biotica e biodireito doutorado

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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP Odete Neubauer de Almeida LIMITAÇÕES À REPRODUÇÃO ASSISTIDA: A Mercantilização da Espécie Humana Regras do Biodireito e da Bioética A Necessidade de Legislação Específica DOUTORADO EM DIREITO DO ESTADO SÃO PAULO 2010

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biodireito

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    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC - SP

    Odete Neubauer de Almeida

    LIMITAES REPRODUO ASSISTIDA: A Mercantilizao da Espcie Humana

    Regras do Biodireito e da Biotica A Necessidade de Legislao Especfica

    DOUTORADO EM DIREITO DO ESTADO

    SO PAULO 2010

  • 2

    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC - SP

    Odete Neubauer de Almeida

    LIMITAES REPRODUO ASSISTIDA: A Mercantilizao da Espcie Humana

    Regras do Biodireito e da Biotica A Necessidade de Legislao Especfica

    Dissertao apresentada Banca Examinadora como exigncia parcial para obteno do Ttulo de Doutor em Direito do Estado pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, sob orientao da Professora Maria Garcia

    SO PAULO 2010

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    SENHOR, tu me sonda e me conheces.

    Porque tu formaste o meu interior; Tu me tecestes no ventre da minha me;

    Dou-te graas, porque formidvel e maravilhosamente fui formado; Maravilhosas so as tuas obras, E minha alma o sabe muito bem,

    No foram encobertos de ti os meus ossos, Ainda quando em oculto fui formado,

    E entretecido no vale profundo da terra. Teus olhos viam o meu embrio,

    Meus dias estavam previstos, escritos todos em teu livro, Quando ainda no existiam.

    Salmo 139 vs.1, 13 a 16.

  • 4

    Agradeco Professora MARIA GARCIA. No s pela orientao.

    Mas pela demonstrao de carinho pelos alunos. Por todo ensinamento que me passou.

    Se me tornei uma pessoa melhor. Com certeza foi depois que a conheci.

    A PUC est de parabns pela professora que tem. Maria! Que Deus te abenoe e te guarde para sempre!

  • 5

    Dedico este trabalho a Deus. A quem amo e louvo!

    Que me trouxe para a PUC. Permitiu que eu terminasse esse curso.

    Me deu fora e esperana, para chegar at aqui.

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    Agradeo

    Em primeiro lugar a Deus, pois sem ele, sequer eu existiria.

    minha famlia que tem suportado essa batalha comigo.

    s minhas filhas que estiverem presente em todos os bons e maus momentos.

    Paula com suas brincadeiras e alegria.

    Patrcia pelo companheirismo.

    Ao Joo, noivo querido que me escuta, me incentiva e tem sido meu porto seguro.

    tia Lia, pela fora e colaborao ao meu servio no escritrio.

    Ao Vincius pela ajuda no Ingls e Jssica pelo carinho.

    Ao Pastor lvaro e Igreja Batista de Leopoldina pelas oraes.

    Bernadete, sogra linda que no me esquece.

    Ao Dinoamrico e Dalva querida pela reviso.

    Aos professores da PUC principalmente minha orientadora que colaborou para que tudo se realizasse, com carinho e ajuda.

    Aos meus amigos professores e alunos das Faculdades em que trabalhei que me acompanharam todos esses anos.

    s queridas amigas de orao Luisa e Jane.

    Priscila e ao Leandro por toda a ajuda e pela graciosidade da espera da Lorena que chegar para alegrar as nossas vidas!

  • 7

    ALMEIDA, Odete Neubauer de. LIMITAES REPRODUO ASSISTIDA: A Mercantilizao da Espcie Humana Regras do Biodireito e da Biotica A Necessidade de Legislao Especfica 2010. 198f. Dissertao. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.

    RESUMO. O Direito atualmente vem enfrentando uma necessidade em todo o mundo, quer pases de pequeno, mdio ou grande desenvolvimento, que a implantao de ordenamento legal para avaliar casos que tm conflitos originados na Reproduo Humana Assistida. A falta de legislao especfica, torna frgil qualquer situao das pessoas, quer seja na prtica concreta da reproduo humana assistida, quer seja na situao da criana envolvida. A legislao estrangeira tem sido implantada e analisada em algumas situaes, no comportando ainda uma utilizao perfeita, pois demonstra que algumas situaes derivam de costumes, importando assim uma dificuldade em julgar problemas de um pas, tendo como base a legislao de outro. A Resoluo do Conselho Federal de Medicina n 1.358/92 e a Constituio Federal de 2008 tm sido de grande ajuda para tornar certa a busca de solucionar lacunas que a lei ainda no alcana. A cincia, por sua vez, no paraliza seus estudos para esperar que o Direito construa uma forma legal, que propicie ao utilizador das tcnicas, maior regulamento e segurana. Este trabalho aborda as vrias necessidades de regulamentao, e tambm o que se tem a partir da Biotica e do Biodireito, mostrando ainda as legislaes estrangeiras especficas. No se trata ainda somente de informao, mas algumas intolerncias que existem a respeito do assunto e da verdadeira necessidade de se utilizar destas tcnicas, em virtude do grande nmero de crianas que esto sendo abandonadas em orfanatos e casas de apoio governamental, espera de famlias que se interessem em adot-las. No existe, neste trabalho, informao sobre outros pases e o nmero de crianas que aguardam por adoo, contudo, o problema que se busca enfrentar o brasileiro, e a necessidade real de se implantar todo tipo de prticas de inseminao artificial. Tambm existe a necessidade de visualizao por parte da legislao no que concerne s vrias etapas das tcnicas de reproduo humana assistida, e dos comportamentos ticos das pessoas envolvidas. A legislao em relao reproduo humana assistida, deve ser elaborada em carater urgente, contudo, necessrio que os resultados sejam devidamente estudados para um melhor aproveitamente. O trabalho envolve a proteo de todo o complexo quanto dignidade da pessoa humana, quer sejam os j indicados nos Direitos Humanos, e outros que precisam ser melhor elaborados, para que a licitude da Reproduo Humana Assistida, venha trazer resultados compensadores e no devastadores aos cidados brasileiros. Essa busca de equilbrio entre a cincia e a lei deve ser a prioridade em todos os setores jurdicos, como tambm da medicina, dos ramos da biotica e do biodireito, tanto na utilizao das decises jurdicas, das atividades dirias dos envolvidos diretamente como das penalidades em caso de responsabilidade por ato ilcito. O objetivo demonstrar a necessidade de uma legislao, visando esclarecer lacunas existentes e argumentar a respeito da limitao e da atuao da cincia, quanto s prticas desenvolvidas de reproduo assistida e da sua aplicabilidade. Comenta sobre os motivos de se utilizar as tcnicas de reproduo assistida, como tambm as proibies para as limitar, importando assim a proteo da dignidade da pessoa humana, desde a concepo. Palavra-chave: Reproduo Humana Assistida

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    ABSTRACT. The law currently is facing a need in the world, both countries small, medium or large development, which is the implementation of legal system to evaluate cases with disputes arising in the Assisted Human Reproduction. The lack of specific legislation, makes any fragile situation of the people, whether in the actual practice of assisted human reproduction, whether in the situation of children involved. The foreign law has been implemented and tested in some situations which do not have yet a compact, it shows that some situations are derived from customs, as a matter difficult to judge a country's problems, based on the laws of another. The resolution of the Federal Medical Council No 1358/92 and the Federal Constitution of 2008 have been of great help in making sure the quest to solve gaps that the law does not reach.Science, in turn, did not paralyze his studies to expect the law to build a legal form, which triggers the user of the techniques, greater regulation and safety. This work addresses the various regulatory requirements, and also what we have from the Bioethics and Biolaw, still showing the specific foreign laws. It is still only information, but some intolerances that exist on the subject and the real need to use these techniques, due to the large number of children being abandoned in orphanages and homes of government support, waiting for families who are interested in adopting them. There is, in this study, information about other countries and the number of children who await adoption, however, the problem that seeks to face the Brazilian real and the need to deploy all kinds of practices of artificial insemination. There is also the need for viewing by the legislation regarding the various steps of the techniques of assisted human reproduction, and ethical behavior of those involved. Legislation in relation to assisted human reproduction should be developed in a matter of urgency, however, it is necessary that the results are properly studied to better use. The work involves the protection of the entire complex as the human dignity, whether they are already listed in Human Rights, and others who need to be better prepared for the lawfulness of the Assisted Human Reproduction, which will bring very good results and not to the devastating Brazilian citizens. This search for balance between science and law should be the priority in all fields of law, as well as medicine, branch of bioethics and biolaw, both in the use of legal decisions and daily activities of those involved directly as the penalties for liability in tort. The goal is to demonstrate the need for legislation, aimed at identifying gaps and argue about the limitations and role of science and the practices developed in assisted reproduction and its applicability. Comments on the reasons for using the techniques of assisted reproduction, as well as prohibitions on the limit, so importing the protection of human dignity from conception.

    Keywords: Assisted Human Reproduction

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    SUMRIO

    CAPTULO I .............................................................................................................. 11 1. A BIOTICA ..................................................................................................... 11 1.1. Conceito .......................................................................................................... 11 1.2. Evoluo histrica........................................................................................... 14 1.3. Desenvolvimento dos estudos bioticos ..................................................... 19 1.4. Lei de Biossegurana .....................................................................................27

    CAPTULO II ............................................................................................................. 36 2. BIODIREITO ..................................................................................................... 36 2.1. Conceito ...........................................................................................................36 2.2. Direitos Humanos e Biodireito ......................................................................41 2.3. O Direito As Leis Bioticas ......................................................................... 46 2.4. Princpios Constitucionais .............................................................................50 2.5. Princpios bioticos ........................................................................................54

    CAPTULO III ............................................................................................................ 58 3. REPRODUO HUMANA ...............................................................................58 3.1. Evoluo histrica .......................................................................................... 58 3.2. A reproduo humana ....................................................................................61

    CAPTULO IV ............................................................................................................ 64 4. REPRODUO HUMANA ASSISTIDA ...........................................................64 4.1. Evoluo histrica .......................................................................................... 64 4.2. Inseminao Artificial ..................................................................................... 66 4.3. A fecundao in vitro .....................................................................................70 4.4. Tcnica da FIV ................................................................................................. 71 4.5. Gravidez mltipla na inseminao in vitro .................................................. 73 4.6. Congelamento de embries ........................................................................... 74 4.7. Mes de substituio Barriga de Aluguel ............................................. 76 4.8. A doao do vulo e do smen ..................................................................... 79 4.9. Adoo de embries ...................................................................................... 85

