capítulo semiologia cardíaca cardiopapers

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171 20 Propedêutica Cardiovascular Alexandre de Matos Soeiro INTRODUçãO Anamnese e exame físico são responsáveis por até 90% de todos os diagnósticos. A semiologia cardiovascular é a base para a formação de hipóteses diagnós- ticas e é fundamental para estabelecer gravidade, evolução e prognóstico de determinadas doenças. ANAMNESE Principais sintomas referidos na prática clínica 1. Dor torácica 2. Dispneia 3. Síncope 4. Fadiga e cansaço 5. Palpitações 6. Edema Dor torácica Seu detalhamento permite distinguir entre dor precordial de origem cardiovascular (cardíaca, aorta e pericárdio) e dor de origem não cardíaca (parede torácica, articulações costocondrais, muscular, da coluna vertebral, dos nervos, dos pulmões, das pleuras, do esôfago e dos órgãos subdiafragmáticos). Características de dor anginosa: aperto, queimação e/ou desconforto em região precordial, retroesternal ou epigástrica, irradiada para mandíbula e região cervical, ambos os membros, dorso ou epigástrio, que melhora com repouso ou uso de nitratos e piora com atividade física, estresse emocional, frio e refeição copiosa. Lembrar sempre que em alguns pacientes a coronariopatia pode se apresentar com sintomas menos típicos, como dispneia, tontura, diaforese, empachamento ou indigestão. São os chamados equivalentes anginosos. Pacientes com maior chance de apresentar sintomas atípicos de coronariopatia: Idosos; Mulheres; Diabéticos; Portadores de marca-passo; Portadores de insuficiência cardíaca.

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Page 1: Capítulo semiologia cardíaca cardiopapers

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20Propedêutica CardiovascularAlexandre de Matos Soeiro

Introdução• Anamneseeexamefísicosãoresponsáveisporaté90%detodososdiagnósticos.• Asemiologiacardiovascularéabaseparaaformaçãodehipótesesdiagnós-

ticaseéfundamentalparaestabelecergravidade,evoluçãoeprognósticodedeterminadasdoenças.

anaMneseprincipais sintomas referidos na prática clínica 1. Dor torácica2. Dispneia3. Síncope4. Fadiga e cansaço5. Palpitações6. Edema

dor torácica • Seu detalhamento permite distinguir entre dor precordial de origem cardiovascular

(cardíaca, aorta e pericárdio) e dor de origem não cardíaca (parede torácica, articulações costocondrais, muscular, da coluna vertebral, dos nervos, dos pulmões, das pleuras, do esôfago e dos órgãos subdiafragmáticos).

• Características de dor anginosa: aperto, queimação e/ou desconforto em região precordial, retroesternal ou epigástrica, irradiada para mandíbula e região cervical, ambos os membros, dorso ou epigástrio, que melhora com repouso ou uso de nitratos e piora com atividade física, estresse emocional, frio e refeição copiosa.

• Lembrar sempre que em alguns pacientes a coronariopatia pode se apresentar com sintomas menos típicos, como dispneia, tontura, diaforese, empachamento ou indigestão. São os chamados equivalentes anginosos.

• Pacientes com maior chance de apresentar sintomas atípicos de coronariopatia:◊ Idosos;◊ Mulheres;◊ Diabéticos;◊ Portadores de marca-passo;◊ Portadores de insuficiência cardíaca.

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EXAME FÍSICO

dispneia • Defi nida como uma experiência subjetiva de respirar desconfortavelmente. • Na insufi ciência cardíaca, a dispneia é originária de hipertensão venocapilar

pulmonar e desencadeada quando o paciente realiza esforço físico. Além disso, caracteristicamente piora ao decúbito horizontal (ortopneia) e melhora na posição sentada ou em pé, levando o paciente a usar vários travesseiros para dormir.

