bernadette 2009

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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE BERNADETTE MATOS ALCÂNTARA QUALIDADE HIGIÊNICO-SANITÁRIA DE SUSHI E SASHIMI SERVIDOS EM RESTAURANTES DA CIDADE DE FORTALEZA: modismo alimentar e risco à saúde FORTALEZA – CEARÁ 2009

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Boas práticas de fabricação na culinária japonesa

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR UECE

    BERNADETTE MATOS ALCNTARA

    QUALIDADE HIGINICO-SANITRIA DE SUSHI E SASHIMI SERVIDOS EM RESTAURANTES DA

    CIDADE DE FORTALEZA: modismo alimentar e risco sade

    FORTALEZA CEAR 2009

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    BERNADETTE MATOS ALCNTARA

    QUALIDADE HIGINICO-SANITRIA DE SUSHI E SASHIMI SERVIDOS EM RESTAURANTES DA

    CIDADE DE FORTALEZA: modismo alimentar e risco sade

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado Acadmico em Sade Pblica do Centro de Cincias da Sade da Universidade Estadual do Cear, como requisito parcial para a obteno do ttulo de mestre em Sade Pblica.

    rea de concentrao: Situao de sade da populao.

    Orientadora: Prof. Dr. Helena Alves de Carvalho Sampaio.

    Fortaleza Cear 2009

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    Universidade Estadual do Cear

    Curso de Mestrado Acadmico em Sade Pblica

    Ttulo do trabalho: QUALIDADE HIGINICO-SANITRIA DE SUSHI E SASHIMI SERVIDOS EM RESTAURANTES DA CIDADE DE FORTALEZA: modismo alimentar e risco sade

    Autor: Bernadette Matos Alcntara

    Defesa em: ____/____/____ Conceito obtido: ___________

    Banca Examinadora

    _________________________________________

    Profa. Dr. Helena Alves de Carvalho Sampaio Orientadora

    _________________________________________

    Profa. Dr. Maria Salete Bessa Jorge 10. Membro

    _________________________________________

    Prof. Dr. Francisco Jos Maia Pinto 20. Membro

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    FICHA CATALOGRFICA

    A347f Alcntara, Bernadette Matos Qualidade higinico-sanitria de sushi e sashimi servidos em

    restaurantes da cidade de Fortaleza: modismo alimentar e risco sade / Bernadette Matos Alcntara . Fortaleza, 2009.

    81 f. ; 30 cm.

    Orientadora: Prof. Dr. Helena Alves de Carvalho Sampaio. Dissertao (Mestrado Acadmico em Sade Pblica)

    Centro de Cincias da Sade. Universidade Estadual do Cear. rea de Concentrao:

    1. Sade pblica. 2. Vigilncia sanitria. 3. Consumo de alimentos. I. Universidade Estadual do Cear, Centro de Cincias da Sade.

    CDD: 616.16

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    AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS A Deus em primeiro lugar por me conceder conscincia e discernimento para trabalhar com alimentos, em prol de um consumo mais saudvel.

    A meus pais Diogo (in memria) e Urcesina por me dedicarem, tamanho investimento de suas vidas, de forma determinante para minha formao humana, espiritual e moral.

    Aos meus irmos e irms que sempre foram presente na minha formao

    minha querida e super amada filha, Tayane pelas horas ausente em sua vida e por tolerar mesmo sem compreender em sua tenra idade, meus estresses em determinados momentos desta pesquisa. Meu agradecimento com imenso carinho.

    Aos amigos companheiros de jornada deste curso, especialmente a Osmar Melo e Ivani Andrade, pelo apoio mtuo durante toda esta caminhada.

    As minhas sobrinhas, Germana, Diane e Vnia pela contribuio nas tarefas de digitao.

    Aos fiscais, tcnicos e chefias das equipes de vigilncia sanitria das Secretarias Executivas Regionais do municpio de Fortaleza, especialmente a gerente da Clula de Vigilncia Sanitria e Ambiental, pelo material cedido e pela gentileza no atendimento das informaes solicitadas.

    Professora Dra. Salete, coordenadora do mestrado em sade pblica da Universidade Estadual do Cear, por todo seu esforo na concretizao do curso e apoio a todos os mestrandos.

    Ao Professor Maia, meu agradecimento pela contribuio cientfica e compromisso com a sade coletiva.

    Meu agradecimento mais carinhoso a Professora Dra. Helena Alves de Carvalho Sampaio, orientadora deste trabalho que em todos os momentos incentivou-me na superao dos desafios inerentes a essa tarefa. Por acreditar e confiar na minha capacidade para realizar esta caminhada, pela disponibilidade em orientar-me e mais ainda por ter-me permitido compartilhar do seu saber e experincia. Sua presena e competncia, sempre contriburam para o meu crescimento profissional e pessoal.

    Dr Fatima de Jesus Esteves Dias pela contribuio e gentileza do material cientfico enviado. Meus sinceros agradecimentos.

    Aos meus amigos de trabalho da Vigilncia Sanitria da Secretaria Executiva da Regional VI, Fiscais de Servios de alimentos: Elmo, Milton, Nilson e Joaquim Pinto pelo companheirismo e apoio nos momentos difceis da execuo de nossas atividades.

    A todos que de certa forma contriburam para o desenvolvimento e realizao deste trabalho. Muito obrigado!

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    Dedico este estudo minha filha Tayane Matos Alcntara Evangelista.

    TRIBUTO TAYANE A Tayane era uma idia Que existia em minha mente Hoje uma realidade que Faz-me viver contente Papai do cu ordenou Papai Abrho realizou Hoje a Tayane existe Ela o meu amor.

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    Se algum dia vocs forem surpreendidos pela injustia ou pela ingratido, no deixem de crer na vida, de engrandec-la pela decncia, de constru-la pelo trabalho.

    Edson Queiroz

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    RESUMO

    No Brasil o hbito de ingerir peixe cru, sob a forma de sushi e sashimi transformou-se num verdadeiro modismo alimentar nos grandes centros urbanos. Devido a esta tendncia, pesquisas comearam a ser desenvolvidas avaliando a qualidade destas iguarias. Vem sendo evidenciado que o tratamento trmico de refrigerao e congelamento utilizados nas preparaes de sushi cru e sashimi no so capazes de torn-los incuos, apenas retardando o crescimento microbiano. No caso do sushi hot (frito), alm destes mtodos, utiliza-se uma leve coco, cuja eficcia necessita ser avaliada quanto ao risco sanitrio. Considerando a importncia do controle das doenas transmitidas por alimentos para a segurana alimentar da populao, foi objetivo do presente estudo avaliar o risco potencial sade representado pelo consumo de sushi e sashimi no que tange qualidade microbiolgica destas preparaes servidas em restaurantes de auto-servio por peso ou rodzio na cidade de Fortaleza. Foram avaliados trs instrumentos disponibilizados como resultado de um trabalho de monitorizao em 33 estabelecimentos que comercializam sushi e sashimi, realizado pela Clula de Vigilncia Sanitria e Ambiental (CEVISA), sendo 15 especializados (E) em culinria nipnica e 18 no especializados (NE). Foram avaliados: alguns itens associados aos manipuladores (uniforme, cuidado com as mos, com as unhas e com a preveno de contaminao cruzada); o registro das temperaturas de preparo (sushi hot) e conservao das preparaes e os laudos emitidos quanto qualidade microbiolgica das mesmas. Os achados foram confrontados com os parmetros preconizados pela RDC 12/01e216/2004 da ANVISA. No houve diferena considerando estabelecimento E ou NE para todos os tpicos avaliados. Entre os manipuladores, destacou-se a inadequada higienizao das mos (100%) e o risco de contaminao cruzada (100%). A temperatura mostrou-se inadequada para 100% das amostras de sushi cru, 90,9% de sashimi e 51,5% de sushi hot; mostrou-se inadequada a temperatura final de coco em 45,5% das amostras de sushi hot. No houve crescimento de Salmonella spp, Bacillus cereus, Staphylococcus spp e Vibrio spp. Para Escherichia coli as amostras foram consideradas insatisfatrias para 24,2% do sushi cru, 12,1% sushi hot e 15,2% sashimi. Foi avaliada a presena de Enterobacter spp e Klebsiella spp, mesmo no sendo alvo especifico de fiscalizao. A prevalncia de Klebsiella spp nas amostras atingiu 24,2% das amostras de sushi cru e hot e 30,3% do sashimi. Enterobacter spp foi detectada em 42,4% das amostras de sushi cru e sashimi e 30,3% de sushi hot. Conclui-se que as preparaes de sushi e sashimi avaliadas representam risco a sade do consumidor, comprometendo sua segurana alimentar e nutricional, considerando a associao de parmetros higinico-sanitarios insatisfatrios de manipuladores, temperatura de preparo e exposio inadequadas e qualidade insatisfatria de algumas amostras quanto a presena de Escherichia coli. Urge que rgos que atuam no setor priorizem, em curto prazo, a definio de normas especficas para estabelecimentos que preparam e comercializam sushi e sashimi, inclusive determinando normas diferenciadas para o manipulador destas iguarias e avaliando a necessidade de se incluir limites tambm para outras coliformes termotolerantes na avaliao da qualidade microbiolgica destas preparaes.

    Palavras-chave: Sade pblica, vigilncia sanitria, consumo de alimentos.

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    ABSTRACT

    In Brazil the habit of eat raw fish, under the form of sushi and sashimi became a real feed trend in great urban centers. Due this tendency, researches started to be developed evaluating the quality of these meals. It is highlighted that the termic treatment of freezing and frosting used in the preparation of sushi and sashimi are able to be in vain , just postponing the microbian growing.; In sushis case hot, besides these methods, it use a slight coco which efficacy needs to be evaluated regarding the sanitary risk. Deeming the importance of controlo f diseases transmitted by food to feeding security of population, was the objective of this study to evaluate the potential risk to health presented by ingestion of sushi and sashimi regartding the microbiologic quality of these meals served in restaurants of self-service by weight or la carte in city of Fortaleza. It was evaluated three instruments available as resulto f work of monitoring in 33 restauarants that deal sushi and sashimi, done by Department of Sanitary and Environment Survaillance, being 15 expertises in japanese cuisine(E) and 18 non-expertise(NE). It was evaluated: some itens associated to manipulalators (uniform, care with hands, with nails and with prevention of crossed contaminatiion); the recordo f temperature of prepare(sushi hot) and conservatuion of meals and papers done relating the microbiologic quality of them. The findings were confronted with the parameters ruled by RDC12/01 and 216/204 of ANVISA. There wasnt difference deeming restaurant E and NE to all the topics evaluated. Between the manipulators, highlighted the inadequate higienization of hands(100%) and the risk of crossed contamination(100%). The temperature showed inadequate to 100% to samples of raw sushi, 90,9% of sashimi and 51,5% of sushi hot, it showed inadequate the final temperature of coco in 45,5% of samples of sushi hot. There wasnt growing of Salmonella spp, Bacillus cereus, Staphylococus spp and Vibrio spp. To Escherichia coli the samples were deemed insatisfactory to 24,2% of raw sushi, 12,1% sushi hot and 15,2% sashimi. It was evaluated the presence of Enterobacter spp and Klebsiella spp, though it wasnt specific target of fiscalization. The prevalence of Klebsiella spp in samples reached 24,2% of samples of raw sushi and sashimi and 30,3% of sushi hot. Enterobacter spp was detected in 42,4% of sampoles of sushi and sashimi raw and 30,3% of sushi hot. We concluded that preparations of sushi and sahimi evaluated represent risk to customers health, compromising his feeding and nourishing security, deeming the association of parameters higienic-sanitary insatisfactory of manipulators, temperature of prepare and exposition inadequate and quality insatisfactory of some samples regarding the presence of Escherichia coli. It is mandatory that departments that act in the sector focus, in short time, the definition of specific rules to restauratns that prepare and sell sushi and sashimi, also determining specific rules to the manipulator of these meals and evaluating the need of include limits laso to other termotolerant coliform in evaluation of microbiologic quality of these preparations.

