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Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima Cabo Verde 0 Universidade do Mindelo Universidad de Valladolid República de Cabo Verde España MESTRADO EM DIREITO MARITIMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL ASPECTOS JURÍDICOS SOBRE A REPRESSÃO DO TRAFICO ILÍCITO DE DROGAS PELA VIA MARÍTIMA - CABO VERDE Mestrando Coordenador Emerson M. Lubrano Rodrigues Antonio Javato Martín Mindelo, Junho de 2014

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Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

0

Universidade do Mindelo Universidad de Valladolid

República de Cabo Verde España

MESTRADO EM DIREITO MARITIMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

ASPECTOS JURÍDICOS SOBRE A REPRESSÃO DO TRAFICO ILÍCITO DE DROGAS PELA VIA MARÍTIMA - CABO VERDE

Mestrando Coordenador

Emerson M. Lubrano Rodrigues Antonio Javato Martín

Mindelo, Junho de 2014

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

1

ÍNDICE

SIGLAS ........................................................................................................................................... 3

ABREVIATURAS .......................................................................................................................... 4

APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................ 5

1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS ....................................................................................... 7

1.1. Introdução ........................................................................................................ 7

2. COMPREENSÃO DO TERMO “DROGA” ........................................................................ 9

2.1. As Primeiras normas Internacionais sobre tráfico ilícito de drogas ................. 11

2.2. Primeiras conferências Internacionais, O velho bloco do ópio; ....................... 13

2.3. A importância do combate ao tráfico de drogas pela via marítima .................. 17

3. DIREITO INTERNACIONAL - NORMATIVA E FONTES ............................................. 21

3.1. Fontes de Direito Internacional ....................................................................... 24

3.2. O Direito Internacional Privado ....................................................................... 25

3.3. Direito Penal Internacional .............................................................................. 26

3.3.1. Princípios Processuais Do Direito Internacional Penal ................................ 29

3.4. Direito Internacional Marítimo ......................................................................... 31

3.4.1. O Direito Penal Marítimo ............................................................................. 33

4. DIREITO INTERNACIONAL MARÍTIMO E O TRÁFICO ILICITO DE DROGAS ..... 36

4.1. Fontes do Direito Marítimo .............................................................................. 37

4.2. Competência dos Juízes e Tribunais Penais .................................................. 38

a) O Princípio da Personalidade ...................................................................... 39

b) O princípio de proteção de interesses ......................................................... 41

c) O princípio de Justiça Universal. ................................................................. 42

d) O principio da Territorialidade ..................................................................... 43

4.3. Regime Jurídico Dos Espaços Marítimos – Competência dos Estados .......... 45

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

2

a) As águas Interiores ..................................................................................... 48

b) Mar Territorial .............................................................................................. 49

c) Zona contígua ............................................................................................. 51

d) Zona Económica Exclusiva – ZEE............................................................... 53

e) Plataforma Continental ................................................................................ 56

4.4.1. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 ................. 58

a) Princípio da Soberania ................................................................................ 59

b) Princípio da liberdade dos mares ................................................................ 61

c) Princípio do património comum da humanidade .......................................... 61

d) Princípio da cooperação .............................................................................. 64

4.4.2. Cooperação Internacional no âmbito de repressão do tráfico de drogas. 65

a) Tráfico Ilícito de drogas no mar ............................................................... 68

b) Tráfico de Drogas nas Zonas Francas ............................................................ 69

4.4.3. Cabo Verde como Estado cooperante na repressão do tráfico de drogas ...... 70

a) Acordo de Cooperação entre os Governos integrantes da CPLP para a

redução da demanda, prevenção do uso indevido e combate à produção e ao

tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas ................................... 72

b) A Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental, CEDEAO. ..... 73

c) Cabo Verde e Europa.................................................................................. 74

d) Acordo Bilateral - Tratado entre a República portuguesa e a República de

Cabo Verde no domínio da fiscalização conjunta de espaços marítimos sob

soberania ou jurisdição. ......................................................................................... 75

4.4.4. Aplicabilidade da Convenção de Viena de 1988 - «Caso Tortuga» ........... 78

Conclusão ................................................................................................................................... 84

Bibliografia .................................................................................................................................. 87

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Cabo Verde

3

SIGLAS

CEDEAO – Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental

CMCV – Código Marítimo de Cabo Verde

CNUDM – Convenção das Nações Unidas Sobre Direito do Mar de 1982

CPCV – Código Penal de Cabo Verde

CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

DPKO – Departamento de Operações de Manutenção da Paz

ECIJ – Estatuto do Corte Internacional de Justiça

ERTPI – Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional

EUA – Estados Unidos da América

EUROPOL – Serviço Europeu de Policia

FMI – Fundo Monetário Internacional

IMO – Organização Marítima Internacional

INTERPOL – Organização Internacional de Policia Criminal

MAOC – Centro de Analise e Operações Marítimas

MAOCN - Centro de Analise e Operações Marítimas – NARCOTICOS

OMC - Organização Mundial do Comércio

ONU – Organizações das Nações Unidas

ONUDC - Escritório das Nações Unidas sobre Drogas

TPI – Tribunal Penal Internacional

UNOWA/DPA – Departamento de Assuntos Políticos das Nações Unidas para

Africa Ocidental

WACI - Iniciativa Para a Costa Ocidental Africana;

ZEE – Zona Económica Exclusiva

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Cabo Verde

4

ABREVIATURAS

al. – Alíneas

Cfr. - Conforme

Nº(s)- número (s)

Pto. - Ponto

Séc. - Séculos

Art. – Artigo

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Cabo Verde

5

APRESENTAÇÃO

O presente estudo realiza-se no âmbito do Mestrado em Direito Marítimo e

Comércio Internacional e tem como título: Aspectos Jurídicos sobre a Repressão

do Tráfico Ilícito de Drogas pela Via Marítima, Cabo Verde.

Portanto pretende-se iniciar o mesmo esclarecendo possíveis dúvidas que

possam surgir referente ao termo “droga” e o contexto histórico da ilegalidade

das drogas. Recorde-se que há pouco mais de um século, precisamente no ano

1909, na China realizou-se a primeira conferência sobre o ópio que viria a entrar

em vigor a nível mundial no ano de 1919, após ter sido incorporada no tratado

de Versalhes. A cannabis entrou na lista de substâncias proibidas após a revisão

da Convenção Internacional do Ópio realizada em Genebra no ano 1925.

Perante esse cenário, conhecendo os avultados lucros do comércio da droga, os

antigos comerciantes não pretendiam desistir dessa prática e encontraram no

mar as vulnerabilidades necessárias para continuarem a realizar esse comércio,

agora tipificado internacionalmente como crime.

Logo, uma vez mais1, a visão antiga do Direito Internacional, principalmente,

tratando-se de dois extremos, o Direito à Guerra (ius bellum) e o Direito à Paz (o

ius pacis) tornou-se impotente para responder aos novos desafios do Direito

Internacional. Assim sendo, o segundo capítulo, visa esclarecer factos

relevantes do Direito Internacional que afectam directamente o tráfico ilícito de

drogas pela via marítima, partindo da análise das Fontes e princípios do Direito

Internacional, distinguindo o Direito Internacional Público do Direito Internacional

Privado e evocando questões importantes no âmbito do Direito Penal

Internacional que afetam o tráfico de estupefacientes e substâncias

psicotrópicas.

Embora o Direito do Mar e o Direito Marítimo sejam dois conceitos que

aparentam ser semelhantes, o terceiro capítulo esclarece algumas diferenças

1 Tendo em conta que a pirataria no alto mar foi um dos primeiros crimes a explorar as

fragilidades jurídicas existentes no âmbito do Direito Internacional publico, mais concretamente, sua subdivisão, Direito do Mar.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

6

entre eles, destacando os princípios que iluminam a relação entre os Estados, as

delimitações e os regimes jurídicos aplicados nas áreas marítimas consagrados

na Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, doravante designada

de CNUDM. Dará ainda enfase aos principais aspectos sobre as fontes e os

princípios do Direito do Mar e os principais fundamentos das competências dos

juízes nas diversas áreas marítimas.

O quarto e último capítulo visa abordar os instrumentos jurídicos mais

importantes no âmbito da repressão ao tráfico ilícito de drogas pela via marítima,

enaltecendo, desde já, o princípio da cooperação internacional estabelecido

internacionalmente, expressando que, “Todos os Estados devem cooperar para

a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas

praticado por navios no alto mar, com violação das convenções internacionais.”2

Esse pressuposto remete-nos, subitamente, para a análise das Convenções de

maior importância criados pela ONU com essa finalidade, nomeadamente, a

Convenção Única sobre Narcóticos de 1961, emendada pelo Protocolo de 1972,

a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 e a Convenção das

Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas

de 1988.

O tema se desenvolve, sempre evocando os instrumentos jurídicos cabo-

verdianos, tais como a lei da droga, 78/IV/93 de 12 Julho, o Código Marítimo de

Cabo Verde, adiante referido pelas siglas CMCV, o Código Penal de Cabo

Verde, doravante referido por CPCV e a lei mãe da nação cabo-verdiana, a

Constituição da República de Cabo Verde, adiante designado por CRCV. Para

facilitar a compreensão da matéria exposta, será tratado de forma sintetizada, o

caso da abordagem a um veleiro de pavilhão norte-americano, realizado por

autoridades de Cabo Verde, em conjunto com autoridades do Reino Unido e

ocorrida em águas internacionais próximas de Cabo Verde.

2 CNUDM, art. 108º

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1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS

1.1. Introdução

“O planeta terra é hoje um lugar «uno», onde é preciso saber ser e estar, num

contexto amplo de globalização”. O homem vem conseguindo através de fortes

investimentos feitos a nível da investigação, científico-tecnológico explorar, cada

vez mais as potencialidades do meio marítimo, tanto a nível de recursos

naturais, bem como, utilizando-o como a via mais viável para o transporte do

grosso das mercadorias a nível mundial.

Por outro lado, com o incremento do fluxo do tráfico marítimo, os Estados vêm

confrontados com vários crimes praticados no mar que ameaçam a estabilidade,

a paz, a saúde das populações, a soberania e a própria segurança mundial, tais

como, atos de pirataria, referindo-se à pirataria tradicional e atualmente à

pirataria que acontece no mar da Somália, o tráfico de seres humanos ou

migrações ilegais, o tráfico de armas e o tráfico de produtos estupefacientes e

substâncias psicotrópicas.

O tráfico ilícito de drogas pela via marítima trata-se de um crime transnacional,

pelo que, convém analisar os aspetos do Direito Internacional relacionados a

essa atividade, evocando as fontes do direito internacional e os princípios

basilares que suportam as relações internacionais, no sentido de compreender a

aplicação das leis e as competências dos tribunais para decidir sobre os atos

tipificados como crime praticados pelos cidadãos do planeta, por exemplo, nas

águas que fogem à soberania dos Estados, destacando o “mar de ninguém”,

como alguns autores têm referido ao alto mar.

Nesse sentido, a codificação e o desenvolvimento progressivo do direito do mar

aparece como o melhor meio para garantir a paz, a segurança, a cooperação e

as relações de amizade entre todas as nações, em concordância com os

princípios da justiça, quais sejam a igualdade de direitos e promoção do

progresso económico e do bem-estar social de todos os povos do mundo. Com

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

8

esse objetivo foi aprovado por meio do Decreto-lei nº 5, de 9 de Novembro de

1987, que trouxe para a esfera jurídica cabo-verdiana a Convenção das Nações

Unidas sobre o Direito do Mar, concluída em Montego Bay, Jamaica, em 10 de

Dezembro de 1982, doravante referida pelas siglas CNUDM.

É de referir que esta convenção representa atualmente o suporte jurídico do

Direito do Mar e por isso merece destaque, principalmente nas questões

relacionadas com as competências, as delimitações das áreas marítimas e a

forma como aborda o tráfico ilícito de drogas pela via marítima.

Os principais instrumentos jurídicos relacionados com o tráfico ilícito de drogas

pela via marítima são os seguintes: a Convenção Única sobre Narcóticos de

1961, emendada pelo Protocolo de 1972; a Convenção sobre Substâncias

Psicotrópicas de 1971 e a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito

de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de 1988. No entanto a forma mais

rápida e eficaz de se realizar a cooperação entre os Estados é através dos

acordos bilaterais, pelo que merecerão destaque, por um lado os acordos

multilaterais no âmbito da CEDEAO, CPLP, MAOC e, por outro, os acordos

bilaterais assinados com Portugal, Espanha, EUA, Reino Unido entre outros.

Tudo isso, sem perder de vista a postura jurídica de Cabo Verde na repressão

do tráfico ilícito de drogas pela via marítima, abordando os principais aspetos

das normas nacionais, nomeadamente, a lei da droga, 78/IV/93 de 12 Julho, o

Código Marítimo de Cabo Verde, adiante referido pelas siglas CMCV e o Código

Penal de Cabo Verde, doravante referido por CPCV.

Antes de serem tiradas as conclusões finais do presente estudo será exposto o

caso de uma abordagem efetuada por autoridades cabo-verdianas, em águas

próximas de Cabo Verde, ocorrido graças à Cooperação entre Cabo Verde e os

vários parceiros da Plataforma de Coordenação de Informação, doravante

referido por, MAOCN, a troca de informação policial entre Cabo Verde e Brasil,

enfocando, uma vez mais, os principais aspetos da Convenção das Nações

Unidas contra o Tráfico Ilícito de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de

1988, mais concretamente, o artigo 17º desta Convenção e a lei nacional de

drogas.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

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2. COMPREENSÃO DO TERMO “DROGA”

A expressão droga é estudada em várias perspetivas tanto a nível social, como

científico, jurídico e em várias outras disciplinas. Devido a essa característica

multidisciplinar do fenómeno das drogas a nível mundial, torna-se difícil

encontrar uma definição sobre a expressão “droga” adequada a todas as

ciências ou ramos de estudos.

Ao longo do trabalho poderão ser referidos no mesmo contexto os termos

“entorpecentes” ou “estupefacientes”, “substâncias psicotrópicas” e “tóxicos” ou

“narcóticos” com o mesmo significado do termo “Droga”. Convém ainda dizer

que nesse âmbito esses termos centralizam-se no “tráfico ilícito” de drogas e não

no comércio legal dos produtos estupefacientes ou similares.

Se por um lado, o termo droga teve origem na palavra droog (holandês antigo)

que significa folha seca, isto porque antigamente quase todos os medicamentos

eram feitos à base de vegetais3, por outro e de uma forma mais específica, a

palavra “estupefaciente”4 é proveniente da expressão latina “stupefaciente” ou

“stupefacere”, que significa entorpecer ou estupeficar e é utilizada para

identificar substâncias que provocam alienação mental ou que influem no

espírito.

As drogas utilizadas para alterar o funcionamento cerebral, causando

modificações no estado mental são chamadas drogas psicotrópicas. O termo

psicotrópico é formado por duas palavras: psico e trópico. Psico está

relacionado ao psiquismo, que envolve as funções do sistema nervoso central e

trópico significa em direção a. Logo drogas psicotrópicas são aquelas que

atuam sobre o cérebro, alterando de alguma forma o psiquismo. Por essa razão,

são também conhecidas como substâncias psicoativas 5.

A Organização Mundial de Saúde, OMS, considera que o termo droga abrange

qualquer substância não produzida pelo organismo, que tem a propriedade de

3 (Agencia Nacional de Cultura Cientifica e tecnologica, 1996)

4 (Ciberdúvidas, 1987)

5 (Drogas, 2007)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

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atuar sobre um ou mais de seus sistemas, produzindo alterações em seu

funcionamento6.

Todavia, o presente trabalho centra-se em questões jurídicas relacionadas com

tráfico ilícito de drogas a nível marítimo portanto, se orienta pelas definições

aceites a nível internacional e definidas sobre as drogas proibidas por lei,

conforme as tabelas, I, II, III e IV da Convenção sobre as Substâncias

Psicotrópicas de 1971.

Sendo assim, o termo "estupefaciente" designa toda a substância, natural ou

sintética, das Tabelas I ou II da Convenção Única de 1961 sobre os

estupefacientes e dessa Convenção modificada pelo Protocolo de 1972

emendando a Convenção Única de 1961 sobre os Estupefacientes;

O termo "substância psicotrópica" designa qualquer substância, natural ou

sintética, ou qualquer produto natural constante das Tabelas I, II, III e IV da

Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971;

A expressão "tráfico ilícito" designa as infrações previstas nos nºs 1 e 2 do artigo

3.º da Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 19717.

As expressões "abuso de drogas" e "uso ilícito" significam, respetivamente, o

uso de drogas proibidas e o uso sem receita médica de outras drogas colocadas

sob controlo no território nacional8.

Por "toxicodependente" entende-se toda a pessoa em estado de dependência

física e ou psíquica em face de uma droga colocada sob controlo no território

nacional.

6(Drogas, 2007)

7 Os termos estupefacientes, substâncias psicotrópicas, trafico ilícito são aqui compreendidos

com base no artigo 1º, definições, da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas. 8 Segundo a lei da droga de Cabo Verde, art. 2º, alínea a, e b da lei 78/IV/93.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

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2.1. As Primeiras normas Internacionais sobre tráfico ilícito de drogas

O tráfico ilícito de drogas vem sendo alvo de discussões há mais de um século e

é marcada por distintos interesses, nomeadamente, a nível económico, político,

histórico/cultural e social e estes tem dificultado a criação de uma legislação

harmoniosa entre os Estados. Em consequência disso, até à presente data não

existe um consenso doutrinal9 no que concerne ao combate a esse flagelo com

repercussões devastadoras sobre a saúde pública, colocando em risco a

soberania de alguns Estados menos desenvolvidos, dando origem assim, aos

denominados “narco-Estados”.

Todavia, este consenso é ainda dificultado pelo facto do consumo de produtos

estupefacientes nomeadamente cocaína, cannabis e o ópio, terem sido e

continuarem a ser muito tolerados, isso por causa de questões culturais

enraizados no seio de famílias e sociedades habituadas ou até dependentes dos

mesmos.

Nesta encruzilhada de interesses era e continua sendo difícil encontrar uma lei

internacional que satisfaz os interesses dos Estados de cultivo, produtores,

consumidores e ainda das grandes indústrias farmacêuticas, na medida em que

todos apresentavam “bons argumentos” e ninguém pretendia abrir mãos dos

seus interesses. Enquanto isso, alguns Estados vinham sentindo na prática as

consequências do tráfico e consumo de drogas, destacando o caso da China.

Até ao final do século XIX, os estupefacientes eram comercializados sem

nenhuma restrição governamental e os países ocidentais impingiam grandes

quantidades de ópio no mercado chinês, sem perceber que as suas populações

iam também ganhando o gosto pelo consumo desses e de outras drogas. Nessa

9 Diz-se isso pelo facto de existirem Estados como a Holanda, Uruguai e nos EUA, mais

concretamente o Estado de Washington e Colorado onde se tolera legalmente o uso da cannabis, mediante algumas restrições definidas na lei. Por outro lado uma boa parte dos Estados proíbem o consumo de drogas, realçando aqui, Cabo Verde cfr. artigo 20º, da lei 78/IV/93, porém, no meu entender, demonstra alguma tolerância no mesmo artigo, nº 2, e als, quando estabelece que o infractor pode ser dispensado de pena se for menor de dezoito anos, se não for reincidente e se comprometer, mediante declaração solene perante o Magistrado, a não praticar de novo o acto previsto e punido nos termos deste artigo.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

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época, nos Estados Unidos da América, o comércio das drogas era tolerado

complacentemente10.

A ideia de que o consumo destes produtos gerava um grave problema de saúde

pública começou a se revelar de forma preocupante, tanto na China como nos

EUA e em algumas das potências ocidentais, inclusive no Reino Unido.

Diante desse cenário, no final do século XIX, nos EUA surgiam movimentos anti

uso das drogas motivados primeiramente pela degradação da saúde pública dos

jovens, secundariamente pelo interesse da classe médica em monopolizar o

mercado das drogas e por fim, pela preocupação de ordem social com as

consequências do consumo recreativo pelas classes menos favorecidas da

sociedade.

No ano de1868, na Grã-Bretanha, começou a surgir as primeiras normas

farmacêuticas de controlo de “substâncias perigosas”, obrigando os

comerciantes do ópio e opiáceos a colocarem o rótulo de “veneno” nessas

embalagens, tendo essa lei sido denominada de “Poison and Pharmacy Act”,

restringindo a venda a determinados profissionais, porém não se previam penas

graves a serem aplicadas aos contraventores.