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    CAPTULO V ............................................................................................................. 88 5. A REPRODUO ASSISTIDA E A FAMLIA ..................................................88 5.1. Espcies de Famlia ........................................................................................ 88 5.2. A reproduo assistida e o Parentesco ........................................................93 5.3. Graus de parentesco consanguneo ............................................................ 96 5.4. E a Filiao ...................................................................................................... 97 5.5. E a sucesso Legtima .................................................................................103

    CAPTULO VI ..........................................................................................................107 6. OS LIMITES NECESSRIOS REPRODUO ASSISTIDA ......................107 6.1. Questes ticas sobre a reproduo assistida ......................................... 107 6.2. A insuficincia das regulamentaes. ....................................................... 110 6.3. Legislao sobre a reproduo assistida .................................................. 113 6.4. Projetos de lei ............................................................................................... 115 6.5. Legislao Estrangeira e Direito Comparado ............................................ 118 6.6. Aspectos gerais do procedimento da reproduo assistida ................... 130

    CAPTULO VII ........................................................................................................ 133 7. ATUALIDADES DA REPRODUO ASSISTIDA ........................................ 133 7.1. Consideraes cientficas ........................................................................... 133 7.2. Necessidade de Legislao sobre a Reproduo Assistida .................... 138 7.3. Novidades da inseminao humana artificial ............................................ 145 7.4. Os limites necessrios reproduo assistida ........................................ 147

    CONCLUSO ......................................................................................................... 160 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................163 ANEXOS ................................................................................................................. 166

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    CAPTULO I

    1. A BIOTICA

    1.1. Conceito

    A palavra tica tem origem no termo grego ethos, que significava "bom costume", "costume superior", ou "portador de carter". uma palavra utilizada em todas as formas de atividades, convivncias, discursos, estudos, enfim, tudo o que se relaciona com a vida em grupo, que tem por base a necessidade do equilbrio e a possibilidade de se manter a paz e a legalidade.

    tica em geral, cincia da conduta, tem duas concepes fundamentais:

    Primeira, que a considera como cincia do fim, para o qual a conduta do homem deve ser orientada, e dos meios para atingir tal fim, deduzindo tanto o fim, quanto os meios, da natureza do homem;

    Segunda, que a considera como cincia do mvel da conduta humana e procura determinar tal mvel com vistas a dirigir ou disciplinar essa conduta.1

    O conceito de tica anterior aos gregos, e segundo Maria Garcia e Claudio Cohen: Devemos a este povo o fato de t-la nomeado, enquanto filosofia do bem e do mal.2

    Ser bom, ser generoso, ser zeloso e ser correto so caractersticas, que se busca no ser humano.

    1 GARCIA, Maria Limites da Cincia A dignidade da Pessoa humana a tica da

    responsabilidade, So Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2004, p. 229 cit. Nicola Abbagnano. 2 GARCIA, Maria e Claudio Cohen Questes de Biotica Clnica Pareceres da Comisso de

    Biotica do Hospital das Clnicas da Faculdade de So Paulo Rio de janeiro - Ed. Elsevier 2007, Introduo, VX. Porm desde os nossos primeiros ancestrais, os que puderem simbolizar e, portanto, dar um significado ao mundo, j deveria existir uma tica que possibilitava as relaes humanas. Assim como j existiam tabus e leis sociais que regulamentavam o comportamento humano mesmo antes que fossem criados os cdigos escritos de moral.

  • 12

    Francesco Carnelutti diz que:

    A tica , portanto, aquele aspecto da realidade que consiste no complexo dos fenmenos determinados pela regra tica, e particularmente pelas relaes ticas.3

    Muitos exemplos da histria poderiam demonstrar o valor que o ser humano d ao homem tico, contudo, muitos ainda vivem sem a preocupao com esse carter, outros nem sequer, conhecem o seu conceito.

    Hans Kelsen diz:

    Ao lado das normas jurdicas, porm, h outras normas que regulam a conduta dos homens entre si, isto , normas sociais, e a cincia jurdica no , portanto, a nica disciplina dirigida ao conhecimento e descrio de normas sociais. Essas outras normas sociais podem ser abrangidas sob a designao de Moral e a disciplina dirigida ao seu conhecimento e descrio pode ser designada como tica.4

    O direito tem por obrigao, buscar disciplinar a conduta do homem, incluindo no ordenamento normas de convivncia tica.

    Segundo Gabriel Chalita:

    3 CARNELUTTI, Francesco Teoria Geral do Direito Editora Lejus, So Paulo, 2000, p. 101.

    Existe, pois, para a composio dos conflitos de interesses, uma regra que indica, caso por caso, atravs da conscincia dos interessados, o modo de agir. A esta regra d-se o nome de regra tica, ou ento de regra moral. A bondade, a caridade, a honestidade, a prpria justia, no so mais do que expresses do comportamento conforme esta regra. S uma tal conformidade determina aquela satisfao dos interessados em que consiste a verdadeira paz. Por isso no pode haver paz sem justia. Isto no quer dizer que a regra tica diga apenas respeito ao comportamento de um homem para com outro homem, e deste modo composio do conflito de interesses. Pelo contrrio, diferentemente do que sucede com a regra jurdica, a regra tica alm de, ou antes que intersubjetiva, intra subjetiva. O paradigma desta sua natureza encontra-se naquela solene formulao da regra tica que consiste nos mandamentos da lei de Deus, segundo os quais no s vedada a fornicao, como mesmo o desejo da mulher de outrem. 4 KELSEN, Hans Teoria Pura do Direito, Traduo de Joo Baptista machado,3 tiragem, Martins

    Fontes, Ed. Martins Fontes, So Paulo, 1999, p.67.Continua o autor: Na medida em que a justia uma exigncia da moral, na relao entre a Moral e o Direito est contida a relao entre a Justia e o Direito. A tal propsito deve notar-se que, no uso corrente da linguagem, assim como o Direito confundido com a cincia jurdica, a Moral muito frequentemente confundida com a tica, e afirma-se desta o que s quanto quela est certo: que regula a conduta humana, que estatui deveres e direitos, isto , que estabelece autoritariamente normas, quando ela apenas pode conhecer e descrever a norma moral posta por uma autoridade moral ou consuetudinariamente produzida. A pureza de mtodo da cincia jurdica ento posta em perigo, no s pelo fato de se no tomarem em conta os limites que separam esta cincia da cincia natural, mas muito mais ainda pelo fato de ela no ser, ou de no ser com suficiente clareza, separada da tica: de no se distinguir claramente entre Direito e Moral.

  • 13

    O conceito de tica muda muito ao longo do tempo e dialoga com outro conceito interessante, o da moral. Por meio desse enfoque possvel discutir temas mais pontuais e aparentemente menos complexos, como a relao com os vizinhos, a vida em sociedade, os direitos e deveres do ser social, a postura poltica e assim por diante.5

    A histria do homem tem demonstrado que em todas as pocas, a tica foi conceituada com o que melhor poderia se esperar das atitudes do homem, em relao ao seu prximo.

    Nas palavras de Miguel Reale

    A cincia pode tornar mais gritante o problema do dever, mas no o resolve. Os conhecimentos cientficos tornam, s vezes, mais urgentes a necessidade de uma soluo sobre o problema da obrigao moral, mas no implicam qualquer soluo, positiva ou negativa. O problema do valor do homem como ser que age, ou melhor, como o nico ser que se conduz, pe-se de maneira tal que a cincia se mostra incapaz de resolv-lo. Este problema que a cincia exige, mas no resolve, chama-se problema tico, e marca momento culminante em toda verdadeira Filosofia, que no pode deixar de exercer uma funo teleolgica, no sentido do aperfeioamento moral da humanidade e na determinao essencial do valor do bem, quer para o indivduo, quer para a sociedade.6

    Estamos, contudo, no momento da histria em que a tica, deve mais do que qualquer tema, ser o principal alicerce da conduta, pois em face do grande avano cientfico, a vida corre risco em maior escala.

    A vida dos cidados na sociedade, no que diz respeito s experincias cientficas, necessita cada vez mais de proteo e da participao de todos, para aprimoramento eficaz nos resultados das descobertas.

    Ponderam Maria Garcia e Claudio Cohen que

    Assim sendo no nascemos nem ticos e nem antiticos, nascemos aticos, mas temos a possibilidade de nos tornarmos seres ticos. Construiremos a nossa eticidade durante o nosso desenvolvimento, pois ela

    5 CHALITA, Gabriel Educao. A soluo est no afeto, So Paulo. Ed. Gente. 2001, p. 205.

    6 REALE, Miguel Filosofia do Direito So Paulo Editora Saraiva 1996, p. 35. Ainda nas

    palavras do autor, na p. 34/35: Por mais que o homem descubra e certifique verdades e seja capaz de atingir leis de atingir leis ou princpios, seus conhecimentos da realidade, sic et simpliciter, no resolvem a obrigatoriedade da ao. Que devemos fazer? Como devemos nos conduzir? Que vale o homem no plano da conduta? O fato de sermos hoje, mais ricos de conhecimentos do que o homem selvagem ter, porventura, infludo na bondade do prprio homem? O fato de ser portador de maior soma de conhecimento leva o homem a reconhecer o caminho de seu dever?

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    faz parte do nosso processo de hominizao, fenmeno que toda pessoa deve percorrer para se tornar um indivduo.7

    Do ponto de vista etimolgico, biotica a forma da tica, que se ocupa do fenmeno da vida, em todos os campos das suas manifestaes, terminando assim, por ser uma tica Geral, com os fenmenos vitais, incluindo as questes ecolgicas, clnicas, que vo desde a investigao dos seres humanos, at os direitos dos animais, como uma espcie de macrotica.

    A macrotica tem como viso, os vrios fenmenos vitais da vida animal ou vegetal ou em termos de ecosfera ou das atividades humanas, quer sejam atividades, polticas, sanitrias, docentes ou empresariais, objetivando os fins e os princpios, valores e hbitos indispensveis vida humana.

    1.2. Evoluo histrica

    Ao direito, compete regulamentar de forma clara e objetiva as tcnicas de reproduo artificial, que a cincia mdica colocou disposio do ser humano, impedindo conseqncias irreversveis para a humanidade.

    De acordo com as necessidades e a possibilidade de novas tecnologias, a biotica durante o tempo foi alicerando as suas diretrizes, mesmo sem um ordenamento legal especfico, mas com os meios alcanados pelos cientistas.

    A biotica foi acompanhando essas transformaes e coibindo como pode os abusos s pesquisas, quando se tornavam do conhecimento geral, e utilizando-se das leis que muitas vezes at por analogia poderiam trazer algum resultado.

