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Amor bandido Amor bandido Susanna Firth Digitalização e revisão: Tina Título original: The Overlord (1982) Coleção: Bianca 175 (1983) Protagonistas: Lorena Williams & Ramón Vance "Sua moleca irresponsável! Isso é hora de chegar?" O rosto de Ramón estava cheio de raiva, e ele parecia a ponto de esganar Lorena. Era o homem mais detestável, prepotente e mal-educado do mundo!, pensou ela. Mesmo assim, estava louca por ele. Seria possível amar e odiar alguém ao mesmo tempo? Apertou contra o peito o pacote com o vestido novo que tinha acabado de comprar; o vestido sensual, que acreditava capaz de realizar o milagre de fazer Ramón perceber que ela era uma mulher atraente, e não uma adolescente idiota. Que ilusão! Nunca poderiam chegar perto um do outro sem brigar. Para ele, Lorena era um aborrecimento. Não passava de uma simples e incompetente empregada, naquela fazenda onde ele dava as ordens. Copyright: Susanna Firth Título original: "The Overlord" Publicado originalmente em 1982 pela Mills & Boon Ltd., Londres. Inglaterra Tradução: Everlyn Kay Massaro Copyright para a língua portuguesa: 1983

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Page 1: Bianca - 175 - Amor Bandido - Susanna Firth

Amor bandidoAmor bandidoSusanna Firth

Digitalização e revisão: Tina

Título original: The Overlord (1982)

Coleção: Bianca 175 (1983)

Protagonistas: Lorena Williams & Ramón Vance

"Sua moleca irresponsável! Isso é hora de chegar?" O rosto de Ramón estava cheio de raiva, e ele parecia a ponto de esganar Lorena. Era o homem mais detestável, prepotente e mal-educado do mundo!, pensou ela. Mesmo assim, estava louca por ele. Seria possível amar e odiar alguém ao mesmo tempo? Apertou contra o peito o pacote com o vestido novo que tinha acabado de comprar; o vestido sensual, que acreditava capaz de realizar o milagre de fazer Ramón perceber que ela era uma mulher atraente, e não uma adolescente idiota. Que ilusão! Nunca poderiam chegar perto um do outro sem brigar. Para ele, Lorena era um aborrecimento. Não passava de uma simples e incompetente empregada, naquela fazenda onde ele dava as ordens.

Copyright: Susanna Firth

Título original: "The Overlord" Publicado originalmente em 1982 pela Mills & Boon Ltd., Londres. Inglaterra

Tradução: Everlyn Kay Massaro

Copyright para a língua portuguesa: 1983 Abril S.A. Cultural —São Paulo

Esta obra foi integralmente composta eimpressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S. A.

Foto da capa: Abril Press

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Amor bandido – Susanna FirthBianca 175

CAPÍTULO ICAPÍTULO I— Papai, quero falar com você.

Lorena serviu-se de um pouco mais de café e sentou-se com a xícara entre as mãos, imaginando qual seria o melhor meio de abordar o que a estava preocupando. Tentara diferentes maneiras de tocar no assunto nos últimos dias. mas nenhuma delas dera resultado. Talvez tivesse chegado a hora de falar claro.

Olhou para seu pai, sentado do outro lado da mesa de jantar. O prato havia sido afastado para o outro lado e ele estava absorto na leitura de uma carta. Apesar de a estância ficar bastante longe da cidade mais próxima, costumavam receber a visita do carteiro três vezes por semana, e o ritual de abertura da correspondência, à noite, era uma tradição de que se lembrava desde que se conhecia por gente.

— Papai? — repetiu, ansiosa.

Mark Will iams levantou a cabeça.

— Desculpe, querida, não estava prestando, atenção. Acho que tenho estado sozinho por tanto tempo que me tornei um pouco anti-social. — Deu uma risadinha. — Veja só, você volta para casa depois de todos esses meses, e seu único parente vivo praticamente a ignora! Será que um dia poderá me perdoar por isso?

— Não seja bobo. — Lorena olhou-o, com carinho. — Sei que tem estado muito ocupado. Quando foi que não esteve?

— Deve ser muito aborrecido ficar sozinha o dia inteiro, e sei que não sou a mais interessante das companhias à noite. Não quer mudar de idéia sobre aquele convite de sua coleguinha que mora em Córdoba? Vou ver se consigo alguém para levá-la. Infelizmente, não posso deixar o carro com você porque...

— Não, papai.

— Isso me pareceu muito definitivo.

— E foi. — Ela mexeu na colherinha de café com dedos nervosos e depois deixou-a cair sobre o pires. — Não sou uma criança que precisa ser distraída o dia todo. Já estou bem crescidinha.

— Dezoito anos.

— Vou fazer dezenove no mês que vem.

— Já está quase na idade de se aposentar!

— Não brinque, papai. Estou tentando falar sério.

— Por quê? Deixe isso para os velhos. Você não tem nada com que se preocupar.

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— Não, mesmo? — falou, quase com rispidez.

— O que está querendo dizer? — Mark franziu a testa. — Se é sobre a universidade, creio que já ficou tudo acertado. Concordamos que você só irá para a Inglaterra no ano que vem. Ainda é muito jovem, e eu não teria sossego em deixá-la sozinha em Londres. Até lá, terá tempo para se tornar mais adulta e adquirir mais experiência de vida. Olhe, querida, eu tinha dezesseis anos quando vim para a Argentina e, acredite-me, sei como é difícil começar a vida num país estranho, mesmo tendo bons amigos.

— Não é isso — disse Lorena.

— Então, o que é?

— Papai, há alguma coisa errada, não? — Bem, finalmente estava falando às claras. Lorena deu um suspiro de alívio.

O pai tentou rir.

— Está sonhando!

—Não, não estou. No início, pensei que pudesse ser minha imaginação, mas já estou aqui há uma semana e agora tenho certeza de que existe algo esquisito no ar. — Estudou o rosto do pai, tentando encontrar uma resposta, mas em vão.

— Mal tivemos oportunidade de conversar desde que você chegou...

— Sei disso, e é um dos motivos para minha preocupação. Você sempre trabalhou duro, enfrentando qualquer desafio na administração, mas encontrava tempo para relaxar. Agora, de repente, tem trabalhado sem descanso, mal parando para comer. E anda calado, nervoso, como se tentasse resolver algum problema insolúvel.

Mark Will iams deu um suspiro e passou a mão pelos cabelos, que tinham ficado bem mais cinzentos desde que Lorena esteve em casa pela última -vez. E as rugas da testa pareciam mais tensas e acentuadas. Estava envelhecido, pensou ela, sentindo um aperto no coração. Não era justo. Seu pai tinha pouco mais de quarenta anos e, apesar de trabalhar duro, levava uma vida saudável, ao ar l ivre. Era a preocupação que havia causado isso.

— Não sei o que dizer — disse ele, finalmente.

— Por que não tenta a verdade?

Mark deu um suspiro.

— Não sei...

— Papai, não me deixe de fora. Fomos sempre muito unidos, temos enfrentado muitas adversidades juntos.

— Sim. Acho que tenho me apoiado muito em você desde que sua mãe morreu. Você tem sido um grande conforto para mim, Lorena.

Ela sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Ann Will iams morrera de câncer há quatro anos, mas a perda parecia muito recente e sabia que o pai ainda estava inconformado. Piscou com força e tentou aparentar calma.

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— Então, por que não posso ajudar?

— Duvido que alguém possa.

Fazia muito tempo que não via o pai tão desanimado, e uma sensação de medo a fez estremecer. Seria tão mau assim?

— Por favor, papai, conte-me o que está acontecendo de errado.

Mark levantou-se e foi até a grande escrivaninha de carvalho que ficava do outro lado da sala. Remexeu numa pilha de pastas e papéis, encontrou o que procurava e voltou para a mesa.

— Leia isto — disse, dando-lhe uma folha datilografada. — Pode explicar tudo melhor do que eu.

Lorena leu a carta atentamente. Não era longa, mas a l inguagem não deixava margem para dúvidas. A assinatura quase ilegível parecia pôr um ponto final a uma série de desaforos.

— Problemas — concordou. — Agora estou entendendo. Oh, papai, por que não me contou antes?

— Não quis aborrecer você. Acho que fiquei esperando por algum milagre, mas...

— É verdade.

Mark encolheu os ombros num gesto de desânimo.

— É. Ele está certo... claro que está certo. Eu devia ter enfrentado os fatos há muito tempo. É tudo culpa minha.

— Isso é bobagem, papai, nem preciso lhe dizer — protestou Lorena. com veemência. — Você sempre conseguiu cuidar de tudo com uma mão nas costas.

— Obrigado pela confiança, querida, mas não é bem assim. Talvez tenha conseguido fazer um bom trabalho quando sua mãe ainda estava viva e com saúde. Acho que perdi o ânimo quando ela morreu. Não sei, parece que tudo ficou diferente... O fato é que as coisas têm ido por água abaixo e não me empenhei o suficiente para resolver a situação.

— Mas ele está insinuando que você é um preguiçoso. — Lorena apontava as frases com gestos irritados. — Um molenga, um vagabundo incompetente que deixou as coisas virarem uma bagunça!

— E estão mesmo uma bagunça. Com essa inflação desenfreada que o país está enfrentando, os tempos têm sido duros. Não consegui juntar dinheiro para substituir o equipamento como costumava fazer antes. Tive que despedir muitos empregados porque não tinha como enfrentar os aumentos de salário. Além disso, a mão-de-obra rural anda escassa, o pessoal tem procurado as cidades para conseguir empregos melhores na indústria. Bem. o caso é que. com tudo isso. a qualidade da nossa carne não é mais a mesma e o mercado internacional está difícil.

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— Então, por que esse... esse... — Lorena pegou a carta e tentou decifrar a assinatura. — Esse tal de R. Vance não levou tudo isso em conta, antes de pôr toda a culpa em você?

— Não é assim tão simples, meu bem. Proprietários de fazendas de gado não pagam um administrador para ouvir desculpas sobre problemas causados pela economia de um país. Esperam que saiba tomar as atitudes corretas para enfrentar a situação. Foi onde falhei. Perdi o controle. Algumas vezes, acho que só um milagre fará as coisas retomarem o equilíbrio. Não sei nem por onde começar a consertá-las.

— E o que vai acontecer?

— Agora não depende mais de mim.. Já recebi muitas cartas me advertindo sobre a situação e consegui dar algumas explicações, mas acho que cheguei ao fim da linha. Você sabe que o proprietário dessa estância é um consórcio que tem muitos outros interesses financeiros. Durante algum tempo, pude ir levando as coisas porque o agente encarregado do negócio de gado estava ficando velho e querendo se aposentar, sem se empenhar muito no trabalho. Bem, há uns dois meses, fui informado de que agora há uma outra pessoa em seu lugar. Sabe como é, meu bem: esse novo agente quer mostrar serviço para justificar a contratação.

— E você vai fazer o que ele está pedindo?

— Não tenho escolha: tenho que preparar um relatório detalhado sobre é nossa situação financeira. Acho que chegou a hora da verdade.

— E o que vai acontecer?

— Os números confirmarão a suspeita de que há algo de muito errado. Que o rancho não é mais um bom negócio. Por minha causa.

— E então?

— Vou ter que enfrentar o inevitável. Serei despedido e terei que procurar outro emprego. Só Deus sabe onde vou conseguir um na minha idade e com a situação que o país está atravessando.

Lorena ficou chocada. Imaginava que havia problemas, mas não estava preparada para o que acabava de ouvir. Era assustadora a possibil idade de ter que deixar o lugar em que nascera, a casa que sua mãe havia transformado com tanto esforço num lar acolhedor, as pastagens onde cavalgava desde menina... O pior era o efeito que uma coisa dessas causaria no pai, que chegara ali com pouco mais de vinte anos, recém-casado. Tinha trabalhado duro para conseguir o cargo de administrador. Era uma posição de confiança, conquistada com suor e dedicação.

Inclinou-se sobre a mesa e apertou a mão do pai, tentando confortá-lo.

— Não se preocupe, vamos dar um jeito. Vai ver como, no fim, tudo dará certo. — Palavras, simples palavras, do mesmo tipo que ele costumava usar quando ela era menina, procurando consolo para seus pequenos problemas infantis.

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— Estou muito mais preocupado por sua causa, querida. Temos que pensar na sua carreira, no seu futuro. Não consegui economizar muito durante todos esses anos. Se não arranjar um bom emprego, não teremos o suficiente para pagar seus estudos na universidade; muito menos para sua estada na Inglaterra. Nem sei se poderei lhe dar um teto aqui mesmo. — O rosto do pai estava sombrio. — Lorena, será que pode me perdoar por eu ter deixado as coisas chegarem a esse ponto?

— Também tenho minha parcela de culpa. Devia ter notado como estava a situação há mais tempo. Podia ter feito alguma coisa para ajudar... sair da escola, vir trabalhar aqui... seria mais um par de mãos. Se tivesse me contado... — Parou, desanimada. Era tarde demais para recriminações. Agora, precisava ser prática e positiva. — Olhe, papai, possível que você esteja sendo pessimista demais. Talvez o novo agente não seja tão ruim como parece pela carta. Afinal, ele não sabe todos detalhes. É possível que esteja só querendo demonstrar que está por cima.

— É uma carta muito positiva para alguém que apenas analisa uma situação. — Mark Will iams falava com amargura. — O homem parece ter um quadro bem claro e só querer confirmar sua opinião, antes de agir.

— Mas ele não o conhece, nunca esteve aqui em Vista Hermosa.

— Isso não é importante, meu bem. Ele tem os números e os proprietários querem saber de lucros.

— Não é justo! Aposto que esse homem nunca saiu de Buenos Aires. O que pode saber dos problemas que você está enfrentando? Garanto que é igualzinho ao outro agente, um careca barrigudo que nunca viu uma vaca na vida e que sairia gritando por socorro, se topasse com uma!

— Talvez — disse Mark, com um sorriso. — Se ele for mesmo igual ao sr. Holmes, é possível que acabe nos deixando em paz.

— Mesmo se não for, por que a última palavra tem que ser a dele? E os donos? Por que você não vai falar diretamente com eles? Talvez concordem em fazer novos investimentos aqui.

— Não é assim tão simples, querida. Antigamente, quando o proprietário era uma só pessoa, podia haver essa possibil idade. Hoje, porém, Vista Hermosa é apenas mais uma propriedade de um imenso conglomerado financeiro. Encarregam tipos como esse tal de Vance de cuidar de seus interesses e não se incomodam com o que ele faz, desde, que tenham bons lucros.

— Então.,.

— Não podemos fazer mais nada. O homem tem toda a autoridade Amanhã vou lhe enviar a papelada que está pedindo e depois ficaremos aguardando os acontecimentos. — Forçou um sorriso. — Pode ser que você esteja certa: talvez seja só uma tempestade num copo d'água.

— Claro que é! — Lorena procurou colocar o máximo de confiança na voz. — Daqui a alguns anos, olharemos para trás e nem vamos acreditar que pudemos ficar tão preocupados.

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Porém, mais tarde, quando se aprontava para ir dormir, sentia-se muito incerta quanto ao futuro. Tinha procurado demonstrar otimismo para alegrar o pai, mas sabia que estavam diante de uma incógnita. O agente tinha plenos poderes e estava a quilômetros de distância. E se decidisse que seria melhor substituir seu pai por alguém mais jovem, cheio de energia e idéias modernas?

Lorena conhecia um pouco sobre o mundo dos grandes negócios para ter consciência de que ninguém se importava com as pessoas, quando se tratava de finanças. Naquele mundo, tão distante da tranqüila Vista Hermosa, quem não produzisse resultados era eliminado como erva daninha. Um arrepio a fez estremecer. A imaginação começou a falar mais alto. E se tivessem que viver de esmolas, como tantos estavam fazendo naquele país supostamente tão rico? Quantas e quantas vezes havia sido abordada por velhos, mulheres e crianças, implorando por alguns pesos para comprarem comida?

Sacudiu a cabeça, afastando essa idéia. Que bobagem! Estava se deixando levar pela autopiedade. Era jovem, forte e ativa. Mesmo que o pai tivesse dificuldade para encontrar uma colocação, nunca passariam fome. Procuraria um emprego como balconista, camareira, qualquer coisa. Era pena não estar qualif icada para exercer uma profissão, apesar de ter freqüentado o melhor colégio da região.

As freiras sempre diziam que era ótima aluna e que devia prosseguir os estudos, tornando-se advogada, jornalista ou professora universitária. Seu pai, um homem atualizado, insistia em que seguisse uma carreira. Apesar de a esposa ter vivido satisfeita cuidando da casa, ele achava que a mulher moderna devia aspirar a muito mais do que isso.

— O que não significa que não tenho esperanças de que você encontre o homem certo e faça de mim um avô — dizia, com uma risada.

— Você está longe de ter cara de avô — brincava Lorena. — Bonitão como é, seus netos vão chamá-lo de titio, e olhe lá. Vamos esperar até você estar com os cabelos todos brancos e com um andar pesado!

E era assim que ele estava agora. A preocupação destruía mais do que os anos. Os cabelos castanho-avermelhados tinham adquirido uma tonalidade cinzenta, quase sem vida, e parecia não haver mais o mesmo vigor em seu corpo magro.

Lorena sorriu ao se lembrar dos comentários da mãe pelo fato dela ser tão parecida com o pai, e foi se olhar no espelho. Sim, tinham a mesma cor de olhos e cabelos, o mesmo corpo alto e esguio. Examinou-se com um ar crítico. Seu rosto, antes ossudo e infantil, agora mostrava linhas bem marcadas, como via nas mulheres das fotos de revistas de modas, e que poderiam passar por beleza, se não fossem acompanhadas por um nariz arrebitado e boca larga demais. E o resto! Fez uma carinha de desgosto. Os homens argentinos gostavam de corpos mais arredondados nos lugares certos. Ninguém, em sã consciência, lhe daria um segundo olhar. Talvez na Inglaterra ainda conseguisse encontrar alguém que se interessasse por tantos ossos. Não, ia acabar mesmo uma solteirona.

Quando finalmente conseguiu pegar no sono, sonhou que estava sendo perseguida por um velho que lhe dizia, com voz trêmula: "Case

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comigo. É sua última oportunidade". Enquanto o empurrava com repulsa, viu um nome escrito na lapela: R. Vance.

Pelo resto da semana, ela e o pai mantiveram suas conversas em assuntos neutros, evitando tocar naquilo que estava sempre presente em seus pensamentos. Mark Will iams gastou duas noites preparando o relatório sobre a situação financeira da estância e Lorena ajudou-o o melhor que pôde, secretamente horrorizada com a bagunça em que se encontrava a contabil idade. Ela mesma foi despachar o pacote no correio em Campo Verde, a cidade mais próxima do rancho.

Depois, começou a espera. Um dia para a correspondência chegar a Buenos Aires, talvez dois ou três, se houvesse algum problema. Então, o homem teria que ter tempo para estudar o relatório e os l ivros, antes de se decidir, o que levaria no mínimo uma semana. Isso significava que não receberiam uma resposta antes de uns dez dias, ou até mais, se o agente não tivesse algo mais urgente para fazer. Um homem como aquele, pensava Lorena, interessado apenas em números e lucros, nunca se apressaria, imaginando que podia haver pessoas morrendo de ansiedade para saber qual seria sua decisão.

Mark Will iams adotou uma atitude fatalista. Agora que não precisava mais esconder sua preocupação da fi lha, parecia aliviado e quase feliz. Voltou a cuidar do rancho com um entusiasmo que Lorena não via há muito tempo, empenhando-se em organizar a lavagem do gado com pesticida, um programa que acontecia várias vezes por ano, como parte da prevenção contra doenças.

Seu pai nunca seria um administrador perfeito, pensou Lorena, vendo-o se afastar, cavalgando ao lado de dois peões, gaúchos dos pampas, sérios e incrivelmente competentes no trato do gado. Gostava demais de tudo aquilo, era gentil e cheio de consideração com os empregados, vendo-se como mais um deles. Nada lhe dava mais satisfação do que passar um dia inteiro na sela, cuidando dos animais.

Era um mundo de homens, e Lorena aceitava esse fato com naturalidade. O machismo latino impedia qualquer interferência das mulheres nas atividades de uma estância, e os peões ficariam chocados se ela tentasse invadir seu território. Para um gaúcho, uma mulher tinha outros usos.

O dia estava bonito e ensolarado. Uma brisa agradável, ainda que um pouquinho fria, soprava por entre os perfumados eucaliptos que ladeavam a estradinha que levava ao pátio em frente da casa. Lorena ficou vendo os homens se afastarem, até não serem mais do que pontos na distância, e depois entrou, com um suspiro. Daria tudo para poder selar seu cavalo e passar o dia cavalgando.. Num rancho do tamanho de Vista Hermosa, era possível percorrer quilômetros e quilômetros sem se ver uma única pessoa- e sem nem mesmo se avistar os l imites da propriedade.

Porém, havia muito serviço a ser feito dentro de casa. Encolhendo os ombros, foi para a cozinha, onde pegou o material de l impeza. Sempre que voltava do colégio interno, assumia a responsabilidade de fazer uma boa faxina na casa. O pai se esforçava para manter razoavelmente limpos e arrumados os aposentos que usava, mas sempre havia muito a ser feito.

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Essa vez não era exceção. Seu quarto, a cozinha e a sala dos fundos, onde passava a maior parte do tempo, usando-a para comer, fazer a contabil idade e ouvir rádio à noite, estavam bastante l impos, mas o resto dos cômodos era uma verdadeira lástima. Ao voltar do colégio, Lorena decidira que, nesse ano que ficaria em casa, se encarregaria de fazer Vista Hermosa voltar a ser o lar que havia sido, quando sua mãe ainda estava viva.

Não desistiria dos seus planos, só por causa daquele velhote de Buenos Aires que podia despejá-los a qualquer instante. Foi para a sala de visitas, o cômodo mais bonito da casa, onde sua mãe, nos velhos tempos, costumava receber as amigas e visitantes de outros ranchos e mesmo de outras cidades.

Os móveis e tapetes estavam cobertos de poeira. Pouco depois, atacando a sujeira com todo o vigor, Lorena tossia e espirrava, dando graças por estar com um lenço amarrado nos cabelos e um vestido velho e confortável. Ao passar a flanela pelo grande espelho de parede, decidiu que estava em piores condições do que a sala, mas continuou com o trabalho, sabendo que atualmente não corria o risco de receber uma visita inesperada.

Foi então que ouviu o automóvel. Correu para a janela e deu uma espiada. Tinha que ser um alarme falso. Não estavam esperando ninguém. Exceto... não... seria impossível. O tal sr. Vance ainda não teria tido tempo para mandar alguém para fazer uma vistoria na estância.

Mas um carro entrava mesmo em Vista Hermosa. Lorena viu a caminhonete vindo pelo caminho asfaltado, deixando atrás de si uma nuvem de poeira que levantara ao atravessar a estrada de terra que levava aos currais. Em poucos momentos, estacionava em frente do jardim abandonado, que um dia havia sido a alegria e o orgulho de sua mãe. Quando o motor foi desligado, um estranho desceu e andou rapidamente em direção aos degraus da porta de entrada.

Lorena não sabia muito sobre os homens, mas logo percebeu que esse era um daqueles que significavam problema. Problema de um tipo que sua vida curta e até agora protegida não a preparara para enfrentar. Porém, os acontecimentos dos últimos dias já lhe haviam ensinado alguma coisa sobre as surpresas que o mundo pode oferecer.

Ele era alto, alto demais para os padrões argentinos, e seu corpo firme e pele queimada de sol sugeriam que estava acostumado a uma vida ativa, ao ar l ivre, apesar do terno escuro, camisa branca, sapatos de cromo e relógio de ouro deixarem claro que não se tratava de nenhum peão, mas de um homem de posição. Ainda não devia ter trinta anos, pensou Lorena. mas a postura arrogante dá sua cabeça, o queixo quadrado e a l inha fina dos lábios denunciavam maturidade e lhe disseram com mais clareza do que simples palavras que esse estranho nunca aceitaria qualquer oposição à sua autoridade.

Ouviu seus passos na varanda, surpreendentemente leves para uma pessoa do seu tamanho, e logo em seguida uma batida decidida na porta da frente. Foi tomada por uma onda de pânico e hesitou em atender, sentindo uma estranha relutância em enfrentar o visitante. Talvez fosse embora, se

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ela ficasse bem quieta. Algo. no fundo do seu ser, parecia lhe avisar que esse estranho ia fazer sua vidinha pacata virar de pernas para o ar, e Lorena não gostou da perspectiva.

Claro, devia ter percebido que ele não desistiria. Esperou alguns instantes e depois bateu de novo, com mais força. Houve uma pausa, e nova batida, como se estivesse perdendo a paciência. Então a maçaneta foi girada e ele entrou. Lorena nunca poderia esperar uma coisa dessas. Ficou parada, imóvel, como paralisada pelo raio de luz que atravessou o vestíbulo, querendo fugir, mas não conseguindo dar nem um único passo.

— Ah, então há alguém em casa. Você levou um bocado de tempo para atender. — Era uma voz fria, acostumada a mandar. — Quero falar com o señor Will iams. Ele está aqui, ou cuidando do gado?

Ele a confundira com uma empregada. Não era de admirar, pensou Lorena, segurando o espanador contra o peito, como se fosse uma arma para se defender.

— E então? — O tom brusco a fez estremecer. — Não tem língua? Onde está o señor Will iams?

Ela começou a responder com uma vozinha fraca, como se fosse um autômato.

— Ele não está. Foi... — O homem era impressionante demais para alguém se sentir confortável a seu lado. As palavras pareciam presas em sua garganta seca.

— Claro que não está — interrompeu o estranho, com impaciência. — Qualquer homem razoável já estaria trabalhando há muito tempo. Estou perguntando onde posso encontrá-lo. Vai voltar para o. almoço, ou costuma vir só na hora do jantar? Onde está? Com o gado? Perto da casa? Há alguém que possa ir chamá-lo, ou você está sozinha?

As perguntas saíam rápidas como uma rajada de metralhadora e Lorena se esforçava para responder.

— Sim... não... isto é, não tenho certeza... não há ninguém em casa, só eu... sabe. ele...

— Santo Deus, você nunca venceria um concurso de inteligência — disse o estranho entredentes. Lorena estremeceu com a observação e ele percebeu. — Ah, isso você entendeu, não foi?

Não se dignou a pedir desculpas. Também, não teria motivos. Afinal, ela estava mesmo se comportando como se fosse uma retardada. Mas ele a pegara tão de surpresa, que nem estava conseguindo raciocinar direito.

— O que quer com o señor Will iams? — perguntou, as palavras saindo num tom muito mais beligerante do que pretendia.

O homem levantou uma sobrancelha, intrigado com a reação.

— Acho que não é da sua conta. Agora, pela última vez, onde está ele?

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— Vá procurá-lo você mesmo, se quiser! — explodiu Lorena. Afinal, quem era esse estranho prepotente e que direito tinha de interpelá-la desse jeito em sua própria casa? Não ia agüentar tanta grosseria. Virou-se de costas para ele e começou a andar, não sabendo para onde ia, só querendo se afastar, antes de fazer alguma coisa realmente desastrosa, como esbofetear aquele rosto bonito.

Ele deu dois passos e agarrou-a pelo braço, obrigando-a a virar-se.

— Olhe aqui, menina, estou pedindo uma informação e vou conseguir. nem que tenha que apelar para a violência.

Lorena sentiu um arrepio gelado na espinha. O que ele ia fazer? Por que havia sido tão idiota, dizendo-lhe que estava sozinha em casa?

— E então? — Os olhos escuros pareciam ser feitos de gelo. ameaçando hipnotizá-la. Sacudiu-a, com impaciência. — Estou esperando uma resposta, sua pateta! Diga-me onde está o señor Will iams. Quero falar com ele.

— E daí? Quem é você para vir me gritando ordens? — perguntou, furiosa.

Os dedos magros e compridos apertaram seu braço com uma força quase insuportável, e ela podia sentir a raiva controlada vibrando dentro daquele homem.

— Meu nome é Vance.

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CAPÍTULO IICAPÍTULO II

— Vance? — Lorena estava chocada e seu rosto demonstrava isso claramente. — Você é R. Vance? — Esse pedaço de viri l idade, agressivo e vital, seria mesmo o agente dos proprietários? Impossível! Era completamente diferente do tipo de pessoa que costumava representar as multinacionais, geralmente europeus pálidos, falando a l íngua com grande dificuldade.

— Ramón Vance.

Ramón. Sim, isso explicava o tipo moreno, a altura incomum e o espanhol perfeito. Devia ser argentino, descendente de ingleses ou americanos.

— Você parece surpresa — disse ele, secamente. Soltou-lhe o braço, e ela se afastou, esfregando o lugar dolorido.

— E estou. Você não é nada do que imaginei ao ler sua carta.

Ele levantou as sobrancelhas.

— Não pensei que Mark Will iams tivesse o hábito de mostrar a correspondência particular aos empregados.

Era melhor se apresentar logo, pensou Lorena.

— Não, sr. Vance, eu...

— Ah, tem uma posição mais privilegiada, não? — Examinou-a com um leve ar de desdém. — Sim, estou sabendo que a señora Will iams faleceu há algum tempo. — Fez uma pausa significativa.

O que aquele homem estava insinuando? Que ela... que seu pai teria...

— Como se atreve? Sou a fi lha de Mark Will iams! — Furiosa, Lorena apertou as mãos para não esbofeteá-lo. — Seu sujo... seu...

— É melhor parar com isso. — O tom era calmo, mas terrivelmente ameaçador.

— Nunca fui tão insultada na vida!

— Você ainda não viveu muito. Se isso é o pior que já ouviu, tem muita sorte. — A voz continuava calma e inalterada. — Foi um engano bastante compreensível, nas circunstâncias.

— Cavalheiros não cometem enganos desse tipo.

Ele deu uma risada áspera.

— Não se i luda: não sou nenhum cavalheiro.

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— Isso já ficou bem claro! E, pelo que vejo, também não vai me pedir desculpas.

— Não tenho o hábito de me desculpar. Além disso, ainda nem sei seu nome.

Lorena fumegava de raiva, mas não havia nada que pudesse fazer. Gostaria de enfrentá-lo, mas sabia que seria como uma mosca batendo numa parede de aço.

— Sou Lorena Will iams — disse, emburrada.

— Muito bem. Agora que foram cumpridas as formalidades, que tal sairmos aqui da porta?

Ele parecia ter o dom de deixá-la em má situação. Sentiu-se como uma criança de seis anos, sendo censurada por sua falta de educação.

— Sim, claro. Entre, por favor.

Uma manhã de faxina não havia feito nada para melhorar o, aspecto da sala de visitas. Ao contrário, os móveis afastados do lugar, tapetes enrolados, vassouras e panos espalhados só contribuíam para que parecesse ainda pior.

— Não há outro lugar? — perguntou ele. com um ar de desagrado.

— Costumamos usar a sala dos fundos — disse Lorena, encolhendo os ombros.

— Não pode ser pior do que isso. Vamos para lá.

— Está bem. — Não ia discutir. Pelo menos, a sala dos fundos estava limpa e razoavelmente em ordem. Tinha feito a faxina no dia anterior, apesar dos protestos do pai. que reclamava que nunca mais ia encontrar nada do que costumava deixar lá. Indicou o caminho.

