de alterar o seu equilbrio Da resulta o seu recolhimento Quando a gua se encontra num estado de imobilidade Assemelha-se a um espelho capaz de conferir a preciso do nvel O filsofo toma-a como modelo Ora, se a claridade da gua deriva da imobilidade Que dizer das faculdades da mente? Atravs da meditao a mente do sbio Torna-se espelho do cu e da terra E espculo de toda a criao. Meditao, tranquilidade, silncio, naturalidade: Tudo isso constitui o "nvel" do Universo E expresso ltima da perfeio O sbio encontra nisso o seu repouso Nesse repouso sucede o vazio Pelo vazio sobrevem o que no condicionado Da, procede todo o condicionamento e individualidade Assim, do vazio do sbio surge a tranquilidade Da tranquilidade, brota a aco A aco origina a realizao Da sua tranquilidade sobrevem a ausncia de interferncia11

Que constitui um tipo de aco determinante E, portanto, a sua realizao Porquanto tranquilidade alegria e a alegria isenta de preocupaes A alegria tudo empreende sem abrigar qualquer preocupao Porque o vazio, o silncio e a serenidade So a raiz de todas as coisas.

Diz-se que a gua algo que possui as faculdades mais completas Por se achar tanto no cu como na terra A razo pela qual todas as criaturas desenvolvem as suas capacidades E chegam a alcanar equilbrio Deve-se a uma equilibrada regulao da gua existente no organismo. De entre todas as coisas No h uma s que no se produza graas a ela. S ela sabe como confiar em seus princpios E funcionar correctamente.

A mente do homem perfeito assemelha-se a um espelho Que a tudo responde sem hesitao nem favor. Ela no agarra nem repele coisa alguma Nada recebe e nada conserva.

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De modo que capaz de lidar com as coisas sem lhes trazer dano. A luz do cu e a sombra das nuvens espelham-se na sua superfcie. De onde procede a claridade do lago? Ele reflecte a condio de pureza. Os patos bravos atravessam a imensido do cu. As suas cabeas reflectem-se na gua trmula. No propositadamente que eles projectam o seu reflexo na gua. No de propsito que esta reflecte a sua imagem.

S o homem perfeito pode viver entre os seus pares Sem aceitar os seus preconceitos E adaptar-se a eles sem perder a dignidade pessoal. Contudo, nada tem a aprender com os seus ensinamentos E pode mesmo admitir as suas aspiraes sem, contudo, as adoptar. Conquanto andem constantemente procura de melhores dias E de uma segurana pueril Andando constantemente em busca de melhores dias E de uma v segurana As pessoas deixam-se cegar pelas cinco cores Ensurdecer pelos cinco sons E adulterar o paladar pelos cinco sabores Sem perceber que desse modo Esto em vias de se acorrentar e perder a sensibilidade da alma.

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Desse modo surgem as dissimulaes e os pensamentos reservados A inquietude, as apreenses e a agitao febril Que os levam a desperdiar a sua energia E a obscurecer a mente. Quando empreendem algum tipo de aco Visam o seu semelhante como a balestra visa o alvo. Quando se pem a meditar Vigiam o alvo a conquistar, laia de conjurados. Mas assim, enfraquecem-se diariamente E declinam tal qual o Outono e o Inverno. Embrenham-se sem remisso nos maus hbitos Atabafando neles e degradando-se com a idade O seu espirito caminha em direco morte. E nada parece permitir-lhes recobrar a luz.

Aquele que pretender corrigir a sua natureza Por meio de estudos vulgares A fim de conquistar a condio original Aquele que pretender regular os seus desejos Por meio de pensamentos vulgares A fim de assim poder chegar clarividncia No passa de um trapalho cego. Os antigos que cultivavam o Caminho alimentavam a inteligncia Com base na serenidade.

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A glria do homem reside na compreenso de que Todos os seres so um nico Complexo Universal Que a morte e a vida so duas modalidades de uma mesma grandeza Todas as coisas so uma s; idntica a si mesmo Agrada-nos tudo o que vivente Mas tememos o que atinge a decomposio Contudo, aquilo que neste instante se encontra em vias de apodrecer Renascer de novo para a vida e por sua vez, essa vida estiolar de novo. o alento que, ao condensar-se gera a vida E o mesmo alento que ao dispersar-se produz a morte... Onde percebereis em tudo isso um findar? Algo de fugidio e imperceptvel transforma-se em alento O alento transforma-se em forma, a forma em vida E a vida transforma-se em morte. A natureza assim, tal qual se revela. Aquilo que curvo dispensa o arco O que direito no necessita de linhas As coisas arredondadas prescindem de compasso As rectangulares passam bem sem esquadrias. As coisas que podem ser unidas no necessitam de argamassa As que se podem consolidar no precisam de amarras. Todas as coisas eclodem de forma espontnea Sem que pareamos saber da sua provenincia nem a razo para se produzirem Cada qual possui qualidades intrnsecas sua pessoa.

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Esse aspecto da natureza acontece desde tempos sem memria.

Impassveis diante de toda a perda e em face de toda a mudana Podemos entrar no puro cu que a conscincia original.

O homem espiritual assemelha-se ao cu na sua relao com os outros. Por isso se diz que o humilde no cu superior sobre a terra E que o humilde sobre a terra superior no cu.

Aquele que repousa no silncio aperfeioa-se.

A vida e a morte; a existncia e a no existncia O sucesso e o infortnio; a riqueza e a pobreza A virtude e o vcio; a sabedoria e a ignorncia O louvor e a censura; a sede e a fome; o calor e o frio Tudo isto sucede por essa ordem E transforma-se sem cessar Moldando desse modo o destino. Da mesma forma que se sucedem os dias e as noites16

Sem que saibamos muito bem desde quando. Todavia tais ocorrncias no devem Perturbar-vos o corpo nem o espirito. suficiente preservar a serenidade dia aps dia E viver em paz com os outros Adaptar-se s circunstncias E desenvolver, desse modo, os dons naturais.

Se nos contentarmos com a ateno pelos factos Se formos circunspectos e evitarmos Toda a expresso suprflua de sentimento Reduziremos todo o risco na negociao Porquanto sob a capa de aparente cordialidade, Em toda a relao humana, se oculta o antagonismo E o seu poder tende a crescer semelhana de uma festa de beberres, Em que de incio todos se acham calmos E gradualmente se deixam excitar Acontece o mesmo com relao a todos os afazeres humanos A palavra como o vento sobre as vagas Pela aco do vento se elevam as vagas A aco conduzida pode ser desviada do seu alvo A clera pode fazer aumentar a divergncia E dar lugar a palavras inteis e argumentos falsos Que s atiam paixes Sem que nos apercebamos, levam-nos a esquecer o alvo No preciso querer forar resultados17

Todo o excesso ultrapassa a justa medida

O mtodo de purificao do espirito consiste nisto: Antes de mais, concentrar a ateno. Procurar no escutar com o ouvido mas com a mente. No se trata de escutar com a mente mas com a energia original O ouvido escuta A mente molda Mas s a energia pode ajustar-se a toda a situao Da forma como procede do Vazio O Todo cavalga o Vazio. O vazio purifica a mente. A luz penetra no silncio do espirito Como a paisagem penetra pela janela de um quarto vago.

Confcio disse a Yen Hui: O Caminho no pode cindir-se Sem perder a prpria unidade Se perder a sua unidade torna-se incerto E desse modo torna-se causa de preocupao para o espirito qual no se escapa Em verdade, os Antigos diziam ser necessrio primeiro Que o homem alcanasse firmeza E encontrasse o Caminho em si mesmo Antes de o encontrar nos outros ou por intermdio deles18

Porqu expor-se aos ataques dos outros Antes de ter alcanado esse estgio? Na melhor das hipteses arriscmo-nos a que toda a eficcia Acabe no vo desejo de reconhecimento E a que toda a sabedoria se perca em disputas.

A nossa vida limitada Porm o saber no tem limites Querer atingir o ilimitado Com o que objecto da limitao, danoso. Assim procurar o esclarecimento Com um tal conhecimento, conduz ao erro Quem ajuda os outros atrai o reconhecimento Quem se ocupa de si desventurado No pratiquem o bem com vista a alcanar fama Se procederem de forma incorrecta Procurai evitar a punio Somente aquele que segue o caminho do meio ordena a sua vida Cumpre os seus deveres e atinge os seus limites naturais.

Em que consiste, ento, o Caminho? H o Caminho do cu e o Caminho do homem No agir sem esforo que se requer Reside o Caminho do Cu (de no-aco)19

Na aco e nas suas consequncias Reside o Caminho do homem (de causa e efeito) O Caminho do Cu essencial O Caminho do homem complementar Bem preciso que tenhamos isso em ateno.

preciso aceitar o que sobrevem - por mais humilde que seja E levar em conta os outros Executar a prpria funo mesmo que destitudos de preparo preciso formular leis por mais que resultem imperfeitas E realizar os prprios deveres Ainda que paream desprovidos de atractivos Respeitar o semelhante e nutrir amor por todas as criaturas Cumprir as normas a despeito dos obstculos Conhecer a justa medida da compreenso E estender a unidade mudana Eis no que reside o Caminho

A Doutrina Perfeita est to prxima quanto a existncia To prxima, quanto a sombra est da forma E o eco est para o som Clamai por ela e ela responder Imparcial e pronta na sua funo de auxlio

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Sem objectivo no seu movimento, silenciosa Conduz ela ao alvo. Livre para ir e voltar por toda a eternidade Atravs do aparecimento e do desaparecimento Por entre uma mirade infinita de fenmenos.