    Segundo Reinaldo Pereira da Silva:

    7 GARCIA, Maria e Claudio Cohen Questes de Biotica Clnica Pareceres da Comisso de

    Biotica do Hospital das Clnicas da Faculdade de So Paulo Rio de janeiro - Ed. Elsevier 2007, Introduo, VXI. Continuando Assim, podemos pensar em pelo menos duas ticas diferentes e que podem se contrapor: a tica do indivduo e a tica do outro. Destas diferenas que surgir o que podemos denominar biotica das relaes (grifo nosso). Deste modo devemos entender que a biotica da percepo simblica da existncia do outro (sujeito ou objeto), do conflito que este fenmeno nos causa e da necessidade de nos relacionar com estima e respeito ao outro.

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    ...a tomada de conscincia da sociedade sobre a necessidade de reatualizao da tica da vida humana se delineia ao trmino da primeira metade do sculo XX, quando a opinio pblica mundial teve conhecimento das intervenes desumanas de mdicos e de pesquisadores alemes durante o regime nazista. Este ento o marco da protobiotica. Com efeito, o julgamento de Nuremberg, em 1945, finda a Segunda Guerra Mundial, revelou ao mundo os abusos contra a humanidade realizados em nome da cincia e da tecnologia nos campos de concentrao de prisioneiros.8

    Historicamente a primeira pessoa a empregar o termo foi o oncologista e bilogo norte-americano Van Rensselder Potter, da Universidade de Wisconsin, em Madison, em sua obra Bioethics: bridge to the future, publicada em 1971, considerando-a a cincia da sobrevivncia.

    Dizia ele que: a biotica era a nova disciplina que recorreria s cincias biolgicas para melhorar a qualidade de vida do ser humano, permitindo a participao do homem na evoluo biolgica e preservando a harmonia universal.

    -Cincia que garantiria a vida na Terra.

    -A biotica teria um compromisso com o equilbrio e a preservao da relao dos seres humanos com o ecossistema e a vida no planeta.

    atravs da biotica, que se podem impedir abusos e desrespeito ao ser humano, inclusive no que se refere reproduo assistida. At mesmo a denominao do embrio causa de estudo segundo Heloisa Helena Barbosa:

    Aponta-se, de incio, um problema terminolgico, na utilizao indiscriminada do vocbulo "embrio". De acordo com a Biologia, antes da implantao, o vulo fecundado chama-se "zigoto". O embrio a entidade em desenvolvimento a partir da implantao no tero, at oito semanas aps a fecundao; a partir da nona semana comea a ser denominado feto, tendo essa designao at nascer. Portanto, a rigor at os primeiros, quatorze dias aps a fertilizao, temos o zigoto, denominado na legislao espanhola "pr-embrio", designao que causa controvrsia por induzir uma diminuio da condio humana da entidade em desenvolvimento 9

    8 WOLKMER, Antonio Carlos ob. Cit. Os Novos Direitos no Brasil Ed Saraiva So Paulo 2003

    pp. 295-296. 9 Artigo Cientifico - Proteo jurdica do embrio humano escrito por Por Helosa Helena Barbosa

    citao de ANDORNO, Roberto. Biotica y dignidad de la persona. Madrid: Tecnos. 1998 - ANDORNO, por sua vez, entende que as solues para os novos problemas provocados pela

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    Outros tinham demais maneiras de conceituar a biotica, uns como tica das cincias da vida, e outros como, tica biomdica.

    A Encyclopdia of bioethics definiu, em 1978 a biotica como O estudo sistemtico da conduta humana no campo das cincias da vida e da sade, enquanto examinada luz dos valores e princpios morais.

    Em 1995 na sua segunda edio deixou de fazer referncia aos valores e princpios morais, considerando-a como o estudo sistemtico das dimenses morais das cincias da vida e do cuidado da sade, utilizando uma variedade de metodologias ticas num contexto multidisciplinar.

    O termo biotica surgiu somente na dcada de 70, contudo, j existia um documento chamado Cdigo de Nuremberg, de 1947, que considerado o marco inicial da biotica.

    biotecnologia dependem quase inteiramente da resposta que se d pergunta sobre a pessoa. Aduz que os desenvolvimentos biomdicos no obrigam o direito a traduzir em termos jurdicos o lao que une a pessoa a seu corpo. Pelo contrrio, o direito aparece como o garantidor da unidade da pessoa, que de outro modo se veria afetada por uma interpretao dualista do tipo "sujeito-objeto". A pessoa se identifica com seu corpo. E, sem embargo, no em razo das qualidades do seu corpo que ela a realidade mais sublime sobre a terra. graas a seu ato de ser, dotado de uma intensidade nica, que possui uma dignidade constitutiva. Segundo o mesmo autor, de uma perspectiva, j no ontolgica, seno tica, o termo "pessoa" empregado para designar os seres que possuem uma dignidade intrnseca. Nesse sentido, dizer "pessoa" equivale dizer "um ser que merece um tratamento enquanto fim em si"; a "pessoa" o oposto de "coisa", existindo um abismo infinito entre ambos.Prossegue explicando que a noo de "dignidade" pode tambm ser tomada em dois sentidos: a) a dignidade ontolgica, que uma qualidade inseparavelmente unida ao prprio ser do homem ("al ser mismo del hombre"), sendo portanto a mesma para todos. Esta noo nos remete idia de incomunicabilidade, de unicidade, de impossibilidade de reduzir este homem a um simples nmero. o valor que se descobre no homem pelo s fato de existir...; b) a dignidade tica, que faz referncia no ao ser da pessoa, mas ao seu atuar ("a su obrar")...Esta dignidade fruto de uma vida conforme o bem, e no possuda por todos da mesma maneira. Se trata de uma dignidade dinmica, no sentido de que construda por cada um atravs do exerccio de sua liberdade.Esclarece que, quando se refere em sua obra "dignidade da pessoa", o faz no primeiro sentido, ou seja, como sinnimo do valor que se deve reconhecer ao homem pelo s fato de ser homem . Entende, com relao s normas internacionais que afirmam o princpio da dignidade humana, que isso significa que no mais se admite a existncia de homens de segunda categoria, de sub-humanos, de "vidas sem valor vital", sendo suficiente ser homem para ser reconhecido como pessoa. Todos os homens so igualmente dignos, em razo de sua natureza comum. Ser digno equivale, portanto, a ser pessoa. Ressalta, contudo, que as "biotecnologias" fizeram nascer neste ltimos anos o debate em torno da noo mesma de "pessoa", em especial nos momentos limites de sua existncia: o comeo e o fim. Se assiste assim o que se tem denominado "a diluio dos confins da pessoa". Indica haver duas vises opostas da pessoa: a que a identifica com o indivduo pertencente espcie humana e a que a assimila ao ser autoconsciente.Retorna-se, desse modo e por fora de outra abordagem, antiga questo: quando comea a vida humana ?

  • 17

    Esse cdigo contm dez princpios sobre as experincias com seres humanos, e foi elaborado pelo Tribunal de Nuremberg (1945 - 1946) O cdigo de Nuremberg foi elaborado aps a II Guerra Mundial e foi revisto em 1964 - Pela OMS Organizao Mundial da Sade que se reuniu em Helsinque, na Finlndia.

    A Declarao de Helsinque teve influncia na formulao das legislaes e dos cdigos de conduta internacionais, nacionais e regionais, e foi revista em Tquio, em 1975, em Veneza, em 1983, e em Hong Kong, em 1989, sempre fixando novas diretrizes ticas para serem utilizadas por mdicos que esto envolvidos em pesquisas biomdicas.

    Segundo Maria Helena Diniz:

    A biotica seria, em sentido amplo, uma resposta da tica s novas situaes oriundas da cincia no mbito da sade, ocupando-se no s dos problemas ticos, provocados pelas tecnocincias biomdicas, e alusivos ao incio e fim da vida humana, s pesquisas em seres humanos, s formas de eutansia, distansia, s tcnicas de engenharia gentica, s terapias gnicas, aos mtodos de reproduo humana assistida, eugenia, eleio do sexo do futuro descendente a ser concebido, clonagem dos seres humanos, maternidade substitutiva, escolha do tempo para nascer ou morrer, mudana de sexo em caso de transexualidade, esterilizao compulsria de deficientes fsicos ou mentais, utilizao da tecnologia do DNA recombinante, s prticas laboratoriais de manipulao de agentes patognicos etc., como tambm degradao do meio ambiente, da destruio do equilbrio ecolgico e do uso de armas qumicas. 10

    Melhor conceituando:

    - Formas de eutansia, distansia, tcnicas de engenharia gentica, terapias gnicas, mtodos de reproduo humana assistida, eugenia, eleio do sexo do futuro descendente a ser concebido, clonagem dos seres humanos, maternidade substitutiva, escolha do tempo para nascer ou morrer, mudana de sexo em caso de transexualidade, esterilizao compulsria de deficientes fsicos ou mentais, utilizao da tecnologia do DNA recombinante, prticas laboratoriais de manipulao de agentes patognicos.

    10 DINIZ, Maria Helena O Estado atual do Biodireito Editora Saraiva So Paulo 2001 pp.10-

    11.

  • 18

    A Biotica alm de atuar no mbito da sade, se faz presente no estudo das situaes da degradao do meio ambiente, da destruio do equilbrio ecolgico e do uso de armas qumicas, como tambm aos riscos inerentes prtica tecnocientfica e biotecnocientfica, como os riscos biolgicos, a biologia molecular e engenharia gentica, aos organismos geneticamente modificados, que podem provocar o aparecimento de novas doenas virais ou o ressurgimento de antigas molstias virulentas, como ainda os riscos ecolgicos, resultantes das queimadas, poluio, corte de rvores, do uso da energia nuclear, introduo de organismos geneticamente modificados no meio ambiente ou da reduo da biodiversidade.