A expressão de Ramón Vance não demonstrou se estava mais satisfeito com esse cômodo. Deu-lhe outro daqueles olhares penetrantes que já estava começando a associar a ele e depois virou-se para ela.

— Gostaria de uma xícara de café e alguma coisa para comer. — Foi uma ordem, não um pedido, e Lorena recuou instintivamente. — Não tive tempo para fazer uma refeição mais substancial essa manhã.

Ela sentiu vontade de dizer: "Lamento. Não é por isso que vou alimentá-lo". Porém, teve a sensação de que ele lhe daria umas palmadas, se falasse algo parecido.

— Vou ver o que posso arranjar — disse, com maus modos, e dirigiu-se para a cozinha, consciente do olhar que a acompanhava.

Não levou muito tempo para fazer um bule de café e preparar um prato cheio de sanduíches. Se o sujeito esperava algo saído de um livro de culinária francesa, azar dele, pensou, furiosa. Voltou para a sala e colocou a bandeja em cima da mesa, sem qualquer cerimônia.

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Ramón Vance estava de costas para ela, olhando o panorama que se descortinava da janela. Ao ouvir o ti l intar da louça, virou-se e, sem esperar convite, sentou-se no lugar favorito de seu pai, uma poltrona de couro bastante velha, mas muito confortável.

— Pode pôr a bandeja aqui — ordenou, indicando uma mesinha a seu lado.

Falou como se ela fosse mesmo, uma empregada. Lorena engoliu o desaforo que ia escapando de seus lábios e pôde perceber, pelo brilho que viu nos olhos castanhos, que ele sabia exatamente o que ela estava sentindo. Maldito homem, nada lhe escapava! Pegou a bandeja e praticamente atirou-a sobre a mesinha.

— Obrigado. Já ouvi falar muito na extraordinária hospitalidade dos moradores dos pampas. É bom vê-la em ação.

Lorena ficou vermelha com o tom de zombaria. Olhou para a porta, desejando poder escapar para ter tempo de recuperar a compostura. Seria muito bom se ele quisesse comer sozinho.

— Você já almoçou? — A voz dele interrompeu os pensamentos de Lorena.

— Não estou com fome. — A idéia de compartilhar uma refeição com aquele grosseirão a revoltava. Porém, como se protestasse contra a mentira, seu estômago roncou, reclamando por comida.

— Como quiser. Então, pode se sentar enquanto como.

— Eu preferia...

— Não estou interessado nas suas preferências — disse ele, suavemente, olhando-a direto nos olhos. — Sente-se.

— Você não tem o direito de me dar ordens!

— Tenho todos os direitos do mundo. Agora, vai se sentar ou terei que obrigá-la?

Ele falava sério. Lorena podia perceber isso pelo seu tom, apesar de não ter levantado a voz. Não precisava. Obedeceu, sentando-se toda rígida numa cadeira dura, com as mãos cruzadas no colo, feito uma menininha. Afinal, não adiantava agir de outro modo: era assim que ele a estava tratando.

— Quer um pouco? — perguntou Ramón Vance, servindo-se de uma xícara de café.

— Não, obrigada.

Ele comeu um sanduíche e deu uma mordida num outro.

— Estão muito bons.

— Procuramos agradar. — Lorena não ia aceitar qualquer oferenda de paz, se era isso que ele planejava. Por acaso, achava que ia adoçá-la com comentários desse tipo?

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— Ainda bem. Devo dizer que até agora não tinha notado muita evidência do seu desejo de agradar. Diga-me, você é sempre assim azeda com as visitas, ou tem algo de especial contra mim?

— O que acha? — perguntou Lorena, num tom provocador. Sabia que era idiotice tentar enfrentá-lo, mas alguma coisa parecia impeli-la a isso.

— Acho que vai acabar numa tremenda encrenca, se não tomar mais cuidado.

— Pare de falar comigo como se eu fosse uma criança!

— Então, pare de agir como uma. — Levantou-se, e Lorena ficou tensa. O que ia fazer? Não, ele não se atreveria a tocar um dedo nela. Não mesmo? — Você não é tão valente como quer aparentar — disse ele, com uma risada desagradável. Tirou metade dos sanduíches do prato e deu o resto para ela. — Coma.

— Já lhe disse que...

— Vai comer, quer queira ou não. E vai buscar uma xícara para tomar café também. Já me fez perder muito tempo.

Antes mesmo que percebesse, Lorena viu-se obedecendo humildemente. Não tinha recuado na batalha, pensou, enquanto mordia um sanduíche avidamente. Era só que não adiantava discutir por algo sem muita importância. Quando seus olhares se encontraram, viu aquele brilho de zombaria e imaginou a quem estava tentando enganar. Claro que não era a ele.

— Bem, agora podemos conversar — disse Vance, quando terminaram de comer.

— Sobre o quê? Não tenho nada a lhe dizer.

— Claro que tem. É só querer. Afinal, o que está fazendo aqui? Pensei que estivesse na escola.

— Vejo que é muito bem informado!

— Tenho que ser, para poder executar bem o meu trabalho.

— Voltei para cá na semana passada. Já terminei meus estudos — explicou Lorena, de má vontade, depois de uma pausa.

— Estamos em janeiro, o ano letivo terminou em novembro. O que esteve fazendo nesse intervalo?

—Um curso de etiqueta numa academia de Córdoba. Aprendemos boas maneiras, postura, como servir uma mesa, como receber convidados...

— Esqueça os detalhes. Conheço esse tipo de coisa — disse Ramón Vance, com uma careta. — Não parece ter aproveitado muito desse tal curso — acrescentou.

— Não sei por que acha que devia ser recebido com um tapete vermelho. — A voz de Lorena mostrava seu ressentimento. — Não é uma visita bem-vinda.

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— Foi o que pensei. Diga-me, o antigo agente também recebia esse tipo de tratamento?

— Ele nunca esteve em Vista Hermosa. Ficava em Buenos Aires e não metia o nariz onde não era chamado.

— Ah, sim, e você deve ter apreciado muito essa atitude. Enquanto isso, a estância continuava seu caminho para a ruína. Mas claro que você não deu a mínima para isso, não?

— Eu não sabia de nada!

— Não? Ah, é mesmo. Estava na escola e fazendo cursos de etiqueta. Muito conveniente! Pois eu estou sabendo de tudo. Estive trabalhando, estudando a situação, e não estou nada satisfeito com o que anda acontecendo por aqui. Por acaso, você se interessou em saber como estavam os negócios, depois que seu pai lhe mostrou minha carta?

— Ele me disse que havia problemas. Achei que não devia ser nada de muito grave, que não pudesse ser resolvido com facil idade. — Lorena tentou fingir uma atitude digna.

— Você entende alguma coisa sobre a administração de uma estância?

— Não. Confio no julgamento do meu pai — disse, com altivez.

— Estou contente por ver que há alguém que tem fé nele.

— Quer dizer que não tem?

— Não ponha palavras na minha boca — disse Ramón Vance, num tom irritado e autoritário.

— É verdade, não? — perguntou Lorena. com amargura. — Deixou tudo bem claro na sua carta: não tem a mínima confiança nele, não é?

— Não conheço seu pai; portanto não posso julgá-lo.

— Não, claro que não conhece. Então, deixe-me dizer-lhe, sr. Vance: ele vale dez de você! É um homem honesto, esforçado, trabalhador e...

— Talvez seja mesmo tudo isso. Se for, terá que haver outra explicação para a estância estar indo por água abaixo. Seja qual for, estou aqui para descobrir o motivo desse fracasso. Com sua permissão, é claro.

Monstro sarcástico! Lorena nunca antipatizara tanto com alguém.

— E o que um bicho da cidade como você pode saber sobre a administração de um lugar como este? Por acaso, já viu alguma estância de gado fora das revistas ou das telas de cinema? — perguntou, com desdém.

— Sei o suficiente — respondeu Vance, parecendo pouco inclinado a ampliar a resposta.

— Não estávamos esperando sua visita.

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— Foi o que percebi. E não sei por quê. Afinal, era a única atitude que eu poderia tomar. Mas não é preciso se desculpar. — Seu tom era o de um rei concedendo perdão e Lorena levantou o queixo num gesto de desafio.

— Não estou me desculpando. Só quis...

— Sim?

— Explicar por que fiquei surpresa em vê-lo. Sei que meu pai teria ficado em casa, se tivesse sido avisado de que você estava para chegar. Mas acho que isso foi proposital.

— É possível. Talvez seja mais um exemplo da minha natureza mesquinha, que você acha tão diferente da do seu pai.

— Vai ver que estou certa quando conhecê-lo — disse Lorena, confiante.

— E quando vou ficar conhecendo esse paradigma de virtudes? Não vim para cá para discutir com você. Pelo que me lembro, perguntei pelo seu pai alguns segundos depois de nos vermos. — Consultou o relógio. — Isso foi há quase quarenta e cinco minutos, e ainda não fui informado do seu paradeiro.

Lorena desistiu. Não adiantava mais tentar ganhar tempo. Quanto mais cedo os dois homens se encontrassem, mais cedo esse estranho arrogante teria oportunidade de rever sua opinião.

— Papai foi buscar um lote de gado que está perto da fronteira com Los Molinos. Saiu bem cedo, mas acho que ainda vai levar algum tempo para voltar. — Estudou o visitante com um ar de dúvida. — Sabe montar? Eu poderia ir com você para tentar procurá-lo, mas não sei que caminho papai vai pegar para voltar. Sabe, aqui não é o Parque Palermo de Buenos Aires, onde há caminhos especiais para cavaleiros. É um lugar imenso, e alguém não familiarizado com os marcos poderia se perder com facil idade.

— Estou certo de que você choraria lágrimas amargas, se isso acontecesse comigo — caçoou Ramón. — Quando acha que ele vai estar aqui?

— Em duas horas, talvez três, depende. Penso que hoje vai querer chegar mais cedo para deixar tudo preparado para a lavagem com pesticida amanhã.

— Entendo. Então, não adianta eu ir até lá. Ele deve estar muito ocupado e não vai me agradecer por interferir numa hora como essa.

Lorena não acreditava que o pai gostaria daquela interferência em qualquer hora, mas não disse nada. Ansiosa para se afastar um pouco daquele homem, sugeriu, esperançosa:

— Por que não descansa um pouco? Fez uma viagem longa.

Quando os olhos escuros a examinaram cheios de zombaria, ficou imaginando se esse Ramón Vance também era um telepata. Parecia ler seus pensamentos com a maior facil idade.

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— Lamento desapontá-la, mas não estou cansado. Um vôo de hora e meia num avião confortável e uma viagem relativamente curta por estradas razoáveis não são suficientes para me afetar. — Lançou-lhe um olhar malicioso. — Se bem que tenho que admitir que essa última hora foi um pouco difícil.

Não ia lhe dar o gostinho de responder, pensou Lorena, decidida a tomar uma atitude gelada e polida que talvez surtisse mais efeito com ele.

— O que gostaria de fazer, sr. Vance?

— Está me dando carta branca?

— Parece que não tenho escolha.

— Tem razão. Então, mostre-me a casa. Quero ver cada parte dela, desde o telhado até o porão, se tiver. Entendeu?

— Perfeitamente — respondeu Lorena, entredentes.

Duas horas depois teve que acreditar que o homem não sabia o que era cansaço. Tinham feito uma excursão completa pela casa subindo até em escadas para inspecionar tetos e telhados. Ele não deixara nem mesmo de examinar cada canteiro do jardim e da horta. E, enquanto andavam, fazia perguntas, muitas das quais ela havia sido incapaz de responder.

O homem não deixava passar nada. Há quanto tempo tinham feito a última revisão do telhado? E do encanamento? Que móveis e utensíl ios tinham sido substituídos por seu pai e o que o antigo ocupante da casa levara, há quase vinte anos? Os quartos de hóspedes costumavam ser arejados com freqüência? Tinham o hábito de receber visitas? Que tipo de verdura plantavam? Seria possível se conseguir uma quantidade suficiente para ser vendida a outros consumidores?

Voltaram à sala dos fundos onde tinha se iniciado a maratona, e Lorena não se preocupou em esconder seu cansaço, quando afundou numa poltrona.

— Exausta? — perguntou ele, sem demonstrar qualquer compreensão. — Fui demais para você?

O que adiantava responder? Ela suspeitava de que Ramón Vance tinha se divertido muito em vê-la se atrapalhar nas respostas ao seu interrogatório. O pior é que sabia que se saíra muito mal naquela prova.

Imaginou o que ele ia inventar agora. Normalmente, a essa hora, já estaria pensando nos preparativos para o jantar. Gostava muito de cozinhar e tinha prazer em fazer pratos gostosos para o pai, que, quando estava sozinho, não variava muito sua dieta, comendo sempre carne, preparada sem muita imaginação.

— Parece que só um terremoto conseguiria arrancá-la dessa poltrona — disse Vance, num tom enganosamente suave.

— E daí?

— Não acha que está na hora de cuidar do jantar?

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O maldito parecia mesmo ter o dom de ler seus pensamentos. Apesar de saber que, se tivesse um pingo de juízo, devia desaparecer em direção da cozinha, Lorena não conseguiu controlar o mau humor.

— Estou cansada.

— Seu maravilhoso pai não merece encontrar uma refeição decente depois de passar um dia inteiro na sela?

— Ele vai entender.

— É mesmo? Bem, pode ser que ele esteja acostumado com suas malcriações, mas eu não gosto disso.

— Se está preocupado com o jantar, por que não toma uma providência?

— É exatamente o que vou fazer.

Antes mesmo que ela percebesse o que estava acontecendo, viu-se arrancada da poltrona e empurrada para dentro da cozinha.

— Me largue, seu porco! — Lutou, conseguindo muito pouco contra aqueles braços de aço, chutando as pernas compridas numa vã tentativa de escapar. Podia ter economizado energias. Seus esforços não resultaram em nada.

— Foi isso que lhe ensinaram na escola de etiqueta? — perguntou Ramón Vance, depois de conseguir sua rendição com um simples torcer de pulso.

— Seu miserável! — gritou Lorena, ofegante, forçada a se apoiar naquele corpo magro e forte, completamente exausta para tentar continuar lutando. O maldito não estava nem mesmo respirando mais rápido.

— E então. Vai cuidar do jantar agora?

— Vou. — Sabia quando estava derrotada.

— A que horas vocês costumam comer?

— Lá pelas sete. Sei que é muito cedo pelos padrões de Buenos Aires, mas somos pessoas simples e trabalhadoras que dormem cedo e acordam cedo. Não temos tempo para uma vida de elegância.

Ele ignorou a observação.

— Está bem. Às sete, então. Sabe cozinhar?

— Vai ter que esperar para ver. É possível que fique decepcionado. Na certa, as mulheres com quem você anda são mestras na cozinha francesa.

— Nem todas — disse ele, num tom ligeiramente divertido. — De modo geral, não escolho minhas companhias por seus talentos culinários.

Claro que não, pensou Lorena. Seriam peritas em outras coisas. Se esse sujeito estava tentando deixá-la embaraçada, não ia conseguir. Podia não ter muita experiência com homens, mas não era boba e sabia muito bem do que ele falava. Não ia nem lhe dar o gostinho de ficar corada.

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Ramón Vance agora estava a meio metro dela, encostado no batente da porta. Mas, ainda assim, parecia perto demais. Sua proximidade a afligia de um modo estranho, e Lorena quis se afastar para fugir desse efeito. Deu uns passos para dentro da cozinha e estremeceu ligeiramente. Por que ele tinha que ser assim tão... tão físico?

— Eu a machuquei?

— O que acha? Vou estar toda roxa amanhã — disse, cheia de ressentimento.

— A culpa é só sua. Talvez as manchas sirvam para lembrá-la de que não se deve lutar contra o inevitável.

— Oh, claro! Sim, señor Vance. Não, señor Vance. Como quiser, señor Vance. É assim que gostaria que fosse?

— Seria uma agradável surpresa, vinda de alguém como você.

— Talvez seja esse o tipo de tratamento que encontra com as suas mulheres, mas comigo é diferente!

— Veremos.

— E mesmo? — desafiou Lorena. — Não sei, não.

Ele encolheu os ombros. Parecia não estar disposto a começar uma nova discussão. Graças á Deus, pensou ela. Vendo que a observava, como se a estudasse nos mínimos detalhes e a comparasse com as mulheres que conhecia, não conseguiu evitar uma pontada de orgulho feminino ferido. Sabia que devia estar horrível, com os cabelos escondidos pelo lenço e usando um vestido velho e disforme. Ainda por cima, suja de pó e vermelha de raiva! Claro que não era uma dessas bonecas de cidade, que passam dias nos institutos de beleza e ficam apavoradas quando um vento desmancha seu penteado, mas sabia se arrumar e sempre conseguia dar uma boa impressão. Quando queria, pensou, furiosa.

— Bem, vou deixá-la sozinha para produzir o jantar do século — disse Ramón Vance, afastando-se.

— O que vai fazer? — Com certeza; ia sair pela casa, procurando outros motivos para acusar a família Will iams de molenga e preguiçosa.

— Quer que eu fique lhe fazendo companhia? — Ele estava caçoando dela. — Não sei bem por quê, mas achei que gostaria de me ver pelas costas por alguns momentos.

— E acertou. Mas...

— Mas não quer me ver xeretando por aí, descobrindo outras falhas do seu querido pai, certo?

Ele podia ler sua mente como um livro aberto, pensou Lorena, querendo sapatear de raiva como uma criança frustrada. Era esperto demais. Por que tinha que ser alguém como ele? Por que o agente não era um velhote com um certo gosto por mocinhas bonitas? Assim, poderia tentar fazer alguma coisa para melhorar sua disposição quanto à situação da estância. Porém, que mulher conseguiria enfrentar Ramón Vance?

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— Vou dar uma volta lá fora — informou ele.— Acho que assim não causarei nenhum mal.

— Faça o que quiser. Pode ir para o inferno; seria até melhor. — Lorena não estava mais preocupada com o que ele pensasse. Se quisesse xeretar, que fosse. Não havia mesmo jeito de impedi-lo.

Vance deu uma risada, e o som foi vibrante e inesperadamente atraente.

— Vou tentar não chegar atrasado para o jantar. Ah, Lorena...

Era a primeira vez que dizia seu nome, e ela ficou tensa.

— Sim? — perguntou, com maus modos.—O que é agora?

— É melhor você se arrumar um pouco.

— E mesmo?

— Sim. Sempre posso desculpar desastres culinários de uma mulher que se esforça para agradar em outros aspectos. Você está horrível no momento, mas acredito que pode ser até apresentável, quando quer.

Não lhe dando oportunidade de uma resposta cáustica àquela provocação, Ramón Vance desapareceu em direção do jardim, não deixando qualquer consolo para Lorena, senão bater as panelas, furiosa por não poder atirá-las na cabeça dele.

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CAPÍTULO IIICAPÍTULO III

Enquanto preparava a comida, Lorena mantinha a atenção voltada para o pátio, na esperança de conseguir avisar o pai sobre o visitante, antes de serem feitas as apresentações formais. Porém, ao perceber que ele ia mesmo chegar atrasado, foi forçada a abandonar a idéia e ir para o quarto, que ficava numa das alas laterais, para se arrumar.

Tomou uma ducha rápida no banheiro antiquado, um dos quatro da casa e o único em perfeito estado de funcionamento, e depois foi inspecionar seu guarda-roupa para escolher algo adequado. Fez uma careta ao ver o que tinha à sua disposição. Além dos uniformes do colégio, sobrevivia praticamente à custa de jeans e camisetas, mais alguns vestidinhos de algodão, na maioria feitos por ela mesma na velha máquina de costura da mãe. Não tinha uma única peça à altura dos padrões de um homem como Ramón Vance.

Tocou um dos vestidos de tecido xadrezinho que faziam parte do seu uniforme de verão no colégio interno. Era pouco mais do que um guarda-pó, abotoado na frente, com pregas na saia e golinha redonda. Por que não? Afinal, ele a tratava corno uma menininha. Depois de se vestir, prendeu os cabelos em duas trancas. Olhou-se no espelho, analisando o resultado. Com uma risadinha, percebeu que parecia ter uns doze anos. Bem feito! Ele estava acostumado com mulheres que se esforçavam por agradá-lo e que, com certeza, passavam o tempo todo pensando nos trajes elegantes que usariam nos encontros. Pois bem, aqui estava uma quê não tinha a mínima intenção de fazer nada parecido e que não se incomodava em alardear isso em alto e bom som.

Olhou para o relógio. Seis e meia, e ele havia dito que jantariam às sete. Em ponto, se já sabia alguma coisa sobre aquele homem. Lorena esperou que o pai não se atrasasse demais. A idéia de comer sozinha com Ramón Vance não era exatamente agradável. Enquanto se dirigia para a ala principal da casa, ouviu a voz do pai e deu um suspiro de alívio. Suas preces tinham sido atendidas!

— Papai! Finalmente você voltou, graças a Deus! Aconteceu uma coisa horrível... — Parou, completamente sem jeito, quando viu que Mark Will iams não estava falando com um dos empregados, como pensava, mas com Ramón Vance.

Os dois homens se viraram para ela, que engoliu o resto das palavras apressadamente.

—Lorena! — A expressão de surpresa e desaprovação do pai não deixou dúvida do que tinha achado de sua falta de modos. Lançou um olhar para o homem a seu lado, como que pedindo desculpas. — Sinto muito, señor Vance. Minha fi lha tem a tendência de falar sem pensar...

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— Eu já tinha notado. É típico dos muito jovens, não? A discrição vem com a maturidade. — Os olhos escuros a examinaram com um leve ar de desagrado por sua nova aparência.

— Você devia ter levado o señor Vance ao quarto de hóspedes. Lorena. Por que não faz isso agora? Talvez ele queira trocar de roupa para o jantar. — Olhou para as próprias roupas, empoeiradas e cheirando a cavalo, que contrastavam violentamente com a aparência imaculada do visitante. — Com licença. Vou deixá-lo aos cuidados de Lorena enquanto me lavo. — O olhar que lançou à fi lha não deixava dúvida de que haveria encrenca, se ela não tratasse o hóspede com o máximo de cortesia. — Ela pode ser uma anfitriã perfeita, quando se empenha.

— Só que agora não está se empenhando, não é? — perguntou Ramón, quando ficaram sozinhos. — Imagino que isso — indicou seu vestido — seja só para me provocar, não?

— E provoca? — perguntou Lorena, docemente.

— Não do modo que imagina. — O olhar percorreu sua figura, fazendo-a ficar subitamente consciente, de que o uniforme do ano passado estava um pouco justo demais. Seus seios firmes e cheios forçavam os botões e a saia revelava mais das suas pernas bem feitas do que seria aceitável pela moda ou mesmo pela decência.

— Não olhe para mim desse jeito.

— Se pretende andar por aí parecendo uma menina prodígio que não quer aceitar a idade, é melhor ir se acostumando que olhem para você. — Ramón riu. — Não sou o único homem que vai reagir assim.

— Seu monstro!

— Já ouvi isso, e não foi só uma vez. Agora, que tal obedecer seu pai como uma boa menina deve fazer e me mostrar o meu quarto?

— Por aqui — disse Lorena, entrando na ala de onde saíra e seguindo em frente, sem se dignar a ver se ele a seguia.

Não percebera antes como o quarto parecia feio e abandonado. Era usado tão raramente, que ninguém se preocupava em lhe dar uma pintura nova ou trocar as cortinas desbotadas. Um ou outro representante de firmas de produtos químicos ou agropecuários, algumas amiguinhas suas que tinham vindo para um fim de semana haviam dormido ali, mas, na maioria do tempo, o quarto permanecia fechado e esquecido.

Ramón Vance entrou na frente.

— Que aposento encantador! Combina muito bem com o resto da casa — comentou, secamente, enquanto passava a ponta do dedo pela camiseira empoeirada.

— Não tenho tempo para cuidar de tudo — disse Lorena, defendendo-se. — A casa é grande demais. Há vinte anos, quando meu pai veio para cá, havia quarenta empregados para cuidar da estância. Pode imaginar que quatro homens trabalhavam em tempo integral nos jardins? Havia uma governanta e um exército de camareiras para fazer a l impeza.

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— Os tempos mudam. — Ramón testou a cama com uma das mãos e as molas do colchão rangeram em protesto.

— E nem sempre para melhor. Antigamente, os donos das fazendas se preocupavam com suas propriedades, mesmo que não vivessem nelas. Agora, fica tudo nas mãos de pessoas como você.

— Está dizendo que não me importo? Ora, se não me importasse, não estaria aqui para descobrir por que o lugar não está rendendo o que deve.

— Lucros! Dinheiro! É só nisso que pessoas como você pensam! Pois saiba que há coisas mais importantes na vida.

— Nem tantas — disse Ramón, calmamente. — O que pagou sua escola grã-fina? O que é que a alimenta, veste e lhe dá oportunidade de ser alguma coisa? Palavras são muito bonitas, mas não substituem o dinheiro.

— Não adianta falar com você. Não entenderia, mesmo.

— Talvez não. Sou um bruto insensível, não?

— Foi você quem disse.

— Quando me conhecer melhor...

— Não tenho vontade de conhecê-lo melhor, señor Vance.

Ele ignorou a grosseria.

— Vai descobrir que tenho sentimentos muito fortes sobre certas coisas. E ouça-me: se continuar insistindo em implicar comigo, vai acabar recebendo mais do que pediu. Lembre-se de que às vezes o touro acaba levando a melhor numa tourada.

— Não tenho medo — disse Lorena, num desafio.

Mas, por dentro, sentiu um estremecimento de puro pânico. Apesar de não querer reconhecer, sentia-se inquieta, sem saber como lidar com esse homem. Nunca havia encontrado alguém tão másculo, tão cheio de confiança. Era astuto, também. Até agora, tinha estado brincando com ela, sabia disso. Se realmente se empenhassem numa batalha de vontades, Lorena suspeitava de que seria a perdedora, e não estava gostando da idéia.

— É bom saber que não sente medo de mim — disse ele, num tom agradável. — Isso fará com que a vida por aqui se torne um pouco mais interessante, mesmo se você acabar capitulando no final.

— Quem está falando em capitulação? — perguntou ela, com atrevimento.

— Eu.

Já sabia que ele podia se movimentar com incrível rapidez; ainda assim, pegou-a tão de surpresa, que não teve tempo de reagir. Um braço já estava em torno dela, antes que percebesse o que acontecia, uma mão agarrava a sua nas costas, enquanto outra puxava-a para muito perto dele.

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Lorena estremeceu com uma excitação súbita e desconhecida. Havia algo naquele homem que despertava seus sentidos de uma forma completamente estranha.

— Eu avisei — disse Ramón, tenso. — Você não quis me escutar, não é? Pensei que fosse mais esperta. Bem, se não entende a voz da razão, vamos ver se esse método tem melhores resultados.

Sua boca caiu sobre a dela com uma insistência que não permitiu qualquer tentativa de fuga. Depois de alguns segundos de uma sensação intensa, que quase fez seu coração parar, Lorena não tinha mais certeza se realmente gostaria de escapar. Seus lábios se entreabriram instintivamente sob os dele e seus sentidos imaturos começaram a reagir àquele assalto experiente. Uma parte do seu ser gritava que não devia se render, que seria humilhante demais. Porém, era tarde para gritos de alerta. Estava sendo levada por uma onda de prazer.

Ramón soltou-a de repente e afastou-se, deixando-a meio tonta, quase cambaleante com a rapidez da ação.

— Talvez seja esse o melhor meio de se l idar com você — disse, pensativo. — Pelo menos, fica de boca fechada. Não teve muita experiência com homens, não é, Lorena?

Ela jamais admitiria isso. Encolheu os ombros.

— Por acaso, esperava que eu correspondesse com entusiasmo'? Ora, eu nem mesmo gosto de você!

Não gostou nem um pouco do sorriso que ele lhe deu.

— Não achei que faltava entusiasmo; só prática.

— Ora, seu... seu...

— Sim?

Lorena não conseguia fazer o insulto sair da garganta apertada. Quis lhe dar uma bofetada, mas sabia que a punição viria na mesma hora. Em vez disso, passou a mão pelos lábios, para deixar bem claro que tinha achada aquele beijo repugnante.

— Fique longe de mim, señor Vance — disse, recuando para a porta.

— É melhor me chamar de Ramón. — Os olhos escuros brilhavam, como se um diabinho dançasse dentro deles. — Afinal, já nos beijamos.

— Esse foi o primeiro e último beijo que terá de mim!

— Uma pena. Com um pouco de prática, você poderia ser até razoável.

— Você também. É bom começar aprendendo um pouco de bons modos! —Com essas palavras, Lorena fugiu para seu quarto, trancando a porta como se temesse uma perseguição. Não precisava ter se preocupado. O corredor continuou em silêncio e ela pôde respirar de novo.

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Sentia o corpo queimar, só em pensar no incidente. Como ele pôde agir daquele modo? E, mais importante, como pôde ela se entregar? Tinha sido mesmo Lorena Will iams quem havia provocado um homem até aquele ponto e que gostara... sim, gostara do que aconteceu depois? O que havia em Ramón Vance que a fazia reagir assim?

O pai notou que havia algo de errado com ela. Seguiu-a até a cozinha, quando foi fazer o café depois do jantar.

— O que está havendo com você — perguntou, depois de fechar a porta para o visitante não ouvir.

— A comida não estava boa? Fiz o melhor possível, papai — respondeu, fingindo ignorância.

— O jantar estava excelente e você sabe. Sempre foi uma mestra no preparo das empanadas e do arroz com frango. Estou falando do modo como está agindo.

— Não entendi.

— Lorena, estou decepcionado com você. Mal conversou com o señor Vance, e, nas poucas vezes que falou, comportou-se como uma criança mimada. Não sei o que ele está pensando de você!

— E que me importa? Ora, vamos, papai. Ele não é nenhum bobo. Sabe muito bem que não devia esperar outro tipo de tratamento. Afinal, não é bem-vindo aqui.

— Olhe, fi lha, a posição dele é tão difícil como a nossa. Mas você não ajuda em nada. Se está se comportando desse jeito por lealdade a mim, esqueça, querida.

— Eu simplesmente não gosto dele.

— Não gosta dele? Não seja tola! Mal o conhece, como pode dizer se gosta ou não do homem? Ele me parece até agradável.

Lorena encolheu os ombros. Sabia que não estava mesmo fazendo nada para ajudar,

— Desculpe, papai. Não consigo evitar. Acho que foi um caso de antipatia à primeira vista. Às vezes acontece.

—Bem, não quero que aconteça agora — o pai falou, com uma firmeza inesperada. — Não podemos fazer dele um inimigo. Dependemos demais do relatório que vai apresentar a nosso respeito.

— Não me obrigue a bancar a hipócrita, papai. Não saberia fingir que gosto dele.

— Não é isso que quero que faça. Só espero que trate o señor Vance com a cortesia devida a um hóspede. — Mark suspirou. — Não piore as coisas, Lorena, por favor. Ele vai ficar aqui por algum tempo, inspecionando tudo. Não será um mar de rosas para mim. Não é agradável trabalhar sabendo que estou sendo observado e criticado a cada movimento em falso. Se está decidida a antagonizar o homem, a vida não será fácil para nenhum de nós nas próximas semanas.

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— Próximas semanas?! Ele vai ficar aqui todo esse tempo?