    Key-Work: Health public, health surveillance, food consumption

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    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria CDC Center for Disease Control CEVISA Clula de Vigilncia Sanitria e Ambiental DTAs doenas transmitidas por alimentos ETEC E. coli enteroxignica LACEN Laboratrio Central de Sade Pblica CE NMP nmero mais provvel OMS Organizao Mundial da Sade SAN Segurana Alimentar e Nutricional SENAC Servio Nacional de Aprendizagem Comercial SESA-CE Secretaria de Sade do Estado do Cear SMS Secretaria de Sade do Municpio de Fortaleza SPSS Statistical Package for Social Sciences SUS Sistema nico de Sade TIAs toxinfeces alimentares VE-DTA Sistema de Vigilncia Epidemiolgica das Doenas Transmitidas por Alimentos WHO World Health Organization

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    LISTA DE QUADRO E TABELAS

    Quadro 1: Padres microbiolgicos recomendados para pratos prontos para o consumo (alimentos de cozinhas, restaurantes e similares)........

    39

    Tabela 1: Prevalncia de parmetros higinico-sanitrios inadequados* referentes aos comportamentos dos manipuladores durante o preparo, segundo tipo de estabelecimento. Fortaleza-CE, ago./set. 2007..................................................................................

    43 Tabela 2: Prevalncia de temperatura inadequada durante a exposio das

    preparaes avaliadas, segundo tipo de estabelecimento. Fortaleza-CE, ago./set. 2007...........................................................

    47 Tabela 3: Prevalncia de amostras com presena de Escherichia coli

    segundo preparaes e tipo de estabelecimento. Fortaleza-CE, ago./set. 2007..................................................................................

    50 Tabela 4: Prevalncia de amostras contaminadas por Klebsiella spp,

    segundo preparao e tipo de estabelecimentos. Fortaleza-CE, ago./set. 2007..................................................................................

    54 Tabela 5: Prevalncia de amostras contaminadas por Enterobacter spp

    segundo preparao e tipo de estabelecimento. Fortaleza-CE, ago./set. 2007..................................................................................

    54

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    SUMRIO

    RESUMO 7 ABSTRACT 8 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS 9 LISTA DE QUADRO E TABELAS 10

    1 INTRODUO................................................................................... 13

    2 REVISO DE LITERATURA.............................................................. 16 2.1 Sushi e sashimi: novos integrantes do hbito alimentar brasileiro............ 16 2.2 Doenas transmitidas por alimentos.............................................................. 18 2.2.1 Doenas transmitidas pelo consumo de pescados......................................... 24 2.2.2 Relatos de doenas transmitidas pelo consumo de sushi/sashimi................. 27 2.2.3 Doenas transmitidas pelo consumo de arroz................................................ 29 2.2.4 Doenas transmitidas pelo consumo de queijo............................................... 29 2.2.5 Participao do fator trmico nas doenas transmitidas por alimentos.......... 30 2.3 Segurana alimentar x consumo de sushi/sashimi...................................... 32

    3 OBJETIVOS....................................................................................... 35 3.1 Geral.................................................................................................................. 35 3.2 Especficos....................................................................................................... 35

    4 METODOLOGIA................................................................................. 36 4.1 Tipo de pesquisa.............................................................................................. 36 4.2 Local e perodo de estudo............................................................................... 36 4.3 Instrumentos avaliados................................................................................... 36 4.4 Universo e amostra.......................................................................................... 37 4.4.1 Seleo dos estabelecimentos de auto-servio que comercializam sushi e sashimi......................................................................................................................

    37 4.4.2 Seleo das preparaes e procedimentos de coleta..................................... 38 4.4.3 Anlises efetuadas pelo LACEN..................................................................... 38 4.5 Tcnica de coleta, tabulao e anlise dos dados........................................ 39 4.5.1 Laudos emitidos pelo LACEN.......................................................................... 40 4.5.2 Termo de coleta das amostras........................................................................ 40 4.5.3 Lista de verificao de Boas Prticas de Manipulao................................... 40 4.6 Aspectos ticos................................................................................................ 41

    5 RESULTADOS E DISCUSSO....................................................... 42 5.1 Parmetros higinico-sanitrios associados aos manipuladores durante o preparo.................................................................................................................

    42 5.2 Temperatura de preparo e conservao das preparaes.......................... 47 5.3 Prevalncia de contaminao bacteriana nas preparaes....................... 49

    6 CONCLUSES.................................................................................. 57

    REFERNCIAS..................................................................................... 59

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    APENDICES........................................................................................... 69 Apndice 1: Instrumento de Registro de Dados................................................. 70 Apndice 2: Termo de Fiel Depositrio................................................................ 75

    ANEXOS................................................................................................. 76 Anexo 1: Lista de Verificao das Boas Prticas em Servios de Alimentao... 77 Anexo 2: Parecer do Comit de tica em Pesquisa............................................. 81

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    1 INTRODUO

    A indstria gastronmica tem sua importncia na economia do pas, como geradora de renda, empregos e tributos. A gastronomia um importante elemento formador da identidade cultural de um povo e deve ser compreendida como integrando alimentos que respeitem sua diversidade e ao mesmo tempo seja social, econmica e ambientalmente sustentvel.

    No caso do Brasil, o hbito alimentar um reflexo dos padres scio-culturais introduzidos pela migrao macia de diferentes grupos tnicos, causando diferenas em reas ou regies do pas (DUTRA DE OLIVEIRA et al., 1996). No que tange a tal migrao, destaca-se a japonesa.

    Segundo Hirata (2007), aps 100 anos da chegada dos primeiros imigrantes japoneses, percebe-se um enraizamento muito grande de seus costumes alimentares no cotidiano brasileiro, tanto considerando a proliferao de restaurantes especializados na culinria japonesa, como detectando-se a presena de alguns pratos tpicos servidos em restaurantes no especializados. Nessa culinria, destaca-se o sushi (preparao que mistura alga marinha, peixe cru ou no e recheios adicionais variados) e o sashimi (peixe cru), que atualmente so vistos em restaurantes, lado a lado do churrasco ou da feijoada, incluindo-se at a modalidade de rodzio de sushi e sashimi.

    O hbito de ingerir peixes, em especial crus, de introduo recente no cardpio dos estabelecimentos de alimentos, nas grandes cidades brasileiras. As lojas especializadas em sashimi e sushi, anteriormente restritas s regies onde predominavam imigrantes asiticos, tornaram-se comuns nos bairros das classes mais elevadas, estando presentes em quase todos os shoppings dentro da categoria dos fast food e havendo at lojas especializadas em entregas a domiclio - delivery (GERMANO; GERMANO; OLIVEIRA, 1998).

    Maral (2002) ressalta que o sushi surgiu na China, na proposta de conservar os pescados, que no se estragavam to depressa graas fermentao do cereal o azedinho, hoje garantido com acrscimo de vinagre receita.

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    Segundo pesquisa do autor, a idia de com-lo foi de um dono de um quiosque em Tquio que passou a vender o peixe cru sobre o arroz, no sculo XIX.

    Denomina-se sashimi qualquer alimento martimo consumido cru, como peixes, mariscos e camares. Segundo Sikorski, Kolakowaska e Burt (1990) o pescado destinado elaborao do sashimi deve ser fresco e no pode ser submetido ao congelamento, podendo apenas ser resfriado visando ao retardo do desenvolvimento microbiano. Por isso, sua captura, manipulao e conservao necessitam de ateno especial. importante salientar que, visando a uma melhor apresentao, na elaborao dos pratos, so utilizados vegetais, como alface, cenoura, gengibre, rabanete, dentre outros, que alm de propiciarem beleza, promove uma refeio mais balanceada (SIKORSKI; KOLAKOWASKA; BURT, 1990). No entanto, esses vegetais tambm podem carrear microorganismos, conforme relatado por Nascimento e Marques (1998).

    Considerando a elevao de consumo de sushi e sashimi no Pas, vale uma reflexo no contexto da Segurana Alimentar e Nutricional (SAN).

    Recentemente foi aprovada no Congresso Nacional a Lei de Segurana Alimentar e Nutricional, que estabelece o direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais Lei n 11.346, de 15/9/2006 (BRASIL, 2006).

    O nmero de casos de doenas transmitidas por alimentos (DTAs) no mbito dos pescados geralmente baixo quando comparado ao dos causados por aves, lacticnios e outras carnes. Entretanto, a importncia do pescado como veiculador de patgenos depende de fatores como a dieta e a forma de preparo. No Japo, onde o peixe importante parte da dieta, sendo muitas vezes consumido cru, a proporo de DTAs oriunda de pescados maior (HUSS; REILLY; EMBAREK, 2000).

    Moluscos filtradores e peixes consumidos crus so produtos de alto risco, j que no h como obter o completo controle de agentes patognicos destes produtos. O consumo de pescados que sofreram coco mais seguro do ponto de vista microbiolgico (MATT et al., 1994; HUSS; REILLY; EMBAREK, 2000).

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    No caso de iguarias como sushi e sashimi, preparadas manualmente, alm da contaminao do pescado, o contato direto do alimento com as mos pode levar ao aumento da incidncia de patgenos como Staphylococcus aureus e coliformes termotolerantes (JAY, 2000). Segundo Silva Jr. (2001), preparaes muito manipuladas so consideradas de alto risco, especialmente quando elaboradas por pessoas que no possuam treinamento adequado. Alm disso, preparaes base de pescados crus j oferecem risco maior sade pelo fato de no serem submetidos a tratamentos bactericidas, como coco (HUSS; REILLY; EMBAREK, 2000; HAMADA SATO et al., 2005).

    Desta forma, se o consumo de sushi e sashimi um hbito que aparentemente veio para ficar, faz-se necessria a realizao de estudos que verifiquem como est sendo este consumo em quantidade e qualidade. Os mesmos viabilizaro o desenvolvimento de estratgias mais apropriadas de fiscalizao e de operacionalizao na elaborao dessas preparaes, de forma que riscos sade sero minimizados e a populao poder, com segurana, usufruir as delcias inerentes a esses pratos.

    Assim, considerando o aumento do nmero de estabelecimentos comercializadores de sushi e sashimi empiricamente percebido nos ltimos cinco anos no Municpio de Fortaleza, o risco potencial de desencadeamento de toxinfeces alimentares nos consumidores de tais preparaes e o cumprimento das normas de Boas Prticas de Manipulao preconizadas pela Resoluo RDC no. 216 de 15 de setembro de 2004 (FORTALEZA, 2004) no preparo dessas iguarias, torna-se relevante a realizao do presente estudo, que visa avaliar a qualidade higinico-sanitria das mesmas, contribuindo para a implementao da segurana alimentar para a populao.