• Também em pacientes com insufi ciência cardíaca é possível observar dispneia paroxística noturna devida à sobrecarga volêmica resultante da reabsorção dos edemas gravitacionais. Nesses casos, o paciente acorda 2 a 4 horas após dormir referindo tosse, sibilos, dispneia e sudorese, e apresenta melhora do quadro após 15 a 30 minutos sentado ou em pé.

• Dispneia de início súbito sugere pneumotórax, embolia pulmonar, edema agudo de pulmão ou obstrução brônquica. Deve-se atentar aos casos de estenose de valva mitral em que dispneia de início rápido pode sugerir a presença de fi brilação atrial ou rotura de cordoalha tendínea.

síncopeVer no capítulo 6.

palpitações• Palpitação é defi nida como a sensação desconfortável do batimento cardíaco.• A origem cardíaca da palpitação tem chance de complicações e deve ser

investigada. A maior parte são arritmas benignas como extrassístoles e taquicardias supraventriculares, no entanto há a preocupação em relação à ocorrência de taquicardia ventricular sustentada, podendo levar à morte.

• Alguns fatores são preditores de que a palpitação possa ser de causa cardíaca, sendo eles: sexo masculino, descrição de batimento irregular, antecedente de cardiopatia e duração maior que 5 minutos.

• É necessário caracterizar o modo de início, cronologia, localização, qualidade, duração, intensidade, manifestações associadas, fatores precipitantes, agravantes e de alívio, além término do episódio.

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20 • PROPEDÊUTICA CARDIOVASCULAR

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edema• Diagnóstico diferencial – Principais causas de edema:

◊ Insufi ciência cardíaca;◊ Trombose venosa profunda;◊ Celulite;◊ Abscesso de psoas;◊ Pós-safenectomia;◊ Insufi ciência venosa;◊ Obstrução linfática;◊ Cirrose hepática;◊ Síndrome nefrótica;◊ Insufi ciência renal;◊ Hipotireoidismo;◊ Medicações.

exaMe físIco• Oexamefísicodeveserrealizadopormeiodainspeção,palpação,percussão

eausculta,demaneirasequencialeenglobandoumaanálisedemanifestaçõesgeraiseespecíficasdedeterminadoórgãoousistema.

exame físico necessário para avaliação cardiovascularPulso venoso

Pulso arterial

Pressão arterial

Análise da caixa torácica

Ictus cordisNível de consciência

Fácies

Pele

Esforço respiratório

Extremidades

Abdome

Exame físico geral, pele e abdome• Váriosachadosfísicosnãocardíacosevascularespodemsugerirapresençade

cardiopatias.Devem-seavaliaroestadogeral,níveldeconsciência,extremi-dades,olhos,pele,estruturasosteomusculareseabdome.

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EXAME FÍSICO

alterações no exame físico que sugerem cardiopatiasInsufi ciência cardíaca de baixo débito.

Perda de peso, caquexia, alteração da consciência, hepatomegalia, ascite, esplenomegalia.

Insufi ciência cardíaca de alto débito.

Mucosa descorada, exoftalmia, extremidades quentes, hepatomegalia, esplenomegalia.

Cor pulmonale. Sonolência excessiva, ronco, obesidade.

Cardiopatias congênitas.

Hemangiomas, baqueteamento digital, alterações do esqueleto, escleras azuladas.

Hipertensão arterial. Sopro sistólico abdominal, fácies de Cushing, rins aumentados palpáveis.

Disfunção de ventrículo direito.

Hepatomegalia, ascite, esplenomegalia, edema escrotal, edema de cóccix, anasarca, edema de membros inferiores.

Exame físico cardiovascular

perfusão periférica• Refl ete o status circulatório nas extremidades, diretamente relacionado à

integridade da vascularização local e ao débito cardíaco.• Devem-se avaliar a temperatura, coloração e tempo de enchimento das

extremidades, comprimindo-se a polpa de um dedo das mãos ou pés e avaliando o tempo necessário para o novo enchimento. O normal é em torno de 2 segundos, e tempos maiores que 3 segundos podem sugerir vasoconstrição por hipotermia, hipovolemia ou baixo débito cardíaco, além de obstrução arterial.