— É o que parece.

Lorena teve vontade de gritar. Como suportaria sua presença por tanto tempo?.

— Vou fazer o possível, papai — disse, sabendo que tinha que se esforçar. — Mas não espere milagres, viu?

— Agora está falando como minha fi lhinha! — Mark deu um sorriso e voltou para a sala, parecendo bastante aliviado.

O hóspede notou os súbitos esforços de Lorena para ser agradável. Ela percebeu isso pelo brilho matreiro nos olhos escuros, apesar de ele dirigir a conversa quase que só a seu pai. Claro que estava se divertindo em vê-la rastejar, pensou, furiosa.

Na manhã seguinte, Lorena levantou-se la cama com um suspiro. Seu dia já estava estragado, só de pensar que teria que ver Ramón Vance novamente. Vestiu-se devagar, querendo adiar aquele momento. Quando olhou para o relógio, franziu a testa. Já eram quase seis e meia! Ia se atrasar com o café da manhã, se não se apressasse. O pai já devia estar acordado e impaciente para sair para o trabalho. Naturalmente, o hóspede ainda estaria dormindo. Um executivo de Buenos Aires nunca aparecia no escritório antes das nove.

—Buenos dias, señorita. — A voz vinda da porta da cozinha quase a fez deixar cair a louça.

— Buenos dias — respondeu, tensa, colocando os pratos em cima da mesa e tentando aparentar uma calma que não sentia.

Ramón Vance deu uma olhada significativa para o relógio de pulso.

— Seu pai me disse que você geralmente costuma estar de pé bem antes disso. Estava imaginando se tinha perdido a hora.

— E ia me tirar da cama?

— Pensei em lhe dar mais cinco minutos — disse, calmamente. — Depois... quem sabe? Doenças desesperadas exigem remédios desesperados.

— E está desesperado pela minha companhia, señor Vance?

— Não. Só pela comida. Tenho um dia de trabalho duro à minha frente.

— Ah, sim. Na certa, pretende ensinar uma ou duas coisinhas aos gaúchos.

Lorena lançou-lhe um olhar de desdém, mas, no íntimo, não conseguiu deixar de admirar a figura máscula à sua frente. Ramón Vance havia trocado o terno escuro por jeans desbotado, botas e uma camisa de algodão aberta no peito, que o faziam parecer muito diferente de um executivo de Buenos Aires. Tinha um aspecto duro e perigoso. Porém, a

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aparência não era suficiente nos pampas. Um homem tinha que provar que era homem por suas ações, não por seus trajes.

Virou-se de costas para ele e começou a preparar o desjejum. Quanto mais cedo comessem, mais cedo se l ivraria daquele homem irritante. Em tempo recorde, serviu a costumeira refeição matinal dos pampas: bife a cavalo e uma montanha de torradas acompanhadas de café forte. Ficou satisfeita em ver o pai comer com gosto, tal como o visitante. Apesar de estar preocupado, ia precisar de todas as energias para o trabalho duro que o esperava. Não era fácil conduzir animais assustados para dentro das calhas cheias de água misturada com pesticida para a lavagem.

Lorena sorriu consigo mesma, ao ver os homens se afastando. Ramón Vance era uns bons quinze centímetros mais alto do que seu pai e tinha uma figura muito mais imponente, mas ela sabia muito bem a quem os gaúchos iriam obedecer. Mark Will iams sempre trabalhara baseado no princípio de nunca pedir a um empregado para fazer algo que ele mesmo não pudesse executar Por isso, os homens o respeitavam tanto. Só queria ver como Ramón ia se sair com eles; principalmente adotando aquela atitude de dono da verdade!

Lavou a louça e começou a cuidar da arrumação da casa. Um sorriso aparecia em seus lábios, sempre que pensava como aquele bicho da cidade estaria se saindo com os vaqueiros.

Quando Mark Will iams trabalhava longe de casa, costumava levar alguma coisa para comer no almoço, ou então compartilhava de um assado com os homens. Mas, se ficava por perto, Lorena lhe levava uma cesta com a refeição.

De acordo com o hábito, ela preparou uma montanha de sanduíches e completou a cesta com frutas, queijo e algumas garrafas de cerveja gelada. Tinha certeza de que os homens apreciariam. Até super-homens como Ramón Vance precisavam de combustível, pensou, com azedume.

O calor atingiu-a como uma muralha sólida, quando saiu da casa em direção da área da lavagem. Em poucos minutos, já estava suada e a cesta parecia muito pesada. Logo começou a ouvir os gritos dos peões incitando o gado a entrar no corredor que levava aos cochos de lavagem. Essa era uma operação-que devia ser feita várias vezes por ano para manter os animais l ivres de doença. No entanto, o gado nunca conseguia se acostumar a isso e o trabalho era duro e perigoso.

Lorena fez uma parada, bem fora do caminho da ação. Conhecia o suficiente dessa operação para ter ciência dos perigos que podiam correr os pouco cautelosos. Uma patada era capaz de deixar um homem inconsciente, e, se ele caísse no meio dos animais assustados, suas chances de sobrevivência seriam nulas. Encostou-se na cerca, admirando mais uma vez a habilidade com que os peões a cavalo conduziam o gado, ajudados por seus cachorros feios, mas incrivelmente eficientes.

Lorena olhou para onde estava Ramón Vance e imaginou como se sentiria no meio de toda essa atividade. Mesmo um completo ignorante das coisas que se passavam numa fazenda de gado não podia deixar de apreciar tal exibição de perícia. Um sorrisinho de desdém passou por seus lábios. Ele

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continuava bancando o vaqueiro, pensou, fingindo que estava à vontade e carregando um longo chicote.

Como percebendo que estava sendo observado, ele virou-se de costas para os animais e olhou para ela. Seus olhos se mantiveram fixos um no outro por um longo momento. Lorena foi a primeira a desviar o olhar. Maldito homem. Será que tinha que fazer isso toda vez?

O último lote de vacas foi conduzido pelo corredor e, pouco depois, seus corpos molhados e brilhantes ressurgiram no cercado, onde eram reunidas para serem levadas de volta à pastagem. Toda a operação parecia ter sido realizada com o maior sucesso. O pai devia estar aliviado, pensou Lorena, satisfeita, enquanto acenava para ele e pegava a cesta para levá-la ao galpão.

Havia uma enorme quantidade de poeira no ar. Se não fosse por isso, ela teria percebido o perigo. Quando notou o corpo fino e enrolado, quase da mesma cor do chão, a cobra já se preparava para o bote.

— Culebral — gritou um dos peões. — Cuidado,niña! Culebra! — Começou a correr para ela, mas estava a mais de cinqüenta metros de distância.

Lorena ficou imóvel, como paralisada, esperando pelo ataque. Mas ele não veio. Um chicote, cortando o ar com a mesma rapidez do bote da cobra, impediu o ataque. No instante seguinte, Lorena era agarrada pela cintura e arrastada para longe do perigo.

— Sua idiota! — resmungou uma voz em seu ouvido. — Por que não olha por onde anda?

Com um esforço, ela se virou para olhar para seu salvador. Percebeu vagamente que um dos homens matava a cobra.

— Era venenosa? — perguntou, trêmula.

— Mesmo que não fosse, você ia levar uma picada feia que a deixaria fora de ação por um bom tempo — disse Ramón.

— Eu simplesmente não a vi. — A voz de Lorena estava fraca. Agora que o perigo tinha passado, sentia-se entorpecida. Tudo tinha acontecido com tanta rapidez! Suas pernas começaram a dobrar, mas antes que caísse ele a segurou, quase com brutalidade.

— Você não vai desmaiar! Vamos, Lorena, controle-se! O perigo já passou.

Ela sabia disso, mas não estava conseguindo assimilar tudo que acontecera e seu único desejo era explodir em lágrimas. Porém, aquelas palavras duras a forçaram a recobrar as forças, afastando-se daquele corpo firme em que se amparava.

— Lorena, você está bem? — Mark Will iams estava pálido quando se aproximou deles. — Ela chegou a picar?

— Não, não. Quase pisei na cobra, mas ela nem chegou a completar o bote. Seja quem for que usou o chicote, foi mais rápido do que o vento.

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— Graças a Deus! Foi um golpe magnífico, Vance. Obrigado. — Mark sorriu para o salvador da fi lha. — Onde aprendeu a fazer isso? No circo?

— Foi pura sorte, só isso — disse Ramón, encolhendo os ombros. — Qualquer outro teria feito o mesmo. Eu é que estava mais perto. Não houve nada de heróico.

— Você? — perguntou Lorena, incrédula. — Foi você quem deu a chicotada? Mas como...

— Com licença, preciso ir falar com os homens. Oh, Will iams...

— Sim?

— Cuide dela. É melhor levá-la de volta para casa. Levou um bom susto e vai precisar algum tempo para se recuperar. — Com um aceno de cabeça, Ramón afastou-se em direção dos peões que estavam parados num grupo, comentando o acidente.

— Vamos, mocinha, para casa. Pode andar?

— Estou bem, papai. Não é preciso fazer drama. Estou ótima. Tudo o que preciso agora é...

— De uma boa cama. Vance tem razão: você levou um choque e tanto.

Ainda protestando sem muito empenho, Lorena deixou-se conduzir pela mão do pai. Suas pernas estavam fracas e a cabeça girava. Não queria desmaiar. Não podia desmaiar. Mas, de repente, o chão começou a ondular sob seus pés. Antes de ser envolvida pela escuridão, teve certeza de ouvir novamente a ordem de Ramón Vance, mandando-a se controlar, mas dessa vez seus esforços foram inúteis.

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CAPÍTULO IVCAPÍTULO IV

Ramón ainda estava dando ordens, quando Lorena acordou. Primeiro, pensou que continuava dormindo e sonhando. Se não fosse assim, como se explicava que estivesse na cama, de camisola, com o sol da tarde ainda alto no céu? Então, lembrou-se.

— Eu lhe disse que não devia desmaiar — falou Ramón Vance, num tom acusador. Estava sentado numa poltrona ao lado da cama e sua figura poderosa dominava o cômodo.

— Parece que, pelo menos uma vez, alguém o desobedeceu. — Lorena respondeu, com uma vozinha fraca. — O que está fazendo aqui?

— Bancando a babá. — O brilho em seus olhos indicou que não apreciava a experiência.

— Oh... — Ela registrou a informação com alguma dificuldade. Sua cabeça ainda estava confusa. — Cadê papai?

— Voltou ao trabalho.

— Quero ver papai — disse, como uma criança desamparada.

— Não vai dar. Ele tem coisas mais importantes a fazer do que ficar refrescando sua testa febril.

— Você o fez voltar, não é? Sei que ele não queria sair do meu lado.

— Ficou mesmo um pouco preocupado. Você apagou sem mais nem menos, dando-lhe o maior susto. Mas eu lhe disse que não devia dar muita importância.

— E claro que papai ficou tranqüilo — disse Lorena, com ironia.

— Naturalmente. Ainda mais quando me ofereci para ficar com você até ter certeza de que estava bem.

— E estou? Diga-me, doutor.

— Pelo jeito, está se recuperando rapidamente. — Ramón falou num tom seco, e pegou seu pulso. O contato fez os sentidos de Lorena se excitarem involuntariamente. — Sua pulsação ainda não está totalmente normal.

— Você não tem um efeito exatamente calmante sobre mim. Para falar a verdade, faz meu sangue ferver a maior parte do tempo.

— Parece que não consigo fazer nada direito, no que se refere a você, não é? — Não parecia muito preocupado.

— É isso mesmo. — Então, Lorena lembrou-se do acontecido. — Oh, desculpe. Não lhe agradeci por me salvar da cobra.

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— Já era tempo.

Ele não fazia nada para melhorar as coisas.

— Estou muito grata.

— Não precisa se esforçar. Posso sobreviver sem discursos bonitos, se acha tão difícil fazê-los. Continuo dizendo que você não aproveitou muito o tal curso de etiqueta.

— Não sou muito boa em agradecer — foi o melhor que ela encontrou como desculpa. — Além disso, como é que se agradece a alguém que salvou nossa vida? Parece um pouco melodramático, não?

Ramón deu uma risadinha.

— Ah, sim, a famosa discrição inglesa... o certo receio de deixar as pessoas embaraçadas. Não precisa se preocupar com isso. Não tenho nada de inglês e será preciso muito mais do que um agradecimento para me fazer corar.

Ela bem podia imaginar. Quantos homens conseguiriam estar sentados no quarto de uma moça que mal conheciam, parecendo tão à vontade e conversando despreocupadamente, como se fizessem isso todos os dias?

Ele ainda não tinha terminado de atormentá-la.

— Claro, se você acha que simples palavras não são capazes de expressar seus agradecimentos, podia tentar as ações — disse, com um ar malicioso. — Dizem que elas surtem melhor efeito.

— É, bem que podia. — Tentou enfrentar seu tom casual no mesmo nível.

— Mas não vai, não é?

— Não diga que está desapontado. Por acaso, valoriza tanto assim os meus beijos?

— Tenho que reconhecer que têm uma certa qualidade, mas não vou morrer sem eles. — Estudou-a por um instante, seu olhar tão penetrante que Lorena mexeu-se, inquieta. — Só imagino o que seria preciso para você perder a cabeça por um homem.

— Muito mais do que você tem a oferecer!

— Não faça declarações impensadas, ou posso ficar tentado a provar o quanto está errada.

— Isso é uma ameaça ou uma promessa? — Ficou surpresa com seu próprio atrevimento. O que havia nesse homem que a fazia esquecer toda a cautela? No entanto, esse duelo de palavras era excitante e convidava a um perigo com que antes nunca teria sonhado.

— Digamos que estou fazendo uma declaração de intenções — respondeu Ramón. — Enquanto isso, vou lhe dar alguma coisa por conta, só para provar meu interesse.

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Inclinou-se sobre a cama e deslizou os braços em torno dela, puxando-a para perto. Seus lábios queimaram uma tri lha sensual de pequenos beijos em seu pescoço e face, antes de alcançarem a boca. Como na primeira vez, os lábios de Lorena se entreabriram, como se tivessem vontade própria.

Era loucura, e ela sabia disso. Mas não se importou. Seus braços o envolveram, puxando-o para ainda mais perto. Nunca tinha estado assim tão junto de um homem, mas um instinto primitivo a guiava, enquanto sensações desconhecidas pulsavam dentro de seu corpo, tornando-a consciente de apetites que nunca imaginara existir.

Todo seu ser estava vivo, como um instrumento de cordas respondendo ao toque de um artista talentoso. Não ofereceu qualquer resistência, quando Ramón a fez deitar e começou a puxar a camisola com movimentos lentos e embriagadores, expondo seu corpo quente às carícias das suas mãos experientes, levando-a a um auge de desejo que gritava por uma satisfação que só ele poderia proporcionar. Com um movimento ágil, Ramón cobriu-a com seu corpo firme.

— E então? Isso prova alguma coisa? — A voz dele soou como vinda de muito longe.

— O quê? — perguntou Lorena, confusa. Um segundo antes, parecia que não podia haver mais nada entre eles, senão a mais íntima das experiências. Agora, Ramón estava se levantando como se nada tivesse acontecido. A desilusão caiu sobre ela como uma onda avassaladora. — Seu sujo!

— Por quê? Por ter recusado o que você estava me oferecendo com tanta ansiedade? — Com gestos descuidados, indiferentes, ele passou a mão pelos cabelos despenteados e abotoou a camisa. — Ou está brava por eu ter parado justamente quando as coisas estavam ficando interessantes?

— Como se atreve a sugerir que eu estava... que eu ia... — Lorena não encontrou palavras para expressar sua indignação.

— Que queria que eu fizesse amor com você? Acho que seu comportamento não deixou margem para dúvida. Não notei nenhuma tentativa de lutar contra mim.

Lorena ficou em silêncio, morta de vergonha. Depois, conseguiu juntar alguns restos de dignidade.

— Você se aproveitou de mim. Nenhum homem decente teria se comportado desse modo.

— Será mesmo? Não sabe nada sobre homens, decentes ou não; é melhor se convencer disso. Dê graças a Deus por ter se saído dessa sem se queimar. Talvez não tenha tanta sorte na próxima vez.

—Não haverá uma próxima vez.

— Veremos. — Ramón encolheu os ombros e enfiou a camisa dentro da calça, tomando a direção da porta.

— Se você se atrever a pôr um só dedo em mim, contarei a meu pai!

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Ele parou.

— Por acaso, espera que eu trema de medo só em pensar nisso? O que acha que seu pai faria? Me daria uma surra? Ora, Lorena, cresça! Você vive dizendo que não é mais criança, mas não perde oportunidade para agir como se fosse. — Um brilho cínico surgiu nos olhos castanhos. — Ser adulta significa andar sobre seus próprios pés; não sair correndo para o papai, pedindo socorro, sempre que as coisas saem diferente do que planejou.

— Você é o dr. Sabe-Tudo, não?

— Acho que sou, sim. Portanto, agora você já sabe quem deve procurar, se precisar de ajuda para melhorar as falhas de sua educação. Parece que os cursos que fez não surtiram muito efeito.

— Saia! Saia daqui! E saia da minha vista!

— Com o maior prazer. Prometi ao seu pai que ficaria ao seu lado até estar recuperada. Pelo jeito, já voltou ao mau humor habitual. — Ramón abriu a porta e preparou-se para sair. — Ah, e não precisa se preocupar com o jantar. Eu e seu pai iremos à cidade essa noite. Ele vai me apresentar a algumas pessoas, e teremos um jantar de negócios num restaurante qualquer.

— É mesmo? E o que o dr. Sabe-Tudo quer que eu faça, enquanto vocês saem para se divertir?

— Seria bom aproveitar a oportunidade para esfriar esse mau gênio. Não haverá ninguém em casa para ser vítima dessa sua língua afiada. Quanto a mim, será um sossego ficar l ivre da sua encantadora companhia por algumas horas.

— Ora, seu... seu...

Ramón fechou a porta, tornando qualquer impropério inútil. Furiosa, Lorena começou a socar o travesseiro, desejando que fosse aquela cabeça, arrogante. Jurou um dia se vingar daquele homem prepotente, fazendo-o pagar por toda a humilhação que a estava fazendo sofrer. Deixou-se cair de costas, exausta, e sonhou com os piores métodos de vingança, um sorriso encurvando seus lábios.

Quando abriu os olhos, já eram quase seis horas. Sentia-se cansada, deprimida, não sabendo se a causa daquilo tudo era a cobra ou Ramón Vance.

Estava com fome. Lembrou-se de que nem mesmo tinha almoçado. Espreguiçou-se, e estava se preparando para sair da cama, quando uma batida na porta a fez agarrar os lençóis numa atitude de defesa.

Relaxou ao ver que o visitante era o pai.

— Como está se sentindo, querida? — Parecia ansioso. — Vance e eu vamos nos encontrar com uns fazendeiros em Campo Verde, mas, se você não estiver bem, deixarei para uma outra ocasião.

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— Nada disso! — disse Lorena, com firmeza. — Estou ótima. Afinal, nem fui picada pela cobra. Não sei o que deu em mim. Agi como uma idiota, desacostumada com a vida numa estância.

— Você passou por um perigo terrível, meu bem. Tremo só de pensar no que poderia ter acontecido, se Vance não agisse com tanta rapidez. Ele foi sensacional!

— Oh, claro, maravilhoso! — Lorena cortou logo o assunto. Já estava farta de Ramón Vance e não ia suportar ouvir o próprio pai elogiá-lo.

— Espero que lhe tenha agradecido por salvar sua vida.

— Sim — garantiu, imaginando o que o pai diria, se soubesse exatamente que forma tinha tomado aquele agradecimento.

— Ele é um bom homem, Lorena. E cheio de consideração. Sabia que eu precisava ficar com os homens e insistiu em cuidar de você para me deixar mais tranqüilo.

— É mesmo? — Sua voz não escondia o ceticismo. Duvidava de que Ramón Vance fizesse qualquer coisa que não fosse só para servir aos próprios desejos. — Ele não precisava ficar aqui. Não sou mais uma menininha e...

— Já notei isso — disse Mark, com um sorriso. — E sou só seu velho pai. Acho que nosso visitante também não deixou de notar. Vi os olhares que estava lhe dando durante o café.

— Pode ter certeza de que ele não está encantado com minha beleza. Na certa, está só intrigado porque nunca tinha visto uma mulher dos pampas. Deve ter ficado um pouco surpreso em ver que não tenho palha nos cabelos, e não como com as mãos.

— Está enganada. Ele me contou que nasceu e foi criado aqui perto. Seu pai tinha uma estância ao norte de Rosário.

Por isso tinha tanta habilidade com o chicote, pensou Lorena. Devia estar agradecida por esse fato, mas sua irritação a fez dizer:

— É pena que ele não tenha ficado por lá. Assim, não estaria nos amolando.

— Se não fosse ele, seria outra pessoa. E talvez fosse bem pior.

Impossível, pensou ela, mas não disse nada.

— Parece que ele o conquistou, papai — falou, com despeito.

— Gostei do que vi até agora, fi lha. Vance sabe o que está fazendo. É um homem sério, que inspira confiança. Acho que será justo nas opiniões sobre o meu trabalho.

— Então, vai dar tudo certo? Poderemos continuar aqui? — perguntou, ansiosa, esquecendo-se de suas diferenças com Ramón. — Ele falou alguma coisa?

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— Não. Ainda é muito cedo. Mas estou vendo que analisa bem as coisas, fazendo uma avaliação cautelosa. Quer saber todos os fatos e sabe muito bem como e o que perguntar. Tenho certeza de que não terei motivos para contestar quando tirar suas conclusões.

— Mesmo se ele nos mandar embora daqui?

— Sim, mesmo se chegar a esse ponto. — Mark franziu a testa. — Ele não é o tipo de homem que toma decisões apressadas. Sei que não fará nada sem analisar todos os lados da questão. Aceitarei seu julgamento.

— Pois eu, não! Só sairei de Vista Hermosa arrastada!

— Esperemos não ter que chegar a esse ponto. — O pai sorriu. — Mas estou certo de que Vance tem meios mais persuasivos para l idar com mulheres teimosas.

— Oh, sim! Ele é desses que gostam de mulheres doces e submissas. Um machão fora de moda.

Mark Will iams deu uma risadinha indulgente.

— E como é que sabe disso? Ele lhe contou?

— Não foi preciso. Qualquer um percebe que é um mandão e convencido, desses que esperam que todos pulem ao ouvir uma ordem sua.

Mark olhou para o relógio.

— Bem, agora tenho que me arrumar para sair. Tem certeza de que vai ficar bem sozinha, querida?

— Ora, papai, pare de me tratar como se eu estivesse doente! Fique sossegado. Agora corra para não deixar aquele santo homem esperando.

— Sua pestinha! — disse Mark, carinhosamente.

Lorena levantou-se, vestiu-se e foi preparar alguma coisa para comer. Imaginou que estivesse faminta, mas logo percebeu que não conseguiria engolir nem mais uma garfada. Lavou a louça e foi para a sala, sentindo-se estranhamente inquieta.

Tinha muitas coisas a fazer, mas não conseguia se concentrar em nada. Depois de andar de um lado para o outro por um bom tempo, tentou ouvir um programa de rádio, mas seu pensamento estava longe. Foi para a janela. Não havia sinal de vida, senão o zumbido de insetos e o coaxar dos sapos no tanque de plantas aquáticas que um dia havia sido o orgulho de sua mãe.

Deu um suspiro de impaciência. O que estava acontecendo com ela? Era uma pergunta idiota, porque sabia muito bem qual a resposta. Queria fugir do pensamento de seu primeiro encontro com a paixão física, do seu primeiro contato real com um homem. Conhecia vários rapazes e já tinha tido alguns namoradinhos. No entanto, aqueles adolescentes inseguros, quase embaraçados, pareciam pertencer a um outro planeta, quando comparados com alguém como Ramón Vance.

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Estremeceu, só de pensar nas sensações que as mãos dele tinham despertado em seu corpo jovem e inexperiente. E seu próprio comportamento? Ficou vermelha ao se lembrar de como o havia encorajado, em vez de lutar contra seus avanços, não escondendo o prazer que ele lhe proporcionava. E Ramón parou; não ela. Teria se entregado sem a menor resistência. Como podia ter feito uma coisa dessas?

Pegou um livro de mistério, tentando se interessar pela história, mas sua mente começou a divagar. Logo percebeu que só estava "atenta aos mínimos ruídos que vinham de fora, ansiosa para ouvir o som do motor da caminhonete, anunciando a volta dos homens.

Estava agindo como uma idiota, pensou, quando saltou da poltrona pela segunda vez, imaginando ter visto a luz dos faróis se aproximando. Se tivesse um pingo de juízo, já teria procurado refúgio no quarto. Tinha sérias dúvidas sobre sua capacidade de cumprimentá-lo na frente do pai sem se denunciar. Estava certa de que algo em seu comportamento revelaria sua conduta vergonhosa, mesmo que tentasse agir com toda naturalidade.

Às dez horas, resolveu terminar com aquela tortura e foi para o quarto. Vestiu a camisola e deitou-se, mas o sono não veio. Ficou se debatendo na cama, os pensamentos em tumulto.

No dia seguinte, soube que as pessoas com quem o pai e Ramón Vance tinham ido jantar eram Fernando Delgado, proprietário da próspera estância de Los Molinos, e Manuel Castil lo, que tinha um rancho mais ao norte. Lorena os conhecia desde menina e gostava demais do señor Castil lo, um viúvo sem filhos, que sempre ficava feliz em vê-la. Quando era pequenina, ele se deliciava em contar-lhe histórias sobre a valentia dos homens dos pampas. Era alegre, jovial, muito diferente do señor Delgado, um tanto pedante e convencido da sua posição superior entre os rancheiros da região. Isabel, a mais velha de suas três fi lhas, tinha sido colega de escola de Lorena e assumia a atitude condescendente do pai em relação àqueles que considerava seus inferiores.

— E por que tiveram que ir jantar fora? — perguntou Lorena, surpresa. — São nossos conhecidos, já estiveram aqui muitas vezes. Não vejo por que levá-los a um restaurante. Eu podia muito bem fazer um jantar...

— Depois do susto de ontem, nem pensamos em lhe pedir isso.

— Quer dizer que Ramón Vance não quis. Minha comida deve estar muito abaixo dos seus padrões.

— Não há nenhum motivo para ficar enfezada, querida — o pai censurou-a, com gentileza. — Estou certo de que ele não quis fazer pouco dos seus talentos culinários. Sabe muito bem como esses jantares de negócios são aborrecidos. Foi muito mais conveniente fazer como fizemos. Pense no lado bom: você não teve que lavar um monte de panelas.

Não adiantava discutir. Lorena deixou o assunto morrer e, depois de alguns instantes, perguntou por que tinham arranjado aquele encontro com os fazendeiros.

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— Ramón não inventaria uma coisa dessas se não tivesse um bom motivo, não é? — perguntou, com azedume.

Mark Will iams deu uma risada.

— Ele é um homem muito astuto, Lorena. Queria ter uma confirmação do quadro que lhe dei sobre as condições financeiras da região e uma idéia dos problemas que os outros rancheiros estão enfrentando.

— Ah, ah, o señor Delgado é mais fechado do que uma ostra! — Lorena deu uma risadinha. — Aposto que nosso visitante passou um mau pedaço com ele.

— Que nada! Bastou-dez minutos de conversa, e os dois pareciam amigos íntimos. Esse Vance é sensacional! Ouvi mais coisas sobre Los Molinos ontem à noite do que nos vinte anos que estou aqui. Castil lo também nos contou todos os seus problemas.

Lorena fez uma pequena careta, pouco convencida dos fabulosos talentos de Ramón Vance. Conhecia bem aquele homem e não estava disposta a mudar de opinião.

No entanto, logo percebeu que parecia ser a única pessoa da região que não estava encantada com ele. À medida que os dias passavam, ia ficando mais do que claro que o charme de Ramón Vance fazia um efeito avassalador. Sua visita a Campo Verde causara impacto nos corações femininos e aquelas que o tinham visto pessoalmente não perderam tempo em comunicar às outras as novidades sobre esse homem moreno, bonito, de ombros largos e ar de comando. Qualquer estranho na cidadezinha sempre provocava algum interesse, mas esse parecia estar fazendo um enorme sucesso.

— Que homem! — Maria Lopez, a dona da maior loja da cidade e que conhecia Lorena desde o dia de seu nascimento, não parou de falar em Ramón, enquanto separava as mercadorias para serem levadas a Vista Hermosa. O maravilhoso sr. Vance, tão galante, tão fino, que conversara com ela com tanta deferência, como se fosse a mulher do presidente da república. — E eu, com um avental todo manchado, niña! Que cavalheiro! — Seus olhinhos escuros fixaram-se no rosto de Lorena. — E solteiro, também! Um partidão, minha fi lha, não perca tempo.

— Não estou atrás de marido — respondeu, friamente. — No que me diz respeito, ele pode morrer solteirão. Não estou interessada.

— Bobagem! Duvido que haja uma mulher nesse mundo que não possa estar interessada em alguém como ele.

— É o que parece. Já estou farta de ouvir falar sobre ele, desde que cheguei à cidade. Só espero que um circo ou qualquer coisa parecida venha a Campo Verde para mudarem de assunto.

Maria deu uma risadinha.

— Está querendo me dizer que não gosta dele?

— Para falar a verdade, não muito. Ele é bonito, isso não se pode negar, mas não é o meu tipo.

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— Veremos, niña. Mas acho que você não é tão indiferente como tenta parecer. — Maria deu uma gargalhada que fez sacudir seu corpo gordo. — Que homem!

Lorena saiu da loja dando um suspiro de irritação. Não eram só as mulheres que estavam encantadas com aquele convencido. Os homens com quem se encontrava também não deixavam de fazer qualquer observação. Até os peões, pessoas tradicionalmente difíceis de aceitar estranhos e muito reservados, aprovavam Ramón Vance. Admiravam a facil idade com que montava, tornando-se quase uma só criatura com o cavalo. Respeitavam o modo como discutia os problemas do gado e acatavam suas sugestões sem demonstrarem o menor ressentimento. Ramón Vance era um homem que todos pareciam dispostos a seguir, mesmo que corressem perigo de vida.

Até seu pai gostava dele, pensou Lorena, com uma pontinha de raiva. Claro que o episódio da cobra tinha facil itado muito as coisas entre eles, mas, desde o início, Mark admirou o modo direto e decidido como Ramón examinava e decidia as medidas a serem tomadas. Mesmo que não tivesse acontecido nada de dramático, ele não tardaria em lhe estender a mão.

Ramón Vance estava com todos a seus pés. Um mandão como ele devia sentir-se muito satisfeito com isso. Claro, tudo era mais fácil quando se encontrava cooperação, mas Lorena tinha certeza de que ele continuaria a fazer seu trabalho, mesmo que encontrasse a mais feroz das oposições. Era desse tipo de homem: arrebentaria todas as barreiras que surgissem em seu caminho.

Porém, de uma coisa podia estar certo: ela não tinha a mínima intenção de se juntar àquele coro de elogios. Ramón Vance podia l igar seu charme e encantar a todos, mas ela jamais mudaria de opinião a seu respeito. Fazia o possível para evitá-lo e tomava o maior cuidado para nunca estar sozinha com ele. Não confiava nem um pingo naquele homem.

