avaliaçao pbl uesbmaria esther prates

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    MARIA ESTHER VENTIN DE OLIVEIRA PRATES

    O PROCESSO TUTORIAL NO MTODO DE APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS (ABP) NO CURSO DE MEDICINA DA

    UESB: A COMPREENSO DOS ESTUDANTES

    Salvador 2009

  • MARIA ESTHER VENTIN DE OLIVEIRA PRATES

    O PROCESSO TUTORIAL NO MTODO DE APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS (ABP) NO CURSO DE MEDICINA DA

    UESB: A COMPREENSO DOS ESTUDANTES

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao, na linha de pesquisa Currculo e (In)Formao da Faculdade de Educao da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial obteno do grau Acadmico de Mestre.

    Orientador: Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo

    Salvador 2009

  • UFBA/Faculdade de Educao Biblioteca Ansio Teixeira

    P912

    Prates, Maria Esther Ventin de Oliveira. O processo tutorial no mtodo de aprendizagem baseada em

    problemas (ABP) no curso de medicina da UESB [recurso eletrnico]: a compreenso dos estudantes / Maria Esther Ventin de Oliveira Prates. - 2009.

    1 CD-ROM; 4 pol.

    Orientador: Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo Dissertao (mestrado) Universidade Federal da Bahia, Faculdade

    de Educao, 2009.

    1. Medicina Estudo e ensino. 2. Aprendizagem baseada em problemas. 3. Mtodo de estudo. I. Macedo, Roberto Sidnei. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educao. III. Ttulo.

    CDD 610.7 22 ed.

  • Dedico este momento memria de meu pai, Prof. Jos Freitas de Oliveira, para sempre, mestre.

    Com amor e admirao,

    TECA

  • AGRADECIMENTOS

    A realizao dos sonhos no se faz sem a colaborao de muitos.

    Para a concretizao de mais um deles, contei com:

    - o amor, a compreenso e os atos de encorajamento do meu sempre amado, presente e atuante companheiro de todas as jornadas, Gilberto, sem o qual nada seria possvel; - o amor e o carinho dos nossos queridos filhos, Daniela, Fernanda, Carolina e Gabriel;

    - o providencial, acolhedor e amoroso colo de minhas mes, Carmen e Marizete;

    - a decisiva contribuio do Prof. Dr. Reginaldo de Souza Silva que, no momento certo, me apontou os rumos e encorajou-me a arriscar-me na aventura de navegar nos mares da Educao, estes, por mim, nunca dantes navegados;

    - ao meu orientador, Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo, pelas suas seguras observaes, pela pacincia, compreenso e ateno dispensadas;

    - vida, pela oportunidade do convvio fraterno e amistoso, nem por isso menos rico em aprendizagens, com a Prof Dra. Maria Roseli S, que, em sua justa itinerncia, abriu como mestra e tutora, as portas do meu compreender para a filosofia da educao;

    - aos colegas e funcionrios do Colegiado de Medicina da UESB, pela compreenso e estmulo, freqentemente manifestados;

    - aos colegas do MINTER, companheiros nessa aventura pensada, pela disponibilidade para a troca de impresses, na riqueza do convvio;

    - finalmente, aos alunos do Curso de Medicina da UESB, razo maior deste trabalho.

  • A educao um processo social, desenvolvimento. No a preparao para a vida, a prpria vida.

    John Dewey

  • PRATES, Maria Esther Ventin de Oliveira. O processo tutorial no mtodo de aprendizagem baseada em problemas (ABP) no Curso de Medicina da UESB: a compreenso dos estudantes. 2009. 95p. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Educao, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2006.

    RESUMO

    Este trabalho relata a compreenso dos estudantes de Medicina da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), acerca do processo tutorial na metodologia Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) tambm conhecida como Problem-Based Learning (PBL), adotada por esse curso. Para esse fim, foram utilizados os recursos investigativos proporcionados pela pesquisa etnogrfica, numa abordagem hermenutica, com a realizao de grupos focais. A anlise das expresses manifestadas pelos alunos revelou elementos sobre a compreenso que os mesmos possuem a respeito do processo tutorial nos moldes como atualmente realizado no Curso de Medicina da UESB. Assim, observou-se as consideraes dos estudantes em relao a aspectos da tutoria relacionados ao desempenho dos tutores, autonomia proporcionada por essa metodologia de ensino e aprendizagem, ao relacionamento entre os prprios alunos e entre tutor e alunos e a aspectos da formao mdica, condizentes com as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Medicina, propostas pelo MEC.

    Palavras-chave: Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP). Tutoria. Ensino Mdico.

  • PRATES, Maria Esther Ventin de Oliveira. The teaching process in problem-based learning (PBL) at UESB school of Medicine: students understanding. 2009. 95p. Dissertation (Masters degree) School of Education, Federal University of Bahia, Salvador, 2009.

    ABSTRACT

    The objective of this paper is to report how students at State University of Southwest Bahia (UESB) School of Medicine understand the teaching process based on Problem-Based Learning methodology (PBL), adopted by this course. The analysis used investigative resources provided by ethnographic research, utilizing a hermeneutic approach. The study observed students understanding in relation to teaching aspects regarding teachers performance, autonomy provided by this teaching and learning methodology, relationship between students and teachers and among students themselves, and aspects of medical formation, in accordance with the current National Curriculum Directives proposed by the Ministry of Education.

    Keywords: Problem-Based Learning. Tutoral. Medicine Teaching.

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ABP Aprendizagem Baseada em Problemas A5 Aluno que cursa o 5 ano do curso mdico da UESB A4 Aluno que cursa o 4 ano do curso mdico da UESB CRP Clinical Reasoning Process (Processo de Raciocnio Clnico) EBMSP Escola Bahiana de Medicina e Sade Pblica FAMEMA Faculdade de Medicina de Marlia FTC Faculdade de Cincias e Tecnologia IES Instituio de Ensino Superior MEC Ministrio da Educao e Cultura MINTER Programa de Ps-Graduao em Educao UESB/UFBA MOT Increasing Motivation for Learning (Aumento da motivao para a

    aprendizagem) OMS Organizao Mundial de Sade PBL Problem Based Learning PIESC Prticas de Interao Ensino Servio Comunidade PUC Pontifcia Universidade Catlica SCC Structuring of knowledge for use in Clinical Context (Estruturando o conhecimento

    para uso num Contexto Clnico) SDL Self-Directed Learning (Aprendiagem auto-direcionada) UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana UEL Universidade Estadual de Londrina UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESC Universidade Estadual de Santa Cruz UFBA Universidade Federal da Bahia UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao e a Cultura UNIFESP Universidade Federal de So Paulo USP Universidade de So Paulo

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................................................................... 12 1.1 SOBRE A FORMAO MDICA ................................................................................... 14 1.2 SOBRE A UESB ................................................................................................................ 17 1.3 QUESTES DE PESQUISA ............................................................................................. 18 1.4 OBJETIVOS ....................................................................................................................... 19 1.4.1 Objetivo geral .................................................................................................................. 19 1.4.2 Objetivos especficos ....................................................................................................... 19 1.5 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................... 19

    2 REFERENCIAL TERICO .............................................................................................. 23 2.1 CONSIDERAES SOBRE O CURSO DE MEDICINA DA UESB .............................. 24 2.2 APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS (ABP): ASPECTOS EPISTEMOLGICOS ............................................................................................................. 25 2.3 O PROCESSO TUTORIAL NA METODOLOGIA ABP ................................................. 28

    2.3.1 O papel do tutor ............................................................................................................... 31 2.4 ASPECTOS FILOSFICOS NA PRTICA CLNICA .................................................... 35

    3 METODOLOGIA ................................................................................................................ 40 3.1 DEFINIO DOS PARTICIPANTES .............................................................................. 40 3.2 COLETA E ANLISE DE DADOS .............................................................................. 41 3.3 DEFINIO DA AMOSTRAGEM .................................................................................. 41 3.4 OBSERVAO PARTICIPANTE .................................................................................... 41 3.5 GRUPO FOCAL ................................................................................................................ 42 3.6 ANLISE DE DOCUMENTOS ........................................................................................ 45 3.7 ANLISE DOS DADOS ................................................................................................ 45 3.8 ANLISE DE CONTEDOS............................................................................................ 46

    4 APRESENTAO E DISCUSSO DOS DADOS ...................................................... 49 4.1 COMPREENSES SOBRE O TUTOR ............................................................................ 49 4.2 DA RELAO TUTOR-ALUNO-TUTOR ...................................................................... 51 4.3 DA RELAO ALUNO-ALUNO .................................................................................... 54

  • 4.4 DA AUTONOMIA O APRENDER A APRENDER ...................................................... 56 4.5 DA FORMAO PROFISSIONAL E HUMANA ........................................................... 59 4.6 DA AVALIAO .............................................................................................................. 62 4.7 COMPREENSES SOBRE O PROCESSO TUTORIAL ................................................. 65 4.8 A CRTICA REALADA ................................................................................................. 66 4.9 DAS CONSIDERAES FINAIS DOS ALUNOS .......................................................... 71

    5 CONSIDERAES CONCLUSIVAS .............................................................................. 74 5.1 O PROCESSO TUTORIAL E SUAS MEDIAES ........................................................ 74 5.2 A EMERGNCIA DA APRENDIZAGEM ....................................................................... 77 5.3 A METODOLOGIA ABP NA UESB COMO PROCESSO FORMATIVO: DESAFIOS E LIMITES PARA A ATIVIDADE PROFISSIONAL EM FORMAO ........ 78

    REFERNCIAS ..................................................................................................................... 81

    APNDICES ........................................................................................................................... 85

    ANEXOS ................................................................................................................................. 89

  • 12

    1 INTRODUO

    No atual contexto de crtica aos paradigmas cientficos que sustentam o processo de formao mdica, novas perspectivas educacionais e de atuao profissional ensejam a abertura de debates e reflexes que possam conduzir a reorientaes capazes de delinear, entre as mltiplas possibilidades, aquelas que melhor atendam aos anseios de mudana.

    Tais perspectivas representam um salto de dimenso no entender os elementos multifatoriais essencialmente agregados aos processos de busca e manuteno da sade, conforme definida pela Organizao Mundial da Sade (OMS): "situao de perfeito bem-estar fsico, mental e social" do indivduo. Caminha-se para a adoo de novas diretrizes, com a abertura do olhar e do sentir, sem prejuzos, contudo, do seguro caminhar na sempre desafiadora, instigante e, ao mesmo tempo, apaixonante trilha dos compromissos assumidos por aqueles que optam por atrelar suas vidas a atividades relacionadas s cincias da sade, nas quais, de forma incontornvel, a ao/reflexo se faz no emaranhado dos fios que incessantemente tecem, com harmonia, a delicada trama formada pela interao da cincia mdica, da tica, da investigao e da pesquisa.