• Temperaturas elevadas podem indicar hipertermia e alto débito cardíaco (“beribéri”, sepse, hipertireoidismo etc.).

cianose• A cianose é a coloração azulada da pele e mucosas, frequentemente observada

em leitos ungueais, polpas digitais, lábios, nariz e orelhas, consequente à redução da oxihemoglobina no leito capilar.

• Pode ser periférica (quando há redução do fl uxo sanguíneo nas extremidades ou retenção venosa) ou central (quando ocorre diminuição da oxigenação sanguínea pelos pulmões, por derivação anatômica ou por anormalidade da hemoglobina).

• Cianose por baixo débito cardíaco acompanha-se de má perfusão periférica e redução da temperatura local.

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baqueteamento digital• Caracteriza-se pela alteração na falange distal dos dedos das mãos e dos pés,

que se torna dilatada, de aspecto bulboso e com convexidade do leito ungueal, com concomitante alteração da unha (unha em vidro de relógio). Decorre de cianose central crônica e tem mecanismo ainda incerto.

• Diversas doenças podem causar essa alteração, entre elas: cardiopatias, pneumopatias, neoplasia de pulmão, colite ulcerativa, hipertireoidismo, endocardite infecciosa etc.

Pulso arterial• Apalpaçãodopulsoarterialpermiteavaliar a regularidadedo ritmo,a fre-

quênciacardíacaeatémesmoinferirapresençadecardiopatiasestruturaisquealteramsuamorfologia.

• Épossívelocorrerdissociaçãoentreafrequênciapalpadapelopulsoarterialeaauscultacardíaca,principalmenteemarritmiascomoafibrilaçãoatrial,emquealgunsbatimentosprecocesejetammenorquantidadedesangueenãosãosentidosperifericamente.

• Artériashomólogasdevemsempresercomparadasquantoàamplitudedopul-so,podendosugerirodiagnósticodeobstruçõesarteriaisperiféricas.

tipos de pulso arterial – pulso anacrótico (parvus et tardus): subida inicial lenta com pico próximo à segunda bulha, sugestivo de obstrução fi xa à via de saída do ventrículo esquerdo (estenose aórtica grave ou supravalvar). A amplitude guarda relação inversa ao grau de estenose.

– pulso célere (martelo-d’água ou pulso de corrigan): amplitude aumentada, subida e quedas rápidas. Deve-se a resistências periféricas baixas associadas a um débito sistólico elevado. Clássico da insufi ciência aórtica grave, podendo ser encontrado em outras situações, como anemia, beribéri, hipertireoidismo e fístulas arteriovenosas.

– pulso dicrótico: onda dicrótica acentuada. Sugestivo de sepse, insufi ciência cardíaca grave, choque hipovolêmico, tamponamento cardíaco e após troca valvar aórtica por prótese.

continuação

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EXAME FÍSICO

– pulso bisferiens: duas ondas de pulso durante a sístole, sendo a segunda onda maior que a primeira, o que é encontrado em pacientes com dupla disfunção aórtica e também em pessoas com bradicardia acentuada. Apesar de não haver obstáculo à ejeção, o grande volume ejetado causa efeito Venturi e gera a segunda onda de pulso. Existe uma variante chamada de pulso digitiforme, em que a primeira onda de pulso é maior que a segunda e é encontrada em miocardiopatia hipertrófi ca obstrutiva, e deve-se à obstrução mesossistólica da via de saída do ventrículo esquerdo, produzida por movimentação anômala do aparelho valvar mitral de encontro ao septo interventricular hipertrofi ado.

– pulso paradoxal: diminuição exagerada da amplitude do pulso palpada ou aferida durante a inspiração profunda. Uma queda maior que 10 mmHg diagnostica o pulso paradoxal, e esse fenômeno pode caracteristicamente ocorrer no tamponamento cardíaco, pericardite crônica, embolia pulmonar e asma grave.