Apesar de fazer o possível para esconder suas manobras do pai, Ramón tinha notado, é claro. No início, pareceu se divertir um pouco com a situação e, depois de algum tempo, deu a impressão de se desinteressar em persegui-la. Um alívio, pensou Lorena,, dizendo a si mesma que já estava cansada daquelas batalhas verbais. Mas, no íntimo, sentia-se um pouco desapontada por ele ter desistido tão facilmente. Não que isso lhe importasse, é claro! Aquele homem lhe era totalmente indiferente. Não via a hora dele terminar a inspeção de Vista Hermosa e voltar para Buenos Aires.

— Quanto tempo ele ainda vai ficar? — perguntou ao pai, num breve momento em que ficaram sozinhos. Seu hóspede estava nos estábulos, conversando com Juan, o encarregado de cuidar dos cavalos.

Mark sorriu, alegremente. Parecia muito mais tranqüilo e relaxado do que antes da chegada de Ramón Vance. Lorena tinha a impressão de que as coisas não estavam indo tão mal, mas sabia que não adiantava tocar no assunto antes que a última palavra fosse dada.

— O que há, querida? Está cansada com o serviço da casa? Sei que não é fácil se ter mais uma pessoa para cuidar e alimentar, mas devo dizer que você está se saindo excepcionalmente bem. No outro dia, Ramón me disse que vai começar a engordar, se continuar comendo sua comida tão gostosa.

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Lorena não podia dizer que tinha notado qualquer evidência disso. O corpo alto e magro de Ramón não mostrava sequer um grama de gordura em excesso. Talvez fosse por causa do exercício. O que ele faria em Buenos Aires? Com certeza, freqüentava um desses clubes de ginástica para executivos. Ou mantinha-se em forma fugindo de suas admiradoras.

— Está tudo bem — disse ao pai. — Acho que estou só um pouco entediada, é tudo. Você não tem tido nem tempo para ficar um pouco comigo.

— Um velho como eu não é boa companhia para uma mocinha. Você precisa sair com gente jovem. Por que não pede a Ramón para cavalgar com você? Tenho certeza de que ele gostará da idéia.

—Pode ser. — Lorena procurou manter o tom mais normal possível. Não adiantava dizer ao pai que preferia a morte do que pedir alguma coisa a Ramón. A última coisa no mundo que queria era sua companhia.

— Posso falar com ele — ofereceu Mark.

— Não, não faça isso — disse, rapidamente. — Eu mesma falo. Papai, do modo como me trata, parece que tenho dois anos!

— Desculpe, vovó! — E deu uma gargalhada.

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CAPÍTULO VCAPÍTULO V

As coisas não continuaram como Lorena esperava. Dois dias depois da conversa com o pai, enquanto lavava a louça do café, teve uma súbita sensação de estar sendo observada. Virou-se para ver Ramón Vance parado na porta.

— Quer alguma coisa? — perguntou, ríspida. Longe da presença do pai não via razão para manter o tom agradável e polido que adotava quando estavam todos juntos.

Viu que ele trocara as roupas casuais por um terno formal. A camisa imaculada realçava o bronzeado da pele, ainda mais queimada pelas longas horas de trabalho sob o sol dos pampas. Usava uma gravata de seda num tom discreto e os sapatos de cromo alemão brilhavam, perfeitamente engraxados.

As roupas não fazem um homem, pensou Lorena, resistindo a uma atração involuntária.

— Tenho que ir a Córdoba para cuidar de uns negócios. Seu pai me disse que você anda querendo ver um pouco das luzes da cidade. Quer ir comigo?

Se qualquer outra pessoa tivesse feito o convite, ela o aceitaria com ansiedade, sem um segundo se hesitação.

— Não, acho que não — respondeu, mostrando indiferença. — De qualquer modo, obrigada.

A grossa sobrancelha de Ramón levantou-se, numa expressão de zombaria.

— Por quê? Pelo que entendi, pensei que estivesse morrendo de tédio com a vida doméstica e louca por um pouco de diversão.

— Não pedi nada. — Não estava interessada no tipo de diversão que ele podia proporcionar.

— Está querendo dizer que não pediu para ir comigo, certo?

— Tenho muito o que fazer. A casa precisa...

— Sei muito bem do que a casa precisa, mas o serviço pode esperar. Um dia não fará muita diferença. E então?

— Eu... eu tenho que... — Sua voz sumiu, enquanto procurava desesperadamente por uma desculpa. — Não posso ir, é tudo.

— "Não posso" não existe no meu dicionário. — Ramón olhou para o relógio e disse: — Você tem meia hora para se arrumar. Creio que quer ficar bonita para ir passear na cidade grande. Vá trocar de roupa, eu a

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encontrarei perto do carro. — Depois de dar suas ordens, preparou-se para sair. — Ah, e mais uma coisa...

— O quê? — perguntou Lorena, com maus modos.

— Não gosto de ficar esperando. Se não estiver lá na hora combinada...

— Irá sem mim — disse ela, um pouco aliviada. Ramón acabara de lhe dar uma escapatória. Se não aparecesse, ele perderia a paciência e partiria sem ela. — Seria uma pena, não? — perguntou, com um sorrisinho fingido.— Tentarei não desapontá-lo.

— É mesmo? Fico contente em saber. Porque, se não estiver pronta e esperando por mim em precisamente vinte e nove minutos, virei buscá-la. E, se não estiver vestida, eu a ajudarei.

— Você não se atreveria!

— Ah, não? Não me desafie, Lorena. — Um sorriso cínico brincou nos lábios bonitos de Ramón. — Você não seria a primeira, acredite.

— Trancarei a porta.

Ele deu uma risada de desdém.

— Isso não significaria um obstáculo para um homem decidido. E pode ter certeza de que ficaria muito surpresa como posso ser determinado, quando alguém contraria meus desejos.

— Não quero ir a Córdoba com você — disse Lorena, finalmente falando a verdade.

— É pena, mas não estou interessado no que você quer. Sou eu quem manda por aqui e estou dizendo que tem que ir. Entendeu?

— Não tenho escolha, não é?

—Não muita.

Estava derrotada e sabia disso, Não tinha como lutar contra Ramón Vance, quando ele ficava com esse tipo de humor.

— Está bem, vou com você.

— Não foi a aceitação mais graciosa que já recebi de uma dama.

— Não sou nenhuma dama.

— Não, mas talvez aprenda a ser um dia. Se tentar. Agora, só tem vinte e cinco minutos para se arrumar. É melhor correr. Cenas de transformação instantânea só acontecem em contos de fada.

— Seu bruto! Seu monstro arrogante e dominador! — resmungava Lorena, enquanto colocava o último prato no escorredor. Não tinha dúvidas de que Ramón cumpriria a ameaça. Tirou o avental e saiu correndo para o quarto. Um dia desses ainda se vingaria daquele homem horrível!

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Uma olhada rápida no guarda-roupa revelou apenas uma possibil idade para usar num passeio em Córdoba. Pegou o vestido, trocando-se rapidamente. Não era um modelo de alta costura, é claro, mas o algodão era de muito boa qualidade e o tom de rosa lhe ficava bem. Era um vestido que sempre lhe transmitia confiança, o que mais precisava no momento.

Escovou os cabelos e passou um pouco de maquilagem. Seus olhos, grandes e apreensivos a encararam, refletidos no espelho. Não estava muito feliz com a perspectiva de passar horas e horas na companhia de Ramón Vance. A viagem para Córdoba era bastante longa, mesmo num carro rápido e moderno. Sobre o que falariam? E se ele ficasse em silêncio durante todo o trajeto? Aí seria ainda pior.

Só tinha mais cinco minutos e começou a entrar em pânico. Sua mão tremeu quando passou o batom e teve que removê-lo e aplicar uma nova camada. Maldito homem! Não tinha o direito de deixá-la nervosa assim. Deu uma última olhada no espelho. Bem, estava pronta, e se ele reprovasse seu aspecto, pior. Sabia que não era nenhuma beldade; portanto, não adiantava querer fingir. Calçou o melhor par de sapatos e saiu correndo para a porta. Não queria que ele viesse buscá-la! Quando chegou ao vestíbulo, ainda tinha alguns segundos até a hora "H" e diminuiu o passo para tentar mostrar que não dava a mínima para seu ultimato. Porém, ao descer os degraus, cheia de dignidade, viu que Ramón estava de costas, conversando com um dos homens.

— Estou pronta — chamou, interrompendo-o.

Ele se virou e, por um segundo, Lorena teve que suportar um exame crítico. Subitamente, ficou satisfeita por ter tomado um cuidado maior do que o normal ao se arrumar. Teve certeza de ter percebido um brilho de aprovação nos olhos escuros.

— E então, estou de acordo? — perguntou, com atrevimento. Pôde ver que o homem ao lado de Ramón parecia encantado, mas não estava nem um pouco interessada nele.

— Dá para o gasto. — Ramón Vance abriu a porta da caminhonete para ela entrar. — Estarei com você em um minuto. — E virou-se de novo, retomando a conversa.

Lorena ficou desapontada. Agora sabia que aquele olhar de aprovação havia sido só por sua pontualidade, e não pela aparência. Teve raiva de si mesma por ter se esforçado tanto para parecer razoavelmente vistosa. Devia ter posto sua pior roupa, sair parecendo uma caipira. Ele nem notaria a diferença.

Entrou no carro e sentou-se, desanimada. Depois ouviu uma troca de risadas entre os homens e Ramón acomodou-se atrás do volante, batendo a porta. Deu a partida e preparou-se para sair.

— Adiós, don Ramón, que tenga suerte!

— Adiós.

"Don Ramón." E essa, agora! Como aqueles peões se atreviam a chamá-lo usando aquele título antigo reservado para os grandes señores,

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merecedores do maior respeito e deferência? Em poucas semanas, o homem parecia ter conseguido manobrar até alcançar uma posição de confiança e autoridade. Como seria possível ninguém ver como ele realmente era? Será que era a única pessoa capaz de perceber como Ramón Vance era duro e frio, um homem que não hesitava diante de nada para atingir seus objetivos?

Ele parecia de excelente humor e suas feições estavam relaxadas, dando-lhe um aspecto quase humano, pela primeira vez. Lorena podia entender por que as mulheres o achavam tão atraente. Sim, as outras; não ela.

— Por que Felipe estava lhe desejando boa sorte? Por acaso não tem confiança na sua habilidade de dirigir um carro?

— Não era isso que estava em questão — respondeu ele, com uma risada.

— Então, do que falavam?

Ramón deu-lhe uma olhada, ainda com um ar divertido.

— Felipe estava me desejando sorte porque achou que eu devia estar pensando em lhe passar uma cantada.

— Ah... — Lorena desejou não ter tocado no assunto. — Ele não tinha o direito de sugerir uma coisa dessas.

— Todo homem que vê uma moça bonita e a admira tem esse direito. Claro que Felipe sabe que você está fora do alcance dele, e, então, me desejou sucesso. Isso é generosidade, mesmo que não acredite.

— Não gosto disso. Não sou um objeto para ser passado de um homem para outro. Estamos no século XX, caso não tenha percebido.

— Eu sei, mas duvido de que Felipe se importe muito com isso. Um gaúcho não faz muitas concessões à vida moderna. Suas mulheres têm alguma util idade, é claro. Compartilham de suas camas, dão à luz seus fi lhos, cuidam da casa...

— E aceitam qualquer tipo de tratamento sem queixas. Que quadro mais atraente! Nem sei por que não estou fazendo promessas para levar uma vida dessas.

— Tem suas vantagens.

— Só para o homem!

— A Argentina ainda é um país onde os homens mandam, Lorena. Aceite esse fato. Você não vai mudá-lo.

— Talvez não. Além disso, sei que não adianta discutir com você.

— Onde está seu senso de humor?

— Ele desaparece, quando você está por perto.

— Foi o que notei. Também anda desaparecida. Tem me evitado nesses últimos dias.

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— E daí? Não está satisfeito com a adoração de todos que vivem na estância e redondezas?

— Está com inveja do meu sucesso? Quer que eu lhe dê algumas lições sobre como fazer amigos e influenciar as pessoas?

— Acha que estou precisando?

— Se suas atitudes com os outros são iguais às que tem comigo, devo dizer que é um caso urgente.

— Obrigada pela oferta. Mas, não, obrigada.

— Vai se arrepender.

— Acho que não.

Ramón encolheu os ombros.

— Faça o que quiser. Como sempre.

Ele pensava que ela era egoísta e mimada e, de certo modo, ficou um pouco magoada com isso. Ramón Vance era a primeira pessoa que havia lhe despertado esse tipo de antagonismo. Sentiu-se tentada a explicar sua atitude, dizendo-lhe que não era assim que costumava agir normalmente, mas decidiu não demonstrar fraqueza. Em vez disso, ficou em silêncio, olhando pela janela.

Os escritores gostavam de comparar os pampas a um oceano. E estavam certos, pensou Lorena, enquanto via passar quilômetros e quilômetros de campos, num efeito quase hipnótico. Sentiu as pálpebras pesadas e mudou de posição, num esforço para permanecer acordada.

Naturalmente, ele notou. Nada lhe escapava.

— Ainda temos umas duas horas até chegarmos a Córdoba. Por que não dorme um pouco? — Lançou-lhe um olhar malicioso. — Pode usar meu ombro como travesseiro. Não seria a primeira vez.

—Não, obrigada. Estou muito bem assim. — Como esse convencido podia acreditar que ela assumiria a mesma atitude de intimidade das mulheres com quem andava? Encostou a cabeça na moldura de metal e cochilou numa posição desconfortável.

Acordou sobressaltada, com a freada do carro.

— O que aconteceu?

— Uma vaca na estrada. Saia daí, seu animal estúpido — disse Ramón, sem raiva, enquanto a vaca corria assustada na frente deles, aparentemente incapaz de procurar segurança em qualquer dos lados do asfalto. Ramón diminuiu a marcha até quase parar. Quando o animal finalmente saiu da estrada, retomou a velocidade inicial.

— Elas são assim — disse Lorena. — Simplesmente não conseguem raciocinar.

— Tipicamente feminino. Só têm uma única idéia de cada vez e são capazes de morrer por ela.

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Ele não tirara os olhos da estrada e nem mesmo estava falando diretamente com ela, mas para um ponto indeterminado no horizonte.

— Acha que sou assim? — perguntou Lorena.

— Se a carapuça lhe serviu...

— Quer dizer que eu devia reconsiderar minha opinião sobre você?

— O preconceito injustificado é resultado de estupidez ou ignorância. E você não é nem estúpida nem ignorante.

— Obrigada pelo elogio! Vindo de uma mente tão ferina como a sua, é uma extraordinária concessão.

— Está mesmo decidida a não gostar de mim, não é?

— E isso lhe importa?

— Nem um pouco. Jogaremos do seu jeito, se é isso que quer. O resultado final será o mesmo.

O que ele queria dizer com isso? De repente, Lorena sentiu-se inquieta. Era estranho Ramón desistir tão fácil. Com certeza, estava preparando algum tipo de armadilha. Lançou-lhe um olhar cauteloso e ele a surpreendeu, antes que pudesse disfarçar.

— Preocupada?

— Não. Por que estaria?

— Pois devia. Não sou um adversário leal, Lorena. Sei jogar sujo, quando me interessa.

— Posso imaginar.

— Bem, depois não venha dizer que não foi você quem pediu. E não espere qualquer compreensão, quando levar a pior.

— E quem disse que vou levar a pior?

— Vamos ver.

Estavam na rodovia que levava diretamente a Córdoba e, em pouco tempo, começaram a avistar os arranha-céus da cidade. Havia ali uma mistura de antigo com moderno e Lorena sempre adorara o modo como as construções coloniais conviviam lado a lado com os enormes prédios de escritório é complexos industriais.

Seguiram as placas que indicavam o centro da cidade, diminuindo a marcha à medida que foram encontrando um trânsito mais intenso. Lorena teve que admitir que Ramón era um excelente motorista. Conhecendo bem as exibições agressivas da maioria dos homens argentinos, que atrás do volante tinham a mania de se comportar como pilotos de Fórmula Um, sua tranqüilidade e habilidade no controle do automóvel eram um alívio. Sem dúvida, ele não precisava provar nada nesse particular. Usava outras ocasiões para demonstrar sua viri l idade,

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Ramón estacionou o carro perto da praça San Martin, na parte velha da cidade. Quando se inclinou para pegar a pasta que deixara no banco de trás, era novamente um executivo de uma grande metrópole: frio, decidido, distante.

— Vou passar o resto da manhã tratando de negócios no banco. Não se incomoda de dar umas voltas sozinha? Se quiser, pode ficar me esperando na sala do gerente.

— Não, obrigada. — Lorena não pretendia ficar sentada como uma idiota, esperando por ninguém, principalmente por ele. — Estudei aqui em Córdoba durante dez anos. Não vou me perder.

Seu sarcasmo foi inútil.

— Muito bem. Sabe onde fica o Cril lon?

— Sim. claro. Mas...

— Encontre-me lá às duas horas para almoçarmos. Tente não chegar atrasada.

Ramón despediu-se com um aceno, como se ela fosse uma empregada, pensou, indignada, enquanto o via desaparecer pela rua estreita que levava ao centro comercial. Era típico de Ramón nem mesmo perguntar se estava disposta a almoçar com ele! Um machão, um caso perdido, arrogante, convencido! Fazia seus próprios planos, e os outros que se ajustassem a eles! Lorena imaginou o que ele faria se ela não aparecesse no lugar combinado, à hora marcada, e sorriu com a idéia. Seria bem feito!

Porém, um pouco antes das duas, começou a sentir fome. Podia, é claro, tomar um lanche num dos cafés do calçadão, onde passara as horas passeando e vendo as vitrines das butiques, mas o Cril lon era um dos lugares mais famosos de Córdoba e seria uma pena desperdiçar a oportunidade de almoçar lá por não estar satisfeita com a companhia.

Ramón esperava por ela na recepção do hotel. Não havia dúvidas de que tinha sido bem-sucedido nos negócios. Parecia relaxado e mostrava um ar de realização. Aparentemente, não notava os olhares de admiração das mulheres à sua volta. Porém, com o canto dos olhos, Lorena percebeu claramente quando esses olhares se transformaram em expressões de desagrado, ao vê-la juntar-se a ele.

"Com certeza, essas pedantes estão imaginando o que uma caipira sem graça como eu está fazendo com alguém como Ramón Vance", pensou.

Mas não ia se importar com isso. Levantou o queixo, num gesto de desafio.

— Vamos direto para o restaurante — disse ele, logo depois de cumprimentá-la. — É bom encontrar uma mulher que chega na hora marcada. Pensei que ia esperar no mínimo uns quinze minutos.

— A pontualidade é uma de minhas poucas virtudes — Lorena falou, cheia de falsa doçura, deixando-o conduzi-la para o restaurante. Não ia lhe dizer que tinha pensado em comer sozinha em qualquer outro lugar.

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— E vejo que não está com sacolas e pacotes. Outra de suas virtudes, ou vai passar para apanhá-los depois?

— Falta de dinheiro — explicou Lorena, com simplicidade. — Mas eu me diverti olhando as vitrines.

Ramón franziu a testa.

— Devia ter me dito. Eu lhe daria algum dinheiro. Trouxe bastante comigo.

— E por que eu lhe pediria dinheiro? Você não tem nenhuma responsabilidade por mim.

Ramón deu-lhe um olhar estranho, mas não insistiu no assunto. Seu bom humor era evidente. Ou talvez não estivesse disposto a começar uma briga no lugar mais elegante de Córdoba.

— O que vai querer? — perguntou, quando o garçom entregou-lhes os cardápios.

Impressionada com a imensa variedade de pratos, Lorena tomou uma decisão rápida.

— Peixe. Não temos muita chance de comer trutas frescas na fazenda.

— Muito bem. — Lorena não pôde dizer se Ramón estava aprovando sua escolha ou a rapidez de sua decisão. — O mesmo para mim — disse ao garçom. Depois, com um ar muito seguro, escolheu o vinho para acompanhar a refeição.

Quando o homem se afastou, Ramón recostou-se na cadeira e olhou o salão à sua volta, com uma expressão levemente crítica.

— E então, o lugar está de acordo com seus altos padrões? — perguntou ela, sem resistir à oportunidade de dar-lhe uma alfinetada.

— É bastante bom.

— Imagino que esteia acostumado a almoçar em restaurantes muito mais luxuosos, em Buenos Aires.

Ele fez um ar divertido.

— Geralmente mal tenho tempo para comer um sanduíche na hora do almoço. Procuro deixar minhas refeições tranqüilas para a noite.

Com luzes suaves, música e a mulher da sua escolha, pensou Lorena.

Por um breve instante, deixou a imaginação voar, fantasiando como seria jantar com ele em grande estilo. Claro, ele esbanjaria charme, elogiando e dizendo coisas que qualquer uma gostaria de ouvir. E qualquer uma se apaixonaria um pouquinho, mas não demais. Saberia que esse seria o meio mais fácil de se magoar.

— Nunca estive em Buenos Aires — disse, forçando-se a sair do devaneio. — Quando eu tinha uns oito ou nove anos, papai foi à Exposição de Agricultura em Palermo. Estava tudo pronto para eu ir também. Já

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tínhamos feito planos para ele me mostrar toda a cidade, a praça de Mayo, a Casa Rosada, aquele pequeno bairro italiano perto do porto...

— La Boca. Já estive lá muitas vezes. O que a impediu de ir?

— Sarampo. — Lorena fez uma careta. — Chorei dois dias inteiros sem parar. Nunca me senti tão infeliz.

Ramón deu uma gargalhada.

— Pobrezinha! Essas doenças parecem escolher as piores horas. Mas haverá outras ocasiões. Você ainda é muito jovem. E agora, quando for, terá muito mais o que apreciar do que quando tinha oito anos. Pense nas lojas da rua Flórida. Nos teatros, na ópera no Colón, nos museus, nos jogos de pólo em Palermo.

— Parece maravilhoso. Você deve gostar de morar lá.

Ramón encolheu os ombros.

— No início, foi muito bom. Eu era um rapaz do interior, e tudo parecia novo e excitante. Passada a novidade, fui descobrindo que esse excesso de vida social podia ser muito cansativo.

Lorena tentou imaginar Ramón Vance chegando do interior, ingênuo, e sendo facilmente enganado. Não conseguiu. Ele tinha nascido para dominar qualquer ambiente em que vivesse. Nunca devia ter enfrentado as agonias da indecisão ou da insegurança. Estava absolutamente convencida de que, desde muito jovem, já mostrava a sofisticação de agora.

— Papai me contou que você nasceu numa estância perto de Rosário.

Ramón ficou calado, enquanto o garçom servia o vinho. Lorena não pôde deixar de notar que era uma marca estrangeira. O homem devia ter muito dinheiro para esbanjá-lo num simples almoço.

— Sim — disse ele, afinal, em resposta ao comentário. — Não era um lugar muito diferente de Vista Hermosa. Talvez, um pouco menor. E não tinha esse ar de grandeza decadente que há na sua casa.

Lorena lançou-lhe um olhar rápido e desconfiado, pensando que ia criticar sua competência como dona-de-casa. Quando ele não disse nada, perguntou:

— Você tinha uma família grande? — De repente, estava se sentindo curiosa sobre aquele homem, ansiosa por descobrir o que o havia feito ser como era.

— Não. Tenho só um irmão. Minha mãe morreu quando ainda éramos meninos. Quando meu irmão concluiu o segundo grau, abandonou a escola para ajudar meu pai a cuidar da estância. Eu continuei os estudos, até me forçar em Economia. Apesar disso, sempre passei meu tempo livre e minhas férias trabalhando na propriedade da família.

Isso explicava sua incrível habilidade com o chicote e todo o conhecimento que tinha sobre a administração de uma estância, pensou Lorena, lembrando-se do respeito com que os homens de Vista Hermosa o tratavam.

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— E então?

— Meu pai morreu. Se dividíssemos a propriedade, teríamos que dar muito duro para sobreviver. Assim, deixei meu irmão ficar com o rancho e fui para a cidade para tentar uma nova vida.

— E parece que deu certo.

Ramón examinou seu rosto como se esperasse ver um ar de sarcasmo. Notando que Lorena falava com sinceridade, sorriu.

— Sim, deu. Meus esforços foram recompensados. Meu irmão ainda leva uma vida dura, lutando com dificuldades, enquanto eu tenho tudo que o dinheiro pode comprar.

— Felicidade também?

— Acho que sim. Tenho um belo apartamento no melhor bairro da cidade, meu automóvel é um Lancia importado, tenho dinheiro no banco para comprar tudo que quero dentro de um limite razoável... O que mais um homem pode querer?

— Muito mais. — Lorena esperou até o garçom servir a refeição e continuou: — Há coisas que o dinheiro não pode comprar.

— É mesmo? — perguntou Ramón, com um sorriso cínico. — Não acho.

— Amigos, por exemplo. Não aproveitadores, esperando por vantagens, mas amigos verdadeiros, que se importam quando algo acontece a você. Pessoas a quem pode recorrer, se precisar.

As feições arrogantes caçoaram dela.

— Sou incrivelmente auto-suficiente. Que me lembre, nunca precisei de ajuda para dirigir minha vida.

— É possível. E quanto a uma vida familiar? O dinheiro não pode comprar uma esposa e fi lhos.

Ramón deu uma risada áspera.

— Estou certo de que poderia, se eu realmente estivesse disposto a isso. Garanto que apareceriam muitas candidatas, se eu colocasse num anúncio revelando minhas intenções.

Lorena teve que concordar. Não duvidava de que havia um número incalculável de mulheres ansiosas por usar o nome de Ramón Vance. Mesmo sem um tostão, ele não padeceria por falta de candidatas. Só teria que levantar um dedo para conseguir toda a atenção que desejasse., E sabia muito bem disso.

Lorena comeu em silêncio, consciente de que ele a estava estudando. Com certeza, imaginava se aquele tipo de mágica funcionaria com ela.

— Você é muito cínico — acusou, depois de alguns minutos.

— Prefiro me considerar um realista. Gosto de uma vida simples, sem grandes complicações. Quando percebo que elas estão ameaçando a surgir, dou o fora. Só isso.

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— Quando fala de complicações, deve estar se referindo a mulheres, não? — Lorena nunca havia falado assim com um homem e estava achando a experiência muito estimulante. Era uma situação completamente diferente de discutir a vida e o amor com as amiguinhas, tão ingênuas e pouco vividas como ela. — E quantos corações você já quebrou?

— Acho que nenhum — disse Ramón, com um ar indiferente. — O chamado "sexo fraco" é muito mais forte do que finge ser.

Era bem provável que estivesse certo. Devia conviver com mulheres capazes de cuidar de si mesmas. Conheciam o jogo, estavam habituadas a ele. Não esperavam por demonstrações de amor ou promessas de casamento antes de se renderem a um homem. Talvez até achassem ligações passageiras muito satisfatórias. Lorena não podia se imaginar agindo desse modo. Era algo completamente estranho à sua natureza. No entanto, Ramón despertara nela um mundo de emoções que nem mesmo desconfiava que existissem.

Mexeu com o garfo na comida, sentindo-se subitamente sem apetite.

Censurou a si mesma: estava agindo como uma tola, deixando-se levar por esses pensamentos. Afinal, por que devia se preocupar com as idéias de alguém como Ramón? Ele era como um navio, que parava algum tempo num porto qualquer e logo partia. Em seis meses, nem se lembraria da existência dela. Levantou os olhos para ele e encontrou uma expressão intrigada.

— Eu a desapontei?

— Não. — Era a pura verdade. Mesmo antes de conhecê-lo pessoalmente, já tinha uma boa idéia de como podia ser cruel. — Já faz muito tempo que deixei de acreditar em heróis de contos de fada.

— É bom, mesmo — observou Ramón, num tom despreocupado. — Ele são uma raridade atualmente.

— Sim. — Lorena concentrou a atenção no carrinho de doces que o garçom vinha trazendo para escolherem a sobremesa, tentando fugir daquele assunto...

Depois disso, começaram a conversar sobre outras coisas, assuntos seguros, nada controvertidos, como música, clima, arte e esportes.

Ramón sabia um pouco de tudo e podia ser fascinante na exposição de suas opiniões. Lorena ficou surpresa, quando olhou para o relógio e viu que mais de duas horas tinham se passado. Aquele encontro tinha sido um prazer inesperado, com o qual nem contava ao sair de casa. Imaginou se ele também pensaria assim.

Aparentemente, sim. Ramón tinha um ar satisfeito, tranqüilo, quando saíram do restaurante.

Ao chegarem à porta, ele tocou o braço de Lorena para conduzi-la. Ela fugiu do contato. Não pôde dizer por quê. Não costumava ser assim nervosa em companhia de outras pessoas. Mas Ramón Vance não era como as outras pessoas. Havia nele um impacto estranho, que jamais encontrara em ninguém.

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— Quer dizer que a trégua acabou? — perguntou ele, notando o gesto.

— E havia uma trégua?

— Pensei que as hostil idades tivessem diminuído quando estávamos lá dentro.

— Pois teve a impressão errada — mentiu Lorena. — Meus sentimentos continuam os mesmos. — Será que ele pensava que um pouco de charme, palavras agradáveis e modos delicados podiam fazê-la mudar de opinião? Não, era o homem em si que ela procurava ver, e o que já sabia dele não dava margem a ilusões.

— É uma pena.

— Para quem?

— Para você. — Sem olhar para trás, para ver se ela o seguia, Ramón dirigiu-se para a rua.

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CAPÍTULO VICAPÍTULO VI

Lorena ficou muito surpresa ao ver Isabel Delgado aparecer em Vista Hermosa no dia seguinte. Nunca havia gostado especialmente da moça, nem tiveram maior contato. Isabel tinha o mesmo hábito do pai de tratar todo mundo com ar superior, considerando os vizinhos como pobres-mortais indignos de seu interesse, a não ser que tirasse alguma vantagem dessa amizade. Estava claro que havia um propósito em sua visita. Apesar de todas as gentilezas, não era simplesmente uma obrigação social.

Depois de dez minutos de conversa, revelou seu verdadeiro objetivo:

— Soube que vocês tem um hóspede.

Ah, então era isso.

— Sim. — Lorena não estava disposta a comentar Ramón Vance. A visita a Córdoba terminara numa volta silenciosa para casa, prenunciando novas hostil idades. Já estava farta daquele homem.

— Foi meu pai quem me falou dele. — Isabel escolhia cuidadosamente as palavras para não dar a impressão que dava ouvidos aos mexericos da cidade. — E ontem, em Córdoba, fui tomar chá com uma amiga no hotel Cril lon. Quando estava entrando, vi você saindo com um homem. Era ele, não? O señor Vance?

— Sim, era ele.

Isabel pareceu não ligar para sua rispidez.

— Um homem muito atraente... Não tinha idéia que fosse assim.

Oh, sim, pensou Lorena, como uma raposa atraindo as galinhas para o bote final.

— Sim, ele é bem vistoso. Para quem gosta do tipo.

— Está me dizendo que não gosta? Ontem parecia muito absorta na companhia dele. — Havia, uma ligeira malícia no tom de Isabel. — Você não tirou os olhos do homem. Tentei chamar sua atenção várias vezes, mas nem notou minha presença.

— As aparências enganam. Não suporto aquele homem.

— Verdade? E por que isso? — Os olhos castanhos da outra mostravam uma expressão intrigada.