Ts'ui Kin perguntou a Lao Tz : Como melhorar os homens sem os governar? "Sede atentos a fim de no lhes perturbar o espirito", respondeu-lhe Porquanto o espirito humano de tal ordem sensvel Que se ressente diante de toda a opresso e premncia E exalta-se por toda a aco de incitamento. Oprimido, sente-se aprisionado Exaltado, capaz de provocar devastaes Flexibilidade e gentileza vencem a dureza e a violncia

A viso demasiado aprimorada perverte as cores O ouvido apurado em demasia deforma os sons E leva-nos a procurar o agradvel A caridade demasiado exaltada perverte a virtude E a bondade natural perde-se

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A justia exacerbada distorce o seu princpio E perde o justo sentido da correco A cerimnia demasiado esmerada perde o seu verdadeiro objectivo E torna-nos pssimos actores A musica sobremodo afinada conduz moleza E torna-nos mal humorados A sabedoria demasiado requintada desenvolve a aco mecnica E move a tendncia para engendrar planos A perspiccia mais refinada torna-se viciosa E conduz crtica Contudo, quando nos adaptamos s condies da existncia Esses oito tipos de atitude tornam-se prtica natural Desse modo, quer cheguemos a libertar-nos ou no, pouco importa Porm, se nos deixarmos restringir pelas disposies naturais Esses oito tipos de prtica perturbaro o entendimento E estabelecero a confuso Por conduzirem a existncia para l do que natural Sem preservarmos o justo equilbrio As oito razes de jbilo transformam-se em tumores malignos Desde que os homens passaram a honrar isso O mundo tornou-se completamente cego O sbio, por conseguinte, quando tem de governar Conhece o modo de no fazer nada (de modo intencional) Se deixar tudo ficar como estava, h de permanecer na sua natureza original

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Aquele que: Procurar governar, respeitando o governado Na justa medida em que se respeita a si prprio, Preservar a prpria dignidade Deixando-a permanecer na sua verdade original, Tambm governar os outros sem os lesar Deixar-se- ficar imvel como um cadver Com a fora viva do "drago" ao seu redor, em perfeito silncio. E o seu bramido assemelhar-se- ao trovo Seus movimentos tornar-se-o to imperceptveis quanto os de um esprito Mas as foras celestes iro em seu auxlio Despreocupado, sem nada perturbar na sua ordem Assistir ao desenvolvimento de tudo, ao seu redor Desse modo, onde encontrar tempo e vontade de governar?

Quando o homem se alegra demasiado Gravita em torno do plo positivo (da bipolaridade) Quando se sente desolado gravita em torno do negativo Se no tiver equilbrio entre luminoso e obscuro A sucesso das estaes E a harmonia entre quente e frio sai perturbada Quando padecemos em demasia Perdemos o nosso centro de gravidade Desregramos os nossos humores E tornamo-nos incapacitados.23

Para conduzir a bom termo os prprios pensamentos e aces Desse modo todo o mundo se torna presa da hipocrisia e da instabilidade.

O aprendiz de ladro perguntou ao mestre : O Caminho tambm estar do nosso lado? Certamente, respondeu-lhe ele Pelo saber se d com o gato Pela coragem se chega em primeiro Pelo herosmo nos retiramos em ltimo Pela prudncia calculamos se o empreendimento ou no possvel com justia que se deve dividir os despojos Um bom ladro deve possuir essas cinco qualidades Interiorizar-se sem exagero e exteriorizar-se sem excesso Saber manter o justo meio termo Eis a trs elementos de franco desenvolvimento

Se a partida for jogada com fichas Todo o acto de jogar ser feito com gosto Se for s prprias custas O jogador sentir-se- nervoso Se for com ouro vivo24

Ele perder toda a compostura A habilidade sempre a mesma porm A sua inquietao procede do valor do lano Aquele que se apega aos bens exteriores Torna-se desajeitado no ntimo

Viajar por mar sem temer tempestades nem infortnios Eis no que reside a coragem dos pescadores Viajar por terra e no temer espectros nem feras Eis no que reside a coragem dos caadores Quando no confronto se desembainham espadas E se considera a possibilidade da morte de nimo leve Eis no que reside a coragem dos guerreiros Saber que todo o destino tem o seu revs E que o sucesso possui a sua hora E permanecer destemido diante da catstrofe Eis no que reside a coragem do sbio.

Aquele que conhece o Caminho E compreende a ordem do Universo capaz de ponderar as circunstncias e discernir os perigos No seu discernimento guarda-se do fogo Da gua e das bestas ferozes25

O seu sangue frio permite-lhe perceber Tanto as situaes criticas como as favorveis Equnime na alegria e no infortnio Atento tanto para com aquilo que recusa Como para com aquilo que aceita Nada o consegue atingir!

Chouai, o arteso, traava mo crculos To perfeitos como com o compasso Os seus dedos acomodavam-se de tal modo forma das coisas que elaborava com naturalidade Sem que tivesse de fixar a ateno Esse dom vinha-lhe da liberdade de espirito com que se ligava s formas Sapatos de qualidade levam-nos a esquecer os ps Uma cintura adequada evita dor de rins Esquecer a distino entre "favor" e "contra" Permite ao espirito adaptar-se na perfeio Tanto com relao s influncias interiores como s exteriores Esquecendo-nos de ns mesmos no acto.

Quando carece de sentido A forma deixa de possuir vida26

Se no formos inteligentes no revelaremos eficcia Preservar a sua forma e viver a prpria vida Estabelecer as suas qualidades e alcanar conscincia do Todo No ser isso realizar-se? Aquele que se realiza adquire espontaneidade Move-se sem premeditao E as pessoas seguem na sua esteira Ele consegue perceber onde s reinam as trevas E escutar no silncio S ele percebe a claridade na obscuridade S ele detecta a harmonia no silncio Torna-se capaz de mergulhar nas profundezas que envolvem a realidade E elevar-se aos cumes do Espirito E tudo porque permanece na unidade de todas as coisas.

Imenso como , O Caminho suporta e encobre todas as coisas Cada uma dever conciliar-se com ele Para que possamos compreend-lo Preciso que esvaziemos o esprito Devemos praticar a aco destituda de propsito (nointerferir) E silenciar as palavras e os pensamentos

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Desenvolver amor e bondade por todos os seres (justia) Considerar todas as diferenas com equanimidade E alargar os horizontes da mente No estabelecer distines arbitrrias Mas tornar-nos abertos Abraar os contrrios significa opulncia Na realizao da sabedoria reside a verdadeira fora Aquele que segue o Caminho adapta-se aos acasos da vida No se opor ao movimento natural das coisas conduz perfeio Aquele que realiza em si esses dez preceitos Atrai para si toda a Criao Esse devolver o ouro terra e as prolas ao mar No se bater pelo poder nem pela fama No se regozijar por ser sbio Nem se lastimar em caso de morte prematura No encontrar nenhum prazer no sucesso Nem sofrimento no revs Mesmo que o trono do imprio lhe caiba por sorte Disso no retirar glria nem vantagem nenhuma Pois sabe que todas as coisas voltam Unidade E que a vida e a morte so fases de uma existncia Una.

O Caminho no pode ser enunciado nem apontado O discurso perfeito no pode ser formulado A caridade desmedida no chega a ser revelada A coragem suprema ignora toda a crueldade

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Porque o caminho que resplandece no o Caminho Todo o discurso e escrita so parciais A caridade ostensiva falsa A pureza desvelada maculada A eficcia que se faz acompanhar de crueldade No atinge o seu objectivo Essas cinco expresses so como um crculo Que se quer fazer passar por quadrado Saber que o saber limitado E que constitui um obstculo ao conhecimento Torna-se um conhecimento superior.

A transformao de si mesmo essencial De modo a podermos consumar a Felicidade Suprema Os antigos teriam um indivduo assim Na conta de verdadeiramente feliz Hoje em dia, cr-se que a alegria se alcana Atravs duma funo importante ou dum cargo oficial Mas, em meio a tudo isso, como fica a natureza do homem? Os seus ttulos honorficos, provisrios so No se pode evitar isso, mesmo preservando-os na sua nobreza intil exaltar-se acerca da prpria funo elevada Assim como intil humilhar-se por se ser pobre suficiente conservarmos a equanimidade de espirito Em todas as condies, a fim de se ser feliz

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Actualmente, porm, possuir ou no possuir funes Tornou-se causa de vos cuidados Por isso se diz: Deixar-se abater pelos afazeres Ou corromper pelas palavras Conduz inverso de todo o sentido E caminhar por rumos contrrios.

Aquele que visa adquirir posses torna-se lascivo e concupiscente Aquele que procura honras torna-se vido por ttulos Aquele que deseja o poder d-se mal ao cair na diviso Treme diante da sua posse e desolado fica com a sua perda Tais homens no refreiam os prprios desejos E tombam devido prpria conduta Desgraa, favor, confiscao, benesses Troa, ordens, penas e condenao Seguem-se num cortejo, sem fim Assim se diz que para se poder dirigir os outros Se requer que sejamos rectos As portas da Liberdade no se abrem Para quantos no praticam tal preceito.

Como poder aquele que no participa na Transformao Universal Esperar que os outros sejam transformados?

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Se macho e fmea so membros da mesma espcie A sua unio desenrolar-se- segundo a sua natureza A natureza segue o seu curso E isso determina o seu destino No podemos deter o tempo Nem obstruir o caminho da Unidade Mas uma vez atingida esta ltima Nada haver que no se cumpra Sem ela, nada poder ser verdadeiramente levado a efeito.

Se o vosso corpo se tornar como um ramo de rvore ressequido E a vossa mente se assemelhar cinza apagada Como podereis ser atingido por uma catstrofe, Ou prevalecer sobre vs a dor?

