boletim clg 11

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Boletim CLG ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE 30 de julho a 5 de agosto de 2012 11 Devido à pressão de uma greve que já dura mais de 70 dias, uma nova rodada de reuniões aconteceu nesse fim de mês entre o governo federal e a categoria dos professores. Os docentes reivindicam reestruturação do plano de carreira, o que motivou a paralisação das atividades em uma onda crescente de adesões que alcançou 57 das 59 universidades federais do país. Na segunda-feira, 23, o ANDES-SN entregou aos representantes do Ministério do Planejamento a resposta do sindicato à proposta do governo, entregue em 13 de julho. As seções sindicais de todo o Brasil decidiram em assembleia rejeitar os termos da negociação por considerá-la um retrocesso para a carreira do professor. Com essa proposta, o governo dividiu o reajuste salarial para 3 anos sem considerar a inflação do período, o que acarretaria uma redução salarial: tomando como referência o Índice do Custo de Vida (ICV) medido pelo DIEESE e uma projeção futura com base na média dos últimos 30 meses, a desvalorização entre julho de 2010 e março de 2015 é de 35,55%. Outro ponto é que a proposta apresentou apenas um ganho real para a classe de professor titular, que hoje representa menos de 10% da categoria. Além disso, o sindicato não acatou a proposta por entender que a ela feria a autonomia universitária, ao impor barreiras no desenvolvimento da carreira incompatíveis com a atividade acadêmica. Por conta da rejeição dos termos, uma nova reunião foi agendada para a terça da mesma semana, 24, para que o governo apresentasse a nova proposta diante dos fatores apontados pelo ANDES-SN. Durante cinco horas, representantes do governo apresentaram algumas modificações pontuais na proposta anterior e ajustes internos nas tabelas de vencimento básico e retribuição por titulação da remuneração dos docentes. Para o sindicato, a nova proposta mantém a desestruturação da carreira. Segundo o presidente da ADUFS, prof. Antônio Carlos Campos, essa proposta mantém as perdas detectadas anteriormente e diminui a autonomia da universidade. “O Comando Local de Greve (CLG) analisou o documento enviado pelo ANDES-SN e nós percebemos que vários aspectos da proposta anterior permaneceram. Não há variações regulares entre os níveis de carreira, ao contrário de nossa proposta de equilibrá-los. A retribuição por titulação não foi incorporada ao vencimento básico e o reajuste continua sem contemplar as perdas inflacionárias até 2015. Nós lutamos para que a carreira do professor seja atrativa para quem está fora e recompensatória para quem vai se aposentar”. Um ponto polêmico da nova proposta foi a transferências de temas essenciais da carreira do professor para discussão posterior no Grupo de Trabalho (GT). Em comunicado emitido através da sua página na web, o ANDES se posiciona: “(...) fica evidenciada flagrante agressão à autonomia das Instituições e o esforço do governo para retirar os pontos polêmicos da mesa de negociações durante a greve, avocando a si, no futuro, a discricionariedade para tomar as decisões. Questões conceituais importantes, estruturantes da carreira e dos direitos dos docentes seriam repassadas como um cheque em branco. Além disso, o controle desses GT pelo poder central e a falta de credibilidade desses espaços permite impor velocidades de conveniência no ritmo de trabalho, isto é, postergando o andamento em alguns temas e dando tratamento liminar em outros”. Decisão dos professores da ADUFS A indicação do ANDES-SN foi de rejeitar novamente a proposta apresentada pelo governo. Seções sindicais estão se reunindo em todo o Brasil até o dia 30 de julho para decidir se vão aceitá-la ou não. Em Sergipe, a ADUFS realizou assembleia geral na sexta-feira, 27, e os professores da UFS votaram em unanimidade pela manutenção da greve e continuação da luta por uma reestruturação efetiva da carreira docente. Uma nova reunião foi agendada para quarta-feira, 1º de agosto, às 21h, entre o Ministério do Planejamento e as entidades para entrega da contraproposta e apresentação de posicionamentos a partir da manifestação da categoria. Governo mantém distorções em nova proposta para a carreira do professor

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O Boletim CLG é um periódico do Comando Local de Greve da ADUFS com informações sobre o movimento grevista dos professores federais da UFS

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Page 1: Boletim CLG 11

Boletim CLGASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

30 de julho a 5 de agosto de 201211

Devido à pressão de uma greve que já dura mais de 70 dias, uma nova rodada de reuniões aconteceu nesse fim de mês entre o governo federal e a categoria dos professores. Os docentes reivindicam reestruturação do plano de carreira, o que motivou a paralisação das atividades em uma onda crescente de adesões que alcançou 57 das 59 universidades federais do país.