— É preciso haver uma razão?

— Bem, geralmente há. Principalmente, com alguém como ele, tão charmoso.

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— Não nego que tem charme, um certo machismo, seja lá o que mais. Mas também é grosseiro, prepotente e um chauvinista da pior espécie.

A descrição pareceu encorajar ainda mais Isabel Delgado.

— Ninguém gosta de um homem fraco. A força é interessante num marido em potencial.

— Está considerando Ramón Vance sob esse prisma?

— Uma moça tem que casar um dia. É inevitável, a não ser que se tenha vocação para solteirona. — Fez uma ligeira careta, mostrando que tinha horror da idéia. — E, quando o sr. "Certo" aparece, é melhor aceitar o fato e partir para o ataque.

— Isso, se o sentimento for mútuo.

— Mesmo que não seja. — Isabel deu um risadinha. — Uma mulher esperta sempre encontra meios de fazer um homem aceitar seu ponto de vista. Desde que seja astuciosa e atraente, é claro. — Olhou com um ar de desdém para a aparência casual de Lorena. Evidentemente, um jeans desbotado e uma camiseta de algodão não se enquadravam em sua idéia de mulher atraente. Ajeitou as dobras do elegante vestido de seda com um ar complacente. — Claro que uma mulher tem que saber como apresentar suas melhores facetas.

— Eu não saberia fazer isso.

— Não. Mas um dia vai aprender, espero. — Falou com tanto pedantismo, que Lorena teve que morder a l íngua para não dar uma resposta malcriada. — Afinal, meu bem, sou dois anos mais velha do que você. Tenho mais experiência nesses assuntos.

Isabel serviu-se de outro biscoito e Lorena pensou que ela teria que cuidar do peso, se quisesse atrair algum homem, especialmente alguém tão sofisticado como Ramón Vance. Com certeza, ia acabar gorda como sua mãe. Curvas agradáveis eram uma coisa, mas queixo duplo e obesidade eram muito diferentes.

Isabel ficou o mais tempo que pôde. Seus freqüentes olhares pela janela mostraram que seu interesse se concentrava na perspectiva de ver Ramón voltar para casa depois de um dia de trabalho. Mas, à medida que o tempo foi passando, ficou claro que teria que esperar uma outra ocasião para satisfazer a curiosidade. Foi forçada a se levantar e despediu-se da maneira mais graciosa possível.

— Ora, como sou boba! Ia me esquecendo do convite da minha mãe, e foi o principal motivo da minha vinda. — Deu um risadinha falsa que não enganou Lorena nem por um segundo.

— Um convite? Quanta gentileza da sua mãe! Acho que faz mais de um ano que estivemos em Los Molinos. — As boas maneiras impediram Lorena de dizer que nas poucas vezes que tinham sido convidados pela señora Delgado foi só para substituir alguém que ficou doente e para não deixar lugares vazios na imensa mesa de jantar.

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— Tem certeza de que já faz tanto tempo? — Isabel tentou parecer surpresa. — Nossa, como o tempo voa, não? É mais uma razão para vocês virem o mais breve possível. Que tal quinta-feira à noite? Será um jantar informal, familiar. Nada de luxo, é claro. — Seu olhar percorreu novamente a figura de Lorena, como para enfatizar que não havia necessidade de trajes especiais. — Você pode ir? — Seu tom de voz dizia: "você nunca tem para onde ir".

Lorena abafou um suspiro. Como gostaria de poder recusar o convite com um ar de desdém! Infelizmente, havia sido educada para ter boas maneiras. Sorriu e agradeceu com aparente sinceridade:

— Sim, acho que estaremos livres na quinta — disse, tentando parecer entusiasmada. — Claro que antes terei que confirmar com papai, mas imagino que não haverá problema. Por favor, agradeça a sua mãe por nos convidar.

— Naturalmente, também estamos esperando o señor Vance. — Isabel deu um sorrisinho cheio de doçura. — Teremos grande prazer em tê-lo conosco.

— Entendo — disse Lorena, sabendo que ela e o pai só estavam sendo convidados por causa de Ramón. — Bem, falarei com ele, mas não sei se poderá ir.

— Oh, tenho certeza de que irá. Pobre homem! Deve estar achando a vida aqui simplesmente abominável. Afinal, está acostumado com aquela cidade maravilhosa que é Buenos Aires. Com certeza, anda louco para entrar em contato com pessoas civil izadas.

— Como se fôssemos caipiras ignorantes! — comentou Lorena com o pai, cheia de indignação, depois de contar sobre a visita de Isabel. — Essa boboca acha que é a nata da sociedade. Fico até com náuseas quando falo com ela. É tão grosseira como os pais.

Mark Will iams deu uma gargalhada.

— Você deve ter passado um mau pedaço toureando a menina!

— Tive que me controlar para não esganá-la.

— Teremos que ir, é claro. Não podemos ofendê-los. Mas provavelmente passarão o tempo todo tentando monopolizar nosso hóspede, e não ficarão nos dando alfinetadas para mostrar como são superiores.

— Um bando de pedantes!

— O que Isabel anda fazendo da vida atualmente? — perguntou Mark.

— Esperando um marido, claro — disse Lorena, encolhendo os ombros com desdém. — E Ramón se encaixa no seu figurino. Imagino que ele vai passar uma noite bem agitada, agüentando as sondagens da señora Delgado e os olhares melosos de Isabel — acrescentou, com uma risadinha.

— Já deve estar acostumado.

Depois de falar com Ramón, Lorena telefonou para Los Molinos. A señora Delgado foi delicadíssima, e, quando desligou, Lorena não pôde

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evitar um sorriso. Corno tudo mudava, quando Ramón Vance entrava na história!

Apesar de Isabel ter dito que seria um jantar informal, suspeitava de que fariam tudo para se exibir. Examinou seu guarda-roupa com um ar desanimado, pois não tinha nada que se comparasse aos vestidos de Isabel. Podia ser só uma reunião familiar, mas tinha certeza de que as mulheres da família Delgado estariam no auge da moda.

Na quinta-feira, Lorena parou diante do espelho e olhou sua imagem com uma sensação de quase desespero. Só tinha um único traje razoavelmente adequado à ocasião, uma saia preta de corte severo, combinando com uma blusa de cambraia branca, bordada com flores coloridas. Sempre se sentira confiante quando o vestia, mas agora estava cheia de dúvidas.

Parecia exatamente o que era: uma adolescente caipira, mal saída do colégio. Não havia nada sofisticado nela. Tentou prender os cabelos num coque moderno, mas fez uma careta quando viu o resultado. Até mesmo sua maquilagem era simples, quase inexistente. Não sabia como dramatizar os olhos com uma habilidosa aplicação de sombras e delineadores. Se tentasse fazer qualquer coisa nesse sentido, acabaria parecendo uma palhaça, e Ramón não perderia a oportunidade de se divertir com ela.

Deu um último olhar insatisfeito para sua imagem, pegou o xale e foi ao encontro dos homens na sala.

Os dois já estavam perto do hall de entrada. Lorena desculpou-se por tê-los feito esperar.

— Valeu a pena, querida. — Havia um ar de orgulho no rosto de seu pai. — Está encantadora. Não é mesmo, Vance?

Os olhos escuros a percorreram de alto a baixo de um jeito que a deixou embaraçada. Era o que ele pretendia, claro. Por que tinha que olhá-la como se fosse uma vaca num leilão?

— Está muito atraente — disse, muito sério, e Lorena teve vontade de dar-lhe uma bofetada por ter demorado tanto a falar,

— Vamos, então? — perguntou, apressada. — A estrada para Los Molinos não é muito boa e não gostaria de chegar atrasada.

— A señora Delgado nos comeria vivos — comentou Mark, rindo.

Todas as luzes de Los Molinos estavam acesas. Lorena logo percebeu que seriam recebidos com muita honra, pois, assim que ouviram a caminhonete se aproximar, os Delgado apareceram na porta. Normalmente, costumavam ficar sentados na sala, deixando que a empregada recebesse os convidados.

Logo depois de feitas as apresentações, foram conduzidos para o salão, um cômodo amplo e elegante, decorado com grande gosto, misturando móveis modernos com algumas peças antigas. Muito diferente da sala de visitas de Vista Hermosa, pensou Lorena. Olhando para o convidado de honra da noite, percebeu que ele fazia a mesma comparação. Levantou o

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queixo numa resposta desafiadora e viu-o sorrir do seu gesto. Maldito homem! Por que tinha que estar sempre lendo sua mente?

— Tomaremos um vinho do Porto antes do jantar — disse o señor Delgado, fazendo um sinal para a empregada. Não foi um convite, foi uma ordem.

Era esse o problema da família Delgado, pensou Lorena, enquanto tomava um gole da bebida, servida num magnífico cálice de cristal da Boêmia. Todos gostavam de estar sempre no controle e não admitiam que outras pessoas pensassem diferente. Imaginou o que Ramón Vance acharia desse tipo de abordagem. Talvez não estranhasse, porque também confiava muito no próprio sucesso.

Ele parecia bastante à vontade. Suas feições morenas estavam relaxadas, e permitiu que a señora Delgado o monopolizasse por alguns minutos, antes de Isabel fazer um sinal para a mãe de que gostaria de entrar na conversa. Lorena viu o olhar de apreciação que a moça recebeu de Ramón. Um olhar longo, cheio de admiração, que percorreu seu corpo, repousando um pouco mais no rosto bonito e ansioso, voltado para ele.

Lorena teve de admitir que a moça estava mesmo muito bonita. Claro que era uma grande ajuda poder freqüentar as melhores butiques de Córdoba, sem ter que pensar no preço das roupas e ter um cabeleireiro à sua disposição. O vestido vermelho que Isabel usava valorizava o corpo cheio de curvas, realçando todos os pontos capazes de atrair o olhar de um homem. Parecia estar causando um grande efeito em Ramón, que sorria para ela de um modo muito sugestivo.

Lorena desviou o olhar e, ouvindo a conversa entre o pai e o señor Delgado, tentou esquecer o que acontecia à sua frente, no outro lado da sala. Porém, os comentários sobre os preços da alfafa não foram suficientes para manter seu interesse e, mais uma vez, seu olhar foi atraído para o casal.

Isabel estava se sentando num pequeno sofá e chamando Ramón para sentar-se a seu lado. Não havia sinal da señora Delgado. Provavelmente tinha se afastado com a desculpa de verificar os últimos preparativos para o jantar. Nenhum dos dois parecia dar pela falta da velha, pensou Lorena, observando as duas cabeças morenas bem juntas, enquanto sorriam de algum comentário engraçado.

Lorena estava em dúvida. Esse comportamento de Ramón era só o resultado de um fraquejo social adquirido em anos e anos de convívio nos círculos elegantes de Buenos Aires, ou estava realmente interessado em Isabel? Impossível saber, com um homem como aquele, pensou, com amargura. Ele podia usar um número infinito de máscaras, e nenhuma mulher seria capaz de dizer o que realmente acontecia em seu íntimo. Censurou a si mesma por tais pensamentos. Por que se preocupar com isso? Isabel que tentasse a sorte. Se desse certo ou não, problema dela.

De repente, Ramón olhou para cima e sustentou seu olhar com um ar levemente zombeteiro. Lorena quis desviar a vista, mas, de algum modo, sentiu-se presa àquele olhar hipnótico, como uma borboleta a um alfinete.

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No mínimo, Ramón estava se divertindo com ela, pensou, ao ver sua sobrancelha escura se arquear, antes de voltar a atenção para o que Isabel lhe dizia. Um cavalheiro teria vindo em sua salvação, incluindo-a na conversa. Porém, ele mesmo já tinha deixado bem claro que não era nenhum cavalheiro. No que lhe dizia respeito, Lorena podia passar o resto da noite sentada sozinha, feito uma idiota, enquanto ele se divertia.

Ramón continuou agindo do mesmo modo durante o jantar. Sentado entre Isabel e a señora Delgado, um lugar reservado para convidados especiais, dividia sua atenção com as duas, apesar de mostrar um pouco mais de deferência com a moça. Lorena esforçou-se para não ligar. Sabia muito bem que não era páreo para alguém como Isabel. Imaginou que as duas outras fi lhas dos Delgado estavam ausentes, talvez para evitar a mínima sombra de concorrência para a irmã. Apesar de serem bastante jovens, com dezesseis e dezoito anos, eram tão atraentes como a outra.

— E como anda sua vida, agora que está à toa Lorena? — perguntou o señor Delgado, com a galanteria pesada que costumava usar com as mulheres. — O tempo deve estar custando a passar depois que você terminou a escola.

Como eram diferentes os mundos em que habitavam, pensou ela. Os Delgado não fariam a mínima idéia de como era sua vida, tendo que lutar para manter o enorme casarão da estância razoavelmente em ordem, além de cozinhar e lavar para o pai e aquele hóspede indesejado. Em Los Molinos, havia dezenas de empregadas para cuidarem dessas coisas. Isabel e as irmãs não mexiam uma palha; isso, sim, era monotonia. Porém, sabia que não podia fazer qualquer comentário sobre isso. Ia parecer a história da raposa e as uvas.

— Oh, sempre encontro muita coisa para me distrair. Cuido da casa, como o señor sabe.

— Sim. O que seu pai vai fazer, quando você se casar e sair daqui?

— Acho que isso ainda vai demorar um bom tempo. — "Se acontecer algum dia", acrescentou para si mesma. A possibil idade de um casamento parecia muito distante agora. Não tinha nada que a recomendasse para um homem. Nem beleza, nem dinheiro, nada.

O señor Delgado balançou um dedo para ela, com um ar brincalhão.

— Qualquer hora dessas, vai aparecer seu príncipe encantado, mocinha. Isso acontece com todas, mais cedo ou mais tarde. Minha Imelda tinha só dezessete anos, quando casamos. Isabel já está com vinte, e espero que não demore muito a encontrar um rapaz adequado. — Olhou para a fi lha, que conversava animadamente com Ramón, e deu um sorriso satisfeito. A señora Delgado não era a única casamenteira da família, percebeu Lorena, e, certamente, Ramón Vance se ajustava muito bem aos padrões de um futuro genro.

Ela não apreciou o jantar. Em outra ocasião, o coquetel de camarões, o assado com patê e presunto a teriam encantado. Mas, essa noite, parecia estar comendo um prato de cinzas. Para engolir a comida, bebeu um pouco mais do que o normal, apesar de não apreciar muito o vinho tinto. A noite parecia interminável. Tentou olhar disfarçadamente para o relógio, mas

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Ramón notou seu gesto e sorriu, fazendo-a se assustar e derrubar a taça de cristal.

— Oh, perdão! — Viu a mancha vermelha se espalhando sobre o l inho imaculado da toalha de mesa e tentou limpá-la com o guardanapo.

— Não faz mal. As empregadas cuidarão disso depois. — Mas a voz da señora Delgado tinha uma nota de gelada desaprovação. Sem dúvida, essa seria a última vez que caipiras mal-educados seriam convidados para um jantar em sua casa.

Lorena tomou o café em silêncio, fazendo o possível para não atrair a atenção, apesar dos esforços do pai para encorajá-la a participar da conversa.

Só conseguiram sair da casa dos Delgado bem depois de meia-noite. Claro que isso só aconteceu por causa de Ramón. Se fosse por ela e o pai, teriam sido despachados muito antes.

— Espero que nos vejamos de novo muito breve — disse Isabel, pousando a mão delicada, de unhas bem-feitas, no braço de Ramón.

Lorena observou a cena com desdém. Já tinha ouvido falar em moças que se atiravam para cirna de homens, mas essa era a primeira vez que via a coisa acontecer.

— Não faltará oportunidade — respondeu ele, num tom indiferente. Apesar disso, Lorena notou o rosto de Isabel se i luminar.

Como alguém podia estar tão louca para arranjar um marido, a ponto de não se importar com o modo como se comportava? Bem, podia até dar-resultado. Afinal, alguém como Ramón Vance não aparecia naquelas redondezas todos os dias.

Lorena estudou-o enquanto voltavam para Vista Hermosa. Seu pai tinha pegado no sono no banco de trás e seus roncos pontuavam o silêncio, tornando desnecessária qualquer conversa. Era até melhor, pensou, sonolenta, apesar de ver que Ramón parecia tão alerta e bem-disposto como quando tinham saído de casa. A escuridão o favorecia. Ocultava a arrogância do rosto, disfarçava a dureza do queixo e a l inha agressiva do nariz. Parecia mais humano, mais acessível. Acessível... que piada! Lorena ouviu alguém rir e percebeu que tinha sido ela. Santo Deus, devia ter bebido muito mais do que devia!

— Qual foi a graça? — perguntou Ramón. — Ou será que isso é resultado de tanto vinho? Notei que você estava gostando muito dele.

— Fico surpresa em saber que você notou alguma coisa. Esteve tão ocupado em olhar nos olhos de Isabel que achei que nem havia percebido a minha presença.

— Ficou enfezada?

— Imagine! Não dei a mínima. — Tentou falar com altivez, mas um bocejo estragou todo o efeito. Não estava com ânimo para discutir. Só queria dormir.

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O ar fresco da noite teve um efeito narcótico, e ela começou a cambalear, quando desceu do carro.

— Ainda insiste que está tão sóbria como um juiz? — perguntou aquela voz odiosa. Um braço forte envolveu sua cintura. — Apóie-se em mim.

— Estou ótima. — Quis empurrá-lo, declarando independência, mas o corpo resistiu aos comandos do cérebro e apoiou-se em Ramón, agradecida, enquanto ele a conduzia até a casa.

— Lorena está bem? — Ouviu a voz do pai, ao entrarem no hall.

— Só cansada e um pouco "tocada" pelo excesso de vinho dos Delgado — respondeu Ramón, com uma pontinha de sarcasmo. — Vá dormir, Will iams. Você deve estar quebrado. Vou fazer um café quente para ela, ou amanhã Lorena vai ter uma dor de cabeça daquelas.

— Tem certeza que pode cuidar disso? — perguntou Mark, sonolento. Vendo o aceno de Ramón, despediu-se com um boa-noite resmungado.

— Eu posso fazer o café — disse ela, enquanto Ramón a levava para a cozinha.

Ele ignorou seu oferecimento e empurrou-a para uma cadeira.

— Fique aí, quietinha. Vou cuidar de tudo.

— Não sou nenhuma incapaz e não estou doente. — Lorena levantou-se cautelosamente e ficou feliz em descobrir que a cozinha não girava. Não estava bêbada. Talvez, só um pouco tonta. Não estava acostumada a tanto vinho.

— Pensei que estivesse pior — disse Ramón, ao vê-la em pé, recusando-se a entregar a lata de café que ela tentava pegar. — Ou será que foi só um golpe?

— Para você me pegar nos braços? — Não tentou fingir que não tinha entendido. — Nunca faria isso. Não estou assim tão desesperada.

— Como Isabel? Foi isso que quis dizer?

— Bem, ninguém nó mundo poderia acusá-la de timidez essa noite. Ela fez o possível para atrair toda a sua atenção.

— Eu era um hóspede — disse Ramón, calmamente. — Por acaso, esperava que ela me ignorasse? Afinal, por que a reclamação? Parece uma esposa pedindo satisfações ao marido.

— E o que você sabe do casamento? Nunca tentou.

— Sei o suficiente para ficar longe dele. — Ramón esperou o café coar e serviu duas xícaras. — Vamos, beba e pare com essa implicância.

— Não estou com nenhuma implicância — protestou, indignada.

— Pois é o que parece. Pensei que não dava a mínima para os meus sentimentos por Isabel.

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— Nem por ela, nem por qualquer outra. Só que achei simplesmente nojento ficar olhando alguém se atirar em cima de um homem como ela fez essa noite.

— Mentirosa! Vi você olhando para nós e não percebi nenhum nojo. Só inveja.

— Você está se i ludindo. — Lorena falou com desdém, apesar de desconfiar de que ele tinha um pouco de razão. Talvez sentisse mesmo inveja de Isabel, desejando um pouco da atenção que Ramón lhe dispensava.

— Não, não estou. Conheço as mulheres. E você é muito mulher, Lorena, apesar de ainda não ter muita consciência disso. Queria que eu estivesse com você. Se é honesta, vai ter que admitir isso.

Ela não pretendia admitir nada. Olhou para a xícara de café sobre a mesa e tentou encontrar uma resposta adequada.

Ramón deu dois passos em sua direção, mas ela continuou imóvel, como se estivesse enraizada no chão. Devia se afastar, disse a si mesma, mas algo a fez continuar exatamente onde estava.

— Sem palavras? Estou estranhando você, Lorena.

Ela sentiu a boca seca. O silêncio entre eles era ensurdecedor e o sangue latejava em seus ouvidos. Braços fortes a envolveram, mas não fez qualquer movimento para resistir. Deixou-se puxar para perto dele, amoldando o corpo contra o de Ramón.

— Não é isso que você quer? — ele perguntou, suavemente, enquanto os lábios roçavam o pescoço de Lorena, subindo para tocar de leve a boca trêmula. — Não é isso que você quer? — Uma mão envolveu seu seio jovem, despertando sensações estranhas, febris, que começaram a percorrer seu corpo, deixando-a trêmula e entregue.

Abriu a boca para protestar, mas as palavras se perderam na garganta, quando os lábios sensuais de Ramón cobriram os seus. Foi um beijo firme, exigente, que conseguiu uma resposta imediata. Lorena apertou-se contra ele, sentindo um prazer que mal conhecia. Sem perceber o que fazia desabotoou a camisa de Ramón e acariciou o peito forte; uma carícia sensual e primitiva. Não recuou quando ele abriu a sua blusa, acariciando seus seios até ficarem quentes e pulsantes de desejo.

Ela queria aquele homem. Agora admitia isso com cada movimento do corpo, com cada murmúrio incoerente. Ramón não era mais o homem que odiava, o homem que a irritava, que revelava o que havia de pior em sua natureza. Agora, era alguém que a despertara para emoções antes desconhecidas, e o amava pelo prazer que estava lhe proporcionando.

Porém, a sanidade voltou, quando sentiu que ele a empurrava em direção da porta. O que estava fazendo? Para onde a levava? Em algum lugar no fundo de seu ser, encontrou forças para resistir e empurrar Ramón, num gesto que o fez parar.

— O que está havendo? — perguntou ele, impaciente.

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Olhando para seus olhos brilhantes, Lorena não teve dúvidas de que sentia-se tão excitado quanto ela. Ele a queria... queria muito. Isso assustou-a ainda mais. Empurrou-o com decisão.

— Quero ir para a cama.

— E não era para lá que estávamos indo? — Tentou puxá-la para perto de novo.

— Quero ir para a minha cama — falou, num sussurro. Agora, estava com muito medo dele.

Ramón soltou-a.

— Você sabe escolher a hora de desistir, não é? Gosta de brincadeira, mas não quer ir até o fim. Há um nome para mulheres que agem desse modo.

— Sinto muito.

— Sente, mesmo? Acho que me deixou continuar de propósito, só para mostrar as armas que pode usar quando quer.

— Sinto muito — repetiu Lorena, completamente incapaz de lidar com aquela situação.

— Um dia desses, vai se arrepender! Agora, suma da minha frente, antes que eu lhe dê uma lição da qual vai se lembrar pela vida toda!

Tremendo como uma folha levada pelo vento, Lorena fugiu para o quarto.

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CAPÍTULO VIICAPÍTULO VII

Lorena acordou com a primeira luz da madrugada, sentindo a cabeça confusa e pesada. Foi um esforço sair da cama. Não sabia se a ressaca era por causa do vinho ou por causa de Ramón Vance.

Imaginou se estaria se sentindo melhor se tivesse deixado as coisas seguirem seu rumo natural na noite anterior. Mas, depois de pensar por alguns instantes, resolveu que estava feliz por ter fugido dele. Que alegria podia haver em ser mais uma das conquistas de Ramón? Seria o caminho mais curto para uma grande mágoa. Ele já havia deixado claro que não queria responsabilidades do tipo esposa e fi lhos. Era l ivre como um pássaro e estava decidido a continuar assim.

Foi difícil enfrentar seu olhar frio na mesa do café e agir como se nada tivesse acontecido entre eles. No entanto, de algum modo, Lorena conseguiu manter uma aparência natural, até mesmo sorrindo quando o pai começou a fazer brincadeiras sobre pessoas que bebiam demais.

Deu um olhar disfarçado na direção e Ramón. Ele comia seu bife com ovos com o apetite de sempre. Lorena desejou que engasgasse.

Mark terminou a refeição e levantou-se.

— Eu o encontro lá fora — disse a Ramón. — Preciso fazer uma ou duas coisas antes de sair.

Será que ele ia tocar no assunto, agora que estavam sozinhos? O silêncio se prolongava, mas Lorena hesitou em quebrá-lo. Ele que tomasse a iniciativa. Depois, subitamente desesperada para se ocupar com alguma coisa, juntou os pratos e se preparou para levá-los para a cozinha.

— Fugindo de novo. Lorena? Você é mestra nisso, não? — Ramón falou em voz baixa, mas havia irritação em seu tom. A briga da noite anterior não estava terminada; simplesmente havia sido adiada para uma ocasião mais oportuna.

— Saber qual a hora de fugir é a melhor defesa de uma mulher,

— Sim, se ela está com medo.

Enfrentou-o com um ar de desafio.

— Não tenho medo de você, se é o que está pensando.

— Não? Talvez só das conseqüências de um envolvimento comigo.

— Não foi uma questão de envolvimento, e sabe muito bem disso. Ontem à noite, você estava querendo uma relação sexual barata e casual, e ficou irritado quando não aceitei.

— É um ponto de vista.

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— E existe outro? — perguntou, começando a ficar furiosa com o tom dele.

— Sim. Mas você não está preparada para ouvir.

— Tente.

— Eu lhe disse que ia fazer com que me desejasse. E consegui. Não, não tente negar. — Levantou a mão no instante em que Lorena fez um gesto de protesto. — Se o que compartilhamos foi barato e casual, a descrição é sua. Eu não penso assim. Mas, seja o que for, você estava tão ansiosa como eu, até mudar subitamente de idéia e dar o fora. Isso, sim, foi barato e casual.

— Eu pedi desculpas — disse ela, estremecendo ao ouvir a acusação na voz dele. — O que mais você quer?

— Muito mais do que está preparada para dar. Na próxima vez que quiser fazer um joguinho desse tipo, escolha alguém com menos experiência, ou vai acabar se dando muito mal.

— Se escolher alguém, vou procurar um homem bem-educado. Nunca ninguém me falou desse jeito.

— Então, já era tempo de alguém começar. Diga-me, esse paladino da virtude que vai escolher para namorar terá que pedir permissão antes de encostar um dedo em você?

— É melhor assim do que ser tratada como uma mercadoria fácil.

— É mesmo? Bem, vamos ver depois que você experimentar. A maioria das mulheres quer ser dominada, não tratada como bichinho de pelúcia.

— Talvez eu seja a exceção que confirma a regra.

— Talvez esteja só decidida a ser diferente. — O rosto de Ramón estava sombrio de raiva.

— Imagino que você prefere o tipo de mulher convencional, como Isabel Delgado.

— Não há dúvidas de que a natureza dela é muito melhor do que a sua.

— Olhos arregalados, adorável e desamparada. É disso que você gosta?

— Depois de todos os seus maus modos, é um alívio.

— Estou contente que pense assim. Talvez signifique que vai ficar longe de mim. — Apesar de magoada com as palavras dele, Lorena procurou manter uma atitude indiferente.

— Sim, tenho certeza de que será o melhor para nós dois.

Ele fez uma pausa, como se para acrescentar mais alguma coisa, mas, parecendo pensar melhor, empurrou a cadeira para trás com um gesto irritado e saiu da sala.

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Ramón manteve a palavra e ficou ausente a maior parte do tempo nos dias seguintes. Não era segredo que acompanhava Isabel em passeios pelos campos. A cidade estava cheia de fofocas e comentários, depois que tinham sido vistos num cassino em Alta Gracia e num concerto em Córdoba.

— Você deixou escapar uma boa oportunidade, niña — disse Maria Lopez, com a familiaridade de uma velha amiga, quando Lorena foi fazer compras em sua loja. — A señorita Delgado está mesmo decidida a arranjar um marido.

— Bem, ela que tente.

— O pessoal anda apostando quanto tempo ela vai levar para fisgá-lo. — Os olhos de Maria brilhavam de curiosidade. — Você está sabendo de alguma coisa?

Lorena deu uma risada, tentando aparentar absoluta indiferença.

— Acho que ela vai ter uma grande decepção, se está esperando uma aliança no dedo. Ele não é do tipo de casar... já me disse isso.

— É mesmo? — A mulher lançou-lhe um olhar penetrante. — Então, o señor Vance lhe faz confidências?

— Claro que não. Foi só uma conversa. — Procurou mudar de assunto depressa. — Essas cerejas estão fresquinhas?

— Oh, sim. Chegaram ontem mesmo de Mendoza. Muito docinhas. — Maria, interessada em fazer a venda, desistiu do assunto embaraçoso, o que foi um alívio para Lorena.

No entanto, seu pai tocou no mesmo assunto naquela noite.

— Vance não vai jantar conosco? — perguntou, apontando a mesa posta só com dois lugares.

— Ele saiu. Disse que vai voltar tarde. — Lorena procurou manter um tom casual. — Não é bom estarmos sozinhos como antigamente?

— Sim, é bom mudar de vez em quando. Ele deve ter saído com Isabel. Parece que essa menina não é de deixar escapar uma boa oportunidade.

— E acha que eu sou? — perguntou, irritada. — Não pensei que você estivesse tão ansioso como os Delgado para arranjar um marido para a sua fi lha.

Mark Will iams pareceu um pouco surpreso com a violência de seu tom de voz.

— Calma, menina. Não é nada disso. Não estava fazendo comparações.

— Desculpe, papai. Não quis estourar com você. É só que... — Parou, imaginando qual seria o melhor meio de explicar o que estava acontecendo.

— É só que você não afina muito com Vance, não é? Já percebi que não gosta dele.

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— Eu o detesto — disse Lorena, feliz por deixar tudo bem claro. Não gostava de fingir para o pai.

— Isso não é um pouco de exagero?

— Não posso evitar. É o que sinto, e acho que é um sentimento mútuo.

— Que pena! Eu gosto do rapaz.

— Sim, eu sei. E foi por isso que eu... não toquei no assunto antes.

— Entendo — disse Mark, com um suspiro. — Ainda assim, é uma pena.

— Não me diga que você também andava com idéias casamenteiras!

O pai deu uma risada.

— Absolva-me dessa culpa, querida. Sei que você vai me deixar um dia, mas não tenho a mínima intenção de apressar o processo.

Lorena estendeu a mão sobre a mesa e apertou os dedos do pai, num gesto cheio de carinho.

— Seu bobinho! Vou ficar com você por muito tempo ainda. — Suspirou. — Se ao menos soubéssemos o que o futuro nos reserva! Ramón já lhe falou alguma coisa sobre a estância?

— Não. Se resolveu alguma coisa, ainda não me disse nada. Para falar a verdade, essa situação está me deixando nervoso. Gostaria de ver as coisas acertadas, mesmo que a notícia não fosse agradável.