Nessa ordem de ideias, a partir de 1895, nos EUA, a maior parte desses

Estados aprovaram leis controlando a venda de opiáceos e remédios de patente,

elixires e preparados, inclusive para uso infantil, contendo ópio11.

Dando continuidade a essa política, nos EUA, no ano 1906, foi adotada a lei

federal denominada Pure Food and Drug Act12, pondo fim à indústria dos

remédios de patente e exigindo que todos os medicamentos passassem a conter

rótulos listando com precisão o seu conteúdo.

10

(Silva, 2013) 11

(Silva, 2013) 12

Tendo, posteriormente, motivado a criação do Food and Drug Administration com o principal objetivo de proibir o tráfico externo e entre Estados de alimentos adulterados ou medicamentos que tivessem como componentes substâncias psicoactivas, sem ser rotulados com a expressão “veneno” e dirigiu o Bureau de Química dos EUA para inspecionar produtos e denunciasse os infratores ao Ministério Público.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

13

Três anos depois, por volta de 1909, o governo norte-americano aprovou a

primeira lei de abrangência nacional, denominada “Smoking Opium Exclusion

Act”, focada no mercado consumidor13. Chegava ao fim a tolerância social com

relação ao consumo de ópio e posteriormente de outras drogas, também

suportada na realização de várias campanhas de informação realizada nos EUA.

Nessa época, o consumo do ópio começou a declinar na medida em que os

preços iam crescendo. Em consequência disso, os consumidores passaram a

consumir drogas mais pesadas, nomeadamente, a heroína injetável ou fumada e

com piores consequências para a saúde pública.

2.2. Primeiras conferências Internacionais, O velho bloco do ópio;

No final do século XIX, início do século XX, o comércio de drogas,

principalmente o ópio, tinha um impacto significativo na economia de algumas

potências mundiais, destacando o Reino Unido, donde partia a maior parte do

ópio e derivados a serem consumidos no mercado Chinês, chegando a

representar metade das exportações britânicas para a China14.

Nos meados do século XIX, a China era um dos países que mais sofria com as

consequências do uso e abuso de drogas, principalmente o ópio, que ameaçava

gravemente não só, a estabilidade social e financeira do país, como também a

saúde dos soldados e em consequência disso, a corrupção alastrava-se na

sociedade chinesa.

Recorde-se uma frase escrita por um ministro chinês, no ano de 1839, para

chamar a atenção do imperador:

“Majestade, o preço da prata está caindo por causa do pagamento da droga.

Em breve, vosso império estará falido. Quanto tempo ainda vamos tolerar

este jogo com o diabo? Logo não teremos mais moeda para pagar armas e

13

, (Silva, 2013)

14 (Silva, 2013)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

14

munições. Pior ainda, não haverá soldados capazes de manejar uma arma

porque estarão todos viciados.”15

Nesse ano, iniciaria a primeira guerra do ópio, entre a China e a Grã-Bretanha,

tendo terminado 3 anos depois, no ano 184216.

Portanto, a realidade estava à vista de todos, o cenário chinês era triste, sua

sociedade estava sendo devastada pelo uso e abuso das drogas, contudo a

China não tinha poder para contrariar a força Britânica, aceitando as suas

imposições. Mas o facto era inegável, por isso no ano de1856, voltou-se a uma

segunda guerra do Ópio, onde os franceses aliaram-se à Grã-Bretanha e

voltaram a derrotar a China, mantendo o comércio da droga para este país.

Reconhecendo a dificuldade da China em combater esse flagelo e considerando

a necessidade dos EUA em se aproximar da República da China, por

necessidades de diversa ordem, “o Congresso norte-americano estabeleceu em

1903, um Comité de Investigação para considerar a questão do abuso do ópio

no Extremo Oriente, encomendando o primeiro levantamento internacional sobre

o consumo daquela substância. A conclusão do levantamento foi de que

constituía, possivelmente, num dos problemas mais graves da Ásia e que sua

solução seria o controlo da produção, na Índia, China, Birmânia, Pérsia, Turquia

e limitar o comércio internacional. As recomendações para as Filipinas

resultaram no fim do sistema do monopólio do comércio do ópio, no banimento

das casas de ópio, a proibição do uso recreativo e, em 1908, das importações

para fins não medicinais”.17

15

(wikipédia, 2014) 16

Pelo Tratado de Nanquim (1842), que concluiu o primeiro conflito, foram abertos ao comércio exterior cinco portos chineses aos comerciantes ingleses e estabelecido o controle britânico sobre a Alfândega chinesa. O ópio foi aceite como um artigo lícito de comércio e sua importação foi permitida sem restrições. A Rainha Vitória considerou pífios os termos obtidos em Nanquim, definindo o Capitão Charles Elliot, condutor das operações de guerra, como “um homem que desobedeceu completamente as ordens recebidas e tentou obter os menores ganhos possíveis”. Ao final do segundo conflito, o Tratado de Tientsin (1858) forçou os chineses a legalizar as importações de ópio. Com isso, a balança comercial passou a desfavorecer a China. Esse comércio chegou a corresponder a quase um sétimo das rendas da Índia Britânica. Mais tarde, o comércio do ópio tornou-se um item permanente do comércio triangular entre Reino Unido, Índia e China. Pela Convenção de Pequim (1860), o governo chinês foi forçado a abrir novos portos e o rio Yangtze para o comércio estrangeiro, franqueando acesso ao interior do país. (Silva 2013, pp. 67) 17

(Silva, 2013, pag. 72)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

15

Neste cenário, motivada pelas críticas internacionais contra o comércio do ópio,

no ano de 1909, o governo dos EUA decidiu convocar uma conferência onde

participaram treze países considerados potências da época, nomeadamente,

China, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Japão, Países Baixos, Pérsia

(actual Irão), Portugal, Rússia e Sião (atual Tailândia). A convenção

Internacional do Ópio viria a ser assinada em Haia no dia 23 de Janeiro de 1912,

dando origem assim, ao primeiro Tratado Internacional de Controlo de Drogas.18

A convenção definia ópio bruto como sendo “o suco coagulado obtido

espontaneamente a partir das cápsulas do “Papaver somniferum”, que foi

submetido às manipulações necessárias para serem embalados e transportados.

E por derivados do ópio, o produto de ópio cru obtido por uma série de

operações especiais, principalmente por dissolução, ebulição, queimado ou

fermentado, concebidos para transformar o ópio e adequá-lo ao consumo.

O referido Tratado diferenciava o ópio utilizado pela medicina e já apontava a

cocaína como sendo uma droga. Segundo a convenção, os Estados

contratantes comprometiam-se a envidar todos os esforços para controlar ou

fazer controlar todos os tipos de fabricação, importação, venda, distribuição e

exportação de morfina, cocaína e de seus respetivos sais..."19,

No ano de 1915, a convenção entrou em vigor nos Estados Unidos, Países

Baixos, China, Honduras, Noruega e a nível mundial em 1919, quando foi

incorporada ao Tratado de Versalhes.

Dez anos depois, no dia 19 de Fevereiro de 1925, em Genebra foi assinada a

revisão da Convenção Internacional do Ópio, entrando em vigor em 25 de

Setembro de 1928, tendo sido registada na “Liga das Nações”20 no mesmo dia.

Entretanto sob proposta do Egipto, apoiada pela China e pelos EUA, o novo

18

(Hamid Ghodse, 2011) 19

V. as definições da referida Convenção 20

Liga das acções ou Sociedade das Nações era o nome de uma organização internacional criada em 1919 e autodissolvida em 1946, e que tinha como objetivo reunir todas as nações da Terra e, através da mediação e arbitragem entre as mesmas numa organização, manter a paz e a ordem no mundo inteiro, evitando assim conflitos desastrosos como o da guerra que recentemente devastara a Europa.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

16

tratado introduziu a droga cannabis na lista das drogas proibidas e proibiu a sua

exportação.

A Primeira Conferência de Genebra sobre Drogas realizou-se em 1924, com o

objetivo de considerar medidas para a supressão do uso do ópio no Extremo

Oriente. A decisão foi de abolir as concessões para o comércio de ópio,

passando os governos a assumir o controlo por meio de um sistema de licenças

e proibição de reexportação. Entre os 41 participantes na Conferência de 1925,

incluíram-se pela primeira vez alguns países latino-americanos e caribenhos,

nomeadamente Brasil, Bolívia, Chile, Cuba, Nicarágua, República Dominicana,

Uruguai e Venezuela.

Perante o novo tratado, o uso de cânhamo indiano e a preparação de produtos

derivados só poderiam ser autorizados para fins médicos e científicos. No

entanto, a resina crua que é extraída dos exemplares femininos da cannabis

sativa juntamente com as diversas preparações obtidas a partir dela (haxixe,

chira, esrar, diamba, etc), que não são utilizadas para fins médicos, mas sim

para fins prejudiciais, da mesma forma, não podem ser produzidas, vendidas,

comercializadas em qualquer hipótese, como acontece com outros narcóticos.

A ideia da proibição da Cannabis não foi aceite por muitos países, provocando

uma reação negativa por parte da India, Holanda e outros, alegando costumes

religiosos, sociais e culturais, pelo que, esta disposição não entrou no tratado

final.

No entanto, os países comprometeram-se em proibir a exportação do cânhamo

indiano para países que tenham proibido a sua utilização e exigiram que países

importadores emitissem certificados para aprovar a importação. Afirmaram

igualmente, que a transferência era necessária exclusivamente para fins

médicos ou científicos. Ainda nesta perspetiva, foi também imposta que as

partes passassem a exercer um controlo mais efetivo de modo a impedir o

tráfico internacional ilícito do cânhamo indiano e principalmente da sua resina.

Acrescentou-se ainda, um sistema de controlo estatístico supervisionado pelo

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

17

Conselho Central Permanente do Ópio, um órgão da Liga das Nações, conforme

o capítulo VI, artigo 19 do presente regulamento. 21

Esses marcos importantes serviram de bases para que no ano de 1961, visando

uniformizar as leis de repressão contra as drogas ilícitas fosse criada pela ONU,

a Convenção Única sobre Narcóticos de 1961. Posteriormente, com o

incremento do tráfico de drogas a nível internacional, a Convenção foi emendada

pelo Protocolo de 1972; a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971,

e na década de 80, a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de

Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de 198322.

Contudo, perante essa realidade e a progressiva consciencialização dos povos

de que as drogas constituíam um grave problema de saúde pública quando

indevidamente manuseadas, o seu comércio e consumo passam a ser tipificados

como crime numa grande parte das legislações nacionais, seguindo as diretrizes

da Organização das Nações Unidas, de acordo com as Convenções contra o

tráfico de estupefacientes aprovados até aquela data.

Contrariando as autoridades e os anseios das organizações internacionais, o

tráfico de drogas passa a ser feito ilicitamente por fações criminosas de âmbito

internacional/transnacional, gerando lucros avultados que posteriormente são

empregues na prática de crimes conexos, tais como, lavagem de capital,

corrupção e terrorismo, ameaçando dessa forma a soberania de alguns Estados

menos preparados para combater as poderosas redes criminosas

transnacionais.

2.3. A importância do combate ao tráfico de drogas pela via marítima

Já nos meados do século XIX, o mundo se encontrava numa situação crítica

marcada pelas duas guerras do ópio. Nessa época, a civilização chinesa vivia na

prática os graves problemas de saúde pública, porém ignorada por algumas

potências mundiais. A droga era vista de forma positiva pelos colonizadores e

21

Aspectos da referida Convenção de 1925 sobre drogas; 22

(Hamid Ghodse, 2011)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

18

posicionava-se como uma atividade altamente rentável, pelo que não havia

interesse em combatê-la.

Nos finais desse século, perante tantas dificuldades encontradas em lidar com

os consumidores de drogas, principalmente nos EUA e na China, várias foram

as organizações não-governamentais que traçaram como meta promover o bem-

estar social e a prosperidade das populações. Começaram a fazer pressões aos

líderes mundiais no sentido de melhor controlar a circulação de drogas. Todavia

o esforço foi recompensado, primeiro em Xangai (em 1909), depois em Haia (em

1912), na definição da proteção de indivíduos e comunidades contra a

dependência e o abuso de drogas como prioridade, 23.

Nessa fase o comércio e o abuso de drogas, nomeadamente, cannabis, cocaína,

heroína e seus derivados, eram feitos de forma legal e generalizada. Nos EUA,

por exemplo, o consumo de drogas destinadas a fins não médicos girava à volta

dos 90%. Por seu lado, no início do século XX, na China a quantidade de

opiáceos consumidos por ano rondava à volta de 3.000 toneladas de morfina e

seus derivados, número significativamente maior do que o consumo global cem

anos depois24.

Por outro lado, complicando ainda mais essa luta, a globalização facilitou o

tráfico ilegal dessas substâncias e com o agravar da crise internacional na

década de 80, vários países viram as exportações de bens e serviços diminuir,

tornando ainda mais difícil combater o narcotráfico.

Perante tal situação, o tráfico internacional de drogas aumentou atingindo uma

cifra anual superior a US$ 500 bilhões25, valor superior ao que gira em torno do

comércio do petróleo. No mundo o montante de dinheiro envolvido com o

narcotráfico é superado apenas pelo tráfico de armamento. Esses valores são

muitas vezes aplicados na prática de outros crimes, nomeadamente, corrupção,

lavagem de capital e terrorismo.

23

(FKB, 2014) 24

(Hamid Ghodse, 2011) 25

(ADUSP, 1996)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

19

Outro aspeto que desperta atenção, é o facto de em torno de 80% da população

mundial ter pouco ou nenhum acesso a substâncias controladas.26 Isso

demonstra que existem muitas pessoas doentes à espera de medicamentos e

muitas outras com a saúde em degradação, abusando dessas substâncias.

Na década de 80, com o agravar da situação surge o termo “Narco Estado” para

caracterizar os países onde as estruturas socias se encontram fortemente

influenciadas pelo poder dos traficantes de drogas.

Com o intuito de contrariar a estratégia dos traficantes, a maneira mais eficaz,

apontada pelos membros da ONU trata-se da cooperação internacional e do

multilateralismo confirmado pela ideia de que “o sistema internacional de

controlo de drogas é um valioso exemplo de como o multilateralismo pode ter

sucesso na conquista de benefícios à humanidade, na prevenção do abuso de

drogas, bem como dos danos causados pelo abuso, enquanto asseguram a

disponibilidade adequada de drogas para propósitos médicos e científicos,

incluindo o tratamento de dores e doenças mentais”27.

Perante tantas divergências económicas, politicas e culturais, as Nações Unidas

sentiram que o caminho da repressão do tráfico de ilícito de drogas a nível

internacional só poderia ser possível através da cooperação Internacional, pelo

que, consagrou no art. 108º da CNUDM, o dever de cooperação entre os

Estados para a repressão do tráfico ilícito de drogas. Nesse sentido, os

instrumentos mais importantes na repressão do tráfico internacional de drogas

ilícitas a nível marítimo são os seguintes: a Convenção Única sobre Narcóticos

de 1961, emendada pelo Protocolo de 1972; a Convenção sobre Substâncias

Psicotrópicas de 1971; e a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito

de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de 198828.

Com o controlo mais exaustivo e eficaz dos aeroportos e fronteiras terrestres, o

mar aparece como a via mais viável para fazer o transporte internacional dessas

26

(Hamid Ghodse, 2011) 27

(Hamid Ghodse, 2011) 28

Essas convenções desfrutam de uma adesão quase universal, demonstrando a confiança dos Governos entre si e no sistema internacional de controlo de drogas.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

20

substâncias ilícitas, pelo facto de existirem extensas costas desprotegidas, áreas

marítimas de difícil controlo, tais como o Mar territorial, a Zona Económica

Exclusiva, o Alto Mar e as próprias costas isoladas e distantes dos centros

urbanos. Por outro lado, permite o transporte de maiores quantidades de drogas

ilícitas, resultando num negócio mais rentável.

Em relação a Cabo Verde, a comunidade Internacional classifica-o como sendo

um país de trânsito de produtos estupefacientes, principalmente, a cocaína

proveniente de alguns países da América do Sul, mais concretamente Brasil,

com destino à Europa29. Como prova, citamos o célebre caso “Lancha Voadora”

ocorrido em Outubro de 2011 e desmantelado pela Polícia Judiciária de Cabo

Verde em cooperação com as homólogas espanholas e holandesas.

No entanto é de extrema importância referir que segundo o relatório sobre

drogas da ONUDC, lançado no dia 26 de Junho do ano 2012, cerca de 50 % da

droga traficada na África Ocidental, incluindo Cabo Verde permanece na região.

Segundo o Ministro da Justiça de Cabo Verde, José Carlos Correia, “Já começa

a ser quase que banal os jovens consumirem canábis na rua e passarem o taco

um ao outro”30 ou seja, internamente, o país não é visto apenas como se

tratando de um local de trânsito, mesmo porque segundo o referido relatório, o

consumo de cannabis na África Ocidental é superior à média mundial. Ainda

segundo o mesmo relatório, as drogas mais usadas são a cannabis seguida das

anfetaminas e depois da heroína e Cabo Verde está incluído na lista dos países

africanos onde se consomem drogas sintéticas.

Ciente dos malefícios que o consumo dessas substâncias causam às

sociedades e das fragilidades que os seus dividendos possam causar aos

Estados, como referido anteriormente, foi publicada a 12 de Julho de 1993, a lei

da Droga nº 78/IV/93, parametrizada nas Convenções internacionais de

repressão ao tráfico ilegal de produtos estupefacientes e substâncias

psicotrópicas das Nações Unidas.

29

Relatório da ONUDC, sobre tráfico de drogas, 2012. 30

(Santos, 2012)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

21

3. DIREITO INTERNACIONAL - NORMATIVA E FONTES

O direito Internacional31 é uma área do direito, constituída por várias

subdivisões, correspondendo a um incessante desejo de especialização, pelo

que, ao longo dos anos à medida que o homem evolui no sentido de aproximar

os cidadãos dos diferentes Estados, são variadas as ramificações que se vão

brotando dentro do próprio Direito Internacional.

Anteriormente, utilizou-se a expressão “ius gentium”, ou seja, “Direito das

Gentes”.32 Contudo, atualmente, a maioria dos Estados utiliza o termo “Direito

Internacional” e por conseguinte as sociedades mais evoluídas no estudo do

tema e cujas línguas são faladas mundialmente, constata-se a adoção das

seguintes expressões: “Droit International” na língua francesa, na língua italiana,

“Diritto Internacionale” e “Derecho Internacional” em Espanha. Dessas línguas,

apenas a Alemanha utiliza um termo diferente, “Volkerrecht”. 33

Todavia, durante muito tempo, no século XIX e meados do século XX, referiu-se

ao Direito Internacional, principalmente, tratando-se de dois extremos, de um

lado o direito à Guerra (ius bellum) e do outro o Direito à Paz (o ius pacis)34.

Essas subdivisões, do direito Internacional, perderam sentido, a partir do

momento em que se proibiu o uso da força no contexto internacional.

Infelizmente, foi preciso muito sofrimento da população mundial, para que os

líderes mundiais tomassem a consciência da necessidade de ter um Direito

Internacional bem definido, protegendo os interesses dos Estados e também os

direitos humanos a nível mundial.

31

O fundador da expressão Direito Internacional trata-se do Hugo Grócio, tendo usado essa expressão pela primeira vez no ano 1625 aquando da publicação do livro titulado como “De lure Belli ac Pacis” cfr. Armando M. Marques Guedes, Direito…, p.13; a terminologia consagrou-se com a sua utilização, pelo filosofo britânico Jeremy Bentham, que publicou em 1780 um livro, sob título “An Introduction to the principles of Moral and Legislation”, contendo a expressão Internacional law, cfr. Lembrança de Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Alain Pellet, Droit…, p.35. ref. (Gouveia, 2008) 32

(Oliveira, 1996), pag. 44, em Roma: direito que regulava as relações entre estrangeiros e as relações mistas; actualmente: sinónimo de direito internacional 33

(Gouveia, 2008) 34

(Gouveia, 2008)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

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22

O Direito internacional adquiriu maior relevância com o surgimento das

organizações Supranacionais, que são estruturas dos Estados com poderes

mais amplos e dotados de mecanismos de subordinação da vontade dos

Estados, como a decisão por maioria e não por unanimidade, ou incorporação

automática das normas estaduais35. Citamos o caso do Fundo Monetário

Internacional (FMI), Organização das Nações Unidas (ONU), Organização

Mundial do Comércio (OMC) e, mais recentemente, o Tribunal Penal

Internacional (TPI), que assumiram um papel de destaque na chamada política

internacional.