    A seguir realizada uma reviso de literatura tanto enfocando o contexto cultural do consumo de sushi e sashimi no Brasil, como o risco potencial de comprometimento da segurana alimentar e nutricional acarretado por tal consumo.

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    2 REVISO DE LITERATURA

    2.1 Sushi e sashimi: novos integrantes do hbito alimentar brasileiro

    H muito tempo discutem-se as mltiplas facetas da alimentao. Ela pode ser avaliada sob o ponto de vista nutricional, social, histrico, simblico, poltico, ideolgico, entre outros (BARBOSA, 2007).

    Tanto Barbosa (2007), como Reichembach (2007), deixam claro que a alimentao dependente de rituais ligado ao convvio familiar e social. Erroneamente se espera, muitas vezes, que as pessoas comam com a nica inteno de se nutrir de forma saudvel, mas h muito mais envolvido quando se est frente frente com uma refeio ou lanche. Por exemplo, para Barbosa (2007), h determinantes culturais em se optar por comer um feijo com muito ou pouco caldo, usar farofa ou no e assim por diante. A histria tem papel relevante na formao do hbito alimentar de um povo, na valorizao ou no de um alimento, na forma em que este consumido e em que contexto tal consumo ocorrer.

    No caso do Brasil, o hbito alimentar um reflexo da migrao de diferentes grupos tnicos, como j referido (DUTRA DE OLIVEIRA et al., 2002). Inicialmente, tem-se a herana indgena, com a introduo do consumo da mandioca e de diferentes frutos brasileiros. Depois, vieram os portugueses, introduzindo especiarias e outros alimentos. A seguir vieram os africanos, que implantaram pratos tpicos daquele continente (LIMA, 2005). Esta a principal trade que influenciou a formao do hbito alimentar brasileiro, mas no parou por a. Posteriormente vieram outros europeus, como italianos, alemes e, finalmente, h um sculo, chegaram os japoneses, trazidos pelo navio Kasato Maru (SAITO, 1980). Foge ao escopo do presente estudo detalhar as participaes diferenciadas dos imigrantes que vieram ao Brasil, desde seu descobrimento, mas vale enfocar a popularizao da cozinha japonesa no pas.

    Para tanto, interessante que se discuta o conceito de globalizao alimentar que, segundo Maluf e Menezes (2001), representam uma ruptura radical dos sistemas alimentares (definidos como sendo as escolhas alimentares e as

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    prticas de cozinha associadas regio e s condies locais de existncia), fazendo com que produtos do mundo inteiro se misturem, transformando progressivamente os hbitos alimentares.

    Para Gimnez (2002), a cultura se torna global quando formas, influncias ou prticas originrias de locais claramente delimitados, se encontram tambm em outras partes do mundo. Isto aconteceu com a culinria japonesa (GOLSTEIN-GIDONI, 2005), que se fez presente, nas ltimas dcadas, de forma destacada, nos mais variados pases, principalmente nos Estados Unidos (MINTZ, 2001). Nessa perspectiva, percebe-se que o brasileiro mudou bastante seu comportamento alimentar nos ltimos 50 anos (REICHEMBACH, 2007) e, mais recentemente, ampliou seu consumo de pratos japoneses, embora no haja uma estatstica nacional quanto magnitude desta incorporao.

    Atualmente, a influncia da culinria japonesa nos gostos locais se d principalmente pelo consumo de sushi e sashimi (HOLZMANN, 2006). O sushi constitudo base de arroz temperado com molho de vinagre, acar e sal, e combinado com peixe ou frutos do mar ou ainda vegetais, frutas ou ovo. J o sashimi corresponde ao peixe cru filetado em pequenas pores (FOUCHIER, 2004). Os ideogramas da palavra sushi so de origem chinesa e tm o significado de tripas de peixe salgadas. Entretanto, numa atitude de bom senso de marketing, ao fazer a transcrio fontica para seus prprios ideogramas, os japoneses mudaram o significado da palavra. O primeiro ideograma su significa felicidade. O segundo, shi, significa presidir, assim a palavra designa algo como presidir a felicidade ou, numa interpretao livre, comer peixe feliz. J a palavra sashimi significa simplesmente carne cortada (HOLZMANN, 2006).

    A comida japonesa passou a ter uma conotao desde extica, representando um estilo de alimentao, at a de fast food consciente de sade, uma vez que so pratos cujo tempo de preparo relativamente curto, atendendo s necessidades do mundo moderno e ao mesmo tempo configurando uma alternativa aos fast foods convencionais, ricos em calorias, gorduras e colesterol (CWIERTKA, 2005).

    Realmente, a busca por um padro alimentar saudvel favorece o consumo de pratos japoneses, pois os mesmos so coloridos, com grande variedade de vegetais

  • 19

    e pouca ou nenhuma coco, o que ajuda na preservao do valor nutritivo dos alimentos (TORRES et al., 2005). Anlise efetuada com pratos japoneses mais consumidos, a se incluindo o sushi, evidenciou que os mesmos tm baixo valor energtico, de gordura saturada e de colesterol, integrando o conceito de uma dieta dita saudvel, no que tange composio nutricional (TORRES et al., 2005).

    Considerando a lacuna de norma sanitria especfica para o processamento de preparaes de origem japonesa no Brasil, interessante que pesquisas sejam desenvolvidas para investigar o que norteia a opo pelos pratos japoneses, em especial o sushi e o sashimi e em que nvel esta opo est sendo avaliada quanto aos benefcios e riscos.

    2.2 Doenas transmitidas por alimentos

    Alimentao adequada um direito humano bsico, reconhecido no Pacto Internacional de Direitos Humanos, Econmicos, Sociais e Culturais. Sem ele no se pode discutir os outros. Sem uma alimentao adequada, tanto do ponto de vista de quantidade como de qualidade, no h o direito vida. Sem uma alimentao adequada no h o direito humanidade, entendida aqui como direito de acesso vida e riqueza material, cultural, cientfica e espiritual produzida pela espcie humana (VALENTE, 2002).

    As doenas transmitidas por alimentos (DTAs) configuram um termo genrico, aplicado a uma sndrome geralmente constituda de anorexia, nuseas, vmitos e/ou diarria, acompanhada ou no de febre, atribuda ingesto de alimentos ou gua contaminados. Sintomas digestivos, no entanto, no so as nicas manifestaes dessas doenas, podendo ocorrer, ainda, afeces extra-intestinais em diferentes rgos e sistemas, como: meninges, rins, fgado, sistema nervoso central, terminaes nervosas perifricas e outros, de acordo com o agente envolvido. Sob o aspecto etiolgico podem ser causadas por toxinas, bactrias, vrus, parasitas e substncias txicas (BRASIL, 2005).

    De acordo com registros da Organizao Mundial da Sade (OMS), so detectados, anualmente, nos pases em desenvolvimento, mais de 1 bilho de casos

  • 20

    de diarria aguda em crianas menores de 5 anos, das quais 5 milhes chegam ao bito. A contaminao bacteriana dos alimentos uma das causas representativas destes casos (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1997).

    Grandes perdas econmicas relativas aos alimentos ocorrem por deteriorao ocasionada pelo desenvolvimento microbiano no tempo decorrido entre a colheita ou captura at o seu consumo, bem como pelos gastos com as DTAs. O custo real da deteriorao de difcil quantificao, mas considervel e de modos diversos adicionado ao custo do produto final. O custo real dos gastos com DTAs tambm raramente quantificado em razo da subnotificao e da no notificao dos casos, exceto na ocorrncia de surtos extensos e/ou graves, quando as circunstncias e conseqncias so amplamente estudadas (GIOVA, 1997).

    Relatos referentes a estudos realizados pelo Center for Disease Control (CDC) indicam que doenas transmitidas por alimentos so causadas por bactrias patognicas, tais como a Salmonella spp e o Compylobacter spp, assim como a Trichinella spp, alm de outros parasitas, ocasionando, anualmente, cerca de 7000 mortos e entre 24 e 81 milhes de casos de diarria (WHO, 2002). As DTAs representam, portanto, uma ameaa geral para a sade humana e so causas importantes de diminuio da produtividade econmica.

    Nos Estados Unidos, as perdas econmicas associadas com estas enfermidades so elevadas, sendo estimadas entre 5 a 17 bilhes de dlares (IAEA, 2007).

    Em documento elaborado pelo Servio Nacional de Aprendizagem Comercial SENAC (2001) so compiladas as caractersticas dos principais agentes de doenas transmitidas por alimentos, conforme resumidas a seguir, junto a informaes de outros autores:

    Vibrio parahaemolyticus

    Fonte: Ocorre naturalmente em esturios e ao longo de outras reas litorneas na maior parte do mundo.

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    Contaminao: Os frutos do mar contaminados so os responsveis pela disseminao.

    Alimentos: Frutos do mar, especialmente os ingeridos crus ou mal cozidos. A contaminao cruzada pode originar problemas em outras preparaes cozidas adequadamente e recontaminadas (risoto de camaro, por exemplo). Infeco: Os sintomas mais comuns so diarrias, dores abdominais, nuseas, vmitos e cefalia. O perodo de incubao de 12 a 18 horas.

    Caractersticas: Os vbrios so bacilos Gram-negativos, pleomrficos, curvados ou retos, mveis, catalases e oxidases positivos, anaerbios facultativos e so extremamente sensveis s temperaturas de coco (GERMANO; GERMANO, 2004). Esta bactria cresce na faixa de 5oC a 43oC, dependendo do pH do meio de cultura (FRANCO; LANDGRAF, 2005).

    Escherichia coli

    Fonte: Fezes do homem e de animais de sangue quente, gua dos rios, lagos, nascentes e poos.

    Contaminao: Ocorre contaminao cruzada entre alimentos crus com alimentos cozidos, utenslios no desinfetados, mos no higienizadas entre a manipulao de gneros diferentes de alimentos e aps utilizar o banheiro.

    Alimentos: gua, hortalias regadas com gua contaminada, carnes, aves, pescados, verduras e legumes crus, ou mal cozidos, saladas, maionese, pur de batata, massas frescas, sobremesas (doces de frutas manipulados), farofa, leite e queijos. Infeco: E. coli entero patognica (criana) e E. coli enteroinvasora incubao de 12 a 72 h, com diarria, vmito, febre, mal estar e calafrios. E. coli enterohemorrgica incubao de 12 a 72 horas com diarria sanguinolenta, vmito, febre, clica, mal estar e calafrios. A E. coli enterotoxignica produz uma toxina termoestvel ou termolbel, sendo que ambas podem ser produzidas pelo mesmo germe. a causa principal

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    da diarria infantil e dos viajantes em alguns pases subdesenvolvidos. Incubao de 8 a 72 horas.

    Caractersticas: A E. coli uma enterobactria Gram-negativa, catalase positiva e oxidase-negativa, no esporognica, capaz de fermentar lactose com produo de cido e gs. um mesfilo tpico capaz de se desenvolver entre 7oC e 46oC, sendo 37oC a temperatura tima, embora existam cepas que possam se multiplicar a 4oC. No apresenta termo resistncia, sendo destrudo a 60oC, em poucos segundos, mas capaz de resistir por longo tempo em temperaturas de refrigerao (GERMANO; GERMANO, 2004; FRANCO; LANDGRAF, 2005).

    Salmonella spp

    Fonte: Trato intestinal do homem e dos animais doentes ou portadores.

    Contaminao: Falta de higiene pessoal, contaminao cruzada e na presena de insetos, guas contaminadas.