– pulso alternante: caracterizado pela palpação de um pulso de morfologia normal, porém com alternância de amplitude entre os batimentos, sem a presença de arritmia. Característico de insufi ciência cardíaca esquerda grave.

– pulso bigeminus: pulso normal seguido de pulso prematuro, que, por sua vez, antecede uma pausa compensatória. É a expressão clínica do bigeminismo extrassistólico, sendo o batimento extrassistólico de maior amplitude.

Inspeção torácica• Deformidades torácicas como tórax em barril, cifoescoliose, pectus excavatum ou

pectus carinatum podem ser observadas em doenças do colágeno e implicar a ocorrência de determinadas cardiopatias (prolapso de valva mitral, por exemplo), ou ser responsáveis pelo desenvolvimento de cor pulmonale.

• Tórax em barril pode inferir a presença de pneumopatia crônica e ser inclusive causa de dispneia ou prejudicar o exame físico cardíaco por causa do abafamento de bulhas.

• A presença de pectus excavatum geralmente não se relaciona com cardiopatias, porém em alguns casos está associada à ocorrência de sopros cardíacos, sendo a maioria benignos.

Ictus cordis e impulsões cardíacas• A avaliação inicial se faz com o paciente deitado em decúbito dorsal, com a

cabeceira elevada a, no máximo, 45º. A palpação deve ser realizada com a ponta dos dedos e com a região tenar e hipotenar, englobando as regiões apical e precordial, áreas paraestenais baixas, áreas aórtica e pulmonar, fúrcula e epigástrio.

• O ictus normal pode ser visto principalmente em pessoas magras como uma impulsão suave e abrupta na região do 4o e 5o espaços intercostais esquerdos, variando da região paraesternal esquerda à linha hemiclavicular e ocupando uma a duas polpas digitais.

continuação

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• Cardiopatias que aumentam o ventrículo direito podem deslocar o ictus posteriormente, muitas vezes não sendo possível palpá-lo ou observá-lo na linha axilar anterior. A palpação de impulso paraesternal esquerdo ou direito geralmente é patológica e associada à dilatação de ventrículo direito.

• Casos de pericardite constritiva podem deixar o ictus estático mesmo com a mudança de decúbito.

• Ictus hiperdinâmico (fases inicial e fi nal rápidas) pode ser observado em anemia sintomática, hipertireoidismo, insufi ciência mitral e/ou aórtica e comunicação interventricular.

• Cardiomiopatias dilatada e hipertrófi ca podem cursar com ictus sustentados (muscular), com fases inicial e fi nal demoradas, sendo desviado para baixo e para esquerda em mais de duas polpas digitais.

Pulso venoso jugular• Opulsovenosoéumaondadevolumequerefleteadinâmicadoretornoveno-

soaocoraçãodireito.Asondasobservadasnopulsovenosojugularexpressamasmudançasdevolumequeocorremnoátriodireitoeacadamomentodociclocardíaco.

• Aveiajugularinternadireitaémaisfidedignacomocorrespondenteàsalteraçõespressóricascardíacas,porestaremlinharetacomaveiacavasuperiorepornãosofreralteraçãodefluxoporcompressãopelaartériaaorta.Opacientedeveestardeitadoematé45ºeopescoço,viradoparaaesquerdasobiluminaçãoadequada.

a

vc

x y

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EXAME FÍSICO

pulso venoso jugularOnda A Corresponde ao aumento da pressão atrial direita pela sístole atrial.

Ocorre imediatamente antes de B1 e da ejeção ventricular (pulso carotídeo). – aumentada em estenose tricúspide, atresia tricúspide, mixoma, estenose pulmonar, hipertrofi a de ventrículo direito (VD), hipertensão pulmonar, TRN, extrassístole, bloqueio atrioventricular total (BAVT).

– ausente na fi brilação atrial (FA).