Aquele que dominar toda a clera jamais se achar sob a sua aco A sua clera ser destituda de afectao Se actuarmos pela aco plena (no-agir; no pensar) * Estaremos acima de toda a agitao humana Se pretendermos permanecer calmos31

Em face a todas as circunstncias Devemos controlar a respirao Aquele que procura a inspirao correcta Segue o seu corao Todo o que procurar agir com justia Deve agir somente com base na necessidade Tal o caminho do sbio! * aco livre dos pressupostos da dualidade inerente ao pensar

Aquele que professa o verdadeiro Sem ter conscincia do falso; (em si prprio) E prega a ordem sem ter noo da desordem Nada compreende sobre a Ordem do universo Nem da realidade una das coisas Idntico se torna quele que professa os caminhos do Cu Sem perceber os caminhos do mundo E a escurido sem perceber a luz A sua aco est necessariamente votada ao malogro Porque ambos esto em viva relao Conhecer um conhecer o outro Recusar um recusar ambos

Por detrs de toda a diviso subjaze algo de indivisvel Por detrs de toda a discusso h algo de indiscutvel32

Ora, o Santo abrange o Todo Mas os homens altercam para fazer valer as suas opinies Assim se diz que toda a discusso implica parcialidade de viso O caminho tornado explcito no mais ser o Caminho O raciocnio discursivo torna-se falho no alcance da verdade A benevolncia obstinada torna-se falha A pureza exclusiva no converte Aquele que sabe que o Caminho no pode ser enunciado E que as palavras no O podem descrever Esse detm o tesouro do Cu.

Se a tranquilidade da gua permite reflectir a forma das coisas O que no poder a tranquilidade do espirito reflectir?

Eis o Caminho do amor: aquilo que uno, Uno. Aquilo que no uno, igualmente uno, (pelo No-Ser) * O Caminho consolida-se na prtica Todas as coisas se tornam naquilo em que as tornamos assim quando ; e deixa de ser, quando no Tudo se caracteriza pelo que lhe inerente E possui o que necessita Nada coisa nenhuma Mas coisa nenhuma no nada

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Tomai uma espiga de trigo ou um esteio Um leproso, uma beldade O poderoso e o inseguro; a destreza e a esquisitice Tudo isso se deve aferir na Totalidade Na sua diferena reside a inteireza do seu ser Na sua condio completa reside a sua diferena. Quando olhamos as coisas luz do Absoluto Nada aparenta ser melhor ou pior Cada coisa, encarada prpria luz Se manifesta a seu belo modo Pode parecer "melhor" do que lhe no seja comparvel Nos seus prprios termos Porm, nos termos do absoluto, nada se torna "melhor" Se considerarmos as devidas diferenas, Aquilo que maior que outra coisa, "grande" Portanto, nada h que no seja grande (pela comparao) E o que menor que o outro, "pequeno" Pelo que no existe nada que no seja pequeno Desse modo o Cosmos inteiro no passa de um gro de arroz A ponta de um cabelo To grande quanto uma montanha Tal a relatividade das coisas. (*qualidade do que essencialmente no possui distino conceptual)

O murmrio das guas revela aquilo que penso Quanto paz facultada pelo que se acha conturbado Isso no paz nenhuma34

A prova que aquilo que no tem prova pode fornecer No probatria A viso simplista das coisas subjugada por elas S a compreenso pode dar prova da verdade Que o entendimento no possui o mesmo valor que a compreenso J ns o sabemos Mas o tolo fica-se por aquilo que percebe Nas suas relaes com os demais Quanta tristeza! O sbio no discute acerca do que ultrapassa a esfera desta vida Nem tampouco nega a sua existncia E, conquanto trate das coisas deste mundo, todavia abstm-se de as julgar.

Diz o preceito que a verdade se acha na sinceridade Quem insincero no age sobre outrem Somente a verdade interior permite ao espirito agir sobre o exterior a que reside a sua autenticidade A sua utilidade prtica est em colocarmos cada coisa no seu lugar: Toda a existncia possui a sua qualidade de absoluto Toda a busca conduzida pela sua luz Toda a comunidade possui o seu eixo Todo o comeo compreende o objectivo.35

Aquele que sabe decifr-lo parece no o compreender intil interrog-lo sobre a finito ou sobre o infinito Por detrs dos fenmenos que se alteram existe a Imutabilidade Porque no consult-la?

dito que o silncio assegura a serenidade do sbio E a calma, o seu sentido de moderao O desapego confere-lhe a justa medida de liberdade Lanando fora angustias, pesares e influencias perniciosas Pode manter lmpida a mente e irradiar serenidade.

O Universo maravilhoso mas inexpressivo As quatro estaes sucedem-se segundo as suas leis Porm fazem-no sem discusso A inteira Criao baseia-se em princpios absolutos Que permanecem mpares.

A bem dizer d-se o mesmo com todos os seres Aquilo que achamos belo parece-nos maravilhoso e extraordinrio O que achamos feio parece-nos corrosivo e nauseabundo36

A verdade que, sempre e por todo o lado Aquilo que parece nauseabundo e corrosivo Transforma-se em maravilhas extraordinrias (iguarias da terra) E o que parece extraordinrio e maravilhoso Metamorfoseia-se em putrefaco nauseabunda Assim se diz que no universo existe apenas um hlito Desse modo o sbio venera a Unidade de todas as coisas.

O Caminho no tem comeo nem fim Tudo o que permanece vivo ou morto regido pela impermanncia Tudo muda, de forma incessante O tempo no pode ser detido Entretanto o corpo transforma-se A sucesso de estados infinita E cada final seguido de um novo comeo O devir de cada um encontra consistncia Na consolidao dos princpios universais A vida do ser humano pode ser comparada a um cavalo em galope Que modifica o movimento a cada instante Nesse caso que fazer- ou deixar de fazer? Seguir o curso das transformaes!

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O que a ordem csmica? O que a ordem humana? Perguntou o da banda do rio O do mar do norte, respondeu-lhe: O cavalo e o boi tm ambos quatro patas Eis a a ordem csmica Passa-se a brida sobre o pescoo do cavalo E introduz-se um anel no focinho do boi; Eis a a ordem humana.

Um saco pequeno no pode transportar grande coisa Uma corda muito curta no atinge o fundo do poo Cada coisa tem seu prprio valor Como saberei se o amor pela vida no uma iluso? Como poderei saber se aquele que teme a morte No se assemelha ao garoto que chora perdido Por no encontrar a sua casa? Como saberei se, uma vez mortos No nos rimos do apego vida?

Toda a gente enuncia opinies e discute opinies contrrias Gostaria de encontrar um discurso Que no preencha nenhuma categoria38

Se existiu um comeo do mundo Ento existiu um tempo anterior ao comeo E um outro, anterior a esse mesmo tempo Se a existncia consiste em existir Ento tambm consiste em no existir Num tempo antes do vazio. Nada existe de mais vasto sob o cu Do que a ponta de uma espiga outonal Diante do firmamento At a rosa diminuta se assemelha montanha Nada mais idoso do que uma criana morta.

Como se h de avaliar o possvel e o impossvel? Cada coisa tem sua prpria verdade Cada coisa tem as suas possibilidades Somente a Justa Medida permite compreender a realidade E realizar a unidade do Caminho (do meio)

Nada existe de objectivo nem subjectivo O objectivo emana do subjectivo O subjectivo provem do objectivo Na vida existe a morte Mas na morte existe tambm vida! (putrefaco) O possvel pode tornar-se impossvel39

E o impossvel possvel Adoptar a afirmao conduz negao Adoptar a negao chega a possibilitar a afirmao Assim, o sbio no toma nenhuma opinio como sua E desse modo capaz de despertar para o Caminho Que cessemos de opor-nos Eis o ponto essencial do Caminho Que se pode aplicar multiplicidade de possibilidades.

No peam opinio acerca da pintura a um cego Nem convidem um surdo para um concerto A cegueira e a surdez no so apenas aspectos fsicos Mas podem afectar o espirito Temo que por causa delas no chegueis A conseguir concentrar a ateno.

Os verdadeiros homens de outrora nada sabiam do amor vida Nem da averso morte Adentrar a vida no lhes proporcionava alegria O seu trmino no lhes despontava resistncia Calmamente vinham e voltavam

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No questionavam qual tinha sido o comeo Nem indagavam sobre o seu trmino Aceitavam a vida e com ela se regozijavam Esqueciam todo o temor morte E retornavam ao estado anterior existncia. Ningum dava ateno aos "homens dignos" Nem seleccionava os "capazes" Os soberanos eram apenas como os galhos mais altos das rvores E o povo assemelhava-se a cervos, na floresta Eram honestos e correctos Sem imaginar que "cumpriam o seu dever" Amavam-se mutuamente desconhecendo o que fosse "amor ao prximo" No enganavam ningum e no entanto No sabiam ser "homens de confiana" Podia-se contar com eles; no entanto ignoravam que isso fosse "boa f" Viviam juntos, dando e recebendo livremente Desconhecendo ser "homens de bom corao" Por tal motivo os seus feitos no foram narrados Porque no se constituam em Histria!

Se quisermos purificar-nos No devemos escutar com o ouvido mas com o corao No escutamos com a mente mas com o esprito (intuio) Deixa que a audio se detenha na ateno41

E que o espirito se detenha sobre o pensar Ento a mente atingir o vazio que tudo abrange Mas apenas o Caminho inclui o Vazio Nisso reside o jejum do corao.

O conhecimento dos nossos ancestrais era perfeito De que forma? Em primeiro lugar Nada sabiam da existncia das coisas (distino subjectiva) Eis nisso o conhecimento superior Nada lhe pode ser acrescentado! Em seguida obtiveram conhecimento da existncia das coisas Mas ainda no estabeleciam distines entre elas Por fim, estabeleciam distines Porm ainda no faziam julgamento Quando passaram a julgar, perdeu-se o Caminho.

