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INTRODUÇÃO ANTROPOLOGIA Ashley Montagu Cultrix

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Page 1: Ashley Montagu - Introdução a Antropologia - Ano 1952

INTRODUÇÃO

ANTROPOLOGIAAshley Montagu

Cultrix

Page 2: Ashley Montagu - Introdução a Antropologia - Ano 1952

Títu lo do original:M AN: H IS F IR ST TWO M ILLION YEARS

A BRIEF INTRODUCTION TO ANTHROPOLOGY

Publicado por Columbia U niversity Press,New Y ork and London. Copyright © 1957, 1962 under

the title Man: His First Million Years by Ashley M ontagu. C opyright (c) 1969 by Ashley M ontagu.

2? edição

M C M L X X V II

D ireitos Reservados

EDITORA CULTRIX LTDA.R ua Conselheiro F urtado , 648, fone 278-4811, S. Paulo

Im presso no B rasilP rin ted in Brazil

Page 3: Ashley Montagu - Introdução a Antropologia - Ano 1952

A S H L E Y M O N T A G U

INTRODUÇÃOÀ

A N T R O PO L O G IA

Tradução de O c t a v i o M e n d e s C a j a d o

E D I T O R A C U L T R I X

SÃO PAULO

Page 4: Ashley Montagu - Introdução a Antropologia - Ano 1952

A ASCENDÊNCIA DO HOMEM

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OS PROVÁVEIS ANTEPASSADOS DO HOMEM

É muitíssimo provável que os antepassados imediatos dos primeiros homens não fossem tão especializados, isto é, não tivessem realizado quaisquer adaptações irreversíveis especiais a um habitat ou a um modo de vida determinado, como os grandes antropóides, e conservassem muitos traços primitivos, sendo, em inúmeros sentidos, muito mais semelhantes aos ho­mens do que aos macacos. Tais criaturas teriam preservado uma tendência vigorosa para não criarem caninos em forma de pre­sas, para não se tornarem demasiado pesados, para não adqui­rirem cristas sagitais no topo da cabeça, onde se prendem os músculos temporais, que movem a mandíbula inferior para baixo e para cima, nem para quaisquer outras especializações desse tipo, mas teriam mantido uma tendência um tanto con­servadora para ampliar os dotes que já possuíam. Por exemplo, a tendência, na evolução dos primatas, tem sido a de aumento do tamanho do cérebro. Qualquer grupo de primatas que evol- vesse no sentido de aumentar o tamanho do cérebro, a fim de adaptar-se às solicitações do meio, sobretudo através de res­postas artificialmente desenvolvidas, acabaria tendo, com o cor­rer do tempo, boa oportunidade de adquirir atributos que o le­variam a alcançar o status humano. Os indivíduos capazes de usar eficazmente o cérebro para responder às solicitações do meio, capazes de responder da maneira mais apropriada a essas solicitações, teriam maiores probabilidades de perpetuar a es­pécie do que os que não o conseguissem.

Tais criaturas adquiririam, em primeiro lugar, a postura erecta, numa adaptação às exigências da caça. Em segundo

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lugar, mercê da sua dependência cada vez maior dos instru­mentos, nunca se teriam desenvol^do nelas os grandes cani­nos, superespecializados, desnecessárias a criaturas onívoras; e, nessas condições, não teriam precisai o de tanto osso nas man- díbulas superior e inferior, e a rej ião do focinho, reduzida, teria concorrido para a humanizaçã:> do rosto. Em terceiro lugar, em razão da necessidade de i m armazém suficientemente amplo para guardar as informações requeridas, o cérebro teria sido aumentado, mudando a forma do crânio, no sentido de imprimir ao topo da cabeça um feitio mais abobadado e de am­pliar a testa. O remaneio dos ossos faciais e a verticalização da frente da cabeça produziriam uma elevação e uma projeção frontal dos ossos nasais — que nos macacos continuam acha­tados — culminando na estrutura única, a península feita de osso, cartilagem e tecidos moles, que conhecemos como o na­riz do homem.

É muito provável que os antepassados imediatos do ho­mem, como grupo, já tivessem perdido parte considerável do pelame que caracteriza todos os antropóides e, na realidade, todos os primatas. Qual fosse a cor da pele não podemos saber com certeza mas, visto que os ascendentes do homem foram quase certamente animais tropicais de origem africana, é bem possível que tivessem a pele negra.

Falariam eles? Não o sabemos. Talvez possuíssem os ru­dimentos da fala. Fabricavam instrumentos? É provável. Em várias partes da África se encontram, em quantidades conside­ráveis, instrumentos feitos de seixos, hoje em dia atribuídos aos australopitecíneos.

OS PRIMEIROS HOMENS — OS AUSTRALOPITECOS?

Na África do Sul e na África Oriental foi desenterrado grande número de esqueletos de macacos antropóides fósseis, que receberam o nome de australopitecos ( australis = sul, pitbecus = macaco). O fato notável a respeito dos australo­pitecos é que são, em quase todos os sentidos, parecidos com macacos, exceto na capacidade do cérebro, maior que a dos antropóides, e na forma dos ossos ilíacos, da coxa (fêm ur), da perna (tíbia e perônio), e dos pés, parecidos com os do homem.

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Da estrutura dos ossos do quadril e das pernas, se depreen­de, manifestamente, que os australopitecíneos caminhavam em posição erecta, ou quase. Dessa maneira, pela primeira vez, temos uma prova clara da ordem da evolução funcional de al­gumas partes do corpo humano. A postura erecta foi atingida antes que o cérebro se desenvolvesse e assumisse grandes pro­porções. Algumas autoridades costumavam pensar que ocorre­ra o inverso. Agora sabemos com certeza que os antecessores do homem assumiram uma postura erecta antes que o seu cérebro aumentasse de tamanho.

Há quanto tempo viveram os australopitecos? Não o sa­bemos com exatidão porque a geologia (estudo da terra) das regiões da África, em que se encontram os restos dos austra­lopitecíneos, ainda não é bem conhecida. A maioria das auto­ridades, todavia, é de opinião que esses restos fósseis datam dos limites entre o Plioceno e o Plistoceno, ou seja, há muito mais de 2 milhões de anos. Eles podem ter morrido na África há uns 250 mil anos, ou mesmo depois, mas isso não quer dizer que não pudessem ser os ancestrais do homem ou que não estivessem estreitamente relacionados com o grupo de an­tigos antropóides que foram os antepassados direitos do homem.

O que pode ter sido perfeitamente um australopiteco foi descoberto em 1965 em sedimentos do Plistoceno primitivo na bacia do Kanapoi, suleste de Turkana (noroeste de Quênia). O achado consistia na extremidade inferior de um úmero es­querdo notavelmente semelhante ao do homem e facilmente distinguível do mesmo osso do chimpanzé e do gorila. Deu-se ao fóssil o nome de Hominídeo de Kanapoi I. Os sedimentos em que o osso foi encontrado remontavam, segundo o método do potássio-argônio, a 2,5 milhões de anos. Não se descobriram artefatos de espécie alguma.

Os australopitecíneos possuíam um cérebro de tamanho médio inferior a 600 cc; o tamanho médio do cérebro dos ho­mens que vivem hoje é, mais ou menos, de 1 350 cc. Em vista disso, poder-se-á supor que tivessem ainda um longo trajeto a percorrer antes de alcançarem o status humano. Teriam de acrescentar, aproximadamente, uns 400 cc ao volume do seu cérebro para chegarem ao tamanho do cérebro do Homo erectus erectus. Ora, um salto rápido de 400 cc é inconcebível.