    Alimentos: Produtos de origem animal (carnes, aves, ovos e leite) e vegetais crus.

    Infeco: O perodo de incubao varia de 8 a 22 horas, com nuseas, vmitos, dores abdominais com diarria, podendo haver febre ou no.

    Caractersticas: Bacilos pequenos, mveis, curtos, fermentadores de glicose com produo de gs, mas que geralmente no fermentam lactose nem sacarose. Todo sorotipo de salmonela potencialmente patognico (DIAS, 1998).

    Bacillus cereus

    Fonte: Solo, gua e superfcie de gros de cereais e vegetais. Contaminao: Atravs da poeira e sujidades. Alimentos: Arroz cozido ou frito, alimentos prontos e sobremesas base de cereais ou amido.

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    Infeco: O perodo de incubao 1 a 6 horas. O tipo emtico causa intoxicao alimentar e o tipo clssico ou diarrico causa infeco intestinal com fortes diarrias, vmitos raros e sem febre, sintomas que surgem aps 8 a 22 horas. Caractersticas: Bacilo esporulado, aerbico (DIAS, 1998).

    Staphylococcus aureus

    Fonte: Encontra-se nas cavidades bucais e nasais do homem e dos animais, bem como na pele e fezes.

    Contaminao: Disseminao entre os humanos e destes para os alimentos, utenslios e equipamentos.

    Alimentos: Pratos de carne ou frango cozido (empades, fricass), risoto, peru recheado, salsichas, bolos recheados, creme de leite, chantili, queijos (especialmente os tipo frescal), salgadinhos, presuntos, bacon e outros produtos industrializados.

    Intoxicao: Provocada pela ingesto do alimento com a toxina pr-formada (ex.: as do tipo A, B, C, D, E, F) chamadas enterotoxinas. O perodo de incubao mdio de duas a quatro horas. Os principais sintomas so nuseas, vmitos, clicas abdominais, diarria e sudorese.

    Caractersticas: So cocos Gram-positivos, anaerbicos facultativos, pertencentes famlia Micrococcaceae; so mesfilos com crescimento entre 7oC e 46oC, sendo 37oC a temperatura tima de desenvolvimento (FRANCO; LANDGRAF, 2005).

    A partir da descrio resumida, percebe-se que sushi e sashimi podem configurar potenciais fontes importantes de DTAs, tanto considerando as fontes alimentares principais, pescados, arroz e queijo, como considerando os aspectos associados manipulao.

    Algumas doenas de veiculao alimentar, embora sejam conhecidas, so consideradas emergentes porque esto ocorrendo com maior freqncia, tendo ocasionado surtos epidmicos em muitos pases (OPAS, 1998). Bactrias do gnero

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    Salmonella continuam sendo uma das principais causas de surtos, sobretudo nos pases de renda mais baixa, no podendo ser esquecida a epidemia de clera que provocou mais de 1,3 milhes de casos, dos quais 11.500 foram fatais (OPAS, 1998).

    No Brasil, dentre as internaes nos hospitais do Sistema nico de Sade no perodo de 1998 a 2001, 4.5-4.8% foram diagnsticos de infeces intestinais como clera, febre tifide, shigelose, amebase, entre outras, com nmero de internaes variando de 560.905 a 568.516, acarretando um custo para o pas entre R$ 74.077.652,05 e 108.113.751,84. Estas doenas representaram cerca de 50% do total de internaes por doenas infecciosas e parasitrias neste perodo (TOLEDO; VIANNA, 2002).

    Apesar da comprovada relao de vrias doenas com a ingesto de alimentos contaminados e do elevado nmero de internaes hospitalares, pouco se conhece de real magnitude do problema, devido precariedade das informaes disponveis, fazendo-se necessria estruturao de um Sistema de Vigilncia Epidemiolgica das Doenas Transmitidas por Alimentos (VE-DTA), capaz, inclusive, de detectar a introduo de novos patgenos, como Escherichia coli O157:H7 e Salmonella typhimurium DT104 (BRASIL, 2004).

    A qualidade global de um alimento determinada por diversos fatores ou parmetros, incluindo caractersticas ou atributos de natureza fsica, qumica, nutricional, organolptica e qumica biolgica. Restringindo-se exclusivamente ao aspecto microbiolgico, o exame de um determinado alimento fornecer informaes importantes, sobre a qualidade da matria-prima utilizada, higiene e sanificao da manipulao e, ao longo do processamento, adequao das tcnicas utilizadas na preservao do produto e a eficincia das operaes de transporte e armazenamento do produto final. Nestas condies, em funo da avaliao microbiolgica do produto, ser possvel uma estimativa da sua vida til ou de sua vida de prateleira, bem como, pela pesquisa de microrganismos patognicos ou indicadores de contaminao fecal, ser positivada ou no a existncia de risco sade pblica advindos de seu consumo.

    Considerando a proposta do estudo, a seguir sero enfocados os riscos especficos associados ao consumo dos principais componentes presentes nas preparaes de sushi e sashimi: pescado, arroz e queijo.

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    2.2.1 Doenas transmitidas pelo consumo de pescados

    De acordo com o regulamento tcnico brasileiro em vigor (BRASIL, 1997), entende-se por peixes, os animais aquticos de sangue frio, excluindo os mamferos aquticos, os animais invertebrados e os anfbios. Peixe fresco definido como o produto obtido de espcimes saudveis e de qualidade adequada para o consumo, convenientemente lavado, e que seja conservado somente pelo resfriamento a uma temperatura prxima do ponto de fuso do gelo.

    H mais de 30 anos j se relatava que o pescado fresco era um alimento seguro, embora pudesse ser veculo importante para as intoxicaes alimentares de origem bacteriana (SHEWAN, 1962). Na Coria e Japo, peixes e frutos do mar so os principais veculos de transmisso de doenas de origem alimentar (LEE et al., 1996).

    Germano, Germano e Oliveira (1998) alertaram para os problemas com o consumo de pescado, quanto ao fato deste alimento poder ser veiculador de microorganismos patognicos para o ser humano, a maior parte deles fruto de contaminao ambiental, a destacar os do gnero Vbrio. Merecem destaque, ainda, as bactrias do gnero Salmonella, tanto de origem humana, S. Typhi e S. Paratyphi, quanto as de origem animal, bem como as Shiguella spp, todas encontradas em guas poludas por esgotos ou excretas de animais. Dentre as conseqncias diretas da manipulao inadequada, so apontados Sthreptococcus sp e o Staphylococcus aureus, ambos de origem humana, encontrados nas mucosas e superfcie da pele, e que encontram no pescado ambiente favorvel para sua multiplicao. Outros agentes bacterianos podem contaminar o pescado e causar risco sade, como as cepas psicrotrficas de Bacillus cereus que podem produzir enterotoxinas nos alimentos elaborados base de peixe, sobretudo os com pH superior a 6,0, acarretando surtos caracterizados por diarria.

    Atualmente, todos os setores de produo enfrentam o desafio da qualidade de seus produtos. Na indstria de alimentos, em particular, os procedimentos de higiene so fundamentais para assegurar a qualidade dos produtos. Assim, a utilizao de cuidados rigorosos de higiene, segundo normas adequadas, favorece o controle da qualidade, viabiliza os custos de produo, satisfaz os consumidores e no oferece risco sade do consumidor, alm de

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    respeitar as normas e padres microbiolgicos recomendadas pela legislao vigente (GERMANO; GERMANO, 2004).

    De acordo com Franco e Landgraf (2005) os microorganismos indicadores, quando presentes em alimentos, fornecem informaes sobre provveis contaminaes de origem fecal, de presena de patgenos ou ainda sobre o potencial de deteriorao do produto, alm de indicarem se as condies sanitrias foram inadequadas durante o processamento, produo ou armazenamento de um alimento. Como principal indicador tem-se as bactrias do grupo coliforme.

    A enumerao de coliformes totais e termotolerantes como indicadores de qualidade higinico-sanitria tem sido amplamente utilizada (PELCZAR Jr., 1996). A contaminao de origem fecal, por sua vez, relacionada presena de Escherichia coli, principal representante dos termotolerantes. Essa bactria considerada pelo Ministrio da Sade como a indicadora mais especfica de contaminao fecal recente e de eventual presena de organismos patognicos (BRASIL, 2001).

    A contaminao pr-captura com patgenos de reservatrios animal/humano (Salmonella, Shigella, E.coli, vrus entricos) pode oferecer riscos, pois em alguns casos uma dose infectante baixa suficiente para provocar uma doena (1-10 clulas para alguns sorotipos de Shigella e Salmonella, uma partcula infecciosa para vrus Norwalk). A coco de alimentos com esta contaminao elimina o risco destes patgenos, sendo que a principal preocupao com a segurana se relaciona ao consumo destes crus, como nos casos de sushi e sashimi (HUSS; REILLY; EMBAREK, 2000; MILLARD; ROCKLIFF, 2003; REIJ; DEN AATREKKER, 2004).

    Para Morita (2005) os manipuladores de alimentos devem ser cuidadosos no manuseio de peixes recm-capturados, j que os microrganismos presentes na superfcie, guelras e vsceras do animal podem contaminar a carne durante a manipulao.

    Segundo Martins (2006) dentre os microrganismos de maior importncia no controle da qualidade de pescados destacam-se os do gnero Vibrio, como j citado. O V. parahaemolyticus comumente encontrado na gua do mar, principalmente nas regies costeiras, e causa no homem gastroenterite aguda, em geral aps o consumo

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    do peixe in natura. O V. cholerae, de origem humana, atinge as guas do mar, rios e lagos atravs do despejo de esgotos, e responsvel por pandemias. Ostras, mariscos, caranguejos e peixes in natura so veculos naturais do V. cholerae (MATT et al., 1994; BARBONI, 2003; MATT, 2003; BASTI et al., 2006).

    Conforme Martins (2006) os microorganismos Coliformes fecais, Escherichia coli e Aeromonas spp podem ser encontrados em peixes frescos ou congelados, frutos do mar e produtos industrializados. Muitos destes microrganismos esto relacionados com a qualidade da gua, principalmente do gelo utilizado na conservao, e/ou procedimento ps-captura (HUSS; REILLY; EMBAREK, 2000; SCHLUNDT, 2002; MATT, 2003; FRANCO; LANDGRAF, 2005).

    Prevenir a contaminao do pescado na pr-captura muito difcil ou impossvel. O ambiente natural no pode ser modificado facilmente e os agentes causadores de doenas que ocorrem naturalmente (algumas bactrias patognicas, parasitas, biotoxinas) estaro sempre presentes. J a contaminao qumica e poluio fecal podem ser prevenidas, com o monitoramento das reas de pesca, pela verificao de presena de algas txicas e de coliformes fecais e Escherichia coli (HUSS; REILLY; EMBAREK, 2000; REIJ; DEN AANTREKKER, 2004).

    Durante a preparao de vrios pratos a partir do pescado, agentes patognicos presentes no material cru podem ser eliminados ou sobreviverem e estarem presentes no produto final. Quando o produto armazenado sob refrigerao, a preocupao concentra-se na sobrevivncia e multiplicao de microrganismos psicotrficos. O tratamento com calor, como coco, eficiente na destruio de alguns patgenos, quando realizado sob temperatura e tempo adequados. Porm, o hbito de consumir pescados crus torna a preveno de DTAs difcil ou at impossvel (HUSS; REILLY; EMBAREK, 2000; HAMADA SATO et al., 2005).