Na segunda-feira, 23, o ANDES-SN entregou aos representantes do Ministério do Planejamento a resposta do sindicato à proposta do governo, entregue em 13 de julho. As seções sindicais de todo o Brasil decidiram em assembleia rejeitar os termos da negociação por considerá-la um retrocesso para a carreira do professor. Com essa proposta, o governo dividiu o reajuste salarial para 3 anos sem considerar a inflação do período, o que acarretaria uma redução salarial: tomando como referência o Índice do Custo de Vida (ICV) medido pelo DIEESE e uma projeção futura com base na média d o s ú l t i m o s 3 0 m e s e s , a desvalorização entre julho de 2010 e março de 2015 é de 35,55%. Outro ponto é que a proposta apresentou apenas um ganho real para a classe de professor titular, que hoje representa menos de 10% da categoria. Além disso, o sindicato não acatou a proposta por entender que a ela feria a autonomia universitária, ao impor barreiras no desenvolvimento da carreira incompatíveis com a atividade acadêmica.

Por conta da rejeição dos termos, uma nova reunião foi agendada para a terça da mesma semana, 24, para que o governo apresentasse a nova proposta diante dos fatores apontados pelo ANDES-SN. Durante cinco horas, r e p r e s e n t a n t e s d o g o v e r n o apresentaram algumas modificações pontuais na proposta anterior e ajustes internos nas tabelas de vencimento básico e retribuição por titulação da remuneração dos docentes. Para o sindicato, a nova proposta mantém a desestruturação da carreira.

Segundo o presidente da ADUFS, prof. Antônio Carlos Campos, essa p ropos ta man tém as pe rdas detectadas anteriormente e diminui a autonomia da universidade. “O Comando Local de Greve (CLG) analisou o documento enviado pelo ANDES-SN e nós percebemos que vários aspectos da proposta anterior permaneceram. Não há variações regulares entre os níveis de carreira, ao contrário de nossa proposta de equilibrá-los. A retribuição por titulação não foi incorporada ao vencimento básico e o reajuste continua sem contemplar as perdas inflacionárias até 2015. Nós lutamos para que a carreira do professor seja atrativa para quem está fora e recompensatória para quem vai se aposentar”.

Um ponto polêmico da nova proposta foi a transferências de temas essenciais da carreira do professor para discussão posterior no Grupo de Trabalho (GT). Em comunicado

emitido através da sua página na web, o ANDES se posiciona: “(...) fica evidenciada flagrante agressão à autonomia das Instituições e o esforço do governo para retirar os pontos polêmicos da mesa de negociações durante a greve, avocando a si, no futuro, a discricionariedade para tomar as decisões. Questões conceituais importantes, estruturantes da carreira e dos direitos dos docentes seriam repassadas como um cheque em branco. Além disso, o controle desses GT pelo poder central e a falta de credibilidade desses espaços permite impor velocidades de conveniência no ritmo de trabalho, isto é, postergando o andamento em alguns temas e dando tratamento liminar em outros”.

Decisão dos professores da ADUFS

A indicação do ANDES-SN foi de rejeitar novamente a proposta apresentada pelo governo. Seções sindicais estão se reunindo em todo o Brasil até o dia 30 de julho para decidir se vão aceitá-la ou não. Em Sergipe, a ADUFS realizou assembleia geral na sexta-feira, 27, e os professores da UFS votaram em unanimidade pela manutenção da greve e continuação da luta por uma reestruturação efetiva da carreira docente.

Uma nova reunião foi agendada para quarta-feira, 1º de agosto, às 21h, entre o Ministério do Planejamento e as e n t i d a d e s p a r a e n t r e g a d a contraproposta e apresentação de p o s i c i o n a m e n t o s a p a r t i r d a manifestação da categoria.