É de frisar, que o desenvolvimento tecnológico permitiu ao homem explorar

zonas distantes dos limites de soberania estatais, trazendo novos desafios aos

juristas, motivando-os para a realização de estudos e a criação de novas leis

com vista a regulamentar a circulação de pessoas e bens, e a exploração dos

espaços marítimos, de forma a proteger os bens comuns da humanidade, como

por exemplo, os fundos marinhos e o alto mar, baseando-se nos princípios da

Soberania, cooperação e solidariedade internacional, ou seja, “O Direito

Internacional público além de regular relações entre Estados soberanos, passou

igualmente a preocupar-se com muito mais: com a solidariedade e a justiça

social entre Homens e Povos36.”

Nesse sentido o Direito Internacional Público pode ser entendido como “o

conjunto de normas jurídicas que regulam as relações mútuas dos Estados e,

subsidiariamente, as das demais pessoas internacionais, como determinadas

Organizações, e dos indivíduos”37ou ainda, “o ramo do direito constituído pelo

sistema de normas jurídicas que se aplicam a todos os membros da

Comunidade Internacional, para regular os assuntos específicos desta, a fim de

garantir os fins próprios da Comunidade nas matérias da sua competência.”38

A conceção dualista aponta o direito internacional como sendo um sistema de

normas jurídicas vinculantes que se encontram em vigor ao lado das normas do

Direito Estadual, com a responsabilidade de dar a conhecer o motivo que as

normas do Direito Internacional vinculam o Estado particular, que constitui o 35

(Gouveia, 2008) 36

Cfr. Fausto de Quadro citado em (Gouveia, 2008); pag. 113. 37

(Hildebrando, 2000) 38

(Amaral, 2004), pag. 219

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

23

fundamento da sua validade, partindo assim, daquilo que eles pressupõem ser a

ordem jurídica estadual.39

De entre as matérias regidas pelo Direito Internacional, cita-se os seguintes

exemplos: à proteção dos direitos humanos, com destaque para o direito

internacional criminal, a cooperação científica, tecnológica e a cooperação

jurídica entre todos os países do mundo, o regime jurídico do Alto-mar, e noutro

plano particular, destaca-se a cooperação bilateral ou regional para a solução de

problemas comuns e transfronteiriços relacionados com o tráfico de drogas.

Uma coisa é certa, o Direito Internacional só tem validade num Estado quando

ancorado na ordem jurídica desse Estado. Nesse entendimento, o Direito

internacional apenas vigora em relação a um Estado quando seja reconhecido

por este como vinculante, e seja reconhecido tal como é configurado pelo

costume no momento desse reconhecimento. Esse reconhecimento deve estar

consagrado no ato de legislação ou do governo, ou tacitamente pela efetiva

aplicação das normas do Direito internacional, pela conclusão de convenções

internacionais, pelo respeito das imunidades estatuídas pelo Direito

internacional, etc. Como, de facto, todos os Estados assim procedem, o Direito

internacional encontra-se efetivamente em vigor em relação a todos os Estados.

Nesse sentido, a maioria dos Estados procedem dessa forma e no caso de Cabo

Verde, é o preceituado no artigo 12º, nº2 da Constituição da República, quem dá

a essa disposição força legal e a capacidade de fazerem parte integrante da

nossa ordem jurídica, citando mesmo: “Os tratados e acordos internacionais,

validamente aprovados ou ratificados, vigoram na ordem jurídica cabo-verdiana

após a sua publicação oficial e entrada em vigor na ordem jurídica internacional

e enquanto vincularem internacionalmente o Estado de Cabo Verde”.

Nessa mesma linha de ideia, no ponto 4 do mesmo artigo, entende-se que a

Constituição da República de Cabo Verde “submete-se” às convenções

internacionais, quando diz que “As normas e os princípios do Direito

Internacional geral ou comum e do Direito Internacional convencional

39

(Bastos, 1998, p. 79)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

24

validamente aprovados ou ratificados têm prevalência, após a sua entrada em

vigor na ordem jurídica nacional e interna, sobre todos os atos legislativos e

normativos internos de valor infraconstitucional”.

Outro aspeto relevante, que mais à frente será dado a devida atenção, se trata

da importância do Direito Internacional Privado na esfera do Direito Internacional

Público, pelo que, evocamos desde agora a antiga premissa, ensinada pelo

jurisconsulto Ulpinano: “publicum jus est quod ad statum rei romanae spectact;

privatium, quod ad singulorum utilitatem pertinet”40

Por outras palavras, o primeiro trata das relações jurídicas (direitos e deveres)

entre Estados, ao passo que o segundo trata da aplicação de leis civis,

comerciais ou penais de um Estado sobre particulares (pessoas físicas ou

jurídicas) de outro Estado.

3.1. Fontes de Direito Internacional

Primeiramente, pretende-se entender o significado da palavra “fonte” que pode

significar: princípio, a sua verdadeira origem, facto ou lugar de onde brota algo, o

texto original de uma obra, raiz ou influência, procedência41.

Ciente de que o Direito é um sistema de normas e aliadas a essas ideias,

entende-se por fonte de direito, os factos que dão origem às normas jurídicas,

neste caso normas jurídicas marítimas, bem como as causas que as produzem

ou as influências que moldam o seu conteúdo. 42

Segundo a conceção objetivista, existem dois tipos de fontes, as fontes criadoras

e fontes materiais. Sendo as primeiras, integradas por elementos extrajurídicos

que podem ser, conforme o ângulo enfatizado, a opinião pública, a consciência

40

O direito público é aquele que respeita à República Romana; O direito privado é o que importa à utilidade dos particulares”. Definição constante do digesto (D., 1,1,1,2), conforme (Amaral, 2004) 41

Ver Dicionarios impressos publicados por Porto editora e publicações on line em http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/fonte 42

Caso se queira esclarecer mais factos acerca das fontes, recomenda-se a leitura de (Amaral, 2004), cfr. Bibliografia apontada.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

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25

coletiva, a noção de justiça, a solidariedade e o sentido de interdependência

social, entre outros, desfrutam de maior importância, ao passo que as segundas

apenas se limitam a expressá-las do ponto de vista formal.43

O facto de as fontes poderem ter vários sentidos (formal, material, documental,

orgânico, sociológico) e várias divergências no seu entendimento por parte dos

internacionalistas, leva-nos a concentrar nas fontes conforme o Estatuto da

Corte Internacional de Justiça de 16 de Setembro de 1920.

a) As convenções internacionais, sejam gerais ou particulares, que

estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados

litigantes;

b) O costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita

como Direito;

c) Os princípios gerais de Direito reconhecidos pelas nações “civilizadas”;

d) As decisões judiciais e a doutrina dos publicistas de maior competência

das distintas nações, como meio auxiliar para a determinação das regras

de Direito, sem prejuízo do disposto no art. 59º.

O ECIJ não determina a hierarquia das fontes de Direito Internacional e a mera

ordem em que essas fontes aparecem no texto do artigo 38º, não define a

primazia entre elas.

3.2. O Direito Internacional Privado

O Direito Internacional Privado é constituído por normas que definem qual o

direito a ser aplicado a uma relação jurídica com conexão internacional, servindo

de elementos de conexão para solucionar os conflitos de leis no espaço. Tendo

como objeto o Direito Internacional, refere às relações jurídicas que transcendem

as fronteiras nacionais e tem como um dos principais objetivos a harmonização

das decisões dos Tribunais de cada país, com o direito de outros países que se

encontrem conectados por intermédio das relações internacionais.

43

(Junior, 2008)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

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26

A melhor forma de solucionar a lei e o tribunal competente para julgar esses

factos é recorrendo aos elementos de conexão, que podem ser reais, pessoais

ou institucionais, sendo certo que, os elementos reais se referem a situação da

coisa, lex rei sitae44; o lugar da ocorrência do facto, lex loci delicti; a lei da

celebração do contrato, lex loxi contratus. Os elementos pessoais, estão

relacionados com a nacionalidade da pessoa física, lex patriae; lei do domicílio,

lex domicilii; lei de escolha dos contratantes, lex voluntatis, enquanto que os

elementos Institucionais, referem-se ao pavilhão ou matrícula da aeronave ou

navio; o foro (lex fori) neste caso, se trata do lugar que conhece o caso.

A doutrina francesa indica os elementos de conexão de maneira diferente,

classificando-os em estatuto pessoal e estatuto real. Sendo o primeiro regido

pela lei nacional e o segundo pela lei da situação dos bens, e os factos e atos

jurídicos são regidos pela lei do local da sua ocorrência.

De acordo com os presentes interesses, quanto ao ordenamento terrestre, o

Direito Internacional subdivide-se em três áreas; Direito Internacional Marítimo,

Direito Internacional do Espaço aéreo45 e Direito Internacional do Espaço

Exterior46, todavia, serão aqui abordados apenas os aspetos respeitantes ao

Direito Marítimo relevantes para o tráfico de drogas internacional.

3.3. Direito Penal Internacional

Antigamente não era possível punir, legalmente, indivíduos que cometiam crimes

de âmbito internacional, porém com o evoluir dos tempos, no sec. XIX puniam-se

apenas os crimes de guerra, embora outros autores apontam a sua origem como

sendo derivado de atos de pirataria.

Contudo ressalva-se, uma vez mais, o impacto do sector marítimo na esfera do

Direito Internacional, sendo que, outros autores apontam a sua origem na

necessidade de punir os actos de pirataria praticados em alto mar, sabendo que,

44

(Oliveira, 1996) e todas as outras expressões latinas referidas no mesmo parágrafo. 45

Sobre essa matéria consultar Adriano Moreira, Direito…, pp. 119 e 120, citado por (Gouveia, 2008) 46

(Oliveira, 1996)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

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27

a prática da pirataria precede à construção do Direito Internacional Penal, mas

seus elementos constitutivos são outros47.

O direito Penal “é o ramo do direito público constituído pelo sistema de normas

jurídicas que qualificam os factos ilícitos de maior gravidade social como crimes

e estabelece as penas tidas por adequadas.”48 Contudo por muito tempo, não

existia a responsabilização individual internacional, pelo que, os Estados

afiguravam-se como responsáveis pelos crimes internacionais cometidos por

seus nacionais e pese embora tenha surgido alguns tratados reconhecendo a

existência desses crimes, onde se destaca a Convenção de Genebra em 1864, a

Declaração de São Petersburgo em 1868, a Declaração de Bruxelas em 1874 e

as duas Convenções de Paz em Haia de 1899 e 1907 respetivamente, essas

visavam essencialmente à prevenção da guerra, à disciplina da condução de

hostilidades, entre outros.

Na ótica da responsabilidade, a melhor forma de garantir o respeito pelo Direito

Internacional é a da responsabilidade penal internacional, tratando de punir os

indivíduos que tenham infringido os mais altos valores protegidos pelo direito

internacional49.

Até antes da segunda guerra mundial, uma das maiores dificuldades

encontradas na aplicação do Direito Penal Internacional era o facto de não existir

um texto codificando os crimes internacionais.

Sendo assim, logo após essa segunda guerra, deu-se início a uma corrida no

sentido de codificar o Direito internacional com a criação de uma serie de

convenções, tais como:

Convenção para a Repressão do Genocídio, de 9 de Dezembro de 1948; 4ª

Convenção de Genebra, de 12 de Agosto de 1949; a Convenção sobre a

Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, de

26 de Novembro de 196850 e a Convenção sobre Crime e apartheid de 30 de

Setembro de 1973.

47

(Lima, et al., 2006) 48

(Amaral, 2004), pag 273 49

(Gouveia, 2008)pag. 801 50

Embora já a carta de londres estabelecesse a cláusula, cfr. O texto em Jorge Miranda, Direitos do Homem – textos…, pag. 83 e ss.

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28

Nesse sentido, os acontecimentos horrendos ocorridos em Ruanda, Burundi51

ex-Jugoslávia52 e Serra Leoa53 motivaram a criação de três tribunais

internacionais específicos para julgar os crimes cometidos nesses países. A

criação dos referidos tribunais “ad hoc”, motivou as organizações internacionais

no sentido de efetivarem a responsabilidade penal internacional.

O passo mais marcante para o Direito Internacional, ocorreu em 17 de Julho de

1998, em Roma, aquando da criação do TPI, no âmbito do ERTPI, assinado em

Roma, embora tenha sido discutido anteriormente no ano de1949 em Genebra.

Foi a partir daquela data, que a justiça internacional passou a ter um órgão

permanente e independente para julgar os crimes de âmbito internacional. Este

tribunal é de reconhecida idoneidade e competência, primeiro porque funciona

sem interrupção, e segundo, pelo facto de basear-se no acordo da vontade da

generalidade das partes, delimitado pelos princípios da ONU e não da vontade

de um único Estado.

De acordo com o ERTPI, o referido tribunal tem sede em Haia, Países Baixos e

possui capacidade jurídica internacional necessária ao desempenho das funções

e prossecução dos seus objectivos, podendo exercer esses poderes no território

de qualquer Estado parte e, por acordo especial, no território de qualquer outro

Estado, conforme art. 3º e 4º do ERTPI.

O referido tribunal tem competência para julgar os crimes mais graves que

afetam a comunidade internacional, nomeadamente, o crime de genocídio,

crimes contra a humanidade, crime de guerra e crime de agressão conforme

previsto no artigo 6º e seguintes, do mesmo estatuto.

51

Res nº 827, de 22 de Maio de 1993, para a ex-Jugoslávia, alterado posteriormente. 52

Res. Nº 955, de 8 de Novembro de 1994, para o Ruanda, alterado posteriormente; 53

Tratado entre a ONU e a Serra Leoa, de 16 de Janeiro de 2002, na sequência da res. 1315, de 14 de Agosto de 2000. Segundo José de Matos Correia, Tribunais Penais…,pag 45 e ss, “o tribunal para serra Leoa deve ser considerado como um tribunal internacionalizado, mas como um tribunal sui generis”.

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29

3.3.1. Princípios Processuais Do Direito Internacional Penal54

O TPI orienta-se segundo alguns princípios conforme o seu próprio estatuto,

pelo que importa referir:

a) O princípio da legalidade, na medida em que tipifica os actos que lhe

compete julgar, constituindo uma espécie de código penal

internacional, cfr. Artigo 6º e ss.

b) O princípio do “ne bis in idem”, ou seja, ninguém deverá ser julgado

duas vezes pela prática do mesmo crime, caso já tenha sido julgado,

pela prática de um crime, em qualquer lugar, condenado e cumprido a

sua pena, ele não poderá ser julgado pela prática do mesmo crime, cfr.

Art. 20º.

c) O princípio da responsabilidade penal individual, baseando-se nesse

princípio, o TPI tem competência para julgar pessoas singulares pel

prática dos crimes do género, vide o artigo 25º. O artigo deixa claro

que, para além de ser punido a pessoa que cometer o crime será

punido ainda a pessoa que, ordenar, instigar ou provocar a prática

desse crime, sendo certo que a tentativa também é punida.

d) Princípio da complementaridade e jurisdição universal, tem como

objectivo pressionar os Estados a investigar e julgar certos indivíduos

que podem colocar em perigo a humanidade. Convém realçar que o

TPI não substitui os tribunais, mas actua de forma subsidiária em

relação aos tribunais nacionais. Com base nesses princípios, o TPI

tem competência para intervir nos casos em que um Estado, detentor

do processo, mostra ser incapaz de julgar determinado crime ou

indivíduo.

O TPI averigua as fases em que se encontra a instrução do mesmo, podendo

por sua decisão fazer o julgamento do caso. Também, caso o TPI constata que

54

Sobre esse ponto Ver Estatuto do Tribunal Penal Internacional, ainda (Machado, 2006, pp. 424) e (Gouveia, 2008, pp. 853)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

30

existe morosidade ou falta de vontade em levar o processo avante por parte do

tribunal que possui o processo ele pode intervir, julgando o indivíduo ou

indivíduos.

O tribunal em questão pretende desta forma garantir à comunidade

internacional, que no caso de serem cometidos crimes típicos do direito

internacional estes serão punidos, primeiramente, no Estado onde foram

cometidos, ou onde o indivíduo se encontra, caso contrário o próprio TPI o pode

fazer.

e) Princípio da irretroatividade e imprescritibilidade, de acordo com o

ERTPI, a lei não retroage no tempo, ou seja, nenhuma pessoa será

considerada criminalmente responsável, de acordo com o presente

Estatuto, por uma conduta anterior à entrada em vigor do presente

Estatuto. Se o direito aplicável a um caso for modificado antes de

proferida sentença definitiva, aplicar-se-á o direito mais favorável à

pessoa objeto de inquérito, acusada ou condenada, vide art. 24 do

ETPI. Todavia, ela não prescreve no tempo, conforme o artigo 29º do

presente estatuto.

f) Princípio da irrelevância da função oficial, responsabilidade de

comandantes e superiores hierárquicos, dessa maneira, o TPI

demonstra que ninguém que cometa crimes internacionais estará fora

do alcance das suas normas, mesmo tratando-se de oficiais das forças

armadas ou membros do governo, vide artigos 27º e 28º.

Porém, é importante frisar que o crime de Tráfico Ilícito de Estupefacientes e

Substâncias Psicotrópicas não foi contemplado no referido estatuto, tendo a sua

convenção própria, pelo que, segundo a CNUDM, todos os Estados devem

cooperar para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias

psicotrópicas praticado por navios em alto mar, com violação das convenções

internacionais. Assim, entende-se que o combate ao tráfico de estupefacientes

deve ser feito recorrendo aos mecanismos da cooperação internacional.55

55

Segundo o art. 5º do ERTPI, o tribunal tem competência apenas para os crimes de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e alguns crimes de agressão em conformidade com o estatuto.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

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31

3.4. Direito Internacional Marítimo

O Direito Internacional Marítimo trata-se de uma das subdivisões do Direito

Internacional Público, facto que foi ressalvado por autores antigos há centenas

de anos, mais concretamente a partir do momento em que o homem começou a

ter a noção da importância do mar como fonte de recursos naturais de grande

valor para a vida humana. O autor Hugo Grócio, Fundador da Ciência do Direito

Internacional, na sua obra “De lure Belli ac Pacis”, propugnada no ano 1625,

salientou o facto de ser necessário regulamentar a guerra, de modo a evitá-la,

afirmando, também, que o mar é um bem comum, não sendo possível a sua

apropriação privada56.

Nesse contexto, convém ainda relembrar que o mesmo autor propugnou a tese

do “Mare liberum” onde apresentou argumentos a favor da liberdade de

navegação nos mares descobertos ou seja no alto mar.

Pretende-se referir que o Direito Marítimo trata “do conjunto de normas jurídicas

que regulamenta, toda e qualquer atividade, originada da utilização dos bens e

meios para navegação, e da exploração do mar e das águas interiores, seja qual

for a sua finalidade e objetivo, em todo seu potencial, e realize-se em superfície

ou submersa.”

Convém, desde já dissipar algumas dúvidas que possam existir nas expressões,

Direito Marítimo e Direito do Mar, na medida em que, são dois ramos do direito

muito próximos e com alguma semelhança de expressão, porém na sua

essência, não tratam da mesma matéria.

René Rodiere, citado por Januário da Rocha Nascimento, considera o Direito do

Mar como o conjunto de regras relativas ao estudo dos espaços marítimos,

enquanto o Direito Marítimo é constituído por regras relativas às condições de

utilização desses espaços. No entanto, o presente estudo só incidirá em

aspectos jurídicos relacionados com o Direito do Mar e relacionados com o

56

(Gutter, 2011)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

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32

tráfico ilícito de drogas. Importa salientar, ainda que, para esclarecer os trâmites

legais dos espaços marítimos seguiremos os preceitos estabelecidos na

Convenção das Nações Unidas para o Direito Marítimo de 198257.

Com base na presente convenção, serão referidas as questões jurídicas mais

importantes para o presente estudo, incidindo nos aspetos que poderão estar

relacionados com a repressão do tráfico ilícito de drogas a nível marítimo.

O Direito do Mar consagra o equilíbrio do exercício do princípio da liberdade dos

mares, com o do respeito à soberania nacional. Um dos grandes desafios da

humanidade é conseguir orientar as Nações para o desenvolvimento do

comércio e indústria realizados pelo mar.

Convém relembrar que no ano de 1948, a ONU, perante as várias dificuldades

que os Estados vinham se deparando, com a incrementação dos transportes

marítimos, criou-se a International Maritime Organization, na altura ainda com o

nome de Organização Consultiva Intergovernamental Marítima e em 1982

mudaria o seu nome para IMO com o objetivo de instaurar um sistema de

colaboração entre Estados referentes a questões técnicas que interessam à

navegação internacional, bem como encorajar a adoção geral de normas

relativas à segurança marítima e à eficácia da navegação.58 Contudo, não

podemos falar desta matéria sem referir as Convenções de Genebra de 1958 e

de Montego Bay, (United Nations Convention on the Law of the Sea) Convenção

das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982.