— Ele já deve ter todos os elementos necessários para tomar uma decisão — falou Lorena, pensativa. — Examinou a casa de alto a baixo, esteve nos potreiros, conheceu todos os campos, até os l imites mais distantes. Deve ter inspecionado pessoalmente cada animal que mantemos. Conversou com todos os homens. Olhou cada número da contabil idade. O que mais vai querer?

— Só Deus sabe. — Mark pareceu um pouco desanimado. — Imagino que logo me dirá o que resolveu. Mas essa espera é insuportável.

"A situação deve ser bem pior para papai do que para mim", pensou Lorena, cheia de simpatia. Só tinha que agüentar aquele homem nas horas das refeições e à noite. Mas o pai trabalhava ombro a ombro com ele o dia inteiro. Não podia ser agradável. Mas ele nunca havia se queixado.

Era até capaz de gostar do homem que se impunha a ele o tempo todo.

— Você é extraordinário, papai.

— Você também, querida. Parece que somos um clube de admiração mútua!

— Você vai ver como ficará melhor ainda, quando tudo se resolver. Será maravilhoso, quando esse homem sair da nossa vida!

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Como em resposta às palavras de Lorena, no dia seguinte Ramón anunciou que passaria o fim de semana fora.

— Espero que isso não atrapalhe sua programação doméstica — disse ele, na hora do jantar. A zombaria em seus olhos mostrava que sabia muito bem que Lorena ia ficar feliz em vê-lo pelas costas.

— Não faz mal — respondeu ela, secamente.

Coube a Mark Will iams perguntar, num tom agradável, aonde ele ia passar o fim de semana.

— É uma viagem de prazer ou negócios? Você trabalha demais, Vance.

— Um pouco dos dois. — Ramón sorriu, mostrando os dentes brancos e perfeitos. Era estranho como conseguia ser gentil com todos, menos com ela, pensou Lorena. — Os Delgado me convidaram para ficar em sua casa de veraneio perto de San Roque. Pelo que me disseram, o lugar é muito bonito. Há boa pesca e todo tipo de esporte. Eles também têm um barco para fazermos passeios no lago.

Se depender de Isabel, pensou Lorena, os passeios serão muitos, e com os dois sozinhos. Ela podia viajar acompanhada da família, mas tinha certeza de que seus pais fariam vistas grossas, se achassem que havia uma chance de fisgar um marido para a fi lha.

Ficou vendo Ramón se afastar na direção de sua camionete, carregando uma pequena valise. Isabel já devia estar louca por ele. Que moça não se apaixonaria por alguém tão bonito e que podia ser gentil e charmoso, quando queria? Ele usava um conjunto safári de corte perfeito, que valorizava seu peito largo e os músculos das pernas compridas e atléticas. Uma figura atraente e muito máscula, Lorena teve que admitir, mesmo a contragosto.

Ele virou-se, como percebendo que estava sendo observado, apesar de ela ter tido o cuidado de ficar atrás da cortina da janela.

— Lorena?

Não adiantava tentar fingir. Abriu a vidraça e inclinou-se no peitoril, tentando parecer despreocupada.

— Sim?

Ele estudou-a com a habitual intensidade, como um jurado num concurso de beleza, não muito satisfeito com a candidata à sua frente.

— Vou partir agora. Voltarei no domingo à noite. Avise seu pai, por favor.

— Está bem.

— Vai sentir minha falta? — A pergunta saiu cheia de zombaria.

— Acho que não.

— Talvez tenha uma surpresa.

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— É possível. Mas imagino que será algo parecido com o efeito que se consegue quando se deixa de bater a cabeça contra um muro. Um agradável alívio do sofrimento.

Ramón saiu de perto do carro e subiu os degraus da varanda. Lorena estremeceu diante da decisão de seus passos, mas manteve-se firme no lugar.

— Você nunca perde uma oportunidade de me agredir, não é?

— Não sou de perder uma boa ocasião — respondeu ela, num tom cauteloso, imaginando a que tipo de discussão aquela troca de palavras poderia levar.

Ramón estava muito perto, tão perto que Lorena sentia o aroma de sua loção de barba.

— Então, somos iguais — disse ele, baixinho.

— É mesmo? Por quê?

— Também acredito em fazer o melhor uso das minhas oportunidades.

Antes que ela desconfiasse de suas intenções, seus lábios tomaram os dela num longo beijo. Abraçou-a com força, por cima do peitoril da janela. Estavam bem à vista de qualquer um que chegasse à casa, mas isso não pareceu ter nenhuma importância. Tudo que Lorena queria era que aquele beijo durasse para sempre.

Ramón afastou-se, retirando os braços dela do pescoço. Parecia impassível, exceto pelo brilho de satisfação nos olhos. Lorena teve vontade de bater em si mesma por sucumbir com tanta facil idade. O que ele devia pensar dela?

— É pena que só consigamos nos comunicar sem palavras. Eu e você combinamos muito melhor quando usamos outros métodos — ele falou, com uma ponta de zombaria.

Depois, antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, virou-se, andou rapidamente até o carro, deu a partida e acenou se despedindo.

Ela jurou não sentir saudade dele. Seria a maior alegria ficar l ivre de sua presença irritante por dois dias.

Porém, à medida que as horas foram passando, descobriu que seu pensamento teimava em se fixar no que estaria acontecendo em San Roque. Já tinha estado lá uma vez, com um grupo de colegas do internato, e sabia que era um lugar encantador, onde se podia desfrutar de todos os prazeres da vida ao ar l ivre.

Com certeza, Ramón pescaria trutas com o señor Delgado, mas, o resto do tempo, passaria com Isabel. Passeariam à beira do lago, nadariam, tomariam sol preguiçosamente, envolvidos pela brisa suave das montanhas.

Como a outra moça iria reagir à visão daquele corpo atlético e bronzeado tão junto dela? Tal como Lorena, sentiria os primeiros estremecimentos do desejo? Iria se render a eles? As perguntas ferviam em seu cérebro, embora tentasse manter a mente voltada para outras coisas.

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Não estava interessada, dizia firmemente a si mesma, mas isso não parecia dar nenhum resultado.

Ramón não se dignou a contar quase nada sobre o seu passeio, quando voltou na noite de domingo, parecendo descansado e relaxado.

— Você se divertiu?

Foi Mark quem fez a pergunta. Lorena, ocupada em tirar a mesa do jantar, f ingiu não escutar.

— Muito, obrigado. Foi bom poder me afastar um pouco de tudo isso. — Seu olhar dirigiu-se a Lorena, como para dizer que ela era um dos problemas de que precisava se afastar. Depois, mudou de assunto e começou a falar com Mark sobre o gado.

Isabel foi mais direta, quando veio à estância para entregar um livro que prometera emprestar a Ramón. Lorena logo percebeu que era uma desculpa descarada para vê-lo e sentiu um prazer mórbido em lhe dizer que sua presa tinha ido à cidade para cuidar de negócios.

— Sinto muito, mas acho que ele vai demorar bastante — informou, com evidente antipatia na voz. — Foi pena você perder a viagem. Devia ter telefonado antes.

— Não faz mal. Eu não tinha mesmo outra coisa para fazer. — Isabel encolheu os ombros gordinhos num gesto indiferente.

É o que acontece com grã-finas desocupadas, pensou Lorena, mas ficou, de boca fechada. Isabel era mesmo a própria dondoca, com um vestido de voal amarelo-limão, que flutuava em dobras elegantes quando andava; parecia ter tomado banho em perfume francês.

— O señor Vance vai ficar aborrecido em saber que você esteve aqui na ausência dele — disse, quando o silêncio entre elas começou a ficar longo demais. As boas maneiras exigiam que falasse alguma coisa.

— Sim, claro — respondeu Isabel, cheia de convencimento.

—Vocês se divertiram em San Roque? — Lorena teve vontade de dar um soco em si mesma logo que as palavras escaparam. Podia parecer que estava interessada. E claro que não dava a mínima para o que tinha acontecido.

— Foi maravilhoso! — Entusiasmada, Isabel começou um longo relato sobre o fim de semana. Ramón tinha sido uma companhia perfeita. Nadaram, andaram a cavalo, passaram uma tarde velejando pelo lago. Na noite de sábado, ele a levara a um festival de música folclórica. — Um homem encantador! Tão gentil, tão atento aos meus menores desejos! E tão viri l! — Lançou um olhar malicioso para Lorena. — Ele é todo homem.

— Estou contente em saber que se divertiram. — Sentia a alma gelada. Os pais de Isabel, tão presos às convenções, não teriam permitido tanto contato entre Ramón e a fi lha, se não percebessem uma forte possibil idade de haver um casamento.

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— Meu pai gosta muito dele. — disse a moça, fortalecendo as suspeitas de Lorena.

Não seria preciso dizer mais nada. Mesmo alguém como Isabel, mimada e prepotente, nunca mostraria interesse por um homem sem a aprovação dos pais. Sem dúvida, o señor Delgado lhe havia dado o sinal verde para encorajar Ramón. Aparentemente, todos ficariam muito alegres se o principal interessado estivesse disposto a aceitar o jogo. E isso era um grande "se".

Isabel parecia não ter dúvida quanto ao poder de seus encantos. Começou a fazer uma longa descrição do vestido que tinha mandado fazer para deixar Ramón boquiaberto, quando a levasse para jantar num restaurante que acabava de ser inaugurado em Córdoba.

— Ainda não estive lá, mas soube que é um lugar muito elegante. Não quero parecer mal.

— Oh, claro — resmungou Lorena, entediada.

— Mandei fazer azul. Ramón gosta de me ver vestida de azul... ele me disse. — Deu um sorrisinho doce. — A mulher deve sempre tentar agradar seu homem, não acha?

— Talvez.

O que realmente Lorena queria dizer era: "Ele ainda não é seu homem; cuidado em achar que as favas estão contadas". Mas, ao mesmo tempo, sentiu um pouco de pena da outra pêlo choque que ia levar, quando conhecesse a verdadeira personalidade de Ramón.

— Sua amiguinha veio fazer uma visita esta tarde — disse, com acidez, quando ele voltou à estância, muito tempo depois de Isabel ter saído.

O jantar já estava pronto e ela aproveitara para sentar-se na varanda, deliciando-se com o ar fresco do início da noite.

— Isabel? — Parou diante dela, levantando uma sobrancelha em interrogação.

— Isso que dizer que você tem muitas outras amiguinhas e namoradas nas redondezas? Não perde tempo, heim?

— Está com ciúmes, Lorena?

— Imagine! Nem estou interessada.

— E o que Isabel queria?

— Você, naturalmente. De preferência, com uma coleirinha no pescoço.

Ramón fez um ar de riso e Lorena não soube se ele estava se divertindo com ela ou com Isabel.

— Foi pena eu não ter estado aqui.

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— Foi o que ela também disse. Acho que me contar as histórias sobre o alegre e íntimo fim de semana de vocês foi menos divertido do que vê-lo pessoalmente.

— Para alguém que diz que não dá a mínima para mim, você parece ter um extraordinário interesse pelas minhas atividades. Foi uma conversa interessante?

— Uma chatice— respondeu Lorena, com uma careta.

— Você não precisava ter ficado escutando.

— Não encontrei meios de fazê-la calar a boca — disse Lorena, com doçura.

— É inacreditável. — Ramón sentou-se na cadeira ao lado dela.

— Eu não podia ser grosseira com a moça.

— Por que não? Você nunca parece ter esse tipo de preocupação quando me insulta.

— Com você é diferente.

— Foi o que imaginei. — Fez uma pausa, como se esperando uma resposta, mas, como Lorena ficou em silêncio, continuou: — É pena que você se sinta assim.

— Ah, é? Isso estraga sua lista de conquistas?

— Acha que só vejo as mulheres como itens de uma lista?

— E não é verdade? Elas não são simples números de telefone no seu caderninho?

Em vez de parecer irritado, Ramón fez um ar de riso.

— Talvez isso tenha acontecido quando eu tinha uns vinte anos, mas atualmente tenho idéias bem diferentes. Procuro muito mais num relacionamento do que um simples prazer egoísta. Também dou muito de mim às mulheres que considero amigas.

— Que sentimentos nobres! E o que foi que deu a Isabel?

— Ela não lhe contou nada? Pensei que as moças sempre contassem seus segredos às amigas.

— Isabel não é exatamente uma grande amiga minha.

— Pode ser então que ela seja discreta, o que não é comum nas mulheres. — Ramón continuava com o mesmo ar divertido.

— Por acaso, está querendo me dizer que vocês chegaram a um tipo de compromisso? — Foi uma pergunta difícil de fazer, mas Lorena não resistiu.

— De certo modo. — Ele se espreguiçou como um grande gato sonolento e virou o rosto para os últimos raios de sol do crepúsculo.

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— Ah, entendo... — Então, Isabel tinha motivos para parecer tão convencida e satisfeita: havia capturado a presa que desejava. Lorena sentiu-se um pouco chocada.

— Tem certeza? Não sei, não.

Ele a observava atentamente, parecendo procurar por alguma reação.

— Estou surpresa — disse Lorena, com sinceridade. — Pensei que você não fosse do tipo de casar.

— Não era. Mas, quando um homem encontra seu destino, tem que aceitá-lo. — Encolheu os ombros. — Se a moça é exatamente aquilo que a gente procurou a vida toda, não se deve perder tempo. É preciso agarrá-la, antes que outro apareça.

Isso se enquadrava bem na personalidade de Ramón, pensou Lorena. Sabia muito bem o que queria... e tinha encontrado a personificação de seus desejos em Isabel.

— Acho que quem está de fora nunca pode compreender o que faz duas pessoas se aproximarem — comentou Lorena.

Ramón respondeu à pergunta que ela não teve coragem de fazer:

— Está imaginando o que vi nela?

Lorena não se admirou. Já estava acostumada com a capacidade dele de ler seus pensamentos. Ramón olhou para o horizonte por alguns instantes, com um ar l igeiramente calculista.

— Ela me transmite paz — disse, afinal. — Isabel não é uma pequena cospe-fogo como você. É calma, pacífica e está sempre disposta a agradar. Um homem gosta de entrar em casa e encontrar um pouco de paz e tranqüilidade.

— É assim que você gosta que sejam suas mulheres? Cheias de mel e açúcar? — Lorena tentou parecer brincalhona, mas, na verdade, queria explodir em lágrimas. — Não é de admirar que a gente nunca tenha se dado bem!

— Você não é uma das minhas mulheres, Lorena — Ramón lembrou, com um ênfase cruel.

— Não. — Foi só um murmúrio. Ficou imaginando por que aquelas palavras a magoaram tanto. Juntou todas as forças para perguntar: — Onde vai morar?

— Quer dizer, depois do casamento?

— Sim. Será em Buenos Aires? Sim, claro. Seus negócios estão lá, não? Será uma grande mudança para... para...

— Para minha esposa? — Ele disse a palavra que ela não conseguiu dizer. — Se ela realmente me ama, conseguirá se adaptar a um estilo de vida totalmente diferente. Você se adaptaria, não?

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— Sim, acho que sim. — Engolindo em seco, acrescentou: — Então, vai nos deixar muito breve?

— Não vai demorar muito. Imagino que ficará contente em me ver pelas costas.

— Talvez. — De repente, ela não sabia. Não sabia de mais nada. Desejara isso por semanas a fio, mas agora não tinha mais certeza.

— É melhor eu entrar para telefonar para Isabel. — Ramón levantou-se num movimento ágil. — O jantar já está pronto?

Normalmente, Lorena teria lhe dado uma resposta azeda, dizendo que jamais se esquecia de suas obrigações, mas, dessa vez, falou com tranqüilidade.

— Sim. Vou servir assim que papai chegar.

— Ótimo. Estou morto de fome. — Ele desapareceu dentro da casa, deixando a porta aberta.

Lorena sabia que tinha de se levantar dali. Precisava pôr a mesa e lavar as frutas para a sobremesa. Teve que fazer um grande esforço para se mexer. De repente, sentia-se cansada e profundamente desanimada.

Ao entrar, ouviu Ramón falando no telefone, pedindo a alguém, provavelmente uma das empregadas de Los Molinos, para chamar Isabel. Enquanto se preparava para atravessar a sala, um pouco relutante em ouvir uma conversa pessoal, seu cérebro registrou o tom acariciante que surgiu na voz profunda, quando a moça veio atender o chamado. Devia ser amor, pensou. Ele nunca tinha falado com ela daquele modo especial, íntimo, como se ela fosse a única pessoa do mundo que tinha alguma importância. Isabel devia ter qualidades ocultas para inspirar tanta devoção.

— Sim, sim, soube da sua visita. Foi pena eu não estar aqui. — Os olhos escuros pousaram em Lorena, como pressentindo sua presença, e ela cruzou rapidamente a sala, em direção à cozinha. Antes de fechar a porta, ainda ouviu dizer: — Não, Isabel, hoje não. Amanhã irei a Los Molinos.

Com gestos mecânicos, Lorena começou a pôr a mesa, colocando a louça e talheres com uma precisão incomum, como se sua vida dependesse de cada coisa estar perfeitamente alinhada. Não se incomodava, disse a si mesma. Ele que falasse com Isabel como se adorasse o chão em que ela pisava. Que diferença fazia para ela? Ramón não significava nada. Odiava aquele homem; detestava-o desde o primeiro encontro.

Mas sabia que isso não era verdade. Tinha que ser honesta, mesmo que não demonstrasse seus sentimentos às outras pessoas. Estava morrendo de inveja de Isabel. Invejava cada momento que ela passava ao lado de Ramón Vance, e as coisas boas e más que teriam juntos, depois de casados.

Lágrimas amargas começaram a correr por seu rosto. Teve que aceitar a triste verdade, da qual há tanto tempo tentava fugir: estava perdidamente apaixonada e o homem que amava não sentia nada por ela.

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CAPÍTULO VIIICAPÍTULO VIII

Lorena não quis jantar. Tinha certeza de que ia se engasgar com a comida. Deixou a salada na geladeira e um bilhete em cima da mesa, explicando que estava se sentindo mal e tinha ido para a cama. Era a pura verdade, apesar de seus males terem origem numa fonte completamente diferente da dor de cabeça que pretextava.

Chorou muito, com a cabeça enfiada no travesseiro para abafar os soluços. Depois, exausta, ficou deitada de costas, tensa demais para conseguir descansar. Bem mais tarde, ouviu uma batidinha na porta e a voz do pai.

— Lorena, querida. Está se sentindo bem?

Ela era muito saudável e dificilmente ficava de cama, o que explicava a apreensão do pai. Porém, não podia contar a ele o que estava acontecendo. A mágoa era recente demais. Mais tarde, talvez, quando a dor passasse... Se um dia passasse. Lorena não respondeu. Provavelmente imaginando que a fi lha dormia, Mark se afastou.

Quantas mulheres no passado de Ramón Vance teriam sofrido esse tipo de tormento pelo qual estava passando agora? Pelo menos, não lhe dera a satisfação de demonstrar o que sentia por ele. Sempre o havia tratado com ressentimento e pura raiva, nunca mostrando uma faceta mais suave, mais carinhosa.

Só quando ele a beijava. Nessas ocasiões, não conseguia esconder sua reação. Lorena corou dolorosamente ao se lembrar de seu comportamento desavergonhado. Ramón devia ter a pior das impressões dela. Vivia dizendo que o desprezava e, ainda assim, sempre se derretia em seus braços.

Como a vida era simples para os homens. Pegavam o que queriam e não perdiam tempo se debatendo com sentimentos de culpa. Mas, para uma mulher, era tudo muito diferente. Quando se amava alguém, queria-se mais do que um simples encontro físico. Começava-se a pensar em compromisso, casamento, um lar e fi lhos, criando todo um estilo de vida baseado num simples beijo.

Pensou nos fi lhos de Ramón. Seriam fortes e decididos como o pai, com rostos morenos e solenes que poderiam se desmanchar em sorrisos charmosos quando quisessem. Também seriam inteligentes, mas sem a arrogância do pai, sem aquela consciência de sua superioridade.

Deu um longo suspiro. Se ia ficar pensando em Ramón como pai, não podia fugir da idéia de ver Isabel como a mãe. Era inútil querer se imaginar no lugar dela, vendo um menino e uma menina com traços de Ramón e cabelos castanho-avermelhados como os seus. Além disso, era até possível que ele não quisesse fi lhos, sendo o tipo de homem que gostaria de ter a mulher só para si; sempre pronta a acompanhá-lo em sua vida social, sendo

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a anfitriã dos seus jantares, impecavelmente vestida e penteada. Alguém que pudesse ajudá-lo a progredir na carreira, sem ter que sé preocupar com choros e dores de barriga.

Imaginou se ele e Isabel já teriam discutido isso. Talvez ainda não estivessem se preocupando com os detalhes práticos, pensando unicamente no romance que os envolvia. Ramón tinha sido bastante frio ao falar de suas intenções, mas ela ouvira o tom íntimo da sua voz ao telefone. Isabel devia estar feliz demais para se preocupar com assuntos materiais. Afinal, Ramón era bonito, bem-sucedido, com dinheiro suficiente para mantê-la no seu padrão de vida.

— Você e mamãe pensavam em dinheiro quando casaram? — perguntou ao pai na manhã seguinte. Ele estava mostrando um interesse exagerado por sua indisposição da véspera e, num esforço para fazê-lo mudar de assunto, tocou na dúvida que martelava sua cabeça.

— Acho que não pensávamos em qualquer outra coisa. — Mark riu. — Havia ocasiões em que nem sabíamos de onde viria nossa próxima refeição. Não tínhamos família para nos ajudar naqueles primeiros tempos difíceis. Meus pais já estavam mortos e os poucos parentes de sua mãe tinham voltado para a Inglaterra.

— Mas vocês eram felizes, não? O dinheiro não era tudo.

— Talvez. — Balançou a cabeça, pensativo. — O dinheiro não compra saúde, mas há muito pouco que não pode comprar.

Ramón uma vez tinha dito algo parecido, lembrou-se Lorena. Falara que poderia comprar uma esposa adequada quando quisesse. Sim, o dinheiro proporcionava muitas vantagens. Ele gostava das coisas boas da vida, e Isabel com seu dote, e sendo uma futura herdeira, o ajudaria a ter muito mais. Um arranjo muito conveniente, claro!

— É, acho que é assim mesmo. — Suspirou.

— O que está havendo, querida? Por que essa conversa de dinheiro e casamento? Por acaso está pensando em se casar com algum pobretão? Pobre de mim... — Mark fez uma careta brincalhona e acrescentou: — E eu que contava com minha fi lha para recuperar a fortuna da família! Apesar de tal fortuna nunca ter existido, é claro!

Já havia percebido que Lorena estava deprimida e, mesmo não sabendo a causa de todo aquele desânimo, procurava fazer o melhor para alegrá-la.

— Não sou eu que estou pensando em casamento — disse ela, tentando parecer mais animada para agradá-lo. — É Ramón.

— Ramón? Que conversa é essa?

— Ele ainda não lhe contou as novidades?

— Não estou sabendo de nada. Quer dizer que ele vai casar? É verdade, Vance?

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Lorena estremeceu. Virou-se rapidamente e viu a figura alta parada na porta. Há quanto tempo estaria ali? Teria ouvido todas as suas perguntas ao pai? Ficou muito aborrecida. Não queria que pensasse que estava dando tanta atenção ao assunto, a ponto de ficar comentando sobre ele. Sua capacidade de ler pensamentos poderia levá-lo a tirar outras conclusões.

Ramón entrou na sala e sentou-se à mesa ao lado deles.

— E como vai nossa inválida esta manhã? — perguntou, ignorando a pergunta de Mark.

— Muito bem, obrigada — Lorena falou rapidamente, num esforço para parecer convincente.

— A dor de cabeça deve ter aparecido de repente. Você parecia muito bem-disposta, quando conversamos antes do jantar. — Os olhos castanhos demoraram-se um pouquinho mais do que o necessário nas pálpebras avermelhadas e nas olheiras que denunciavam uma noite maldormida.

— É, foi estranho. Deve ter sido por causa do sol ou outra coisa qualquer — respondeu Lorena, mentindo descaradamente.

— Ou outra coisa qualquer — repetiu Ramón, e ela pensou ter percebido uma leve zombaria em sua voz. — Estou contente em ver que já ficou boa.

Como seria bom que fosse só uma dor de cabeça! Lorena suspeitava de que o mal do qual sofria ia demorar muito para passar.

— Vamos, Vance, não pense que escapa tão fácil da minha pergunta. Então, está mesmo pensando em casamento? — Mark sorriu. Parecia de muito bom humor naquela manhã. — Já podemos começar os cumprimentos?

— É melhor esperar um pouco. Minha candidata ainda não disse "sim".

— Não me diga que está tendo trabalho para convencê-la, seja lá quem for. Não posso acreditar. — Mark deu uma risada, mas parecia realmente surpreso.

Lorena também não entendia, mas ficou em silêncio. O que estava havendo com Isabel? Na certa, depois de todo aquele assédio descarado, bancava a difícil para se valorizar um pouco. Era mesmo uma boba. Um homem como Ramón podia cansar de esperar por uma resposta e procurar coisa melhor em outro lugar.

Para sua surpresa, ele deu uma gargalhada. Se seu ego masculino havia sido atingido por uma recusa, não estava demonstrando qualquer aborrecimento.

— As mulheres são assim mesmo. Levam a vida toda para escolher um vestido para usar numa festa. Escolher um marido talvez exija um pouco mais de tempo.

— Sim, essa é uma das prerrogativas das mulheres. Gostam de fazer os homens esperarem. — Mark concordou, com um sorriso. — Só Deus sabe quanto tempo levei para convencer a mãe de Lorena. Mas valeu a pena —

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acrescentou, com um olhar carinhoso para a fi lha. — Se sua futura esposa o fizer tão feliz como Ann me fez, você será um homem realizado.

— É o que pretendo ser.

— A felicidade não vem por encomenda. É preciso se esforçar para consegui-la.

Quando Lorena viu a sobrancelha de Ramón levantar-se, num ar inquiridor para ela, arrependeu-se de ter dito aquelas palavras. Quantas vezes ele havia dito que ela era ingênua e sem experiência? E acabava de agir de um modo infantil, querendo ensinar-lhe alguma coisa.

— Talvez — disse ele. — Algumas vezes, é simplesmente uma dádiva de Deus. O importante é não deixar que ela escape pelos nossos dedos.

— Espero que isso não aconteça com você.

— Nunca deixo escapar minhas oportunidades, Lorena. — Seus olhos estudaram o rosto dela, demorando-se um pouco mais sobre os lábios cheios, como se quisesse fazê-la se recordar das outras vezes em que havia dito a mesma coisa.

Se fazia isso para silenciá-la, conseguiu seu objetivo. Lorena calou-se e desviou o olhar. Que adiantava provocar batalhas verbais?

Mark Will iams não pareceu notar qualquer desconforto entre eles e continuou a conversa:

— Bem, então você está intimado a nos avisar, assim que chegar a hora de lhe darmos os parabéns. Temos que comemorar.

— É muita gentileza sua, Will iams, mas acho que antes disso teremos uma outra coisa para celebrar.

— Ah, sim: o aniversário de Lorena. Contei a Ramón, minha fi lha. Imagine, dezenove anos na semana que vem. E parece que foi ontem que eu estava voltando do hospital com ela e a mãe. Era tão bonitinha, corada...

— Papai! — protestou, embaraçada. — Não aborreça Ramón com essas histórias. Ele pode não estar interessado.

Mark deu uma risada.

— Sim, você tem razão, é claro, meu bem. Ser pai faz um homem ficar assim. Você vai ver, quando tiver fi lhos, Vance.

Ramón sorriu e virou-se para Lorena.

— Dezenove anos, hein? Está ficando velhinha.

Caçoava dela novamente, e Lorena olhou-o com ressentimento. Não tinha culpa de ser tão jovem. E, afinal, não era tão nova assim. Já tinha idade para dirigir um carro, votar e trabalhar para ganhar seu próprio sustento. Muitas moças de dezenove anos eram mães de família, pessoas adultas e maduras, respeitadas. Também era madura e adulta, e Ramón não devia tratá-la como uma colegial idiota.

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— Para falar a verdade — disse ele, no seu tom preguiçoso que tanto a irritava —, não era no aniversário dela que estava pensando, quando falei numa comemoração.

— Ah; não? — perguntou Mark, intrigado.

— Estava pensando em Vista Hermosa.

— Você... por acaso... será que está querendo dizer que tem boas notícias?

Ramón sorriu -para o velho com grande gentileza. Lorena não pôde deixar de notar como era encantador, quando não usava seu sarcasmo.

—Sim, acho que tenho muito boas notícias.

Depois que Ramón fez um resumo de seus planos para a estância, Lorena e o pai ficaram quase tontos de perplexidade. Tudo ia ser muito diferente, se Ramón conseguisse fazer as coisas a seu modo. Teria carta branca dos proprietários para organizar as operações, o que provocaria alterações drásticas.

— Mal posso acreditar — repetiu Mark, mais uma vez. — Claro, é isso que estávamos precisando há tanto tempo: uma injeção de dinheiro para podermos modernizar e melhorar nosso desempenho. Com mais pessoal e equipamento, não há como Vista Hermosa continuar a caminho da falência.

— É o que espero — disse Ramón, muito sério. — Vou lhe dar toda a ajuda que for necessária, Will iams. Mas, em última análise, a responsabilidade ficará em suas mãos. Se acha que agüenta, ótimo. Se tiver alguma dúvida... bem, para ser franco, terei que encontrar outro administrador.

— Entendo. E nem sei como agradecer sua confiança. Pode contar comigo.

— Se você tivesse procurado a companhia mais cedo, explicando claramente os problemas que estava enfrentando, tudo teria sido muito mais fácil e vocês não passariam por tantas preocupações. — Ramón lançou um olhar rápido para Lorena quando disse isso. — Bem, discutiremos os detalhes mais tarde e eu lhe falarei sobre os arranjos financeiros que foram feitos, assim que receber o aviso do banco. Por enquanto, pode considerar o assunto acertado. Mark Will iams apertou sua mão com firmeza.

— Você é um bom homem, Vance. Fico muito grato pelo que está me oferecendo. E dou-lhe minha palavra de que não o decepcionarei.

Houve um momento pesado de emoção, e depois Mark abraçou a fi lha.

— Ouviu isso, querida? Tudo vai dar certo, afinal.

Ela sorriu para ele, ainda um pouco confusa, o alívio sendo quase demais para suportar.

— Que maravilha, papai. Mas eu lhe disse que tinha certeza de que, no fim, tudo se arranjaria da melhor maneira, lembra-se?

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— Agora vai ser muito mais do que "melhor". Vejo o sucesso à nossa frente, querida. — Entusiasmado, Mark olhou para Ramón. — Posso contar para os homens? Eles também têm estado preocupados. Afinal, é o seu ganha-pão, e alguns deles estão em Vista Hermosa há mais tempo do que eu.

— Vá em frente — disse Ramón, com um sorriso. — Sei que ficarão muito contentes com a notícia; especialmente vinda de você.

— Papai, você não comeu nada! — Lorena tentou chamá-lo e deu um suspiro, quando ouviu a porta bater atrás dele.

— Ele tem coisas mais importantes em que pensar agora — disse Ramón.

— É, parece que sim. — Lançou-lhe um olhar cauteloso. — Você falou toda a verdade, não é? O emprego de papai está mesmo seguro?

— Pensei que tinha deixado isso bem claro. Não estava ouvindo?

— Sim, mas...