Governo mantém distorções em nova proposta para a carreira do professor

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Editorial

O descaso com que o governo federal t e m t r a t a d o n o s s a p a u t a d e reivindicações, ao contrário de arrefecer, deve motivar o fortalecimento de nossas ações. Em setenta dias de greve, já se pode esboçar o perfil do grupo com que (não) temos negociado: ainda que, em sua maioria, oriundos dos movimentos trabalhistas das últimas quatro décadas, nossos interlocutores demonstram tal impermeabil idade aos termos e c o n d i ç õ e s a p r e s e n t a d a s p e l o movimento docente que sequer conseguem (ou querem) apresentar uma proposta na forma de projeto de lei. Em s e u s r e c e n t e s c o m u n i c a d o s , endereçados mais à mídia tendenciosa que a nossa equipe de negociação, op tam pe la i ncons i s tênc ia de divagações, ditas conceituais, sobre nossa carreira. Demonstram sua inércia e falta de vontade política para corrigir uma distorção que só se agrava com o passar do tempo.

Enquanto o Ministro da Educação ignora o milhão de estudantes sem aulas e os qu inze mi l serv idores federa is marchando em Brasilia, diante dos símbolos da soberania nacional, preferindo, ao confronto com um problema que compete mais ao seu do que a qualquer outro cargo nessa gestão, posar de figurante na abertura das olimpíadas de Londres. O grupo indicado como nosso interlocutor nessa negociação, simplesmente, não dialoga com os professores. Emite, tão somente, papéis avulsos em que a carreira

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aparece ainda mais desestruturada. Posterga a discussão sobre progressão em cento e oitenta dias e a desloca seu foro de discussão para um suspeitoso GT, constituído por membros da Andifes e das associações que “firmarem o acordo” proposto (i.e. aceitarem os termos obscuros de sua não-proposta) – grupo este que, por assim dizer, já reza da cartilha do governo.

Assim, o que nos resta e nos recusarmos a assinar esse cheque em branco que nos é proposto. Nossa resposta, muito mais incisiva e coerente com a reflexão que temos feito sobre nossas carreiras, não pode ser outra senão a de fortalecer nosso movimento, incidindo sobre as frentes de trabalho que se apresentam como as mais promissoras no momento: investir nas ações de unificação do movimento, conjugando forças com as demais categorias dos servidores federais, trabalhadores e estudantes que tem sofrido com o descaso deste governo; cobrar da Andifes uma atitude de respeito à autonomia das instituições ao se negar a participar de um GT constituído por cargos nomeados e um “sindicato” que, de antemão, se declara favorável a não-proposta do governo; implicar agencias como a Capes e o CNPq na discussão, lembrando que o fomento a pesquisa tem condicionado, com prazos, metas e ameaças de corte de recursos, a construção de uma carreira acadêmica que, hoje, se confunde com a caminhada fatigante e perversa sobrea esteira de uma pseudocientífica linha de produção.

Nossa greve segue forte, rumo a vitória – o desmascaramento de entidades falsamente constituídas e nada

EXPEDIENTEDIRETORIA 2010-2012 - GESTÃO ‘‘A LUTA CONTINUA’’Presidente: Antônio Carlos Campos; Vice-presidente: Marcos Antônio da Silva Pedroso; Secretária: Manuela Ramos da Silva; Diretor Administrativo e Financeiro: Júlio Cesar Gandarela Resende;Diretor Acadêmico e Cultural: Fernando de Araújo Sá. Suplentes: Sonia Cristina Pimentel de Santana e Carlos Dias da Silva JuniorBoletim produzido pela ADUFS - Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Sergipe do Sindicato Nacional dos Docentes de Instituições de Ensino SuperiorEndereço: Av. Marechal Rondon, s/n, bairro Rosa Elze, São Cristóvão-SE Jornalismo: Raquel Brabec (DRT-1517) Estagiário em Design Gráfico: Fernando Caldas Colaboração texto e imagem: Pedro Alves Charge: Elysson CarvalhoO conteúdo dos artigos assinados é responsabilidade dos autores e não corresponde necessariamente à opinião da diretoria da ADUFS Contato ADUFS: Tel.: (79) 3259-2021E-mail: adufs@infonet .com.br Site: http://www.adufs.org.brN° de Tiragem: 1000 exemplares

representativas dos docentes federais, bem como a apatia de um ministro descomprometido com a totalidade de suas universidades públicas, já estão flagrantemente documentados pelos diversos meios.