Além disso, a forma do crânio de todos os australopitecí­neos semelha extremamente a dos macacos. A abóbada crania­na é baixa e, em certas formas, como o Australopithecus ( Pa-

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ranthropus) crassidens, encontrado em Kromdraai, na África do Sul, uma crista bem desenvolvida, semelhante à do gorila macho, percorre o topo da cabeça, de uma ponta a outra. (Esta crista sagital, como é chamada, se destina à inserção dos músculos maciços dos lados da cabeça, que movem a man- díbula inferior para cima e para baixo.) Em outras, como no Australopithecus robustus, encontrado em Swartkrans, na Áfri­ca do Sul, a mandíbula inferior tem grande espessura. Mas o fato é que os australopitecos ostentam muitos traços parecidos

Crânio de um Australopithecus ajricanus juvenil (lado direito invertido). As áreas sombreadas diagonalmente foram reconstruídas

com os do homem, que, sem dúvida, os colocam no gênero do homem. Os dentes, por exemplo, semelham muito mais os de seres humanos que os de qualquer outra criatura conhecida. O mesmo acontece com os ossos da extremidade inferior e dos quadris. Os austrapolitecíneos também utilizavam os ossos dos membros dos antílopes como instrumentos. O fato de muitos crânios de babuínos terem sido encontrados associados a res­tos de australopitecos, em situação que nos leva a crer que fo­ram abatidos com uma pancada na cabeça, induziu o Professor

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Raymond Dart, da África do Sul, a concluir ter sido isso obra dos australopitecíneos. E embora algumas autoridades abun­dem nesse parecer, outras não concordam com ele.

A FORMA MAIS PRIMITIVA DO HOMEM, QUE SE CONHECE

A forma mais primitiva de homem, se bem não seja a mais antiga, que se conhece, é a de um membro da subfamília dos australopitecíneos. Trata-se do Zinjanthropus boisei, descober­to em julho de 1959 pelo Dr. L. S. B. Leakey e sua esposa, na Garganta de Olduvai, no Território de Tanganhica, na Áfri­ca Oriental. “Zinj” significa, em árabe clássico, África Oriental e “anthropus” , naturalmente, quer dizer homem. O nome es­pecífico foi dado em honra ao benfeitor inglês da expedição que fez o descobrimento.

O Zinjanthropus boisei, ou homem de Oldoway, é repre­sentado por um crânio quase completo e parte de um osso da perna. O crânio é o de um jovem entre dezesseis e dezoito anos de idade, com uma capacidade de 530 cc. O rosto é com­prido e largo, há uma crista sagital, a testa quase não existe,

Vista lateral (lado esquerdo) de ossos pélvicos do chimpanzé (à e squerda) , do Australopithecus prometheus (no centro)

e de um boximane (à direita)

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os pré-molares e molares são grandes, mas os caninos e incisivos são pequenos. O crânio foi encontrado num complexo crista­lino vivo, associado com instrumentos de pedra de um tipo primitivo, conhecido pelo nome de oldovânico. Feitos de quart- zito e lava, esses instrumentos caracterizam-se por ser mal des- bastados numa ou nas duas direções de ambas as faces; o re­sultado é um instrumento singelo de corte, afiado, porém irre­gular, de cada lado da pedra. Utensílios semelhantes, feitos de seixos polidos pelas águas, foram encontrados, em associa­ção com três dentes, em Sterkfontein, na África do Sul. Atri­buídos, a princípio, ao Zinjanthropus, Leakey hoje acredita se­jam esses artefatos obra de outro homem primitivo, que será

Reconstrução de um australopiteco típico

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descrito mais adiante (veja a página 59). Como não existe pedra no nível do Olduvai I, onde os artefatos foram achados, os materiais de que se fizeram os instrumentos devem ter sido trazidos de outro lugar. A presença de 176 lascas de pedra indica que os petrechos foram manufaturados ali mesmo.

De acordo com a datação pelo processo do potássio-argônio (veja a página 105), levada a cabo pelos Drs. G. H. Curtis e J. Evernden, da Universidade da Califórnia, o Zinjanthropus tem 1,75 milhões de anos.

A maior parte das autoridades concorda hoje em que o Zinjanthropus é um australopitecíneo do mesmo tipo do Pa- ranthropus, encontrado em dois lugares da África do Sul, Kromdraai e Swartkrans, e em Java ( Meganthropus).

“ h o m o h a b i l i s ”

Em dezembro de 1960, Leakey anunciou novos descobri­mentos feitos no mesmo local onde topou com o primeiro Zinjanthropus. Os novos descobrimentos consistiam em alguns fragmentos de crânio, juntamente com um pré-molar inferior e um molar superior, muito mais semelhantes aos do homem que os do Zinjanthropus, uma tíbia e um perônio.

A uns 300 metros do local da descoberta do Zinjanthropus, e a uns 60 centímetros abaixo do nível do Estrato I, os Lea- keys depararam, no verão de 1960, os sobejos de pelo menos dois indivíduos, um juvenil e outro adulto. Os restos do jovem consistiam em porções dos ossos parietais, parte de um osso ocipital e outros fragmentos cranianos, um maxilar inferior, um molar superior e partes do esqueleto da mão. Os do in­divíduo adulto eram representados por uma clavícula, alguns ossos das mãos e um esqueleto quase completo do pé esquerdo. Os remanescentes do primeiro eram os de uma criança de mais ou menos 12 anos. Os ossos do crânio, finos, não apresentam crista sagital nem linhas temporais acentuadas para a inserção dos músculos temporais. Os ossos da mão e do pé semelham muito os do homem, e os do pé revelam que o seu dono ca­minhava e corria de maneira quase idêntica à do homem moderno.

Associados a esses restos esqueletais havia um sem-número de artefatos oldovânicos típicos, entre os quais um instrumento de osso, de forma interessantíssima, que Leakey interpreta como

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sendo uma espécie de “lissoir”, isto é, um utensílio usado para trabalhar e polir as peles dos animais e transformá-las em couro utilizável. A ser correta a interpretação do significado desse instrumento, “ela supõe” , como observa Leakey, “ um modo de vida mais evoluído do que esperávamos dos fautores da cultura oldovânica” . Grandes quantidades de sobras de tarta­rugas, bagres e aves aquáticas, de apresamento relativamente fácil, foram encontradas nesse nível, dando a entender que,

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Instrumentos oldovânicos de seixos ( lava ) , Estrato I, G argan ta de Olduvai, Território de Tanganhica , África Oriental

nessa fase, os homens primitivos ainda não haviam progredido tanto que soubessem arrebanhar e matar filhotes de animais de maior porte. Se isto era assim, como explicar, então, a pre­sença do “ lissoir” ? Um “ lissoir” seria empregado na prepara­ção de peles de grandes animais, alisando-lhes as asperezas. Essa preparação especial de peles só poderia significar que elas eram usadas para propósitos domésticos, como roupas e esteiras, e até como coberturas de habitações.