57

De acordo com a definição vertida no international Maritime Law, (IML) constitui o sistema de regras que os Estados civilizados acordam entre eles, relativas a assuntos e negócios relacionados com o mar, navios, tripulações e questões marítimas de inscrições e propriedades. A IML divide-se no sector público e privado. 58

(Fonseca, 1989)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

33

3.4.1. O Direito Penal Marítimo

Como vimos anteriormente, o Direito Marítimo é um ramo do Direito

Internacional com as suas características próprias, pelo que se enquadra nos

princípios do direito penal internacional, acrescentando os princípios derivados

da sua própria natureza e da essência das várias atividades exploradas pelo

homem, dentre as quais destacam-se, o princípio de matrícula, o de pavilhão, a

passagem inofensiva e a liberdade dos mares.

Assim sendo, o Direito do Mar trata-se do “conjunto das normas legais que

visam reger o uso do mar, atuando na prevenção e na solução dos conflitos

surgidos no uso deste”.59 Nesse sentido, surge o estudo das normas jurídicas

que definem os crimes relacionados com o mar e a navegação, este particular

sistema jurídico constitui o Direito Penal Marítimo, sendo necessária fazer a

diferença entre crimes e infrações administrativas.

A doutrina clássica prefere incluir no direito marítimo as normas sobre a

navegação em dois subconjuntos, um público e outro privado. As normas que

dispõem sobre comércio e indústria da navegação são de natureza privada e

regulada por Códigos Comerciais e legislações especiais.

Por outro lado, são de natureza pública, as normas que regulam o tráfego

marítimo e a segurança das embarcações e das pessoas, que sofre forte

influência dos tratados internacionais, logo, são os tipificados como crimes

conforme a Convenção para a repressão de atos ilícitos contra a segurança da

navegação marítima, realizado em Roma, aos 10 de Março do ano 1988.

Portanto, convém referir que, por crimes entendem-se, os actos tipificados como

tal, regulados, por exemplo, conforme o artigo 51º do Código Penal de Cabo

Verde e são puníveis com pena de prisão ou ainda com as medidas de

segurança aplicadas aos inimputáveis, baseando-se no artigo 89º do Código de

Processo Civil de Cabo Verde e, são julgados pelos juízes dos tribunais penais.

59

(Jo, Hee Moon 2000), pag. 513.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

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34

No caso de tráfico de drogas, a atividade é tipificada como crime através da lei

especial nº 78/IV/93 de 12 de Julho.

Todavia, refere-se ainda que, “ o Direito de Mera Ordenação é composto

pelo sistema de normas jurídicas que qualificam certos factos ilícitos de menor

gravidade social, como contra-ordenações, e para elas estabelecem sanções

denominadas “coimas” (isto é, multas em dinheiro). 60

Por seu lado, as infrações administrativas estão consagradas no âmbito

do Direito Administrativo Marítimo. O direito administrativo “é o ramo do direito

público constituído pelo sistema de normas jurídicas que regulam a organização

e o funcionamento dos órgãos do poder executivo do Estado, bem como dos

entes públicos menores, e que asseguram a proteção dos particulares face à

administração Pública e desta perante aqueles”61

O Tribunal Marítimo é o órgão da administração pública competente para

julgar comportamentos tipificados como infrações marítimas. No caso de Cabo

Verde as infrações marítimas estão consagradas no CMCV, no livro XII artigos

811º e seguintes. As sanções administrativas são impostas pela própria

administração marítima, conforme o artigo 812º, ponto 2, do presente

regulamento.

A competência para a instrução dos processos de contra-ordenação

marítima pertence às administrações marítimas locais onde ocorreu o facto

ilícito. No caso de o facto ocorrer em alto-mar, a instrução do processo caberá a

administração local do porto de registo ou do primeiro porto nacional de escala.

Porém existe a possibilidade de recurso consoante o artigo 819º do CMCV.

Nos casos em que o facto tratar de infração administrativo e crime, rege-

se princípio non bis in idem e só se pode julgar o indivíduo pela prática do crime,

demonstrado no artigo 820º do CMCV.

Segundo a jurisprudência espanhola, se pode aplicar este princípio

quando se tem três identidades: identidade do sujeito, identidade do facto e

identidade de fundamento ou bem jurídico. 60

(Amaral, 2004), pag 277 e ss 61

(Afonso, 1976), pag 167 e ss

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

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35

A título de exemplo, um ato de poluição efetuado por um navio, pensemos

num caso de vertimento ao mar, pode ser constitutivo de uma infração

administrativa, conforme o artigo 829º ou num crime contra o meio ambiente,

segundo o artigo 206º do CPCV (danos ao meio ambiente), ou ainda, num crime

de poluição, conforme o artigo 297º do CPCV. Nesta situação a instrução do

processo seria dirigida por um tribunal penal.

Baseando-se no artigo 66º do CMCV, o direito a passagem inofensiva

pode ser perdida por um navio estrangeiro que, ao passar pelas águas

arquipelágicas ou pelo mar territorial, realize qualquer ato de poluição de forma

intencional e com resultado grave para o meio ambiente.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

36

4. DIREITO INTERNACIONAL MARÍTIMO E O TRÁFICO ILICITO DE

DROGAS

É certo que a globalização trouxe grandes benefícios para a humanidade,

contudo, não deixa de ter ainda alguns pontos fracos que, ao longo dos tempos,

anseia-se poderem vir a ser minimizados. Um dos aspetos negativos da

globalização, é o fenómeno do tráfico de estupefacientes que, à medida que caiu

na ilegalidade, conforme as Convenções internacionais e as várias legislações

internas de combate ao tráfico ilícito de produtos estupefacientes e substancias

psicotrópicas, foi “adotado” por redes criminosas que aproveitaram da abertura

dos mercados e da livre circulação de pessoas e bens para aumentar o fluxo

dessa atividade.

Os traficantes de drogas aproveitaram os avultados preços pagos para a

obtenção dos produtos ilícitos, nomeadamente, heroína, cocaína, cannabis e

seus derivados, investiram na criação de grandes redes criminosas

internacionais/transnacionais difíceis de serem combatidas por um único Estado,

podendo sê-lo apenas com a união dos vários sujeitos do Direito Internacional.

A procura e o consumo de drogas fizeram aumentar o tráfico ilícito de

estupefacientes a nível global, demonstrando constituir um grave problema de

saúde pública. O poder económico que os criminosos obtêm dessa atividade

representa uma forte ameaça à soberania dos Estados, podendo ser usado no

financiamento de crimes conexos, nomeadamente corrupção, lavagem de

capital, terrorismo, entre outros.

Assim sendo, a Comunidade Internacional para reforçar e complementar

medidas previstas na convenção de 1961 sobre estupefacientes- nesta

convenção tal como modificada pelo protocolo de 1972, emendando a

convenção anterior- decidiu reunir em Viena, em dezanove de Dezembro de

1988, donde saiu aprovada a Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico

Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas, dando diretrizes onde,

atualmente, a maioria das leis internas de combate ao tráfico ilícito de drogas

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

37

vão buscar suporte. Esse tratado foi ratificado por 147 países e 100 desses

países fazem parte da Convenção. Isso demonstra a grande evolução que essa

matéria vem tendo, quando comparado com o período de difíceis discussões

retratado no capítulo anterior.

4.1. Fontes do Direito Marítimo

Nesse trajeto, o Direito Internacional Marítimo depara-se com várias fontes

formais que regulam o tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias

psicotrópicas destacando as seguintes:

a) As leis penais internas de cada Estado, nomeadamente o código Penal e

leis penais especiais.

b) Os Tratados Internacionais ratificados pelos Estados. Nesse sentido, fala-

se do Direito Internacional Penal como o conjunto de normas penais que

não emanam do poder legislativo do Estado, mas sim, emanadas da

Comunidade internacional;

Exemplo: O Estatuto do Tribunal Penal Internacional, aprovado em 17 de

Julho de1998 na cidade de Roma62.

c) A Convenção sobre Direito do Mar, CNUDM, assinada em Montego Bay,

Jamaica, em 10 de Dezembro do ano 1982, ratificada por 160 Estados,

inclusivamente, Cabo Verde e Convenções de Genebra de 1958.

d) A Convenção para a repressão de atos ilícitos contra a segurança da

navegação marítima, realizada em Roma, no dia 10 de Março de 1988.

e) A convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes

e substâncias psicotrópicas de 1988. Essas convenções foram todas

ratificadas por Cabo Verde.

62

Direito comparado com base no art. 38º do Estatuto da Corte Internacional de Justiça de 16 de Setembro de 1920

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

38

O tráfico ilícito de drogas, como vem sendo referido, transformou-se num

crime altamente organizado e transnacional, pelo que no ano 2003, foi criado

pela ONU, mais um instrumento jurídico para apoiar os Estados no combate

contra a ação dos grandes traficantes de produtos estupefacientes e substâncias

psicotrópicas, denominada de Convenção das Nações Unidas Contra o Crime

Organizado Transnacional, vigente desde Setembro de 200363. A Convenção

tem 147 estados signatários e 100 estados-parte.

Não se pode falar de hierarquia de fontes, contudo, o CMCV, art. 6º.1,

Hierarquia de fontes, refere claramente ao princípio de subsidiariedade

conforme o seguinte: O disposto no presente Código é de aplicação subsidiária

em relação às matérias reguladas nas convenções internacionais vigentes em

Cabo Verde. Acrescenta ainda, no ponto 2, que na falta de norma escrita

aplicável às matérias reguladas no presente Código, deve-se recorrer

sucessivamente, aos usos da navegação marítima, aos princípios do direito

marítimo, aos princípios da legislação comercial, civil, laboral, administrativa ou

processual, conforme a natureza da matéria a regular.

O Estado de Cabo Verde procura harmonia das suas leis com as Convenções

internacionais, demonstrado no artigo 7º do CMCV, quando refere que na

interpretação das normas das convenções marítimas internacionais vigentes em

Cabo Verde e na interpretação das disposições do referido Código referentes a

matérias reguladas por convenções marítimas internacionais não vigentes em

Cabo Verde, deve-se procurar alcançar a uniformidade internacional.

4.2. Competência dos Juízes e Tribunais Penais

Tendo em conta que o tráfico ilícito de estupefacientes se trata de um crime

transnacional torna necessário encontrar, de antemão, quem julga os crimes de

tráfico de droga cometidos a bordo de navios localizados nas diversas zonas

marítimas, principalmente, quando este ocorre em águas internacionais. Isto se

deve graças a uma série de princípios que servem de apoio aos tribunais na

determinação da competência judicial-penal dos Estados, para além de serem

realizados, atualmente, com base em Convenções Internacionais.

63

Relatado no 11º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Justiça Penal,

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

39

Contudo, antes de falar dos princípios, convém referir que “(…) Os princípios

jurídicos são os pontos básicos, o alicerce que serve de ponto de partida ou

elemento vital do próprio direito.”64 Os princípios consagrados na Convenção de

Montego Bay de 1982, provêm da Resolução da Assembleia Geral das Nações

Unidas de 1970, onde declara solenemente, inter alia, serem os fundos marinhos

e oceanos, e o seu subsolo para além dos limites da jurisdição nacional, bem

como os respetivos recursos do património da humanidade.

O princípio basilar trata-se da territorialidade e o seu complemento, princípio da

matrícula ou do pavilhão. Existem ainda três princípios complementares a este,

que pressupõem a “aplicação extra territorial da lei penal de um Estado, ou seja,

a aplicação da lei nacional, para factos ocorridos fora da sua fronteira,

nomeadamente, o princípio de personalidade, o princípio de proteção de

interesses e o princípio de justiça universal.

Convém salientar que a aplicação desse princípio deve-se aa carácter

subsidiário em respeito aos tratados internacionais assinados pelo Estado a que

se refere, tendo em atenção a ressalva, salvo convenção internacional em

contrário (…).

a) O Princípio da Personalidade

Presume-se que este seja um dos princípios mais antigos no plano

jurídico, tendo originado do feudalismo, altura em que o senhor feudal era

autónomo e podia aplicar a lei que lhe convinha sobre os seus vassalos.

Este princípio teve grande aplicação na Europa até o momento em que se

deu o triunfo da revolução francesa, impondo o princípio de territorialidade.

Contudo, fora depois ressuscitado pelos regimes nazistas soviéticos que o

adotaram como o critério principal na determinação da nacionalidade.

Esse princípio é conhecido também por princípio de nacionalidade e pode

ser determinada com base em dois critérios. O primeiro denomina-se de ius soli,

pelo qual se considera o local do nascimento como o principal factor para

64

(Silva, 2001)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

40

determinar a nacionalidade de um indivíduo. O segundo trata-se do ius sanguinis

através do qual a nacionalidade é determinada pelo país dos pais.

Sabe-se ainda, que existem outras formas das pessoas adquirirem

nacionalidade de um Estado, como por exemplo, por meio do casamento.

Também a cessão ou anexação do território a Estado estrangeiro pode provocar

a mudança de nacionalidade dos indivíduos ali residentes. Outra forma muito

usada atualmente na aquisição da nacionalidade é a naturalização.

Baseando-se neste princípio, a lei de um Estado aplica-se a todos os

nacionais desse Estado que cometerem um crime, independentemente do local

onde o crime for praticado, nesse caso estamos perante o princípio de

personalidade ativa. Por outro lado, poderia ser aplicado a lei da vítima ou do

ofendido e estar-se-ia perante o princípio de personalidade passiva. Assim, a lei

segue o cidadão aonde quer que ele vá.

O CPCV, recorre tanto ao princípio da personalidade ativa, bem como da

personalidade passiva como se pode constatar no art 4.1.al. d), referindo que

“salvo convenção internacional em contrário, a lei penal cabo-verdiana é

aplicável a factos praticados fora do território de Cabo Verde quando forem

cometidos por cabo-verdianos, ou por estrangeiros contra cabo-verdianos, desde

que o agente seja encontrado em Cabo Verde, os factos sejam igualmente

puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados e constituírem

crime que legalmente admita extradição e esta não possa em concreto ser

concedida;

Portanto, entende-se claramente que a ideia do legislador é evitar os

indivíduos de pensarem que é possível esconder do julgamento de um ato

tipificado como crime cometido noutro país.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

41

b) O princípio de proteção de interesses

Trata-se de um princípio complementar ao princípio da territorialidade e permite

ao Estado punir os crimes cometidos no estrangeiro que lesam importantes

interesses nacionais, independentemente do autor do crime ser nacional ou

estrangeiro.

O princípio de proteção de interesse baseia-se em dois fundamentos: uma parte

especial, conforme a natureza dos bens ou interesses tutelados, bens essenciais

para o Estado que afetam a sua segurança, soberania, integridade ou outros

aspetos vitais. O outro, por causa da desproteção que os mesmos interesses

estatais poderão encontrar nas legislações estrangeiras.

O princípio da proteção do interesse, se encontra consagrado no artigo 4º.1 do

CPCV: Salvo convenção internacional em contrário, a lei penal cabo-verdiana é

aplicável a factos praticados fora do território de Cabo Verde nos seguintes

casos: a) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 243.º a 262.ºe

306.º a 327.º; (Arts 243º a 262º: Falsificação de Moeda e Títulos de Crédito;

Falsificação de valores selados, selos postais e títulos públicos); Arts 306º a

327º: Crimes contra o Estado de direito democrático: Crimes contra a soberania

e a independência nacionais-Traição, Sabotagem contra a defensa nacional,

Provocação à guerra ou à represália, Violação de segredo de Estado, Violação

negligente de segredo de Estado, Infidelidade diplomática, Usurpação de

autoridade cabo-verdiana-; Crimes contra as instituições e os valores do Estado

Democrático, Rebelião, coação e terrorismo, Ultraje de símbolos nacionais e

impedimento ao livre exercício de direitos políticos).

O sistema jurídico português faz o mesmo no código Penal, conforme o artigo 5º

e na lei espanhola, essa premissa não se encontra no código penal, mas sim, no

o artigo 23º.3 da Ley Orgánica del Poder Judicial española,

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

42

c) O princípio de Justiça Universal.

O princípio da universalidade destaca que a lei penal deve ser aplicada a todos

os homens e nenhum crime deve ficar impune. Este é o princípio da cooperação

internacional, pois permite a punição de todos os crimes objeto de tratados

internacionais ratificados pelos Estados.

Esse princípio tem por finalidade evitar que determinados crimes que põem em

risco os interesses da comunidade internacional fiquem impunes. Baseando

nesses pressupostos, os tribunais onde se encontrarem os autores de um crime

podem julgá-los, independentemente da sua nacionalidade e do lugar onde o

crime foi cometido.

Nesse âmbito, o Direito Internacional Penal aponta os seguintes crimes:

Genocídio; os crimes contra a Humanidade; os crimes de guerra e o crime de

agressão, conforme o ERTPI, artigo 5º e seguintes. Importa salientar, mais uma

vez, que em virtude dos princípios de complementaridade e subsidiariedade, o

TPI só terá conhecimento dessas matérias, se os Estados não quiserem ou não

puderem julgar estes crimes.

Em relação ao Estado de Cabo Verde, este princípio se encontra expresso no

artigo 4º.1.b & e do CPCV: Salvo convenção internacional em contrário, a lei

penal cabo-verdiana é aplicável a factos praticados fora do território de Cabo

Verde nos seguintes casos:

Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 138º, números 2 e 3, e 267º

a 278º, desde que o agente seja encontrado em Cabo Verde e não possa ser

extraditado; Quando se trate de crimes que o Estado cabo-verdiano, por

convenção internacional, se tenha obrigado a julgar.

O sistema Português segue pelo mesmo caminho e consagra esses atos como

crimes no Código Penal, no artigo 5º. 1. b), pelo que, da comparação dos dois

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

43

códigos pode-se inferir que ambos, punem o genocídio, a escravidão, os crimes

contra a humanidade, e os crimes de guerra.

A experiência espanhola, também tipifica em concordância com o ERTPI,

conforme o artigo 23.4, da LOPJE.

d) O principio da Territorialidade

O princípio de territorialidade é a regra que define a aplicação da lei penal

de um Estado, ou seja, permite estabelecer ou delimitar a área geográfica em

que um Estado exercerá a sua soberania. A área geográfica aqui referida trata-

se do território onde o Estado irá exercer a sua jurisdição.

Sendo assim, é importante referir que o território não se trata apenas da

geografia terrestre e as águas nele compreendidas, pois inclui, os vários

espaços marítimos traçados conforme a CNUDM, implícitos nas leis nacionais.

Neste espaço o Estado goza do que se pode entender por soberania interna, isto

na medida em que ela é quem tem total poder de coerção nos referidos espaços,

resultante de uma competência territorial e pessoal.

No entanto, sabe-se que através desse pressuposto, a jurisdição de um

Estado pode cobrir factos ocorridos fora das suas fronteiras praticados tanto por

cidadãos nacionais, bem como, por estrangeiros em áreas internacionais.

Nestes casos recorre-se ao princípio da extraterritorialidade, através do qual as

normas jurídicas podem alcançar um cidadão internacional que tenha praticado

um crime em alto Mar a bordo de um navio ou aeronave registado ou de

pavilhão nacional.

As justificativas sobre este princípio derivam da manifestação da

soberania dos Estados. Neste caso, o Estado exerce o jus puniendi ou o seu

poder punitivo, com exclusão de qualquer outro dentro dos limites espaciais aos

que a sua soberania se estende.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

44

Entende-se o princípio pressupondo que, o lugar da ocorrência do crime é

onde melhor se pode realizar a sua investigação, facilitando o melhor

esclarecimento dos factos e seu respetivo julgamento. Por razões de política

criminal ligada aos fins das penas, o julgamento e a aplicação das penas têm

melhor efeito preventivo no local de ocorrência do crime. Portanto, neste

momento, é importante esclarecer que no âmbito jurídico, por território não se

entende apenas a superfície terrestre, mas sim, as águas interiores, rios, lagos,

baías e todas as águas que ficam aquém do mar territorial. 65

Do ponto de vista do Direito Marítimo, o elemento de conexão mais importante

para fixar a nacionalidade do navio é o princípio de pavilhão, pelo que, segundo

a CNUDM, “todos estados devem estabelecer os requisitos necessários para a

atribuição da sua nacionalidade aos navios, para o registo dos mesmos no seu

território e para o direito de arvorar a sua bandeira. Os navios possuem a

nacionalidade do Estado cuja bandeira estejam autorizados a arvorar. Deve

existir um vínculo substancial entre o Estado e o navio, vide art. 91º, ponto 1.