Chega de falácias e de exercícios de manipulação da opinião pública. Q u e r e m o s a g o r a q u e n o s s o s negociadores se dediquem à tarefa mais honesta que lhes cabe no momento: a elaboração de uma minuta de projeto de lei que atenda a nossa pauta de reivindicações e nos devolva às nossas salas de aula com a dignidade e o respeito que merecemos.

Charge da semana

Mercadante,voce pode pedir

para os professorescavarem mais?

Presidentaja chegamos no fundo

do poco!

www.adufs.org.br

Leia todas asedições dos boletinsdo CLG no novo site:

Page 3: Boletim CLG 11

Nº11

A greve é a única resposta que os trabalhadores podem dar a traição, a men t i r a , a p reca r i zação e a privatização. E a resposta está sendo dada em todo país. Outros setores, para além da Educação, deflagraram greve e assim se amplia cada vez mais as fileiras da indignação. Por outro lado, o Governo surfa na "marolinha" que virou a onda gigante da crise econômica. Do lado de cá, um das maiores mobilizações já feitas no setor da Educação. Erram aqueles que acreditam no discurso "globolizante" de que a greve dos professores está prejudicando milhões de estudantes deixando-os sem aula. As melhores aulas já lecionadas estão acontecendo agora, neste exato momento. Não dentro das quatro paredes da sala de aula, mas nas ruas, greves e mobilizações. Defender a Educação Púb l ica é um dos a tos mais pedagógicos que existe. A aula não é sobre a história dos outros, a aula é sobre a nossa própria história, sobre a equação matemática de que um mais um em greve, são dois nas ruas em mobilização. Marchamos a Brasília. Mais de 15 mil servidores federais em greve. Mas a nossa marcha não para por aqui, a nossa marcha é até a vitória.

Por Pedro Alves

ga ran t i ndo ma io r acesso , principalmente das camadas populares. A mesma cara em duas moedas. Para quem esteve h i s t o r i c a m e n t e f o r a d a s Universidades, a possibilidade de entrar no centro de produção de c o n h e c i m e n t o é a l g o surpreendente. Porém, quando se entra, a realidade é outra. Universidades sem estrutura, cursos sem equipamentos, sem professores suficientes, falta l a b o r a t ó r i o s , r e s t a u r a n t e u n i v e r s i t á r i o , a s s i s t ê n c i a

estudantil, etc.

O povo brasileiro tem como principal característica a desconfiança. Primeiro foram com nossos antepassados indígenas que acreditaram nos caraís (não-índios) e foram (são) exterminados. De lá para cá, o brasileiro sempre desconfia da realidade que aparece em primeiro plano aos olhos. Era assim que deveríamos enxergar o Reuni e toda política do Governo. Mas a confiança, construída histor icamente, pelos trabalhadores no Partido da estrelinha vermelha, era muito maior e necessária do que ficar com o pé atrás. O povo acreditou, foi às ruas, defendeu, construiu esperança. Mas o que deu? Traição. Por trás desta política de ampliar o acesso das un ivers idades , es tá a p ropos ta lucidamente capitalista de formar, em pouco tempo, a maior quantidade de trabalhadores (precarizados) para sustentar a lógica do sistema, do lucro e do status quo. É nas costas dos que fazem a Universidade diariamente que desabou o fracasso e a traição do Governo do PT. Professores sem p lano de car re i ra , técn icos-administrativos sem condições de trabalho, estudantes sem assistência estudantil.

Esqueceu o PT e o seu Governo que o povo traído aprendeu ao longo dos anos a desconfiar, a fazer greves e ocupar as ruas. A c h a r a m q u e h a v í a m o s aprendido a ter paciência. Pois b e m , o s T r a b a l h a d o r e s p e r d e r a m a pac iênc ia . E o resultado é: greve geral na Educação. U n i v e r s i d a d e s Federais em Greve e m d e f e s a d a Educação Pública e d a s c o n d i ç õ e s dignas de trabalho.

Os taxistas da capital do país estão acostumados com mobilizações e atos de ruas. Isso porque Brasília concentra todo poder de decisão do Brasil, logo também concentrará toda força de reivindicação dos trabalhadores. Porém, os últimos meses supreenderam os taxistas, motoristas de ônibus e toda população brasileira. Desta vez, é greve geral na Educação Federal. Não centenas, mas milhares de trabalhadores da Educação nas ruas em defesa da Educação Públ ica . Apesar das tenta t ivas fracassadas dos meios de comunicação de esconder e abafar a mobilização dos professores, técnicos e estudantes, a Greve nas Federais tomou grandes proporções. Se a televisão não mostrava as ruas sendo tomadas ou as greves sendo deflagradas gradativamente, os gritos dem ordem ecoados por todo país deixava o recado.