Se esses homens primitivos não caçavam caça grossa, como se explica que conseguissem as peles dos animais? O mais provável é que as obtivessem das carcaças de animais mortos de morte natural ou mortos por outro animal. É muito possí­vel também que conseguissem o seu alimento animal como seres carniceiros. Os abutres indicariam aos homens primitivos o lugar onde um carnívoro, provavelmente, fizera uma matança ou onde um animal morrera de outra maneira qualquer. É este o processo de obtenção de carne posto em prática até hoje por muitos povos africanos, entre os quais alguns hotentotes.

O fato de não se terem encontrado ossos de grandes ani­mais nos estratos em que se acharam os primeiros vestígios da cultura oldovânica dá a entender que, se eles agiam, às vezes, como animais necrófagos, comiam a carne do animal morto onde quer que o encontrassem, como ainda fazem muitos povos africanos, sobretudo quando o animal é grande, como o ele­fante ou o rinoceronte. Se alguma carne houvesse sido trans­portada para o território deles, teria sido levada com a menor quantidade possível de ossos e, provavelmente, cortada em pe­

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dacinhos. Isso explicaria a ausência dos ossos de grandes ani­mais nos complexos cristalinos oldovânicos.

A capacidade craniana da criança pré-zinj de 12 anos foi estimada, aproximadamente, em 680 cc, talvez mais, e a idade dos ossos, calculada pelo método do potássio-argônio, em 1,85 milhões de anos.

Em outubro de 1963, toparam os Leakeys com fragmen­tos de um crânio de adolescente, do mesmo tipo físico da cri­ança pré-zinj. Os restos da criança pré-zinj foram descobertos no Estrato I, ao passo que os do adolescente apareceram na parte inferior do Estrato II. Depararam-se ainda aos investi­gadores, nos Estratos I e II , remanescentes, quase todos cons­tituídos por dentes, de mais cinco representantes desse tipo. Algumas descobertas ocorreram no complexo cristalino vivo do Zinjanthropus. A tíbia e o perônio talvez pertencessem à forma mais adiantada.

Os pedaços do adolescente consistiam em quase todo o osso ocipital, os dois parietais, partes dos ossos frontal e temporais, partes do maxilar superior, e uma mandíbula virtualmente com­pleta, com todos os dentes no lugar. Nas características físicas, esses restos semelham muitíssimo os da criança pré-zinj encon­trada no Estrato I.

Em virtude do tamanho e da forma dos dentes, do tama­nho do cérebro, da forma do crânio, das especializações das extremidades superiores e inferiores, e da associação dos artefa­tos de pedra manufaturados, descreveram-se tais restos como representativos de nítido progresso em relação aos australopi- tecíneos, deu-se-lhes o nome de Homo habilis ( “habilis” no sentido de capaz, hábil, vigoroso, mentalmente habilidoso), mas a maioria das autoridades crê que os remanescentes pertençam a australopitecíneos.

Os fragmentos de um crânio encontrados, çm 1949, em Swartkrans, na África do Sul, provavelmente oriundos do Plis- toceno Médio, e chamados Telanthropus, e alguns descobertos em 1960 no Lago Chade, em Koro Toro, no norte da África Central, provenientes do fim do Plistoceno Inferior ou do iní­cio do Plistoceno Médio, talvez pertençam ao Homo habilis mas, enquanto não se fizerem os estudos comparativos necessários, o seu verdadeiro status permanecerá incerto.

Em janeiro de 1964, Leakey descobriu uma mandíbula de Zinjanthropus quase completa, com todos os dentes no lugar,

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em novo local, perto do Lago Natron, a nordeste de Olduvai. O depósito é da mesma idade do sítio em que se encontrou o primeiro Zinjanthropus.

A forma mais antiga de homem, até agora descoberta, é o australopitecíneo Homo babilis, conquanto, morfologicamente, o mais antigo seja o australopitecíneo Zinjanthropus. O fato de se haver descoberto uma forma mais desenvolvida de homem num estrato mais antigo deve-se, por certo, ao vezo que tem a Arqueologia de premiar inesperadamente os seus cultores. Alguns instrumentos de tipo oldovânico foram encontrados em Sterkfontein e em Swartkrans em associação com australopi­tecíneos. Acredita Raymond Dart que a maioria dos instru- mentos utilizados pelos australopitecíneos fossem adaptações de restos esqueléticos de antílopes e animais semelhantes, e con­sistissem em ossos, dentes e chifres. Daí o nome que lhes deu de cultura osteodontocerática.

Dart descreveu diversos instrumentos notáveis, que se su­põem feitos de ossos de animais pelos australopitecíneos. Um deles é um “ descaroçador de maçãs” , encontrado em associa­ção com o Australopithecus prometheus, em Makapansgat, na África do Sul. Outro é um “ lissoir”, descoberto em 1958 na brecha vermelho-castanha de Sterkfontein, na África do Sul. Os australopitecíneos talvez tenham aprendido a utilizar pro­dutos naturais, como ossos, dentes e chifres, na produção de instrumentos de trabalho para escavar, cortar, serrar, raspar e alisar.

O descobrimento de um círculo grosseiro de pedras soltas amontoadas no complexo cristalino, na parte inferior do Estra­to I (inferior e anterior ao local em .que foi encontrado o Zinjanthropus), com centenas de instrumentos de pedra à sua volta, numa região em que as pedras não ocorrem natural­mente, indica que o Homo habilis pode ter construído abrigos. Dessa maneira, além de serem, possivelmente, os primeiros fa­zedores habituais de instrumentos de pedra, é muito provável que tenham sido também os primeiros construtores de habita­ções domésticas.

Num terceiro local em Olduvai, no Estrato I, cerca de6 metros acima dos outros dois complexos, encontrou-se notá­vel reunião de ossos fósseis de animais, muitos dos quais novos para a Ciência. Todos os ossos de animais grandes haviam sido quebrados e a medula, extraída. Os crânios e as mandí-

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bulas tinham sido esmagados. A maioria eram ossos de ani­mais imaturos.

À diferença dos seus ascendentes mais semelhantes aos macacos, tanto o Zinjanthropus quanto o Homo habilis comiam carne. Leakey sugeriu que eles, possivelmente, obtinham a carne atraindo manadas de animais aos pântanos e sacrificando ali mesmo os que fossem apanhados com maior facilidade.

O DESENVOLVIMENTO DA CAÇA E AS SUAS CONSEQÜÊNCIAS

Os descobrimentos de Olduvai nos permitem acompanhar, virtualmente passo a passo, a evolução dos hábitos alimentares do homem e os seus métodos de arrecadar alimento. Podem distinguir-se três fases principais: (1 ) a extensão do hábito de colher alimentos, que consistiam quase inteiramente de vege­tais, à colheita de alimentos animais, obtidos de animais va­garosos, facilmente capturáveis, entre os quais se incluíam as tartarugas, os bagres e as aves aquáticas, seguida pela extensão dessa colheita ao (2 ) arrebanhamento de animais jovens, maio­res, e, finalmente, (3 ) à caça de animais de maior porte do que eles.

A passagem do regime vegetariano para o regime de carne assinalou um passo na evolução cultural que, provavelmente, teve importante influência sobre a evolução física do homem. A carne requer muito menor mastigação do que as plantas fibrosas. Os grandes caninos são úteis quando se quer rom­per a casca mais grossa de muitas plantas comestíveis, e as cristas ósseas são necessárias à inserção de músculos volumosos, capazes de mover o maxilar inferior do primata herbívoro. Para o carnívoro, os grandes caninos, as grandes mandíbulas e as cristas ósseas são dispensáveis. Por conseguinte, as mudanças imprescindíveis consistem no desenvolvimento de uma cabeça mais parecida com a do homem, com espaço suficiente para a expansão do cérebro.