    Sempre com a ateno voltada aos sinais e pistas que integram as paisagens desse caminhar, nos aspectos relativos formao, no h riscos de comprometer a qualidade final dos profissionais que atuaro no cenrio complexo de ateno sade, onde predominam a valorizao do trabalho inter/transdisciplinar e a percepo da dimenso do ato mdico, no seu modo de exercer a cincia-arte mdica. Tal compreenso, sem conflitos diretos com aspectos culturais, sociais, religiosos ou econmicos, respeita as ambivalncias e as singularidades inerentes a cada indivduo, no seu modo particular de ser no mundo.

    As reflexes sobre a dimenso da atuao do profissional de sade conduzem atualmente um grande movimento de reorientao do ensino na rea de sade, difundido de forma crescente em diversos pases nos ltimos trinta anos e, na ltima dcada no Brasil, onde vem ganhando espao, principalmente nas escolas e faculdades de medicina. Tal reorientao encontra-se refletida na organizao modular de contedos disciplinares e na adoo da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) como estratgia didtico-metodolgica privilegiada na formao de mdicos capazes de abordar criticamente e resolver da forma mais adequada os complexos problemas de sade do indivduo e da comunidade (SILVA; DELIZOICOV, 2005, p. 3).

    Esta perspectiva, em parte justificada pela necessidade de aproximar teoria e prtica e de integrar contedos, demasiadamente compartimentalizados em uma estrutura curricular

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    baseada em disciplinas, procura desenvolver a capacidade de resoluo de problemas clnicos. Respalda-se em recomendaes de sociedades mdicas nacionais e internacionais e j se encontra consolidada em algumas instituies de ensino mdico internacionais, tais como a Universidade de Maastrich, na Holanda, a Universidade de Lige, na Blgica e as Universidades de McMaster e Sherbrooke, no Canad. Ao mesmo tempo, no se restringe apenas ao ensino mdico, seno a todos os cursos de formao na rea da sade, com princpios incorporados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Medicina.

    No Brasil, atualmente, 33 instituies de ensino em sade utilizam a metodologia ABP, entre as quais, encontram-se a Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paran; a Escola de Sade Publica do Cear e a Faculdade de Medicina de Marlia, em So Paulo. A Escola de Sade Publica do Cear foi a pioneira na implantao das propostas curriculares fundamentadas na ABP, em 1993 (MAMEDE, 2001), e, em 1997 e 1998, respectivamente, a Faculdade de Medicina de Marlia (FAMEMA) e o Curso de Medicina da Universidade Estadual de Londrina (UEL) tambm as adotaram.

    Atualmente esta metodologia encontra-se bastante difundida entre as novas escolas mdicas brasileiras (Medicina UNIFESP; Medicina USP Botucatu; Medicina Federal de So Carlos; Medicina da PUC Campinas), que buscam aprimoramentos na formao e na prtica dos profissionais de sade, como resultado das profundas transformaes nos modelos assistenciais da medicina ocidental e na flexibilizao da base epistemolgica daquilo que historicamente se constituiu e se firmou como o modelo adequado para atender s demandas do ensino mdico no Ocidente (SILVA; DELIZOICOV, 2005, p. 2).

    Em relao aos cursos de medicina no estado da Bahia, seis instituies adotam, de forma parcial ou integral, a metodologia da Aprendizagem Baseada em Problemas: a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB); a Universidade Federal da Bahia (UFBA); a Escola Bahiana de Medicina e Sade Pblica (EBMSP); a Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e a Faculdade de Tecnologia e Cincias (FTC).

    A Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) foi a primeira instituio, na Bahia, a adotar esta inovadora metodologia de ensino e aprendizagem, cuja implantao contou inicialmente com a assessoria da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

  • 14

    1.1 SOBRE A FORMAO MDICA1

    A medicina no Brasil era exercida por curandeiros e boticrios ou, quando muito, por pessoas que tinham se formado nas faculdades de medicina da Europa por isso, a medicina praticada no pas era, at o sculo XIX, a europia, em particular a francesa (EDLER, 2001, p. 14 apud BEHRENS; SEEGMLLER; GIELOW, 2008, p. 9-22). Quanto aos cursos de medicina, esses tiveram incio com a chegada da famlia real, quando D. Joo VI criou, em 1808, a Faculdade de Medicina na Bahia e, pouco depois, a do Rio de Janeiro. Assim, lenta e progressivamente, os profissionais formados na Europa foram substitudos por mdicos provenientes das escolas mdicas da Bahia e do Rio de Janeiro.

    No decorrer dos anos seguintes, as atividades relativas ao exerccio da medicina experimentaram grande incentivo intelectual. Desde ento, foram elaborados cerca de trinta decretos ou decises com vista a uma estrutura mnima de desenvolvimento da medicina no pas (EDLER, 2001, p. 14 apud BEHRENS; SEEGMLLER; GIELOW, 2008, p. 9-22).

    No sculo XX, os cursos de medicina passaram a adotar o modelo flexneriano americano de ateno sade, em que os mdicos se constituem o elemento central nos sistemas de servios de sade. Contribui para essa viso a existncia de dois currculos nos cursos de medicina: o oficial e o oculto. O currculo oculto leva o estudante a incorporar, como prprias, as formas de comportamento e os valores dominantes no grupo mdico, para chegar a pertencer a esse segmento social (BERHENS et al., 2006). Tal processo de identificao ocorre quase de forma imperceptvel, concomitante aprendizagem formal. O aluno, assim, identifica os atributos que lhe do prestgio social e, num processo de construo gradativa, adquire uma escala de valores baseada em compreenses elaboradas nas vivncias oportunizadas durante a graduao.

    A partir de 1980, a Constituio Brasileira definiu a sade de forma ampla e a transformou em direito de todos e dever do Estado. Assim, para atingir tal ideal, o sistema de sade brasileiro vem passando por profundas transformaes, numa tentativa de sair do modelo hospitalocntrico e agudocntrico. Tambm a transio demogrfica vem produzindo alteraes na estrutura de idade das populaes, fato que tem gerado o crescimento relativo de patologias crnicas, como resultado do aumento da expectativa de vida do brasileiro

    1 As consideraes contidas nesse tpico foram desenvolvidas com bases nos elementos do trabalho de Behrens, Seegmller e Gielow - Formao Mdica: uma proposta diante das demandas da sociedade. Experincia da Pontifcia Universidade Catlica do Paran-PUCPR, Tuiuti: Cincia e Cultura, Curitiba, n. 39, p. 9-22, 2008.

  • 15

    (BEHRENS; SEEGMLLER; GIELOW, 2008, p. 12) e, conseqentemente, a necessidade de mudanas no perfil do sistema de sade brasileiro

    Outro aspecto a se considerar a competitividade do mundo do trabalho e as questes scio-econmicas que envolvem o setor de sade, as quais vm demandando do mdico no apenas o conhecimento tcnico-cientfico, na maioria das vezes, fragmentado, mas as competncias que permitam a sua interao com todos os setores da sociedade.

    Tambm as exigncias da sociedade no sculo XXI carregam o enfrentamento das mudanas paradigmticas na cincia e, por conseqncia, na educao, o que gera a necessidade de buscar novos caminhos para a formao dos profissionais em todas as reas do conhecimento. O curso de medicina tambm desafiado a repensar a formao reducionista e linear ofertada para os alunos, baseada num modelo flexneriano, ou seja, fundamentada num paradigma que mantinha como foco a repetio, a memorizao e a reproduo do conhecimento (BERHENS et al., 2006).

    A fim de atender a essas novas e complexas demandas, a sociedade e o mundo do trabalho buscam um profissional diferente daquele que tem sido formado nos cursos, e, para isso, necessrio que haja mudanas tanto na formao dos profissionais quanto nas instituies formadoras. So grandes os desafios a serem vencidos no tocante preparao profissional voltada para a realidade desse novo mercado mdico no pas, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Medicina, homologadas e publicadas em 2001 pelo MEC, constituem-se numa tentativa vlida de sistematizao do ensino mdico no Brasil, de forma que possa contribuir para a formao de mdicos dotados de elevada capacidade criativa, crtica e operacional, que lhes permita a compreenso adequada da verdadeira dimenso do ato mdico, numa perspectiva cada vez maior de articulao e integrao com a sociedade, em todas as suas instncias.

    A utilizao da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) constitui-se numa outra possibilidade de responder s demandas por um profissional mdico que tenha uma viso bio-psico-social e mais humanista no modo de exercer as suas funes. Nessa perspectiva, espera-se que o futuro mdico esteja tambm atento a aspectos de ordem emocional, afetiva e scio-econmico-cultural que, inevitavelmente articulam-se na complexidade do processo sade-doena. Que tenha, ainda, desenvolvido a sensibilidade para compreender a dor e o sofrimento dos pacientes e familiares, nos momentos tensos e confusos da crise da doena. Que esteja, ademais, preparado para agir com eficincia em situaes de risco, por j ter familiaridade com problemas da profisso; e que tambm possua maior capacidade para

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    entender as necessidades da preveno de doenas, alm de ter desenvolvido o gosto pela pesquisa.

    O sucesso do ABP, entretanto, depende de um cuidadoso processo de qualificao dos professores que nele pretendem atuar, da participao ativa em cursos de formao continuada, j que no uso dessa metodologia, a formao pedaggica docente envolve a conduo do processo metodolgico, o aprendizado na mediao dos trabalhos individuais e coletivos, a conduo de grupos e a elaborao de problemas. Demanda, ademais, a abertura do olhar para a valorizao do trabalho interdisciplinar, o estmulo indicao de caminhos para a produo do conhecimento, a provocao de conhecimentos prvios, numa atitude de constante reflexo sobre a prtica docente. O nvel de complexidade crescente do entendimento das diversas cincias obriga a se ter um novo olhar sobre os processos de formao, no intuito de aperfeio-los. Em 2008, o Brasil completou duzentos anos de ensino mdico, entretanto, passados esses dois sculos, o desafio da formao do mdico continua em pauta, pois os professores-mdicos-educadores tm a responsabilidade de formar profissionais competentes, ticos, pesquisadores e transformadores. O volume de informao em cada especialidade mdica multiplicou-se em muito, e a agregao tecnolgica modificou de maneira irreversvel, a relao mdico-paciente-sociedade.

    As escolas mdicas devem entender que tm responsabilidades de ir alm do modelo tradicional e formar mdicos mais plenos, que, ao assumirem posturas crticas responsveis, busquem o exerccio de uma medicina preventiva.