Onda C Interrompe a queda da onda A e corresponde ao aumento da pressão devido à protrusão retrógrada da valva tricúspide pelo aumento da pressão ventricular no início da sístole. Ocorre logo após B1.

Descenso X Ocorre devido à queda de pressão pelo relaxamento atrial direito e pela movimentação valvar tricuspídea para baixo na sístole ventricular direita.

Onda V Refl ete o aumento pressórico devido ao enchimento atrial direito na diástole atrial, com a valva tricúspide fechada. Ocorre ao fi nal da sístole junto ao descenso do pulso carotídeo.aumentada em insufi ciência tricúspide.

Descenso Y Corresponde à queda da pressão atrial pela abertura da valva tricúspide e ao esvaziamento para o ventrículo direito. – abrupto: ocorre em pericardite constritiva, cardiomiopatia restritiva ou disfunção de VD grave.

– lentifi cado: ocorre em obstrução tricúspide ou grave hipertrofi a de VD.

• sinal de Kussmaulrefere-seaoaumentodapressãovenosaduranteainspira-ção,emsituaçõespatológicasemquehárestriçãoaoenchimentoventriculardireito.Exemplos:pericarditeconstritiva,emboliapulmonar,infartodeven-trículodireito,exacerbaçãodeinsuficiênciacardíaca,cardiomiopatiarestriti-va,estenosetricúspide,mixomaatrialdireito,obstruçãoparcialdaveiacavasuperioretamponamentocardíaco.

refl uxo hepatojugular• É o aumento do pulso venoso jugular consequente à compressão forte e

sustentada do hipocôndrio direito. Em pessoas normais, aumenta o pulso venoso em 1 cm ou a pressão venosa central em 3 cm. Indivíduos com disfunção ventricular direita podem ter o pulso venoso prolongadamente aumentado com a manobra, apesar de ser pouco sensível e específi co.

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pressão venosa central• Seu valor normal fi ca em torno de 1 a 8 cm de água e refl ete a pressão em

átrio direito, podendo inferir o status volêmico do paciente. Pode ser útil principalmente para prognóstico e evolução dos pacientes.

pressão arterial• Hipotensão postural é defi nida como a diferença da pressão arterial sistólica

em 20 mmHg e/ou diastólica em 10 mmHg quando se compara a aferição em decúbito dorsal horizontal após 5 minutos de repouso com a pressão arterial em decúbito ortostático (sentado ou em pé) após 3 minutos.

Ausculta cardíaca

Bulhas cardíacas

primeira bulha• O fechamento das valvas mitral e tricúspide é o componente mais importante desse

som, que ocorre concomitantemente ao pulso carotídeo. Deve ser auscultado com o diafragma do estetoscópio, observando-se que B1 é mais duradoura e menos intensa que B2. B1 apenas é mais alta que B2 no foco mitral e no foco tricúspide, caso contrário indica hipofonese de B1. Quando nos focos da base B1 for mais intensa que B2, diz-se que B1 é hiperfonética. Normalmente não é possível distinguir o som mitral do tricúspide, porém em algumas situações pode ocorrer desdobramento de B1, devendo ser distinguido de estalido de abertura e B4.

alterações de intensidade na primeira bulhaHiperfonética HipofonéticaTórax fi no Doença pulmonar obstrutiva crônica

Pneumotórax Obesidade

Estenose mitral Derrame pericárdico

Estenose tricúspide Insufi ciência cardíaca

Defeito do septo interventricular Insufi ciência mitral

Insufi ciência cardíaca de alto débito Insufi ciência tricúspide

PR curto PR longo

Taquiarritmia Bradicardia

Hipertireoidismo Bloqueio de ramo esquerdo

Hipertensão arterial sistêmica Insufi ciência ou estenose aórtica

continuação

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EXAME FÍSICO

segunda bulha• Origem decorrente do fechamento das valvas aórtica e pulmonar. Normalmente o