Foi até necessário o Ministro da Educação, senhor Mercadante, declarar que a greve nas Universidades Federais era um tanto quanto "precipitada". Mesmo com um relógio de bilhões, o ministro não "conseguiu" acertar o tempo e perceber os anos de precarização da Educação Pública no país. Só quem pisa no chão sabe dos calos que tem. Para quem está e esteve nestes últimos 5 anos dentro das Universidades Públicas sabe muito bem o que é cair na pegadinha "Reuni" do Governo. Um plano de Reestruturação das Universidades que trazia consigo a bri lhante, mas equivocada, ideia de ampliar as vagas das instituições de ensino superior,

Marcha a vitória! - Relatos da jornada de lutas

Page 4: Boletim CLG 11

“Durante aquela hora, eu vira e descobrira o eterno segredo de qualquer grande arte e, mesmo, para dizer a verdade, de qualquer produção humana: a concentração, a reunião de todas as forças, de todos os sentidos, a faculdade de se abstrair do mundo, que é própria a todos os artistas. Eu aprendera alguma coisa para a vida.” (Stefan Zweig, sobre uma hora passada com Auguste Rodin, em seu atelier. In: O Mundo de Ontem).

Este texto é a introdução de uma participação em mesa redonda sobre o Slow Science e o produtivismo, organizada pelo Comitê Local de Greve da Universidade Federal de Sergipe

Começo com nosso herói sem caráter, Macunaíma, que, em meio às suas batalhas contra o gigante Piamã, gostava de sentenciar ironicamente o Brasil com a frase que (quase) parafraseei acima. A saúva de Macunaíma remete-me à Formiga de La Fontaine, aquela que ordenava sua vida calculadamente, trabalhando sem parar no presente com a ilusão de não morrer no futuro. E q u e , d e s p r e z a n d o sarcasticamente o gênero de vida de uma Cigarra dedicada o tempo inteiro à arte de cantar, recusou-lhe ajuda em tempos difíceis. Sou dos que sempre simpatizam com a Cigarra; não por compaixão porque ela sofre de frio e morrerá fatalmente no inverno, mas porque não viveu trabalhando sem parar, carregando um peso maior do que ela sobre as costas – ao contrário da Formiga, esta trabalhadora que, de tão voraz e calculista, acabou desenvolvendo amargura contra o canto e a dança, contra o prazer de viver e apreciar a beleza do mundo e da vida.

A Cigarra e a Formiga é uma fábula do século XVII, ou seja, ela é filha dileta de seu tempo, aqueles primeiros do longo processo de modernização, os mesmos que, para o sociólogo Max Weber (2004), estão na origem de uma ética do trabalho produtor de riquezas materiais como valor em si e, do predomínio de uma racionalidade fundada no cálculo racional de meios úteis para a obtenção de fins perseguidos. Valores estes que tendem a opor

radicalmente trabalho (domínio da economia, da produção/circulação de bens materiais) e arte (domínio da criatividade, da produção/circulação de bens anímicos); valores estes articulados a um modo de conhecer e agir sobre o mundo através de uma linguagem científica quantitativa ou quantitativada. A ciência, tal qual a conhecemos, a partir da qual as universidades de hoje consolidaram-se, também é filha desse longo processo:

A ciência apresenta-se como um instrumento básico para a ruptura com o passado, como meio fundamental para fazer do presente a eterna construção do futuro; em suma, ela teria como pressuposto o de ser útil ao progresso da humanidade. Assim, entre a ciência e as necessidades modernas estabelece-se um vínculo íntimo e ideal de meio e fim, que tem s u a f o n t e h i s t ó r i c a n o an t ropocen t r i smo da Europa renascentista (século XVI). Este vínculo significa que a ciência é parte c o n s t i t u i n t e d a o p o s i ç ã o tradição/modernidade, que ela se define como parte ativa desse presente aberto ao futuro que caracterizaria a sociedade moderna. (OLIVEIRA, 2006, p. 92).