    O desafio grande porque envolve a busca de uma lgica diferente na profisso. Os profissionais que apresentam resistncias nos redutos conservadores precisam superar a valorizao da formao exclusiva no ambiente hospitalar, como cenrio ideal e nico, para buscar uma formao mdica com mltiplos cenrios, olhares e dimenses. Essa nova atitude possibilita a insero do aluno em diferentes ambientes de ensino, em espaos extra-universitrios e extra-hospitalares; espaos existentes na comunidade, onde possam desenvolver atividades, vivncias que os influenciem na sua maneira de ver o mundo, de pensar e de agir frente aos desafios da sade na comunidade.

    De acordo com as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Medicina, os currculos de formao mdica devem contemplar toda a realidade do exerccio profissional e buscar um perfeito equilbrio entre a agregao tecnolgica e a humanizao da ateno sade. Em sua formao, os alunos precisam desenvolver tambm as atividades dos

  • 17

    Estgios de Sade da Famlia e Comunidade, consideradas atividades de alta complexidade, dados o volume e a profundidade de conhecimentos que devem ser dominados.

    Neste sentido, devem ser estimuladas aes que permitam formar mdicos capazes de, tanto na rea ambulatorial, quanto na hospitalar, promover intervenes conscientes e crticas, quer em atividades de alta agregao tecnolgica quer em encaminhamentos cotidianos nas unidades de sade.

    Assim, a vivncia na metodologia do ABP permite que o aluno assuma plenamente a sua condio de ator social, pois, natural e existencialmente inserido em comunidades, estar sempre envolvido nas problematizaes que demandem discernimento, atuao, presteza de raciocnio e autonomia para tomar decises, para modificar a realidade que o circunda com vista transformao social (BEHRENS et al., 2006).

    1.2 SOBRE A UESB

    A Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) uma instituio de ensino superior pblica, multicampi, cuja sede da Reitoria se localiza em Vitria da Conquista. A histria da UESB teve incio na dcada de 1970 e, nos ltimos anos, esta instituio tem estado em franco processo de desenvolvimento. Conta atualmente com cerca de sete mil alunos matriculados nos seus diversos cursos.

    Vitria da Conquista um municpio situado no Sudoeste da Bahia, a 14 50'19" de Latitude Sul e 44 50'19" de longitude W. GR., a uma altitude de 921 metros em relao ao nvel do mar e dista, em linha reta, 313 km, e, por rodovia, 512 km, de Salvador, capital do estado. Limita-se ao norte com os municpios de Anag e Planalto; a leste, com Barra do Choa, Itamb e Ribeiro do Largo; ao sul, com Encruzilhada e Cndido Sales; e a oeste, com Cndido Sales, Belo Campo e Anag.

    Parte da regio, compreendida como Sudoeste da Bahia (ou mais especificamente, como Planalto da Conquista), foi no passado chamada de Serto de Ressaca. Por sua situao privilegiada, a meio caminho entre o litoral ( altura da cidade de Ilhus-BA) e o rio So Francisco ( altura de Bom Jesus da Lapa), Conquista se constituiu, desde o incio, em uma cidade encruzilhada, por onde passavam boiadas e onde os vaqueiros pousavam para descansar, das longas viagens pelo serto, na conduo dos bois para venda em Salvador e Recncavo da Bahia.

  • 18

    Os caminhos do passado a interligavam, a leste, com Ilhus; ao sul, com a regio de minerao do estado de Minas Gerais; a oeste com o Rio So Francisco e, ao nordeste, com Cachoeira e Salvador; atualmente cruzada no sentido norte-sul pela BR-116 (Rio-Bahia) e leste-oeste pelas rodovias estaduais BA-415 (Ilhus/Conquista) e BA-262 (Conquista/Brumado).

    A Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) foi instituda pela Lei Delegada N 12, de 30 de dezembro de 1980, que a criou como autarquia, integrante do Sistema Estadual de Ensino. Est estruturada fisicamente em trs campi, localizados em Vitria da Conquista, Itapetinga e Jequi. dotada de personalidade jurdica prpria e de autonomia didtico-cientfica, administrativa, de gesto financeira e patrimonial. Foi credenciada pelo Decreto Estadual N 7.344, de 27 de maio de 1998 e recredenciada pelo Decreto Estadual N 9.996, de 2 de maio de 2006.Trata-se, evidentemente, de uma instituio social de interesse pblico, que tem como misso contribuir com a produo e divulgao do conhecimento, com novas tecnologias e com a formao de profissionais cidados.

    O campus de Vitria da Conquista encontra-se situado na Estrada do Bem Querer, Km 4, Bairro Universitrio, onde funciona o Curso de Medicina, implantado em agosto de 2004, em instalaes a ele destinadas. O corpo discente conta atualmente com 144 alunos matriculados, e o corpo docente formado por professores dos Departamentos de Cincias Naturais, Filosofia e Cincias Humanas, entre outros.

    1.3 QUESTES DE PESQUISA

    A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), considerada, at ento, como nova proposta de ensino-aprendizagem, apresenta em si mesma aspectos revolucionrios na rea de educao. Pois, se o professor era o centro do sistema educacional, agora a aprendizagem est centrada no aluno. A filosofia subjacente a essa mudana est na constatao de que as pessoas aprendem melhor quando se engajam ativamente, juntas ou isoladamente, na resoluo de um problema, o que as leva a ampliar seus conhecimentos e habilidades.

    O avano da tecnologia tem acelerado esse processo e possibilitado novas teorias da educao e mtodos instrucionais. Entretanto essa condio inovadora no isenta a metodologia ABP da crtica pertinente a todo e qualquer processo de mudana, o que demanda, de forma criteriosa e imparcial, a adoo de atitudes tambm de reflexo e debates em relao s propostas apresentadas.

  • 19

    Com a implantao de mtodos de ensino e aprendizagem em que o educando assume novas tarefas e desempenha novas funes, procura-se entender a compreenso dos alunos acerca do processo tutorial por meio dos seguintes questionamentos: a) Existe maior ou menor motivao para aprendizagem, intercmbio de conhecimentos e

    discusso em grupo, incluindo o tutor, com as problemticas propostas? b) O domnio dessas novas tcnicas de aprendizagem, bem como a autonomia gerada pelo

    aprender a aprender, so importantes para a soluo de desafios (profissionais ou de vida prtica) futuros e proporcionam um melhor pensar crtico no processo formativo?

    c) Quais os limites e desafios na prtica pedaggica tutorial do processo de ensino e aprendizagem baseado em problemas?

    1.4 OBJETIVOS

    1.4.1 Objetivo geral

    Compreender a mediao tutorial no processo de ensino e aprendizagem pelo mtodo ABP, no Curso de Medicina da UESB, de acordo com o entendimento dos estudantes, e as conseqncias para sua formao.

    1.4.2 Objetivos especficos

    relatar a compreenso dos estudantes de Medicina da UESB sobre o processo tutorial na metodologia ABP;

    identificar os pontos positivos e o que deve ser melhorado ou aperfeioado nos elementos que compem as atividades e o processo tutorial;

    apontar contribuies para o aprimoramento e ajustes que se fizerem necessrios aos currculos j existentes e suas perspectivas de formao;

    contribuir com informaes que possam colaborar na contnua formao docente.

    1.5 JUSTIFICATIVA

    O objetivo da educao em sade deveria se relacionar fundamentalmente com o princpio de aprender a aprender. Segundo Morin (2003): "o fim do mtodo ajudar a pensar por si mesmo para responder ao desafio da complexidade dos problemas."

  • 20

    O complexo emaranhado de eventos que envolvem os fenmenos patolgicos, bem como o sempre dinmico ciclo sade-doena, exige, cada vez mais, explicaes e busca de solues que levem s respostas necessrias a sua compreenso. Dessa forma, imperativo se

    torna volver o olhar crtico e atencioso, detalhado e por que no dizer? tambm carinhoso, sobre todos os elementos que compem a condio humana do existir, seus aspectos ambientais, sociais e emocionais, alm daqueles eventos prprios das cincias biomdicas. Nessa nova perspectiva,

    Compreender o sofrimento do indivduo enfermo, perceber a dimenso subjetiva da doena e interagir com aquele que sofre, torna-se uma das funes mais finas entre as que constituem o papel do profissional de sade. Percebe-se, alm disso, que a capacidade desse profissional de se comunicar adequadamente com o seu paciente no uma habilidade adquirida naturalmente com o tempo, como fruto da experincia de trabalho, mas algo que depende do processo educacional para se desenvolver (MAMEDE et al., 2001, p. 15).

    No modelo pedaggico da ABP, as disciplinas no se constituem mais o eixo da estrutura curricular. Extingue-se a diviso entre ciclo bsico e clnico e a estrutura curricular se torna modular. Os alunos trabalham em pequenos grupos, identificam suas prprias necessidades de aprendizagem por meio da discusso de problemas elaborados para permitir a integrao de conhecimentos anteriormente compartimentados em molduras disciplinares. Com essa perspectiva, a metodologia ABP pretende contribuir para a formao de uma nova concepo de educador, o tutor, que atua como facilitador do trabalho dos grupos de alunos, orientando-os para que construam o prprio conhecimento de modo cooperativo, num papel bem diferente do professor dos currculos tradicionais.

    No mtodo tradicional de ensino, o educando recebe as informaes do contedo prontas, administradas e ministradas pelo professor, podendo haver, inclusive, alguma limitao de transmisso de conhecimento, conforme a avaliao do professor, que tem o poder de julgar conveniente, adequada ou no a referncia a determinado aspecto do assunto abordado, e, muitas vezes, por opo dele ou por limitao de tempo, no h espao suficiente para o debate e a reflexo em grupo.

    No mtodo ABP, adotado pelo curso de Medicina da UESB, especificamente no processo tutorial, os estudantes passam a desenvolver mltiplas atividades relacionadas construo do aprendizado e produo do conhecimento, tornando-se, ao mesmo tempo, objeto e sujeito da ao pedaggica. Sendo diretamente responsveis pela qualidade do resultado final, no que se refere ao contedo discutido, assumem, individualmente e em

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    conjunto, importante parcela de responsabilidade pelo xito do processo de ensino e aprendizagem. Trazem discusso, nos tutoriais, os temas definidos nos objetivos de estudo previamente por eles determinados e utilizam, muitas vezes, diversos recursos de didtica que julgam necessrios compreenso, elucidao e explicao dos problemas propostos, naquele momento.

    Nesta perspectiva, lembramos, com Macedo (2007, p. 96) que:

    A filosofia pedaggica da proposta curricular da aprendizagem baseada em problemas o aprendizado centrado no aluno. baseada, portanto, no estudo de problemas propostos com a finalidade de fazer com que o aluno estude determinados contedos de forma reflexiva e tensionada por problemas concretos. O problema identificado o mediador principal do aprendizado. Estimula-se, assim, a atitude proativa dos alunos em busca do conhecimento.