É um fato interessante que os carnívoros tenham adqui­rido muito mais amplas capacidades de comportamento do que os herbívoros, presumivelmente por serem obrigados a resol­ver um número muito maior de problemas e enfrentar os desa­fios lançados por toda a sorte de situações, que não se deparam

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aos herbívoros. Para estes, na floresta, por assim dizer, a mesa está posta: só lhes resta comer. A passagem do arrebanhamento ou da caça de pequenos animais à caça de animais maiores deve ter constituído um processo de desenvolvimento gradual. Nas atividades venatórias, a vantagem pertenceria aos que pudes­sem aproximar-se furtivamente da caça, fazendo-o em posição erecta. O caminhar sem esforço foi provavelmente conseguido após a aprendizagem da corrida e serviu, quase certamente, para exercer pressão seletiva sobre os detentores das possibili­dades genéticas adequadas ao desenvolvimento da postura bí­pede erecta e da locomoção. A postura erecta libera os mem­bros anteriores para outras finalidades além da locomoção, não só para a feitura de instrumentos, mas também para o seu em­prego mais eficiente em conexão com a caça.

A caça de animais pequenos põe mais em destaque a so­lução de problemas do que as reações ou instintos automáticos biologicamente predeterminados. Num ambiente de savana se­riam mais favorecidos os indivíduos que dessem com maior freqüência as respostas apropriadas às solicitações do meio, do que os outros. As reações e instintos automáticos estariam em situação desvantajosa, ao passo que a solução de problemas, que é outro nome da inteligência, se veria em situação privilegiada. À proporção que essas criaturas afeiçoassem os seus instrumen­tos, engenhassem as suas armadilhas e cavassem os fossos para que nelas caísse a sua presa, a inteligência assumiria um valor cada vez maior para a sobrevivência. Dessa maneira, no novo meio, por seleção natural, os primeiros homens teriam continua­do a crescer e a desenvolver a inteligência.

Uma criatura que perde os instintos e se vê obrigada a fiar-se cada vez mais da inteligência para sobreviver, precisa fazer duas coisas: (1 ) passar por um período maior de depen­dência, a fim de aprender os elementos essenciais básicos que lhe permitirão funcionar como ser humano, e (2) desenvolver um depósito grande e suficientemente complicado de armaze­nagem e recuperação, isto é, um cérebro bastante grande para abrigar os muitos bilhões de células e seus circuitos, necessá­rios a uma inteligência dessa natureza.

Como conseqüência da perda dos instintos que ela, um dia, possa ter possuído, uma criatura assim precisará aprender tudo o que tiver de fazer e saber, como ser humano, de outros seres humanos. Daí que passe por um prolongado período de dependência, durante o qual ocorre a parte fundamental da

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aprendizagem. O armazém necessário à aprendizagem, à ar­mazenagem e à recuperação de todas essas informações precisa ser grande. Preparando-se, portanto, para aprender, o cérebro do feto humano, no derradeiro mês de gestação, cresce em ritmo acelerado, de sorte que, no momento em que ele atinge um volume de 350 a 400 cc, a criança precisa nascer pois, de outro modo, a sua cabeça, grande demais, não lhe permitiria nascer de maneira alguma. E, assim, 266 dias e meio, em média, a partir da concepção, nasce a criança em condições de imaturidade extrema. Nesse momento, de fato, ela mal com­pletou a metade da sua gestação. A parte que passou em de­senvolvimento no ventre materno é chamada gestação uterina. A outra metade da gestação se completa fora do ventre, na continuada relação simbiótica da criança com a mãe. Essa se­gunda metade da gestação denomina-se gestação externa. A gestação externa dura quase tanto quanto a uterina, ou seja, cerca de dez meses, idade em que a criança, por via de regra, principia a engatinhar sozinha.

A imaturidade do recém-nascido humano valorizou consi­deravelmente as mulheres mais capazes de prover às necessi­dades da criança dependente. E, assim, teriam sido natural­mente selecionadas as que possuíssem tal capacidade, ou amor materno, ao passo que as que dela carecessem não teriam sido tão bem sucedidas na procriação. Também seriam grandemente valorizados os homens que patenteassem qualidades cooperati­vas na caça e na vida social, ao passo que os indivíduos ego­ístas, não cooperativos, já se teriam dado menos bem.

Parece provável, portanto, que as pressões da mudança ambiental primeiro conduziram ao desenvolvimento dos atri­butos adaptativos, que transformaram em homem uma criatura semelhante ao macaco. Os mais importantes desses atributos não são os físicos, senão os funcionais, os de comportamento, e as características incorpóreas que conhecemos como cultura — a parte do meio feita pelo homem, os principais recursos hu­manos de adaptação ao meio.

Os atributos funcionais que evolveram interdependentes na espécie humana, além da adoção da postura erecta e do de­senvolvimento de um cérebro volumoso, foram a perda de quanto possa ter sobrado dos instintos, a substituição da forma reativa de comportamento pelo comportamento de respostas, de solução de problemas, elevado ao máximo, isto é, inteligente, o desenvolvimento de um cérebro grande e complexo, o nasci­

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mento em estado imaturo e de total dependência, uma longa infância de sujeição, durante a qual a criança cava os alicer­ces dos conhecimentos que lhe são necessários para vir a ser um membro atuante da sociedade, e o desenvolvimento do com­portamento altruísta ou cooperativo.

Em outras palavras, a perda dos instintos, a dependência e a interdependência, o altruísmo e a cooperação, a educabi- lidade e a inteligência evoluíram inter-relacionadas para produ­zir a espécie humana. E é singular e altamente dotada dessas possibilidades que nasce a criança humana.

Tornando-se onívoro, o homem aumentou sobremodo a sua capacidade de sobrevivência em todos os meios. Inclui-se entre os poucos animais onívoros. Como tal, é capaz de comer e digerir, virtualmente, tudo o que é comestível ou que se pode tornar comestível. Essa é uma das razões por que veio a ser a mais amplamente distribuída de todas as criaturas sobre a Terra.

Com o advento dos australopitecíneos e de suas ativida­des de fabricantes de instrumentos, o grupo dos primatas, do qual, finalmente, promanou o homem moderno, transferiu-se para uma zona completamente nova de adaptação, a dimensão da cultura. Com essa transição surge, pela primeira vez, o atributo essencial e caracteristicamente humano: a mente hu­mana, que se caracteriza por uma capacidade cada vez maior de utilização de símbolos complexos, de aplicação desses símbolos na criação de coisas novas, e de solução de problemas com­plexos. Acrescente-se a isto o aumento da facilidade e da ha­bilidade com que se utilizam os símbolos e tudo o que eles pretendem representar, e se verá como, pela primeira vez, de maneira substantiva, um animal transcende as próprias limita­ções físicas e o inarticulado da natureza, para tornar-se crítico, analítico, e controlar cada vez mais a crítica e a análise.