componente aórtico, por depender da sístole do ventrículo esquerdo, esvazia-se mais precocemente e ocorre antes do som pulmonar. Usa-se o diafragma para auscultá-la. B2 tende a ser mais intensa que B1 e ocorre logo após o pulso carotídeo. Durante a expiração, B2 é única, porém na inspiração tende a desdobrar-se, ocorrendo o som aórtico precocemente em relação ao pulmonar, devido ao aumento do retorno venoso e retardo no fechamento da valva pulmonar. Da mesma forma que a B1, quando a B2 é pouco audível nos focos da base é considerada hipofonética, ao passo que quando audível difusamente com intensidade elevada, é hiperfonética.

alterações de intensidade na segunda bulhaHiperfonética HipofonéticaHipertensão arterial sistêmica Estenose aórtica

Hipertensão pulmonar Estenose pulmonar

Coarctação de aorta Insufi ciência cardíaca de baixo débito

Aneurisma de aorta ascendente Insufi ciência aórtica

Tetralogia de Fallot  

Transposição de grandes artérias  

terceira bulha• Som de baixa frequência associado ao aumento das dimensões ventriculares.

Ocorre após B2 durante o enchimento ventricular e indica presença de ventrículo aumentado e de pouca complacência. Deve ser auscultada com a campânula, logo após o pulso carotídeo e no ápice cardíaco, sem relação com a inspiração profunda. B3 patológica tem intensidade diferente de B1 e B2 e é denominada de galope. Pode ocorrer em insufi ciência cardíaca de alto débito, sem signifi cado específi co. Porém, sua presença é sinal de pior prognóstico em pacientes com disfunção ventricular.

quarta bulha• Deve ser auscultada com a campânula do estetoscópio. Assim como B3, é mais

audível em ápice, em decúbito lateral esquerdo e não altera com a inspiração. Ocorre após B2, logo antes de B1, e está relacionada à consequente diminuição da distensibilidade do ventrículo esquerdo.

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estalido de abertura• Som de alta frequência decorrente da vibração da valva estenótica que ocorre

após B2. É patognomônico de estenose mitral ou tricúspide e pode ajudar a indicar a gravidade diretamente relacionada a sua precocidade em relação à B2. Em alguns casos, pode-se ter estenose mitral sem estalido. Por exemplo: calcifi cação valvar intensa, estenose leve e associação à insufi ciência aórtica.

estalidos sistólicos• Sons de alta frequência audíveis entre B1 e B2, podendo ser proto, meso ou

telessistólicos. Os protossistólicos são de origem vascular e consequentes à ejeção de sangue para a aorta ou artéria pulmonar dilatada. Estalidos mesossistólicos têm pouca importância clínica e ocorrem devido a pericardite, pleurite, pectus excavatum etc.

Sopros cardíacos • Háalgunspadrõesbásicosde soproscardíacosque sempredevemser lem-

brados.

• Háváriascaracterísticasdosoproquedevemserpormenorizadaspeloexamefísico.

Sístole Diástole

B1

Estenose aórtica – sopro mesossistólico, em crescendo-descrescendo nos focos da base.

Estenose mitral – sopro mesodiastólico, descrescendo e crescendo, em focos apicais.

Insu�ciência mitral – sopro holossistólico,nos focos do ápice.

Insu�ciência aórtica – sopro protodiastólico, em descrescendo, nos focos da base.

B2B1

B1B2B1

B1B2B1

B1B2B1

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EXAME FÍSICO

características do sopro cardíacoIntensidade Classifi cação de Levine:

I. Difícil de ser auscultado, porém detectável, às vezes evidenciado somente com manobras.II. Sopro leve, porém imediatamente detectável.III. Sopro moderadamente alto e frequentemente com irradiação.IV. Sopro alto e com frêmito palpável.V. Sopro muito alto, porém ainda é necessário o uso do estetoscópio (mesmo que apenas com parte encostada à pele).VI. Sopro muito alto e sem necessidade do uso do estetoscópio para identifi cá-lo.