    No desempenho da docncia, ao exercer, entre outras, a atividade de tutor, presenciei, em diversas situaes, manifestaes de angstias, incertezas e, muitas vezes, de incredulidade em relao eficcia do processo tutorial na formao e consolidao dos conhecimentos, especialmente nas turmas do primeiro e segundo anos; j, nas turmas do terceiro, quarto e quinto anos, observei manifestaes de aceitao e maior confiana no novo mtodo de aprendizagem, embora sem a extino total dos sentimentos iniciais. Tais sentimentos no so exclusivos de nossa instituio e com freqncia so inevitavelmente exacerbados quando em conversas e debates com alunos e professores de diversas escolas mdicas que adotam outra metodologia de ensino.

    Na condio de tutora e de ex-aluna graduada em escola mdica que adotava metodologia de ensino anterior (FAMED-UFBA), tambm vivi tais sentimentos e, assim, procurei buscar na bibliografia existente algo que relatasse a impresso dos alunos sobre a efetividade da tutoria e sua importncia na formao profissional. Como h escassos trabalhos na literatura que bem caracterizem essas impresses, consideramos a necessidade da realizao de novas pesquisas. Os trabalhos encontrados, tais como os de Caron (2004), Cavelluci (2003); Komatsu et al. (2003), discorrem sobre a compreenso dos docentes, das instituies e dos educadores envolvidos com a aplicao da metodologia ABP, mas no especificamente sobre a compreenso dos estudantes acerca do processo tutorial. Diante de tais fatos, acreditamos que discutir a compreenso dos educandos do Curso de Medicina da UESB acerca do processo da atividade tutorial, no contexto do novo modelo pedaggico adotado, poder contribuir, a partir das prprias demandas, para a formulao de um programa de formao continuada de docentes e o aprimoramento do novo currculo a curto e

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    mdio prazos, e que podero eventualmente tambm ser aplicados em outras reas de formao do conhecimento.

    Refletindo sobre todos estes aspectos abordados, consideramos oportuno e necessrio, para que melhor se possa compreender e tambm aplicar este mtodo de ensino ao campo das outras cincias, investigar a compreenso do aluno do Curso de Medicina da UESB em relao ao processo tutorial, considerando que esse foi o primeiro curso com metodologia inovadora (ABP) implantado h pouco mais de cinco anos na UESB, uma universidade que oferece diversos outros cursos, nas mais diversas reas do conhecimento cientfico, que adotam metodologia convencional.

    A partir dessas constataes, pretendemos dar incio a uma anlise detalhada e coerente dos fatos observados e, dessa forma, contribuir com as bases psicopedaggicas sobre as quais se assenta a metodologia ABP.

    Tendo por referncia a literatura especializada consultada, como fundamento terico a concepo construtivista do conhecimento e do ensino problematizado e os recursos instrumentais investigativos proporcionados pela pesquisa qualitativa de natureza etnogrfica, esperamos conseguir encontrar, na clareza da opacidade, o desvelamento de elementos que possam colaborar nas possveis futuras adequaes do processo tutorial nossa realidade, de acordo com as mltiplas particularidades e caractersticas sociais, econmicas e culturais que refletem a realidade educacional regional.

    Assim, a anlise e a descrio de um elenco de dados obtidos das contribuies dos estudantes, as quais, considerando a riqueza inerente sua prpria essncia de natureza complexa, assumem um carter de grande relevncia. Uma vez advindas de uma perspectiva diversa e de conotao multirreferencial, com a salvaguarda e o respeito s singularidades, tais contribuies sinalizam para a promissora possibilidade de motivar novas reflexes e condutas, capazes de auxiliar na elaborao, planejamento e execuo do processo tutorial, de forma dinmica e progressiva. Dessa forma, esperamos colaborar para um crescente aprimoramento desse mtodo de ensino, buscando agregar novos elementos ao processo de melhoria da tutoria, a fim de que seja proveitosa e cumpra a sua funo, uma vez que ela o eixo central do mtodo ABP.

    Acreditamos, ademais, que tais elementos podero ainda contribuir para novas formas de adequao curricular e formao inicial e continuada dos profissionais de sade e dos docentes. Eventualmente, os frutos dos processos de reflexo e anlise dos dados coletados, uma vez colocados em um formato adequado s necessidades especficas de cada situao, podero, ainda, ser convenientemente aplicados s mais diversas reas do conhecimento.

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    2 REFERENCIAL TERICO

    A aprendizagem um processo contnuo pelo qual a sociedade est permanentemente oferecendo s pessoas possibilidades de desenvolverem, ao mximo, seu potencial e habilidades, entrando em contato com o conhecimento j produzido e produzindo o seu prprio conhecimento e, sobretudo, aprendendo aquilo que lhes possibilite viver e conviver em melhores condies com seus semelhantes, no seu particular modo de ser-no-mundo.

    Para Meirieu (1999, p. 79), a aprendizagem pe frente a frente, em uma interao que nunca uma simples circulao de informaes, um sujeito e o mundo, um aprendiz que j sabe sempre alguma coisa e um saber que s existe porque reconstrudo. Uma das formas de integrao possibilitadas pela ABP se d nas cincias clnicas, quando os estudantes participam em discusses de casos da rea mdica (BARROWS, 1986; HMELO, 2004). Assim, possvel favorecer aos estudantes uma viso crtica e objetiva, trabalhando com contedos de aprendizagem de relevncia social e cientfica, possibilitando-lhes a capacidade de resolver problemas cotidianos e de compreender o mundo segundo uma perspectiva cientfica e tecnolgica, baseando-se no fato de que os mesmos sejam capazes de refletir criticamente sobre seus prprios procedimentos de auto-aprendizagem.

    Ainda em relao metodologia ABP, Macedo (2007, p. 98-99) observa:

    O que nos parece importante neste dispositivo curricular a articulao entre o problema estudado e o processo de problematizao dos fenmenos, considerando que os atos de currculo caminhariam atravs de uma prxis pedaggica que cultivaria a reflexo ultrapassando a mera atividade intelectual, vinculando-se a uma aprendizagem acionalista, na qual a compreenso e a transformao seriam tica, poltica e esteticamente recomendadas como perspectivas indissociveis. Aprender implicando-se numa prtica reflexiva a orientao fundante de uma formao pautada na problematizao do conhecimento da realidade social.

    Para Morin (2003), em se tratando de ensino, o grande desafio consiste em reformar o pensamento a fim de que passemos a compreender a complexidade dos problemas relativos educao com base nos pressupostos terico-metodolgicos inovadores, porquanto livres da formao reducionista prpria do pensar racional-positivista da cientificidade moderna. Esta forma de pensamento, tal como vem sendo elaborada at os dias atuais, tem se mostrado incapaz de fornecer respostas satisfatrias aos desafios que, a todo instante, emergem das crescentes e cada vez mais rpidas informaes que brotam da evoluo dos saberes das cincias sociais, biolgicas, antropolgicas e econmicas, sabidamente relacionados realidade da vida humana, particularmente naqueles processos ligados ao existir, ao modo

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    singular de cada indivduo exercer a sua forma de ser-no mundo, de viver no mundo em tempos de ps-modernidade.

    Este trabalho, de maneira alguma e em momento algum, trata de negar a validade do processo pedaggico de ensino e aprendizagem desenvolvido nos diversos cursos que utilizam metodologia no ABP. Consideramos, sim, que a possibilidade de reformar o pensamento implica na constante reflexo/ao da nossa prxis pedaggica cotidiana, sempre com vistas ao esclarecimento e s transformaes sociais.

    Cabe ao ensino conferir ao sujeito cognoscente os subsdios elementares para uma insero pautada na ao/reflexo constante da sua atuao profissional, num contexto holstico do meio antropo-scio-cultural e do ambiental societal e natural em que ele busque a convivncia sua, como sujeito, sem olvidar a sua pertena espcie de homo sapiens biolgicus (MORIN, 2003 apud TRAVESSINI; SILVA, 2006, p. 5).

    Por fim, a matriz curricular dos cursos deve conceber o ensino imbricado com a pesquisa e com a extenso universitria, como forma de garantir a indissociabilidade do saber/fazer pedaggico focado na transformao social. Assim, cabe fundamentalmente ao ensino desenvolver no educando habilidades e competncias para o aprender a aprender, sempre, de forma contnua e progressiva.

    Ademais, concordamos com Travessini e Silva (apud UNEMAT, 2006, p.8), quando afirmam que:

    [...] no tratamento dispensado complexa questo da construo do currculo ideal, perfeito e irretocvel, estaramos perseguindo um objetivo inalcanvel. Ao contrrio, o currculo h que ser concebido como um constructo histrico elaborado por humanos historicamente datados, vivendo numa dimenso espao/temporal concreta e circunscrita em um determinado perodo scio-histrico-cultural e ambiental.

    2.1 CONSIDERAES SOBRE O CURSO DE MEDICINA DA UESB

    O Curso de Medicina da UESB foi idealizado para formar profissionais competentes e comprometidos com uma realidade social que, no sculo XXI, ainda padece de endemias, epidemias, doenas e patologias passveis de preveno. Estes profissionais estaro tambm comprometidos com a promoo e a preveno da sade, diagnstico, tratamento e reabilitao das doenas de maior prevalncia epidemiolgica e importncia social, principalmente na regio Nordeste do Brasil. Para tanto, so desenvolvidos procedimentos

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    semiolgicos, preventivos e teraputicos, de acordo com critrios cientficos de indicao e contra-indicao, limitaes, riscos e confiabilidade.

    Assim, a formao a ser desenvolvida estar integrada e associada ao Sistema nico de Sade (SUS), respeitando os princpios de universalidade, integralidade e eqidade que o fundamentam, valorizando, tambm, a atuao em equipe multiprofissional, a viso social do papel do mdico e seu engajamento no processo de formulao das polticas de sade. A UESB, portanto, em parceria com o gestor do Sistema nico de Sade Local (SUS), pretende no apenas construir um novo paradigma na formao mdica e de profissionais de sade no pas, mas tambm contribuir para a consolidao desse sistema.

    Aps a definio do perfil do mdico a ser formado, deliberou-se que o modelo pedaggico a ser adotado pelo Curso de Medicina da UESB, que melhor atenderia s novas demandas educacionais da formao mdica, seria o da metodologia ABP. Ao assumir essa posio, a UESB compreende que, melhor do que ensinar, no sentido tradicional, fornecer instrumentos e ambientes que facilitem o aprendizado contnuo pelo prprio aluno.

    Assim, o aluno torna-se o centro das aes educativas. Este um dos pressupostos da metodologia escolhida para o novo curso, o Problem Based Learning (PBL), ou Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP). Este modelo, como j anteriormente referido, inicialmente implantado em universidades do Canad e Holanda, hoje se encontra instalado em considervel nmero de escolas mdicas no Brasil e no mundo.

