cheque de amor

Upload: aline-pimentel

Post on 09-Jul-2015

139 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

NARRADOR: Filhinho de papai rico fez o diabo at os 22 anos. Embriagavase de rolar nas sarjetas. E era preciso que os amigos ou a policia, o levassem para casa, em estado de coma. De vez em quando, o pai perdia a pacincia. Chamava o rapaz, passava-lhe um caro tremendo: Te deixo a po e laranja, sem um nquel! Como no cumprisse nunca a ameaa, Vadeco perseverava na mesma vida. Um dia, numa boate, excedeu-se a si mesmo, promoveu um conflito pavoroso. Foi um escndalo. De manh, o velho estava no quarto do filho esbravejante: PAI DE VADECO: - Voc a vergonha da famlia! NARRADOR: Vadeco no abriu a boca. Com todos os seus defeitos, que eram muitos e graves, respeitava o pai. No fim, o velho disse a ltima palavra: PAI DE VADECO: - Voc agora vai trabalhar, seu animal! NARRADOR: E, de fato, j no dia seguinte, Vadeco tomava posse do seu primeiro emprego, como gerente numa das empresas do pai. Se primeiro ato foi nomear secretrio um amigo e companheiro de farras, o Aristides. No primeiro dia, no fizeram absolutamente nada, seno olhar um para o outro. De vez em quando, um dos dois tinha a exclamao: Que abacaxi! Mas, na hora do lanche, o Aristides foi dar umas voltas pelo escritrio. Voltou outro. Esfregando as mos, anunciou: ARISTIDES: - Parece que tem a, uma pequenas timas! D. Juan NARRADOR: E, ento, rapidamente, com a colaborao do Aristides, Vadeco foi tomando conta do ambiente. Nem um, nem outro, faziam nada: mas, em compensao, enchiam o gabinete de funcionrias. Era uma pndega ao longo de todo o horrio de trabalho. De vez em quando, o Vadeco, de olhos injetados, virava-se para o secretrio: VADECO: - Fecha a porta chave! NARRADOR: O outro obedecia, e o resto dos empregados, atnitos, faziam as suposies mais espantosas. Uma das funcionrias quis se engraar com Aristides: este porm foi claro , leal, definitivo: ARISTIDES: - Comigo no! Absolutamente! NARRADOR: A outra no entendeu e ele teve que ser mais explcito. Explicou, ento, que, no escritrio, o chefe tinha prioridade absoluta. E insistiu: ARISTIDES: - Primeiro, ele; depois, eu.

NARRADOR: A verdade que Vadeco no precisava fazer esforo nenhum. O Aristides que, com um tato e uma eficincia admirveis, convencia as companheiras. Usava todos os argumentos, inclusive os de ordem prtica. ARISTIDES: - Ele te aumenta o ordenado, sua boba! NARRADOR: De vez em quando, havia maior ou menor resistncia. Foi, por exemplo, o que sucedeu com a nova telefonista, uma loura cinematogrfica, que se notabilizava pelos vestidos colantes. Assim que a viu, Vadeco chamou o Aristides. VADECO:- Mete uma conversa nessa cara! NARRADOR: O outro discutiu : pendurou-se na mesa telefnica. O grande argumento da telefonista era este: TELEFONISTA: - Mas e meu noivo NARRADOR: Aristides foi rotundo. ARISTIDES: - Teu noivo no precisa saber. No saber nunca. NARRADOR: E ela, no pavor de possveis delaes: TELEFONISTA: - espeto. espeto! NARRADOR: Acabou indo. Primeiro houve o cinema; depois do cinema, um passeio delirante de automvel. No dia seguinte, pela manh, Aristides perguntava: ARISTIDES: - Que tal NARRADOR: Vadeco bocejou: VADECO: - Serve! A inconquistvel NARRADOR: At que, numa tarde, Vadeco d de cara, no corredor, com uma menina desconhecida. Toda sua vida sentimental se fazia na base da variedade. Correu para o Aristides: VADECO: Quem essa fulana NARRADOR: O outro foi dar uma volta e regressou com as informaes: ARISTIDES: Dureza VADECO: Porque ARISTIDES: noiva. E vai casar no ms que vem. Sria pra chuchu! NARRADOR: Vadeco foi lacnico:

ARISTIDES: Vai l e mete uma conversa. NARRADOR: E era assim Vadeco. Ele prprio admitia: Tenho uma tara na vida: s gosto de mulher sria. Gostava das outras tambm; mas sua paixo era a pequena difcil, a pequena quase inconquistvel. Aristides voltou meia hora depois. Sentou-se bufando, e admitiu: ARISTIDES: O negcio est duro. Eu te avisei; sria. S faltou me dar na cara. NARRADOR: Mas o filhinho de papai rico no aceitava impossibilidades. Quase esfrega o livro de cheques na cara do outro; esbravejou: VADECO: Sou rico, tenho dinheiro. E mulher quer isso mesmo. Gaita. ARISTIDES (suspirando): Nem todas. Nem todas. Angstia NARRADOR: Ento, aquela funcionria se converteu na idia fixa de Vadeco. Aristides quis distra-lo com outras sugestes: ARISTIDES: Fulana tambm muito boa. E topa. VADECO: No interessa. Quero essa. S essa. Ah menino! Eu beijava aqueles peitinhos! NARRADOR: Agarrou Aristides pela gola do casaco e o sacudiu: VADECO: Ou tu me arranjas essa zinha ou ests sujo comigo! NARRADOR: Aristides voltou carga. E encontrou a mesma resistncia ou, por outra, uma resistncia exasperada. A menina, que se chamava Arlete, gostava do noivo, era louca pro ele. Aristides procurava tenta-la: ARISTIDES: um alto negcio pra si, sua frouxa! NARRADOR: A menina acabou explodindo. ARLETE: No sou o que voc pensa. Ora, veja! NARRADOR: E Aristides com medo de barulho, de escndalo, escapuliu. Nessa tarde, Vadeco foi de uma grosseria tremenda: VADECO: Voc uma zebra! NARRADOR: Concluiu dizendo: VADECO: Eu mesmo vou liquidar esse assunto. NARRADOR: Era, porm, outro homem. Sua alegre, sua esportiva irresponsabilidade, fundia-se numa angstia de todos os minutos, de todas as horas. Dir-se-ia que s havia no mundo uma mulher e que esta mulher era Arlete. Esperou ainda dois dias. Findo este prazo, nomeou a menina sua