Frequência Podem ser de alta ou de baixa frequência. Os agudos surgem de fl uxos sanguíneos que percorrem orifícios pequenos, com elevado gradiente de pressão. O contrário aplica-se aos de frequência grave.

Timbre São vários os possíveis timbres nos sopros: musical, piante, rascante, raspante, aspirativo, rufl ar, jato de vapor, tipo surdo, tipo ronco, sibilante, rangente, anfórico, entre outros.

Confi guração É o formato que ele adquire. Pode ser “em crescendo” (reforço pré-sistólico na estenose mitral), “em decrescendo” (insufi ciência aórtica e estenose mitral), “em diamante” (estenose aórtica) ou “em platô” (insufi ciência mitral).

Cronologia É a fase do ciclo cardíaco em que o sopro ocorre. Podem ser sistólicos, diastólicos, sistólicos e diastólicos e contínuos.

Duração É o quanto da sístole e/ou da diástole é preenchido pelo sopro. Podem ser proto, meso, tele ou holo (sistólicos e/ou diastólicos).

Localização É o local onde é mais audível. Pode ser defi nido de acordo com o foco de melhor ausculta, ou pela posição anatômica (sopros da base cardíaca, borda esternal esquerda baixa e ápice cardíaco).

Irradiação Auxilia na identifi cação do sopro, assim como na caracterização de sua intensidade. Podem irradiar-se para axila e dorso (sopros mitrais), região epigástrica (tricúspide) e fúrcula e carótida (aórticos).

• Manobras auscultatórias/ausculta dinâmica:ainspiraçãoprofundareduzapressãointratorácica,aumentaoretornovenosoparaoladodireitoediminuiparaoladoesquerdo.Jáquandoumindivíduoficaempé,háreduçãodore-tornovenosoparaambososventrículosedodébitocardíaco,comtaquicardiareflexa.Quandoapessoaseagacha,oretornovenosoaumenta,emboratam-bémcomincrementodaresistênciaarterialperiférica,devidoàcompressãodasartériasfemorais.Exercíciosfísicos(hand grippor30a90segundos)elevamconjuntamenteafrequênciacardíaca,odébitocardíacoeapressãoarterial.

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principais alterações auscultatórias com manobras  Inspiração levantar agachamento valsalva exercício

físicoEstalido de abertura mitral

Diminui **** **** **** ****

Estenose pulmonar

Diminui Diminui **** Diminui ****

Estenose tricúspide

Aumenta **** **** Diminui ****

Insufi ciência pulmonar

Aumenta **** **** Diminui ****

Insufi ciência tricúspide

Aumenta Diminui **** Diminui ****

Clique de prolapso mitral

Retardo Antecipação Retardo Antecipação Retardo

Estenose aórtica

**** Diminui Aumenta Diminui Diminui

Insufi ciência mitral

**** Diminui Aumenta Diminui Aumenta

Cardiomiopatia hipertrófi ca

**** Aumenta Diminui Aumenta Diminui

Insufi ciência aórtica

**** **** Aumenta Diminui Aumenta

sons pericárdicosKnock pericárdico Ruído após B2, que simula B3, porém é um pouco mais

precoce. Comum em percardite constritiva.

Atrito pericárdico Origina-se da fricção dos dois folhetos pericárdicos. É mais audível com o diafragma em região precordial e em decúbito horizontal, durante as sístoles atrial e ventricular e na fase de enchimento ventricular rápido. É audível tanto na inspiração quanto na expiração. Quando é audível nessas três fases, considera-se como trifásico, porém pode ser mono ou bifásico. Quando esse som desaparece, pode indicar a presença de derrame pericárdico.

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EXAME FÍSICO

leItura recoMendada1. AccorsiTAD,MachadoFP,GrinbergM.Propedêuticacardiovascular.In:Nicolau

JC,TarasoutchiF,RosaLV,etal.Condutaspráticasemcardiologia.1aed.Barueri:Manole;2010.p.608-59.

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