    2.2 APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS (ABP): ASPECTOS EPISTEMOLGICOS

    A matriz conceitual e as bases filosficas da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) podem ser encontradas no pensamento de John Dewey (1859-1952), filsofo norte-americano que se destacou pela sua atuao como filsofo e terico da educao e pelo forte engajamento com os aspectos polticos e sociais de sua poca (MAMEDE et al., 2001, p. 70).

    Segundo Gonalves (2001 apud CARON, 2004, p. 10), Dewey foi um dos nomes de maior destaque no movimento pedaggico denominado escola nova. Para Dewey, a educao pode ser entendida por meio de trs conceitos essenciais: a) a educao a reconstruo de uma experincia; b) a educao consiste em desenvolvimento e crescimento contnuos; c) a motivao para o aprendizado surge quando existe uma identificao entre o objeto do

    conhecimento e o sujeito que apreende.

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    De acordo com Cyryno e Toralles-Pereira (apud CARON, 2004, p. 14), na proposta educativa de Dewey, a aprendizagem deve se basear em problemas ou situaes que gerem dvidas e desequilbrios no aluno, possibilitando-lhe interagir diretamente com a realidade em busca das respostas que se fazem necessrias.

    Conforme nos relata Caron (2004, p. 12), estes princpios, que se encontram claramente expressos na ABP, iro definitivamente mudar o panorama no qual havia se estabelecido o ensino da medicina. Assim, a ABP ter como caracterstica bsica, desde o incio do curso mdico, promover a integrao entre as disciplinas cientficas e as profissionalizantes, estas mais relacionadas com os cuidados centrados no paciente.

    Tal integrao ir ocorrer por meio da utilizao de problemas, em ambiente de sala de tutoria, quando todos os alunos interagem discutindo a situao apresentada, sob a mediao de um professor-tutor. Nesta situao, a busca do conhecimento se faz ativamente pelos alunos, que devem procurar as respostas aos problemas apresentados na literatura referendada, sempre com a devida orientao (MAMEDE et al., 2001, p. 99).

    No currculo integrado, os estudantes so colocados em contato com a comunidade, desde o primeiro ano, com atividades desenvolvidas na rede de ateno bsica, para realizarem tarefas especficas do Programa de Integrao Escola-Comunidade (PIESC). As tarefas progressivamente aumentam de complexidade com o passar dos anos e culminam em dois anos de internato, ao final do curso (MAMEDE et al., 2001, p. 81).

    Este processo de ensino-aprendizagem busca estimular uma atitude ativa do aluno, de forma que ele se perceba e seja o sujeito desse processo. Tal busca enseja uma postura efetiva de aquisio de novos conhecimentos, aliada, a uma postura crtica ao demandar o conhecimento adquirido e a procura incessante de informaes sobre outras realidades.

    Toda essa bagagem intelectual est orientada para intensificar a relao humanizada mdico-paciente-famlia-comunidade e, dessa forma, favorecer o sucesso teraputico (MAMEDE et al., 2001, p. 76). A ABP, portanto, objetiva formar um profissional capaz de tratar o indivduo doente de forma holstica, sem esquecer o ambiente onde ele vive e suas dificuldades emocionais e financeiras (WIERZCHON, 2002 apud CARON, 2004, p. 14).

    Segundo Federman (1990 apud CARON, 2004, p. 14), a ABP torna o estudante intelectualmente ativo, pois quebra barreiras entre as disciplinas e conecta o conhecimento novo com a experincia ativa, para assim lev-lo a uma melhor reteno e compreenso dos temas abordados em aula e internalizar o hbito da auto-educao continuada.

    A ABP uma metodologia centrada no aluno, estimuladora do auto-aprendizado, do pensamento crtico, orientada comunidade e que permite incorporar a viso do processo

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    sade-doena nas suas dimenses biolgica, psicolgica e social. Para ser centrada no estudante, a ABP necessita atender taxonomia de Barrows (1986, p. 481-486): a) estruturar o conhecimento de forma que os contedos das cincias bsicas e clnicas

    possam ser aplicados no contexto clnico, facilitando o resgate e a aplicao de informao (Structuring of knowledge for use in Clinical Context - SCC);

    b) desenvolver um processo eficaz de raciocnio clnico para as habilidades de resolver problemas, incluindo: formulao de hipteses, levantamento de questes de aprendizagem, busca de informaes, anlise de dados, sntese do problema e tomada de decises (Clinical Reasoning Process - CRP);

    c) desenvolver habilidades que permitam ao estudante entender as suas prprias necessidades de aprendizagem e localizar fontes de informaes apropriadas (Self-Directed Learning - SDL);

    d) aumentar a motivao para aprendizagem (Increasing Motivation for Learning - MOT). A ABP pode ser compreendida como uma estratgia ou metodologia de ensino e

    aprendizagem que objetiva a aquisio de conhecimentos no contexto de problemas clnicos (NORMAN, 1988; SCHMIDT, 1983 apud SILVA; DELIZOICOV, 2005, p. 3).

    Segundo Bordage e Schimidt (1994; 1993 apud SILVA; DELIZOICOV, 2005, p. 3), de uma forma geral, o mtodo tem por objetivos: desenvolver o raciocnio clnico e a capacidade do aluno em resolver problemas;

    melhorar a aquisio, a reteno e o uso do conhecimento;

    aproximar os contedos das cincias bsicas e clnicas;

    estimular o aprendizado auto-dirigido por parte do aluno;

    estimular seu interesse pelo assunto ou contedo abordado;

    estimular estratgias mais eficazes de aprendizado desses contedos. A metodologia ABP apresenta como caracterstica principal o fato de partir sempre da

    apresentao e discusso em pequenos grupos tutoriais (geralmente um grupo de oito a dez alunos, acompanhados por um professor-tutor) de um problema previamente elaborado por um grupo de especialistas. Estes problemas devem ser sempre contextualizados (no caso do ensino na rea da sade recomendado o contexto clnico do problema). As discusses ocorrem em encontros (sesses tutoriais), que se realizam, na maioria das escolas mdicas, duas vezes por semana.

    Os trabalhos de investigao na rea da psicologia cognitiva, da aprendizagem do adulto e da neurocincia tm constitudo as bases tericas da ABP. Estes trabalhos ressaltam a

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    importncia da experincia prvia e da participao ativa como pontos fundamentais para a motivao e aquisio de conhecimentos (OLIVEIRA FILHO, 2003 apud SILVA; DELIZOICOV, 2005, p. 5).

    Em relao base filosfica, pode-se dizer que os princpios da ABP encontram suas origens no pensamento de Scrates (WHITTAKER; SCHEIMAN, 1996 apud SILVA; DELIZOICOV, 2005, p. 3) e na dialtica hegeliana, em que o processo compreende um esforo de problematizao construdo na relao tese-anttese-sntese. Nesse sentido, Oliveira Filho (2003 apud SILVA; DELIZOICOV, 2005, p. 3), ao fazer referncia ao trabalho de Schmidt (1983), menciona a teoria do processamento da informao como principal base terica da metodologia da ABP e apresenta os trs princpios que orientam a aquisio de novas informaes, segundo essa teoria:

    ativao de conhecimentos prvios sobre o assunto;

    especificidade de codificao, o que implica que a posterior recuperao da informao facilitada quando exemplos esto codificados juntamente com a informao, ou seja, quanto mais prxima a semelhana entre uma situao real e a situao de aprendizado mais fcil a recuperao de informao. Por este motivo, os problemas elaborados devem se aproximar de situaes reais do cotidiano do aluno, o que possibilita que sejam efetivamente significativos, condio imprescindvel para o processo de problematizao;

    construo do conhecimento, por meio de resposta a perguntas elaboradas, ou de um contexto de interao em grupo onde o aluno verbaliza o seu conhecimento e tambm aprende pela explicao dos colegas (OLIVEIRA FILHO, 2003 apud SILVA; DELIZOICOV, 2005, p. 5).

    2.3 O PROCESSO TUTORIAL NA METODOLOGIA ABP

    Neste processo de ensino e aprendizagem, os estudantes so divididos em pequenos grupos (oito a dez participantes por grupo), sob a orientao de um professor, denominado tutor. At o quarto ano, essa tutoria realizada duas vezes por semana e no ocorre mais no quinto e sexto anos, quando os alunos esto totalmente dedicados ao internato e realizam a maior parte de suas atividades de ensino e aprendizagem nos hospitais e ambulatrios credenciados para essa finalidade.

    A tutoria substitui a aula do mtodo tradicional de ensino-aprendizagem centrado no professor. Quando realizada de forma consistente, obedecendo rigorosamente aos passos

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    apresentados anteriormente, representa um importante eixo no desenvolvimento curricular, constituindo-se numa atividade de extrema relevncia no processo de ensino e aprendizagem.

    Os passos do processo tutorial na Aprendizagem Baseada em Problemas, segundo Komatsu e Lima (2003), so os seguintes: 1. apresentao do problema (leitura pelo grupo); 2. esclarecimento de alguns termos pouco conhecidos e de dvidas sobre o problema; 3. definio e resumo do problema, com identificao de reas/pontos relevantes; 4. anlise do problema utilizando os conhecimentos prvios (chuva de idias brain-storm); 5. desenvolvimento de hipteses para explicar o problema e identificao de lacunas de

    conhecimento;

    6. definio dos objetivos de aprendizagem e identificao dos recursos de aprendizagem apropriados;

    7. busca de informao e estudo individual; 8. compartilhamento da informao obtida e aplicao na compreenso do problema; 9. avaliao do trabalho do grupo e dos seus membros.

    Os passos de 1 a 6 constituem a chamada primeira fase do tutorial ou fase ingnua, que dura, em mdia, cerca de duas horas. A segunda fase, ou fase esperta, ocorre alguns dias aps a primeira (em geral no intervalo de dois a trs dias) e se desenvolve num espao de tempo que pode levar de duas a trs horas, variando conforme a complexidade do problema a ser resolvido e a intensidade da discusso.

    Na etapa de busca de informaes e estudo individual, os alunos vo ao encontro da literatura adequada, orientados pelos objetivos de estudo por eles definidos na primeira fase e pela bibliografia relacionada pelo coordenador de cada mdulo de estudo. Evidentemente, trata-se de leituras sugeridas e, portanto, no possuem carter obrigatrio ou exclusivo. Dessa forma, o aluno tambm estimulado a consultar outras fontes de conhecimento, de indiscutvel e reconhecida confiabilidade no que se refere sua produo e contedos, alm daquelas que constam dos mdulos. Tais fontes no se limitam apenas aos livros, elas podem ser pesquisadas tambm na rede de Internet, nos artigos cientficos, nos peridicos, nas diretrizes dos rgos governamentais e da Organizao Mundial da Sade, entre tantas outras disponveis e ao alcance dos educandos.

