choque sÉptico em pediatria -...
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CHOQUE SÉPTICO EM PEDIATRIA
SEPTIC SHOCK IN PEDIATRICS
BÁRBAR A BRUM FONSECA, BEATRIZ PICCARO DE OLIVEIR A, BRUNA COSTA
RODRIGUES, FERNANDA DE AZEREDO JARDIM SIQUEIR A, GR AZIELA
MOR AIS LOURENÇO, JULIA FROTA VARIANI
e JÚLIA MACHADO DA SILVEIR A BOM 1
FR ANCISCO BRUNO e CRISTIAN TEDESCO TONIAL 2
RESUMO
Objetivos: Descrever as características do choque séptico em
pediatria, seus critérios diagnósticos e tratamento atual. Métodos:
Revisão da literatura publicada entre 2013 e 2018 no banco de dados
PubMed e LILACS, utilizando as palavras-chave “Shock”, “Septic”, “Child”
e “Infant”. Resultados: O choque séptico é uma sepse com disfunção
cardiovascular. Seu diagnóstico requer a suspeita ou a confirmação
de uma infecção além de sinais de choque, que apresenta sinais de
disfunção cardiovascular após a reposição de 40 ml/kg de volume
cristaloide. O atendimento na primeira hora após o choque é crucial
1 Acadêmicos da Escola de Medicina da PUCRS2 Professores da Escola de Medicina da PUCRS.
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para um bom prognóstico, devendo seguir os passos: monitorização,
oxigenação e via aérea, circulação, antibioticoterapia, drogas vasoa-
tivas e o encaminhamento do paciente para uma Unidade de Terapia
Intensiva Pediátrica. Conclusão: Choque séptico é a uma das principais
causas de morte em pediatria. Seu reconhecimento e tratamento
adequado, feito de forma precoce, são cruciais para diminuir a chance
de evolução para choque refratário e disfunção de múltiplos órgãos,
condições de alta morbimortalidade.
Palavras-chave: choque séptico, sepse, emergência
ABSTRACT
Aims: To describe the characteristics of septic shock in pediatrics,
diagnostic criteria and current treatment.Methods: Literature review
between 2013 and 2018 in the PubMed and LILACS database, using the
keywords “Shock”, “Septic”, “Child” and “Infant”. Results: Septic shock
is a sepsis with cardiovascular dysfunction. Its diagnosis requires the
suspicion or confirmation of an infection in addition to signs of shock,
which shows signs of cardiovascular dysfunction after the replacement
of 40 ml / kg of crystalloid volume. The first hour after the shock is
crucial for a good prognosis and should follow the steps: monitoring,
oxygenation and airway, circulation, antibiotic therapy, vasoactive
drugs and the referral of the patient to a Pediatric Intensive Care Unit.
Conclusion: Septic shock is one of the leading causes of death in pedia-
trics. Its recognition and proper treatment early is crucial to decrease
the chance of evolution to refractory shock and dysfunction of multiple
organs, conditions of high morbidity and mortality.
Keywords: septic shock, sepsis, emergency
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INTRODUÇÃO
Choque séptico é uma das principais causas de morbidade e mortali-
dade em pediatria, sendo frequentemente encontrado nas emergências
pediátricas como uma das indicações de internação hospitalar [1].
Ele é a causa mais comum de choque distributivo nesta faixa etária.
Resulta de uma diminuição da resistência vascular sistêmica (RVS) com
distribuição anormal do fluxo sanguíneo dentro da microcirculação, além
de perfusão tecidual inadequada, podendo levar à hipovolemia funcional
com diminuição da pré-carga cardíaca. O choque séptico pressupõe o diag-
nóstico de sepse associado à disfunção cardiovascular [2]. Normalmente
o paciente com choque séptico apresenta como sinais e sintomas tempo
de enchimento capilar prolongado, oligúria, acidose metabólica ou lactato
arterial elevado, associados ou não à hipotensão, apesar da ressuscitação
volêmica inicial [3].
O reconhecimento precoce de choque séptico combinado com a
terapia dirigida (incluindo ressuscitação volêmica, administração de an-
tibióticos empíricos de amplo espectro e o uso de agentes inotrópicos ou
vasopressores para desordem hemodinâmica persistente) demonstrou
melhora significativamente na sobrevida e na morbidade dos pacientes,
além de diminuir o tempo de internação hospitalar [4].
Nosso objetivo é revisar o diagnóstico e manejo atual do choque
séptico em pediatria, dando ênfase ao tratamento na primeira hora.
METODOLOGIA
Revisão da literatura utilizando os artigos mais relevantes publicados
entre os anos 2013 e 2018. Para a definição de choque séptico foi utilizado
o artigo de Goldstein et al de 2005 por ser a definição original. A busca foi
realizada na base de dados Pubmed e LILACS, utilizando as terminologias
cadastradas nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) criados pela
Biblioteca Virtual em Saúde desenvolvido a partir do Medical Subject
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Headings (MeSH) da U.S. National Library of Medicine. As palavras utili-
zadas foram “Shock”, “Septic”, “Child” e “Infant”. Os critérios de inclusão
foram artigos publicados em língua inglesa que abordassem o diagnóstico
e o manejo terapêutico do choque séptico na primeira hora em pediatria.
Foram excluídos artigos que abordassem algum aspecto específico do
choque séptico e não relevantes para a revisão.