A RECONSTRUÇÃO DO CURSO DA EVOLUÇÃO HUMANA

Existem indícios de que, durante o Plioceno (que durou, aproximadamente, 10 milhões de anos), se modificou, aos pou­cos, o clima da África. Essa mudança consistiu, principalmente, no deslocamento das precipitações pluviais do sul para o equa­

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dor. Em resultado disso, a parte coberta de densas florestas que, na África, se situava abaixo do equador, desflorestou-se gradativamente e transformou-se em planícies abertas ou sava­nas. Os membros do tronco de que proveio o homem, antigos habitantes das florestas, viram-se, dessa maneira, pouco a pouco, solicitados a adaptar-se ao meio, que se alterava, e aos novos problemas que ele apresentava.

Na floresta, o alimento vegetal, abundante, exigia parcos esforços para a sua obtenção. Nos descampados, todavia, esse mesmo alimento escasseava cada vez mais. No novo ambiente a vegetação não bastava ao sustento da vida. Por isso mesmo, os precursores imediatos do homem teriam sido forçados a completar a sua dieta arrebanhando animais pequenos, ainda novos, e vagarosos. Simples comedores de plantas, viram-se obrigados a incluir animais em sua alimentação e, assim, adotar um regime onívoro.

UM ANTROPÓIDE CHINÊS SEMELHANTE AO HOMEM:

O Gigantopithecus blacki

Tem sido na China costume tradicional desenterrar os chamados “ossos do dragão” , que são, na realidade, ossos fós­seis de muitas espécies diferentes de animais, e vendê-los, in­teiros ou moídos, aos boticários, que, por sua vez, os vendem aos compradores ávidos, como poderosos elixires, capazes de curar praticamente quaisquer mazelas ou moléstias. Talvez pareça estranho que um geólogo se julgue na obrigação de in­vestigar o conteúdo das farmácias chinesas em busca de ma­terial fóssil mas, quando ficamos sabendo que foi assim que o geólogo holandês G. H. R. von Koenigswald descobriu o dente de uma das mais primitivas formas homínidas que os cientistas conhecem, o nosso espanto perderá a sua razão de ser. Na realidade, o Dr. Koenigswald descobriu três dentes molares semelhantes aos do homem. Tratava-se de molares inferiores, direito e esquerdo, pertencentes a indivíduos dife­rentes, e um molar superior que, provavelmente, provinha de um terceiro indivíduo. O que há de mais notável nesses den­tes é o seu tamanho. São enormes. O volume da coroa do ter­ceiro molar inferior é cerca de seis vezes maior que a do mesmo dente do homem moderno, e quase duas vezes maior que o dente correspondente do gorila.

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Autoridades como o falecido Professor Weidenreich con­sideravam o Gigantopithecus um homem agigantado. Mas tan­to o gigantismo quanto a atribuição dos dentes a um homem foram contestados. Com o descobrimento, em 1957, de uma mandíbula de Gigantopithecus, com a maioria dos dentes in situ, num depósito do Plistoceno Médio numa alta caverna aberta num rochedo, na Província de Kwangsi, sul da China, ficou esclarecido que o Gigantopithecus era um macaco antropóide, um antropóide adiantado, sem dúvida, mas não era um homem- -macaco nem se incluía na genealogia do homem.

Na verdade, as criaturas a que pertenceram esses restos eram antropóides robustíssimos, mas não há razão para se acreditar que fossem gigantes ou, como sugeriram algumas au­toridades, que estivessem relacionados aos australopitecíneos da África. Von Koenigswald, contudo, acredita que eles tenham maiores afinidades com o homem do que qualquer outro ma­caco antropóide conhecido, vivo ou extinto.

UMA FORMA JAVANESA SEMELHANTE AO HOMEM:

Meganthropus palaeojavanicus

Uma das mais antigas formas semelhantes ao homem, que se conhecem ( Meganthropus palaeojavanicus), foi desco­berta em 1941 pelo Dr. von Koenigswald, representada por fragmentos de dois maxilares inferiores, em estratos do Plis­toceno Inferior do distrito de Sangiran, na região central de

Fragmento do lado direi­to do maxilar inferior do chamado M eganthropus palaeojavanicus, mas que é, claramente, membro da subfase Paranthropus dos australopitecíneos, do Plis­toceno Inferior de San­giran (Java central) (Cortesia do Professor

G. H. R. von Koenigswald)

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Java. Em 1952, o Dr. Pieter Marks descobriu um maxilar de Meganthropus mais completo, porém terrivelmente esmagado, em Sangiran. Os maxilares do Meganthropus eram extraordi­nariamente maciços, atingindo as proporções do maxilar de um gorila macho adulto. Não obstante, a sua forma é distinta­mente humana. O Dr. von Koenigswald considera esse gênero antepassado do Homo erectus.

O homo erectus erectus

Durante os anos que mediaram entre 1890 e 1897, um jovem médico holandês, chamado Eugene Dubois, que fora a Java em busca do “elo perdido” , descobriu em Trinil, no cen­tro de Java, a calota de um crânio, um osso de coxa, o frag­mento de um maxilar inferior e três dentes. Eram todos no­tavelmente semelhantes aos ossos correspondentes do homem, muito embora a calota craniana parecesse assaz primitiva. O osso da coxa, quase igual ao do homem moderno, sugeria que a criatura a que ele pertenceu caminhava erecta. Essa combi-

Crânio de H om o erectus erectus do Plistoceno Médio de Trin il ( Java cen tra l) . As áreas sombreadas diagonalmente são reconstituídas

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nação de calota craniana simiesca e osso da coxa parecido com o do homem inspirou o nome “o homem-macaco que cami­nhava erecto” ; por conseguinte, em sua forma latina, Pithe- canthropus erectus, hoje mais conhecido como Homo erectus erectus.

Calculou-se que o cérebro do Homo erectus erectus pos­suía um volume que oscilava entre 775 e 940 cc. Isso já está, realmente, dentro dos limites do homem moderno. Co­nhecem-se casos de homens europeus modernos, inteligentes, cujo volume cerebral não excedia 850 cc. O cérebro do grande escritor francês Anatole France possuía um volume pouco su­perior a 1 000 cc.

Só muitos anos depois, em 1937, o Dr. von Koenigswald descobriu vários outros espécimes de Homo erectus erectus no distrito de Sangiran, na região central de Java. Todos os restos do Homo erectus erectus remontam ao Plistoceno Médio.

O Homo erectus robustus

Um dos descobrimentos mais importantes do Dr. von Koe­nigswald, em 1939, foi o de uma forma robustíssima de Homo erectus e, por isso mesmo, cognominada Homo erectus robustus. Consistia o achado na parte posterior e na base de um crânio e num maxilar superior com os dentes nos alvéolos. Os den­tes são essencialmente humanos na forma, com uma exceção: os caninos se projetam além do nível dos outros dentes, e existe um espaço ósseo entre o canino e o incisivo lateral, para aco­lher a ponta do canino inferior, exatamente como nos antro- póides. No Homo erectus erectus esse espaço desapareceu.

Os indícios, portanto, apontam para essa ordem evolutiva das mudanças na região do maxilar, a saber: primeiro, o ca­nino sofreu redução, como vemos no Homo erectus robüstus; a isso seguiu-se, volvido algum tempo, o desaparecimento do diastema pré-maxilar, como é chamado o espaço entre o canino e o incisivo lateral. Dessa maneira, reduziu-se a projeção da mandíbula superior, dando lugar à forma mais ou menos reta, característica do homem moderno.