    Por ocasio da segunda fase do processo tutorial, quando estudantes e tutor se reencontram aps as leituras necessrias, ocorre, ento, o debate onde todos apresentam as solues possveis para a resoluo do problema anteriormente proposto. Agora, possuidores de novas informaes, os alunos voltam leitura do problema e, ento, com a compreenso

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    adquirida com o estudo, passam fase de reflexo e anlise da situao-problema em foco, sempre com a orientao do tutor.

    A avaliao formativa dos estudantes realizada pelo tutor durante todo o processo, na primeira e na segunda fases. O aluno avaliado tanto no seu desempenho individual quanto no coletivo, conforme critrios claramente discriminados na ficha de avaliao (Anexo A), que fornecida ao tutor, no incio dos trabalhos, em cada encontro. Nela, constam itens que avaliam a participao de cada aluno e o desempenho do grupo, no que se refere a aspectos propriamente relativos s funes cognitivas, bem como queles relacionados a comportamento, postura, interesse, pontualidade, interao com seus pares e tambm com o tutor e ao desempenho de funes necessrias execuo do tutorial, tais como a de escriba, secretrio ou de coordenador, em cada encontro.

    Cada um dos alunos participantes do grupo solicitado a apresentar, em cada encontro tutorial, um registro grfico de seu esquema de estudos, chamado de Esquema Cognitivo. Este consiste numa descrio rpida de um registro dos tpicos mais importantes do tema ento em estudo, todos relacionados, como numa rvore temtica, a um eixo central e que mostra, tambm, as possveis inter-relaes entre todos os tpicos assinalados.

    Ao escriba, cabe escrever no quadro, de forma clara e organizada, as questes formuladas pelo grupo na fase ingnua, as hipteses que tentam responder quelas questes e os objetivos de estudo definidos pelo grupo.

    Anotar em papel, de forma legvel e compreensvel, todas as discusses e os eventos ocorridos no grupo tutorial a funo do secretrio. Adotando uma postura de rigorosa fidelidade s discusses ocorridas, sendo claro e conciso em suas anotaes pode, caso julgue necessrio, solicitar a ajuda do coordenador e do tutor. No desempenho dessa funo, caber ao secretrio, tambm, respeitar as opinies do grupo e evitar privilegiar suas prprias opinies ou as opinies com as quais concorde. Assim, cabe-lhe anotar com rigor os objetivos de aprendizagem apontados pelo grupo, as discusses posteriores e tambm classific-las segundo os objetivos de aprendizagem anteriormente apontados.

    O aluno escolhido para desempenhar a funo de coordenador assume a tarefa de orientar os colegas na discusso do problema, segundo a metodologia dos nove passos, mantendo o foco das discusses no problema. A ele cabe, ainda, favorecer a participao de todos, desestimulando a monopolizao ou a polarizao das discusses entre poucos membros do grupo e apoiar as atividades do secretrio; estimular a apresentao de hipteses e o aprofundamento das discusses pelos colegas sem, contudo, deixar de respeitar posies individuais e garantir que estas sejam discutidas pelo grupo com seriedade e que tenham

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    representao nos objetivos de aprendizagem, sempre que o grupo no conseguir refut-las adequadamente.

    O coordenador assume, tambm, a conduo dos debates quando pertinentes, atuando de forma a garantir que os objetivos de aprendizagem sejam especficos, que sejam formulados pelo grupo de forma objetiva e compreensiva para todos. Pode, ainda, solicitar auxlio do tutor quando necessrio e deve sempre manter-se atento s orientaes do mesmo, quando estas forem por ele oferecidas espontaneamente.

    A soluo do problema o ponto de partida e de chegada, mas ela no concentra a exclusividade da aprendizagem. Tal processo se desenvolve desde o momento em que o aluno recebe o problema do tutor para ler e discutir os aspectos fundamentais que orientaro a sua pesquisa individual. Desta forma, a proposta fundante da metodologia ABP desenvolver um aluno-pesquisador para que ele se torne, futuramente, um profissional-pesquisador.

    Os mdulos de estudo correspondem s disciplinas na metodologia convencional e so compostos por diversos problemas clnicos (variam de cinco a onze por mdulo), que obedecem a uma temtica comum e esto relacionados entre si, num grau de complexidade crescente e progressiva. Cada um deles deve, ademais, concentrar todos os objetivos mnimos de estudo, incluindo atividades tericas e prticas previamente planejadas, que devero ser alcanados pelos alunos, ao final de cada mdulo. O planejamento de cada unidade modular fica a cargo de um professor, designado, ento, como coordenador do mdulo em estudo. Este, geralmente, um especialista da rea em foco e deve contar com o auxlio de outro professor, chamado vice-coordenador. A durao de cada mdulo pode ser de duas a nove semanas, de acordo com o volume do contedo de cada um deles.

    Se as atividades propostas forem realizadas com a plena integrao das dimenses biolgica, psicolgica e social, elas podero contribuir para despertar o interesse dos estudantes pela busca incessante do conhecimento, visando formao de mdicos preocupados em cuidar no somente dos aspectos relativos s doenas, mas, tambm, das pessoas e das suas diversas necessidades de sade. Ademais, a metodologia ABP parte do pressuposto de que todo o processo centrado no aluno: um processo ativo, cooperativo, integrado, de natureza inter/transdisciplinar e orientado para a aprendizagem do adulto.

    2.3.1 O papel do tutor

    O professor-tutor um docente indicado pelos departamentos que tenham disciplinas relacionadas aos mdulos que compem o curso e, para o desempenho de tal funo, deve ter

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    recebido treinamento mnimo oferecido pelo gerenciamento do curso. Preferencialmente, ser selecionado dentre aqueles docentes que participaram ativamente no planejamento dos mdulos de que venha a participar. As atividades de tutoria podem acontecer em um ou mais mdulos, de uma ou mais sries. Os departamentos indicam, tambm, co-tutores, que substituiro, eventualmente, os tutores em suas possveis ausncias.

    A coordenao do mdulo de estudo repassa ao tutor, antes do incio de cada mdulo ou sesso tutorial, todos os recursos de aprendizado disponveis no ambiente da universidade, todos os problemas que sero discutidos no transcorrer do mdulo, um roteiro para orientao dos debates e os objetivos de aprendizagem que devero ser alcanados ao final de cada um dos problemas e, portanto, tambm ao final de todo o mdulo.

    Ainda junto ao coordenador do mdulo, cabe ao tutor buscar o necessrio esclarecimento para as suas dvidas, previamente ao incio das atividades tutoriais. Ao participar das reunies de tutores, o tutor tem a excelente oportunidade de contribuir para o aprimoramento do processo tutorial, apresentando crticas sobre as debilidades do mdulo, dos problemas e possveis sugestes para solucion-los.

    imprescindvel que o professor-tutor detenha pleno e satisfatrio conhecimento da metodologia ABP e que tenha, ademais, sempre em mente, acima de tudo, que ela centrada no aluno e no no professor. Concentra-se nas mos do tutor a responsabilidade pedaggica no processo de aprendizagem do processo tutorial. A fim de que possa desempenhar a contento suas funes, fundamental que tenha conhecimento dos objetivos e da estrutura do mdulo temtico em estudo. Alm disso, necessrio que o tutor conhea a estrutura da escola, esteja ciente dos recursos disponveis para facilitar o aprendizado e oriente o aluno para o acesso a esses recursos.

    O tutor pode participar, junto ao grupo de estudantes, orientando na escolha do coordenador, do secretrio e do escriba em cada grupo tutorial. Cabe ao tutor, ainda, fomentar a participao ativa de todos os estudantes e estimul-los a distinguir as questes principais das questes secundrias do problema, assumindo posturas que inspirem confiana e adotando medidas que facilitem o relacionamento e a interao dos integrantes do grupo. De preferncia, aconselhvel que o tutor oriente os alunos atravs da formulao de questes apropriadas, evitando o fornecimento de explicaes, a menos que seja solicitado explicitamente pelo grupo estas explicaes devero ser bem avaliadas e nunca devero ser transmitidas no formato de uma aula terica abrangente. Agindo dessa forma, o tutor usar os seus conhecimentos apropriadamente, na dose e na hora certas. No recomendvel que o

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    tutor ensine aos alunos, mas que os auxilie a aprender, adotando tcnicas pedaggicas que ativem os seus conhecimentos prvios e que estimulem o uso desses mesmos conhecimentos.

    Conforme j detalhado no tpico anterior (2.3), ao tutor cabe a avaliao de todo o processo tutorial, na sua forma e contedo (resultados alcanados). Finalmente, com a experincia adquirida no exerccio de sua funo, o professor-tutor tem condies de fornecer retro-alimentao dessa experincia vivenciada nos grupos tutoriais para as comisses apropriadas e oferecer sugestes para o aprimoramento do currculo, quando pertinente.

    O tutor no ministra aulas; funciona mais como ativador e catalisador das discusses que os estudantes desenvolvem, usando os conhecimentos pesquisados por eles e baseados nas experincias pessoais anteriormente vividas. Nesse processo, recomendvel que a atitude do professor-tutor no fique em destaque, mas, sim, que ele se envolva no processo, junto aos estudantes. Do ponto de vista prtico operacional, o professor-tutor no precisa ser um especialista no tema em debate, mas fundamental que ele conhea o assunto com profundidade, a fim de que possa interagir de forma proveitosa com os alunos e assim, fomentar a discusso e a pesquisa na busca de soluo para o problema proposto.

    Ademais, espera-se que o professor-tutor possua habilidade e pacincia para escutar com ateno e respeito as manifestaes dos estudantes; no somente aquelas transmitidas verbalmente, mas todas as outras diversas formas de expresso individual que, nesse processo, assumem carter de valiosa importncia. Nesse contexto, progressivamente, o tutor atento desenvolve um certo grau de sensibilidade e perspiccia que lhe permite captar, alm da fala, tambm as mensagens transmitidas veladamente pelos gestos, pelas expresses da mmica facial, pelos olhares, sorrisos e sinais de desagravo; os verdadeiros sentimentos que emanam dos estudantes e, ainda, estar alerta para problemas individuais dos alunos , bem como disponvel para discuti-los quando estes interferirem no processo de aprendizagem.

    recomendvel que o professor-tutor tenha a capacidade de conter-se para, dessa forma, no antecipar as respostas ou tentar impor o seu ponto de vista pessoal enquanto os estudantes esto discutindo. Agindo com cautela, sem intimidar os alunos com demonstrao de seus conhecimentos o tutor contribui para uma melhor compreenso das questes levantadas. Convm, ademais, que o tutor estimule a gerao de metas especficas para o auto-aprendizado (estudo individual). Pode intervir, sumarizando a discusso apenas quando necessrio.