    Contaminao adicional, com novos patgenos, tambm pode ocorrer nesta etapa de manipulao do alimento. Medidas preventivas incluem boas prticas de manipulao e programas eficazes de higiene e sanitizao (HUSS; REILLY; EMBAREK, 2000).

    Segundo Reij e Den Aantreker (2004), a re-contaminao, ou seja, contaminao aps preparo importante causa de surtos de DTAs. Em seu estudo,

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    afirmam que equipamentos e utenslios no limpos ou inadequadamente limpos so fontes de numerosos patgenos. Alm disso, os manipuladores de alimentos e vetores como insetos, pssaros e roedores, so importantes transmissores de microrganismos.

    2.2.2 Relatos de doenas transmitidas pelo consumo de sushi/sashimi

    Com o aumento do consumo de sushi e sashimi comearam a surgir relatos de doenas antes pouco prevalentes em humanos, tanto na sia, como na Europa e nos Estados Unidos, havendo referncia inclusive no Chile, Peru, Argentina e Brasil (CABRERA; TRILLO-ALTAMIRANO, 2004; MENGHI et al., 2006).

    Dentre estas, tem-se a anisaquidose ou, como anteriormente conhecida (TAKABE et al., 1998), anisaquiase, provocada pelo nematide Anisakis simplex e a difilobotrase, ou difilobotriose, provocada pelo Diphyllobotrium latum, com freqncia presentes em pescados crus ou mal cozidos (CABRERA; TRILLO-ALTAMIRANO, 2004; DUPOUY-CAMET; PEDUZZI, 2004; MENGHI et al., 2006).

    No Japo, representante de cultura onde o consumo de peixe cru mais popular (WEIR, 2005) a anisaquidose j considerada problema de sade pblica, com mais de 2000 casos registrados pelos mdicos a cada ano (TAKABE et al., 1998).

    Os pescados mais citados so a cavala, o salmo, o bacalhau, o arenque e a lula (TAKABE et al., 1998; WEIR, 2005). Especificamente para difilobotrase citado como mais contaminado o salmo (NAWA, 2004).

    A anisaquidose j foi associada destruio do intestino delgado de uma mulher japonesa de 60 anos (TAKABE et al., 1998). Podem ocorrer sintomas digestivos e reaes alrgicas (TAKABE et al., 1998; CABRERA; TRILLO-ALTAMIRANO, 2004; WEIR, 2005). As reaes alrgicas so mais preocupantes, podendo surgir dentro de 15 minutos aps a ingesto, com tempo mdio de 5 horas e podendo ser caracterizadas por urticria, bronco-espasmo, angioedema e anafilaxia (CABRERA; TRILLO-ALTAMIRANO, 2004; WEIR, 2005). Cerca de 97% das manifestaes digestivas so problemas gstricos agudos, como grave dor

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    epigstrica duas a cinco horas aps a ingesto, nuseas e vmitos, s vezes com eliminao da larva pelo vmito (TAKABE et al., 1998; CABRERA; TRILLO-ALTAMIRANO, 2004; WEIR, 2005). Pode aparecer dor abdominal e diarria, como caracterstica desta fase aguda, evoluindo, na fase crnica, para ulceraes ou tumores similares a cncer (CABRERA; TRILLO-ALTAMIRANO, 2004). So citadas ainda possibilidades de reaes em pulmo, fgado e pncreas (CABRERA; TRILLO-ALTAMIRANO, 2004).

    A difilobotrase mais associada ao consumo de pescado de gua doce, tambm cru ou mal cozido (DUPOUY-CAMET; PEDUZZI, 2004; MENGHI et al., 2006). Alguns casos so assintomticos, enquanto outros apresentam distenso abdominal, flatulncia, nuseas e diarria (MENGHI et al., 2006). Pode ocorrer anemia megaloblstica, porque o parasita concorre com o hospedeiro pela absoro de vitamina B12 (MENGHI et al., 2006).

    No Brasil, especificamente na cidade de So Paulo, um laboratrio contabilizou 21 casos de difilobotrase no perodo de maro de 2004 a maro de 2005, todos associados ao consumo de sushis e sashimis (EDUARDO et al., 2005). Destaque-se que, segundo estes autores, at 2003 no havia notificaes da doena no Pas.

    Algumas recomendaes, caso seguidas, reduzem o risco de tais parasitoses. Uma recomendao bvia, mas difcil de ser seguida, pela no fiscalizao quanto presena dos parasitas, evitar o consumo de pescados crus ou mal cozidos que estejam parasitados (CABRERA; TRILLO-ALTAMIRANO, 2004). Alm disso, congelar o produto a -20 C por 48-72 horas ou cozinhar o alimento por 10 minutos temperatura superior a 60 C, garante segurana para o consumo (CABRERA; TRILLO-ALTAMIRANO, 2004; NESHEIM; YAKTINE, 2007). J para WEIR (2005), o tempo de congelamento a -20 C deve ser de pelo menos 5 dias. Para alguns autores, cozinhar o peixe a 55 C ou mais por 5 minutos j suficiente para matar a larva (DUPOUY-CAMET; PEDUZZI, 2004; MENGHI et al., 2006). Ainda para Dupouy-Camet e Peduzzi (2004), o congelamento do pescado a -10 C garante morte da larva dentro de 8-72 horas, dependendo da espessura do peixe; estes autores destacam ainda que a defumao no mata o parasita. Tambm Menghi et al. (2006) citam a temperatura de congelamento de 10 C. Takabe et al. (1998)

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    lembram que o Anisakis simplex sobrevive em vinagre por mais de 51 dias, no se constituindo este produto, em estratgia de desinfeco.

    Os procedimentos citados, seja congelamento, seja aquecimento, alteram o paladar da preparao (TAKABE et al., 1998). No entanto, a populao precisa ser informada dos riscos de consumo do pescado cru ou mal cozido, para que possa selecionar com cuidado o local de aquisio e/ou consumo de tais pescados. Como a presena dessas contaminaes est aumentando, importante que a busca pelo parasita seja includa nas rotinas de fiscalizao de estabelecimentos que comercializam a matria-prima e as respectivas preparaes.

    2.2.3 Doenas transmitidas pelo consumo de arroz

    Pesquisa realizada por Dias (1998) em 50 (cinqenta) restaurantes especializados em pratos tpicos orientais da cidade do Rio de Janeiro, constatou a presena de Bacillus Cereus em 16% das amostras.

    Na cidade da Seattle (Estados Unidos da Amrica) Adams et al. (1994), no encontraram enterobacterias em amostras de sushi preparados com diferentes espcies de peixes. Por outro lado, foram detectadas as presenas de Bacillus Cereus e Staphilococcus aureus no arroz. A presena dessas bactrias em nveis baixos sugere que a preparao do arroz estava em desacordo com as normas de boas prticas de fabricao.

    2.2.4 Doenas transmitidas pelo consumo de queijo

    Em Minas Gerais, de novembro/1991 a outubro/1992, ocorreram oito surtos de intoxicao estafiloccica em humanos, cinco associados ao consumo de queijo frescal (CMARA, 2002). Outros autores verificaram que de 08/1991 at 1995 houve predomnio, nos surtos de DTA, das intoxicaes estafiloccica (65%), com acentuado envolvimento de queijos como alimentos implicados (MARTINS VIEIRA, 1998).

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    Outro estudo, realizado de 1995 a maro de 2001, em Minas Gerais refora a importncia da intoxicao estafiloccica nos surtos de origem alimentar, atingindo 12.820 pessoas, incluindo 17 bitos. O queijo (diversos tipos) foi o quarto alimento mais implicado, produzindo neste perodo 23 surtos, atingindo 660 pessoas, incluindo um bito (FAPEMIG, 2002).

    Borges et al. (2008) relatam que, o Ncleo de Epidemiologia da Secretria da Sade do Estado do Cear, no Informe Anual de Surtos de DTA em 2003, notificou cinco surtos de DTAS envolvendo 311 pessoas. Um surto foi atribudo ao consumo de queijo minas frescal e queijo de coalho. Onze pessoas foram acometidas por intoxicao estafilcoccica.

    Alimentos contaminados com fezes, principalmente leite cru e derivados lcteos no processados termicamente, constituem-se em fontes potenciais de E. coli causadoras de DTA (BRYAN, 1982). Gil et al. (2001) relataram a ocorrncia de ETEC (E. coli enteroxignica) em dezesseis amostras de queijo colonial consumido em Pelotas Rio Grande do Sul. Adicionalmente, E. coli foi responsvel por 3,8% dos surtos de DTA ocorridos no Estado do Paran no perodo 1978/1997 (CAMARGO, 1998).

    Apesar de a pasteurizao causar uma diminuio na populao de microorganismos presentes no leite, algumas toxinas, como a enterotoxinas estafiloccica no so inativadas, podendo causar intoxicaes alimentares no consumidor. Ao lado disto, a re-contaminao durante o processamento pode ser um fator importante na qualidade final do produto, principalmente naquele tipo frescal, nos quais no existe uma etapa de maturao. Dessa forma, as boas prticas de fabricao e as medidas de sanificao durante o processamento so cruciais para a garantia de um produto de qualidade (FOX, 1993).

    2.2.5 Participao do fator trmico nas doenas transmitidas por alimentos

    O correto uso dos equipamentos de frio reduz significativamente a deteriorao dos alimentos e os riscos sade do consumidor (HAZELWOOD; MCLEAN, 1996; HOBBS; ROBERTS, 1998). Da mesma forma, a limpeza dos

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    mesmos de suma importncia para garantir a conquista e manuteno de bons padres higinicos (HAZELWOOD; MCLEAN, 1996), pois vrios microorganismos podem influenciar na conservao e decomposio dos alimentos (RIEDEL, 1996).

    A ocorrncia de toxinfeces alimentares (TIAs) possui uma correlao elevada com a manipulao e conservao inadequada dos alimentos (FRANCO; LANDGRAF, 2005; CHESCA et al., 2001). Poucos dados epidemiolgicos sobre as TIAs encontram-se disponveis no Brasil. As produes cientficas so muito limitadas, mas acredita-se que a incidncia de TIAs no pas seja relevante (ZOLI; NEGRETE; OLIVEIRA, 2002). No Rio Grande do Sul, em pesquisa realizada por Pinto (1999), foram constatados 1.187 surtos de TIAs entre os anos de 1988 a 1997. Franco e Landgraf (2005) afirmam que mesmo em pases desenvolvidos nos quais o fornecimento de gneros alimentcios considerado seguro do ponto de vista higinico e de sade pblica, a ocorrncia de doenas dessa natureza significativa e crescente.

    Vrios fatores podem influenciar na conservao de alimentos e na ocorrncia de enfermidades, como tratamento trmico inadequado, ingredientes contaminados e preparo antecipado dos alimentos (SILVA Jr., 2001).

    Deve-se levar em conta que mais de um desses fatores podem ocorrer concomitantemente. Em pesquisa realizada em Curitiba, a conservao inadequada dos alimentos foi responsvel por 46,5% dos surtos de TIAs (SILVA Jr., 2001), enquanto Pinto (1999), no Rio Grande do Sul, encontrou a porcentagem do 30,7%.

    Existem muitos mtodos de preservao alimentar, os quais podem ser divididos em processos bactericidas, que destroem os microorganismos (coco, irradiao) e processos bacteriostticos, como a refrigerao e o congelamento (SILVA Jr, 2001).