O beb passa o dia a contemplar objectos Sem os encarar fixamente nem franzir o olhar Porque os seus olhos nada focalizam em particular Ele no sabe aonde vai e detm-se sem ter conscincia do que faz Funde-se no meio que o rodeia e acompanha-o

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Estes so os princpios da higiene mental.

Existe algo descrito como: "Deixar a humanidade em paz" Jamais existiu algo como "Governar a humanidade com sucesso" Deix-la em paz tem origem no medo de que As suas disposies naturais sejam pervertidas E a sua virtude posta de lado Mas caso no sejam pervertidas Nem a natureza das coisas destroada Que espao restar aco do governo? Se quisermos que os homens no se transformem naquilo que no so No devemos interferir Quando eles no deformam a sua natureza nem a pervertem O objectivo do governo alcanado! Demasiada felicidade ou infelicidade Fora do seu tempo adequado Leva a que os homens percam o seu equilbrio Ento surge a concorrncia, a ideia de perfeio e os ladres Mas, desde logo o mundo inteiro no bastante Para uma recompensa para os "bons" nem castigo para os "maus" Todavia, correndo em todas as direces

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Como podero achar tempo para serem completamente humanos?

Quando o homem de perfeita virtude se recolhe meditao Deixa de alimentar pensamentos E quando se acha em aco no sofre ansiedade Nem reconhece certo ou errado; bem nem mal Que tudo se beneficie nos quatro cantos Constitui o seu recolhimento Os homens agarram-se a ele como crianas que perderam as mes Renem-se ao seu redor como viandantes que se perderam no caminho Possui riquezas sem saber de onde provm Tem alimento e bebida mais que suficientes Mas desconhece quem os fornece Numa era de comprovada virtude Os homens "justos" no sero enaltecidos E a sua habilidade evidente no se tornar Os governantes no passam de faris Enquanto o povo livre como cervo selvagem Os homens pretendem tornar-se honrados Sem ter conscincia do dever para com os vizinhos Amam sem ter conscincia da caridade So verdadeiros sem ter conscincia de lealdade So honestos sem serem conscientes do esprito de boa f44

Agem livremente em cada coisa Sem reconhecer compromissos com quem quer que seja Desse modo os seus feitos no deixam trao E os seus assuntos no so legados posteridade.

Deixai a vossa mente vaguear no que puro e simples Tornem-se um com o infinito Permitam que todas as coisas sigam o seu curso No tenteis ser inteligentes Desse modo nos conquistamos a ns mesmo e ao mundo.

Aquele que se preocupa com a essncia das questes No nutre interesse pela fama Aquele que se concentra nas aparncias Conduz a inteno de alcanar ganho Aquele que empreende tarefas que no trazem proveito Resplandece vivamente em tudo o que faz O que procura colher proveito a qualquer preo No passa de um mero comerciante Que acredita estar acima dos outros Porm mantm-se em bicos de ps Aquele que se esfora pelo sucesso expe-se ao desgaste Pelo desinteresse se est ao abrigo de todas essas aces45

Excluir os outros falta de respeito E significa desinteresse e desconhecimento No h arma mais letal do que a vontade At mesmo Mo Yeh lhe era inferior No existe maior adversrio que Yin e Yang* Pois nada no cu nem na terra lhes escapa Porm isso no obra dos contrrios Mas do vosso corao, que opera tal aco. *Pares de contrrios psicolgicos que governam a lei da causalidade

O avarento nutre desejo de riqueza O fidalgo, desejo de fama Nos modos como ambos afectam a sua vida E modificam a sua natureza inata So eles diferentes Porm, no modo como pem de lado aquilo que possuem Uma vez no encalo do que no possuem So eles idnticos Por isso se diz que no sejamos presunosos Mas persigamos o Caminho Interior Seja arqueado ou aprumado Vejam tudo luz do Cu Aprendei a encarar as quatro direces E movei-vos com a mar das estaes46

Quer seja certo ou errado Apoiai-vos com firmeza nesse ponto central ntimo E cumpri apenas as suas determinaes

Movei-vos unicamente em afinidade com a Verdade E no vos extravieis do Caminho No procureis ser perfeitos na correco Porque desse modo falhareis em tudo o que fizerdes No vos apresseis em tornar-vos ricos Nem vos arrisqueis pela fama Ou perdereis a pureza interior.

aco destituda de esforo se chama Cu (no-aco) As suas palavras so tidas na conta de Virtude Ao sentimento de amor por toda a humanidade E promoo da boa fortuna se chama Benevolncia Unir aquilo que deve ser unido tido como Generosidade Transcender barreiras e limites chamado Grandeza posse de uma vasta multiplicidade de coisas se chama Riqueza Desenvolver e sustentar plena virtude chama-se Possuir Orientao e Estabilidade

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Aferir-se pelo Todo chamado Realizao Recusar todo o factor externo, passvel de nos distrair, Perfeio.

O homem que com clareza percebe todas essas coisas Ser tambm magnnimo nos seus empreendimentos As suas atitudes beneficiaro toda a vida Ele deixar o ouro permanecer enterrado no monte E as prolas no fundo do mar Porquanto no v que no dinheiro nem nos bens Resida o verdadeiro proveito No se deixa atrair pela fama nem pela fortuna Nem pelo gozo de vida longa Nem pela tristeza por morte prematura No valoriza a riqueza como uma beno Nem se envergonha da pobreza No cobia os proventos de toda uma gerao como seus No tem desejo de governar o mundo pela posse A sua honra reside na clareza de entendimento De que a vida no seu todo constitui um tesouro E de que morte e nascimento so intrinsecamente a mesma unidade.

O Mestre disse: Como profundo e tranquilo o Caminho E pura a sua claridade!48

Sem ele, nem o ouro nem o metal ressoariam O ouro e as pedras contm som Mas se no forem tinidos, nenhum som emitiro Todas as criaturas possuem dimenses para l da medida!

O indivduo de rgia virtude move-se sem complexos E envergonha-se de se imiscuir nos assuntos de Estado O seu conhecimento acha-se profundamente enraizado Nas origens do "eu" A sua virtude amplamente abrangente E o seu corao no se envolve com aquilo que o transcende No existisse a Totalidade e o seu corpo seria destitudo de vida; No existisse virtude e o seu ser seria destitudo de radincia Aquele que preserva o prprio corpo E vive em pleno Aquele que estabelece a virtude em seu viver E clarifica a totalidade da vida Acaso esse no ser impregnado de rgia virtude? Avana subitamente em tropel, e expe-se sem restries Move-se de forma imprevista e toda a vida o segue isso que significa a virtude rgia!

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Ele capaz de vislumbrar por entre as mais negras trevas E escutar onde no existe o mais pequeno rudo Em meio s trevas s ele v com clareza Em meio ao que inexpressivo, s ele escuta a harmonia Penetra com o seu profundo discernimento E percebe correctamente o Centro Diante da sucesso de mundos aparentes Assim, nas relaes com a multiplicidade dos seres capaz de cumprir as suas exigncias, a partir do nada Constantemente em busca Sempre regressa, porm, ao recolhimento interior: Grande e pequeno, cumprido e curto, distante e prximo...!

Diz-se que nos tempos antigos aqueles que governavam sob o cu Nada exigiam para si prprios E o mundo cumpria-se Praticavam a inaco e toda a vida se transformava Eram incomensuravelmente profundos na sua quietude E as mltiplas famlias humanas sossegavam E permaneciam em paz Os escritos testemunham: Permanece fiel unidade50

E toda a sorte de tarefas se realizar Permanece livre de emoes E at os nimos contrrios sucumbiro.

A compreenso profunda vasta e firme A compreenso superficial torna-se indolente e vaga As palavras de sabedoria so claras e precisas Palavras vs soam insignificantes e mesquinhas Quando estamos desatentos O nosso espirito deambula por todo o lado Quando nos achamos vigilantes sempre podemos despertar Aquilo com que nos deparamos Tende a capturar a nossa ateno E dia a dia vivemos na confuso e no conflito Isto geralmente simples, profundo e ntimo Os cuidados com as pequenas coisas Tornam-se incertos e objecto de ansiedade Os cuidados com as grandes coisas so simples e acessveis Mas so arremessados qual flecha Pela presuno de certo e errado Tal como quem jura a ps juntos.

O Cu e a Terra possuem enorme beleza Porm, no pode ela ser exprimida por palavras As quatro estaes seguem o seu curso sem debate Todas as formas de vida possuem um carcter distinto Porm isentam-se de o discutir

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O sbio contempla a beleza do cu e da Terra E apreende o Princpio que se acha por detrs de toda a vida Assim, o homem de virtude opera sem agir O homem sensato no empreende nada, porque, como ficou dito Obtm o claro da compreenso da Totalidade de Cu e Terra

Aquele que se contenta com o que No se imiscuir na perseguio do ganho Aquele que verdadeiramente compreende o Bem No se deixar apoquentar pela perda Aquele que possui auto-conhecimento No se preocupar com a ausncia de posio externa.

A quietude e o silncio constituem uma cura Para todos quantos se acham enfermos As massagens constituem um benefcio para os idosos A contemplao tranquila capaz de acalmar toda a angstia Mas na verdade, s aquele que se achar perturbado Necessitar de qualquer desses cuidados Aquele que se achar sereno e no for perturbado por tais coisas De tudo isso prescindir

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O esprito sagaz capaz de tudo reformar, debaixo do cu Porm, o homem espiritual no se interessa por tal coisa O homem de posio aperfeioa a sua gerao Porm o esprito sagaz no se ocupa de tal tarefa O governante legisla sobre toda a nao Porm, o homem de valor autentico no tem interesse por tal coisa O homem comum capaz de empreender qualquer dessas coisas Porm no quer saber de o fazer adequadamente

Tal devia ser o cuidado mais precioso: No se deixar conduzir pelas convenes No se preocupar com adornos No se tornar irreflectido no trato com os demais No opor resistncia vontade da maioria Procurar que todo o mundo viva em paz e equilbrio E zelar pelas necessidades dos demais como prprias Para o bem da unidade dos povos

Assim era o esprito dos Antigos que seguiam a Perfeio: Abrangente e imparcial Flexvel e aberto, sem seguir exemplos Pronto a acompanhar os outros, sem segundas intenes Destitudo de angstia e uso para o saber, tendente a tecer conspiraes Sem preferncias, tudo acompanhando

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Tais eram os seus modos.