No princípio de dezembro de 1960, o Dr. L. S. B. Leakey descobriu, a uns 4 ou 6 metros abaixo do topo do Estrato II, em Olduvai, o calvarium (crânio sem os ossos faciais ou ma­xilares) de um pitecantropo do tipo Homo erectus erectus. A importância desse descobrimento reside, primeiro, em que assim

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se ampliam os limites dos pitecantropíneos e, segundo, em que a presença do pitecantropo em Olduvai dá a entender que esse tipo de homem talvez represente uma forma mais evoluída do Hotno habilis. A uns 100 metros do local do descobrimento, no mesmo nível, se encontraram numerosos machados de fa­bricação cheleana, bem como ossos de grandes animais, que parecem ter sido quebrados para a extração do tutano. Ostestes de potássio-argônio dão a esses restos 490 000 anos de idade. No complexo cristalino cheleano de Olduvai se encontra-

Instrumentos chcleanos de pedra

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ram muitas pedras grandes de boleadeiras. A boleadeira é uma arma de caça muito engenhosa, que consiste em três pedras forradas de couro e ligadas por três correias, que são amarra­das no topo, deixando livres as correias e as pedras. O caça­dor faz girar a boleadeira sobre a cabeça e, em seguida, a arre­messa na direção das pernas da presa, em torno das quais, com o peso das pedras, as correias se enrolam e apertam, der­rubando-a. É um dispositivo usado, até hoje, pelos gaúchos da América do Sul e por alguns esquimós. O tamanho das pe­dras das boleadeiras cheleanas indica que o pitecantropo de Ol- duvai possuía um físico poderosíssimo. Certas quantidades de ocre vermelho encontradas no mesmo estrato lhe assinalamo interesse pela cor, com alguma finalidade especial, pois o ocre deve ter sido trazido de uma distância considerável.

Sinanthropus pekinensis: O Homo erectus pekinensis

Sinanthropus pekinensis quer dizer “ homem chinês de Pe­quim” . Esse nome foi dado, ao que ele supunha ser uma nova forma de homem, pelo Professor Davidson Black, que então

Crânio de Sinanthropus (H om o erectus pekinensis)

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pertencia ao Union Medicai Collcge de Pequim, baseado no descobrimento de um único dente em Chouk’outien, uns ses­senta quilômetros a sudoeste de Pequim. Isso foi em 1927. Por volta de 1939, os restos de mais de quarenta indivíduos haviam sido recuperados, e novas escavações, iniciadas em 1943, no local original do Plistoceno Médio, conseguiram desvelar os remanescentes de outras partes esqueléticas. Descobriu-se que os remanescentes representavam uma forma chinesa do Homo erectus, hoje conhecida como Homo erectus pekinensis.

Instrumentos do Sinanthropus

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Infelizmente, os restos esqueléticos originais do homem de Pequim se perderam ao serem transportados para um lugar seguro, ao qual não chegaram, durante a invasão japonesa da China. Existem, porém, moldes da maior parte do material original, assim como boas fotografias e desenhos.

O volume médio do cérebro do homem de Pequim é de1 075 cc, sendo o tamanho do cérebro cerca de 20% maiorque o do homem de Java. A região da testa é pouco maisdesenvolvida no homem de Pequim do que no homem de Java. Os dentes têm forma humana, e não existe espaço en­tre o canino e o incisivo lateral no maxilar superior mas, como os pitecantropíneos, o homem de Pequim não possui queixo desenvolvido.

Muitos instrumentos de talho e corte se acharam associa­dos ao homem de Pequim.

Afirmou-se que o homem de Pequim era canibal porque se encontraram quebradas as bases de todos os crânios, e muitos ossos compridos partidos longitudinalmente por meios huma­nos. E daí se inferiu que o Sinanthropus tirava o cérebroe comia-o, como também chupava os ossos longos, para extrair- -lhes o tutano. Isto é possível, mas não está provado e, como quer que fosse, não implicaria necessariamente que o Homo erectus pekinensis praticasse habitualmente a antropofagia. Em condições de fome extrema, a maior parte dos seres humanos é capaz de canibalismo. Mas, exceto em casos aberrantes, é muito pouco provável que o homem, alguma vez, tenha re­corrido à prática de devorar os seus semelhantes, senão in extremis ou com finalidades rituais.

As analogias entre o homem de Java e o de Pequim são notáveis e, de um modo geral, parece justificar-se a conclusão de que o último representa uma variedade geográfica um pou­co mais adiantada do primeiro, e deve ser incluído entre os pitecantropíneos.

Homo erectus mauritanicus

Em junho de 1954, o Professor C. Arambourg, do Museu Nacional de História Natural de Paris, descobriu dois maxila­res inferiores humanos num fosso em Ternifine, na Argélia. Esses maxilares procediam de um horizonte plistocênico infe­rior médio (indústria camasiana), a que o Professor Aram-

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bourg atribui a idade aproximada de meio milhão de anos. Robustissimamente construídos, os maxilares carecem de quei­xos desenvolvidos e se parecem muito com os dos pitecantropí- neos, mas diferem deles o suficiente talvez para justificar a sua identificação com uma variedade mauritana do mesmo tipo, o Homo erectus mauritanicus, melhor do que Atlanthropus mau­ritanicus, nome dado pelo Professor Arambourg.

Os dentes do mauritanicus são inequivocamente humanos e muitíssimo semelhantes aos dos pitecantropíneos. Associa­das a esses maxilares se acharam sobras de muitos animais ex­tintos e inúmeros instrumentos de pedra toscamente trabalha­dos feitos de quartzito, pedra calcária e sílex, representantes do tipo mais antigo de artefatos ( abeviliano-acheuliano).

Uma porção de maxilar inferior humano, também encon­trado em 1954, num depósito do Plistoceno Médio em Sidi Abderrahman, perto de Casablanca, no Marrocos, associada a instrumentos de indústria acheuliana média, parece pertencer ao mesmo tipo mauritanicus. Assim, pela primeira vez, te­mos provas concretas da presença de tipos pitecantropíneos na África. Antes disso, em 1943, os fragmentos de três crânios descobertos num depósito Paleolítico Superior, a noroeste do Lago Eyassi, na África Oriental, haviam sido considerados por algumas autoridades pertencentes ao tipo pitecantropíneo. Con­feriu-se ao tipo representado por esses fragmentos de crânio o nome de Africanthropus. Os novos descobrimentos na África do Norte reforçam algum tanto a pretensão do Africanthropus ao status de pitecantropo.

O HOMEM DE SOLO

Perto de Ngandong, no centro de Java, em 1931, na re­gião do Rio Solo, encontraram-se onze crânios fósseis. Falta­vam os rostos e os dentes, mas os crânios, extraordinariamente espessos, revelavam nítidas semelhança? com o do Homo erectus, de um lado, e com as formas ulteriores do homem conhecido como de Neandertal, de outro. O volume médio do cérebro era de 1 100 cc.

Com os remanescentes do homjm de Solo encontraram-se amostras dos seus artefatos, em forma de vários instrumentos de osso formosamente afeiçoados, um machado feito de arma­ção de veado, uma ponta de lança farpada, e umas tantas pe­dras toscamente modeladas. O homem de Solo, portanto, pa-

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Crânio do homem de Solo, do Plistoceno Superior, de Ngandong(Java central)

rece ter sido uma forma culturalmente adiantada, pertencen­do a algum ponto do Paleolítico Superior ou Antiga Idade da Pedra Superior (veja a Tabela 4).