    Pode-se classificar a biotica em: - biotica das situaes persistentes, temas cotidianos como o aborto,

    eutansia, racismo, excluso social e discriminao;

    - biotica das situaes emergentes, como doao, transplante de rgos e tecidos e engenheiramento gentico.11

    11 Segundo Maria Helena Diniz: Surgem os dilemas sociais: - Alterar as leis da natureza. - Emprego

    de recursos mdicos contra a soberania de Deus. - Limitar o uso das biotecnologias. - Respeito aos direitos fundamentais e preservar das geraes futuras. - Adequar novas conquistas biotecnocientficas com as normas ticas e jurdicas vigentes na sociedade atual. - Manter os valores da sacralidade da vida e da inviolabilidade do corpo sem questionar o poder de mdicos e cientistas, telogos, juzes, etc. Evitar que a engenharia gentica seja um passo para o eugenismo universal, devido coisificao do ser humano. - A biotica precisa de um paradigma de referncia antropolgico-moral: o valor supremo da pessoa humana, de sua vida, dignidade e liberdade ou autonomia, dentro da linguagem dos direitos humanos e em busca da qualidade de vida digna, dando prioridade ao ser humano e no s instituies voltadas biotecnocincia. Necessrio que a biotica leve a aquisio de hbitos ticos e de qualidade de carter. Deve juntamente com a biossegurana averiguar a legitimidade, ou no, do uso das novas tecnologias da engenharia gentica para transformar a qualidade de vida das pessoas. A biotica dever ser um estudo deontolgico, que possa proporcionar diretrizes moral para o agir humano, diante dos dilemas levantados pela biomedicina, que giram em torno dos direitos entre a vida e a morte, da liberdade da me, do futuro ser gerado artificialmente, possibilidade de doar e dispor do prprio corpo, da investigao cientfica e da necessidade de preservao de direitos das pessoas envolvidas e das geraes futuras. Maria Helena Diniz em sua obra, O ESTADO ATUAL DO BIODIREITO elenca de forma geral os campos que tm necessidade de envolvimento com o estudo da biotica: a) progresso cientifico: - Eutansia; UTI mantm paciente terminal; Esterilizao de criminosos sexuais; Inseminao artificial post mortem; Conflito paternidade maternidade; Clonagem de seres humanos; Gerar crianas p/o fim de doar tecidos; Fecundao de vulo de macaco com semem de ser humano; Pr-determinar caracteres de bebs; Bancos de vulos, espermatozides, embries, clulas, tecidos e rgos para transplantes;Comrcios de rgos e tecidos humanos; Estoque de embries humanos excedentes; Reproduo humana assexuada; Possibilidade de ocorrer a genialidade induzida ou criao de por partenogneses; DNA latria; Tecnologia desenvolvida do DNA recombinantes para alterar o patrimnio gentico da pessoa; Catalogar o cdigo gentico da espcie humana; Biotica social; Manipulao de clulas somticas para fins teraputicos ou no; Diretrizes internacionais para pesquisas em seres humanos;Interveno teraputica no patrimnio cromossmico para produzir

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    1.3. Desenvolvimento dos estudos bioticos

    O estudo da biotica deve aproximar a populao das notcias, no que se refere s inovaes das cincias biomdicas, engenharia gentica, embriologia e tecnologia aplicadas sade.

    A biotica tem como referncia os fenmenos da vida biolgica, como engenharia gentica; tcnica de reproduo medicamente assistida; eugensia; aborto; suicdio; greve de fome; eutansia; enfermidades incurveis; experimentao com o ser humano; transplantes de rgos; relao pessoal sanatrio-paciente (direito verdade); direitos dos afetados, por enfermidades contagiosas, como tambm os direitos das futuras geraes.

    Em virtude dos avanos acima no que se refere biologia molecular e biotecnologia, houve a necessidade do desenvolvimento da biotica, nas seguintes questes:

    - Denncia de abusos contra o ser humano pelas experincias biomdicas.

    - Incapacidade dos cdigos ticos e deontolgicos para guiar a boa prtica mdica.

    - Pluralismo moral.

    seres humanos perfeitos; Tcnicas cirrgicas de transplante de rgos ou de mudana de sexo, no caso de transexualidade; Biologia molecular para reconhecimento do vinculo entre pais e filhos de vitimas de desastres ou identificao de criminosos; Criao de animais e plantas transgnicas; Degradao do meio ambiente, poluio da hidrosfera e da atmosfera. a) sociedade do atendimento mdico com o desaparecimento do medico de famlia. b)Telemedicina fornecido pelo CTBC Telecom aparelho que grava a freqncia cardaca do paciente e envia os dados em forma de som ligando um cal center de qualquer telefone, para que os rudos se transformem em grficos. c) Universalizao da sade aparecimento de vrias entidades internacionais. Ex: Organizao Panamericana da Sade e o Conselho da Europa. d) A medicalizao da vida servios mdicos as diferentes fases da vida embriologia neonatologia, pediatria, clnica, mdica, obstetrcia, geriatria, cirurgia esttica etc. e) Emancipao do paciente autonomia da vontade do paciente. f) Comits de tica hospitalar e comits para pesquisas em seres humanos. g) Institutos no governamentais preocupados com a expanso dos problemas ticos: Ex: Sociedade para a Sade e valores Humanos, fundada em 1950 Houston; o Instituto Kennedy de Esttica da Universalidade de Georgetown, criado em 1971 o Hasting Center que foi fundado em fins de 1969 em Nova Yorque. h) Necessidade de um padro moral - pessoas de moralidades diferentes - estabelecer princpios comuns para o progresso das cincias biomdicas e da tecnologia cientfica aplicada sade. i) Interesse da tica filosfica e teolgica nos temas alusivos vida, reproduo e morte do ser humano.

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    - Maior aproximao dos filsofos e telogos. - Posicionamento e declaraes dos organismos internacionais e

    instituies no governamentais sobre temas voltados, nova tica mdica e intervenes do judicirio. Legislativo e Executivo, sobre questes envolvendo os direitos fundamentais do homem sua vida, sade reproduo e morte.

    - A ameaa da tcnica sobre a humanidade, gerou uma tica para a civilizao biotecnolgica, para preservar a dignidade da pessoa humana dos abusos do bio poder.

    - A tica reflete sobre o fenmeno da vida e da morte. - A biotica aparece como domnio, reflexo que considera o ser

    humano em sua dignidade, e as condies ticas, para uma vida humana digna.

    - A biotica personalssima. Analisa o homem como pessoa ou como um eu.12

    ANDREYA MENDES DE ALMEIDA SCHERER NAVARRO em seu livro (O Obscuro Objeto do Poder. tica e Direito na Sociedade Biotecnolgica,13entende que:

    Inseminao artificial, congestionamento de smen e seleo de espcies, so tcnicas h muito dominadas pelo homem na agropecuria, sem despertar preocupao da sociedade por tratar-se de um meio para melhorar a prpria condio de vida. A utilizao de meios artificiais para promover a seleo de raas humanas, tais como: a experincia nazista, sua busca pela supremacia da raa ariana e os mtodos de seleo do sexo masculino empregados por povos do oriente, desencadeavam o incio de uma anlise das mudanas de valores pelos quais a humanidade vem atravessando. Conceitos como fertilizao in vitro (FIV) - doao de smen, aluguel de tero, beneficiamento de espermatozides, paternidade identificada por DNA, destino de embries congelados, terapias genticas, doaes de rgos, cirurgia para tratamento de doenas do feto, clonagem de criaturas trouxeram o material bsico e os mecanismos da vida biolgica do homem para os consultrios, tribunais e para os planos estratgicos das indstrias. O cerne do debate tico a respeito dos avanos biotecnolgicos, inclui questes referentes privacidade gentica, disparidade de acesso a novas terapias e do registro de patente genrica.

    12 DINIZ, Maria Helena O Estado atual do Biodireito Editora Saraiva So Paulo 2001 p.1

    13 NAVARRO, Andreya Mendes de Almeida Scherer - O Obscuro Objeto do Poder. tica e Direito na

    Sociedade Biotecnolgica - Lmen Jris Editora, Rio de Janeiro - 2007, p. 2-3

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    O direito no poderia deixar de reagir, impondo limites liberdade de pesquisa. O art. 5 IX da Constituio Federal procura equilibrar duas posies antiticas:

    1. Proibio total de qualquer atividade biomdica, que traria uma paralisao no processo cientfico;

    2. Permissividade plena, com prejuzo ao ser humano e humanidade.

    A Constituio Federal de 1988 consagrou, em seu art. 5, inciso IX, a liberdade de criao cientfica, contudo, a pesquisa gentica deve encontrar seus limites em outros valores maiores prestigiados no texto constitucional, como a dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1, III) a vida (CF/88, art. 5 caput), a integridade fsica (CF/88, art. 5,III) a diversidade e a integridade do patrimnio gentico do pas (CF/88, art. 225, 1,II).

    A obra de Guilherme Calmon Nogueira da Gama,14 cita os ensinamentos de Jean Bernard, em que diz:

    Identificam-se duas revolues ocorridas nas cincias da vida, com conseqncias distintas para a tica: a) a revoluo biolgica, que proporciona ao homem trs tipos essenciais de controle, a saber, o controle da reproduo, o controle da hereditariedade e o controle do sistema nervoso, e que atinge o homem no seu mago; b) a revoluo teraputica, relacionada medicina, ou mais exatamente, tica da aplicao dos programas tecnolgicos no tratamento e na preveno de doenas e tica da pesquisa clnica.

    O estudo da biotica, portanto, se desenvolve de acordo com a necessidade da matria que surge pelo desenvolvimento da cincia, imprescindvel, portanto, que haja por parte dos estudiosos as informaes acerca das inovaes cientficas

    14 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira, A Nova Filiao: O Biodireito e as Relaes Parentais O

    Estabelecimento da Parentalidade Filiao e os Efeitos Jurdicos da Reproduo Assistida Heterloga- Rio de Janeiro Ed. Renovar 200, p.70 Citando o autor Jean Bernard da obra A Biotica trad. De Paulo Goya - So Paulo Ed. tica, 1998, p.10. Continua o autor na p.49 No contexto da revoluo biolgica, mais especificamente relacionada ao controle da hereditariedade, encontra-se a engenharia gentica entendida como sendo o ramo que congrega as operaes e pesquisas que permitem interferncias e transformaes na hereditariedade, que originariamente foram denominadas manipulaes genticas, biotecnologia gentica. Na pgina 51da mesma obra diz que: H srios riscos no contexto da engenharia gentica, com a possibilidade de transformar o patrimnio gentico de uma pessoa humana....

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    ocorridas, proporcionando a busca de polticas governamentais que no s limite o desenvolvimento cientfico, mas que limites ticos, possam preservar a dignidade do ser humano em todos os sentidos da vida, mesmo que para isso seja necessrio o intervencionismo estatal para limitar a cincia, quando esta extrapola os limites da tica.

    Guilherme Calmon Nogueira da Gama, em sua obra fala a respeito do Projeto do Genoma Humano que

    A prpria existncia de polticas governamentais destinadas ao financiamento de pesquisas e prticas biotecnolgicas necessariamente deve considerar os limites ticos quanto ao desenvolvimento cientfico, intercmbiando informaes que permitam o avano das cincias da vida e da natureza, como deve se verificar no Projeto Genoma Humano.15

    Outra discusso sobre o controle da cincia gentica ocorreu com o estudo e descobrimento do Genoma Humano, que a base hereditria de uma clula viva, que pode ser modificada pela engenharia gentica.