    Dessa forma, o processo ensino/aprendizagem centrado no estudante torna-o mais ativo, independente, criativo, pensador crtico, cooperativo (no s competitivo), capaz de avaliar os seus progressos, possuidor de boa capacidade de comunicao (expressar-se

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    claramente) e de adequado relacionamento interpessoal. O desenvolvimento de tais atitudes, hbitos, tcnicas e competncias capacita o aluno a incorporar posturas que lhe permitam contnuo aprendizado ao longo da vida, o que viabiliza a auto-aprendizagem.

    No processo tutorial, o aluno vivencia momentos de estudo individual, intercalados com discusses nos grupos de tutoria. Dessa forma, todos, alunos e tutor, esto envolvidos na dinmica busca de soluo para um mesmo problema.

    A adoo desses passos baseia-se no princpio do aprender a aprender conforme orientao da UNESCO, por meio do conhecido RELATRIO DELORS 1998 (Coordenao Jacques Delors), que estabeleceu os quatro pilares da educao contempornea, recomendados para todos os nveis de ensino no mundo: Aprender a Ser a busca de cada indivduo por descobrir os seus condicionamentos, a harmonia ou a desarmonia entre a vida interior e social, sondar os fundamentos das suas convices, a fim de conhecer o que existe de subjacente ao seu modo de ser-no-mundo.

    Aprender a Fazer - considerando os aspectos relativos interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, propiciar condies que possibilitem a cada um, ao escolher uma profisso, adquirir os conhecimentos, tcnicas, competncias e habilidades a ela associados, e exercer tal profisso com criatividade. Fazer, tambm no sentido de criar, atualizar as potencialidades criativas.

    Aprender a Viver Juntos, Aprender a conviver - o viver em comunidade implica em conhecer e acatar as normas que regem as relaes entre os membros de uma coletividade. Tais normas, uma vez verdadeiramente compreendidas tornam-se intimamente aceitas pelas pessoas e no apenas obedecidas como uma lei imposta exteriormente.

    Aprender a Conhecer - tornar o indivduo capaz de estabelecer pontes entre os diferentes saberes, entre tais saberes e sua significao para a vida cotidiana e ainda entre tais saberes e significaes e as capacidades interiores de cada um. Esse procedimento transdisciplinar constitui complemento indispensvel ao procedimento interdisciplinar, pois conduzir formao de seres constantemente atentos, capazes de adaptarem-se s complexas e instveis exigncias da vida profissional e dotados de uma flexibilidade permanente, orientada para a atualizao de suas potencialidades interiores.

    A pertinncia de tais propostas atua no sentido de ajudar a edificar um novo cenrio educacional capaz de inserir a escola no circuito das transformaes mundiais que se operam em alta velocidade, como tambm assegurar s crianas, jovens e adultos, uma educao de qualidade que preserve valores morais e ticos e que, ainda, tambm proporcione a todas as pessoas oportunidades de desenvolver e expandir o seu potencial criativo.

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    2.4 ASPECTOS FILOSFICOS NA PRTICA CLNICA

    O saber mdico um saber integrado com o fazer; no um saber erudito em que o conhecimento um valor em si mesmo. Na atividade mdica, o saber se integra com a ao em um marco de certo grau de incerteza. Este acionar do mdico recai sobre outra pessoa, o outro, o que exige, ademais, que a interveno seja realizada com maior respeito e afeto - cuidado. Por outro lado, esta ao mdica inevitavelmente atinge componentes do viver relacionados a aspectos de ordem cultural, social, religiosa e econmica que devem ser ampla e freqentemente considerados. como se dissssemos: olhemos menos para a doena e ento conseguiremos olhar mais para o doente (AYRES, 2004, p. 2).

    A formao universitria em sade mostra-se ainda fortemente marcada pelo modelo de ensino que se consolidou nos EUA, no incio do sculo XX, com base nos estudos e nas propostas de Flexner, que criou os padres de organizao do ensino para todos os cursos de medicina do seu pas. Esse jeito de organizar o ensino se espalhou para todos os pases e para todos os outros cursos universitrios de sade que, assim, adequaram-se ao jeito de lidar com os problemas de sade adotando o paradigma newtoniano e cartesiano de cincia, onde a doena vista como um mau funcionamento dos mecanismos biolgicos, estudados do ponto de vista da biologia celular, da bioqumica e das leis da fsica. As atividades mentais (pensamento, sentimento, sonho, contentamento, sofrimento e angstia), quando valorizadas, so entendidas apenas como resultado da anatomia, bioqumica e fisiologia do crebro (VASCONCELOS, 2006, p. 266).

    Vivemos hoje no Brasil um processo de reviso crtica das tendncias tomadas pelas prticas de sade, crtica que, embora ampla e multifacetada, circula em torno de algumas questes comuns, como a recusa da viso segmentada, que no enxerga a totalidade do paciente e seu contexto; a abordagem excessivamente centrada na doena, no no doente; a pobreza da interao mdico-paciente e o fraco compromisso com o bem-estar do paciente (DESLANDES, 2006, p. 25).

    Na ABP, a insero precoce dos estudantes na vida da comunidade (com as atividades desenvolvidas no Programa de Integrao Escola-Comunidade) e a sua participao nas atividades de tutoria (onde buscam solues para situaes-problema que lhes so apresentadas) proporcionam a oportunidade de vivenciarem de maneira muito prxima problemas cotidianos mais comuns e por que no? tambm aqueles considerados menos comuns; permite, ademais, uma melhor interpretao, respeitando as singularidades daqueles

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    interpretados e de cada um dos interpretadores, fato que os dota de informaes, sentimentos e emoes que, associados ao conhecimento tcnico-cientfico adquirido nas leituras, lhes conduzem por caminhos mais claros no rumo da compreenso necessria para a busca de soluo dos problemas que afligem a comunidade/ser, em foco.

    Assim, a com-vivncia e a observao prximas, realizadas in loco, bem como a contextualizao da realidade vivenciada, possibilitam a associao de elementos fundamentais inter-pretao, dotando-os de subsdios norteadores no curso do rduo e tortuoso caminho da busca de solues que atendam prpria essncia da atividade mdica, ou seja, a sade do indivduo e da comunidade. Essa situao coloca os estudantes diante da questo da tica e da responsabilidade pela prpria vida e pela vida do outro. Responsabilidade que se faz cuidado.

    Os conceitos de sade e doena se referem a interesses prticos e instrumentais, respectivamente, na elaborao racional de experincias vividas de processos de sade-doena-cuidado. O obscurecimento desses distintos interesses decorre da colonizao da nossa experincia vivida (AYRES, 2004, p. 3) pelas estruturas conceituais das cincias biomdicas. Aponta-se para a necessidade de contrapor, a essa tendncia, a reconstruo chamada humanizadora das prticas de sade, tornando-nos todos, profissionais, servios, programas e polticas de sade, mais sensveis, crticos e responsivos aos sucessos prticos sempre visados por meio e para alm de qualquer xito tcnico no cuidado em sade.

    A fim de melhor ilustrar o aspecto cuidado, na perspectiva aqui abordada, consideramos oportuna a seguinte referncia:

    CUIDADO COMO CATEGORIA ONTOLGICA Certa vez, atravessando um rio, Cuidado viu um pedao de terra argilosa: cogitando, tomou um pedao e comeou a lhe dar forma. Enquanto refletia sobre o que criara, interveio Jpiter. O Cuidado pediu-lhe que desse esprito forma de argila, o que ele fez de bom grado. Como Cuidado quis ento dar seu nome ao que tinha dado forma, Jpiter proibiu e exigiu que fosse dado seu nome. Enquanto Cuidado e Jpiter disputavam sobre o nome, surgiu tambm a Terra (Tellus) querendo dar o seu nome, uma vez que havia fornecido um pedao do seu corpo. Os disputantes tomaram Saturno como rbitro. Saturno pronunciou a seguinte deciso, aparentemente eqitativa: Tu, Jpiter, por teres dado o esprito, deves receber na morte o esprito e tu, Terra, por teres dado o corpo, deves receber o corpo. Como, porm, foi o Cuidado quem primeiro o formou, ele deve pertencer ao Cuidado enquanto viver. Como, no entanto, sobre o nome h disputa, ele deve se chamar homo, pois foi feito de humus. (HEIDEGGER apud AYRES, 2007).

    Para Grondim (apud PALMER, 1969), a compreenso passa atrs da hermenutica.

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    Considerando a prtica clnica sob a perspectiva hermenutico-fenonemonolgica, ressaltamos a importncia da linguagem, da compreenso e da interpretao, essenciais e fortemente envolvidas nesse processo. Assim, em Gadamer (apud PALMER, 1969, p. 208), encontramos que a linguagem como realidade uma experincia essencialmente humana; linguagem e interpretao como realidade inerente pessoa, condio humana. Portanto,

    O homem possibilidade de compreenso. Compreender no uma faculdade que possa ser adquirida pelo ser humano ao longo da existncia, seja por desenvolvimento mental ou aprendizagem. A compreenso essencialmente originria no ser humano. Trata-se de uma possibilidade dada ao homem, que est l desde sempre, ou seja, desde o momento em que ele acontece no mundo. Assim sendo, a compreenso no significa necessariamente desenvolvimento mental ou psquico. Enquanto condio originria do ser humano, ela anterior a qualquer desenvolvimento psquico ou mental (SAFRA, 2006, p. 22).

    O fato de o homem ser um ente que compreende significa que ele, originariamente, desde sempre, questiona-se e est desperto para o ser, vido de sentidos. A condio humana acontece de tal forma que o homem encontra-se, ontologicamente, aberto compreenso originria a respeito do mundo e do existente.

    Nessa perspectiva, se pretendemos formar profissionais capazes de cuidar do outro/outros, necessrio se faz apresentar-lhes os fundamentos do compreender, como partida para a busca de caminhos que lhes possibilitem alcanar a plenitude do cuidar. Cuidar de si e cuidar do outro.

    Ademais, o homem transcendncia na medida em que ele est em si e ao mesmo tempo para alm de si mesmo, estabelecendo, portanto, uma relao com o OUTRO. Assim, o OUTRO surge como um mais alm. O homem sempre um ente ontologicamente aberto ao OUTRO; tanto a um OUTRO para alm de si, como para um OUTRO em si (SAFRA, 2006, p. 25).

    O OUTRO fundamental na constituio de si mesmo, pois o homem sempre acontece em comunidade. Sendo um ente sempre aberto ao OUTRO, o ser humano um acontecimento em comunidade. A comunidade tanto acolhe o aparecimento da pessoa, quanto lhe transmite os elementos disponveis e necessrios para que ela d conta de sua existncia.

    A disponibilidade para a compreenso parte inerente da condio humana, mas tambm se observa que o ser humano tem necessidade tica de ser compreendido e reconhecido em sua singularidade (SAFRA, 2006, p. 24).