De lá pra cá, muitas foram e são as tensões entre trabalho e arte, quantidade e qualidade – no próprio mundo do trabalho material (Marx, 2004), no mundo da arte e no mundo científico (Coutrot, 2009). A arte e suas cigarras perderam a ambivalente proteção aristocrática, mas ganharam autonomia de campo (Bourdieu, 1989) adquiriram direito de cidade, embora muitas vezes denunciado por sua transformação em indústria cultural (Adorno/Horkheimer, 1985), ou sua colonização pelo subsistema mercado (Habermas, 1997) – em outros termos, pelo mundo das mercadorias. No que diz respeito à ciência, instalada desde sua origem como meio racional para o fim de eterno progresso da modernidade, estamos vivendo um momento crítico dessas tensões. Um universitário de Bruxelas que tem se destacado como ativista (Gosselain, 2011), afirma que há mais ou menos vinte anos o termo SLOW SCIENCE é evocado aqui e acolá para por em questão um modelo de ensino e de pesquisa que, fincando

raízes antes de tudo no domínio das ciências da vida e da natureza em países anglofônicos (Gosselain, 2010) disseminou-se mundo afora entre os anos 1990 e 2000 – globalizou-se.

Lendo inúmeras manifestações r e i v i n d i c a n d o - s e d i r e t a o u indiretamente de SLOW SCIENCE, fiquei pensando que a Formiga de La Fontaine tem uma descendente contemporânea que, tendo podido aproveitar a democratização do ensino superior (crescente, sobretudo, a partir dos anos 1960, 1970, 1980), ascendeu muito socialmente: virou professora-pesquisadora-publicante. O seu t r a b a l h o , d i t o “ c a l c u l a d o racionalmente”, consiste em: competir ferozmente por editais de pesquisa e a té de ex tensão ; p reenche r formulários de projetos online inspirados em videogames; orientar um monte de estudantes na graduação e na pós; correr entre mega-congressos ou entre seminários discretos de grupos de pesquisa; fazer malabar ismos entre reuniões, relatórios, pareceres, prestações de contas e até pesquisa de preços para material de pesquisa; e, acima de tudo, cumprir quotas de artigos a serem publicados em periódicos bem classificados – sem esquecer de verificar regularmente a dança misteriosa das classificações oficiais, pois, entre o prelo e a publicação do artigo, o periódico pode ter perdido conceito ou ter simplesmente sumido do qualis...

Ah, sim!, há também as aulas....ufa! O que fazer com a formação de estudantes em universidades cada vez maiores? Ora, o jeito é inseri-los d e s d e c e d o n e s s a m á q u i n a compressora: selecionar para nossos grupos ou laboratórios de pesquisa aqueles que, desde as primeiras aulas na graduação, revelem-se motivados e possuidores de “capabilidades” cognitivas e competitivas razoáveis para entrarem na corr ida de obstáculos; glups!, quero dizer, na carreira acadêmica. O resto..., bem, aqueles que não manifestam potencial para a competição e a performance acadêmicas, estão de qualquer forma condenados ao abandono dos estudos ou a diplomas baratos – talvez úteis para batalhar um empreguinho no mundo profano de bens e serviços extra acadêmicos. Para que nos

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“Pouca saúde e muita saúva, os males [da universidade] são”: aceleração produtiva, competição e “febre publicante” como princípios do trabalho científico e universitário

por Tâmara de Oliveira

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Nº11

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preocuparmos com eles?

E, se o professor-pesquisador-p u b l i c a n t e t r a b a l h a r n u m a universidade cuja expansão deu-se a toque de caixa, através de um projeto com verbas e data pré-definidas para terminar, como é o caso de nosso REUNI, a gente não tem mais dúvidas de que se trata de um descendente da Formiga de La Fontaine, daquela saúva que, segundo nosso Macuna íma (preguiçoso, mas bom entendedor das coisas) é um dos males do Brasil – e do mundo, eu acrescentaria. Com efeito, vemo-lo cotidianamente carregando pesos quase mais pesados do que ele dentro de mochilas e pastas (data-show, netbook, tablets, DVDs.), todos esses objetos das novas tecnologias de comunicação e informação, porque as instalações universitárias são tão precárias que essa Formiga contemporânea não deve esperar que o Datashow e o notebook do auditório estejam funcionando. Sem falar nos panes de sistema ou até da prosaica eletricidade...Ah! É sempre bom também levar papel higiênico para o trabalho.