    Houve na poca a necessidade de legalizar e controlar os avanos cientficos para que a integridade da pessoa humana fosse preservada, e todas as naes se movimentaram para que houvesse um consenso a respeito do assunto.

    Em novembro de 1997 ocorre a Revoluo Gentica e a Declarao Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, que foi adotada pela UNESCO.

    Diz a Declarao Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos em seu art. 12:

    a) Os benefcios resultantes de progresso em biologia, gentica e medicina, relacionados com o genoma humano, devero ser disponibilizados a todos, com as devidas salvaguardas dignidade e aos direitos humanos de cada pessoa.

    15 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira, A Nova Filiao: O Biodireito e as Relaes Parentais O

    Estabelecimento da Parentalidade Filiao e os Efeitos Jurdicos da Reproduo Assistida Heterloga- Rio de Janeiro Ed. Renovar 200, p.83.

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    b) A liberdade de pesquisar, necessria ao avano do conhecimento, parte da liberdade de pensamento. As aplicaes da pesquisa, incluindo as aplicaes nos campos de biologia, gentica e medicina, relativas ao genoma humano, devero visar ao alvio do sofrimento e melhoria da sade das pessoas e da humanidade como um todo.

    Consta do Art. 13 que:

    Dar-se- ateno especial s responsabilidades inerentes s atividades dos pesquisadores, incluindo meticulosidade, cautela, honestidade intelectual e integridade na realizao de pesquisa, bem como na apresentao e utilizao de achados de pesquisa, no mbito da pesquisa do genoma humano, devido a suas implicaes ticas e sociais. As pessoas responsveis pela elaborao de polticas pblicas e privadas no campo das cincias tambm tm responsabilidade especial nesse respeito.

    Continuando o art. 14 diz que:

    Os Estados devero tomar medidas apropriadas para promover condies intelectuais e materiais favorveis liberdade de pesquisar o genoma humano e considerar as implicaes ticas, jurdicas, sociais e econmicas dessa.

    A Declarao Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, no s desenvolveu-se no sentido de proteger a pessoa humana, nas pesquisas envolvendo o genoma humano, como tambm fixou condies legais para responsabilizar a atividade cientfica, imputando tambm aos Estados deveres especficos em relao aos temas da biotica, e da biotecnologia, condicionando-os ao dever de solidariedade e cooperao entre si, evitando-se assim que um estado supere sem o conhecimento de outro suas pesquisas e resultados.

    Outro tema de estudo da biotica o que diz respeito a clulas-tronco, que ocasionou diversos pensamentos divergentes pela sua alta complexidade, eis que consiste na legitimidade ou no da experimentao cientfica com embries humanos.

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    tema que suscita polmicas e preocupaes, muitas vezes sem soluo, no que diz respeito reproduo assistida, como tambm em relao s clulas-tronco, tendo em vista que se pode utilizar embries j congelados, mas tambm buscar a concepo de outros seres humanos com o fim precpuo de mercantilizar a espcie com o nico interesse pecunirio.

    Contudo, grandes so as expectativas da cincia em realizar a cura de determinadas doenas com a utilizao das clulas-tronco embrionrias, e muitas so opinies divergentes a respeito.

    Maria Garcia a respeito da matria diz que:

    A propsito das experincias que objetivam a clonagem de rgos humanos a partir de um embrio que trar consigo as clulas-tronco, refere, ainda, os argumentos das industriais biogenticas de que as vantagens desse processo so muito maiores que as repercusses ticas: O que mais importante? A vida de uma massa embrionria ou de uma criana morrendo de cncer? ou imagine quantas espcies em extino podemos salvar?

    Quanto aos estudos em relao s Clulas Tronco temos que:

    As clulas-tronco so clulas encontradas em embries, no cordo umbilical e em tecidos adultos, como o sangue, a medula ssea e o trato intestinal, por exemplo. Ao contrrio das demais clulas do organismo, as clulas-tronco possuem grande capacidade de transformao celular, e por isso podem dar origem a diferentes tecidos no organismo. Alm disso, as clulas-tronco tm a capacidade de auto-replicao, ou seja, de gerar cpias idnticas de si mesmas.

    Os avanos das pesquisas cientficas com clulas-tronco so muitos, pois as clulas-tronco podem ser utilizadas para substituir clulas que o organismo deixa de produzir por alguma deficincia, ou em tecidos lesionados ou doentes. As pesquisas com clulas-tronco sustentam a esperana humana de encontrar tratamento, e talvez at mesmo cura, para doenas que at pouco tempo eram consideradas incontornveis, como diabetes, esclerose, infarto, distrofia muscular, Alzheimer e Parkinson. O princpio o mesmo, por exemplo, do transplante de medula ssea em

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    pacientes com leucemia, mtodo comprovadamente eficiente. As clulas-tronco da medula ssea do doador do origem a novas clulas sanguneas sadias.

    Permite-se a pesquisa com embries porque as clulas embrionrias seriam as nicas que tm a capacidade de se diferenciar em todos os 216 tecidos que constituem o corpo humano. As clulas retiradas de tecidos adultos tm capacidade de dar origem a um nmero restrito de tecidos. As da medula ssea, por exemplo, formam apenas as clulas que formam o sangue, como glbulos vermelhos e linfcitos.

    A Lei n 11.105 de 24.03.05 (Lei da Biossegurana) aprovada pela Cmara autoriza as pesquisas cientficas com clulas-tronco embrionrias, mas impe uma barreira.

    Podero ser pesquisados apenas os embries estocados em clnicas de fertilizao considerados excedentes, por no serem colocados em tero, ou inviveis, por no apresentarem condies de desenvolver um feto.

    O comrcio, produo e manipulao de embries, assim como a clonagem de embries, seja para fins teraputicos, ou reprodutivos, continuam vetados.

    O cientista, para essa manipulao, precisa de autorizao do conselho de tica do instituto onde trabalha, como em qualquer projeto, que envolva a manipulao de material humano.

    Uma vez autorizado, o pesquisador poder adquirir os embries diretamente das clnicas. Eles devero estar estocados h mais de trs anos e s podero ser utilizados, com o consentimento dos pais, mediante doao. Atualmente, estima-se que o pas tenha 30.000 embries congelados.

    O motivo da polmica em torno da lei que para explorar as clulas-tronco usando as tcnicas conhecidas hoje, necessrio retirar o chamado "boto embrionrio", provocando a destruio do embrio.

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    Esse processo condenado por algumas religies, como a catlica, pois consideram que a vida tem incio a partir do momento da concepo. H perspectivas de que no futuro se encontrem tcnicas capazes de preservar o embrio, o que eliminaria as resistncias religiosas.

    No que se refere possibilidade de se desenvolver uma tcnica para obter clulas-tronco sem precisar dos embries, tem-se que no incio de 2007, cientistas americanos anunciaram a descoberta de uma nova fonte de clulas "coringa", extradas do lquido amnitico, que preenche o tero durante a gravidez.

    Extradas e cultivadas em laboratrio, as clulas deram origem a vrios tipos de clulas diferentes - ou seja, funcionam como clulas-tronco. Conforme os cientistas, as clulas-tronco extradas do lquido amnitico no so idnticas s clulas-tronco embrionrias. Em alguns casos, porm, elas funcionam at melhor, dizem eles. Mas a gama de aplicaes para esse novo tipo de clula-tronco, pode ser menor do que no caso das embrionrias.

    Quando se fala do tamanho do embrio, para a extrao das clulas para pesquisas se pode observar que at o momento, os cientistas conseguiram obter clulas-tronco de blastocistos, um estgio inicial do embrio com apenas 100 clulas. Um grupo de pesquisadores americanos, conseguiu extrair clulas-tronco de mrulas, que tm entre 12 e 17 clulas. Em qualquer caso o embrio microscpico. As clulas retiradas so cultivadas em laboratrio, e podem render material para diversos anos de trabalho.

    As pesquisas a respeito de tratamentos com clulas-tronco, apenas no caso de leucemia e certas doenas do sangue, pode-se falar efetivamente em tratamento. As perspectivas ainda so a longo prazo, pois praticamente todas as terapias se encontram em fase de testes, embora alguns resultados preliminares sejam promissores. Os cientistas tm vrias questes, a serem resolvidas como a possibilidade de desenvolvimento de tumores, verificadas em testes com camundongos.

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    No Brasil o que existe em termos de pesquisa, o que ocorre, por exemplo, na Bahia, pesquisadores da Fundao Oswaldo Cruz esto tratando com sucesso, cardiopatias causadas pela doena de Chagas. No Hospital Pr-Cardaco do Rio de Janeiro e no Instituto do Corao de So Paulo, clulas-tronco so usadas em pacientes que sofreram infarto. Tambm h estudos em vtimas de leses medulares, diabetes do tipo 1, esclerose mltipla e artrite.

    Nos Estados Unidos, o tema esteve no centro dos debates das eleies presidenciais de 2004. Em 2001, o presidente George W. Bush cortou o financiamento pblico para as pesquisas, permitidas durante o governo Clinton, mas depois decidiu permitir o financiamento limitado.

    A lei brasileira considerada equilibrada, e est bem prxima da legislao aprovada h poucos anos em plebiscito na Sua. Em alguns pases, como a Coria do Sul e a Inglaterra, a legislao tambm permite a clonagem teraputica.

    O uso de clulas-tronco tem a ver com a "clonagem teraputica", pois esta consiste na transferncia de ncleos de uma clula para um vulo sem ncleo. Este vulo dar origem a um embrio, do qual se retiram as clulas-tronco.

    A vantagem seria evitar a possibilidade de rejeio, caso o doador seja o prprio paciente. Em caso de portadores de doenas genticas, h ainda a possibilidade de um doador compatvel. Este tipo de clonagem diferente da clonagem reprodutiva, que quando um embrio clonado implantado em um tero, com o objetivo de reproduo de pessoas.

    Contudo, em vista de tantas inovaes, poucas e singelas so as normas que podem limitar, fiscalizar e punir as atuaes ilcitas.

    1.4. Lei de Biossegurana

    Biossegurana a designao genrica da segurana das atividades que envolvem organismos vivos (bio = vida) + (segurana).

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    uma juno da expresso "segurana biolgica", voltada para o controle e a minimizao de riscos advindos da exposio, manipulao e uso de organismos vivos que podem causar efeitos adversos ao homem, animais e o meio ambiente.

    Quando se faz procedimentos especficos, para conseguir evitar ou pelo menos diminuir riscos das atividades perigosas, que envolvam organismos vivos, na verdade se est aplicando a biossegurana.

    Em data 24 de maro de 2005, foi sancionada a chamada Lei de Biossegurana (Lei 11.105/05).