— Mas ainda não confia em mim, não é?

— Eu simplesmente não o entendo. Se tudo vai acontecer realmente como você disse, será maravilhoso. Mas...

— Mas?

— Tenho a sensação que há algo de estranho nisso tudo. Está sendo muito generoso e...

— Posso me dar a esse luxo. O dinheiro não é meu, pertence ao consórcio. É fácil ser generoso, quando se está distribuindo o que não nos pertence.

— Eu não estava falando do dinheiro.

— Do que, então? Lorena encolheu os ombros.

— Não imaginava que deixasse meu pai continuar no controle de tudo. Tinha certeza de que ia colocar um homem mais jovem no lugar dele. É o que a maioria de vocês, executivos, faz.

— Você é muito esperta.

— E você, muito astucioso — disse Lorena, com rispidez. — Não confio em você nem um pingo, mesmo que papai ache que é o máximo.

—Seu pai é um homem sensato, que sabe julgar as pessoas. Você tem muito que aprender com ele.

— Sigo meus instintos. Não sou do tipo Maria-vai-com-as-outras, mesmo no que se refere a meu pai.

— Não é questão de ser assim. Não se deve ser escravo dos instintos. Muitas vezes, o importante é o raciocínio.

— Não tenho muita certeza.

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— Então, é uma bobinha — disse Ramón, levantando-se.

— Por que não concordo com você?

— Porque não tem a honestidade de admitir nem para si mesma quando está errada sobre alguém ou alguma coisa. Mas isso é problema seu. — Andou em direção à porta. — Bem, é melhor eu procurar seu pai... temos muito o que falar. Ah, sim, Lorena...

— O que é?

— Sobre aquele aspecto que você achou estranho...

Então, ela estava certa, pensou.

— Sim?

— Tinha razão, quando suspeitou que eu colocaria alguém mais jovem em Vista Hermosa. É essa a minha idéia, mas será só um supervisor. Seu pai é perfeitamente capaz de administrar o lugar, mas precisa de um pouco de ajuda e conselhos de alguém mais atualizado.

Lorena sentiu um friozinho gelado na nuca. De repente, teve certeza do que ia ouvir em seguida.

— Você vai se manter em contato freqüente conosco, quando voltar a Buenos Aires? — arriscou.

— Ficarei aqui por uns tempos para supervisionar o início da operação e modernização. Depois, se tudo estiver progredindo de acordo com os planos, virei todos os fins de semana para me certif icar de que as coisas continuam nos eixos.

Seu rosto deve ter mostrado como achava a situação constrangedora.

— E o seu outro trabalho em Buenos Aires? Como vai concil iar as duas coisas?

— Deixe que eu me preocupe com isso — Ramón falou, num tom de censura. — Estou certo de que seu pai ficará feliz com a ajuda que lhe darei, mesmo que você não goste da idéia. Tente pensar nos outros, em vez de só em si mesma, para variar.

Depois dessa observação desagradável, ele saiu da sala. Também não tinha comido nada, mas Lorena não o chamou. Que morresse de fome! Serviu-se de uma xícara de café e sentou-se, olhando para o l íquido escuro com um ar distraído, enquanto tentava pôr um pouco de ordem em seus pensamentos. ..

A notícia sobre Vista Hermosa era maravilhosa. Estava muito feliz por ela e o pai não terem que deixar o único lar que conheciam. Porém, a perspectiva da presença contínua de Ramón naquele lugar era um aspecto completamente diferente. Podia suportar o fato de estar apaixonada por ele. Podia suportar o fato de que ele pretendia casar com outra mulher. Sim, isso era possível. Mais cedo ou mais tarde, se acostumaria com a idéia, e talvez até mesmo o esquecesse. Porém, como conseguiria esquecer, se ficasse constantemente em contato com ele?

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Agora que o problema de Vista Hermosa estava resolvido, podia voltar a considerar a perspectiva de freqüentar a universidade na Inglaterra. Mas isso ainda levaria algum tempo para se concretizar. Como podia continuar vivendo ali, morrendo de amor por um homem que não sentia nada por ela, cheia de inveja da moça que ele escolhera para esposa? Lorena sentiu-se mal só em pensar nisso.

Pelo menos, ele não sabia de seu segredo. Era um consolo. Ninguém sabia, nem mesmo seu pai, de quem nunca havia escondido um fato importante de sua vida. O problema era dela, e só a ela cabia resolvê-lo.

Mais tarde, quando Mark Will iams começou a comentar seus planos, cheio de entusiasmo, procurou fingir que compartilhava da sua alegria. Ouviu pacientemente, enquanto ele contava em detalhes cada modificação que pretendia fazer, cada nova peça de equipamento que compraria assim que o banco liberasse o dinheiro.

— No início, vamos contratar mais dez homens. Veremos se serão suficientes. Talvez arranjemos alguns outros numa base temporária para as épocas de pico de serviço. — Lorena notou que o pai já falava como se ele e Ramón formassem um time. Não mostrava qualquer ressentimento em relação a ele. Ao contrário, parecia até feliz por dividir a administração de Vista Hermosa com o rapaz.

— Vá com calma, papai. Cuidado para não exagerar no trabalho.

— Sinto-me um novo homem. Encontrei um novo sentido em minha vida. É uma sensação maravilhosa!

— Sim, claro. — Há muito tempo não o via tão feliz. Sabia que devia isso a Ramón e resolveu agradecer-lhe por tudo, mesmo que ter que falar com ele sozinha lhe custasse um grande esforço.

Já estava escurecendo. Encostado no balaústre da varanda, Ramón olhava para os últimos raios do sol que iluminavam o horizonte. Lorena imaginou se estaria esperando Isabel para levá-lo a Los Molinos. Ouvira-o combinando alguma coisa com ela ao telefone. Não teve intenção de ser indiscreta, mas passava pelo corredor quando ouviu parte da conversa. Porém, ao se aproximar, viu que ainda estava em roupas de trabalho. Não, era pouco provável que fosse sair com Isabel. Sempre usava seus melhores trajes para essas ocasiões importantes.

Ele virou-se ao ouvir seus passos e um ar de impaciência passou pelo rosto moreno.

— Seu pai quer falar comigo? — perguntou, fazendo menção de se dirigir para a porta.

— Não. — Lorena não podia culpá-lo por achar que o estava procurando só por ser obrigada a lhe dar um recado. Fazia vários dias que o evitava. — Quero falar com você.

— Vá em frente. — Ramón apoiou-se no balaústre e pôs o pé no braço de uma das cadeiras. — Qual é o problema?

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Lorena ficou em silêncio por um longo momento, pensando em como começar. Não via qualquer sinal de encorajamento no rosto dele, mas sabia que merecia essa atitude.

— Queria agradecer — disse, afinal, um pouco sem jeito.

— Porquê?

— Por ajudar papai, por lhe dar uma oportunidade. Não sei se compreende o quanto Vista Hermosa significa para ele. Não posso imaginar o que faria, se tivesse que sair daqui. Desde que recebeu a notícia, encontrou um novo ânimo de viver. Está até remoçado. Você disse que sou egoísta e não ligo para ninguém. Mas a verdade é que ligo muito, muito mesmo, para ele. Só queria que você soubesse disso.

Depois de dizer o que queria, Lorena começou a se afastar, mas Ramón a impediu, segurando-a pelo braço. O toque daqueles dedos provocou um leve estremecimento em seu corpo, e ela se esforçou para manter a calma.

"Ele não está interessado em você", pensou consigo mesma. "Esqueça".

— Fico contente em saber que você acha que sou capaz de fazer alguma coisa direito — disse Ramón. — É bom, para variar.

— Isso não significa que mudei de opinião no geral.

— Ah, claro que nunca esperaria uma coisa dessas. Diga-me, Lorena, por quanto tempo ainda vai se prender à fantasia de que sou um monstro insensível, esperando a menor oportunidade para devorá-la?

— Pelo tempo que eu achar que é verdade.

— E não há nada que eu possa fazer para convencê-la de que minhas intenções são perfeitamente honradas?

Agora, ele acariciava seu braço com um toque doce e embriagador, deliberadamente tentando obter uma reação.

— Guarde suas palavras bonitas para Isabel. — Lorena tentou manter a voz tranqüila. — Pode ser que ela goste. Eu, não.

— A maioria das mulheres gosta de palavras bonitas. Você é uma exceção. Prefere ações, em lugar de palavras, não é?

Ela devia ter tentado escapar, mas uma força estranha a fez ficar imóvel. Começou a respirar mais rápido, quando Ramón pegou sua mão e levou-a aos lábios, mordiscando a palma.

— Você gosta disso, não?

— Não. — Foi uma mentira, claro.

— Então, diga-me para parar.

Lorena não queria que ele parasse. Seus lábios se moveram para protestar, mas sem nenhum som. Ramón puxou-a para junto dele, acariciando-a, despertando arrepios de prazer.

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— Olhe para mim, Lorena.

Quando ela tentou virar a cabeça, com medo de que ele lesse a verdade estampada em seu rosto, Ramón segurou seu queixo, forçando-a a obedecer. Agora, com certeza, veria o quanto ela o amava. Devia estar clara em sua expressão aquela mistura de amor e desejo, combinada com unia relutância de admitir o quanto precisava dele.

Pareceu ficar satisfeito com o que viu. Antes de seus lábios tomarem os dela, Lorena surpreendeu uma centelha de emoção em suas feições geralmente impassíveis. Algumas vezes, ele parecia fazer o possível para esconder seus sentimentos quando os dois não estavam brigando. Mas, naquele instante, Ramón abaixou a guarda e ela pôde ver o desejo incendiando seus olhos escuros. Ele também a queria, e muito.

O beijo excitou-a até a febre, despertando-a para um mundo de sensações novas. Ramón conseguia fazê-la sentir-se toda mulher, ardente e cheia de emoções turbulentas. O mundo deixou de existir. Lorena vivia só para sentir seu corpo pressionado contra o dela, os dois corações batendo acelerados e em uníssono.

Dessa vez, não pensou em parar. Quem tomou a iniciativa foi ele, afastando-a com um gesto firme e decidido.

— Não! — protestou Lorena, e tentou voltar para seus braços, procurando o calor e a paixão que tinham compartilhado.

— Não. — Ele disse a mesma palavra, mas o sentido era totalmente diferente. Ramón a estava rejeitando.

A consciência desse fato a atingiu como um jato de água fria. Atordoada, ouviu-o resmungar um palavrão, enquanto se afastava. Sentiu-se uma mulher barata e usada.

— Certo — disse, com um enorme esforço. — Parece que, como sempre, você conseguiu provar o que queria.

Notou que ele respirava muito mais rápido do que o normal. Talvez não estivesse sendo tão bem-sucedido no controle de suas emoções como imaginava. Parou e disse:

— Eu não estava tentando provar nada, Lorena, acredite.

Ela deu uma risada que foi quase um soluço.

— Que motivos tenho para acreditar em você?

— Você consegue deixar um homem louco. Não pude evitar.

O que significavam essas palavras? Uma desculpa? Estaria arrependido de beijá-la? Não sabia. De repente, sentiu-se muito cansada de lutar com aquele homem, cansada de ficar imaginando o que se passava dentro dele.

— Lamento — disse, sem nem mesmo saber por quê. Podia ser uma súplica por compreensão, um pesar por nada ter saído direito entre eles, por não conseguirem ser amigos.

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— Não se lamente — falou Ramón. — Tudo vai dar certo, no fim.

Lorena correu para dentro da casa. Finais felizes existiam só em contos de fada. Atordoada, triste, confusa, começou a preparar o jantar. A visão de Isabel não saía de frente dos seus olhos e, como num sonho, ouvia-a dizendo:

— Esse homem é meu. Procure outro para você.

Apesar de ser só uma ilusão, um produto dos seus sentidos descontrolados, Lorena teve uma imensa sensação de perda.

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CAPÍTULO IXCAPÍTULO IX

Lorena acordou muito cedo no dia de seu aniversário. Era um hábito que vinha desde a infância, quando a primeira luz da manhã sempre revelava uma pilha de pacotes ao lado de sua cama.

Aqueles tempos já iam muito longe e também já não havia mais gritinhos de felicidade ao encontrar exatamente os presentes que pedira. Desde a morte da mãe, não comemoravam grande parte das datas compartilhadas pela família, como natais, aniversários, etc.

O pai tentava o máximo, é claro, mas não era mais a mesma coisa. E, esse ano, Lorena estava mais consciente de que não ia ganhar o presente que tanto desejava, o único que podia trazer de volta sua felicidade. Ninguém, nem mesmo seu pai, com todo o sacrifício e dedicação, poderia lhe dar o amor de Ramón Vance, amarrado com uma fita cor-de-rosa, acompanhado de um cartão onde estava escrito: "Para Lorena, eternamente".

Deu um suspiro dolorido. Não ia haver nada de especial nesse dia. Ao contrário, se Ramón decidisse sair com Isabel, seria um tormento passar o tempo todo imaginando o que estariam fazendo.

Talvez fosse só um dia normal de trabalho para todos. Geralmente, o pai se esforçava para ficar o mais tempo possível com ela nessas datas, mas, com Ramón supervisando as atividades frenéticas da estância nas últimas semanas, duvidava de que o pai pudesse ter algumas horas de tranqüilidade. E claro que ele não ia fazer parar o trabalho na estância, só porque uma mocinha sem graça, de quem nem gostava muito, estava ficando um ano mais velha. Houve uma batidinha na porta.

— Lorena? Está acordada?

— Já esqueceu o meu hábito? Estou com os olhos arregalados há horas — respondeu, fingindo dignidade ofendida. — Entre, papai.

— Vim lhe trazer um pouco de mate.

Mark trazia duas cuias gaúchas com enfeites de prata, típicas dos pampas.

— Feliz aniversário, querida. — Inclinou-se sobre ela, abraçou-a e beijou-a carinhosamente. — Espero que tenha muitas e muitas ocasiões como essa, e que sejam todas felizes.

— Obrigada, papai.

— Infelizmente, não tive tempo para lhe comprar um presente — disse Mark, como pedindo desculpas. — Você sabe como tenho andado ocupado nesses últimos dias. Tantas contratações, conversas com vendedores...

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— Pare de se preocupar. Não faz mal. Esqueceu que já sou adulta? Não faço questão de presentes. — Lorena falou com sinceridade, apesar de sentir um leve desapontamento, que não conseguiu evitar.

— Você merece uma montanha de presentes, meu bem. Tem sido maravilhosa comigo, especialmente nesses últimos tempos, quando precisei tanto do seu apoio. Não sei o que teria feito sem você a meu lado É a pura verdade. Bem, escrevi tudo que sinto neste cartão, e há uma coisinha junto com ele — acrescentou, dando-lhe um envelope.

Lorena sorriu e, emocionada, leu o que o pai escrevera. Por um instante, ignorou o outro pedaço de papel que caiu sobre o lençol.

— Ei, não vá perder isso — disse Mark, e ela pegou-o rapidamente.

— Um cheque? — Viu a quantia e olhou para ele, ansiosa. — Papai, você pode mesmo gastar tudo isso?

— Que tipo de agradecimento é esse? Sim, posso gastar tudo isso, mocinha. Vance me deu um bom aumento e, agora que meu emprego está seguro, vou poder fazer algumas despesas extras e ainda guardar um pouco por mês.

— Mas não vai fazer nada disso, se continuar com extravagâncias —assim. Acaba de me dar uma pequena fortuna.

— Vai ver que não durará muito, quando você começar a fazer suas compras. Já é hora de... como é mesmo que as moças dizem? Ah, sim "tomar um banho de loja". — Mark deu uma risada. — Se sua mãe estivesse conosco, já teria pensado nisso. Não gostaria de vê-la mal vestida.

— E acha que ando mal vestida? — Lorena não podia acreditar que o pai algum dia tivesse notado o que ela usava.

— Para falar a verdade, nunca pensei muito no assunto. Foi Vance quem chamou minha atenção para isso.

Humilhada, Lorena ficou muito vermelha.

— Acho que devo parecer uma caipira perto das mulheres com quem ele está habituado a conviver. Mas não pensei que fosse assim tão mau.

Não conseguiu esconder a mágoa na voz, e Mark olhou-a preocupado.

— Ora, querida, não escolhi bem as palavras. Não foi como está pensando. Ele simplesmente me fez ver que você não é mais uma menina e que as moças gostam de se vestir com mais elegância de vez em quando.

— Não preciso de roupas elegantes. Nem tenho onde usá-las! Jeans e camisetas são tudo de que preciso para trabalhar em casa. Sou muito diferente de Isabel Delgado, que tem que participar de compromissos sociais sete dias por semana.

— Isso também vai mudar, agora que a estância voltará ao antigo esplendor. Haverá ocasiões em que precisarei receber convidados, e você terá que ser minha anfitriã. Sei que vai gostar de comprar roupas novas... todas as mulheres adoram isso. — Mark parecia um pouco decepcionado pelo

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modo como a fi lha recebera seu presente. — Pensei que ia ficar muito contente.

Que monstro egoísta ela era, pensou Lorena. Só porque o presente havia sido sugerido por Ramón, não tinha o direito de ser quase grosseira com o pai. Forçou um sorriso.

— Mas claro que estou contente, querido. Você tem razão: também adoro fazer compras! E pode estar certo de que sou tão frívola como qualquer outra mulher, quando tenho dinheiro para gastar.

— Ótimo! — Pareceu aliviado. — Pode usar o carro para ir a Córdoba hoje. Comemore seu aniversário batendo pernas na cidade.

Lorena não -estava tão animada como tentava aparentar, mas, para não ter que dar explicações ao pai, f ingiu gostar da idéia.

— Irei logo depois do café. Tem mesmo certeza de que não vai precisar do carro?

— Está se esquecendo de que compramos outra caminhonete? Só peço que tome cuidado na estrada.

— Ora papai, sabe muito bem que sempre fui cuidadosa.

Quando Mark saiu do quarto, Lorena ficou tomando seu mate sentada na cama e pensando. Tinha dito ao pai que era cuidadosa, mas, apesar de ter feito tudo para permanecer indiferente a Ramón Vance, sabendo que só poderia se magoar, ele havia destruído suas defesas uma a uma. Tinha que enfrentar a realidade. O amor ia além de qualquer cuidado. Atacava sem aviso e deixava a pessoa totalmente vulnerável.

Nem parecia seu aniversário, pensou, depois de tomar banho e vestir seu vestido cor-de-rosa. Sentia-se deprimida, desanimada. Talvez fosse mesmo bom ir a Córdoba para procurar recuperar um pouco da boa disposição. Qualquer coisa seria melhor do que ficar em casa, sentindo pena de si mesma. Olhou-se no espelho e teve que aceitar outra verdade indiscutível: Ramón tinha razão quanto às suas roupas. Ela já sabia disso, é claro, mas não pensava que fosse tão evidente. Nunca teve coragem de pedir ao pai mais do que ele lhe dava, e só esperava um dia arranjar um emprego para poder realizar seu sonho de andar na moda.

Quando entrou na cozinha para preparar o desjejum, encontrou o pai l idando com as panelas.

— Fora daqui! — ele ordenou. — Hoje sou eu quem cuido de tudo. Posso não ser um grande cozinheiro, mas você vai ficar sentadinha, esperando ser servida.

Lorena obedeceu com um sorriso. Havia um pequeno buquê de flores em frente do seu lugar à mesa, e ela se inclinou para cheirá-las.

— Seria um buquê muito maior, se estivéssemos mais perto de uma floricultura — disse Ramón.

Então era idéia dele. Não podia ser grosseira com esse gesto de delicadeza.

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— Obrigada. São muito bonitas.

Se ele notou a frieza de sua voz, não deu qualquer demonstração.

— Estou contente que tenha gostado, mas são só para enfeitar a mesa numa ocasião especial. Seu presente está aqui. — Estendeu-lhe um pequeno pacote, muito bem embrulhado. — Vamos, pegue — insistiu, quando ela hesitou.— É para você.

— Obrigada, é muita gentileza sua.

Lorena pegou o pacotinho e colocou-o a seu lado. Parecia ser uma caixa e estava ansiosa por abri-lo. Porém, um súbito desejo de mostrar era totalmente indiferente a ele e seus presentes a fez deixá-lo ali, intocado.

— Não vai olhar o que é?

— Depois do café — respondeu, calmamente.

— Como quiser. — Ramón encolheu os ombros, mas ela percebeu que ficara aborrecido com sua atitude. Estranhamente, não se sentia tão triunfante como esperava, só um pouco mesquinha e mal-educada.

Mark Will iams estava certo, quando dizia que não era bom cozinheiro.

Os bifes saíram torrados demais e o café, amargo por ter fervido mais do, que o necessário. Porém, seus fracassos culinários serviram para desanuviar a tensão e Lorena se esqueceu das mágoas, enquanto se juntava a Ramón nas brincadeiras sobre a comida.

— Você decidiu mesmo fazer desse meu aniversário uma data inesquecível, papai — falou, fazendo uma careta exagerada. — Jamais vou esquecer de quando quebrei todos os dentes com um bife tão duro!

Ramón olhou com um ar de sofredor uma torrada meio queimada.

— Espero que a empregada que contratamos saiba fazer pelo menos isso direito. Você disse que ela sabia cozinhar, não é, Will iams?

— Empregada? — perguntou Lorena, sem compreender. Ninguém lhe havia falado nada sobre isso.

— Você é novinha demais para administrar uma casa como essa — disse Ramón, no seu jeito arrogante.

— Acho que não tenho me saído assim tão mal.

— Não é uma questão de se sair bem ou não, Lorena. Sabe que esta casa é grande demais para ser administrada por uma única pessoa. Admita, vamos.

Ela quis contestar, mas não pôde. Ramón, como sempre, estava certo. Na realidade, sentia-se exausta e sobrecarregada de serviço.

— Vance só está querendo facil itar as coisas para você, querida.

— Ah, é mesmo? E eu que pensei que ele estava dizendo que não tenho competência para cuidar de uma casa! — Lorena falou com irritação. — Peço desculpas por não ter entendido direito suas palavras.

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Ramón deu um suspiro cheio de impaciência.

— Você tem mania de tirar conclusões apressadas.

— E é isso que acha que estou fazendo?

— Claro.

— Calma, meu bem! Por que todo esse nervosismo? — Mark percebeu que o ambiente estava ficando pesado. — Ninguém está pensando mal de você. É só que agora há bastante dinheiro disponível para contratarmos mais pessoal para todos os serviços da estância. Arranjei uma empregada para dormir no emprego e cozinhar, e mais duas mulheres para cuidarem da faxina, trabalhando como diaristas. Logo, nossa casa voltará a ser como no tempo em que sua mãe estava viva.

— Bem... talvez faça sentido — disse Lorena, de má vontade. — Visto sob este aspecto...

— Claro que é a única coisa certa a fazer — Ramón falou, com impaciência. — O que acha que vai acontecer, se um dia seu pai ficar sozinho, sem ter quem cuidar da casa? Ou, por acaso, tem planos de passar a vida inteira trabalhando feito uma desesperada? Você não foi feita para ser só dona-de-casa.

Havia dois modos de encarar essa última observação. Lorena tinha certeza de que ele queria dizer que ela não tinha jeito para a coisa. Não era boa no serviço de casa, como não era boa em nada que ele considerava feminino. Ramón achava que ela não sabia se vestir, que não sabia conversar com sofisticação, que não sabia agradar. Um verdadeiro fracasso como mulher!

— Não precisa se preocupar, ainda haverá muito o que fazer — disse ele, com gentileza. — Terá que controlar as empregadas, cuidar das compras, da organização do trabalho...

— E terá muito mais tempo para você mesma, meu bem. Tenho me sentido muito culpado em vê-la tão cheia de serviço. Você ainda é muito jovem, devia estar se divertindo em vez de se matando desse jeito.

Mais tempo para ficar sentada, pensando em Ramón. Mais tempo para se sentir uma errada, incapaz de fazer qualquer coisa direito. Não estava muito certa se queria isso. Mas, pelo jeito, os dois já tinham tudo acertado, e protestos seriam inúteis.

— Será bom ver esse lugar voltar ao que era — concordou, afinal, e, viu um grande sorriso aparecer no rosto do pai.

Pelo olhar de Ramón, Lorena percebeu que não estava inteiramente convencido com essa capitulação tão rápida. Ficou furiosa. Já estava farta do modo como ele ia entrando e se apossando das coisas. Seu pai podia gostar disso, mas ela, não.

Seria possível amar e odiar um homem ao mesmo tempo? Ficou pensando no assunto depois que terminaram a refeição e os homens saíram da sala. Como podia ter tanta raiva de Ramón e, ainda assim, morrer de ansiedade por um sorriso ou um sinal de ternura da parte dele? Não era

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lógico. Mas era o amor, claro. Já tinha lido muito sobre isso e agora sentia na própria carne. Era uma loucura que tornava as pessoas incapazes de racionalizarem em determinadas situações. Como gostaria de poder se l ivrar dele!

Quando empurrou o prato para o lado, viu o embrulhinho que Ramón lhe dera. Tinha esquecido do presente, tomada pela indignação com aquela conversa sobre a empregada. Pegou-o e começou a abri-lo com uma súbita ansiedade. Era uma caixinha, como pensava, e tinha a marca de uma famosa joalheria de Córdoba. Levantando a tampa, Lorena afastou um floco de algodão para revelar uma correntinha com um berloque, num lindo trabalho de ourivesaria. Era prateada, mas muito brilhante. Devia ser de ouro branco ou platina. O berloque era em forma de uma flor de cardo, as pétalas delicadas fazendo um contraste interessante com o pedúnculo áspero e cheio de espinhos. Prendeu a respiração de tanto prazer.

— Lembrei-me de você no instante em que o vi.

Estremeceu ao ouvir a voz de Ramón atrás dela. Tinha certeza de que ele já havia saído para o trabalho, e agora a apanhava de surpresa como uma adolescente apaixonada namorando o presente do amado.

— Não é à toa que o cardo é a planta símbolo dos pampas. É teimosa, cheia de espinhos, mas enfrenta com valentia todas as adversidades da terra e do clima. E, quando floresce, é l inda — continuou Ramón.

— Mas eu não sou bonita.

— Você ainda não floresceu. — Ele parecia estar se divertindo com a conversa.

Lorena virou-se para olhá-lo, segurando o berloque na mão.

— E acha que vou florescer?

— Tenho absoluta certeza disso. — Observava-a como se a avaliasse. Estaria comparando-a a Isabel, com sua beleza natural realçada pelo trato e pela sofisticação?

— E essa é uma das razões pelas quais estou sendo despachada para Córdoba, para comprar roupas novas? Pelo que meu pai disse, você acha que ando feito uma trapeira.

— Não foi isso que disse. Mas não me admiro de você ter entendido mal. É o seu hábito.

— O que foi que disse, então?

— E isso importa?

— Não muito. — Lorena tentou aparentar indiferença, apesar de estar morrendo de curiosidade.

— Eu disse que você é uma mocinha bonita, que, com um pouco de ajuda, poderá se transformar numa mulher atraente. Vai ficar ofendida com isso?

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— Como poderia? Vindo de um perito como você, tenho que entender suas palavras como um grande elogio.

— É o que faria a maioria das mulheres. Mas você tem mania de distorcer tudo que digo, para se ajustar ao seu ponto de vista.

— Isso não é justo!

— Não? Pense no assunto algum dia. Talvez descubra que estou com a razão. Isso, se você conseguir enfrentar a verdade.

— Posso enfrentar qualquer coisa! — desafiou Lorena, apesar de saber que era mentira. Não sabia como enfrentar aquele amor que sentia por ele.

— Então, que tal me agradecer pelo presente?

Ela olhou para o berloque que ainda segurava na mão como se fosse um talismã. O cardo de platina estava machucando sua palma, mas só agora tinha percebido.

— Obrigada — murmurou.

— Não pode ser melhor do que isso?

— O que mais você quer?

Olhando para cima, Lorena viu exatamente o que ele estava esperando refletido em seus olhos escuros. Não podia beijá-lo. Seria demais para ela. O contato de seus lábios atiçaria muitas lembranças, acenderia muitas brasas. Porém, Ramón esperava. Tomaria uma atitude a qualquer instante, se ela não agisse depressa. Com relutância, ficou na ponta dos e beijou-o de leve no rosto.

— Obrigada pelo presente — sussurrou, quase sem fôlego.

— Você parece uma menininha. — Não fez qualquer tentativa de tomá-la nos braços. Apesar de toda sua decisão, Lorena ficou desapontada.

— É isso que pensa de mim?

— Às vezes.

— Um dia, você vai me levar a sério.

— E quem disse que já não levo? — Os olhos castanhos ficaram muito sérios de repente.

Ela deu de ombros. Nunca sabia o que Ramón estava pensando.

— Quer que eu coloque para você? — perguntou ele, indicando a correntinha.

Lorena sabia o efeito que o toque dos dedos dele em seu pescoço teria e não pretendia se expor a esse perigo.

— Não, obrigada. Não vou usá-lo agora. — Afastou-se de Ramón e guardou a correntinha na caixa, fechando a tampa com um gesto decidido.

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— Como quiser. — Ele se virou bruscamente e se dirigiu para a porta. — Veja se volta de Córdoba a uma hora razoável. Não quero que venha dirigindo no crepúsculo. É perigoso.

Sabia que ele tinha falado pelo seu próprio bem; ainda assim, sentiu um estremecimento de raiva. Esperava que ela obedecesse, só porque havia dado uma ordem? Por que aquele homem sempre falava como um sargento? E, pior, não tinha nem mesmo esperado por uma resposta, batendo a porta atrás de si, antes que ela pudesse dizer alguma coisa.

Seu mau humor começou a desaparecer, quando entrou na alameda, em direção da estrada. O dia estava glorioso, e ninguém, por mais azedo, podia ficar com raiva do mundo. A viagem foi agradável e sem incidentes. Já era quase hora de almoço quando entrou na cidade, estacionando perto da estação rodoviária. Ramón enfrentara galhardamente o trânsito pelas ruas estreitas, mas ela não tinha essa valentia.

Trancou o carro e tomou o rumo do calçadão da avenida General Paz, onde ficavam as melhores lojas. Depois de uma primeira olhada nas vitrines, sentou-se à mesa de um café ao ar l ivre para tomar um lanche e planejar as compras, comparando sua lista com os preços que vira. Calculando o tempo, teria três horas disponíveis se, de acordo com as instruções de Ramón, quisesse estar em casa antes do crepúsculo. Ele tinha razão: essa era a hora em que ocorria a maior parte dos acidentes, a semiclaridade tornando difícil avaliar as distâncias e velocidades dos outros carros.

Divertiu-se muito. Enquanto entrava e saía das butiques, sentia seu ânimo se modificando totalmente. Não se lembrava há quanto tempo não ficava assim tão alegre e relaxada.

Era pena não estar com uma amiga para comentar suas escolhas e rir de alguns modelos exagerados. Se soubesse que viria a Córdoba com maior antecedência, teria combinado um encontro com uma delas. No entanto, isso não atrapalhou suas compras. Tinha um bom gosto natural e sabia escolher as cores que mais lhe convinham.

Revisando o resultado da sua excursão às lojas enquanto tomava um refresco, achou que havia feito maravilhas com o dinheiro que o pai lhe dera.