secretria. Avisara Aristides: Vou entrar de sola. E, com efeito, no teve maiores cerimnias. Comeou com uma pergunta: VADECO: Voc ganha quanto aqui NARRADOR: Um pouco surpresa, ou contrafeita, Arlete respondeu: ARLETE: Dois mil cruzeiros. VADECO: uma misria! Uma vergonha! NARRADOR: E foi s por esse dia. Mas, de noite, em casa, Vadeco no conseguiu dormir. Aristides, que o levara em casa, lembrou-lhe: No te disse. batata. Vadeco, do fundo de sua angstia, teve o desabafo feroz: VADECO: O dinheiro compra tudo! NARRADOR: No dia seguinte, entrou no escritrio com uma garrafa de usque debaixo do brao. Pouco depois, o contnuo trazia o copo e, ento, no seu desespero contido, comeou a beber. O lcool o tornava cruel e cnico. Fez, de repente, a pergunta: VADECO: Voc sria NARRADOR: Arlete, que procurava no arquivo de ao uma ficha qualquer, virou-se, espantada. No ouvira direito: ARLETE: Como NARRADOR: Repetiu. E ela, sem desfit-lo, respondeu: ARLETE: Sou. NARRADOR: Vadeco ergueu-se, aproximou-se: VADECO: Tem certeza ARLETE: Absoluta NARRADOR: Durante alguns instantes, olharam-se apenas. Ele voltou para a secretria, sentou-se na cadeira giratria. Arlete parara o servio e no perdia nenhum de seus gestos. Foi ento que Vadeco, com a voz estrangulada, disse: VADECO: Queres ganhar 100 mil cruzeiros NARRADOR: A principio, Arlete entendeu cem cruzeiro. Teve que repetir. VADECO: Cem mil cruzeiros. Cem contos! Queres NARRADOR: Encostara-se no arquivo de ao, como se lhe faltasse foras. E duvidarava ainda: Cem contos Mas j no estava mais segura de si mesma. Quis saber: A troco de que Vadeco estava, de novo, a seu lado; implorava:

VADECO: Basta que passes, comigo, uma hora no meu apartamento. S uma hora. Cem contos por uma hora. NARRADOR: E, ali mesmo, diante da menina atnita, encheu o cheque e o passou a Arlete. Num breve deslumbramento, a moa lia: Paga-se ao portador ou sua ordem... Reagiu, desesperada, gritando: ARLETE: Mas eu sou noiva! No percebe que eu sou noiva Que vou casar no ms que vem NARRADOR: Tiritando, como se uma maleita o devorasse, disse-lhe que a esperava, no dia seguinte, s dez horas, no apartamento. Escreveu o endereo no papel, que entregou a garota. VADECO: Cem contos por uma hora. S por uma hora e nunca mais. Voltars com este cheque. Cem contos, ouviste Cem contos! e parecia possesso (NARRADOR). O cheque NARRADOR: Quando Aristides soube, tomou um choque: ARISTIDES: Cem contos Voc est maluco, completamente maluco! NARRADOR: Fora de si, Vadeco repetia a pergunta VADECO: Ser que ela vai NARRADOR: O outro fez a blague desesperada: ARISTIDES: Por cem contos, at eu! NARRADOR: E o fato que, na sua febre, Vadeco estaria disposto at a dobrar a quantia. Queria v-la nuazinha, em plo. Mas no dia seguinte, pela manh, Arlete, que no dormira, levantou-se, transfigurada. Jamais uma mulher se vestiu com tanta mincia e deleite. Escolheu sua calcinha mais linda e transparente. Ela prpria, diante do espelho, sentiu-se bonita demais, bonita de uma maneira quase imoral. Aristides marcara uma hora matinal, de propsito, para evitar suspeitas. E foi assim, bem cedinho, que ela tocou a campainha do apartamento, em Copacabana. Antes que Vadeco, maravilhado, a tocasse, Arlete fez a exigncia mercenria: ARLETE: O cheque! NARRADOR: O rapaz apanhou o talo na carteira e entregou. Arlete leu, ainda uma vez, verificou a importncia, assinatura, data, etc. e, sbito, numa raiva, minuciosa, rasgou o cheque em mil pedacinhos. Vadeco ainda balbuciou: VADECO: Que isso No faa isso!

NARRADOR: Ela o emudeceu, atirando os fragmentos em seu rosto, como confete. Petrificado, ele a teria deixado ir, sem um gesto, sem uma palavra. Ela, porm, na sua raiva de mulher, esbofeteava-o, ainda. Depois, apanhou entre as suas mos, o rosto do rapaz, e o beijou na boca, com fria. EFEITOS QUE SERO UTILIZADOS DURANTE A GRAVAO Barulho de porta batendo / Barulho de telefone / Teclado de PC / Trancando a porta / Barulho de cano / Bocejo / Barulho de salto / de pessoa correndo / Sentando e bufando / Batendo na mesa / Amassando papel / Barulho de escritrio / Papel rasgando / Tapa na cara / Suspiro /