    A lei de Biossegurana buscou regulamentar duas situaes que tm ocasionado grande polmica, ou seja, a produo e comercializao de organismos geneticamente modificados (OGMs) e a pesquisa com clulas-tronco.

    A clonagem humana foi proibida, mas permitiu-se a pesquisa com clulas-tronco com embries excedentes dos processos de fertilizao in vitro, desde que preenchidos alguns requisitos.

    Quanto pesquisa com clulas-tronco, o texto aprovado, j quela poca, conseguiu agradar boa parte da comunidade cientfica, pois os sete vetos aplicados, no atingiram nenhum aspecto relativo s experincias com clulas-tronco.

    As modificaes concentraram-se apenas em questes jurdicas, que administram a manipulao dos transgnicos.

    As perspectivas dos especialistas, em relao ao desenvolvimento de terapias para doenas crnico-degenerativas, permaneceram as mesmas. Neste sentido, est entre os principais pontos, o disposto do segundo pargrafo do artigo 5, que libera a utilizao em pesquisas de estoque de embries, com tempo de armazenagem igual a trs anos ou mais.

    Desta forma, segundo opinio dos especialistas, esta permisso bastante satisfatria, pois as condies dadas para o uso de embries congelados, no

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    apresentam nenhum tipo de limitao que possa atrapalhar o desenvolvimento das pesquisas com clulas-tronco.

    No sentido de assegurar a segurana, em todas as reas que podem comprometer o ser vivo como a sade e o meio ambiente.

    No que diz respeito reproduo assistida, tem-se como obrigatrio o controle externo do Ministrio Pblico, sobre todas as fases do processo de reproduo medicamente assistida, com o intuito de garantir os interesses do nascituro e da sociedade, da ordem jurdica e da defesa do patrimnio pblico, contra o desvio de recursos destinados sade, quando o procedimento tiver lugar em estabelecimento oficial.

    Quando o art. 5, 1 da lei de Biosegurana, cons idera como indispensvel o consentimento dos genitores, est o Estado-Legislador custodiando os embries excedentes, reconhecendo e afirmando a autonomia privada daqueles que os geraram, mas que pela sua potencialidade de vida ainda que abstrata e distante merece a observncia de certas condicionantes legais, e aos direitos fundamentais, precipuamente dignidade humana, aqui no considerada como um conceito petrificado, pelo contrrio, impe dizer que uma de suas vertentes o respeito esfera privada.

    Os critrios e princpios a serem observados, enquanto no houver uma lei especfica, devero ser extrados, basicamente, da Constituio Federal, do Cdigo Civil, do Cdigo Penal, do Estatuto da Criana e do Adolescente, da Lei da Ao Civil Pblica, da Lei de Biossegurana.

    O art. 5 da Lei de Biossegurana regulariza a utilizao de clulas-tronco embrionrias em pesquisa como a seguir:

    - Art. 5. permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilizao de clulas-tronco embrionrias obtidas de embries humanos produzidos por fertilizao in vitro e no utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condies:

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    I sejam embries inviveis; ou II sejam embries congelados h 3 (trs) anos ou mais, na data da publicao desta Lei, ou que, j congelados na data da publicao desta Lei, depois de completarem 3 (trs) anos, contados a partir da data de congelamento.

    1. Em qualquer caso, necessrio o consentimento dos genitores.

    2. Instituies de pesquisa e servios de sade que realizem pesquisa ou terapia com clulas-tronco embrionrias humanas devero submeter seus projetos apreciao e aprovao dos respectivos comits de tica em pesquisa. 3. vedada a comercializao do material biolgico a que se refere este artigo e sua prtica implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

    Quanto Lei de Biossegurana, no que diz respeito ao art. 5, houve o julgamento da ao direta de inconstitucionalidade, proposta pelo Procurador-Geral da Repblica.16

    16 INFORMATIVO N 497 STF - ADI e Lei de Biossegurana - 1

    O Tribunal iniciou julgamento de ao direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da Repblica contra o art. 5 da Lei federal 11.105/2005 (Lei de Biossegurana), que permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilizao de clulas-tronco embrionrias obtidas de embries humanos produzidos por fertilizao in vitro e no usados no respectivo procedimento, e estabelece condies para essa utilizao. O Min. Carlos Britto, relator, julgou improcedente o pedido formulado, no que foi acompanhado pela Min. Ellen Gracie. ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008. (ADI-3510) - ADI e Lei de Biossegurana 2 Salientou, inicialmente, que o artigo impugnado seria um bem concatenado bloco normativo que, sob condies de incidncia explcitas, cumulativas e razoveis, contribuiria para o desenvolvimento de linhas de pesquisa cientfica das supostas propriedades teraputicas de clulas extradas de embrio humano in vitro. Esclareceu que as clulas tronco, embrionrias, pluripotentes, ou seja, capazes de originar todos os tecidos de um indivduo adulto, constituiriam, por isso, tipologia celular que ofereceria melhores possibilidades de recuperao da sade de pessoas fsicas ou naturais em situaes de anomalias ou graves incmodos genticos. Asseverou que as pessoas fsicas ou naturais seriam apenas as que sobrevivem ao parto, dotadas do atributo a que o art. 2 do Cdigo Civil denomina personalidade civil, assentando que a Constituio Federal, quando se refere dignidade da pessoa humana (art. 1, III), direitos da pessoa humana (art. 34, VII, b), livre exerccio dos direitos... individuais (art. 85, III) e direitos e garantias individuais (art. 60, 4, IV), estaria falando de direitos e garantias do indivduo-pessoa. Assim, numa primeira sntese, a Carta Magna no faria de todo e qualquer estgio da vida humana um autonomizado bem jurdico, mas da vida que j prpria de uma concreta pessoa, porque nativiva, e que a inviolabilidade de que trata seu art. 5 diria respeito exclusivamente a um indivduo j personalizado. ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008. (ADI-3510). -ADI e Lei de Biossegurana 3 - Reconheceu, por outro lado, que o princpio da dignidade da pessoa humana admitiria transbordamento e que, no plano da legislao infraconstitucional, essa transcendncia alcanaria a

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    O artigo autoriza, para fins de pesquisa e terapia, estudo cientfico e tratamento mdico a interveno humana benfica sade, o uso de clulas humanas, clulas-tronco embrionrias. Diz que esse tipo de clulas dever advir de um nico mtodo: da manipulao cientfica, portanto produzidos em laboratrios, e no de maneira natural.

    Portanto, embries devero ser produzidos, mediante o processo tecnolgico de retirada de vulo para fora do corpo feminino, e seja penetrado por espermatozides masculinos.

    O artigo 5, os incisos I e II, e o 1, restringe a utilizao do mtodo desde que sejam observadas as condies, sem as quais terminantemente proibida a utilizao de clulas-tronco em pesquisas e tratamentos.

    proteo de tudo que se revelasse como o prprio incio e continuidade de um processo que desaguasse no indivduo-pessoa, citando, no ponto, dispositivos da Lei 10.406/2002 (Cdigo Civil), da Lei 9.434/97, e do Decreto-lei 2.848/40 (Cdigo Penal), que tratam, respectivamente, dos direitos do nascituro, da vedao gestante de dispor de tecidos, rgos ou partes de seu corpo vivo e do ato de no oferecer risco sade do feto, e da criminalizao do aborto, ressaltando, que o bem jurdico a tutelar contra o aborto seria um organismo ou entidade pr-natal sempre no interior do corpo feminino. Aduziu que a lei em questo se referiria, por sua vez, a embries derivados de uma fertilizao artificial, obtida fora da relao sexual, e que o emprego das clulas-tronco embrionrias para os fins a que ela se destina no implicaria aborto. ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008. (ADI-3510) - ADI e Lei de Biossegurana 4 - Afirmou que haveria base constitucional para um casal de adultos recorrer a tcnicas de reproduo assistida que inclusse a fertilizao in vitro, que os artigos 226 e seguintes da Constituio Federal disporiam que o homem e a mulher so as clulas formadoras da famlia e que, nesse conjunto normativo, estabelecer-se-ia a figura do planejamento familiar, fruto da livre deciso do casal e fundado nos princpios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsvel (art. 226, 7), inexistindo, entretanto, o dever jurdico desse casal de aproveitar todos os embries eventualmente formados e que se revelassem geneticamente viveis, porque no imposto por lei (CF, art. 5, II) e incompatvel com o prprio planejamento familiar. ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008. (ADI-3510) - ADI e Lei de Biossegurana 5 Considerou, tambm, que, se lei ordinria seria permitido fazer coincidir a morte enceflica com a cessao da vida de uma certa pessoa humana, a justificar a remoo de rgos, tecidos e partes do corpo ainda fisicamente pulsante para fins de transplante, pesquisa e tratamento (Lei 9.434/97), e se o embrio humano de que trata o art. 5 da Lei de Biossegurana um ente absolutamente incapaz de qualquer resqucio de vida enceflica, a afirmao de incompatibilidade do ltimo diploma legal com a Constituio haveria de ser afastada. Por fim, acrescentou a esses fundamentos, a rechaar a inconstitucionalidade do dispositivo em questo, o direito sade e livre expresso da atividade cientfica. Frisou,no ponto, que o 4 do art. 199 da CF (A lei dispor sobre as condies e os requisitos que facilitem a remoo de rgos, tecidos e substncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfuso de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercializao.) faria parte, no por acaso, da seo normativa dedicada sade, direito de todos e dever do Estado (CF, art. 196), que seria garantida por meio de aes e servios qualificados como de relevncia pblica, como que se teria o mais venturoso dos encontros entre esse direito sade e a prpria Cincia (CF, art. 5, IX). Aps, pediu vista dos autos o Min. Menezes Direito. ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008. (ADI-3510).

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    Quatro so as condies: A primeira como sendo o no aproveitamento de quaisquer embries viveis; a segunda a no-violabilidade do embrio enquanto matria-prima da reproduo humana; a terceira determina: que se trate de embries congelados h pelo menos 3 anos da data da publicao da lei, ou que, j efetivamente congelados nessa data, venham a completar aquele mesmo tempo de 3 anos; e a ltima o consentimento do casal-doador para que o material gentico dele advindo seja deslocado da sua originria destinao procriadora para as investigaes de natureza cientfica e finalidade teraputico-humana.

    Tambm trata da obrigatoriedade de submisso e encaminhamento dos projetos e pesquisa com clulas-tronco embrionrias, aos comits de tica e pesquisa, pendendo obrigatoriamente de aprovao prvia e fiscalizao, no intuito de garantir os compromissos ticos assumidos.