No caso de Cabo Verde, esse princípio é consagrado no CPCV, art. 3º,

referindo que “Salvo convenção internacional em contrário, a lei penal cabo-

verdiana é aplicável a factos praticados em território de Cabo Verde ou a bordo

de navios ou aeronaves de matrícula ou sob pavilhão cabo-verdiano,

independentemente da nacionalidade do agente.”

Em Portugal o princípio de territorialidade e a sua extensão, princípio de pavilhão

se encontra preceituada no artº 4º, a) e b) do código Penal, Aplicação no

espaço: Princípio geral, referindo que, salvo tratado ou convenção internacional

em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados em território

português, seja qual for a nacionalidade do agente, ou, a bordo de navios ou

aeronaves portugueses.

Ainda referente a esta questão, a CMCV, consagra que “os navios

registados em Cabo Verde consideram-se de nacionalidade cabo-verdiana. A

65

Cassese, international law…, cit.,58 ss, citado por Jonátas Machado em Direito Internacional, paradigma clássico ao pós-11 de setembro

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

45

atribuíção da nacionalidade cabo-verdiana confere ao navio o direito de uso da

bandeira nacional, com os inerentes direitos e obrigações. (art. 178º.1 e 2).

Nesse sentido, o código de Processo Penal de Cabo Verde estabelece no

artigo 36º, ponto 1, que a competência para conhecer do crime cometido a bordo

de navio, é do tribunal da área do porto cabo-verdiano para onde o agente se

dirigir ou onde se desembarcar. No ponto 2, do mesmo artigo, refere-se que, se

o agente do crime não se dirigir para o território cabo-verdiano ou, ainda, se fizer

parte da tripulação do navio, será competente o tribunal da área da matrícula.

4.3. Regime Jurídico Dos Espaços Marítimos – Competência dos Estados

Durante séculos, a única preocupação das nações costeiras era a defesa de sua

costa, ainda no século XVII se mantinha a ideia de limite do raio visual, porém no

mesmo século até o fim do período napoleónico o alcance do tiro de canhão

ainda era a tese mais aceitável.

Surge então, no século XVIII, a delimitação do mar territorial de forma mais

precisa com a obra de Galiani, “De „Doveri de‟ Principi neutrali verso i Principi

guerreggianti e di questo verso i neutrali”, em 1782, identificando o tiro de

canhão com a légua de três milhas, que fora penetrando lentamente no direito

positivo. O primeiro país a adotar este sistema foi os EUA, em 1818, através do

Tratado de Gand com a Inglaterra, tornando-se o primeiro tratado a adotar o

limite de três milhas a respeito da zona de pesca reservada aos nacionais.

Porém, essa tese sofre fortes contestações no século XX devido, principalmente,

aos avanços tecnológicos, tendo sido abandonado pela maioria dos Estados.

Na era contemporânea o instrumento jurídico que desperta maior interesse para

estudantes do Direito do Mar trata-se da CNUDM que, para atingir seu objetivo

principal, e levando em consideração o respeito à soberania dos Estados,

estabeleceu o regime jurídico relativo às faixas marítimas.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

46

As obrigações decorrentes da ratificação dessa convenção foram

implementadas e atualizadas pela Lei n° 60/IV/92, de 21 de Dezembro que

delimita as áreas marítimas da República de Cabo Verde e considera como

áreas marítimas sob jurisdição da República de Cabo Verde: a) o mar interior; b)

as águas arquipelágicas; c) a zona contígua; d) o mar territorial; e) a zona

económica exclusiva e f) a plataforma continental. De resto, em sintonia com o

disposto no artigo 6.° da Constituição da República de Cabo Verde.

Ainda no sentido de dissipar algumas dúvidas que possam existir no

entendimento das faixas marítimas, compete salientar que o Território em

sentido jurídico-penal compreende todos os lugares que se estendem a

soberania de um Estado, ou seja, além dos mencionados no parágrafo anterior,

incluem-se os navios ou aeronaves com pavilhão do Estado e os espaços

aéreos subjacentes ao limite do mar territorial.

Antes de entrar nos aspetos jurídicos referentes aos espaços marítimos

pretende-se esclarecer o significado de “passagem inocente” e do “Direito de

Passagem em Trânsito”.

Conforme a CNUDM, “passagem inocente” é aquela realizada sem pôr em

perigo a paz, a boa ordem ou a segurança do Estado costeiro. A passagem deve

efetuar-se em conformidade com a presente Convenção e demais normas de

direito internacional, art. 19º, pto. 1, 2e al de a) até l), assim redigidos:

Portanto, a passagem de um navio estrangeiro será considerado prejudicial à

paz, à boa ordem ou a segurança do Estado costeiro, se esse navio realizar

qualquer ameaça ou uso da força contra a soberania, a integridade ou a

independência política do Estado costeiro ou qualquer outra ação em violação

dos princípios de direito internacional enunciado na carta da Nações Unidas. Se

realizar qualquer exercício ou manobra com armas de qualquer tipo, tais como:

Qualquer ato destinado a obter informações em prejuízo da defesa ou da

segurança do Estado costeiro;

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

47

Qualquer ato de propaganda destinado a atentar contra a defesa ou a

segurança do Estado costeiro;

O lançamento, pouso ou recebimento a bordo de qualquer aeronave;

O lançamento, pouso ou recebimento a bordo de qualquer dispositivo

militar;

O embarque ou desembarque de qualquer produto, moeda ou pessoa

com violação das leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou

sanitários do Estado costeiro;

Qualquer ato intencional e grave de poluição contrário à presente

Convenção;

Qualquer atividade de pesca;

A realização de atividades de investigação ou de levantamentos

hidrográficos;

Qualquer ato destinado a perturbar quaisquer sistemas de comunicação

ou quaisquer outros serviços ou instalações do Estado costeiro;

Qualquer outra atividade que não esteja diretamente relacionada com a

passagem.

Todavia, o Direito de Passagem em trânsito encontra-se relacionado com a

liberdade de navegação e sobrevoo exclusivamente para fins de trânsito

contínuo e rápido pelo estreito entre uma parte do alto mar ou de uma zona

económica exclusiva. Contudo a exigência de trânsito contínuo e rápido não

impede a passagem pelo estreito para entrar no território do Estado ribeirinho ou

dele sair ou a ele regressar, sujeito às condições que regem a entrada no

território desse Estado.

Porém, o Direito de passagem em trânsito deve ser feito sem demora, abstendo-

se de praticar qualquer ato que põe em perigo a paz, a boa ordem ou a

segurança do Estado costeiro, tipificados no artigo 19º, pto. 2 e al de a) até l).

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

48

a) As águas Interiores

As águas interiores66 correspondem à porção de mar que se situa entre a terra

seca e o limite interior do mar territorial, que é o espaço que se segue, no

sentido da terra para o mar, numa posição de imediata adjacência ao território

terrestre.

Segundo a CNUDM as águas situadas no interior da linha base67 do mar

territorial fazem parte do Estado. As delimitações podem ser feitas naturalmente

ou artificialmente, sendo que a delimitação natural adequa-se aos casos em que

as águas interiores formam no espaço compreendido entre a terra firme e a linha

de Baixa-mar, respetivamente os seus limites interior e exterior, numa extensão

marítima que é variável, sendo tanto maior quanto mais extensa forem os mares.

Por sua vez, a delimitação artificial, baseia-se no preceito de que “nos locais em

que a costa apresente recortes profundos e reentrâncias ou em que exista uma

franja de ilhas ao longo da costa na sua proximidade imediata, pode ser adotado

o método das linhas bases a partir da qual se mede a largura do mar territorial68.

A delimitação vertical segue a delimitação aplicável ao mar territorial, tendo

subjacente o espaço terrestre, a partir da superfície que opera a separação das

águas interiores, e sobrejacentes ao espaço aéreo de raiz nacional.

Nas águas interiores opera um regime de soberania territorial semelhante à

soberania que os Estados têm na superfície terrestre. Salienta-se o facto de,

quando as águas interiores resultarem da aplicação da linha base reta que seja

usada para definir o interior do mar territorial, admite-se a existência de uma

restrição na soberania, pelo facto, de nesse caso ser aplicado o regime de direito

de passagem inofensiva.69

66

Relacionado com aguas interiores, V. Gilbert Gidel, Le Droit Internacional Public de la mer – le temps de paix, II, Chateraux, 1932, pp. 9 ess; Celso D. de Albuquerque Mello, Curso de Direito Internacional Público, II, 2ª edi., Rio de Janeiro/São Paulo, 1974, p. 565. 67

Art. 7º, da CNUDM 68

Art 7º, nº 1, CNUDM 69

Ver art. 8º, nº 2, da CNUDM

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

49

As águas arquipelágicas no interior das ilhas mais exteriores de um Estado

arquipelágico (como a Indonésia ou as Filipinas) também são consideradas

águas interiores. Sobre as suas águas interiores, além de jurisdição idêntica à do

mar territorial, o Estado costeiro pode até mesmo impedir a passagem inocente.

b) Mar Territorial

O Mar territorial abrange a porção de mar que contiguamente se situa a sua

costa marítima. Trata-se da faixa marítima de largura igual a doze milhas

marítimas, medidas a partir de uma linha de base, determinada de conformidade

com as normas da Convenção no artigo 3º, aproximadamente 22 km (1 milha:

1,852 metros). Também se fixam estas em 12 milhas no art. 18 do CMCV.

A linha de base normal, definida na Convenção, é a linha de baixa-mar (linha da

maré mais baixa) ao largo da costa, conforme aparece marcada por sinal

apropriado em cartas náuticas reconhecidas oficialmente pelos próprios Estados.

No caso de ilhas cercadas por recifes, ancoradouros, a linha de base é a linha

de baixa-mar do lado do recife que dá para o mar.

A delimitação de 12 milhas apontadas pela ONU, tem em conta os casos em

que, as costas sejam muito irregulares, enseadas, baias, de entre outras

deformações. A linha de base a partir da qual se mede a largura das águas

arquipelágicas, do mar territorial, da zona contígua, da zona económica

exclusiva e da plataforma continental, é constituída pelas linhas retas que unem

os pontos mais exteriores do Estado no caso de Cabo Verde, das ilhas e

ilhéus.70

Quando a delimitação do mar territorial entre Estados se deve realizar entre

Estados com costas adjacentes ou que se encontrem frente a frente, o critério a

aplicar, salvo acordo das partes, se trata da linha média ou equidistância71.

70

Art. 7º da CNUDM e art. 28. Do CMCV. 71

Princípio de equidistância, aplica-se em relação aos estreitos com menos de 24 milhas náuticas cujas margens pertencem a dois Estados, sendo que suas águas passarão a ser águas interiores. No ano 1993, entre Cabo Verde e Senegal foi resolvido um problema de delimitação marítima com base nesse princípio de cooperação internacional. cfr. Resolução nº 29/IV/93. Aprova o tratado sobre a delimitação da fronteira entre a Republica de Cabo Verde e a Republica do Senegal. Praia 2º Suplemento ao BO i Serie nº 25, 1993.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

50

Juridicamente, o leito do rio e o subsolo ao mar territorial são considerados como

se dele fizessem parte, assim, o artigo 19º da CNUDM, o artigo 1º do Código

Marítimo de Cabo Verde e a lei espanhola sobre mar territorial 10/1977 de 4 de

Janeiro de 1977, são bastantes incisivos, “esta soberania estende-se ao espaço

aéreo sobrejacente ao mar territorial, bem como ao leito e ao subsolo deste

mar72, porém com a obrigação de permitir a passagem inofensiva dos navios

estrangeiros.73

A passagem deve ser contínua e rápida (art. 18.2 CNUDM),os navios

submersíveis devem fazer a passagem à superfície e não em submersão,

arvorando a sua bandeira (art. 20º da CNUDM) deve ser inofensiva sem pôr em

perigo a soberania do Estado costeiro e ainda evitando realizar qualquer dos

atos tipificados no artigo 19º, pto. 1 e 2 e al de a) até l e artº. 14.4 Convenção

sobre mar territorial de 1958.

Realça-se ainda o direito à perseguição consagrada no art. 27º nº5 da CNUDM.

A jurisdição penal do Estado costeiro não será exercida a bordo de navio

estrangeiro que passe pelo mar territorial com o fim de deter qualquer pessoa ou

de realizar qualquer investigação, com relação à infração criminal cometida a

bordo desse navio durante a sua passagem.

Contudo um navio de pavilhão estrangeiro perde o direito à passagem inocente,

no caso de o Estado ter suspeitas que se encontra a fazer uso do seu mar

territorial para transportar drogas ilícitas. Havendo uma situação dessa, o Estado

pode aceder ao navio, fazer investigação e no caso de encontrar provas a bordo,

adoptar as medidas adequadas em relação ao navio, pessoas e carga a bordo

deste. (CNUDM, ART. 27.1.d)

Portanto, os Estados recorrendo de seus direitos de soberania no mar territorial

podem abordar os navios estrangeiros que por ela circulam desde que haja

fortes suspeitas do envolvimento no tráfico ilegal de estupefacientes e

substâncias psicotrópicas. Os estados partes adotam as medidas necessárias

72

Art. 2º, nº2, da CNUDM 73

Artigo 17 da CNUDM e arts 40 à 48 do CMCV

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

51

para estabelecer a sua competência em relação às infrações que tipificar de

acordo com o n.º 1 do artigo 3.º, da Viena de 19 de Dezembro de 1988, quando

a infração for cometida no seu território.

Segundo o Direito Internacional Público, a lei cabo-verdiana é aplicável aos

factos praticados em terra e no mar até ao limite do mar territorial, ou seja, até o

limite de 12 milhas náuticas. Sendo assim, entende-se que qualquer que seja a

infração praticada a bordo de um navio ou aeronave que se encontre navegando

pelo mar territorial ou no espaço aéreo adjacente, está sob a jurisdição cabo-

verdiana, a menos que se tratam de navios ou aeronaves que gozam de

imunidade, quais sejam, navios de guerra e navios utilizados unicamente em

serviço oficial não comercial, conforme artigos 95º e 96º da CNUDM.

A lei cabo-verdiana também é aplicável aos navios ou aeronaves de matrícula ou

sob pavilhão cabo-verdiano, independentemente da nacionalidade do agente,

mesmo que se encontrem em territórios estrangeiros, cfr. Art. 3º do CPCV.

c) Zona contígua

A Zona contígua é o espaço marítimo que se encontra imediatamente adjacente

ao mar territorial e tem uma missão essencialmente defensiva da soberania

estadual74.

Segundo Jorge Gouveia, a delimitação horizontal surge na sequência das

opções que são tomadas relativamente ao mar territorial, nos seguintes termos:

O limite interior coincide com o limite do mar territorial;

O limite exterior “…não pode estender-se além de 24 milhas náuticas,

contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do

mar territorial”75

74

Sobre zona contiígua, ver armando M Marques Guedes, Direito do Mar, pp. 135 e ss; Jorge Bacelar Gouveia, Manual do direito Internacional público 3ª edição, pp. 721. 75

Art. 33º, nº 2 CNUDM

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

52

O limite lateral, não havendo uma disposição específica na matéria,

segue o regime delineado para o mar territorial, ou seja, o critério de

equidistância.

O regime que se aceita existir na zona contígua corresponde, na sua essência, à

liberdade do alto mar, que se considera diretamente aplicável.

Nessa Zona, o Estado costeiro exerce sobre os navios estrangeiros,

competências limitadas. O Estado costeiro pode tomar as medidas de

fiscalização necessárias a evitar as infrações às leis e regulamentos aduaneiros,

fiscais, de imigração ou sanitários no seu território ou no seu mar territorial,

reprimir as infrações às leis e regulamentos no seu território ou no seu mar

territorial76.

Em Cabo Verde, segundo a Constituição da República, na sua zona contígua, na

zona económica exclusiva e plataforma continental, definidas na lei, o Estado de

Cabo Verde possui direitos de soberania em matéria de conservação,

exploração e aproveitamento dos recursos naturais, vivos ou não vivos, e exerce

jurisdição nos termos do direito interno e das normas do Direito Internacional77.

O CMCV regula essa matéria nos artigos 20º (Extensão da zona contígua) e 21º

(Jurisdição na zona contígua).

O mesmo código traça no Artigo 85.º nº1 e 2, as medidas especiais a adotar na

zona contígua: “A administração marítima ou qualquer entidade pública

competente em razão da matéria, tendo conhecimento de navio estrangeiro

situado na zona contígua, que pretenda infringir, esteja a infringir ou tenha

infringido as leis e regulamentos a que se refere o artigo 21.ºpodem intersectá-

lo, solicitar a informação ou realizar a inspeção apropriada. Tornando-se

necessária, devem adotar as medidas que se mostrarem úteis e proporcionais

para prevenir ou sancionar a infração, incluindo a detenção e condução ao

porto”.

76

Art. 33º, da CNUDM 77

Art 6º.2, CRCV

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

53

d) Zona Económica Exclusiva – ZEE

A zona económica exclusiva é porventura de todos os espaços marítimos, o

mais complexo, afigurando-se um instituto híbrido, com poderes que não se

identificam com o modelo estadual, mas que também não se ajustam ao modelo

internacional78.

Surgiu basicamente devido às revindicações dos Estados ribeirinhos em vias de

desenvolvimento, principalmente os ibero-americanos, que se uniram depois da

descolonização, cujo grau de desenvolvimento não os permitia aproveitar dos

recursos mais distantes das suas costas, opondo-se aos Estados historicamente

ligados ao mar e mais desenvolvidos no sector das pescas.

A ZEE (Zona Econômica Exclusiva) se estende da linha base calculada do mar

territorial (12 milhas) em mais 188 milhas náuticas, totalizando 200 milhas desde

a linha base, cfr. Art. 57º da CNUDM. Dentro desse limite, os Estados costeiros

são soberanos para fins de exploração, aproveitamento, conservação e gestão

dos recursos naturais, vivos ou não vivos, existentes na água, no leito e no

subsolo.

Quando as delimitações da zona económica exclusiva forem entre Estados com

costas adjacentes ou situadas frente a frente, deve-se recorrer ao princípio de

equidistância, ou seja, deve ser feita por acordo, de conformidade com o direito

internacional, ao que se faz referência no artigo 38º do Estatuto da Corte

Internacional de Justiça, a fim de se chegar a uma solução equitativa, vide art.

74º de CNUDM.

Na ZEE do Estado costeiro, este tem direitos de soberania para fins de

exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos

ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu

78

(Gouveia, 2008); outras consultas, Manuel Limpo Serra, A Zona economica Exclusiva – Historia e aspetos jurídicos, in BSGL, 1981.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

54

subsolo, e no que se refere a outras atividades com vista à exploração e

aproveitamento da zona para fins económicos, como a produção de energia a

partir da água, das correntes e dos ventos, cfr. Art.55º e 56º nº1-a), da CNUDM.

O Estado costeiro tem ainda jurisdição em conformidade com as disposições

pertinentes da presente Convenção, no que se refere à colocação e utilização de

ilhas artificiais, instalações e estruturas, investigação científica marinha, proteção

e preservação do meio marinho79.

Na zona económica exclusiva, todos os Estados, quer costeiros quer sem litoral

gozam, nos termos das disposições da referida Convenção, das liberdades de

navegação e sobrevoo e de colocação de cabos e dutos submarinos, a que se

refere o artigo 87º, bem como de outros usos do mar internacionalmente lícitos,

relacionados com as referidas liberdades, tais como os ligados à operação de

navios, aeronaves, cabos e dutos submarinos e compatíveis com as demais

disposições da presente Convenção80.

No exercício dos seus direitos e no cumprimento dos seus deveres na zona

económica exclusiva, nos termos da referida Convenção, os Estados deverão ter

em conta os direitos e deveres do Estado costeiro e cumprirão as leis e

regulamentos por ele adotados em conformidade com as disposições da

presente Convenção e demais normas de direito internacional, na medida em

que não sejam incompatíveis com a presente parte, vide 58º nº3 da presente

Convenção.

O Estado de Cabo Verde, regula a ZEE no Código Marítimo, a partir do artigo

22º a 24º. O Estado espanhol o faz na lei 15/1978 de 20 de Fevereiro, seguindo

os mesmos parâmetros explícitos na Convenção de 1982.

Entretanto, em relação à jurisdição penal no que toca à Zona Económica

Exclusiva, a CNUDM atribui reduzidas competências ao Estado conforme o

artigo 73º e alíneas:

79

cfr. art. 56.1. b) da CNUDM 80

V. art. 58º 1. Da CNUDM

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

55

1. O Estado costeiro pode, no exercício dos seus direitos de soberania de

exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos vivos da

zona econômica exclusiva, tomar as medidas que sejam necessárias,

incluindo visita, inspeção, apresamento e medidas judiciais, para garantir

o cumprimento das leis e regulamentos por ele adotados de conformidade

com a presente Convenção.