Comprara uma boa quantidade de blusas e camisas, três saias, dois vestidos de algodão, três pares de sapatos confortáveis e uma sandália quase frívola, de saltos bem altos. Também tinha renovado seu estoque de roupas de baixo, comprando calcinhas e sutiãs rendados, muito diferentes dos que usava até então. Escolheu algumas camisolas que em nada faziam lembrar os modelos que tinha em casa e que eram quase vitorianas, exigidas pelo colégio interno.

— Fazendo seu enxoval? O noivo vai gostar de vê-la com ela na viagem de lua-de-mel — dissera o balconista, com um sorrisinho malicioso, enquanto fazia a nota de compra da camisola e do robe transparentes.

— Não, não vou casar — respondeu Lorena, sem pensar, e depois desejou ter ficado de boca fechada, quando viu o olhar ainda mais sugestivo da vendedora. Nessa parte do mundo, moças direitas não compravam coisas tão ousadas para dormirem sozinhas.

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A última loja que visitou fora uma butique exclusiva, onde havia só dois vestidos na vitrine. Encantada com um deles, juntou coragem para entrar num lugar tão elegante e enfrentar a vendedora, uma señora tão cheia de pose que chegava a intimidar.

Lorena ficou impressionada com a transformação que o espelho revelou. A menina do internato desaparecera para sempre, deixando em seu lugar uma moça elegante e atraente. O vestido era perfeito para uma jovem mulher sofisticada usar em jantares e coquetéis. O tecido branco e sedoso realçava as curvas do corpo magro e bem-feito.

A vendedora chegou perto do provador e sacudiu a cabeça, com aprovação.

— Muito l indo, señorita.

Lorena olhou para sua imagem, com um ar de dúvida.

— Não sei... pareço diferente com ele.

— A señorita está ótima. Esse vestido não é para qualquer uma: exige alguém com sua altura, seu tipo. Uma combinação de inocência e atrevimento. Foi feito para provocar um homem especial.

Seria mesmo?, pensou Lorena, virando-se de um lado para o outro para ver o efeito do vestido sob vários ângulos. Percebeu que a mulher tinha razão. O que Ramón acharia, ao vê-la com ele? De uma coisa tinha certeza: não parecia unia menina.

— Vou levá-lo — disse, tomando uma súbita decisão.

A vendedora lhe mostrou outro vestido, mais bem comportado, um chemisier de seda no seu tom de rosa favorito, ideal para quando seu pai recebesse visitas para jantar, como era sua intenção.

Quando viu o total que teria que pagar, quase perdeu a respiração.

— Mas valeu a pena, señorita — garantiu a Vendedora. — Pode ter certeza de que ficará maravilhosa com eles, e que será admirada por seu bom gosto.

Era isso que esperava, pensou Lorena, enquanto juntava seus pacotes e se dirigia devagar para onde tinha deixado o carro estacionado. De todo o dinheiro que o pai lhe dera, não restava nem o suficiente para comprar um lenço. Surpreendentemente, não se sentia cansada, mas cheia de alegria e confiança.

Depois de colocar os pacotes e sacolas no banco de trás e sentar-se ao volante, olhou para o relógio. Estaria em casa bem antes de escurecer.

Enquanto dirigia pela estrada quase deserta, começou a cantar, convencida de que o mundo era um lugar muito bom para se viver. Sua mente já estava fantasiando a noite em que usaria o vestido branco para impressionar Ramón. Então, ele teria que vê-la como mulher; não como uma menina. Ia tratá-la como tratava suas amigas sofisticadas de Buenos Aires. Ia admirá-la. Até se esqueceria de Isabel, encantado com a nova Lorena, aquele cardo dos pampas que só agora florescia.

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Foi um devaneio muito agradável. Tão agradável que ela se esqueceu completamente das coisas práticas da vida. Pensava em encher o tanque no primeiro posto logo depois da saída de Córdoba. Por isso, quando o motor começou a falhar até parar completamente, não precisou procurar muito para descobrir o defeito. Só teve que olhar para o ponteiro que estava no zero.

Tinha parado no meio do nada, a quilômetros do posto de gasolina mais próximo. Não havia o que fazer, além de ficar sentada, esperando a passagem de outro carro para pedir uma carona.

Olhou para o relógio e gemeu. Seus planos de estar em casa antes do anoitecer tinham ido por água abaixo.

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CAPÍTULO XCAPÍTULO X

— Precisa de ajuda? Algum problema?

O Volkswagen azul parou perto do carro de Lorena e o motorista desceu para falar com ela. Os outros ocupantes do pequeno automóvel, uma mulher e duas crianças, debruçaram na janela, curiosos.

Tinha tido sorte. Muita sorte mesmo, por ficar só meia hora na estrada deserta, até alguém chegar em seu socorro.

— Por acaso o señor tem um pouco de gasolina sobrando?

Felizmente, seu salvador era um homem de família. Uma moça sozinha podia atrair a atenção de um tipo metido a conquistador, e aí seus problemas aumentariam.

— Também estou quase na reserva. Ia encher o tanque no primeiro posto. Fica a uns quatro quilômetros. Se quiser, terei prazer em lhe dar carona até lá.

— Ah, muito obrigada. Será uma grande ajuda.

Depois de trancar o carro, Lorena acomodou-se o melhor possível no banco de trás do Volkswagen, entre as crianças e uma imensa quantidade de sacolas e pacotes. Em pouco tempo, já estavam entrando no posto e ela explicou o problema ao garagista.

— Quer que a levemos de volta? — perguntou seu salvador.

— É muita gentileza, mas acho que ainda vai demorar um pouco. O homem foi procurar um galão de plástico para eu levar a gasolina até o meu carro. Depois, virei para encher o tanque aqui. É melhor o señor não esperar. Já está escurecendo, e imagino que queira continuar viagem.

O homenzinho queria ajudar, mas, sem dúvida, parecia ansioso para partir. Depois de alguns protestos e agradecimentos por parte de Lorena, deixou-se convencer e foi embora com as crianças acenando alegremente para ela.

Lorena levou mais uma hora para voltar ao carro. Como o garagista não podia deixar o posto, precisou esperar outra carona. Dessa vez, viu-se viajando ao lado de um chofer de caminhão que tinha uma cara maliciosa e deu algum trabalho com suas investidas. Ficou até tonta de alívio, quando conseguiu se l ivrar sem ser molestada. Ficou sentada no seu carro por alguns instantes, até se recuperar da experiência. Quando o caminhão já estava bem longe, pôs gasolina no tanque e foi até o posto.

Quando já estava a caminho de Vista Hermosa, Lorena franziu a testa, apreensiva. A noite já havia caído e teria que guiar cuidadosamente para evitar acidentes. O pai devia estar preocupado. E Ramón, sem dúvida,

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furioso, achando que ela tinha se atrasado de propósito, só para contestar suas ordens.

Devia ter l igado do posto para avisá-los. Mordeu o lábio, nervosa. Por que não tinha pensado nisso antes? Bem, agora era tarde demais. Teria que enfrentar a tempestade e esperar que Ramón estivesse disposto a ouvir uma explicação racional.

Quando entrou no pátio da estância, manobrando cuidadosamente na escuridão, teve uma boa indicação dos problemas que a esperavam. A porta da frente estava aberta e a luz da sala delineava a figura ameaçadora de Ramón, que se aproximava com passos rápidos,

Não pôde ver sua expressão, mas algo no modo tenso como andava lhe disse que estava furioso. Lorena estremeceu. Sentiu que ele não estaria disposto a ouvir nenhuma desculpa. Ficou sentada atrás do volante por alguns segundos, apavorada demais para se mexer. Depois, reunindo toda a coragem, resolveu enfrentá-lo. Virou-se, tirou as sacolas e embrulhos do banco de trás e desceu, decidida a dar a primeira palavra de explicação.

— Isso são horas de chegar?,Onde esteve até agora? — O tom não foi exatamente encorajador.

Lorena parou no primeiro degrau da varanda. Agora, podia ver a raiva estampada no rosto moreno.

— Estive em Córdoba. Você sabe muito bem.

— Também sei que lhe disse para voltar antes de escurecer.

— Você não me disse: ordenou!

— Certo. E por que não obedeceu?

— Não sei por que teria que obedecer — respondeu, irritada. — Você meu guardião. — Ramón estava parado à sua frente nos degraus. — Quer fazer o favor de me deixar passar? — Vendo que ele não fazia menção de se mexer, ela falou, com frieza: — Estou cansada, irritada e a última coisa que desejo no momento é começar uma discussão aqui fora. Se incomoda em me deixar entrar?

— Claro que não. — Afastou-se para um lado, com uma polidez gerada. — Entre, Lorena. Peço desculpas por deixá-la esperando.

Quando entrou no vestíbulo, Lorena ouviu a porta bater atrás dela com estrondo que sacudiu a casa. Sentiu vontade de correr para o quarto, antes que fizesse o primeiro movimento, Ramón agarrou-a pelo braço.

— Ainda não terminei, mocinha.

Enfrentou-o, levantando o queixo no gesto de desafio habitual.

— Não tenho mais nada para lhe dizer. Portanto, se me der l icença...

Havia uma linha branca em torno de sua boca, como se ele estivesse com dificuldade para conter a raiva. Era estranho vê-lo perdendo o controle.

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— Pois eu tenho muito a lhe dizer, e vai me escutar. Foi só por isso resisti ao meu primeiro impulso de torcer esse seu pescocinho mimado.

— Não tenho que aturar esse tipo de atitude de você! — gritou Lorena. E inutilmente lutou com ele, tentando soltar o braço. — Me larga!

— Não!

— Onde está o meu pai?

Sabia que o pai não devia estar em casa. Se houvesse alguém por perto, já teria vindo correndo por causa do barulho e da gritaria.

—Ele não está aqui.

— Não voltou do trabalho até agora? Onde está? — De repente, ficou muito preocupada. — Aconteceu alguma coisa? Papai está bem?

— Está ótimo. Quanta gentileza sua pensar nele — disse Ramón, cheio de sarcasmo. — Sua moleca irresponsável! Por que não ligou para cá, dizendo que ia chegar atrasada? Seu pai estava ficando ansioso e eu...

— Posso imaginá-lo chorando de tristeza pelo meu desaparecimento. Não venha com essa história de que ficou nervoso, andando de um lado para o outro, esperando a minha chegada!

— Você ficaria surpresa, se soubesse como me preocupei. — O rosto de Ramón ainda estava escuro de raiva, mas agora parecia menos inclinado a esganá-la. — Ia começar a l igar para a polícia e para os hospitais, quando ouvi o carro chegando.

Mesmo tomada pela raiva, Lorena teve que admitir que devia ter l igado do posto de gasolina. Já fazia duas horas que tinha escurecido: chegara muito mais tarde do que planejava. Percebendo seu erro, sentiu-se arrependida.

— Desculpe...

— Até que enfim. — Ramón largou seu braço e ficou parado, com as mãos na cintura.

Era chegada a hora das explicações, apesar de ela saber que ele não deixaria passar em branco, quando confessasse sua falha.

— Fiquei sem gasolina — resmungou, e olhou para ele, esperando pela explosão.

Ramón passou a mão pelos cabelos, num gesto cansado.

— É, acho que estava errado. Seu pai logo pensou nessa possibil idade, mas eu lhe disse que nem mesmo você seria capaz de uma burrice desse tamanho.

— É por isso que papai não está aqui? Saiu para me procurar no outro carro? Tenho certeza de que não cruzei com ele na estrada!

Ramón deu um suspiro e olhou para o relógio. Depois, começou a falar, num tom distante:

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— Nesse instante, seu pai está sentado no Caballo Blanco com seus convidados, esperando a aniversariante aparecer.

— No Caballo Blanco? Convidados? Do que está falando?

— Eu quis que ele lhe contasse, mas Will iams preferiu fazer uma surpresa. Devia ter insistido, tinha certeza de que você ia aprontar alguma! — A atitude de Ramón se modificara. Agora, só parecia irritado. Obviamente, acabara se convencendo de que ela não tinha demorado de propósito. — Seu pai resolveu comemorar seu aniversário com jantar especial... principalmente para fazer-lhe uma surpresa, mas também para aproveitar a oportunidade e dar as boas notícias sobre Vista Hermosa para os amigos e conhecidos. Convidou umas vinte pessoas.

— Oh! — Lorena não conseguiu dizer mais nada.

— Quando vi que já eram oito horas e você não aparecia, mandei-o ir na frente para receber os convidados e explicar que nós chegaríamos um pouco atrasados. Isso me lembra, é melhor eu ligar para lá e avisar que já estamos a caminho. O restaurante não é muito longe. Se nos apressarmos, estaremos lá às nove e meia. — Ramón começou a se afastar em direção fone.

— Mas...

— Mas, o quê? — Perguntou, com impaciência. — É melhor ir trocar de roupa depressa. Ou, por acaso, pretende ir vestida desse jeito?

Lorena olhou para o vestido cor-de-rosa, amassado e sujo de poeira. Pela primeira vez, notou que Ramón estava com um impecável terno escuro e camisa de seda. Nenhum homem era tão lindo como ele, pensou. Se Isabel fosse uma das convidadas da noite, ficaria orgulhosa do futuro marido.

— Está bem, vou me aprontar. Mas... — Havia muitas perguntas que gostaria de fazer.

—Sim? — Ramón olhou para ela, o dedo pronto para discar o número.

— Oh, não faz mal — disse Lorena, balançando a cabeça.

— Bom. Então, se apresse, pelo amor de Deus.

Lorena pegou parte dos pacotes que tinha trazido e que estavam caídos no chão. Não perdeu tempo, porque sabia que Ramón não estava mais furioso, mas que não seria preciso muito para que explodisse novamente. Correu para o quarto, tomou um banho rápido, vestiu roupas de baixo limpas, calçou as meias e estendeu a mão num gesto automático para pegai seu traje de noite pendurado no armário.

Foi quando se lembrou do vestido novo. Remexeu a pilha de pacotes, procurando pela caixa certa, abriu-a e retirou-o de entre as dobras de papel de seda. Segurou-o em frente do corpo, imaginando se não cometera um erro que lhe custaria muito dinheiro. Se tivesse, agora era tarde demais. Vestiu-o rapidamente, o tecido macio caindo em pregas graciosas pelo corpo, fechou o zíper e olhou-se no espelho.

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Sim, era mesmo o que imaginara. A mágica ainda estava lá, e até a fez perder a respiração. Se Isabel estivesse no jantar, seria a primeira vez que se sentiria diminuída diante de outra moça.

Lorena passou um pouco de maquilagem e pintou os lábios com o batom ultramoderno, mas não exagerado, que tinha comprado. Seus cabelos castanho-avermelhados, brilhantes depois de várias escovadelas vigorosas, caíam em ondas macias sobre os ombros, realçados pela brancura do vestido.

Sim, agora estava pronta... e só levara quinze minutos. Nem mesmo Ramón teria motivo para reclamar. Calçou as sandálias, pegou a bolsa e deu uma última olhada no espelho para ver se estava tudo certo. Na verdade, queria saborear mais uma vez a visão da nova Lorena. Não era mais uma menina de internato, mas uma jovem mulher segura de si, e gostou muito dessa nova imagem.

Esperou que Ramón notasse a diferença, mas ele não fez qualquer comentário quando ela entrou na sala. Simplesmente, pegou-a pelo braço, levando-a para a porta.

— Afinal, vamos conseguir chegar a uma hora razoável — disse, enquanto se acomodava atrás do volante. — O jantar foi marcado para as dez; portanto, só perderemos parte dos aperitivos.

— Você ainda não me disse quem estará lá. Ou isso também faz parte da surpresa?

Ramón lhe deu uma lista de nomes. Como Lorena esperava, a maioria era de pessoas da vizinhança, mais da geração do pai, mas havia alguns rapazes e moças entre eles, e dos quais gostava bastante. Exceto Isabel, é claro. Imaginava que ela e os pais estariam entre os convidados desde o início. Teria sido muita grosseria serem ignorados numa ocasião como essa. Porém, sentiu uma pontada no coração, ao pensar em ver os noivos juntinhos e felizes, fazendo planos para o seu futuro.

— A data do casamento já está marcada? — perguntou, bruscamente, incapaz de evitar.

Ramón deu-lhe um olhar esquisito, como se estivesse a ponto de dizer que não devia se intrometer em seus assuntos particulares.

— Não está nada decidido ainda — respondeu, lacônico, e ela teve que se contentar com isso.

Lorena ficou em silêncio depois dessa breve troca de palavras. Ramón continuou dirigindo, sem nem mesmo um olhar em sua direção. E ela, que imaginava que seu novo aspecto faria um grande efeito sobre ele! Apesar da fortuna que havia gasto, sempre pareceria uma provinciana, comparada com as outras mulheres que ele conhecia.

Mas, se Ramón não ficou impressionado com ela, o efeito foi bem diferente sobre os outros. Assim que Lorena entrou no restaurante, ouviu exclamções abafadas, quando todos os olhares se voltaram para ela. Pelo menos dois homens passaram e murmuraram comentários elogiosos.

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— Finalmente, você chegou, meu bem! — Mark Will iams levantou-se e veio abraçá-la. — Cheguei a ficar um pouco preocupado, mas Vance me fez ver que não havia necessidade disso, de que estava certo de que devia haver uma explicação para o seu atraso.

E ele, que tinha vindo com aquela conversa de que estava a ponto de para os hospitais! Lorena lançou-lhe um olhar, mas Ramón não tinha ouvido o comentário. Estava ocupado, cumprimentando Isabel e os pais.

Forçou-se a não ligar.

— Tive um probleminha com o carro. Desculpe, papai, não queria deixá-lo nervoso.

— Está tudo bem agora. Espere, vou procurar um aperitivo para a minha aniversariante. — Mark afastou-se à procura de um garçom e Lorena começou a cumprimentar os convidados.

Ficou um pouco comovida ao ver que todos tinham lhe trazido presentes. Nada de extravagante, mas coisas que mostravam que haviam sido escolhidas com carinho. Esforçou-se até para mostrar alegria, ao abrir o pacote de Isabel e encontrar um estojo de manicure.

Depois dos cumprimentos e agradecimentos, olhou em volta, com curiosidade. O Caballo Blanco era um restaurante novo, que estava funcionando há poucos meses. Fazia parte de um clube de campo exclusivo, freqüentado pelos rancheiros mais ricos da região.

Com o copo na mão, foi dar uma olhada na piscina, no centro de um pátio i luminado. Devia ser um lugar muito agradável durante o dia, com suas mesas e cadeiras brancas, guarda-sóis coloridos e arbustos cheios de flores.

— É muito bonito, não? — Lorena ouviu a voz de Isabel, que vinha se aproximando. — Já estivemos aqui durante o dia, é claro, mas à noite parece mais romântico, não acha?

— Sim, é encantador, — Lorena esforçou-se para falar com gentileza. Afinal, Isabel não tinha culpa de ser o que era.

— Onde você comprou esse vestido?

Outra pessoa teria dito que estava muito bem com ele, ou a cumprimentado por seu bom gosto. Mas Isabel parecia estar imaginando! onde ela havia conseguido o dinheiro para comprá-lo.

— Na Casa Rosada, em Córdoba — respondeu, lacônica, pensando num jeito de escapar da presença da outra.

— Sim, logo pensei que era confecção deles. Eu... — Parou de falar subitamente e deu um sorriso radiante por cima do ombro de Lorena. — Ramón! Está à minha procura?

Ela fez o nome soar como uma carícia. Lorena estremeceu ao ouvir seu tom possessivo. Mas, pelo menos, era uma boa desculpa para se afastar.

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— Com licença — disse, sem olhar para ele. Ouviu os dois conversando, mas entrou rapidamente para ir falar com um jovem casal que conhecia há muito tempo.

Pouco depois, o chefe dos garçons veio avisá-los de que a mesa do jantar estava pronta. Houve muito riso e movimento, enquanto todos se acomodavam. Ela e o pai sentaram se nas duas extremidades. Lorena não pôde deixar de ver Ramón escolhendo cuidadosamente seu lugar, perto dos Delgado. O garçom desviou sua atenção, colocando o cardápio à sua frente, ela se concentrou em fazer a escolha, apesar de não sentir o menor apetite. Devia estar se divertindo muito com sua festa surpresa, disse a si mesma, mas já sabia que ia passar a noite chorando. E o causador disso continuaria indiferente a seu sofrimento.

Virou-se para Juan Nuñez, sentado a seu lado, esforçando-se ao máximo para atrair sua atenção. Já o tinha visto várias vezes em Vista Hermosa, mas não o conhecia muito bem. Era um veterinário recém-formado, que começava a carreira trabalhando para um dos rancheiros da região.

Depois de trocarem algumas palavras gentis, ele disse, com os olhos cheios de admiração:

— Você está encantadora. Mal a reconheci, quando a vi.

Lorena agradeceu o elogio. Juan era agradável e tinha uma variedade de casos interessantes para contar. Logo estavam falando como amigos íntimos e ele a convidando para acompanhá-lo em suas viagens pela região.

— Você vai gostar, Lorena, tenho certeza. Vai achar tudo muito interessante.

— Talvez. Mas, para mim, todas as vacas parecem iguais. Será que, na verdade, possuem personalidades diferentes?

— Mas claro que têm! — Juan lançou-se ao argumento com entusiasmo, e, logo depois, as pessoas sentadas junto deles entraram na conversa, com risos e muitas piadas. A alegria e animação daquela ponta da mesa ficou evidente e, numa das vezes em que encontrou o olhar do pai, viu-o rir, satisfeito em perceber que ela estava se divertindo.

Para sua surpresa, percebeu que estava mesmo. Olhando para o relógio, viu que já tinham se passado duas horas. A comida estava deliciosa e ela conseguiu comer muito mais do que imaginava a princípio. Os olhares admiradores dos homens faziam maravilhas para melhorar seu moral. Ramón Vance podia não apreciar seus encantos, mas havia quem gostasse, disse para si mesma, procurando consolo.

Virou-se para ele para ver se estava notando toda a atenção que estava conseguindo... e desejou não ter feito isso. Ele a encarava com uma expressão sombria. Afinal, o que estava acontecendo com ele? Será que não podia nem mesmo se divertir na sua festa de aniversário sem ter que ficar vendo sua cara feia?

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Decidiu que jamais conseguiria entendê-lo. Depois de olhar para ela como se tivesse vontade de matá-la, Ramón inclinou-se para Isabel, dizendo alguma coisa que fez a moça sorrir, encantada.

Juan começou a falar, mas, de repente, Lorena não quis ouvir mais nada. Por que tentar se enganar que rapazes como ele podiam ter algum significado? Seu interesse era evidente e até podia ser considerado um bom partido, mas seria imoral encorajá-lo.

Começou a ansiar por se afastar por alguns minutos. Precisava de um pouco de ar fresco e escapar da visão de Ramón e Isabel trocando sorrisos. Murmurou algumas palavras de desculpa e saiu da mesa, dando a impressão de que ia ao toalete.

O ar da noite refrescou seu rosto afogueado e ela respirou profundamente, saboreando o alívio de estar sozinha. Foi até a beira da piscina. A água batia nos azulejos com um ondular constante e o som tranqüilo começou a relaxar seus nervos tensos. Inclinou-se e molhou a mão, deliciando-se com aquele frescor. Desejou não ter que voltar à festa.

Não ouviu passos atrás dela e levou um susto, quando uma voz perguntou:

— Está planejando dar um mergulho? Não seria uma boa idéia molhar esse vestido.

Por que tinha que ser ele, de todos que estavam no salão? Lorena não respondeu. Talvez Ramón entendesse que queria ficar sozinha.

Porém, dessa vez, ele não conseguiu ler seu pensamento. Ou o ignorou.

— Quero ficar sozinha — disse, francamente.

— Está esperando o jovem Nuñez para um encontro romântico? Não há lua hoje, mas acho que isso não fará diferença. — Sua voz estava dura e crítica.

— E se estivesse?

— Seria uma tola. Ele não serve para você, apesar de toda sua determinação de flertar com o rapaz na frente de todos.

Isso significava que, ao contrário do que pensava, Ramón a estivera observando. Não soube que conclusão tirar disso. Encolheu os ombros.

— Uma moça não pode se comportar como uma freira a vida inteira.

— Você não corre esse perigo.

Lorena ficou em silêncio, sabendo que ele tinha amplas provas de que ela podia se comportar com o maior abandono em algumas ocasiões.

— Vejo que está usando o meu presente — disse Ramón.

Lorena levantou a mão rapidamente e pegou o berloque. Colocara a correntinha no pescoço antes de sair para Córdoba naquela manhã,

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escondendo-a sob a gola alta do vestido cor-de-rosa. Tinha adorado o presente, e, ainda mais, por ser de Ramón.

À noite, tomou banho e se vestiu tão depressa, que esqueceu da jóia. Quando pensou em tirá-la, já estava frente à frente com Ramón na sala da casa. Pensou que ele nem fosse notar. Estava furioso demais para reparar em detalhes.

— Esse vestido é decotado, pede por um enfeite. Eu não tinha outra jóia — Lorena falou rapidamente, mexendo no berloque com dedos nervosos, desejando que ele esquecesse o assunto.

— Não mexa nele assim, pode quebrar. — Havia irritação na voz de Ramón.

— Você me deixa nervosa — murmurou.

— É mesmo?

— Sempre.

Ramón estava bastante perto para tocá-la, mas continuou imóvel. Lorena teve vergonha da onda de emoção que a envolveu, quando sentiu o aroma conhecido de sua loção de barba.

— E qual a razão disso?

— Não sei. — Falou com uma vozinha estrangulada que nem parecia a dela. Devia estar soando incrivelmente infantil, Quis afastar-se dele, mas, ao fazer o primeiro movimento, prendeu o salto da sandália entre duas pedras que revestiam o pátio. Poderia ter caído, se ele não a amparasse.

— Oh, desculpe. — Mal conseguiu respirar, quando seus braços a envolveram. — Sou uma boba, mesmo.

— Você é impossível. — Puxou-a para ele. — O que vou fazer com você, Lorena?

Ela levantou a cabeça, num convite mudo. Não pôde evitar. Por um longo instante, os olhos escuros estudaram seu rosto; depois, ele a beijou, faminto, como se não conseguisse mais se conter.

Quando afastou a cabeça, Lorena murmurou um protesto e Ramón tomou seus lábios novamente.

— Oh, Deus, como eu te quero, Lorena — gemeu.

— Também quero você.

— E é só isso que existe entre nós? Nada mais?

Havia tudo o mais. Pelo menos, da parte dela. Ramón já tinha a satisfação de saber que ela o queria desesperadamente. Também queria ouvi-la dizer que o amava? Lorena se esqueceu de todo o orgulho, de todas as convenções. Não se importava com mais nada. Ele a queria e poderia tê-la quando desejasse. A l igação seria breve, mas cheia de puro encantamento. E aqueles momentos felizes compensariam toda a tristeza que viria depois.

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— Eu te amo.

— Lorena! — Ramón pareceu perplexo.

— Sei que é com Isabel que você quer casar. Mas também sei que me deseja. Não é verdade?

— Eu a quero desde o primeiro instante em que a vi. — A voz de Ramón saiu entrecortada. — Quanto a Isabel...

— Isso me dói muito, não vou mentir. Mas estou pronta a aceitar. Serei sua amante, até vocês se casarem. Depois... não sei, irei para algum lugar. Não vou poder suportar...

— Sua bobinha! — Ramón falou, cheio de ternura. — Lorena, minha menina, você não vai ter que suportar nada. Estarei sempre por perto para cuidar de você. Pelo menos, vou tentar. — Sorriu. —Sei que essa sua independência espinhosa vai me dar um trabalho, mas sou teimoso.

— Mas você vai casar com Isabel...

— Vou casar com você. Se me aceitar, é claro.

— Mas já faz semanas que sai com ela. E você me disse que iam casar.

— Lembro-me muito bem de que não disse o nome da pessoa com quem ia casar. Como sempre, meu amor, você tirou conclusões apressadas. E era isso que eu queria.

— Esteve brincando comigo, Ramón?

— Sim. Foi um plano para deixá-la com ciúme. Você vivia me dizendo com toda a veemência que eu não significava nada, mas correspondia com paixão todas as vezes que eu encostava um dedo em você. Eu lhe disse que não jogo limpo, Lorena. Quando quero uma coisa, não paro diante de nada.

— Mas você é tão bravo comigo, Ramón. Essa noite, quando cheguei em casa, pensei que fosse me esganar...

— Eu estava quase louco de preocupação, querida. — Ele franziu a testa, como se sofresse com a lembrança. — Quando se atrasou um pouco, disse a mim mesmo que só estava querendo me contrariar, mas, à medida que o tempo foi passando, comecei a ficar desesperado. Só pensei em desastres, coisas terríveis. Nunca senti tanto medo na vida.

— Medo? Você? — perguntou, incrédula. — Nem posso imaginar isso.

— E também não pode acreditar que eu te amo, não é? Será que a tratei assim tão mal?

— Sim — disse ela, sem rodeios. — E acho que vai levar um bom tempo para me convencer.

— Farei o melhor possível, querida. — E sua boca cobriu a dela novamente.

Alguns longos instantes depois, Lorena perguntou:

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Amor bandido – Susanna FirthBianca 175

— Isabel não vai ficar muito desapontada porque você não vai casar ela?

— É provável. Mas, como nunca a pedi em casamento, não tem do que reclamar. Isabel tinha suas esperanças, é claro, mas acabará se acostumando com a idéia.

Ouviram o barulho de palmas e vivas vindo do salão.

— O pessoal está começando os brindes — disse Ramón. — Sentiram sua falta. O jovem Nuñez se ofereceu para vir buscá-la, mas eu o fiz ficar lá.

— Com ciúme? — perguntou Lorena, com um sorriso.

— Muito. E não me diga que não devia estar. Você flertou descaradamente com ele durante todo o jantar. — Olhou para ela com intensidade. — Se entrarmos agora, daremos a eles a oportunidade de fazerem um brinde muito especial.

— Eu ainda não disse que estou disposta a casar com você. — Lorena fez uma carinha pensativa. — Já imaginou que isso vai estragar todos os meus planos de continuar estudando? Eu pretendia ir para a Inglaterra.

— Você pode fazer a universidade aqui mesmo, na Argentina. Um dia iremos à Inglaterra, prometo. Mas nem pense que vou permitir que fique quatro anos longe de mim.

— Falaremos sobre isso mais tarde. Foi tudo rápido demais. Há duas horas atrás, eu nem mesmo gostava de você.

— E agora?

Ela estudou o rosto bonito e moreno de Ramón.

— Ainda não estou muito certa.

— Você terá a vida toda para descobrir.

— Acha que será suficiente?

— É possível que já esteja domada quando for avó e estiver com um bando de netos no colo. Vou me esforçar para conseguir.

— Vamos brigar muito.

— Como cão e gato. Está com medo, Lorena?

— Não.

— Eu a farei feliz, prometo. Pode ter certeza de que não vai se arrepender.

— Você é muito convencido, sabe?

— Nesse momento, posso me dar a esse luxo, não é? — perguntou, puxando-a para ele.

— Talvez.

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Amor bandido – Susanna FirthBianca 175

Mas Lorena sabia que Ramón ia conseguir o que queria, como sempre. A idéia não a preocupou. Nesse caso, tinha um forte pressentimento de que ele estava com a razão. Sorriu para ele.

— Vamos entrar para contar a novidade.

Abraçados, entraram no salão.

FIMFIM

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