    No 3, a lei probe toda utilizao comercial do material gentico que forem utilizados ou no na reproduo assistida, na pesquisa ou no tratamento, se ocorrer ser considerado crime tipificado como: Comprar e vender tecidos, rgos ou partes do corpo humano o seu desrespeito (art. 15, caput, da Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997).

    Quando a Lei foi promulgada, o ento Procurador-Geral da Repblica interps Ao Direta de Inconstitucionalidade, apresentando as argumentaes do Relator do processo, Ministro Carlos Ayres Britto, e os votos da Ministra Crmen Lcia e do Ministro Ricardo Lewandowisk.

    Segundo Ayres Britto, na pea inicial do Procurador-Geral da Repblica existe quatro argumentos centrais: que a vida humana acontece na, e a partir da fecundao, desenvolvendo-se continuamente; que o zigoto, constitudo por uma nica clula, um ser humano embrionrio; que no momento da fecundao que a mulher engravida, acolhendo o zigoto e lhe propiciando um ambiente prprio para o seu desenvolvimento; e que a pesquisa com clulas-tronco adultas , objetiva e certamente, mais promissora do que a pesquisa com clulas-tronco embrionrias.

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    Ratifica Crmen Lcia que: o Procurador-Geral da Repblica, autor da ao, afirma que seriam inconstitucionais aqueles dispositivos e que a tese central desta petio afirma que a vida acontece na, e a partir da fecundao.

    Ricardo Lewandowisk acrescenta que: De acordo com o autor, o dispositivo impugnado viola o art. 1, III, que consagra o princpio da dignidade humana, e o art. 5, caput, que garante o direito vida, ambos da Constituio Federal.

    Nas palavras da Ministra Ellen Gracie: Foram apontados na presente ao, como parmetros de verificao mais evidentes, o fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1, III), a garantia da inviolabilidade do direito vida (art. 5, caput) aqui merece aditivo para identificar esses dois primeiros parmetros de verificao como sendo os fundamentos da prpria ao de inconstitucionalidade o direito livre expresso da atividade cientfica (art. 5, IX), o direito sade (art. 6), o dever do estado de propiciar, de maneira igualitria, aes e servios para a promoo e recuperao da sade (art. 196) e promover e incentivar o desenvolvimento cientfico, a pesquisa e a capacitao tecnolgica (art. 218, caput).

    A discusso girou em torno dessas cinco premissas bsicas, pautadas sob a postulao de direitos fundamentais, ora sustentao argumentativa queles que se opunham s pesquisas, ora fundamentando o oposto.

    Por um lado se levantava a bandeira da inconstitucionalidade da Lei de Biossegurana argumentando que os embries humanos eram seres humanos em formao e sujeitos de direito, devendo receber proteo estatal.

    Disseram que a normatizao da Constituio Federal era direcionada aos j viventes, merecendo os embries humanos proteo, contudo, diferente da j conferida aos vivos e aos nascituros. Na verdade, se utilizavam dos mesmos princpios do direito vida e dignidade da pessoa humana, como tambm os princpios do direito sade e livre expresso da atividade cientfica.

    A Ministra Crmen Lcia, argumentou que: O direito vida no se dota, constitucionalmente, de contedo hermtico ou identificado em sua integralidade

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    pela expresso normativa, conferiu-se, no caso brasileiro, sociedade a maturao do seu entendimento sobre questes relativas.

    Complementando, Ana Carolina Lbo diz que: Os princpios possuem um "elevado grau de abstrao e indeterminabilidade", impossibilitando sua aplicao imediata, pelo que necessitam de "atividades concretizadoras": a hermenutica constitucional.

    Foi este o conceito bsico do julgamento da Ao Direta de Inconstitucionalidade: a compatibilizao de direitos fundamentais aparentemente conflitantes com o uso da nova hermenutica constitucional.

    Essas normas, princpios, tiveram que se amoldarem situao ftica que foi colocada em dvida e so justamente as tcnicas de hermenutica, que possibilitaram a sua aplicabilidade, sem que fosse esvaziado seu contedo.

    A rigidez constitucional, no confere aos direitos fundamentais proteo e reconhecimento absoluto, pois perfeitamente possvel que dois direitos igualmente reconhecidos se contraponham.

    As palavras do Ministro Relator Carlos Britto, conclui que: " assim ao influxo desse olhar ps-positivista sobre o Direito brasileiro, olhar conciliatrio do nosso ordenamento com os imperativos da tica humanista e justia material, que chego fase da definitiva prolao do meu voto... como de fato julgo totalmente improcedente a presente ao direta de inconstitucionalidade".

    Eros Grau afirma que: "O processo de interpretao dos textos normativos encontra na pr-compreenso seu momento inicial, a partir do qual ganha dinamismo um movimento circular, que compe o circulo hermenutico".

    A Ministra Crmen Lcia atribui ao princpio da dignidade da pessoa humana a incumbncia de guiar o ordenamento jurdico: "A constitucionalizao do princpio da dignidade humana modifica, assim, em sua raiz, toda a construo jurdica: ele

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    impregna toda a elaborao do direito, porque elemento fundante da ordem constitucionalizada e posta na base do sistema".

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    CAPTULO II

    2. BIODIREITO

    2.1. Conceito

    Quanto ao conceito de biodireito, nem todas as legislaes concordam com a sua denominao; em Portugal usa-se o nome de Direito Biomdico, no Uruguai usa-se Derecho Biotecnolgico, na Argentina Bioderecho, na Frana Bio-droit, no Brasil comeou por denominar-se Biotica, e somente Biodireito aps a regulamentao de procedimentos teraputicos e a investigao cientfica.

    Quando a Biotica sai do campo axiolgico e positivada no ordenamento jurdico passa a ser Biodireito. A importncia da relao d ensejo a pontos que envolvem a tica, a Medicina, o Direito e as Relaes Sociais, pois cada avano tecnolgico pressupe a criao de normas e regras jurdicas, para disciplinar as condutas, dos que esto envolvidos, na relao teraputica, inclusive no prprio procedimento da pesquisa.

    Heloisa Helena Barboza, quando expe a respeito do biodireito, diz que:

    Surgiu o Biodireito, no como correspondente jurdico da Biotica, mas como disciplina em construo, cuja finalidade a normatizao das prticas advindas do manancial de conhecimentos cientficos modernos que tm a capacidade de interferir tanto na concepo da vida atravs da FIV, quanto na caracterizao da natureza do ser a partir do deslindamento do genoma; quanto, tambm, na manuteno desta vida por meios artificiais respirao artificial, circulao extracorprea etc. 17

    Muitos autores trabalham atualmente com o tema biodireito, mas o conceito de Maria Helena Diniz nos d o real entendimento do que seja a matria ora estudada. Segundo ela biodireito :

    17 WILDER, Roberto, Reproduo Assistida Aspecto do Biodireito e da Biotica Editora lmen

    Juris Rio de janeiro 2007 p. 35. Referencia de - BARBOZA, Heloisa Helena e BARRETTO, Vicente de Paulo. Temas de Biodireito e Biotica. Rio de Janeiro - Renovar 2001.

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    Estudo jurdico que, tomando por fontes imediatas a biotica e a biogentica, teria a vida por objeto principal, salientando que a verdade cientfica no poder sobrepor-se tica e ao direito, assim como o progresso cientfico no poder acobertar crimes contra a dignidade humana, nem traar, sem limites jurdicos, os destinos da humanidade.18

    Biodireito assim, o direito que estuda a vida, que tem o seu interesse relacionado com a vida.

    Mas o que vida?

    Aurlio Buarque de Holanda Ferreira traz a seguinte definio de vida (do latim vita):

    "Conjunto de propriedades e qualidades graas s quais animais e plantas, ao contrrio dos organismos mortos ou da matria bruta, se mantm em contnua atividade, manifestada em funes orgnicas tais como o metabolismo, o crescimento, a reao a estmulos, a adaptao ao meio, a reproduo, e outras; existncia; o estado ou condio dos organismos que se mantm nessa atividade desde o nascimento at a morte; o espao de tempo que decorre desde o nascimento at a morte."

    A biotica se divide em macro e micro-biotica, sendo esta uma restrio daquela, neste sentido o biodireito pode ser visto, como uma restrio do objeto do Direito Ambiental - apesar de com este no se confundir, de forma que existem outros princpios comumente aceitos no mbito do Direito Ambiental, e que tambm devem ser considerados como princpios ligados ao Biodireito, tais como: princpio da ubiquidade, da cooperao entre os povos, do desenvolvimento sustentvel, preservao da espcie humana.

    O princpio geral do biodireito consiste na liberdade, devidamente harmonizada ao princpio da dignidade da pessoa humana, possibilita o alcance da existncia do princpio da disposio de partes do corpo humano, mas no de forma absoluta, e desde que atendidos certos requisitos: razovel falar-se em doao de rgos, matria que alcanou acentuado progresso, estando regulamentada no

    18 DINIZ, Maria Helena, O Estado Atual do Biodireito, So Paulo, Saraiva, 2001, p. 8.

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    Brasil a remoo de rgos, tecidos e partes do corpo humano, para fins de transplante e tratamento (Lei n. 9.434 de 04.02.97).19

    No que se refere Reproduo Humana Assistida, h o princpio da paternidade responsvel conjuntamente com o princpio do melhor interesse da criana.

    Na Constituio Federal em seu art. 226 7, temos que:

    Art. 226. A famlia, base da sociedade, tem especial proteo do Estado.

    7 - Fundado nos princpios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsvel, o planejamento familiar livre deciso do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e cientficos para o exerccio desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituies oficiais ou privadas.

    Neste sentido muitos juristas entendem que, quando a Constituio Federal se refere prole, o faz no sentido de que o casal tem o dever do planejamento familiar, propiciando aos filhos as condies de sustento, educao, sade e manuteno, sejam naturais ou concebidos de forma artificial.

    Dentre os princpios especiais do biodireito, existe o relativo ao direito sade, imputando ao poder pblico os deveres de proteger, e promover a sade de todas as pessoas, no que se refere ao bem estar fsico, mental e social.

    Na verdade a biotica surgiu como a dimenso moral, que envolvia a medicina, e posteriormente ao surgirem os princpios e regras jurdicas se transformou em biodireito, pela necessidade de normatizao das condutas dos componentes da equipe de sade.

    19 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira, A Nova Filiao: O Biodireito e as Relaes Parentais O

    Estabelecimento da Parentalidade Filiao e os Efeitos Jurdicos da Reproduo Assistida Heterloga- Rio de Janeiro Ed. Renovar 2003, p. 123- comentrios de Heloisa Helena Barboza Direito ao Corpo e doaes de gametas In: RIOS, Andr Rangel ET AL. Biotica no Brasil. Rio de Janeiro: Espao e Tempo, 1999, p. 46-47.