2. As embarcações apreendidas e suas tripulações devem ser libertadas

sem demora logo que prestada uma fiança idónea ou outra garantia.

3. As sanções estabelecidas pelo Estado costeiro por violações das leis e

regulamentos de pesca na zona económica exclusiva não podem incluir

penas privativas de liberdade, salvo acordo em contrário dos Estados

interessados, nem qualquer outra forma de pena corporal.

4. Nos casos de apreensão ou retenção de embarcações estrangeiras, o

Estado costeiro deve, pelos canais apropriados, notificar sem demora o

Estado de bandeira das medidas tomadas e das sanções ulteriormente.

Assim sendo, entende-se que o Estado Costeiro não tem jurisdição penal sobre

os navios que naveguem na sua ZEE arvorando bandeira de um outro Estado,

pelo que, a questão de tráfico de drogas praticados nesta área, se resolve

baseando na cooperação internacional como consagra os parâmetros da

CNUDM, sendo remetidos à convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito

de estupefacientes e substâncias psicotrópicas de 1988. No caso de Cabo

Verde, se por ventura vier a se verificar uma situação dessa natureza, será

efectuada nos termos do artigo 25.° da Lei nº78.°/IV/93, de 12 de Julho de 1993.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

56

e) Plataforma Continental

A plataforma Continental é constituída pelo solo e subsolo que se encontram

subjacentes a diversos espaços marítimos, embora o seu tratamento tenha sido

atraído às regras que tradicionalmente pertencem ao Direito Internacional do

Mar81.

Segundo a lei cabo-verdiana, a plataforma Continental compreende o leito e o

subsolo das áreas submarinas que se estendem além do mar territorial até uma

distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a que se refere o artigo

24°, dispondo-se nesse particular que :

- « linha de base a partir da qual se mede a largura das águas arquipelágicas, do

mar territorial, da zona económica exclusiva e da plataforma continental, e

constituída pelas linhas retas que unem os pontos mais exteriores das ilhas e

Ilhéus mais exteriores, determinadas pelas principais coordenadas previstas

nesse mesmo diploma legal, (vide artigo 17.° da Lei 60/IV/92, de 21 de

Dezembro)

f) Alto Mar

Pela definição da CNUDM, artigo 86º, o alto mar é a área marítima não incluída

na zona económica exclusiva, no mar territorial ou nas águas interiores de um

Estado, nem nas águas arquipelágicas de um Estado arquipélago. O referido

artigo não implica limitação alguma das liberdades de que gozam todos os

Estados na zona económica exclusiva de conformidade com o artigo 58º.

Pela definição do alto mar verifica-se que, em regra, nesse espaço nenhum

Estado detém jurisdição exclusiva, razão pela qual nos termos do n.°1 do artigo

92.°todos os navios devem navegar sob a bandeira de um só Estado, ficando

durante a viagem sob a jurisdição exclusiva desse Estado.

81

Sobre a Plataforma Continental , v. Georges Scelle, Plateau continental en droit Internacional, Paris, 1955; Antonio Soares, Plataforma continental – seus limites à luz da Convenção de Montego Bay, in RMP, ano 10º, nº 38.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

57

A fim de evitar conflito de jurisdição, dispõe-se que: Um navio que navegue sob

a bandeira de dois ou mais Estados, utilizando-as segundo as suas

conveniências, não pode reivindicar qualquer dessas nacionalidades perante um

terceiro Estado e pode ser considerado como um navio sem nacionalidade. (cfr.

n °2 do artº. 92. °) e por conseguinte um navio sem nacionalidade pode ser

visitado por qualquer navio de guerra, ao abrigo da alínea d) do artigo 110º da

Convenção do Direito do mar. No decorrer de uma visita a um navio sem

nacionalidade é legítimo averiguar se no seu interior existem estupefacientes e

substâncias psicotrópicas e em caso afirmativo proceder-se à apreensão dessa

substâncias e a detenção dos suspeitos, ao abrigo do disposto no n° 1 do artigo

108.° da Convenção.

4.4. Tráfico Ilícito Por Mar - Mecanismos Da Cooperação Internacional

Somente um instrumento jurídico de âmbito universal seria capaz de combater

um crime transnacional como é o caso do tráfico de drogas. Ciente disso, a ONU

começou por dar algumas diretrizes com o propósito de combater esse crime,

cfr. o artigo 108º da Convenção das Nações Unidas para o Direito do mar,

remetendo-o para uma outra Convenção, especialmente para repreender o

tráfico ilícito de drogas pela via marítima. De acordo com as características deste

crime, principalmente, a de financiar a prática de crimes conexos,

nomeadamente lavagem de capitais, corrupção e terrorismo, existem outras

normas de âmbito internacional que não serão aqui desenvolvidas, enaltecendo

a importância da Convenção para a Repressão de atos Ilícitos Contra a

Segurança da Navegação Marítima.

No âmbito de repressão de tráfico ilícito de drogas na perspetiva internacional,

os instrumentos jurídicos mais importantes tratam-se da Convenção das Nações

Unidas Sobre o Direito Do Mar de 1982 e a Convenção Das Nações Unidas

Contra O Tráfico Ilícito De Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas

aprovado em Viena em 19 de Dezembro de 1988.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

58

4.4.1. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982

Essa convenção trata-se de uma criteriosa e complexa ferramenta jurídica de

amplitude internacional, contendo trezentos e vinte artigos, subdivididos em

dezassete capítulos, com o intuito de regular as especificidades dos espaços

marítimos. A sua adoção no contexto internacional deve-se à ONU e a sua

aprovação ocorreu em Montego Bay, Jamaica no ano 1982, pelo que, ficou

conhecido por Convenção de Montego Bay, referido a título abreviado por

CNUDM.

A Convenção estabelece no artigo 27º al.d) que “a jurisdição penal do Estado

costeiro não será exercida a bordo de navio estrangeiro que passe pelo mar

territorial com o fim de deter qualquer pessoa ou de realizar qualquer

investigação, com relação à infração criminal cometida a bordo desse navio

durante a sua passagem, salvo se essas medidas forem necessárias para a

repressão do tráfico ilícito de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas.

No entanto, o art.108º, no seu ponto 1, estabelece o dever de cooperação na

repressão do tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas levada a

cabo por navios no alto mar e o ponto 2, refere que “Todo o Estado que tenha

motivos sérios para acreditar que um navio arvorando a sua bandeira se dedica

ao tráfico ilícito de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, poderá solicitar

a cooperação de outros Estados para pôr fim ao tal tráfico.”

Convém salientar ainda que, a convenção não refere ao tráfico ilícito de drogas,

nos casos em que o navio pode ser visitado por uma autoridade estrangeira

quando se encontre no alto mar, pelo que só será feito recorrendo aos acordos

multilaterais ou bilaterais (vide o artigo 110º) e sempre respeitando os seguintes

princípios:

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

59

a) Princípio da Soberania

Não é possível contextualizar cronologicamente a história do princípio da

soberania, pelo que, ela deriva de intensas lutas dos povos a fim de

conseguirem a liberdade e o poder de gerir os seus próprios destinos. A

soberania surge quando um povo se declara independente perante outros

povos, através do poder ou pelo direito. Todavia, isso tem acontecido por

inúmeras vezes na história, recorde-se, por exemplo, das várias declarações de

independência das antigas colónias, como foi o caso de Cabo Verde em 1975.

A Soberania é a forma do poder estatal atual ou moderna, pois que, não é

possível falar do poder estatal sem a ideia de soberania. E, então, a soberania

passava a caracterizar o Estado Moderno, como a autarquia havia caraterizada

a polis e a civictas, e a autonomia havia sido o elemento distintivo das comunas

medievais.

A expressão soberania foi utilizada pela primeira vez no século XVI por Jean

Bodin no seu livro “Les Six livres de la republique”, considerando-o o elemento

essencial do estado e consiste num poder supremo – Summa potestas – sobre o

seu território e seus habitantes.

O território é um elemento importante na determinação de um Estado, pelo que

volta-se a evocar o conceito supra referido: por território não se entende apenas

a superfície terrestre, mas sim, as águas interiores, rios, lagos, baías e todas as

águas que ficam aquém do mar territorial.

Assim sendo, “a Soberania é tanto a força ou o sistema de forças que decide do

destino dos povos, que dá nascimento ao Estado Moderno e preside ao seu

desenvolvimento, quanto à expressão jurídica dessa força no Estado constituído

segundo os imperativos éticos, económicos, religiosos etc., da comunidade

nacional, mas não é nenhum desses elementos separadamente. A soberania é

sempre sócio-jurídico-política, ou então, não é soberania. É esta necessidade de

considerar concomitantemente os elementos da soberania que nos permite

distingui-la como uma forma de poder peculiar ao Estado Moderno. Desde a

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

60

origem do conceito de soberania que ela tem gerado muitas discussões,

revelando-se de extrema importância no âmbito do Direito Internacional e sua

extensão Direito do Mar”82.

No século XVII, o jurista Grotius, na sua obra “Mare liberum sive de iure quod

Bata vis competit ad indicana commercia dissertatio”83, defendeu a ideia de que

os mares deveriam ser livres e abertos a todos.

Considerando o respeito à soberania dos Estados, a CNUDM, no artigo 2º,

estabelece o regime jurídico relativo a três faixas marítimas: o mar territorial,

incluindo o espaço aéreo sobre, o leito e subsolo do mar territorial; a zona

contígua; e a zona económica exclusiva.

O Estado de Cabo Verde exerce plena soberania no mar territorial, conforme os

preceitos da Constituição, artigo 6º, pto. 1, al b) e conforme o artigo 6º, na sua

zona contígua, na zona económica exclusiva e plataforma continental, definidas

na lei, o Estado de Cabo Verde possui direitos de soberania em matéria de

conservação, exploração e aproveitamento dos recursos naturais, vivos ou não

vivos, e exerce jurisdição nos termos do direito interno e das normas do Direito

Internacional.

Por exemplo o Brasil, através do decreto-lei nº 1.098 de 1970, atribuiu-se direitos

de soberania sobre o leito do mar, o seu subsolo, as águas, e o espaço aéreo

sobrejacentes, concedendo direitos de passagem inocente aos navios

estrangeiros, restringindo a definição da Convenção de Genebra sobre o Mar

Territorial. Sendo assim, a Constituição brasileira, bem como, a de Cabo Verde

estipulam que no mar territorial há pleno exercício de soberania.

Os sucessivos relatórios da ONUDC apontam Cabo Verde como sendo um país

de trânsito, principalmente, da cocaína pura vindo dos países da América do Sul

com destino à Europa84. Destaca-se nesse sentido, o facto do país servir de

ponto logístico ou de interposto das redes internacionais de tráfico de cocaína,

sendo “violado” suas águas e zonas costeiras desprotegidas, realçando, desta

82

Conforme, Reale, Miguel, Teoria de Direito e do Estado, Saraiva, 2000, pag. 139. 83

Grotius, Hugo. De la liberdad de los mares, tradução de V. Blanco Garcia y L. Garcia Arias. Madrid: Colection Civitas. 1979. P. 27. 84

(ONUDC, 2013)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

61

forma, as fragilidades dos Estados com fracos recursos e sem meios de proteger

a sua própria soberania.

b) Princípio da liberdade dos mares

Com a globalização ocorreu um aumento astronómico no comércio mundial e

consequentemente no fluxo dos transportes marítimos. O mar perdeu boa parte

dos seus “tabus” tornando alcançável por uma boa parte dos Estados.

Contudo, o princípio da liberdade foi contemplado pela primeira vez por Grotius,

baseando-se em dois pressupostos, primeiro “o que não pode ser ocupado não

pode ser propriedade de ninguém porque toda a propriedade pressupõe

ocupação” e, segundo, “o que existe na natureza que mesmo estando ao serviço

de alguém é ainda bastante para o uso de todos, está e deve permanecer

eternamente no mesmo estado em que foi criado”.

Nos tempos modernos prevalece a definição apontada pela CNUDM que refere a

liberdade dos Mares, como sendo “todas as partes do mar não incluídas na zona

económica exclusiva, no mar territorial ou nas águas interiores de um Estado,

nem as águas arquipelágicas de um Estado arquipelágico.

c) Princípio do património comum da humanidade

O princípio em epígrafe está intimamente ligado ao princípio anterior. O conceito

de património foi muito utilizado pelo Direito romano e depois se propagou ao

Direito Civil. De acordo com os civilistas, património pode ser definido como o

conjunto de todos os direitos e obrigações suscetíveis de avaliação pecuniária

de que cada pessoa é titular. O património comum da humanidade é um

princípio geral do direito emergente. A noção de património comum da

humanidade submeterá a área fora das jurisdições estatais a um regime

internacional.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

62

De acordo com Christian Caubet, a teoria do património comum da humanidade

representa a última faceta da teoria da res communis, nasceu da necessidade

de definir os direitos (e os deveres?) dos Estados sobre os recursos minerais

marítimos que no futuro, talvez pudessem ser objeto de uma exploração

lucrativa. Percebeu-se que essa exploração poderia gerar graves tensões e

aumentar a marginalização económica dos Países mais pobres, circunstâncias

que aparentemente motivaram a iniciativa de Malta, na Assembleia Geral da

ONU em 01 de Março de1967, a propor que o oceano fosse considerado uma

res condominata85.

Os Países em desenvolvimento, aproveitando o seu direito de voto na

Assembleia Geral da ONU, votaram a declaração de princípios pela qual o leito

marinho, além dos limites da jurisdição nacional, fosse declarado património

comum da humanidade. Para os Países socialistas, o princípio de património

comum da humanidade deveria ser incluído no preâmbulo da futura Convenção,

sem nenhuma referência aos recursos.

De acordo com Manuel Ribeiro “o princípio da noção de um património comum

da humanidade ligado aos “commons” parece evidente nesta afirmação. Talvez

seja admissível identificar, também, elementos precursores do conceito de

“domínio público internacional”. O ar e o mar encontrar-se-iam neste estado,

prenunciando ao alargamento futuro à noção de “global commons”. Neste caso,

e exceptuando as águas interiores, o “mare proximum” e outras áreas marítimas

adjacentes e costeiras, o mar seria especificamente considerado como “res

communis omnium”, “comuns a todos” porque é tão ilimitado que não pode ficar

em poder de ninguém, e porque é apto ao uso de todos, quer do ponto de vista

da navegação quer das pescas. Assim, nenhuma parte do mar pode ser

considerada território de quem for.”86

A CNUDM consagra o princípio comum da humanidade no artigo 136º da

seguinte forma: “A Área e seus recursos são património comum da humanidade”

85

CAUBET, Christian Guy. Fundamentos Político-Econômicos da Apropriação dos Fundos Marinhos. Florianópolis: Imprensa Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina, 1979. p. 32. 86

Ribeiro, Manuel de Almeida, citado por Januari da Rocha, no livro Cabo Verde e o Direito do Mar, pag 78.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

63

e, ainda o artigo 311º, nº 6, do mesmo diploma legal, consagra o seguinte: “Aos

Estados partes convêm em que não podem ser feitas emendas ao princípio

fundamental relativo ao património comum da humanidade estabelecido no

artigo 136º e em que não serão partes em nenhum acordo que derrogue esse

princípio. Por outro lado, o artigo 140º da Convenção, consagra que: As

atividades na Área devem ser realizadas, nos termos do previsto expressamente

na presente Parte, em benefício da humanidade em geral, independentemente

da situação geográfica dos Estados, costeiros ou sem litoral, e tendo

particularmente em conta os interesses e as necessidades dos Estados em

desenvolvimento e dos povos que não tenham alcançado a plena independência

ou outro regime de autonomia reconhecido pelas Nações Unidas de

conformidade com a resolução 1514 (XV) e com as outras resoluções

pertinentes da sua Assembleia Geral.

A teoria do património comum da humanidade representa a última faceta da

teoria da res communis, nasceu da necessidade de definir os direitos dos

Estados sobre os recursos minerais marítimos que, no futuro, talvez pudessem

ser objeto de uma exploração lucrativa. Percebeu-se que essa exploração

poderia gerar graves tensões e aumentar a marginalização económica dos

Países mais pobres, circunstâncias que aparentemente motivaram a iniciativa de

Malta, na Assembleia Geral da ONU em 01.03.1967, no sentido de propôr que o

oceano fosse considerado uma res condominata.87

Por sua vez, Jete Jane Fiorati sustenta que, Inicialmente o princípio do

património comum da humanidade não teve sua origem ou complementação no

direito costumeiro, que ignorava as complexidades para as relações

internacionais da evolução tecnológica, contrariamente aos princípios da

liberdade dos mares, tampouco em leis internas ou na jurisprudência

Internacional. Sua origem decorre da regra do consenso internacional,

fundamento para as celebrações das convenções internacionais. A tese das

duzentas milhas foi apresentada para a delimitação do mar Territorial. Os países

da América latina já haviam incluído nas suas constituições os mesmos direitos

de soberania, como por exemplo a Colômbia, México, Venezuela e vários outros

87

CAUBET, Christian Guy, Fundaments Politico-econômicos da Apropriação dos Fundos Marinhos. Florianopolis: Imprensa Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina, 1979

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

64

países da América Central. Foi o presidente Emilio G. Médici quem definiu as

duzentas milhas brasileiras, através do decreto lei nº 1.098 de 30 de Março de

1970, alterando os limites do mar territorial igualando-os aos estabelecidos na

América do Sul pela Argentina. (…)88

d) Princípio da cooperação

A globalização deu mais valor à importância da cooperação internacional. As

redes criminosas transnacionais aproveitaram das vantagens que a globalização

trouxe à humanidade, nomeadamente a liberalização de fronteiras, a

aproximação dos povos, os rápidos avanços tecnológicos para também, dar uma

escala global ao tráfico ilícito de drogas como forma de contornar os controlos

efetuados nas diversas fronteiras. Os criminosos cooperam-se entre si com o

intuito de ludibriar o controlo das autoridades e consequentemente aumentar o

mercado ilícito e os rendimentos que circulam fora do controlo legal.

A cooperação internacional é o instrumento mais importante no âmbito da

repressão do tráfico ilícito de drogas. A CNUDM, não estipula o tráfico ilícito de

estupefacientes e substâncias psicotrópicas nos crimes Internacionais. Também

não se encontram consagrados nos crimes de jurisdição do TPI. Esse crime está

consagrado nos mecanismos da cooperação internacional, pelo que, “todos os

Estados devem cooperar para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e

substâncias psicotrópicas praticado por navios no alto mar com violação das

convenções internacionais”89.

Ciente disso, a lei mãe do Estado de Cabo Verde, CRCV, explicita que nas

relações internacionais, devem ser respeitados os princípios da independência

nacional, do respeito pelo Direito Internacional e pelos Direitos do Homem, da

igualdade entre os Estados, da não ingerência nos assuntos internos dos outros

Estados, da reciprocidade de vantagens, da cooperação com todos os outros

povos e da coexistência pacífica.

88

Decreto lei de 1.098, de 25 de Março de 1970, Brasiília. (B.O, 1970) 89

(CNUDM – art.108º, nº 1)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

65

Ainda, suportando-se no princípio do consentimento, todo o Estado que tenha

motivos sérios para acreditar que um navio arvorando a sua bandeira se dedica

ao tráfico ilícito de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas poderá solicitar

a cooperação de outros Estados para pôr fim a tal tráfico. (art. 108 nº 2).

4.4.2. Cooperação Internacional no âmbito de repressão do tráfico de

drogas.

A cooperação jurídica internacional é a interação entre os Estados com o

objetivo de dar eficácia extraterritorial a medidas processuais provenientes de

outro Estado. A cooperação jurídica pode basear-se em tratado ou em pedido de

reciprocidade. Dos mecanismos desse tipo de cooperação, alguns merecem

destaque – as homologações de sentença estrangeira, as cartas rogatórias, os

pedidos de assistência jurídica, a extradição e a transferência de condenados.90

Importa salientar a importância da Convenção Das Nações Unidas Contra o

Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas aprovada em

Viena em 19 de Dezembro de 1988.

O objetivo da presente Convenção é o de promover a cooperação entre as

partes, a fim de que possam fazer face, de forma mais eficaz, aos diversos

aspetos do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas de

âmbito internacional. No cumprimento das obrigações decorrentes da presente

Convenção, as partes adotam todas as medidas necessárias, incluindo medidas

legislativas e administrativas, em conformidade com os princípios fundamentais

dos respetivos sistemas jurídicos internos”. (art. 2º da Convenção, Âmbito e

aplicação)”.