A vida do homem entre Cu e Terra Assemelha-se a um potro Vislumbrado por um orifcio na parede E logo parece findar Ela corre a passar, avana a correr e destri-se sem sentido Porm nada h que no surja de novo Alonga-se e revolve-se Contudo no h nada que no retorne origem Tanto a vida como a morte consistem na transformao Todas as criaturas podem sentir tristeza e lamento No entanto, trata-se unicamente Do arremesso do arco do Cu E do esvaziar da sacola da Terra A criao de uma mudana que liberta a alma Enquanto o corpo segue novamente Para a Preservao do retorno Aquilo que no possui forma procede da forma Aquilo que a possui procede do Informe Toda a gente sabe disso Aqueles que possuem correcta compreenso no o debatem Ao passo que qualquer um pode argumentar sobre como alcan-lo Aqueles que alcanam a sua compreenso no o discutem54

Aqueles que o discutem, no a alcanam Aqueles que a buscam com olhar penetrante Desejosos de a alcanar, no conseguem discernir Permanecei em silncio, sem discutir A Totalidade no pode ser escutada Por isso, prefervel ser tapar os ouvidos a esforar-se por escut-la. A isto se chama Sabedoria de Grande Alcance!

O brilho do que radiante procede da escurido Tudo o que possui ordem procede da ausncia de limites Tudo o que espiritual procede da Totalidade As formas corporais procedem da essncia do smen Todas as formas de vida conferem essa forma umas s outras Atravs do nascimento Os mamferos nascem de um ventre Outros animais nascem de ovos De onde provm no nos resta qualquer pista que o revele Nem sinal do local para onde partiram Tampouco de qualquer passagem por onde vo a habitar noutro lugar De tal forma esto expostos a todos os quadrantes da vida Aqueles que percorrem a via da perfeio tornam-se Vigorosos sinceros e profundos no pensamento E obtm clareza de percepo Aplicam o corao e cada coisa, sem freima nem preconceito Em resultado disso o Cu torna-se elevado e a Terra ampla55

O sol e a lua movem-se e tudo floresce Assim a Vida!

Certa vez, sonhei que era uma borboleta esvoaante Despojado e satisfeito com o meu destino E ignorante da minha condio humana Bruscamente, porm, acordei e dei por mim surpreendido Por ser eu mesmo Agora, no sei mais se se trataria de Um homem que sonhava ser uma borboleta Ou se sou uma borboleta que sonha ser um homem Entre a borboleta e eu existe uma diferena aquilo a que chamam a mutao perene.

Se disciplinardes o vosso corpo E unificardes a vossa ateno Sobre vs descer a harmonia do cu Se assimilardes vossa a conscincia do mundo E unificardes os vossos pensamentos O Esprito escolher residir junto de vs A Virtude vos adornar-vos- e a Verdade dar-vos- abrigo Os vossos olhos sero como os de um bezerro recm-nascido Que no procuram o consequente.

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O homem de carcter (virtude) No exercita a mente Mas executa as suas aces sem preocupao. As noes de certo e errado Os louvores ou as censuras dos outros, no o perturbam Quando, em todos os quatro cantos, As pessoas se podem divertir Nisso reside a felicidade para ele... Pesaroso no aspecto, parece uma criana que perdeu a me Parece estpido, e vagueia ao acaso Como algum que se perdeu no caminho Tem o suficiente para despender mas desconhece de onde lhe vem Bebe e come o estritamente necessrio E no sabe de onde lhe vem o alimento.

Quando algum pisa o p de um estranho Desculpa-se com amabilidade Se o irmo mais velho pisa no p do irmo mais moo Pede desculpa, e fica-se por a mesmo Quando um pai pisa o p do filho No lhe diz nada Isso natural A perfeita sabedoria no premeditada A mais refinada delicadeza livre de toda a formalidade A conduta mais aperfeioada livre de preocupao O amor perfeito dispensa todas as demonstraes A perfeita sinceridade no oferece garantias.57

Hui Tzu queixou-se a Chuang Tzu: "Todo o teu ensinamento est baseado no que no possui utilidade." Mas se no apreciarmos o que no tem utilidade No poderemos falar sobre o que til! A terra vasta e extensa Mas de toda a sua amplitude Utilizamos apenas umas poucas polegadas Sobre as quais nos mantemos de p Suponhamos que se tire tudo aquilo que realmente no se usa E, ao redor dos prprios ps, abriremos um golfo E ficaremos em p sobre o vazio, sem nada slido ao redor Por quanto tempo poderemos utilizar o que estivermos a usar? "Cessaria de servir para qualquer finalidade", disse Hui Tzu "Ento, isso prova a absoluta necessidade do que no possui utilidade!"

Tudo o que limitado pela forma, aparncia, som, cor, chamado objecto

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Mas entre tudo o mais que existe S o homem mais que simples objecto Conquanto, semelhana dos objectos, possua forma e aparncia Ele no est limitado a isso mas muito mais E pode atingir a ausncia da forma Quando se acha alm da aparncia e da forma, Alm "disto e daquilo" Onde se poder estabelecer nisso uma comparao Com outro objecto? E onde haver conflito? Que mais poder permanecer no seu caminho? Ele poder descansar no eterno recesso da existncia Que destitudo de todo o lugar E esconder-se no seu insondvel segredo Que a sua natureza afundar-se- at s razes da Unidade E o seu poder e vitalidade ocultar-se-o na Unidade secreta

Se persistirdes em tentar atingir aquilo que no pode ser atingido Se persistirdes em vos esforardes por obter Aquilo que o esforo no pode obter Se persistirdes em ajuizardes Com relao ao que no pode ser compreendido Sereis destrudos pelo prprio objecto da vossa busca Saber quando devemos deter-nos E quando no devemos passar alm, pela prpria aco A reside justamente o Comeo!

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Se no parardes de procurar a felicidade, jamais a encontrareis A minha maior felicidade consiste precisamente em nada fazer Que seja calculado para atingir a felicidade Mas receio que, aos olhos da maioria das pessoas Tal conduta constitua o pior coisa que se possa fazer A perfeita alegria no consiste em estar alegre O supremo elogio est em no receber nenhum Se me interrogarem sobre o que devemos, ou no, fazer A fim de podermos alcanar essa felicidade Responderei que tais perguntas no tm resposta Por no haver possibilidade de determinar tal coisa Contudo, se eu me detiver de lutar pela felicidade Tanto "certo" como "errado" Se tornaro imediatamente evidentes, por si s E o contentamento e bem estar se tornaro imediatamente exequveis

Assim que nos detivermos de agir com vista sua obteno E passarmos a praticar a aco sem propsito (no-agir) Colheremos tanto bem estar como felicidade A serenidade do cu e o repouso da terra Residem no no-agir Da unio desses dois modos, procedem todas as aces60

De tal unio so todas as coisas feitas Como essa transformao vasta e imperceptvel: Tudo provm de lugar nenhum! Como vasto e invisvel: Nenhum meio de o explicar! Todos os seres, na sua perfeio, nascem do no-agir Da dizermos que: O cu e a terra nada fazem Porm, nada h que no seja operado.

O cozinheiro do Prncipe estava a retalhar um boi E aquele abria-se num pice, sem esforo aparente O cutelo reluzente murmurejava como a aragem de uma brisa Com sentido de ritmo e propriedade! Como uma dana sagrada... "Bom trabalho! O teu modo artstico infalvel!" Disse o Prncipe ao cozinheiro "Mtodo? Aquilo que respeito mais elevado que qualquer mtodo ou arte! Quando principiei a retalhar um boi Tudo que eu detinha era unicamente A percepo do boi Passados trs anos deixei de perceber o boi Agora, porm, no percebo nada com a viso Mas todo o meu ser que apreende (esprito) Os meus sentidos tornaram-se indolentes E a mente deixada livre para operar sem planos61

E capaz de seguir o prprio instinto, sem discorrer sobre o modo Guiando-se pela estrutura natural do boi: Afastando os tendes e cortando ao longo das grandes aberturas O meu cutelo encontra a sua prpria expresso De acordo com o corpo do animal Desse modo, jamais corto ligaes nem tendes primeiro E muito menos os ossos principais! Um bom cozinheiro adquire um novo cutelo todos os anos E isto porque o utiliza para cortar Um cozinheiro fraco utiliza um cutelo fraco todos os meses E isto porque trucida Mas o cutelo deste vosso humilde servo, Est em uso h dezanove anos e talhou alguns milhares de bois Mas tem um fio to suave como se tivesse acabado de ser amolado O fio do cutelo est afiado mas alm disso As articulaes contm espaos entre si De forma que, como opero sobre esses espaos vazios Tenho espao vontade para trabalhar Mas, se aparecer um stio mais intrincado Avalio as dificuldades, observo atentamente Suspendo a respirao e trabalho com cuidado, bem devagar E o cutelo comea a mover-se com bastante subtileza De repente a pea desarticula-se e espalha-se pelo cho Depois retiro o cutelo, permaneo sereno E deixo a satisfao instalar-se Ento, limpo o cutelo e arrumo-o"62

" isso mesmo!", disse o Prncipe "Ao escutar as palavras do meu cozinheiro acabo por aprender O modo como devo viver a vida!"