    A temperatura adequada durante o processo de conservao de fundamental importncia para inibir a proliferao microbiana e minimizar as reaes qumicas que causam deteriorao dos alimentos (TOLEDO, 1999; FERRARI; TORRES, 2000; GERMANO; GERMANO, 2004). Conforme Chesca et al. (2001a), o frio tem sido reconhecido como um excelente mtodo de conservao de alimentos, alm de ser seguro e confivel.

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    A maioria dos microorganismos requer temperaturas superiores a 10C para a sua proliferao. Ao se referir refrigerao, geralmente consideram-se temperaturas inferiores a 10C, que inibem o desenvolvimento dos microorganismos mesfilos. No entanto, os psicrotrficos ainda so capazes de se desenvolver entre 0C e 7C. Mesmo para estes, quanto mais baixa for a temperatura, menor ser a sua velocidade de multiplicao. Assim, um alimento sofrer deteriorao aproximadamente 2 vezes mais rpida a 10C do que em temperaturas entre 5C e 0C (FRANCO; LANDGRAF, 2005).

    Segundo a RDC no. 216, de 15/09/2004 (AGNCIA NACIONAL DE VIGILNCIA SANITRIA ANVISA), o processo de resfriamento de um alimento preparado deve ser de forma a eliminar o risco de contaminao cruzada e a permanncia do mesmo em temperatura que favorea a multiplicao microbiana. A temperatura do alimento preparado deve ser reduzida de 60oC a 10oC em at duas horas. Em seguida, o mesmo deve ser conservado sob refrigerao a temperaturas inferiores a 5oC, ou congelado temperatura igual ou inferior a -18oC. No caso das preparaes base de sushi e sashimi, devem ser seguidas as temperaturas preconizadas na referida legislao.

    Quanto temperatura de conservao, um modelo de microbiologia preditiva recomenda que o estoque e transporte dos pescados resfriados devam estar entre 1C e 4C, os congelados de -25C a - 18C, e os secos e salgados temperatura de 4C a 7C em ambiente desprovido de umidade residual e ventilado. A temperatura acima destes limites ir acentuar processos de oxidao. O peixe salgado no deve ter umidade ao tato, e o sal deve desprender-se de sua superfcie (TRIGO, 1999).

    2.3 Segurana alimentar x consumo de sushi/sashimi

    A segurana alimentar integra o conjunto de direitos que defendem a qualidade de vida e pressupe o fim da excluso econmico-social (DIAS, 2002). Na verdade, apesar da legislao referente mesma ser recente, o entendimento bsico do que o conceito engloba existe e defendido h vrios anos.

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    Assim, o sentido de segurana alimentar sob o ponto de vista qualitativo, ou seja, a garantia do consumidor em adquirir um alimento com atributos de qualidade que sejam do seu interesse, entre os quais se destacam atributos ligados sua sade, j foi definido por Henson e Traill (1993) como sendo o inverno do risco alimentar a probabilidade de no sofrer nenhum dano pelo consumo de um alimento. A segurana alimentar qualitativa pode ainda ser entendida como a aquisio pelo consumidor de alimentos de boa qualidade, livres de contaminantes de natureza qumica (pesticidas), biolgica (organismos patognicos), ou qualquer substncia que possa acarretar problemas sade (SPERS; KASSOU, 1996).

    Embora o Brasil seja um dos maiores produtores de alimento do mundo, parcela significativa da populao no tem acesso aos alimentos bsicos necessrios para a vida cotidiana. Situaes de insegurana alimentar e nutricional podem ser detectadas a partir de diferentes tipos de problemas, tais como: fome, obesidade, doenas associadas m alimentao, o consumo de alimentos de qualidade duvidosa ou prejudicial sade, estrutura de produo de alimentos predatria em relao ao ambiente natural ou s relaes econmicas e sociais, alimentos e bens essenciais com preos abusivos e a imposio de padres alimentares que no respeitam a diversidade cultural (CONSEA, 2004).

    A Lei Orgnica de Sade n 8.080, de 10 de setembro de 1990 (BRASIL, 1990) assegura no seu artigo 61, VIII, que esto includas no campo de atuao de Sistema nico de Sade (SUS): a fiscalizao e a inspeo de alimentos, gua e bebidas, para consumo humano, bem como o controle e a fiscalizao de servios, produtos e substncias que, direta ou indiretamente, se relacionem com a sade, compreendidas todas as etapas e processos, da produo ao consumo.

    Compete ao Ministrio da Sade, como rgo responsvel pela direo nacional do SUS, o papel de controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substncias de interesse para a sade, conforme o artigo 16, XII, alm de exercer aes de vigilncia sanitria em geral, inclusive sobre alimentos, juntamente com os estados e os municpios (DIAS, 2002). No mbito do SUS, portanto, a vigilncia sanitria representa um influente mecanismo para articular poderes governamentais, para impulsionar aes e movimentos de participao social e para aperfeioar as relaes sociais, em razo do papel que exerce na regulamentao e na fiscalizao

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    das relaes entre produo, comercializao, prestao ou dispensao, prescrio e consumo (LUCCHESE, 2008).

    Ao finalizar a presente reviso, alguns aspectos relevantes ainda podem ser destacados. A nova moda de consumir sushi e sashimi parece como j destacado, ter vindo para ficar e deve ser incentivada, pois os pescados configuram alimentos de alto valor nutritivo. Desta forma, faz-se necessrio que a segurana alimentar no que concerne qualidade do alimento ingerido seja garantida nas preparaes de sushi e sashimi como preconiza a legislao brasileira vigente. Alm disso, os resultados das anlises que se pretende realizar neste estudo podero alertar aos responsveis pela Vigilncia em Sade e consumidores sobre os riscos epidemiolgicos associados ao consumo desses alimentos e contribuir para a criao de normas especficas para as preparaes destas iguarias.

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    3 OBJETIVOS

    3.1 Geral

    Avaliar o risco potencial sade representado pelo consumo de sushi e sashimi no que tange qualidade microbiolgica destas preparaes servidas em restaurantes de auto-servio por peso ou rodzio na cidade de Fortaleza.

    3.2 Especficos

    Caracterizar alguns parmetros higinico-sanitrios dos manipuladores de alimentos dos estabelecimentos conforme a RDC N 216 de 15 de Setembro de 2004 da ANVISA;

    Mensurar a temperatura de exposio dos sushis e sashimis nos servios;

    Determinar quantitativamente a presena de coliformes termotolerantes, Staphylococcus aureus, Salmonella spp, Vibrio parahaemolyticus, Bacillus cereus;

    Verificar a presena de Escherichia coli nas amostras estudadas;

    Comparar os resultados obtidos quanto aos microorganismos quantificados com os parmetros estabelecidos pela legislao brasileira.

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    4 METODOLOGIA

    4.1 Tipo de pesquisa

    Trata-se de um estudo transversal, descritivo e analtico, com abordagem quantitativa, a partir de dados secundrios. O mesmo prope-se a analisar os dados fornecidos pela Fiscalizao Sanitria de Alimentos da Clula de Vigilncia Sanitria e Ambiental (CEVISA), da Secretaria de Sade do Municpio de Fortaleza (SMS), referentes qualidade higinico-sanitria de sushis e sashimis comercializados em restaurantes de auto-servio por peso ou rodzio na cidade de Fortaleza.

    4.2 Local e perodo de estudo

    Os dados analisados correspondem a coletas de amostras de sushi e sashimi realizadas no perodo de agosto a setembro de 2007, em estabelecimentos que comercializam as referidas iguarias na cidade de Fortaleza.

    4.3 Instrumentos avaliados

    Foram avaliados trs instrumentos:

    1. Os laudos tcnicos emitidos pelo Laboratrio Central de Sade Pblica CE, (LACEN), da Secretaria de Sade do Estado do Cear (SESA-CE). Deve ser mencionado que as normas da CEVISA exigem que todas as anlises bromatolgicas sejam efetuadas no LACEN, devido este fazer parte da rede de laboratrios de referncia da ANVISA para tal atividade;

    2. Os termos de coleta de amostra desses alimentos, lavrados pela Fiscalizao Sanitria de Alimentos da Clula de Vigilncia Sanitria e Ambiental (CEVISA), Secretaria de Sade do Municpio de Fortaleza (SMS);

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    3. Os itens Manipuladores e Preparao do alimento extrados da lista de verificao de Boas Prticas de Manipulao vigente, respectivamente itens 6 e 8 (anexo 1).

    4.4 Universo e amostra

    Os dados analisados correspondem a 100% das coletas feitas no perodo e locais citados.

    A fim de possibilitar maior compreenso sobre os dados, sero descritos, de acordo com os tcnicos da CEVISA, como foram selecionados os estabelecimentos, que preparaes foram escolhidas para anlise, como foram coletadas tais amostras e que anlises foram realizadas pelo LACEN.

    4.4.1 Seleo dos estabelecimentos de auto-servio que comercializam sushi e sashimi

    Os endereos dos estabelecimentos foram obtidos junto ao Banco de Dados da Clula de Vigilncia Sanitria e Ambiental de Fortaleza e da Secretaria de Turismo de Fortaleza.

    Foram identificados 65 estabelecimentos, que funcionam em perodo diurno e/ou noturno, distribudos nas seis Regionais Administrativas de Fortaleza.

    Considerando os procedimentos exigidos pelo LACEN no que tange ao tempo decorrido entre a coleta de amostra e a entrega naquele rgo, para incio das anlises, de no mximo 2 horas (AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION APHA, 1992), constituiu critrio de incluso para coleta das amostras de alimentos aqueles estabelecimentos especializados e no especializados em culinria nipnica, que funcionassem no perodo diurno, tendo sido includos 33 estabelecimentos. Observando-se o horrio de funcionamento do LACEN (at as 17 horas), as amostras de alimentos desses 33 estabelecimentos foram coletadas no horrio de almoo (das 11h00 s 14h00), de 2 5 feira.

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    4.4.2 Seleo das preparaes e procedimentos de coleta

    A seleo das preparaes levou em conta informaes dos responsveis pelos estabelecimentos em relao s que eram mais procuradas, bem como disponibilidade de salmo nas mesmas, pescado mais utilizado para preparao do sashimi, como j referido na Introduo desse estudo. Foram elencadas como as mais procuradas: sashimi de salmo, sushi Filadlfia cru e sushi Filadlfia hot (preparao frita).

    Dessa forma foram coletadas, em cada estabelecimento, cerca de 200 a 250 gramas de cada uma das trs preparaes, coleta esta realizada conforme a RDC n0. 12 (BRASIL, 2001).

    As preparaes foram acondicionadas em recipientes para viagem do prprio estabelecimento, e em seguida identificadas e lacradas. Foram armazenadas em caixas trmicas com baterias de gelo, a fim de assegurar a temperatura de exposio at a entrega ao laboratrio e incio das anlises.

    4.4.3 Anlises efetuadas pelo LACEN

    No LACEN as amostras foram submetidas pesquisa de bactrias indicadoras e patognicas, num total de cinco parmetros por amostra, tendo sido consideradas um total de 90 amostras vlidas:

    1) Pesquisa de Coliformes Termotolerantes; 2) Pesquisa de Staphylococcus spp; 3) Pesquisa de Salmonella spp; 4) Pesquisa de Vbrio spp; 5) Pesquisa de Bacillus cereus; 6) Deteco da presena de Escherichia Coli

    Vale tambm informar que as referidas pesquisas bacteriolgicas constituem padres sanitrios das preparaes de pescado cru, arroz e queijo, conforme a RDC n0. 12 (ANVISA, 2001).