Nunca ficou demonstrada a associação direta de tais im­plementos com o Homo erectus, mas em toda a região sino- -malaia se descobriu uma variedade de instrumentos de talho, que pode ter sido obra dos pitecantropíneos.

O HOMEM DE WADJAK

Interessantíssima descoberta foi feita por van Rietschoten em Wadjak, a uns noventa e seis quilômetros a sudeste de Tri- nil, na região central de Java, de dois crânios humanos, durante os anos de 1889 e 1890. O descobrimento desses crânios só foi divulgado em 1922, por Dubois. Dubois afirmava que ambos pertenciam ao Plistoceno. O volume do cérebro de um deles era de 1 550 cc e o do outro, de 1 650 cc. Os crânios

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são, provavelmente, do fim do Plistoceno e pertencem, evi­dentemente, ao tipo sapiens.

O mais interessante em relação a esses crânios é a notável semelhança que oferecem com o crânio do aborígine australia­no típico de hoje, com uma diferença: o crânio do aborígine australiano atual tem um volume menor, de aproximadamente1 300 cc. É muito possível que alguns membros da população de Wadjak chegassem à Austrália durante o Plistoceno. Já se sugeriu que possuímos agora uma linha evolutiva quase con­tínua, que começa no Homo erectus, passa pelo homem de Solo e pelo homem de Wadjak, chega ao aborígine australiano.

O HOMEM DE HEIDELBERG

Numa pedreira de Mauer, a uns dez quilômetros a sudes­te de Heidelberg, na Alemanha, um operário, em 1907, en­controu um maxilar inferior maciço, de um tipo primitivo de homem, com todos os dentes no lugar. Esse maxilar per­tence ao Plistoceno Inferior Médio. E isso faz do homem de

O crânio de Steinheim, do Plistoceno Médio de Steinheim-am-Murr. O primeiro exemplo do tipo neandertalóide

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O maxilar de Heidelberg

Heidelberg um dos mais velhos fósseis humanos autenticados que conhecemos.

Os dentes são um pouquinho maiores que os do homem comum de hoje, mas incluem-se perfeitamente entre os limi­tes normais de variação do homem moderno. O lado do ma­xilar (ramo montante) é muito largo, e o queixo não é de­senvolvido. O homem de Heidelberg pode ser precursor do homem de Neandertal e parente do homem de Solo.

O HOMEM DA RODÉSIA

Um crânio completo, com exceção do maxilar inferior, e mais alguns ossos do corpo, além de um parietal e um maxilar superior de outro indivíduo, todos do Plistoceno Superior, de um tipo primitivo de homem, foram achados numa caverna em Broken Hill, na Rodésia do Norte, hoje conhecida como Zâmbia, em 1921. Combinando traços neandertalóides com traços semelhantes aos do homem moderno, o homem da Ro­désia tinha um volume cerebral de 1 280 cc, maciças protu- berâncias frontais, um grande e saliente maxilar superior, e um palato desmesurado. Os dentes se parecem muito com os do homem contemporâneo, e um fato curioso é estarem todos muito estragados, o que prova que os maus dentes não são privilégio dos tempos atuais. A presença de traços que osten­tam semelhança com os do homem de Solo, os do homem de Neandertal, e os do homem moderno contribui para emprestar grande interesse ao crânio rodesiano. E dá a entender que o homem da Rodésia pode ser, na realidade, um produto evolu­tivo da mistura, entre outras coisas, desses tipos.

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Crânio do homem da Rodésia

Encontraram-se, ao lado dos restos, implementos de nó- dulos de sílex e quartzo, da cultura africana de lascas, conhe­cida como Stillbay e Proto-Stillbay da Idade da Pedra Média.

Em 1953, descobriu-se outro crânio de homem da Rodé­sia, juntamente com artefatos (objetos feitos pelo homem), a uns vinte e quatro quilômetros da Baía de Saldanha, a quase cem quilômetros ao norte da Cidade do Cabo, na África do Sul, e a uns dois mil e quatrocentos quilômetros de Broken Hill, onde foi achado o primeiro crânio. Isto prova que o homem da Rodésia percorria extensamente a África.

No crânio faltam apenas a base, o rosto e o maxilar in­ferior, mas a calota, com as suas partes laterais e posterior e a grande protuberância frontal, mostra, de maneira concludente, que estamos aqui diante da mesma mistura de traços do ho­mem de Solo, do homem de Neandertal e do homem moderno, que caracterizou o homem da Rodésia I.

No homem da Rodésia, portanto, talvez tenhamos um elo entre o homem de Solo de Java, o homem de Neandertal de muitas partes do mundo, e o tipo de homem moderno, ou neantrópico, como, às vezes, é chamado.

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Instrumentos encontrados em associação com o homem da Rodésia (Cortesia do Museu Britânico [História Natural])

O HOMEM DE NEANDERTAL

Quase toda a gente já ouviu falar no homem de Neander- tal. Esse tipo de homem é conhecido através dos restos de mais de uma centena de indivíduos, e sabemos que houve mui­tas variedades diferentes dele. O homem de Neandertal é um tipo do Plistoceno Superior.

A primeira coisa interessante que se pode dizer a seu res­peito é que o cérebro, em média, era maior que o do homem

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moderno. O cérebro de Neandertal tinha um volume médio de 1 550 cc, ao passo que o do homem contemporâneo é de cerca de 350 cc. Visto que o homem de Neandertal flores­ceu há cerca de 150 000 anos e cessou de florescer, como tipo, há uns 40 000, mais ou menos, somos levados a presumir que o tamanho menor do cérebro humano moderno resulta de uma tendência evolutiva ou que o cérebro avantajado do homem de Neandertal era um atributo peculiar a esse tipo. Em face dos indícios fornecidos por outros tipos primitivos de homem

Crânio do homem de Neandertal, de La ChapclIe-aux-Saints. As áreas sombreadas diagonalmente são reconstruídas

temos razões para acreditar que o cérebro humano realmente diminuiu de tamanho e estabilizou-se, há coisa de 50 000 anos, no tamanho atual. A despeito dos prognósticos dos colabora­dores dos suplementos dominicais dos jornais, é pouquíssimo provável que o cérebro humano venha a evoluir no sentido de aumentar em volume. Nem é preciso que o faça. Pode

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aumentar em complexidade sem aumentar em tamanho. Pode ampliar a sua área superficial sem acréscimo de volume, pelo simples aumento e aprofundamento das circunvoluções.