Exercer o no-pensamento e serenar o esprito sem objecto Constitui o primeiro passo para a serenidade da Totalidade Proceder de ponto nenhum e no seguir via nenhuma Constitui o primeiro passo para o atingimento da Unidade.

Se a mente prevalecer na indeterminao do Vazio Supremo O conhecimento ser ilimitado Aquilo que confere s coisas O carcter de serem singulares, pelo que so Por elas no pode ser delimitado Quando objectivamos "limites" permanecemos confinados s coisas Aos limites do ilimitado chamamos plenitude A Totalidade a fonte de ambos Em si mesmo, porm, no pleno nem vazio.

Se, ao atravessar o rio, um indivduo com mau feitio Chocar com uma barca vazia A despeito disso no se tornar demasiado irritado Se vir que a barca leva um ocupante63

Tratar de berrar para com ele para que tome rumo Se os seus brados no forem escutados Voltar a berrar at chegar a amaldio-lo E tudo isso s por ir algum na barca Se puderdes esvaziar a vossa prpria "barca" Na "travessia do rio" que este mundo Ningum se vos opor, nem far mal Quem ser capaz de se libertar de todos os limites da realizao e fama E deixar-se perder entre a multido dos homens? Esse ser capaz de se mover com a liberdade da totalidade Irreconhecvel, actuar em relao prpria vida Destitudo de nome e posio Ser simples e isento de distines Pela aparncia se assemelhar a um tolo Mas os seus passos no deixaro rastro Ser destitudo de poder No realizar nada e ser despido de toda a reputao Mas, se no usar de julgamento para com quer que seja Tambm no o julgaro a ele Assim o homem perfeito; sua barca segue vazia!

Aquele que tiver algum respeito pela prpria pessoa Manter-se- longe do alcance da vista E dissimular-se- de modo to perfeito quanto possa. Quando estendemos o nosso poder aos objectos (controle)64

Eles adquirem domnio sobre ns Aquele que se deixa controlar pelos objectos Perde a posse do seu ntimo Prisioneiros, num mundo de objectos Deixamos de ter escolha e passamos a submeter-nos s exigncias da matria Pressionados aos limites esmagadores das foras externas Da moda, do mercado, das ocorrncias e das opinies pblicas E jamais, em toda a nossa vida recuperamos A nossa condio original Quanta perda!

O elevado apreo pelo saber conduz esperteza e trama O elevado apreo pelo conhecimento torna-nos tendentes crtica Se os homens realmente permanecessem como so Tanto empreend-lo como deixar de o fazer No faria diferena Mas se no puderem permanecer no seu estado natural Isso desenvolver-se- como um tumor maligno E o mundo cair na confuso Porque o homem segue todas as formas de deleite e cobia O mundo tornou-se cego Quando tal deleite deixado de lado Ainda assim, no deixam de o procurar...

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O elevado apreo que nutrimos pela cor perturba a vista De modo que a torna incapaz de vislumbrar correctamente O elevado apreo que cultivamos pelo som e suas harmonias seduz o ouvido E leva-o a perder a capacidade real de ouvir O elevado apreo que mantemos pelos perfumes Entontece os sentidos e provoca vertigens O apreo em demasia pelo gosto perverte o paladar E os desejos agitam o corao At nos deixar num autntico frenesim Tudo isso inimigo do verdadeiro viver No entanto, tudo o que os que so "dotados de conhecimento" desejam Mas, se isso viver, ento os pombos presos na gaiola Realizaram a felicidade!

Quando os homens s conseguem compreender apenas um, De entre os pares de contrrios Ou se concentram num aspecto parcial da existncia A Totalidade torna-se obscura Ento, toda a clareza de expresso se torna igualmente confusa Pelo emprego de mero jogo de palavras E pela afirmao de um aspecto E consequente negao de todos os outros O piv da Totalidade passa pelo centro de convergncia De todas as afirmaes e negaes66

E aquele que capaz de o apreender Acha-se no centro da actividade infinita (essncia da serenidade) De qualquer modo, a vida seguida pela morte E a morte seguida pela vida O possvel torna-se impossvel e o impossvel, possvel O certo torna-se errado, e o erro acerto O fluxo vital altera as circunstncias E, em consequncia, as coisas alteram-se por si mesmas Disso brota todo o movimento e oposio Que pode ser perspectivada na sua justa correlao Se abandonarmos todo o pensamento de imposio de limites E deixarmos de tomar partido Ele repousar na intuio directa. O sbio, portanto, em vez de tentar provar Este ou aquele aspecto atravs da lgica da disputa Percebe todas as coisas luz da intuio directa E no se prende aos limites do "Eu" Pois o ponto de vista da intuio directa tanto "Eu" como "No Eu" Da perceber que, tanto um como o outro lado da questo Contm certo e errado, e que no final ambos se reduzem ao mesmo

luz da Unidade nada melhor nem pior Cada coisa percebida prpria luz E destaca-se de forma singular Pode parecer "melhor" do que aquilo que se lhe compare, Dentro do seu prprio contexto67

Porm, em termos de totalidade Nada se afigura como tal Todas as criaturas detm dons singulares e mltiplas capacidades Aquele que pretender colher o acerto sem erro Ou a ordem sem considerar a desordem Nada entende sobre os princpios da realidade dos opostos E desconhece de que modo as coisas se acham encadeadas Poder um homem inclinar-se s coisas do cu Nada sabendo das da terra? Ambas esto em relao estreita Conhecer uma conhecer a outra.

Uma vez livres de presses, desejos, compulses e atraces Os vossos assuntos estaro sob controlo E sereis verdadeiramente livres.

Os verdadeiros homens de outrora No sentiam receio quando permaneciam margem com suas convices No teciam planos nem empreendiam grandes faanhas Se falhassem, no abrigavam qualquer tristeza E tampouco se congratulavam com o sucesso No sentiam nenhum apreo extraordinrio pela vida Nem se atemorizavam diante da ameaa da morte O seu avano era feito sem contentamento E a sua retirada sem resistncia Com facilidade se manifestavam e com facilidade se retiravam68

Sem se esquecerem da sua provenincia nem do seu destino E sem adoptarem comportamentos menos dignos A fim de se afirmarem na vida Aceitavam a vida tal qual ela surgia; com deleite E a morte conforme esta sucedia; sem cuidados E iam sua vida, alm, mais alm! No faziam tenes de forar a vida Nem planos para auxiliar as suas expresses Assim eram verdadeiramente homens: De mente aberta e sem pensamentos De semblantes leves e rostos radiantes e serenos Na sua percepo os bens e as posses no tinham qualquer valor E por isso permaneciam afastados da riqueza e da honra Uma vida longa no coisa que sirva alegria de viver Tampouco a morte prematura se presta tristeza O sucesso no constitua para eles um motivo de orgulho Tampouco o insucesso motivo de vergonha Tivessem eles todo o poder do mundo Que seriam incapazes de o deter nas mos Se pudessem conquistar tudo, no o fariam para si prprios A sua glria estava em saber Que todas as coisas seguem juntas na Unidade E vida e morte so iguais.

O homem que age com Totalidade e sem impedimentos No afecta ningum com as suas aces E no entanto desconhece qualquer "afeio" Nem sabe como ser "gentil" nem "bondoso"

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No se ocupa dos seus interesses Nem despreza quem com eles se preocupa No se esfora por realizar dinheiro Nem faz da pobreza virtude Prossegue a sua vida sem se apoiar nos outros Mas no se orgulha de avanar s Conquanto no acompanhe a maioria No se queixa de os outros a seguirem Posio e recompensa no exercem nenhuma atraco sobre ele Do mesmo modo que a desgraa e a vergonha, que o no desencorajam No anda constantemente em busca do "certo e errado" Nem sistematicamente a decidir entre "sim e no" Por isso, os antigos j diziam: O homem que segue a Verdade permanece annimo A virtude mais perfeita no produz efeito aparente A ausncia de si mesmo o verdadeiro Eu E o maior de entre os homens ningum.

Se considerarmos as devidas propores Todas as coisas se nos podem afigurar grandes Porm, se dermos destaque sua grandeza Apuraremos como pequenas Aquelas que implicitamente se nos afigurarem como tal Se considerarmos a sua eficcia Ela sair realada Do mesmo modo, se lhes apontarmos a ineficcia Todos os seres se revelaro ineficazes

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Se valorizarmos os seus pontos de vista E considerarmos as suas intenes Todos os seres passaro a ter razo E todos os seres a perdero se valorizarmos a falta dela.

Uma viga capaz de servir para rachar uma parede Mas incapaz de reparar o buraco que abrir Cada coisa possui a sua utilidade: Correios velozes so capazes de percorrer dez quarteires num dia Porm, incapazes de apanhar um rato Isso deve ser deixado para o gato Cada coisa possui a sua capacidade: A coruja capaz de apanhar uma pulga na noite E vislumbrar um pelo de cavalo Porm, durante o dia, no enxerga Nem mesmo uma mo cheia deles Cada coisa possui as suas prprias aptides Por isso se diz que aquele que decide do verdadeiro Sem levar em considerao o falso E que fala da ordem sem perceber o corolrio da prpria desordem Nada compreende dos grandes princpios do universo Nem da realidade que conduz os seres.