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    No quadro 1, esto expostos os padres de normalidade esperados para as anlises dos microorganismos citados, segundo a RDC n0. 12 (ANVISA, 2001).

    4.5 Tcnica de coleta, tabulao e anlise dos dados

    Para a coleta de dados foi elaborado um instrumento (Apndice 1), para o registro das informaes constantes nos laudos emitidos pelo LACEN, nos Termos de coletas de amostras da fiscalizao e na Lista de Verificao de Boas Prticas de Manipulao.

    Os dados registrados no instrumento referido foram analisados no software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) verso 15.0.

    Quadro 1: Padres microbiolgicos recomendados para pratos prontos para o consumo (alimentos de cozinhas, restaurantes e similares) Amostra/Anlise Padro legal Sushi, sashimi

    Coliformes a 45oC/g 102 NMP/g Salmonella SP/25g Ausncia em 25g Estafilococos coag. Positiva/g 103 UFC/g V. parahaemolyticus 103 UFC/g

    Arroz cozido Coliformes a 45oC/g 102 NMP/g Estafilococos coag. Positiva/g 103 UFC/g B. Cereus/g 103 UFC/g Salmonella sp/25g Ausncia em 25g

    Queijo Pasteurizado Coliformes a 45oC/g 10 NMP/g Estafilococos coag. Positiva/g 103 UFC/g

    Fonte: Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria ANVISA, Resoluo RDC n0. 12, de 02/01/2001 NMP = nmero mais provvel; UFC = unidade formadora de colnia

    Foi realizada analise estatstica para todos os achados, considerando o tipo de estabelecimento, mediante aplicao do teste do Qui-quadrado ou exato de Fisher, adotando-se p < 0,05 como nvel de significncia.

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    A interpretao dos achados ocorreu segundo discriminao a seguir.

    4.5.1 Laudos emitidos pelo LACEN

    No que tange aos laudos emitidos pelo LACEN, o estudo aqui efetuado respeitou o resultado daquele rgo, onde, para cada microorganismo os achados so categorizados em: Satisfatrio, Insatisfatrio e No-aplicvel (quando a pesquisa do microorganismo no preconizada pela Legislao Brasileira vigente). Os achados foram expressos em prevalncia de achados insatisfatrios.

    4.5.2 Termo de coleta das amostras

    Do termo de coleta das amostras foram extrados, tabulados e analisados os dados referentes temperatura (oC) em que as preparaes estavam expostas, o horrio da coleta e o tipo de estabelecimento. Conforme a RDC n0. 216, da ANVISA (BRASIL, 2004a), foram consideradas adequadas as temperaturas inferiores a 5o C.

    No caso do sushi hot, pelo fato do mesmo ser submetido coco tambm foi avaliada a temperatura ao termino do preparo. Conforme a RDC n0. 216 (BRASIL, 2004a), foi considerada adequada a temperatura igual ou maior que 70C.

    Os achados foram expressos em prevalncia de temperatura inadequada.

    4.5.3 Lista de verificao de Boas Prticas de Manipulao

    Da lista de verificao de Boas Prticas de Manipulao, cujo modelo encontra-se no anexo 1, foram observados, como j referidos, os itens referentes aos Manipuladores (item 6) e ao Preparo do alimento (tem 8). Assim, foi avaliada a adequao de uniformes, higienizao das mos, condies das unhas e procedimentos para evitar contaminao cruzada.

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    De acordo com a lista de verificao das Boas Prticas em Servios de Alimentao conforme Legislao Municipal (FORTALEZA, 2005), a resposta a todos os subitens dos dois itens analisados deve ser sim. Os achados foram expressos em prevalncia de achados insatisfatrios, ou seja, resposta no.

    4.6 Aspectos ticos

    Por tratar-se de pesquisa documental, conforme rege a Resoluo 196/96, do Ministrio da Sade (BRASIL, 2006) foi elaborado um termo de fiel depositrio (Apndice 2), com a devida autorizao do Servio (Anexo 2) que detm os laudos das amostras avaliadas. O projeto foi tambm submetido ao Comit de tica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cear, tendo sido aprovado em 05 de novembro de 2008, sob protocolo n 0836968 e folha de rosto n 220637 (Anexo 3).

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    5 RESULTADOS E DISCUSSO

    Considerando a escassez de publicaes referentes avaliao da qualidade higinica - sanitria de sushi e sashimi no contexto da presente pesquisa, optou-se por agrupar resultados e discusso em um mesmo captulo.

    Os achados encontram-se detalhados em trs sub-captulos, sempre confrontando os dados encontrados em estabelecimentos especializados com os obtidos em estabelecimentos no-especializados. Assim tal apresentao foi organizada em: parmetros higinico-sanitrios associados aos manipuladores durante o preparo, temperatura de preparo e conservao das preparaes e prevalncia de contaminao bacteriana nas preparaes.

    5.1 Parmetros higinico-sanitrios associados aos manipuladores durante o preparo

    Neste tpico foram avaliados os aspectos referentes a uniformes, higienizao das mos antes do incio das preparaes, adequao das unhas atividade e risco de contaminao cruzada. A Tabela 1 exibe a prevalncia de situao inadequada segundo o tipo de estabelecimento. Destaca-se o aspecto da higienizao das mos e da preveno de risco de contaminao cruzada, insatisfatrio em todos os estabelecimentos avaliados, independente da categoria. Nos tpicos uniformes e unhas no houve diferena estatstica segundo categoria de estabelecimento, respectivamente sendo encontrados p = 0,711 e p de Fisher = 0,203.

    O adequado cuidado com a higiene das mos tem merecido ateno, mesmo quando no se trata de preparaes que so consumidas sem coco. J h duas dcadas, Leite, Raddi e Mendona (1989) chamavam a ateno para esta questo. Os autores examinaram as mos de 48 manipuladores de alimentos de Araraquara, cidade do interior de So Paulo, trabalhadores em bares, restaurantes, lanchonetes e pastelarias, constatando que 91,8% apresentavam enterobacterias e enterococos nas mos.

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    Tabela 1: Prevalncia de parmetros higinico-sanitrios inadequados* referentes aos comportamentos dos manipuladores durante o preparo, segundo tipo de estabelecimento. Fortaleza-CE, ago./set. 2007

    Tipo de Estabelecimento Parmetro avaliado E (%) n = 15

    NE (%) n = 18

    Total (%)

    n = 33 Uniforme inadequado 40,0 27,8 33,3 Higienizao insatisfatria das mos 100,0 100,0 100,0 Inadequao das unhas 33,3 11,1 21,2 Risco de contaminao cruzada 100,0 100,0 100,0

    *Segundo a RDC 216/04 ANVISA; E =Especializado; NE = No Especializado.

    Um outro estudo, realizado por Ashibe et al. (2008), em So Jose dos Campos, tambm no interior paulista, junto a 19 manipuladores de alimentos de pontos ambulantes, verificou o conhecimento destes quanto ao correto cuidado com as mos, bem como a colonizao bacteriana das mos antes e aps uma interveno, que foi integrada por um curso de treinamento e pela utilizao do lcool gel a 70% como procedimento de higienizao das mos. Os autores constataram uma melhora de conhecimentos, cujos acertos passaram de 53,7 a 70%. Antes da interveno, a prevalncia de microorganismos nas mos foi de 84,2%, 60% destas sendo Gram- positivas e 40% Gram-negativas. Apos a utilizao do lcool gel a 70%, tal prevalncia foi reduzida para 31,6%, sendo que, no caso de coliformes totais e fecais nenhuma amostra mostrou-se positiva. Para os autores, a utilizao do produto citado constitui alternativa apropriada quando no se dispe de gua e sabo para higienizao das mos.

    Nos estabelecimentos avaliados havia lavagem das mos, mas no era utilizado sabo adequado, a tcnica de lavagem era inadequada e, aps a lavagem no havia um cuidado em se evitar a re-contaminao.

    Chama ateno a escassez de publicaes avaliando parmetros higinico-sanitrios de manipuladores de sushi e sashimi, considerando o risco presente, por se tratar de preparaes que so servidas cruas. Segundo Sousa (2006), a manipulao adequada, seguindo os princpios de Boas Prticas de Fabricao e fundamental para assegurar o fornecimento de um alimento seguro ao

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    consumidor. Os autores destacam ainda que o investimento em tcnicas de manipulao adequadas e o treinamento de manipuladores de alimentos constituem estratgias preventivas importantes de DTAs.

    Em um estudo realizado por Queiroz et al. (2001) em 10 restaurantes tipo self service localizados na cidade de So Paulo, foi constatado risco de contaminao cruzada em 13,64% deles. Em 40% deles no havia controle de sade adequado dos manipuladores. De um modo geral, os autores consideraram que no havia implantao adequada das Boas Praticas de Fabricao em nenhum dos estabelecimentos. Apesar dos autores no terem avaliado especificamente se o restaurante comercializava sushi e sashimi, as concluses preocupam, pois hoje muitos restaurantes tipo self service disponibilizam tais preparaes no balco.

    O processo de produo de sushi e sashimi engloba a compra, estocagem, preparao e entrega do produto. Todas as etapas podem estar associadas a riscos microbiolgicos (FOOD AND ENVIRONMENTAL HYGIENE DEPARTMENT OF HKSAR GOVERNMENT, 2000).

    No presente estudo, aspectos relacionados compra e estocagem do produto antes da manipulao propriamente dita no foram avaliados, mas merecem comentrios quanto ao risco potencial representado por estas etapas.

    O Food and Environmental Hygiene Departmente of HKSAR Government (2000), rgo de Hong-Kong, destaca que sob o ponto de vista de reduo de riscos, os ingredientes devem ser adquiridos de estabelecimentos confiveis e devem estar em boas condies. O arroz, antes do preparo, deve ser armazenado em local seco. A conservao do pescado deve ser a -18C se congelado e at 4C caso refrigerado. O produto congelado, para ser manipulado deve ser descongelado sob refrigerao (at 4C). No Brasil, como j referido na Introduo deste estudo, para refrigerao aceita temperatura inferior a 5C (BRASIL, 2004a).

    ainda destacada a importncia de se evitar ter grande quantidade de pescados em estoque. Tambm frisado que produtos ainda no manipulados devero ser conservados separados de preparaes prontas congeladas ou refrigeradas, prevenindo contaminao cruzada (FOOD AND ENVIRONMENTAL HYGIENE DEPARTMENT OF HKSAR GOVERNMENT, 2000).

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    No que tange a manipulao propriamente dita, referido que as mos devem ser adequadamente lavadas e os alimentos devem ser tocados minimamente, sendo as mos substitudas por maquinas ou por luvas (FOOD AND ENVIRONMENTAL HYGIENE DEPARTMENT OF HKSAR GOVERNMENT, 2000). Especificamente em Fortaleza, os estabelecimentos estudados no dispunham de maquinas para elaborao de sushis, sendo estes preparados manualmente; luvas tambm no eram utilizadas por nenhum manipulador. Por outro lado, no h legislao especifica para este tipo de preparao no Pas, em relao ao uso de luvas. Um rgo australiano, de New South Gales (NSW FOOD AUTHORITY, 2007), destaca que luvas devem ser utilizadas para uma nica tarefa continua e ento descartadas.