O homem de Neandertal propendia a ter uma testa um tanto fugidia, com protuberâncias frontais bem desenvolvidas, pesada mandíbula sem queixo e a parte posterior da cabeça (occipício) proeminente. Por carecerem dos mais rudimenta­res conhecimentos de Anatomia, algumas “ autoridades” , que se meteram a “ reconstruir” o homem de Neandertal, figuraram- -no com o pescoço taurino, traços grotescos, andar curvado, durante o qual, diziam, os joelhos se chocavam! Asseverou-se também, amiudadas vezes, que o homem de Neandertal devia ser pouco inteligente porque tinha a testa curta. Todas essas alegações são totalmente indefensáveis. O homem de Neander­tal caminhava tão erecto quanto qualquer homem moderno, não tinha pescoço taurino, nem joelhos chocalhantes. E faz muito tempo que inúmeros investigadores científicos independentes provaram que nem a forma da testa nem a da cabeça tem qual­quer relação com a inteligência. Na realidade, a testa do ho­mem de Neandertal era muito bem desenvolvida. Fazia-a pa­recer curta a presença de maciças protuberâncias frontais (bos­sas supra-orbitais). Sobejam, na verdade, razões para se acre­ditar que o homem de Neandertal fosse tão inteligente quanto o homem contemporâneo. Foi ele quem fez os belos instru­mentos que se atribuem à cultura musteriana (em homenagem a Le Moustier, no sul da França, onde foram encontrados pela primeira vez). Fazia bolas de sílex, perfuradores, discos, ras­padeiras, facas de pedra, e desenvolveu o uso de pigmentos minerais, como o ocre vermelho, em cerimônias e, provavel­mente, para outras finalidades. O homem de Neandertal tam­bém introduziu o sepultamento cerimonial dos mortos, dando assim a entender que possuía um sistema religioso altamente desenvolvido.

Durante muito tempo se acreditou que o homem de Ne­andertal tivesse sido exterminado por homens do nosso tipo. Não havia fundamento algum para essa crença, senão o tipo de teorização que caracterizou os pensadores do século XIX da escola da “ sobrevivência do mais apto” , que acreditavam fosse a guerra tão velha quanto o homem e o processo pelo qual uma raça sujeitava e exterminava outra. Visto que os remanescentes do homem de Neandertal são conhecidos em quase todas as partes da terra onde se encontraram fósseis hu-

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Instrumentos da indústria musteriana

manos, não é lícito supor que ele tivesse sido exterminado em toda parte. É muito para duvidar até que tenha sido exter­minado em algum lugar. A verdade, ao que tudo indica, é que se deve ter misturado a todas as populações que encontrou, sendo, com o correr do tempo, absorvido por elas. Foi isso, sem dúvida, o que aconteceu no Oriente Médio e na Europa,

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onde se vêem ainda muitas pessoas que exibem traços da sua remota ascendência neandertalense. Esses traços podem ser observados nas pesadas protuberâncias frontais, nas órbitas oculares fundas, nas testas fugidias e nas regiões mentonianas pouco desenvolvidas.

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Crânio neandertalense de M a-pa, China

PRIMEIRAS MISTURAS DE DIFERENTES TIPOS DE HOMEM

Conquanto as populações de homens primitivos fossem muito reduzidas, há boas razões para se acreditar que, ao se encontrarem, essas populações faziam exatamente o que fazem as populações modernas quando se encontram: cruzavam-se. Os indícios reais desse cruzamento, até há pouco tempo, eram conjeturais mas, no correr dos anos de 1931 e 1932, as provas se robusteceram. Durante esse período, descobriu-se uma co-

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T a b u n I. Crânio do tipo neandertalense de M onte Carmelo, em Israel. As áreas sombreadas diagonalmente são reconstituídas

leção de fósseis neandertalóides em cavernas, nas encostas do Monte Carmelo, na Palestina.

Aqui se depararam dois tipos, um claramente neandertalês, nas cavernas de Tabun, e outro muito próximo do homem mo­derno, nas cavernas de Skhul, a poucos metros de distância. Entre os dois tipos havia toda a sorte de formas intermediá­rias. Os indícios revelam que os restos das duas cavernas, de um modo geral, eram contemporâneos. O processo do radio- carbônio indica-lhes uma idade de 45 000 anos a. p. (antes do presente). É provável que tenha havido cruzamento entre uma forma semelhante à do homem moderno e o homem de Nean­dertal e que a população do Monte Carmelo fosse o produto desse cruzamento.

Sobram razões para se acreditar que um cruzamento se­melhante ( hibridização) tenha ocorrido entre as populações durante toda a longa pré-história do homem.

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Skhul V (lado direito invertido). Crânio de um tipo misto, de N eanderta l e do tipo moderno de homem

0 HOMEM DE CRO-MAGNON

Os homens de Cro-Magnon são os apoios do mundo pré- -histórico. O homem de Cro-Magnon foi descoberto em 1868, na aldeiazinha de Les Eyzies, no sul da França central, num abrigo rochoso chamado Cro-Magnon. Encontraram-se os res­tos de treze outros indivíduos, entre 1872 e 1902, nas caver­nas das Rochas Vermelhas da Costa Azul, a uns quarenta mi­nutos a pé de Mentone, na Riviera italiana. Um esqueleto sem cabeça, incompleto, achado na Caverna de Paviland, no sudo­este do País de Gales, em 1832, pertence, quase certamente, à variedade cro-magnônica.

Os cro-magnons tinham cerca de 1,78 m de altura, um volume cerebral que chegava, nos espécimes maiores, a 1 660

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Crânio de um espécime masculino de Cro-Magnon

cc, rosto reto, nariz bem desenvolvido, proeminente, testa alta e mandíbula forte. Fizeram belíssimos implementos de osso, ligados a uma indústria conhecida pelo nome de aurigna- ciana (nome que vem de Aurignac, na França, onde foram encontrados pela primeira vez).

O homem de Cro-Magnon é um homem moderno em to­dos os sentidos, mas não temos ainda a menor idéia de onde veio nem de como apareceu.

Confronto entre os maxilares inferiores do homem de Heidelberg, do chimpanzé e do homem moderno

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Molde do cérebro do gibão

Molde do cérebro do chimpanzé

Molde do cérebro do gorila

Molde do cérebro do Pitecantropo

Molde do cérebro d j Homem de N e a n d c t;!

La Chapelle-Aux-Saint.

Molde do cérebro do homem moderno

Com paração entre as dos crânios c os

Seção do crânio do chimpanzé

w MMaxiiar inferior do chimpanzé

Maxilar inferior do orangotango

Seção do crámo Maxilar jnfer!or

d° neandertalô.de Face restaurada primitivo de

Ehringsdorf

Seção do crânio do Homem de Neandertal

La Chapelle-Aux-Salnts

Maxilar inferior do Homem de Heidelberg

Maxilar inferior do Homem de Neandertal

La Chapelle-Aux-Saints

Maxilar inferior do Homem de Cro-Magnon

Seção do crânio do Homem de Cro-Magnon

Maxilar inferior do homem branco moderno

formas dos ccrebros, as secções sagitais médias aspectos internos dos maxilares inferiores

e antropóides e do homem

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Homem de Neandertal

■Homem moderno

Homo sapietts fossilis

Sinanthropus

Homo erectus erectus

Chimpanzé

Confronto entre os tamanhos de cérebro: Chimpanzé, 400 cc, Hom o erectus erectus, 860 cc, Sinanthropus, 1 075 cc, H om o sapiens

fossilis, 1 300 cc, homem moderno, 1 400 cc, homem de Neandertal, 1 550 cc

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INTRODUÇÃO A ANTROPOLOGIA

Ashley Montagu

Uma lúcida apresentação das conquistas da antropo­logia, descrevendo a história fundamental do desen­volvimento físico e cultural do homem. Escrito em estilo direto e focalizando de maneira sistemática e progressiva uma ampla gama de temas, centrados em torno da ascendência primata do homem, sua diferen­ciação nos variados grupos étnicos que hoje conhe­cemos e suas diversas respostas culturais ao meio- -ambiente, este livro constitui um excelente manual para os cursos introdutórios de antropologia em nível superior.

E D I T O R A C U L T R I X