RESULTADOS
Definição de choque séptico
Sepse é um quadro inflamatório associado à infecção suspeita ou
comprovada [2]. O choque caracteriza-se como um estado de má perfusão
tecidual, que pode ou não apresentar hipotensão, e que frequentemente
acompanha a sepse nesta faixa etária. A taquicardia é um indicador sensível
num quadro inicial de choque em crianças [5]. Já a hipotensão é conside-
rada um sinal tardio de choque em lactentes e crianças. Uma explicação é
que eles são mais capazes de manter a pressão arterial normal através de
um aumento da frequência cardíaca, tônus venoso e resistência vascular
sistêmica, quando comparados com adultos [3].
Choque séptico é definido pelo último Consenso Internacional de
Sepse em Pediatria como sepse com disfunção cardiovascular. Esta última
é caracterizada por hipotensão (pressão sistólica < percentil 5 do valor
para faixa etária) OU dependência da administração de drogas vasoativas
para manter a pressão arterial normal OU dois critérios dos seguintes:
enchimento capilar prolongado (> 5 segundos), aumento do lactato (>
2x o valor para idade), acidose metabólica (excesso de base > 5 mEq/L),
oligúria (< 0,5 ml/kg/h) e diferença entre temperatura central e periférica
maior que 3 graus Celsius, que persistem apesar da reposição volêmica
com solução salina isotônica (> 40 ml/kg em 1 hora) [2].
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Conduta inicial do choque séptico:
O manejo no choque séptico deve ser iniciado o mais breve possível, pois
o tempo de atraso no tratamento, principalmente no início da antibioticote-
rapia, está relacionado a uma maior morbimortalidade [6]. De acordo com o
Clinical Guideline for Hemodynamic Support of Neonates and Children with
Septic Shock [7] redigido pelo American College of Critical Care Medicine e
atualizado em 2017, deve-se seguir os seguintes passos, dentro da primeira
hora após o diagnóstico (também chamada de golden hour):
Monitorização: oximetria de pulso, frequência cardíaca, ECG contínuo,
medida da pressão arterial não invasiva, temperatura, débito urinário,
glicose sérica e cálcio iônico.
Via aérea: oxigenação a 100% ou ventilação quando houver insufi-
ciência respiratória (aumento importante do esforço respiratório, hipo-
ventilação ou alteração do estado mental).
Circulação: acesso venoso dentro dos primeiros 5 minutos (intravenoso
ou intraósseo); reposição volêmica inicialmente 20 ml/kg com solução salina
ou Ringer lactato em infusão rápida (reavaliar clinicamente o paciente após
cada infusão até atingir 60 ml/kg ou até melhorar a perfusão); coleta de
sangue para laboratoriais (hemograma completo, gasometria arterial ou
venosa, teste de glicose rápido, lactato, eletrólitos, creatinina, bilirrubina,
coagulograma, hemoculturas e culturas de sítios suspeitos).
Intubação traqueal: se possível, realizar a ressuscitação volumétrica e
infusão de drogas vasoativas antes da intubação pelo risco de hipovolemia
absoluta ou relativa agravada pelo procedimento, disfunção cardíaca ou
supressão do eixo hormonal adrenal pelas drogas da sequência rápida de
intubação. Etomidato não é uma droga recomendada. Ketamina associada
com atropina como pré-medicação é uma excelente combinação para
pacientes em choque.
Antibioticoterapia: inicia-se com antibioticoterapia de amplo espectro,
por via endovenosa, preferencialmente, após a coleta de culturas. Em crianças
maiores de 28 dias, sem imunossupressão, o esquema de tratamento empírico
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baseia-se, preferencialmente, em terapia antimicrobiana utilizando vancomi-
cina associada à cefotaxima ou ceftriaxona. Ainda considera-se a adição de
um aminoglicosídeo (por exemplo, gentamicina) para possível fonte genito
urinária e/ou piperacilina com tazobactam, clindamicina ou metronidazol para
possível fonte gastrointestinal. A terapia antimicrobiana deve ser modificada
com base nos resultados da cultura, incluindo a susceptibilidade antimicrobiana
e o curso clínico do paciente: considerar a idade do paciente, sua história, as
comorbidades prévias e os padrões de resistência local.
Agentes vasopressores, inotrópicos ou vasodilatadores: a administra-
ção de agentes inotrópicos é indicada quando, após a reposição volêmica
inicial, a criança ainda apresenta sinais de hipoperfusão tecidual, sendo a
adrenalina a drogas de escolha no choque frio (extremidades frias, pulsos
periféricos finos e tempo de enchimento capilar prolongado). Já no choque
quente (extremidades ruborizadas, pulsos amplos, tempo de enchimento
instantâneo), está indicada a administração de noradrenalina.
Transferência para uma Unidade de Terapia Intensiva.
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FLUXOGRAMA
IMAGEM 1: Tratamento do choque séptico na primeira hora em pediatria
CONCLUSÃO
Uma vez que a sepse é uma das principais causas de morte em pacien-
tes pediátricos no mundo, é de extrema importância que o diagnóstico e
a intervenção terapêutica sejam agressivos e precoces, a fim de evitar a
progressão para um quadro refratário de choque séptico. Durante a golden
hour, as prioridades de cuidado incluem a monitorização de sinais vitais, o
manejo de vias aéreas, o apoio ventilatório, a antibioticoterapia de amplo
espectro, a administração de fluidos, o suporte com drogas vasoativas,
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tanto no choque quente quanto no choque frio, e a subsequente alocação
da criança em uma UTIP [8]48% (n = 153.
REFERÊNCIAS
1. Tuuri RE, Gehrig MG, Busch CE, Ebeling M, Morella K, Hunt L, et al. “Beat the Shock Clock”: An Interprofessional Team Improves Pediatric Septic Shock Care. Clin. Pediatr. (Phila.) 2016;55:626–38.
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