O termo SLOW SCIENCE quer dizer em bom português ciência lenta. Provavelmente é por isso que Macunaíma passou por minha

cabeça, quando percebi que, em vários dos trabalhos que estudei para preparar minha fala aqui (Coutrot, 2009; Barnier, 2009; Candau, 2011; Gousselain, 2011), há um referência ao “pesquisador preguiçoso”: aquele que publica pouco ou nada (em periódicos com conceito relevante); aquele sem uma agenda que não se sabe como comporta tanta atividade! Lembram-se da primeira frase do b e b é M a c u n a í m a ? “ Á i , q u e preguiiiiça....” Pois é, de meu ponto de vista, o que há de comum nas d ive rsas manifestações do SLOW SCIENCE (há outras designações, como por exemplo LA DÉSEXCELLENCE da Universidade Livre de Bruxelas) é uma reivindicação historicamente recorrente na modernidade, qual seja, a do direito à preguiça – como a do genro de Marx, outrora. Porque a preguiça gosta de tempo lento e tempo lento é necessário ao exercício da criatividade, da descoberta, da transmissão, da necessidade e do prazer de fazer bem feito. Ora, e nisto são uníssonos todos os da nebulosa SLOW SCIENCE, a ciência, a pesquisa, a formação (o ensino), a articulação entre elas e a sociedade que a financia (a extensão), precisam da criatividade, do prazer de fazer bem feito e da cooperação – todas estas qualidades que a Formiga de La

Fontaine não costuma cultivar. O crescimento da reivindicação por slow science signi f icar ia que suas descendentes estão enfim se rebelando contra a sina sarcástica, amarga e destrutiva de sua mãe ancestral?

BIBLIOGRAFIAADORNO, T. / HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.BARNIER, F. A pesquisa universitária avaliada...para o desprezo da ciência. In: http://quecazzo.blogspot.com.br/2010_01_01_archive.html, dez. 2009BOURDIEU, P. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: DIFEL, 1989.CANDAU, J. Apel pour um mouvement slow Science. In: http://slowscience.fr/ COUTROT, L. Avaliação em ciências sociais: você disse quantificar? In: http://quecazzo.blogspot.com.br/2010_01_01_archive.html , dez, 2009GOUSSELAIN, O. P. Slow Science – La D é s e x c e l l e n c e . I n : http://www.pauljorion.com/blog/ , agosto 2011.HABERMAS, J. Dorit et démocratie. Paris: Gallimard, 1992.MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. Sâo Paulo: Boitempo Editorial, 2004.OLIVEIRA, T. Porque ensinar os clássicos ou: tradição, modernidade e ciência, substantivos da sociologia. IN: Cadernos UFS – ciências sociais. Vol VIII, fasc. 5. São Cirstóvão: Editora da UFS, 2006. WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Sâo Paulo: Companhia das Letras, 2004.

Professores debatem em mesa-redonda sobre Slow Science

Aconteceu na terça, 24, uma mesa redonda com participação de professores convidados para debater o tema “Produtivismo e o Trabalho Docente: o movimento Slow Science”. Abordaram o assunto os professores Caio Amado e Tâmara de O l i ve i ra , ambos do Departamento de Ciências Sociais da UFS, com mediação do professor e diretor da ADUFS Fernando Sá.

O manifesto Slow Science foi lançado na Alemanha em 2010 e ganhou o mundo acadêmico devido à sua defesa de maior tempo para a ciência se desenvolver. Os cientistas adeptos do movimento pregam a c iência lenta, sem produt iv ismo, sobrecarga de atividades acadêmicas e p r e s s ã o p o r p a r t e d o s ó r g ã o s fomentadores.

A professora Tâmara abriu a mesa iniciando reflexões sobre o assunto. Ela enfatizou a crescente insatisfação dos docentes diante da lógica produtivista que vem assolando as universidades no mundo inteiro. Segundo a professora, a partir da década de 90 se percebe em países-símbolo do capitalismo, a exemplo dos Estados Unidos, a mudança de visão do

trabalho docente das universidades. “O mundo universitário passou a ser central no processo de acumulação de capital a partir do momento em que se tornou gerador de patentes”, diz.