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    Dilthey (apud PALMER, 1969, p. 51) nos adverte que hermenutica e linguagem encontram-se associadas e trata a compreenso como operao na qual a mente capta a mente (Geist) de outra pessoa, momento muito especial em que a vida compreende a vida; a compreenso abre-nos o universo das pessoas individuais e, portanto, abre tambm possibilidades para a nossa prpria natureza. Assim, considera a compreenso como processo pelo qual, com a ajuda de signos percebidos do exterior atravs dos sentidos, conhecemos uma interioridade. (DILTHEY, 1984, p. 50 apud TOURINHO; S, 2002, p. 8).

    Para Heidegger, compreender deixa de ser um modo de conhecer para tornar-se um modo de ser o ser que existe como modo de compreender (TOURINHO; S, 2002, p. 15).

    Em Palmer, a compreenso deixa de ter um carter divino e passa a depender do entendimento lingstico, do contedo de um texto. Admite a variedade de conceitos, respeitando as idias de diversos autores, citando-os. Assim, a compreenso vista como um processo circular, onde ocorre uma interao dialtica entre o todo e a parte, descrevendo o Crculo Hermenutico (PALMER, 1969, p. 124) situao em que o todo recebe a sua definio das partes, e, reciprocamente, as partes s podem ser compreendidas na sua referncia ao todo.

    A riqueza de possibilidades, que ocorre na com-vivncia e inter-pretao presentes no dia-a-dia das atividades desenvolvidas pelo estudante de medicina em ABP, abre-lhe o olhar para horizontes que vo alm dos saberes tcnico-cientficos encontrados nos textos, debates e palestras exclusivamente mdicas. A percepo da influncia de fatores de natureza histrica, geogrfica, cultural, religiosa, social e econmica, alm daqueles biolgicos, propriamente relacionados condio humana, invariavelmente leva-os a uma reflexo mais ampla sobre as origens, causa e efeitos dos problemas para os quais empenham esforos na busca de solues.

    Da, consideramos prejudicial ao processo de ensino a instrumentao da aprendizagem fora do contexto de sua aplicao, sem a necessria articulao com as possveis realidades da prtica mdica. Embora ainda no assista a casos de fato reais, no decorrer do processo tutorial, o aluno convocado, a todo instante, a saber para qu aprende o que aprende. Assim, os conhecimentos e sua evoluo tm uma histria e uma finalidade. A histria o processo de investigao; a finalidade, o paciente ou grupos de indivduos sos ou enfermos, reais ou fictcios. Dessa forma, a pedagogia da interao supera, com vantagens, a pedagogia da transmisso passiva de conhecimentos utilizada nos mtodos tradicionais de ensino, possibilitando o aperfeioamento contnuo de atitudes, conhecimentos, competncias e habilidades dos formandos. Ademais, proporciona aos alunos o desenvolvimento dos seus

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    prprios mtodos de estudo e busca de conhecimentos, ensinando-os a selecionar criticamente os recursos educacionais mais adequados, trabalhar em equipe, desenvolver habilidades, adquirir competncias e, fundamentalmente, aprender a aprender (CAMPOS; GORDAN, 1997, p. 2). Nesse contexto, convm relembrar que as competncias so conceituadas como um conjunto de saberes e habilidades que os aprendentes incorporam por meio da formao e da experincia, conjugados capacidade de integr-los, utiliz-los, transferi-los em diferentes situaes. (MACEDO, 2007, p. 93).

    Dessa forma, segundo essa perspectiva, o currculo adotado busca contemplar o processo ensino e aprendizagem com o estmulo ao pensamento emancipatrio, com vista autonomia necessria tomada de decises e condutas, pertinentes atuao do futuro mdico em novos e diversos cenrios. Em suma, prepar-lo para as possveis mudanas que certamente se lhe apresentaro um dia.

    Em funo desses novos cenrios, enseja-se formar profissionais com capacidades criativas, e no meramente reprodutivas; mdicos capazes de promover atitudes de investigao e pesquisa cientfica, de percepo e ao, que os tornem aptos a enfrentar e resolver problemas.

    O desenvolvimento tcnico-cientfico e as condies do exerccio profissional demandam um profissional com habilidade cognitiva e com certo grau de responsabilidade e autonomia que lhe permita sustentar sua prpria educao continuada com base em estudos independentes. Por sua vez, o desenvolvimento da tecnologia mdica demanda uma formao sistemtica no processo de tomada de deciso, considerando-se os princpios da biotica e a anlise dos custos da ateno, pois o saber e a conduta esto indissoluvelmente unidos na atividade mdica.

    O modelo pedaggico ABP no exclusivista nem excludente. Seu eixo metodolgico possibilita a oportunidade do exerccio de outras tcnicas pedaggicas, como o caso das palestras, de natureza expositiva, e encontra-se fundamentado nos princpios da pedagogia interativa, de natureza democrtica e pluralista, com um firme eixo metodolgico que priorize a aprendizagem baseada em problemas como metodologia de ensino-aprendizagem central (CAMPOS; GORDAN, 1997, p. 10).

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    3 METODOLOGIA

    O objeto desta pesquisa o desenvolvimento do processo tutorial, uma das atividades centrais do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).

    Para a sua realizao, utilizamos dados coletados por meio de documentos do prprio curso e do Ministrio da Educao e Cultura (MEC), aplicamos tcnicas de grupo focal e de participao observante, as quais, conjuntamente articuladas, possibilitaram a anlise e reflexo acerca do problema em questo.

    3.1 DEFINIO DOS PARTICIPANTES

    Foram convidados a participar do estudo todos os alunos matriculados nas turmas do quarto e quinto anos, do curso mdico da UESB, cuja entrada de trinta alunos por ano e estabelecemos que o grupo ideal para os encontros seria composto por seis a doze alunos, de cada ano participante da pesquisa.

    Dessa forma, intencionamos tentar reproduzir um ambiente de conversa que tivesse um nmero de participantes semelhante ao das tutorias. Inicialmente, foi enviado convite a todos os alunos dos referidos anos. Como a realizao dos grupos focais ocorreu fora do horrio das atividades escolares, a seleo dos alunos participantes foi realizada segundo o interesse e a disponibilidade dos prprios alunos.

    Consideramos que os alunos que tinham mais tempo de vivncia com a metodologia ABP e o processo tutorial, portanto, os que esto cursando os anos finais teriam mais elementos para enriquecer os debates, as reflexes e as crticas.

    Com base em Minayo (1992), concebemos campo de pesquisa como o recorte que o pesquisador faz em termos de espao, representando uma realidade emprica a ser estudada luz das concepes tericas que fundamentam o objeto da investigao (MINAYO, 1994, p. 34).

    Devemos considerar, ainda, a interao entre o pesquisador e os atores sociais envolvidos na pesquisa. Nesse processo, mesmo partindo de planos desiguais, ambas as partes buscam uma compreenso mtua. O objetivo prioritrio do pesquisador no ser considerado um igual, mas ser aceito na convivncia. Esse interagir entre pesquisador e pesquisados, que no se limita s entrevistas e conversas informais, aponta para a compreenso da fala dos sujeitos em sua ao.

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    3.2 COLETA E ANLISE DE DADOS

    A coleta de dados aconteceu atravs da realizao de grupos focais, participao observadora e anlise de documentos referentes estrutura curricular e sua materializao na prtica pedaggica. Foi adotado um modelo de roteiro semi-estruturado, com questes abertas, que serviram como guia bsico inicial, que foi aplicado durante a realizao dos encontros para os grupos focais.

    Tais questes norteadoras foram elaboradas com a necessria cautela para que, embora intencionalmente focadas, no aprisionassem o pensamento dos entrevistados, de maneira que estes sentissem liberdade para expressar tudo aquilo que considerassem, naquela ocasio, conveniente ao esclarecimento dos fatos. Esse tipo de entrevista prov profundidade qualitativa ao permitir que as pessoas falem sobre o tema nas suas prprias estruturas de referncia, baseados em idias e significados com os quais esto familiarizados e, assim, ao utilizarem mais os seus prprios termos, ao contrrio das entrevistas padronizadas, forneam uma forte estrutura de comparabilidade (MAY, 2004, p. 149).

    Ainda segundo May (2004, p. 156), a linguagem, mais do que um ato de fala, tambm uma ato de representao. Assim, as expresses verbais dos estudantes foram transcritas integralmente, sem tentativas de correo das possveis inadequaes gramticas nelas existentes.

    3.3 DEFINIO DA AMOSTRAGEM

    A pesquisa qualitativa no se baseia no critrio numrico para garantir sua representatividade. A amostragem boa quando possibilita abranger a totalidade do problema investigado em suas mltiplas dimenses (MINAYO, 1992, p. 46). Nesta pesquisa, consideramos que a amostra mnima avaliada seria de seis alunos por ano, como j foi dito anteriormente.

    3.4 OBSERVAO PARTICIPANTE

    A observao participante tem sido um importante caminho de anlises, pois o observador participa da vida cotidiana do grupo ou organizao que estuda (BECKER, 1994). A questo levantada por Becker quanto ao esforo do pesquisador em levantar dados tendo

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    que distinguir espontaneidades de diretivas face sua presena perante o fenmeno. Este autor discerne trs estgios de anlise de campo: a) seleo e definio de problemas, conceitos e ndices; b) controle sobre a freqncia e distribuio dos fenmenos; c) incorporao de descobertas individuais num modelo de organizao em estudo; e um

    estgio de anlise final que envolve problemas de apresentao de evidncias e provas. Macedo (2006, p. 96) nos alerta para o fato de que

    observao participante, alm de eficiente recurso metodolgico, reveste-se de um tal status que atrai para si uma densidade terica que transcende uma simples posio de recurso em metodologia e termina por assumir sentido de pesquisa participante, tal o grau de autonomia e importncia que assume em relao aos recursos de investigao de inspirao qualitativa. [...] bom que se diga que, ao fazer etnopesquisa crtica, o engajamento usado e compreendido como uma vantagem.

    A insero do pesquisador no campo est relacionada com as diferentes situaes da observao participante por ele desejada. Num plo, temos a sua participao plena, caracterizada por um envolvimento por inteiro em todas as dimenses da vida do grupo a ser estudado. Noutro, observamos um distanciamento total de participao da vida do grupo, tendo como prioridade somente a observao. Ambos os extremos mencionados envolvem riscos que devem ser avaliados antes de serem adotados (MINAYO, 1994, p. 56).

    Na condio de participante observador, cabe ao o pesquisador deixar claro para si e para o grupo sua relao como sendo restrita ao momento da pesquisa de campo. Nesse sentido, ele pode desenvolver uma participao no cotidiano do grupo estudado, por meio da