Essa cooperação baseia-se nos princípios de igualdade de soberania e de

integridade territorial dos Estados e de não ingerência nos assuntos internos de

outros Estados. Outra ressalva é que as partes não exercem no território de uma

90

(Baptista, 2006)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

66

outra, competência ou funções exclusivamente reservadas às autoridades dessa

Parte de acordo com o respetivo direito interno.

Segundo essa Convenção, as partes adotam as medidas necessárias para

tipificar como infracções penais no respectivo direito interno, quando cometidas

intencionalmente, conforme o art 3º, a), i). A produção, o fabrico, a extracção, a

preparação, a oferta, a comercialização, a distribuição, a venda, a entrega em

quaisquer condições, a corretagem, a expedição, a expedição em trânsito, o

transporte, a importação ou a exportação de quaisquer estupefacientes e

substâncias psicotrópicas em violação das disposições da Convenção de 1961,

da Convenção de 1961 alterada ou da Convenção de 1971;

Cabo Verde ratificou a Convenção e incorporou-a na lei especial de repressão

contra o tráfico de estupefacientes, Lei nº78/IV/93 de 12 de Julho, os preceitos

estabelecidos na presente Convenção, pelo que, inicia referindo no artigo 1º,

nº1. que, as normas da presente lei são interpretadas de harmonia com as

convenções relativas a estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou

precursores, ratificadas pelo país.

O artigo 3º, da lei da droga, incriminações e penas principais, adopta as

punições recomendadas pela Convenção, referindo no ponto 1, que, “quem, sem

se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer,

puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber,

proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou

ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 20º, plantas, substâncias

ou preparações compreendidas nas tabelas I e lI, será punido com pena de

prisão de 4 a 12 anos de prisão”. A Convenção não define penas a serem

aplicadas nestes casos, contudo no art. 3º nº 4, estipula que as Partes tornam a

prática de qualquer das infracções estabelecidas de acordo com o n.º 1 deste

artigo passível de sanções proporcionais à sua gravidade, tais como pena de

prisão ou outras penas privativas de liberdade, multa e perda de bens;

O artigo 3º, nº 1, da lei da droga de Cabo Verde, separa pessoas autorizadas e

pessoas não autorizadas incriminando as pessoas não autorizadas, quando

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

67

refere, sem se encontrar autorizado. Outro aspecto que se salienta, é o facto de

no mesmo artigo, ponto 2, incrimina, agravando a pena, as pessoas autorizadas

mas que agem em contrário da autorização concedida nos termos do decreto-lei

nº 92/92, de 20 de Julho, ou da legislação que o substitua, ilicitamente ceder,

introduzir ou diligenciar por que outrem introduza no comércio plantas,

substâncias ou preparações referidas no número anterior, é punido com pena de

prisão de 5 a 15 anos.

Convém dizer que para os fins da cooperação entre as Partes prevista na

presente Convenção e, em particular, da cooperação prevista nos artigos 5.º,

perda, 6.º, Extradição, 7º, e 9º, outras formas de cooperação as infracções

estabelecidas de acordo com o presente artigo, não são consideradas como

infracções fiscais ou políticas nem como tendo motivação política, sem prejuízo

dos limites constitucionais e da legislação fundamental das Partes.

A Convenção não estabelece penalizações para o consumo, pelo que estipula o

seguinte: sob reserva dos princípios constitucionais e dos conceitos

fundamentais do respectivo sistema jurídico, as Partes adoptam as medidas

necessárias para tipificar como infracções penais no respectivo direito interno,

quando cometidas intencionalmente, a detenção, a aquisição ou o cultivo de

estupefacientes ou substâncias psicotrópicas para consumo pessoal em violação

do disposto na Convenção de 1961, na Convenção de 1961 modificada e na

Convenção de 1971.

Entretanto, salienta-se que a Convenção sugere agravação das penas quando a

acção for praticada por uma organização criminosa, a qual o agente pertence, e

a participação deste em quaisquer outras actividades criminosas organizadas

internacionais, conforme art. 3º, pto. 5, al. a) e b).

Por sua vez, a lei cabo-verdiana, segue esse preceito, referindo no artigo 11º,

pto. 1, que, quem promover, fundar, chefiar, dirigir ou financiar grupo,

organização ou associação de duas ou mais pessoas que, actuando

concertadamente, vise praticar algum dos crimes previstos nos artigos 3º a 7º, é

punido com pena de prisão de 20 anos. No ponto 2, do mesmo artigo, explicita

que, quem prestar colaboração, directa ou indirecta, aderir ou apoiar o grupo,

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

68

organização ou associação referidos no número anterior, é punido com pena de

prisão de 5 a 15 anos.

Importa salientar que a Lei de Cabo Verde, nº78/IV/93 de Julho de 1993,no seu

artigo 20º, penaliza o consumidor ou aquele que possuir, cultivar substâncias

tipificadas nas tabelas de I a III destinadas ao consumo pessoal.

a) Tráfico Ilícito de drogas no mar

No tocante a medidas de combate ao tráfico ilícito por via marítima, de

estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, destaca-se o preceituado no artigo

17º (Tráfico ilícito por mar), que inicia evocando o seguinte princípio: as Partes

cooperam o mais amplamente possível para eliminar o tráfico ilícito por mar, em

conformidade com o direito internacional do mar.

O ponto 2, do mesmo artigo, consagra o princípio de cooperação respeitante ao

Estado de Pavilhão da seguinte forma: A Parte que tenha motivos razoáveis

para suspeitar que um navio com o seu pavilhão, ou sem qualquer pavilhão ou

matrícula, é utilizado para o tráfico ilícito, pode solicitar auxílio às outras Partes a

fim de pôr termo a essa utilização. As Partes assim solicitadas prestam essa

assistência no limite dos meios de que dispõem.

Segundo o ponto 3, a Parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um

navio no uso da liberdade de navegação de acordo com o direito internacional e

que arvore o pavilhão ou tenha matrícula de uma outra Parte é utilizado para o

tráfico ilícito, pode notificar desse facto o Estado do pavilhão e solicitar a

confirmação da matrícula; se esta for confirmada, pode solicitar ao Estado do

pavilhão autorização para adoptar as medidas adequadas em relação a esse

navio.

O ponto 4 ainda do mesmo artigo diz que, de acordo com o n.º 3 ou com os

tratados em vigor entre as Partes ou com qualquer outro acordo ou protocolo por

elas celebrado, o Estado do pavilhão pode autorizar o Estado requerente a, inter

alia, o acesso ao navio a inspeccionar o navio e se se descobrirem provas de

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

69

envolvimento no tráfico ilícito, adoptar medidas adequadas em relação ao navio,

às pessoas e à carga que se encontrem a bordo.

Quando uma medida é adoptada de acordo com o presente artigo, as Partes

interessadas devem ter devidamente em conta a necessidade de não pôr em

perigo a segurança da vida no mar, nem do navio ou da carga e de não

prejudicar os interesses comerciais e jurídicos do Estado do pavilhão ou de

qualquer outro Estado interessado.

Para os efeitos dos nºs 3 e 4 do presente artigo, as Partes respondem sem

demora aos pedidos de outras Partes com vista a determinar se um navio

arvorando o seu pavilhão está autorizado a fazê-lo, assim como aos pedidos de

autorização formulados nos termos do n.º 3, cada Estado designa, no momento

em que se tornar Parte da Convenção, a autoridade Central, ou, se for caso

disso, as autoridades encarregadas de receber e de responder a esses pedidos.

Essa designação será notificada pelo Secretário-Geral a todas as outras Partes

no mês seguinte ao da designação.

b) Tráfico de Drogas nas Zonas Francas

O Combate ao tráfico ilícito de drogas deve ser feito, também, nas portas de

entrada dos países. Nos transportes marítimos, essas áreas são os portos e as

zonas Francas,

Conforme o artigo 18º da Convenção, as Partes, a fim de eliminar, nas zonas e

portos francos, o tráfico ilícito de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e

substâncias compreendidas nas Tabelas I e II, adoptam medidas não menos

estritas do que as que aplicam a outras áreas do seu território.

No ponto 2, al a), desse artigo, consagra-se que as Partes devem vigiar o

movimento de mercadorias e pessoas nas zonas e portos francos e, para esse

efeito, autorizam as autoridades competentes a inspeccionar as cargas e os

navios à chegada e à partida, incluindo as embarcações de recreio e os barcos

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

70

de pesca, assim como as aeronaves e os veículos e, se for caso disso, a revistar

os membros da tripulação e passageiros, assim como as respectivas bagagens.

Mediante a alínea a), do mesmo ponto, as partes devem estabelecer e manter

um sistema de detecção de remessas suspeitas de conter estupefacientes ou

substâncias psicotrópicas e substâncias compreendidas nas Tabelas I e II que

entrem ou saem dessas zonas e portos francos.

E conforme o pto 2, al. c, as partes devem estabelecer e manter sistemas de

vigilância nos portos e docas, nos aeroportos e nos postos de fronteira das

zonas francas e portos francos. Em Cabo Verde essa função é atribuída a

Policia Judiciaria.

4.4.3. Cabo Verde como Estado cooperante na repressão do tráfico de

drogas

No âmbito do combate à droga a República de Cabo Verde dispõe de um

suporte legal que lhe permite relacionar com qualquer outro Estado, na medida

em que possui uma jurisdição amparada nas Convenções internacionais e tem

procurado aproximar de outros Estados através de acordos bilaterais e

multilaterais que dá aos tribunais nacionais competência para julgar os

processos sobre tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas

resultante de abordagens em águas internacionais próximas de Cabo verde.

Importa salientar que a lei cabo-verdiana se encontra adequada ou em

conformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar,

adoptada a 10 de Dezembro de 1982, em Montego Bay, Jamaica, desde 1987,

quando procedeu à sua ratificação através da Lei N° 17/11/87 de 3 de Agosto.

Nesse sentido, constata-se que Cabo Verde é parte da Convenção Das Nações

Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias

Psicotrópicas aprovado em Viena em 19 de Dezembro de 1988. Essa importante

Convenção foi ratificada por Cabo Verde através da Resolução da Assembleia

Nacional n.º 71/TV/94, de 19 de Outubro.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

71

Segundo essa convenção, o Estado de Cabo Verde adopta as medidas

necessárias para estabelecer a sua competência em relação às infracções que

tipificar de acordo com o n.º 1 do artigo 3.º, quando a infracção for cometida a

bordo de um navio arvorando o seu pavilhão ou de uma aeronave com matrícula

conforme com a sua legislação no momento em que a infracção for cometida.

Todavia, os tribunais de Cabo Verde têm competência para decidir sobre a

infracção cometida a bordo de um navio em relação ao qual essa Parte está

autorizada a tomar medidas adequadas, nos termos do artigo 17.º, desde que

essa competência seja exercida unicamente com base nos acordos ou

protocolos previstos nos no 4 e 9 do mesmo artigo, consagrados também na lei

penal de Cabo Verde e na lei da droga nº 78/IV/93 de 12 de Maio.

Enaltece-se também, o facto dos tribunais nacionais terem competências para

pronunciar sobre a infracção cometida fora do território nacional quando o

presumível autor for cabo-verdiano e se encontre no território cabo-verdiano,

sendo estrangeiro caso não possa ser extraditado. Sob reserva de acordos

concluídos entre Estados, quando praticados a bordo de navio em relação ao

qual o Estado do pavilhão autorizou as autoridades cabo-verdianas a examinar,

a visitar ou a tomar, em caso de descoberta de provas de participação em trafico

ilícito, as medidas apropriadas face ao navio, as pessoas abordo e a carga.

Outros aspectos relevantes são os acordos Multilaterais e Bilaterais assinados

por Cabo Verde e que têm alcançado frutos positivos. Nesse sentido, salienta-se

que no ano 2006 uma embarcação denominada Bahia Azul, de pavilhão

guineense foi apreendida, por autoridades espanholas em águas internacionais,

perto das Ilhas Canarias, com cerca de 3 toneladas de cocaína pura91. A

embarcação tinha bandeira Guineense mas já se encontrava em Cabo Verde a

operar havia já algum tempo.

Relembra-se, ainda, que no mês de Agosto do ano 2010, fora apreendido em

águas internacionais, próximas de Cabo Verde, pelas autoridades cabo-

91

Ver o site, http://www.lavozdegalicia.es/hemeroteca/2006/02/25/4550223.shtml

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

72

verdianas, um navio veleiro, registado nos EUA, com o nome de Tortuga92

contendo no seu interior cerca de 25 kg de cocaína. Essa operação foi

desenvolvida no âmbito da MAOC. E no ano 2011 desenvolveu-se a maior

apreensão de droga ocorrida no território cabo-verdiano que resultou na

apreensão de 1,5 toneladas de cocaína, graças à troca de informações

realizadas entre as autoridades cabo-verdianas, espanholas e holandesas93.

a) Acordo de Cooperação entre os Governos integrantes da CPLP para

a redução da demanda, prevenção do uso indevido e combate à

produção e ao tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias

psicotrópicas

Nesse contexto, Cabo Verde assinou o acordo de Cooperação entre os

Governos integrantes da CPLP para a redução da demanda, prevenção do uso

indevido e combate à produção e ao tráfico ilícitos de entorpecentes e

substâncias psicotrópicas, do qual fazem parte a República de Angola,

República Federativa do Brasil, República de Cabo Verde, República da Guiné

Bissau, República de Moçambique, República Portuguesa, e República de São

Tomé e Príncipe.

Perante o referido acordo, as Partes Contratantes propõem-se a harmonizar

suas políticas e a realizar programas coordenados para a prevenção do uso

indevido de drogas, a reabilitação do fármaco dependente e o combate à

produção e ao tráfico ilícitos de entorpecentes e substâncias psicotrópicas.

Para atingir os objectivos definidos no parágrafo anterior, as autoridades

designadas pelas Partes Contratantes desenvolverão as seguintes actividades,

obedecidas as disposições de suas legislações específicas: intercâmbio de

informação policial e judicial sobre rotas utilizadas, produtores, processadores,

traficantes de entorpecentes e substâncias psicotrópicas e participantes em

delitos conexos; intercâmbio de informação e dados sobre delitos relacionados

com lavagem de dinheiro de lucros ilícitos, meios de investigação e medidas de

92

Caso que, mais adiante, servirá de análise dos pressupostos da convenção sobre estupefacientes de 1988; 93

Ver o site, (Semana, 2012)

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

73

sua detecção; intercâmbio de informação sobre programas de prevenção do uso

indevido de drogas e de reabilitação de fármaco dependentes; intercâmbio de

informação sobre práticas de controlo de precursores e substâncias químicas

utilizadas na fabricação de entorpecentes e troca de informação em matéria de

sistemas de controlo nacional do mercado ilícito de precursores; intercâmbio de

informação e experiências sobre suas respectivas legislações em matéria de

entorpecentes e substâncias psicotrópicas; fornecimento, por solicitação de uma

das Partes contratantes, de antecedentes sobre narcotraficantes e autores de

delitos conexos. Com vista à consecução dos objectivos do presente Acordo,

representantes dos Governos da CPLP reunir-se-ão, por solicitação de uma das

Partes contratantes, para: recomendar aos Governos, no marco do Acordo,

programas conjuntos de acção que serão desenvolvidos pelos órgãos

competentes de cada país; avaliar o cumprimento de tais programas de acção;

elaborar planos para a prevenção do uso indevido e a repressão coordenada do

tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas e para a reabilitação

do fármaco dependente; propor aos respectivos Governos as recomendações

que considerem pertinentes para a melhor aplicação do referido Acordo, e as

decisões, aprovadas por mútuo consentimento, poderão ser objecto de

protocolos Complementares ao presente Acordo a serem celebrados entre as

Partes Contratantes.

b) A Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental,

CEDEAO.

Os Estados da CEDEAO ficam situados num ponto estratégico ligando a

América do Sul e a Europa e sabendo que estes não possuem capacidade para

vigiar e proteger as suas costas, os traficantes têm utilizado essa rota como local

de trânsito de cocaína e Heroína para dar entrada na Europa.

Nessa região, o crime organizado, impulsionado pelo tráfico de droga constitui

uma séria ameaça à paz, à segurança e ao desenvolvimento dos Estados dessa

região. Salienta-se que os dados recentes apontados no relatório da ONUDC de

2012 apontam que cerca de 50% da droga fica nesses Estados, incluído Cabo

Verde.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

74

Salienta-se a apreensão de grandes quantidades de cocaína proveniente da

América do Sul, pelo que, se destaca as apreensões recentes, de 1,5 toneladas

em Cabo Verde em 2011, e 1,6 toneladas nas Ilhas Canárias, presumivelmente,

com destino a Benim em 201294.

Ciente disso, A ONUDC, DPKP, UNOWA/DPA e a INTERPOL, decidiram unir

esforços para ajudarem a CEDEAO. Por sua vez a CEDEAO apoia todos os

Estados membros na implementação de medidas de repressão ao tráfico ilícito

de drogas. A INTERPOL supervisiona o reforço dos actuais escritórios centrais

nacionais e, se for o caso, oferece formação especializada e apoio às forças de

aplicação da lei95.

Respondendo à necessidade de uma abordagem global e multilateral o ONUDC,

o UNOWA/DAP, o DNUMP e a INTERPOL criaram a Iniciativa da Costa

Ocidental Africana (WACI), para trabalhar em sinergia no apoio à implementação

do «Plano de Acção Regional da CEDEAO para Resolver o Problema Crescente

do Tráfico de Drogas, Crime Organizado e Abuso de Drogas na África Ocidental.

A WACI é um programa conjunto que envolve um vasto número de actividades

destinadas à capacitação, tanto a nível nacional como regional, nas áreas de

aplicação da lei, forense, gestão das fronteiras, luta contra o branqueamento de

capitais e o fortalecimento das instituições de justiça criminal, contribuindo para

as iniciativas de consolidação da paz e reformas no sector de segurança96.

c) Cabo Verde e Europa

Em relação à Europa, Cabo Verde encontra-se bem inserido em termos de

cooperação, na medida em que, tem o Estatuto de membro observador do

Centro de Análises e Operações Marítimas, adiante referido por, MAOC,

resultado do acordo multilateral entre a Irlanda, o Reino dos Países Baixos, o

94

(ONUDC, 2013); (Hamid Ghodse, 2011) 95

, (ONUDC, 2008) 96

idem

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

75

Reino de Espanha, a República Italiana, a Republica Portuguesa, a Republica

Francesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.

A sede da MAOC encontra-se em Lisboa - Portugal, e goza de personalidade

jurídica no território de cada uma das Partes, incluindo a capacidade de

contratar, adquirir e dispor do património móvel e imóvel.

O Centro fornece uma base para o compromisso das Partes na operação

material no domínio da supressão do tráfico ilícito de estupefacientes por mar e

por ar, através do Atlântico com destino à Europa e costa marítima da África

Ocidental, com a possibilidade de alargar as suas operações, entre alia, à bacia

do Mediterrâneo Ocidental.

As acções do Centro são basicamente: Recolher e analisar informações para

auxiliar na determinação dos melhores resultados operacionais relativamente ao

tráfico ilícito de estupefacientes por mar e por ar na área operacional; dinamizar

a produção de informações através de troca recíproca de informações com a

EUROPOL; aferir a disponibilidade de meios, os quais, sempre que possível,

sendo notificados com antecedência de modo a facilitar as operações de

interdição para suprimir o tráfico de estupefacientes por mar e por ar.

Após a sua entrada em vigor, que ocorreu após a notificação do instrumento

aprovado pelo terceiro Estado, o Centro ficou aberto para adesão de qualquer

Estado, desde que tenha sido convidado por decisão unanime das Partes, nos

termos dos artigos 21.° e 22.° do citado Acordo.

d) Acordo Bilateral - Tratado entre a República portuguesa e a

República de Cabo Verde no domínio da fiscalização conjunta de

espaços marítimos sob soberania ou jurisdição.

No sentido de tornar mais célere as relações entre Cabo Verde e seus parceiros

de desenvolvimento foram assinados vários acordos bilaterais à luz da

Convenção de Viena de 1988. O Acordo entre o República portuguesa e a

República de Cabo Verde em matéria de vigilância conjunta das zonas

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

76

marítimas sob soberania e jurisdição de Cabo Verde, assinado na Cidade do

Mindelo em 16 de Setembro de 2006 e aprovado em 29 de Maio de 2009

conforme resolução da Assembleia da República portuguesa 52/2009, adiante

referido por Tratado é um protótipo utilizado na cooperação bilateral utilizado

com outros países desse continente, tais como República de Espanha, Reino

Unido e Holanda.