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Existir, na terra, alguma plenitude de alegria, ou no? Existir algum processo de se fazer com que a vida seja plenamente digna de se viver, ou ser isso impossvel? Se existe, como encontr-la? Que deveremos tentar fazer ou procurar evitar? Em que deve concentrar-se a nossa actividade? Que deveremos aceitar ou recusar? O que deveremos amar ou odiar? Aquilo que o mundo valoriza o dinheiro, a fama, a vida longa, o sucesso. Para ele a alegria representada pela sade e pelo conforto do corpo, a boa comida, as belas roupas, coisas apreciveis ao olhar, harmonias agradveis ao ouvido. O que ele condena a falta de dinheiro, um nvel social baixo, fraca reputao e morte prematura. O que considera infelicidade o desconforto e o trabalho fsico e falta de oportunidades e meios. Se sentirem falta de todo isso as pessoas podem cair no desespero e na aflio e ficar to perturbadas com a prpria vida que a angstia a torna insuportvel, mesmo quando possuem tudo o que pensam desejar. A prpria preocupao com o prazer, torna-as infelizes. Os ricos tornam intolervel a vida e agitam-se incessantemente para obter uma cada vez maior fortuna, fortuna essa que, na verdade, no podem utilizar. E procedendo assim, alienam-se de si mesmos, chegando exausto em meio ao labor, como se fossem escravos dos outros. Os ambiciosos correm noite e dia em busca de glrias e em constante desassossego com o sucesso dos seus planos e o evitar dos erros, ameaadores.72

Assim, alienam-se de si mesmos exaurindo sua vida real a servio da sombra criada pela insacivel esperana. O nascimento de um homem o comeo da sua tristeza. Quanto mais vive, tanto mais estpido se torna, devido a que a sua angstia para evitar a morte inevitvel se torne cada vez mais intensa. Que amargura! Ele vive pelo que est sempre fora do seu alcance! A sua sede de viver no futuro, torna-o incapaz de viver no presente. Quem so os representantes da autoridade e os eruditos que se sacrificam a si prprios? So elogiados pelo mundo por serem bons, correctos, dignos de se sacrificarem; mas, apesar disso, o seu bom carcter no os preserva da infelicidade, nem mesmo da runa, da desgraa e da morte. Gostaria de saber se, nesse caso, a sua "bondade" realmente boa, apesar de tudo! No ser, talvez, uma fonte de infelicidade? Vamos supor que digam que eles sejam felizes; ser ser feliz possuir um carcter ou uma carreira que ir, necessariamente conduzir sua prpria runa? Por outro lado, pode cham-los de "infelizes" se, ao se sacrificarem, salvam as vidas e as fortunas dos outros? No posso afirmar se, o que o mundo considera ou no "felicidade", de facto. Tudo o que sei que, quando medito nos meios de que eles se servem para obt-la, percebo-os estonteados, tristes e obcecados, incapazes de se refrearem ou mudarem de rumo. E durante todo esse movimento, eles afirmam estarem no justo ponto de atingirem a felicidade. Na minha opinio, no posso aceitar as suas teorias, quer digam respeito felicidade ou73

infelicidade e chego a questionar-se se o conceito de felicidade possui qualquer significado

No Estado de Cheng vivia um xaman que era capaz de revelar tudo sobre o nascimento e a morte, ganhos e perdas, infortnios e felicidade, alm do tempo de vida de qualquer homem, chegando mesmo a dizer-lhe qual o ano, o ms, a semana em que morreria, como se fosse um deus. O povo de Cheng tinha o hbito de fugir sua simples apario. Mas Lieh Tzu foi consult-lo e ficou fascinado. No regresso disse a Hu Tzu: "Mestre, eu pensava que o teu conhecimento da vida fosse perfeito, mas agora conheci algum que possui um conhecimento ainda mais perfeito." Hu Tzu disse-lhe: "Aquilo que te transmiti foi apenas a letra e no o esprito do Absoluto. Mas na verdade pensavas que dominavas o conhecimento? Se no houver galo na capoeira, como podero as galinhas pr ovos? Contigo, passa-se o mesmo quando procuras afrontar o mundo sem esse conhecimento. por isso que as pessoas conseguem distinguir com preciso todo o teu ser. Procuras ostentar conhecimento para fazer as pessoas crer nele como um facto. Trs c esse homem e deixa que me veja. Tambm quero ver se tambm ser capaz de penetrar o meu ser." No dia seguinte, Lieh Tzu conduziu o xaman a casa de Hu Tzu. Quando saram para o exterior este comentou: "Lamento muito, mas o teu mestre est74

beira da morte; no viver nem dez dias. Contemplei nele uma coisa muito estranha...cinzas humedecidas." Como Lieh Tzu regressasse para dentro banhado em lgrimas e relatasse o acontecido a Hu Tzu, este respondeu-lhe: "Acabei de lhe revelar a terra imvel e silenciosa, sem nada a mover-se nem a afirmar-se. Ele deve ter julgado que via a minha fora vital a desligarse de mim. Tr-lo c outra vez!" No dia seguinte, ambos foram visitar Hu Tzu de novo. Mal saram, o xaman disse: "Que sorte o teu mestre ter-me encontrado. Est a ficar melhor, pois j revela todos os sinais de vida. Pude pressentir dentro dele tudo aquilo que anteriormente se havia desligado." Quando Lieh Tzu relatou esse comentrio a Hu Tzu, ele respondeu: "Desta vez revelei-me como cu e terra- sem substncia parcial e com a energia vital a ascender a partir dos calcanhares. Ele deve ter sentido em mim a aco desse impulso vital." Aps a visita seguinte, o xaman disse: "O teu mestre est sempre a mudar. No consigo caracteriz-lo. Esperarei que estabilize e voltarei para o examinar de novo." Lieh Tzu voltou a relatar o sucedido ao mestre, mas este respondeu-lhe: "Acabei de revelar-lhe a Harmonia Suprema onde s impera o perfeito equilbrio sem vantagem de particularidade nenhuma. Provavelmente aquilo que vislumbrou foi a energia vital reunida na sua perfeio. Quando as vagas entram numa torrente em redemoinho ou as guas plcidas esto75

completamente imveis ou ainda quando fluem com liberdade, do lugar a uma espcie de abismo ou vazio. Amanh tr-lo c de novo." No dia seguinte, ambos voltaram l de novo mas, antes mesmo de se sentar o xaman perdeu a compostura e desatou a fugir. "Corre atrs dele", disse Hu Tzu. Contudo, apesar de o ter feito Lieh Tzu no conseguiu alcan-lo: "No consegui encontr-lo. Sumiu!" Hu Tzu disse-lhe: "Acabei de mostrar-lhe o que existia antes do comeo das coisas. Completamente exposto e rendido revelei-me sem preocupaes semelhana das hastes de relva que se dobram ao vento ou as ondas a rebentar nos rochedos. Foi disso que ele fugiu." Por tudo isto, Lieh Tzu depreendeu o quanto no tinha, de facto, comeado a aprender. Meteu-se em casa e dali no se ausentou nos trs anos seguintes. Passou a substituir a mulher no fogo e tratou dos porcos com tal zelo como se fossem humanos, sem mostrar aborrecimento por executar tarefas tidas por menos dignas. Perdeu o interesse pelas questes do mundo, deixou de complicar as coisas e regressou simplicidade. Deixou o seu ser inteiro afirmar-se qual torro isolado de terra, em meio a todas as distraces e confuses da vida, e manteve-se resguardado nesse Absoluto at ao final dos seus dias. No vos deixeis dominar pelas diferenas de designao nem vos troneis presa de actividade sem fim... No presumam saber mas tomai conscincia de tudo quanto no tem fim e vagueai por onde no se vm trilhos... Sede tudo o que o76

cu vos tiver dado porm, agi como se nada tivsseis recebido ou conseguido... Ficar vazio tudo! O homem perfeito possui uma mente semelhante a um espelho que tudo acolhe sem nada reter e tampouco tomar como seu; que tudo reflecte sem reter coisa alguma. desse modo que se pode dominar as coisas sem sermos por elas dominados.

Confcio foi fazer uma visita a Lao Tzu. Este tinha acabado de lavar a cabea e achava-se exposto ao sol, a secar o cabelo. Dizia-se que, quando ele permanecia nesse estado imobilizado, o seu corpo parecia estar morto. Confcio aguardou um pouco enquanto observava, mas por fim aproximou-se dele e disse: "Estarei a ver mal ou aquilo que contemplo verdadeiro? Tens o aspecto de uma rvore abatida, nesse estado, e no apresentas nenhum sinal que revele vida." "Eu estava a recrear-me no no-nascido" respondeu-lhe Lao Tzu. "Que queres dizer com isso?" perguntou-lhe Confcio. "O meu esprito tornou-se completamente exposto e no sei mais o que diga. Fiquei sem fala e no sei o que possa expressar. Todavia, vou procurar aproximar-me da verdade: O perfeito princpio negativo (Yin) majestosamente passivo. O perfeito princpio positivo (Yang) poderosamente activo. Um procede do cu, o outro procede da terra. Mas a osmose que existe entre ambos cria a harmonia atravs da qual todas as coisas so77

produzidas. Provavelmente existir uma causa original, porm, jamais lhe perceberemos a forma, que inunda o espao. Existe a luz e a obscuridade; sucedem os dias e decorrem os meses sem fim. A criao no cessa de operar. A vida provm no se sabe de onde e a morte conduz-nos para lugar incerto. Comeo e fim seguem-se interminavelmente sem que consigamos apurar at quando. Se isso no resultar de uma causa original, de que ser, ento?" "Mas", disse Confcio, "Que queres dizer com isso de- te recreares no no-nascido?" "Significa a bondade e a quietude magnnime. Todo aquele que atinge esse estado torna-se um ser humano perfeito."

Aquele que se acha alm do alcance da clera, jamais se ver acometido por ela. Porquanto a sua clera procede da "no-clera". (clera sem inteno) Aquele que est livre da agitao humana, actua sem alterar o que quer que seja (no-agir). Aquele que pretender permanecer calmo diante de qualquer circunstncia, deve regular a respirao e adequ-la com ateno. Aquele que procura a inspirao correcta, deve seguir o corao. Aquele que pretender agir com justia, no o far com base no desejo. Tal o caminho do sbio!