    Em Hong-Kong e recomendado que os sushis e sashimis sejam preparados em rea exclusiva, bem como que sejam exclusivos os utenslios destinados aos procedimentos de preparo. Alem disso, recomenda-se higiene e desinfeco de utenslios antes e aps o preparo (FOOD AND ENVIRONMENTAL HYGIENE DEPARTMENT OF HKSAR GOVERNMENT, 2000). Inclusive, na legislao daquele pas prevista licena especial para manipular e vender tais iguarias.

    A legislao brasileira omissa quanto a procedimentos especficos para preparo de sushi e sashimi. No caso dos restaurantes no especializados avaliados, apesar da rea ser colocada como exclusiva, a mesma recebia os ingredientes, como arroz, queijo e hortalias, de outros setores. Entre os especializados, as reas eram comuns para preparo tambm de outros pratos da cozinha nipnica. Da mesma forma, os mesmos utenslios eram utilizados tanto para manipular o sashimi, como para manipular os ingredientes que entrariam na composio do sushi. Desta forma, pode-se dizer que o risco de contaminao cruzada atingiu 100% das preparaes, como apontado na Tabela 1.

    Um aspecto importante que destacado no documento do governo de Hong-Kong sobre controle de riscos associados ao sushi e sashimi, e que pessoas imunocomprometidas, idosos, gestantes e portadores de doenas crnicas, como cncer, no deveriam consumi-los (FOOD AND ENVIRONMENTAL HYGIENE DEPARTMENT OF HKSAR GOVERNMENT, 2000). So alertas que no tem sido feitos no Brasil ou sequer discutidos quanto pertinncia ou no de tais recomendaes. Tal omisso mais um fator a comprometer a segurana alimentar da populao.

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    De qualquer forma, apesar de ainda ser incipiente no Brasil a discusso dos aspectos ligados a qualidade higinico-sanitria e nutricional de sushi e sashimi, vrios pases esto discutindo a temtica e elaborando normas e leis especificas para assegurar a qualidade microbiolgica destas preparaes. Em Victoria, na Austrlia, foi desenvolvido um protocolo para elaborao e venda de sushi, vigente at o momento (FOOD SAFETY VICTORIA, 2004). No documento destacado, no tpico referente ao preparo, que quando a preparao envolver o uso do arroz, para cada quilograma deste deve ser adicionado 110mL de vinagre, o que dever manter o pH em 4,8 ou mais baixo, devendo ser aumentada a quantidade de vinagre caso no se obtenha o pH desejvel. Tal pH impedira proliferao microbiana, inclusive protegendo os demais ingredientes, caso os mesmos estejam previamente livres de contaminao. A questo da necessidade de iseno de contaminao previa dos ingredientes tambm destacada, bem como a importncia da manipulao ser mnima e dos utenslios estarem limpos e desinfetados. Para hortalias preconizado, alm da lavagem adequada, a utilizao de produtos de desinfeco apropriados.

    Um outro documento australiano (NSW FOOD AUTHORITY, 2007) coloca o pH desejvel abaixo de 4,6. Para este rgo, a recomendao que o arroz no seja utilizado se no estiver com este pH ou se tiver sido preparado h mais de 8 horas. Com o pH adequado, o arroz pode ser estocado a temperatura ambiente e deve ser utilizado no mesmo dia em que foi preparado.

    No que tange ao manipulador, o NSW Food Authority (2007) destaca adicionalmente que no deveriam manipular alimentos indivduos com febre, vmitos ou diarria. Adicionalmente, j h tempos Ying (1996) chamou a ateno para a necessidade de que um sushiman fosse envolvido exclusivamente em preparao de sushi e que tal preparo fosse para consumo imediato.

    No Brasil, recentemente Mello, Back e Colares (2008) destacaram a necessidade de criao de um roteiro especifico para fiscalizao de restaurantes que comercializam pratos da culinria japonesa, sejam especializados ou no. Os autores propuseram a observao de 10 itens: ambiente, equipamentos e utenslios, abastecimento de gua, resduos slidos, manipuladores de alimentos, recebimento de matria-prima, produto exposto venda, produo e manipulao das preparaes, armazenamento da matria-prima e controle de qualidade.

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    Logicamente os aspectos a serem observados e considerados obrigatrios para cada item, caso siga-se proposta dos autores citados, devero ser amplamente discutidos, no mbito da vigilncia sanitria, a fim de se proceder a normatizao de procedimentos que facilitem a fiscalizao e garantam a chegada de um produto seguro para o consumidor.

    5.2 Temperatura de preparo e conservao das preparaes

    No quesito temperatura de exposio, como a legislao brasileira no especifica para sushi e sashimi que j so preparaes prontas, mas ao mesmo tempo incluem pescados crus, h dificuldades na interpretao do certo e errado. Para a interpretao dos achados do presente estudo foi adotado a RDC 216/04 (BRASIL, 2004a), que define abaixo 5C para refrigerao e pelo menos 70C como temperatura final de um produto que acabou de ser submetido coco.

    Apenas para o sushi Filadlfia hot foi tambm mensurada a temperatura ao trmino do preparo. Constatou-se que 6 (40%) amostras dos estabelecimentos especializados e 9 (50%) dos no especializados encontravam-se inadequadas quanto temperatura exigida ( 70C) no centro geomtrico da preparao.

    A prevalncia de temperaturas inadequadas de exposio para cada iguaria, considerando o tipo de estabelecimento encontra-se discriminada na Tabela 2.

    Tabela 2: Prevalncia de temperatura inadequada durante a exposio das preparaes avaliadas, segundo tipo de estabelecimento. Fortaleza-CE, ago./set. 2007

    Tipo de Estabelecimento Preparaes E (%) n = 15

    NE (%) n = 18

    Total (%)

    n = 33 Sushi Filadlfia cru 100,0 100,0 100,0 Sushi Filadlfia hot 53,3 50,0 51,5 Sashimi de salmo 93,3 88,9 90,9

    *Segundo a RDC 216/04 ANVISA; E = especializado; NE = No Especializado.

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    Observa-se uma situao muito alarmante para sushi Filadlfia cru, seguido pelo sashimi, confeccionados exclusivamente com pescados crus, onde o risco sade se torna maior. Mesmo para o sushi Filadlfia hot, foi alta a proporo de estabelecimentos cuja temperatura de exposio estava inadequada, o que se torna mais grave ao se confrontar com os dados referentes temperatura ao final do preparo, que j no foram satisfatrias para grande parte dos estabelecimentos. Desta forma, o consumidor pode, erradamente, atribuir menor risco a esta preparao do que as outras. A situao foi similar nos dois tipos de estabelecimento, sem diferena estatstica considerando o sushi Filadlfia hot (p = 0,874) e o sashimi (p de Fisher = 1,000).

    Vale ainda um comentrio a respeito do sushi Filadlfia hot. Apesar do nome, o mesmo no servido quente e, sim, colocado com as demais preparaes, pelo menos em restaurantes de auto-servio. O nome refere-se apenas ao fato de ser uma preparao que foi submetida coco.

    Em Hong-Kong preconizado que a temperatura de exposio de sushis e sashimis seja de ate 4C (FOOD AND ENVIRONMENTAL HYGIENE DEPARTMENT OF HKSAR GOVERNMENT, 2000).

    No protocolo proposto pela Food Safety Victoria (2004), colocada como temperatura de exposio desejvel a de ate 5C. Desde que elaborado conforme as diretrizes aceito que os produtos sejam expostos em temperaturas alternativas, seguindo a regra de 2 ou 4 horas: caso a exposio seja maior que 4 horas o produto deve ser descartado; entre 2 e 4 horas deve ser usado imediatamente e menos de 2 horas deve ser refrigerado imediatamente. Mesmo assim, a temperatura deve ser de at 15C. E colocada ainda a permisso de at 12 horas para sushi enrolado em alga e, para peixe cru colocado sobre o arroz, at 8 horas, mas desde que a elaborao tenha sido dentro das recomendaes.

    A NSW Food Authority (2007), tambm estabeleceu diretrizes para preparo e exposio de sushi visando a segurana alimentar. A proposta igual a da Food Safety Victoria (2004), mas adicionalmente colocado que exposio a 25C por mais de 4 horas seria um ponto de corte que caracterizaria uma temperatura no aceitvel. Sempre destacada a importncia de ser seguida a

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    orientao de preparo e, no caso da acidificao e colocado pH de 4,6 ou menos. Para o alimento que tenha sofrido coco e recomendado 60C ou mais.

    De qualquer forma, considerando as condies insatisfatrias detectadas no que tange a manipulao (mesmo no tendo sido observados todos os tpicos nela envolvidos), e considerando a ausncia de exigncias especificas para este tipo de iguaria, a tolerncia para temperaturas de exposio a frio mais elevadas no parece ser recomendvel para os estabelecimentos avaliados. Ressalte-se ainda a necessidade de ser fiscalizado o tempo em que estas preparaes ficam expostas ate serem recolhidas e o destino das mesmas neste momento.

    5.3 Prevalncia de contaminao bacteriana nas preparaes

    Nas amostras avaliadas, no houve crescimento de Staphylococcus spp, Salmonella spp, Vbrio sp e Bacillus cereus. Deve, no entanto, ser destacado, que as amostras foram colhidas no inicio do processo de exposio, de forma que foi interrompido de certo modo o binmio tempo/temperatura necessrio para o desenvolvimento destes patgenos. No pode ser descartada a hiptese de que, caso colhidas com tempo maior de exposio, algum crescimento poderia ser sido detectado.

    Na legislao atual, a ANVISA foca a ateno, alm dos microorganismos citados acima, sobre a presena de Escherichia coli. Dentre as termotolerantes, no e realizada investigao das demais integrantes do grupo, com vistas a indicar o produto como imprprio para consumo.

    A Tabela 3 exibe os achados referentes a Escherichia coli. Observa-se que nos restaurantes especializados houve similaridade na prevalncia deste microorganismo. J nos no especializados, houve maior presena no sushi Filadlfia cru, seguido pelo sashimi. No entanto no se comprovou diferena estatstica entre os estabelecimentos considerando sushi Filadlfia cru (p de Fisher = 0,699), sushi Filadlfia hot (p de Fisher = 0,308) e sashimi (p de Fisher = 0,639).

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    Tabela 3: Prevalncia de amostras com presena de Escherichia coli segundo preparaes e tipo de estabelecimento. Fortaleza-CE, ago./set. 2007

    Tipo de Estabelecimento Preparaes E (%) n = 15

    NE (%) n = 18

    Total (%)

    n = 33 Sushi Filadlfia cru 20,0 27,8 24,2 Sushi Filadlfia hot 20,0 5,6 12,1 Sashimi de salmo 20,0 11,1 15,2

    *Segundo a RDC 12/01 ANVISA; E = especializado; NE = No Especializado

    Fang (2005) em reviso sobre contaminao de alimentos comercializados em Taiwan detectou valores variveis de 18-40% de Bacillus cereus, 1-2% de Escherichia Coli e 15-34% para coliformes totais, dependendo se era amostra de sushi com arroz enrolado em alga e sushi em cone de algas, mostrando que o tipo de preparaes destas iguarias tambm exerce influncia na contaminao. Deve ser comentado que, segundo o autor, tais preparaes so comercializadas a 18C naquele pas e o mesmo alerta que esta temperatura, constitui uma zona de perigo para o crescimento dest