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    O biodireito uma cincia.

    Trata o biodireito de disciplina que busca equilibrar a liberdade individual, como tambm evitar os abusos, que podem causar grandes prejuzos espcie humana. A vida em seu sentido lato e estrito deve ser preservada, por todos que tm em suas atividades o poder de modificar, alterar e at mesmo tir-la, como o caso do mdico na eutansia.

    A histria da humanidade consagra, em todas as pocas, a proteo vida e a luta que a cincia trava para que a vida seja resguardada, contudo, a mesma cincia pode esquecer critrios, que devem ser estabelecidos, no sendo possvel justificar os fins em detrimento dos meios.

    Hodiernamente novas tecnologias tm sido criadas pelos cientistas. O que antigamente parecia fico cientfica, atualmente matria de debates e pesquisas, dentro dos corredores de hospitais e de clnicas.

    O homem se espanta com a rapidez com que isso ocorre, e como o direito poderia compreender em seus estatutos, tantas mudanas e tantos questionamentos que surgem a respeito dessas inovaes?

    No h tempo suficiente, para que a legislao possa acompanhar de forma efetiva, os problemas, eis que estes surgem a cada descoberta e elas ocorrem a cada dia.

    Em curto espao de tempo, jamais se ouviu sobre certos assuntos que hoje faz parte do comportamento humano, na verdade acostuma-se com as novidades e banaliza-se muito facilmente abusos cometidos.

    O comportamento, por vezes constrangido pelo sentimento de apostasia, j no possui mais um contato imediato com o espanto, a notcia no corta mais o corao.

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    Ao mesmo tempo em que a cincia avana a um rumo desconhecido, a preocupao com o resultado geral, em todos os seus aspectos, e queles que esto de alguma forma, envolvidos.

    O desenvolvimento das tecnologias gera um estudo interdisciplinar, alcanando a Medicina, a Biologia, o Direito e a tica.

    tica que no preocupao apenas dos mdicos e bilogos, mas tambm dos telogos, filsofos, socilogos e juristas.

    Que a tica tenha sido vista apenas em alguns seguimentos, sabe-se que assim sempre foi, principalmente na rea da medicina, mas atualmente tudo o que diz respeito dignidade humana, envolve questes ticas e antes mesmo que ocorra efetivamente qualquer desses problemas, j tem estabelecido o direito, diretrizes a respeito.

    A vida humana amparada juridicamente, no momento da fecundao natural ou artificial do vulo pelo espermatozide, e da por diante em todas as fases da sua existncia, at a morte, atualmente se pode dizer at aps a morte, quando a inviolabilidade do corpo, depois da morte, pois protegido pelo direito.

    Contudo, o objetivo primordial a vida e a sua preservao, e tanto a Biotica como o Biodireito ocupam-se em discutir o significado da expresso qualidade de vida, estudo e busca para exatamente poupar e proteger o ser humano.

    A cincia tenta melhorar a vida do homem, e nada do que possa importar em prejuzo deve ser acatado, o direito serve como um freio eficaz para conter abusos.

    No fosse o direito regrar a atividade humana, j no haveria limites para que determinados cientistas, utilizassem o prprio ser humano em experimentos desorientados, com o objetivo de melhorar a vida de alguns, em detrimento de outros.

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    Tem o ordenamento jurdico o dever de impor uma conduta que consiga organizar a convivncia em sociedade, proporcionando o equilbrio, como tambm no afastando do ser humano as descobertas da cincia, e ao mesmo tempo, impor limites e sanes queles que agem de maneira atica.

    Segundo as palavras de Hans Kelsen,

    Uma norma jurdica considerada como objetivamente vlida apenas quando a conduta humana que ela regula lhe corresponde efetivamente, pelo menos numa certa medida. Uma norma que nunca e em parte alguma aplicada e respeitada, isto , uma norma que, como costuma dizer-se, no eficaz em uma certa medida, no ser considerada como norma vlida (vigente).20

    2.2. Direitos Humanos e Biodireito

    No h como estabelecer qualquer estudo a respeito da Biotica e do Biodireito, sem entrar no campo dos direitos humanos, pois todo o conjunto de preocupaes, com a vida e o ser humano, se concentra e se estabelece em torno da dignidade humana.

    J. J. Gomes Canotilho acerca dos direitos do homem e direitos fundamentais diz que:

    As expresses direitos do homem e direitos fundamentais so frequentemente utilizadas como sinnimas. Segundo a sua origem e significado poderamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem so direitos vlidos para todos os povos e em todos os tempos (dimenso jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais so os direitos do homem, jurdico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da prpria natureza humana e da o seu carcter inviolvel, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurdica concreta.21

    Segundo ponderaes de Roberto Wilder:

    O Biodireito, por seu turno, seria antes uma Disciplina ligada tica do dever, enquanto propositor de princpios e normas de ao que visem

    20KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, Editora Martins Fontes So Paulo 1999, p. 12. 21

    CANOTILHO, J. J. Gomes Direito Constitucional 5 Ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1991, p. 529, citando as obras de Vieira de Andrade os Direitos Fundamentais, Coimbra, 1983, PP. 3ss.

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    dignidade e integridade do ser humano, o respeito vida, e, tambm, enquanto demarcador dos limites entre licitude e ilicitude. E, dentro deste aspecto, bem-estar dever abranger todos os envolvidos nas questes.22

    Nenhum projeto cientfico, nenhum valor da cincia pode sobrepujar o valor da vida, todos os ramos da pesquisa, devem visar a valorizao do ser humano, sendo que as intervenes cientficas em relao s pessoas devem preservar a sua integridade fsica, psquica e mental dentro de todos os parmetros ticos, jamais contrariando os direitos humanos.

    Segundo Maria Garcia:

    Direitos humanos compreendem, desde a Declarao da ONU de 1948, trs tipos de direitos: 1. os direitos e liberdades civis (isto , liberdade de expresso, de

    associao de culto, de trnsito, dentro e fora do pas; salvaguardas contra invaso arbitrria, pelo governo ou demais cidados, da propriedade individual);

    2. direito poltico de participao no governo, direta ou indiretamente; 3. os direitos econmicos e sociais, como o direito ao trabalho; o direito a

    salrio igual por trabalho de igual valor, o direito a proteo social em caso de doena, velhice, morte do arrimo de famlia e desemprego involuntrio; o direito a uma renda condizente com uma vida digna; o direito ao repouso e ao lazer (inclusive o direito a frias remuneradas); e o direito educao todos eles direitos dos indivduos, tais direitos vm enfraquecendo-se em nome dos direitos individuais aparta-se o indivduo da histria, reduzindo-o ao modelo abstrato, adequado nos scs. XVII e XVIII (quando o maior problema era liberar o indivduo dos empecilhos ao pleno desenvolvimento da personalidade humana), sendo necessrio sem demora, redimensionar o individualismo que nos to caro.23

    Todas as normas que forem criadas em relao a essas pesquisas, devero estar de acordo com o j estabelecido e fundamentado princpio da dignidade da pessoa humana, pois nada que possa contrariar esse princpio, ser aceito como meio, para um fim de sucesso, em qualquer rea a ser pesquisada.

    22 WILDER, Roberto, Reproduo Assistida Aspectos do Biodireito e da Biotica, Editora Lumen Juris, Rio de

    Janeiro - 2007 p.36. (continuando) Se as cincias mdicas esto, atravs de suas descobertas no campo da gentica, transformando os conceitos que se tem do que seja ser viv, embrio, incio da vida, se a criao de tcnicas neste campo est permitindo ao ser humano interferir no surgimento desta vida e destes seres, preciso que o Biodireito reveja, tambm, a conceituao e a categorizao dos mesmos no mbito do discurso jurdico, para que possa, de fato, legislar sobre tais assuntos. Tanto a Biotica quanto o Biodireito ocupam-se assim, de discutir e afirmar o que de fato designa a expresso qualidade de vida e o que normativa os meio para a sua obteno. Tal exerccio envolve, claro, no s conhecimentos atualizados e abalizados sobre os recursos e possibilidades tcnico-cientficos, mas tambm, a conscincia da relatividade do que se venha considerar qualidade de vida. 23

    GARCIA, Maria. Desobedincia Civil. Direito Fundamental. Ed. Revista dos Tribunais So Paulo 2004 pp192-193.

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    No tem sentido sobrepujar a vida de um ser humano, para melhorar a vida dos demais.

    Em escala de prioridades o que mais necessrio, afastar o direito de alguns para proporcionar o bem estar a outros, ou buscar o equilbrio entre todos, mesmo que tenham que permanecer com problemas que a cincia no consegue solucionar.

    O art. 2 da Conveno sobre Direitos Humanos e Biomedicina diz que: os interesses e o bem-estar do ser humano, devem prevalecer, sobre o interesse isolado da sociedade ou da cincia.

    Declarao esta que prope aos pases o uso de medidas que possam estender todos os seguimentos sociais, os benefcios da cincia, e da tecnologia, como tambm a necessidade de proteo em relao s possveis conseqncias negativas.

    Durante o desenvolvimento do sculo XX houve acontecimentos que abalaram a noo de Estado de Direito, e o direito legislado no pode evitar as leses sofridas pela humanidade, o que propiciou o resgate da noo a respeito das fontes legitimadoras do direito.

    Ocorreu no estudo da biotecnologia, o reconhecimento de princpios que puderam assegurar a humanizao do progresso cientfico, estabelecendo-se princpios de ordem moral.

    A normatizao jurdica no conseguia se amoldar aos valores ticos, necessitando assim da reelaborao de normas jurdicas com o fim de se alinhar com os valores ticos.

    Esse foi o momento do surgimento do biodireito, com as necessidades de ordenamento que pudesse acompanhar os avanos biocientficos, em relao rapidez das pesquisas e descobertas biotecnolgicas.

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    Da a elaborao da Declarao Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, de 1997, pela UNESCO, e firmada por 186 pases-membros da UNESCO, na qual se reconhece nova categoria de direitos humanos direitos da pessoa humana no campo da biologia e da gentica relativo ao patrimnio gentico e formas de sua manifestao.24

    A Declarao da UNESCO de 1997 se insere no campo do biodireito e cria limites para todas as naes quanto elaborao de regras jurdicas de direito interno, legislaes nacionais, e formulao de polticas pblicas nos temas tratados no documento internacional.

    Neste sentido a Declarao Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, de 1997, positivou no plano internacional o biodireito, tentando assim encontrar uma ordem tico-jurdica intermediria entre a biotica e o biodireito, com deveres aos pases signatrios de incorporarem em seus sistemas jurdicos nacionais o que dispunha o texto internacional.

    Reconhece desta forma, o respeito dignidad