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Pesco na margem deste ribeiro, porm, sou mais feliz do que um rei. De cabelos ao vento, sigo a cantar- e o mundo inteiro canta comigo o refro da minha cano: "Que os vossos pensamentos prospectem o grande vazio!"

A r vive no fundo do poo e no faz a menor ideia do que possa ser o mar. O insecto que nasce e morre no Vero, desconhece o que seja o gelo, pois s conhece a sua estao. O letrado, na sua presuno, nada sabe do conhecimento superior do Absoluto, limitado que se acha pela estreiteza do conhecimento adquirido. A vs, se j tiverdes sado da vossa toca, e tiverdes vislumbrado o mar imenso, capacitado assim da prpria ignorncia, poder-se- falar da ordem universal?

Interiorizar-se sem exagero, exteriorizar-se sem excesso e saber preservar o justo meio termo; eis a os elementos indispensveis evoluo!

O absoluto no conhece comeo nem trmino tudo o mais que vive ou permanece sem vida regido pela impermanncia. Tudo muda de forma sem79

cessar. No podemos deter a sucesso do tempo. E, entretanto, o nosso corpo transforma-se. A sucesso de estados infinita e cada findar seguido de um novo comeo. O dever de cada um encontra consistncia nos princpios universais. A vida do ser humano pode ser comparada ao galope de um ser humano. Que fazer, ou deixar de fazer, entretanto? Seguir o curso das transformaes!

Quando um indivduo brio cai de uma carroa em andamento, no se mata, muito embora possa vir a padecer de sofrimento disso decorrente. A sua constituio no difere da dos outros, porm, ele sofre o acidente de modo diverso, por se achar num estado de esprito de segurana. No tem conscincia de viajar num veculo e tampouco de sofrer uma queda. As ideias de vida, morte e medo so-lhe completamente estranhas, de modo que o contacto brutal com a realidade objectiva no o confunde. Se o lcool pode facultar-nos uma tal segurana, a espontaneidade pode proporcionar-nos muito mais ainda.

Na hora da morte, Chuang Tzu haveria de demonstrar uma derradeira vez a profunda aceitao da natureza de ser das coisas e da vida, de forma simples, sem fazer transparecer sinais de humildade, desespero nem angstia.80

Encontrando-se moribundo, os discpulos manifestaram-lhe a vontade de lhe fazer um funeral sumptuoso. Mas o agonizante disse-lhes: " intil, porquanto o cu e a terra formam um duplo tmulo. O sol e a lua formam dois discos de jade e a estrela polar e as outras servem-me de prolas. Todos os seres vivos compem o meu cortejo. No estar, porventura pronta a minha pompa fnebre? Que mais lhe acrescentareis?" "Mas", disseram eles, "tememos que os corvos e os milhafres vos devorem." "L em cima", replicou ele, "arrisco-me a ser devorado pelos corvos e milhafres; c em baixo, pelos ratos e formigas. Quanta imparcialidade em querer poupar o meu corpo aos primeiros para o dar aos segundos!"

Preservem a unidade do esprito Cessai de escutar com o pensamento e escutai com a mente A funo do ouvido limita-se audio A do pensamento limita-se a formar imagens e ideias Quanto ao esprito, ele um vazio que responde a todas as coisas O Absoluto reside nesse vazio Tal vazio consiste no jejum do pensamento.

As coisas produzem-se ao nosso redor81

Sem que ningum lhes conhea a provenincia Elas desaparecem e ningum sabe para onde Os homens valorizam aquele poro do conhecimento que empregam Mas no sabem como utilizar o desconhecido A fim de alcanar o Conhecimento No ser isso um desatino?

"Diz-me"- inquiriu Lao Tzu "Em que consiste a caridade e o dever para com o vizinho? "Consiste", respondeu Confcio, "Na capacidade de nos regozijarmos com todas as coisas E no amor universal sem o elemento da prpria pessoa" "Tais so as caractersticas da caridade e do dever para com o nosso vizinho" "Que baralhada!" gritou Lao Tzu "O amor universal no ser uma contradio em si? No ser a eliminao da tua pessoa Uma manifestao positiva da tua prpria pessoa?" "Ah, senhor, se ao menos no fizssemos com que o imprio Perca a fonte do seu sustento... Contemplai a regularidade incessante do universo Contemplai o brilho inaltervel do sol e da lua Contemplai como os animais se agrupam de forma invarivel Contemplai como as rvores e os arbustos crescem sem excluso Para que servem pois essas vs pesquisas Sobre a caridade e o dever para com o vizinho Como quem bate um tambor ao procurar o fugitivo?

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Ai de ns, senhor, que muita confuso trouxestes mente do homem!"

Eis o verdadeiro conhecimento: O corpo semelhante a osso seco A mente como cinzas apagadas No se esforar por conhecer a origem Nas trevas e na obscuridade Os destitudos de "mente" vm-se incapazes de planear Que tipo de homem esse?

Se no tivermos conscincia dos prprios ps, os sapatos devem ser cmodos Se no tivermos conscincia da cintura implica que o cinto esteja bem regulado Se no tivermos conscincia de positivo nem negativo A inteligncia dever estar adequadamente implementada Se comearmos pela adequao, jamais terminaremos de outro modo E jamais teremos conscincia do "adequado".

Fosse a linguagem adequada E bastaria a extenso de um dia para expor o Absoluto Por no ser adequada Esse tempo desperdiado com explicaes sobre experincias materiais O absoluto est para alm das experincias materiais83

E no pode ser transmitido nem pela palavra nem pelo silncio

Se quisermos resguardar-nos dos ladres Devemos prender os objectos e fech-los e tranc-los a cadeado Isso elementar bom senso Porm, se surgir um ladro que seja perito Simplesmente levar bagagens e cofres s costas E sua nica preocupao ser a de que os fechos e cadeados no cedam Nesse caso, aquilo que parecia simples bom senso do proprietrio Seguramente acaba por ser de utilidade apenas para o larpio Vou procurar expor isto de um outro modo: Aquilo a que toda a gente chama sensatez No ser apenas o acto de entesourar coisas para o larpio mais esperto? Assim, do mesmo modo, no ser esse esperto, simplesmente um guardio Dos interesses do mestre do furto? Qual, entre os mais espertos no passa o seu tempo empilhando um tesouro Para o larpio mais eficaz? Na provncia de Ki podia-se escutar o cantar dos galos e o latir dos ces Em todas as aldeias por onde se passava Os agricultores aravam os campos e os pescadores lanavam as redes E tudo era definido correctamente por linhas fronteirias Por mais de quinhentas milhas quadradas

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O emprego de pesos e medidas s justifica o roubo A implementao de contractos e selos s assegura a usurpao O ensino do amor e do dever constitui linguagem apropriada Para provar que a usurpao realmente para o bem comum.. Se um pobre furtar uma fivela, tem que fugir Porm, se um rico usurpar todo um estado Logo aclamado estadista do ano Da que, se quiserem escutar os melhores discursos sobre o amor, o dever, a justia Escutem os estadistas Porm, quando o ribeiro secar, nada mais crescer nos prados Quando o monte de areia nivelado, todas as depresses do terreno so preenchidas Mas quando os estadistas, advogados e pregadores do dever se vo Deixam de haver roubos e o mundo fica em paz Moral: Quanto mais princpios ticos, deveres e obrigaes se observa A fim de preservar a ordem, tanto maior saque se acumular Para um ladro mais esperto Sob a justificao do argumento tico e do princpio moral Cometem-se os maiores crimes, como uma sinal benfico para a humanidade.

Yang Tzu-chu foi para sul, para P'ei, e quando chegou a Liang ele foi at extremidade da cidade para saudar Lao85

Tan que tinha estado viajando para oeste, em direco a Chin, e escoltou-o. Lao Tzu parou no meio da estrada, alou os olhos para o cu, suspirou e disse: " No princpio pensei que pudesses ser ensinado, mas agora vejo que no h qualquer esperana "! Yang Tzu-chu no deu qualquer resposta, mas quando eles chegaram pousada, foi buscar uma bacia de gua, uma toalha e um pente e, depois de tirar os sapatos no lado de fora do quarto, rastejou sobre os joelhos at ao interior e disse: " At h pouco alimentei esperanas de lhe poder perguntar, Senhor, o que quis dizer com aquela observao que fez, mas vendo como se encontrava ocupado no ousei. Agora que dispe dum momento livre, poderei perguntar onde reside a minha falta "? Lao Tzu disse: " Alto e poderoso, orgulhoso e

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altivo - quem querer viver contigo! A maior pureza assemelha-se vergonha; a virtude abundante parece ser insuficiente . Da primeira vez que Yang Tzu-chu chegou pousada, as pessoas na pousada saram a sauda-lo. O estalajadeiro logo aprontou um tapete e a esposa dele arranjou uma toalha e um pente, enquanto que os outros convidados lhe dispensaram polidamente os seus lugares nos prprios tapetes e aqueles que se tinham estado a esquentar ao fogo cederam-lhe o seu lugar. Mas quando Yang voltou da entrevista com Lao Tzu, as pessoas na pousada tentaram mesmo empurra-lo directamente para fora do prprio tapete dele.

O Livro de Chuang Tzu

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Captulo 4

Questes do Homem e do Mundo1

O Esprito da Lei E a Interpretao ao p da Letra

Yen hui foi despedir-se de Confcio mas este perguntou-lhe: "aonde vais?" "Vou a Wei", respondeu aquele. "Que vais l fazer?" "Ouvi dizer que