O Tratado estabelece no artigo 1º, as bases do patrulhamento conjunto dos

espaços marítimos sob soberania ou jurisdição da parte cabo-verdiana, podendo

incidir sobre qualquer tipo de ilícito, num quadro de respeito pelo direito

internacional e pelo direito interno de ambas as Partes.

Recorde-se o preceito do artigo 17 da Convenção de Viana de 1988 e no artigo

3º do referido tratado dizendo que, na sequência de solicitação formal da Parte

cabo-verdiana, a Parte Portuguesa disponibiliza unidades navais da sua Marinha

para participação em acções de fiscalização conjunta das áreas sob soberania

ou jurisdição da parte cabo-verdiana. A solicitação pela Parte cabo-verdiana

implicará, nos limites deste Tratado, a autorização para que unidades navais da

Marinha Portuguesa circulem e participem nas acções necessárias à garantia do

cumprimento das leis e regulamentos da Parte Cabo -Verdiana.

Quando um ilícito for praticado por um navio de pavilhão diferente das partes

num espaço de soberania ou jurisdição Cabo-verdiana será a equipa desta

última, sempre que possível, a efectuar a fiscalização e as consequentes

acções, devidamente apoiada pela unidade naval da Marinha Portuguesa,

conforme o artigo 8º do tratado.

O direito de visita é consagrado no Tratado referindo que : Sempre que haja

legitimidade, em conformidade com o direito internacional, para a unidade naval

da Marinha Portuguesa actuar, designadamente nas situações estabelecidas no

artigo 110.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, na

Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e

Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena de 1988), na Convenção para a

Supressão de Actos Ilícitos contra a Segurança da Navegação Marítima e no

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

77

Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade

Organizada Transnacional, contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre,

Marítima e Aérea, as equipas da Marinha Portuguesa poderão visitar e fiscalizar

o navio suspeito, devendo a apreensão ser efectuada pela equipa de

fiscalização da Parte Cabo -Verdiana, de forma que o ilícito tenha o seu

desenvolvimento no território desta Parte, considerando eventuais medidas

judiciais.

O Tratado respeita os compromissos internacionais, pelo que estabelece no

artigo 18º que nenhuma disposição do presente Tratado poderá prejudicar os

direitos e as obrigações a que ambas as Partes se encontrem vinculadas por

outras convenções internacionais.

Acrescenta-se ainda que os acordos de cooperação Policial realizados por Cabo

Verde com vários países da Europa, através das autoridades encarregadas da

investigação e prevenção de crimes, onde se comprometem em permutar entre

si, sempre que se mostrar conveniente e nos limites consentidos pelas

respectivas legislações internas e pelo Acordo, as informações e a colaboração

policial relativas a indivíduos ou organizações criminalmente suspeitos, cuja

actuação se reflicta em ambas. Nesse sentido, existem acordos com a

Alemanha, Portugal, Holanda, Espanha, entre outros.

e) Cabo Verde e as Américas

Recentemente, no dia 24 de Março do corrente ano, na cidade da Praia, o

Governo de Cabo Verde assinou com os EUA o acordo de cooperação bilateral

que visa o combate às actividades marítimas transnacionais ilícitas e apoio

logístico recíproco.

Segundo o artigo 2º do acordo, o objectivo é promover a cooperação entre as

partes com o propósito de reforçar as suas capacidades de combate e resposta

às actividades ilícitas, incluindo, nomeadamente, o tráfico de estupefacientes e

de substâncias psicotrópicas.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

78

Considerando que é preciso unir esforços para combater e reduzir as actividades

ilícitas relativas ao tráfico de estupefacientes desde a América Latina para

Europa, através da África, mediante a cooperação contra o tráfico de droga, o

intercâmbio de informação e a instrução de capacitações, no dia 27 de Janeiro

de 2010, na cidade de Bogotá, foi subscrito por representantes da Policia

Judiciária de Cabo Verde, o Acordo Interinstitucional para a Cooperação e

Inteligência entre a Polícia Nacional Peruana da República do Peru e a Policia

Judiciária (PJ) da República de Cabo Verde sobre Tráfico de Estupefacientes

desde América Latina para África Ocidental.

Ainda nessa mesma perspectiva e com textos semelhantes ao anterior, existem

os memorandos de entendimento assinados por Cabo Verde com Brasil, Bolívia,

República Dominicana e Peru.

4.4.4. Aplicabilidade da Convenção de Viena de 1988 - «Caso Tortuga»97

Após a análise dos aspectos jurídicos de Cabo Verde no contexto Internacional,

no sentido de combater o tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas

a nível global, pretende-se demonstrar e analisar a aplicabilidade da Convenção

de Viena de 1988 ao caso concreto.

A situação doravante retratada, será aqui denominada de “O caso Tortuga”, por

“TORTUGA” ser o nome de um veleiro registado nos Estados Unidos da

América, onde foram apreendidos 27 pacotes de cocaína. O navio “TORTUGA”

foi abordado pelas autoridades Cabo-verdianas quando se encontrava à deriva

em alto mar, a cerca de trezentas milhas náuticas de Cabo Verde. No momento

da abordagem encontravam-se no navio dois indivíduos do sexo masculino,

naturais da Lituânia que, por conveniência, serão aqui tratados por Simial e

Sanil. Refere-se também que apenas os nomes dos indivíduos e as informações

referentes à embarcação aqui referidos serão fictícios e, ressalvando as

questões de nacionalidade, o restante dos factos estão em concordância com a

97

(Semana, 2012);

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

79

sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de São Vicente, 1º juízo

Criminal e pelo recurso apresentado pela defesa dos arguidos.

a) Resumo dos Factos98

No âmbito da Cooperação policial, as autoridades cabo-verdianas receberam

uma informação, através da Plataforma de Coordenação de Informação do

MAOCN, dando conta que uma embarcação suspeita de se encontrava a

transportar cocaína da América do Sul para África Ocidental ou Europa,

possivelmente, entraria em águas de Cabo Verde.

O navio e os tripulantes vinham sendo monitorados muito antes da detenção e

apreensão, pelo que informações recolhidas anteriormente davam conta que, os

arguidos e um terceiro indivíduo, aqui denominado SKIN, viajaram para os EUA

e, no dia 2 e 3 de Fevereiro do ano 2010, adquiriram a embarcação denominada

“Tortuga”, na cidade de Lauderdale, Florida, sob o nº 404976, pelo valor de

42.000 USD. Estes dirigiram-se 13 dias depois para o sul, passando por outras

paragens chegando até Brasil (Belém, Recife e Natal). Na região de João

Pessoa, cidade de Cabedelo/PB, num estaleiro não apropriado a embarcação foi

submetida a reparações, ao invés de ser feita numa Oficina referenciada pelas

autoridades marítimas.

No período compreendido entre 22 de Junho e 10 de Agosto, os arguidos, Simial

e Sanil e o tal de SKIN estiveram parados no Brasil, onde durante esse tempo,

abriram o porta leme da aludida embarcação e colocaram ali uma boa

quantidade de produtos estupefacientes, mais concretamente cocaína.

Os arguidos declararam às autoridades brasileiras dessa cidade que pretendiam

viajar no dia 10 de Agosto do referido ano, para o porto de Buenos Aires,

Argentina. Iniciaram a viagem declarada e, ao invés de rumarem para Buenos

Aires, puseram-se em direcção ao atlântico Norte.

98

O resumo dos factos realizou-se com base nos autos do processo em causa e após ter sido publicamente pronunciada a decisão final do STJ.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

80

b) Abordagem e competência dos tribunais nacionais

Volvidos 18 dias, no dia 28 de Agosto do mesmo ano, por volta das 08:25 horas,

as autoridades cabo-verdianas (Policia Judiciária e Guarda Costeira), recorrendo

a meios aéreos e marítimos disponibilizados pela Marinha Inglesa, localizaram a

embarcação “TORTUGA” com bandeira Americana, em águas próximas, no alto

mar, a cerca de trezentas milhas de Cabo Verde.

Entretanto, os meios utilizados para se aproximar do navio pertenciam à

Inglaterra. A abordagem ao mesmo foi feita pelos Agentes da Polícia Judiciária e

da Guarda Costeira cabo-verdianas, munidos de autorização dos órgãos

competentes, tanto de Cabo Verde que a solicitou, bem como dos EUA que

autorizou, nos parâmetros do artigo 17º da Convenção de Viena de 1988 e

procederam à abordagem do navio em causa99.

Nesse aspecto, refere-se que os dois Estados são partes da Convenção, pelo

que considera terem cumpridas as formalidades legais para a realização da

operação, conforme o mesmo artigo, ponto 3: “A Parte que tenha motivos

razoáveis para suspeitar que um navio no uso da liberdade de navegação de

acordo com o direito internacional e que arvore o pavilhão ou tenha matrícula de

uma outra Parte é utilizado para o tráfico ilícito, pode notificar desse facto o

Estado do pavilhão e solicitar a confirmação da matrícula; se esta for

confirmada, pode solicitar ao Estado do pavilhão autorização para adoptar as

medidas adequadas em relação a esse navio.

Ainda o ponto 4, deixa claro que de acordo com o n.º 3 ou com os tratados em

vigor entre as Partes ou com qualquer outro acordo ou protocolo por elas

celebrado, o Estado do pavilhão pode autorizar o Estado requerente a, inter alia,

ter acesso ao navio, inspeccioná-lo e se se descobrir provas de envolvimento no

tráfico ilícito, adoptar medidas adequadas em relação ao mesmo, às pessoas e à

carga que se encontrem a bordo. Sendo assim, indubitavelmente, considera-se

que a abordagem foi efectuada dentro da legalidade.

99

Nesse mesmo sentido explicita o CMCV, art. 83. Ptos 1, 2 e 3.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

81

c) A nacionalidade

Uma outra questão que poderia ser levantada seria o facto dos dois tripulantes

serem nacionais da Lituânia, mas que, facilmente se contornaria pelo princípio

da territorialidade e sua extensão e pelo princípio de pavilhão. Tendo o navio o

pavilhão norte-americano, este é o Estado competente para julgar os factos

ocorridos no navio, independente da nacionalidade dos agentes100. Sendo que,

de acordo com a Convenção poderá um outro Estado pronunciar sobre os factos

ocorridos num navio de pavilhão diferente, desde que o Estado de pavilhão

autorize, conforme o artigo 17º nº4. Al. c) referindo que, se se descobrirem

provas de envolvimento no tráfico ilícito, o Estado que procedeu à abordagem

adopta medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se

encontrem a bordo.

d) Local da ocorrência dos factos

Quanto à posição, águas internacionais, em que o navio se encontrava, poderia

ser alegado que ocorreu fora do território nacional. Contudo, neste caso, isso

não é relevante, tendo em conta que esse conflito se resolve com base no

mesmo artigo 17º da Convenção, ou seja, a lei de Cabo Verde é aplicável a um

navio de pavilhão diferente, desde que se tenha compridas as formalidades

referidas no artigo 17º da Convenção de Viena de 1988 e conforme o

estabelecido no artigo 28º do Código de Processo Penal de Cabo Verde: “a lei

processual penal é aplicável em todo o território nacional e fora dele nos limites

estabelecidos pelas Convenções internacionais aplicáveis em Cabo Verde e

pelos acordos firmados no domínio da cooperação Judiciária.

e) Resultado da busca no TORTUGA

A busca no navio não se procedeu no local da abordagem devido ao mau tempo

que se fazia, tendo sido escoltado até ao Porto Grande, cidade do Mindelo, porto

geograficamente mais próximo, onde chegou no dia seguinte. Assim, no final da

manhã deste dia, deu entrada no Porto Grande, cidade do Mindelo, sob escolta

da Guarda Costeira de Cabo Verde e no período da tarde foi realizada a busca à

embarcação de onde se vislumbrou vestígios de reparações recentes no porta

100

Evoca-se o princípio da territorialidade e a sua extensão, Principio de Pavilhão, referido anteriormente

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

82

leme, que fica submerso em relação à linha de água do navio, onde após

abertura, foram encontrados vinte e sete pacotes, contendo no seu interior um

pó branco que submetido ao teste rápido em uso na PJ, teste este feito por

Inspectores da mesma, reagiu positivamente para cocaína, revelando um alto

grau de pureza.

De facto, a embarcação encontrava-se fora do território cabo-verdiano, contudo,

no tocante à aplicação da lei penal cabo-verdiana no espaço, art. 25º da lei de

Drogas, ela é aplicável quando se trata de crimes que o Estado cabo-verdiano,

por convenção internacional se tenha obrigado a julgar. Logo, é aplicável aos

factos cometidos fora do território nacional, se praticados a bordo de navios

contra o qual Cabo Verde tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no

artigo 17.º da Convenção de Viena de 1988. Isto tem a ver com o princípio da

extraterritorialidade definido no artigo 4.º do CPCV, permitindo portanto, desde

que observados os requisitos exigidos pela referida Convenção, a abordagem de

embarcações independentemente do local onde se encontrem e do pavilhão que

ostentam, exceptuando obviamente, se estas se encontrarem em território

estrangeiro nos termos definidos pela mesma Convenção ou gozarem de

imunidades estabelecidas pela mesma.

f) Sentença:

O referido tribunal condenou os arguidos pela autoria e co-autoria material do

crime de tráfico de drogas agravado, segundo disposições combinadas dos

artigos 3º, nº 1, al. c) e do art. 8º da lei 78/IV/93, na pena de 10 anos de prisão.

Os arguidos foram absolvidos da prática do crime de associação criminosa p. e

p. nos termos do art. 11º, nº 2 da referida lei. Foram ainda condenados a pagar

as custas processuais, nos termos do artigo 19º da mesma lei e punidos ainda

nos termos do art. 73º da lei, que regula a matéria sobre estrangeiros, à

expulsão dos arguidos do país e uma interdição de regressar país por um

período de 10 anos101.

101

Em casos semelhantes a jurisprudência espanhola tem decidido no mesmo sentido, aplicando penas muito idênticas, pelo que se pode constatar na decisão proferida pelo Supremo Tribunal. Sala de lo Penal, sede Madrid, resolução nº 1644/2003,

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

83

g) Recurso

A defesa apresentou recurso considerando ilegal a prisão dos arguidos, (…)

alegando que não foi provado que os indivíduos pertenciam a nenhuma

associação criminosa, destinada à prática do crime de tráfico de drogas. A

defesa considerou ainda que não ficou provado que os indivíduos se dedicavam

ao tráfico de drogas e nem à associação criminosa.

Destaca-se o facto de a defesa referir que o único facto que ficou provado é que

os arguidos se encontravam, efectivamente, no Yate onde pouco mais de 25 kg

de cocaína se encontrava armazenada, mas que fazendo fé nas suas palavras,

a droga poderia ter sido colocada ali pelo SKIN e seus amigos num momento em

que eles se encontravam ausentes, pelo que não tinham conhecimento do facto.

Ou seja, os arguidos consideraram que não tinham nada a ver com a droga

apreendida e que apenas foram utilizados por pessoas que serviram de suas

ingenuidades e ignorância.

Alegaram ainda em defesa que, o juiz do Tribunal Judicial da Comarca de São

Vicente, 1º Juízo Criminal, absolveu os arguidos do crime associação criminosa,

previsto no artigo 11º da lei de droga 78/IV/93, pelo facto de não existirem

provas suficientes no processo, e porque encontraram drogas na posse dos

arguidos, ignorando as suas alegações, condenando-os a dez anos de prisão,

ou seja, uma vez que não foram condenados por associação criminosa, teria o

tribunal necessariamente de os condenar por tráfico de drogas.

O STJ ponderou as alegações das partes e julgou adequado reduzir a pena dos

arguidos Simial e Sanil para sete anos e seis meses de prisão.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

84

Conclusão

Ao longo desses cem anos, a contar a partir do surgimento da primeira

Convenção Internacional sobre drogas, mais concretamente ópio, realizada na

conferência de Xangai no ano de 1909, de facto, muito se tem feito no sentido de

controlar o tráfico de drogas a nível mundial.

No entanto, o mar aparece como a via mais viável e vulnerável para se traficar

ilicitamente grandes quantidades de drogas entre os continentes, devido as

extensas costas desprotegidas, zonas marítimas sem vigilância e aliado a maior

capacidade de transporte dos navios, isto em comparação com outros meios de

transportes existentes no planeta.

Perante um crime de âmbito transnacional, a ONU, preocupado com a utilização

do mar para fins que ameaçam a saúde pública mundial e a soberania dos

Estados, concluiu no ano de 1982, em Montego Bay, Jamaica, a Convenção das

Nações Unidas sobre o Direito do Mar, como importante contributo para a

manutenção da paz, da justiça e do progresso de todos os povos do mundo.

Segundo o artigo 108º desta convenção o tráfico ilícito de drogas deve ser

combatido através de cooperação entre os Estados.

Por tanto constata-se que actualmente, os instrumentos jurídicos de repressão

ao tráfico ilícito de drogas mais importantes são: a Convenção Única sobre

Narcóticos de 1961, emendada pelo Protocolo de 1972, a Convenção sobre

Substâncias Psicotrópicas de 1971 e a Convenção das Nações Unidas contra o

Tráfico Ilícito de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de 1988. A nível do

tráfico ilícito de drogas pelo mar, os aspectos mais relevantes se encontram nos

artigos 17º e 18º da última Convenção. Entretanto, os acordos multilaterais e

bilaterais realizados à luz das referidas convenções internacionais são os meios

mais eficazes para combater o tráfico ilícito de drogas pela via marítima.

Importa referir que a nível global, o crime de tráfico de drogas fere alguns dos

bens jurídicos mais importantes da comunidade internacional, tais como, a

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

85

saúde pública mundial e a soberania dos Estados. No entanto, ela não se

encontra na lista dos crimes julgados pelo TPI, conforme o artigo 5º do ERTPI.

Na minha opinião, isso é um reflexo da falta de entendimento que tem havido

nessa questão.

Convém referir que os Estados, mesmo os mais desenvolvidos, têm mostrado

dificuldades em proteger suas fronteiras terrestres e marítimas e a saúde pública

dos seus cidadãos perante um crime sofisticado e altamente organizado. Nesse

sentido, as redes organizadas de tráfico ilícito de drogas aproveitam dos fracos

recursos financeiros e recorrem aos avultados lucros proveniente dessa

actividade para infiltrar nos sistemas de segurança através da corrupção, tráfico

de influência entre outros crimes que acabam por fragilizar ainda mais a

soberania dos Estados em vias de desenvolvimento.

A ONUDC refere aos Estados da CEDEAO, dos quais, Cabo Verde faz parte,

como sendo países de trânsito. Contudo, no último relatório de 2013, alertou

para o consumo dessas substâncias, presumindo que cerca de 50% da droga

que circula por essa área acaba por aqui ficar.

Com o intuito de minimizar os efeitos negativos desse crime, Cabo Verde faz

parte das referidas Convenções e conta com a assinatura de vários acordos

estratégicos de âmbito multilateral e bilateral. No âmbito multilateral, o país conta

com o estatuto de membro observador do MAOC, assinou o Acordo de

Cooperação entre os Governos integrantes da CPLP e beneficia do acordo da

CEDEAO que segue os parâmetros da ONUDC. Todavia, a nível bilateral

destaca-se a assinatura de vários acordos de vigilância conjunta de suas águas,

tais como os assinados com Portugal, Reino Unido, Holanda, Espanha e EUA.

Ainda com esse objectivo e considerando a necessidade de unir esforços para

combater e reduzir as actividades ilícitas relativas ao tráfico de estupefacientes

desde a América Latina, através de Africa Ocidental, para Europa, foram

subscritos pela Policia Judiciária de Cabo Verde vários acordos de cooperação

com as autoridades policiais competentes da República do Peru, Brasil, Bolívia,

República Dominicana e Jamaica.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

86

A análise dos vários instrumentos jurídicos internacionais trazidos para a

esférica jurídica cabo-verdiana nomeadamente, Convenções Internacionais de

repressão ao trafico ilícito de drogas, os vários acordos Bilaterais e multilaterais

assinados e a própria lei interna de combate ao trafico ilícito de drogas permite-

nos inferir que Cabo Verde se encontra bem amparado na esfera jurídica global.

Facto demonstrado na resolução do caso Tortuga, julgado pelo Tribunal da

Comarca de São Vicente, 1º juízo criminal,

Na minha modesta opinião, a ONU tem conseguido avanços significativos no

sentido de obter um consenso doutrinal universal para repreender o tráfico ilícito

de drogas, porém o caminho continuará sendo árduo e longo, pelo que esses

vários instrumentos jurídicos aqui mencionados só serão eficazes mediante o

engajamento, a vontade política e a cooperação de todos os Estados do Mundo.

Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –

Cabo Verde

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