“O modelo de avaliação do pesquisador hoje é algo que me angustia. A universidade vive hoje uma lógica de fábrica de automóvel”, afirma Tâmara de Oliveira, que citou como exemplo sua própria experiência. Em 2009, ela pediu desligamento do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais por não ter condições de manter as atividades. “Não há mais tempo para dedicar ao ensino. O foco do professor e pesquisador é escrever artigo

para publicar em alguma revista conceituada. Há uma confusão de importância entre produção de artigo e publicação de artigo”.

O professor Caio Amado também abordou o assunto durante o evento. Para ele, a mercantilização da atividade intelectual significa o mesmo que privatizá-la, destruindo dessa forma a dimensão pública do conhecimento. “O conhecimento não pode ser calculado como um produto. Ele é público. Através da universidade existe a democratização do conhecimento, e não podemos privatizá-lo”.

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Comando de Greve interdita o Departamento de Compras de Materiais na UFS

Em mais uma ação de mobilização, os técnicos administrativos da Universidade Federal de Sergipe interditam o Setor de Materiais, loca l izado na Pre fe i tu ra da Universidade Federal de Sergipe, durante a amanhã da quarta feira, dia 25 de julho. A ação visava a interrupção, por completo, das atividades deste setor estratégico para universidade, além de promover u m a m p l o d e b a t e c o m o s funcionários que de alguma forma continuavam a ignorar o movimento de paralisação dos Técnicos A d m i n i s t r a t i v o s . “ E s t a m o s interditando a Divisão de Materiais, Compras e Licitação da UFS no sentido de mobilizar e dialogar com os companhe i ros , Técn i cos Administrativos, para que se juntem ao movimento, no intuito de fortalecer as nossas reivindicações”, afirma José Antonio, Vice Presidente do SINTUFS. (Sintufs)

Mercadante não vai à SBPC para acompanhar Dilma em Londres24/07/2012

O ministro da Educação Aloizio M e r c a d a n t e c a n c e l o u s u a participação na reunião anual de cientistas que acontece em São Luís, no Maranhão, para acompanhar a presidente Dilma Rousseff em viagem oficial ao Reino Unido nesta terça-feira. O cancelamento da agenda de Mercadante na reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) decepcionou o conselho de greve presente no evento. Os grevistas p r e t e n d i a m a p r o v e i t a r a oportunidade para negociar o aumento de salário dos funcionários e dos professores das universidades federais diretamente com o ministro. (Folha de São Paulo)

Comando de greve na Ufba rejeita proposta do governo federal e mantém paralisação

O comando de greve dos professores da Universidade Federal da Bahia (Ufba) rejeitou a proposta salarial do governo e decidiu, na quarta-feira (25 ) , pe la con t i nu idade da paralisação. A decisão contraria a atitude da Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes), que acatou a proposta oferecida, na qual a categoria teria reajuste entre 25% e 40%. Segundo Dja i r Bat is ta , in tegrante do movimento grevista na Ufba, “a proposta do governo não contempla o conjunto de demandas”. (Bahia Notícias)

NotíciasRápidas

FILME :

(José Henrique Fonseca. 2012)

HELENOO PRINCIPE MALDITO

CONVITECINE GREVE UNIFICADODATA: 01 de agostoHORA: 15h.LOCAL: auditório da ADUFS

O filme mostra a vida do jogador de futebol Heleno de Freitas na cidade do Rio de Janeiro, numa época em que a cidade era um cenário de sonhos e promessas. Jogando pelo Botafogo, Heleno tinha certeza de que seria o maior jogador brasileiro de todos os tempos, mas a guerra, a sífilis e as desventuras de sua vida desviaram seu caminho.

A Assembleia Geral Permanente de Greve da ADUFS-SSIND deliberou, em 19/07/2012, por unanimidade, repudiar a atitude autoritária do Reitor do Instituto Federal de Sergipe (IFS-SE), Professor Ailton Ribeiro de Oliveira, de acionar a Polícia Militar e Polícia Federal para reprimir o Ato Público, pacífico, realizado pelas entidades sindicais do setor da Educação do Serviço Público Federal, no dia 13/07/2012, na entrada do IFS.

Assembleia dos Docentes da Universidade Federal de SergipeCidade Universitária, José Aloisio de Campos, São Cristóvão-SE, 19/07/2012

Moção de Repúdio

AGENDA DE GREVE DOS DOCENTES DA UFS