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Artigos de Hans-Hermann Hoppe A justificativa ética do capitalismo e por que o socialismo é moralmente indefensável p. 1 Por que a monarquia é superior à democracia p. 10 Por que é impossível argumentar contra a propriedade privada sem cair em autocontradição p. 12 A origem da propriedade privada e da família p. 15 A análise de classe marxista vs. a análise de classe austríaca p. 23 A justificativa ética do capitalismo e por que o socialismo é moralmente indefensável por Hans-Hermann Hoppe, quinta-feira, 18 de abril de 2013 Da mesma forma que existem pessoas que acreditam que a riqueza econômica e os padrões de vida são os critérios mais importantes na hora de avaliar uma sociedade — e não pode haver dúvidas de que, para muitos, o padrão de vida é uma questão da mais alta importância —, há também pessoas que não dão muita importância à riqueza econômica e que qualificam outros valores como mais elevados. Tal postura é perfeita para o socialismo, pois desta forma ele pode silenciosamente esquecer a sua reivindicação original de ser capaz de trazer mais prosperidade à humanidade e, em vez disso, recorrer à afirmação completamente diferente, mas ainda assim mais inspiradora, de que embora o socialismo possa não ser a chave para a prosperidade, ele significaria justiça, equidade e moralidade (todos termos usados aqui como sinônimos). E ainda pode argumentar que uma compensação entre eficiência e justiça, uma troca de "menos riqueza" por "mais justiça", é justificada, uma vez que justiça e equidade são fundamentalmente mais valiosas do que riqueza econômica. Essa alegação será estudada detalhadamente neste artigo. E ao fazê-lo, serão analisadas duas afirmações separadas, mas correlacionadas: (1) a afirmação feita particularmente por socialistas marxistas e social-democratas, e, em menor grau, pelos conservadores socialistas, de que é possível formular um argumento a favor do socialismo baseado em princípios por causa do valor moral de seus princípios e, mutatis mutandis, que o capitalismo não pode ser moralmente defendido; e (2) a afirmação do socialismo empírico de que as afirmações normativas ("deveria" ou "tem que") — uma vez que não se relacionam unicamente aos fatos, nem simplesmente declaram uma definição verbal, e, portanto, não são afirmações analíticas nem empíricas — não são realmente afirmações, pelo menos não afirmações que possam ser chamadas de "cognitivas" num sentido mais amplo, mas meras "expressões verbais" usadas para expressar ou despertar sentimentos (tais como "Opa!" ou "Rrrrrr"). A segunda afirmação, a empírica, ou pretensão "emotivista", como é chamada a sua posição aplicada ao campo da moral, será tratada em primeiro lugar, dada a sua maior abrangência. A posição emotivista é derivada da aceitação da afirmação central empírica-positivista de que a distinção dicotômica entre as afirmações 1

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Alguns artigos de Hoppe extraídos do Mises BR.

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Page 1: Artigos de Hoppe

Artigos de Hans-Hermann Hoppe

A justificativa ética do capitalismo e por que o socialismo é moralmente indefensável p. 1Por que a monarquia é superior à democracia p. 10Por que é impossível argumentar contra a propriedade privada sem cair em autocontradição p. 12A origem da propriedade privada e da família p. 15A análise de classe marxista vs. a análise de classe austríaca p. 23

A justificativa ética do capitalismo e por que o socialismo é moralmente indefensávelpor Hans-Hermann Hoppe, quinta-feira, 18 de abril de 2013

Da mesma forma que existem pessoas que acreditam que a riqueza econômica e os padrões de vida são os critérios mais importantes na hora de avaliar uma sociedade — e não pode haver dúvidas de que, para muitos, o padrão de vida é uma questão da mais alta importância —, há também pessoas que não dão muita importância à riqueza econômica e que qualificam outros valores como mais elevados.

Tal postura é perfeita para o socialismo, pois desta forma ele pode silenciosamente esquecer a sua reivindicação original de ser capaz de trazer mais prosperidade à humanidade e, em vez disso, recorrer à afirmação completamente diferente, mas ainda assim mais inspiradora, de que embora o socialismo possa não ser a chave para a prosperidade, ele significaria justiça, equidade e moralidade (todos termos usados aqui como sinônimos). E ainda pode argumentar que uma compensação entre eficiência e justiça, uma troca de "menos riqueza" por "mais justiça", é justificada, uma vez que justiça e equidade são fundamentalmente mais valiosas do que riqueza econômica.

Essa alegação será estudada detalhadamente neste artigo. E ao fazê-lo, serão analisadas duas afirmações separadas, mas correlacionadas: (1) a afirmação feita particularmente por socialistas marxistas e social-democratas, e, em menor grau, pelos conservadores socialistas, de que é possível formular um argumento a favor do socialismo baseado em princípios por causa do valor moral de seus princípios e, mutatis mutandis, que o capitalismo não pode ser moralmente defendido; e (2) a afirmação do socialismo empírico de que as afirmações normativas ("deveria" ou "tem que") — uma vez que não se relacionam unicamente aos fatos, nem simplesmente declaram uma definição verbal, e, portanto, não são afirmações analíticas nem empíricas — não são realmente afirmações, pelo menos não afirmações que possam ser chamadas de "cognitivas" num sentido mais amplo, mas meras "expressões verbais" usadas para expressar ou despertar sentimentos (tais como "Opa!" ou "Rrrrrr").

A segunda afirmação, a empírica, ou pretensão "emotivista", como é chamada a sua posição aplicada ao campo da moral, será tratada em primeiro lugar, dada a sua maior abrangência. A posição emotivista é derivada da aceitação da afirmação central empírica-positivista de que a distinção dicotômica entre as afirmações empírica e analítica é de natureza totalmente inclusiva; isto é, qualquer afirmação, seja ela qual for, deve ser empírica ou analítica, nunca podendo ser ambas ao mesmo tempo. Essa posição, como veremos, acaba por ser auto-destrutiva se fizermos uma análise mais minuciosa, assim como o empirismo em geral acaba por ser auto-destrutivo.

Se o emotivismo é uma posição válida, então, a sua proposição básica sobre as afirmações normativas deve, por si só, ser analítica ou empírica, ou então deve ser uma expressão das emoções. Se for tida como analítica, será, então, um mero subterfúgio verbal, sem nada a dizer sobre qualquer coisa real, apenas definindo um som por outro, e o emotivismo seria, dessa forma, uma doutrina vazia. Se, em vez disso, for tida como empírica, a doutrina não teria qualquer peso à medida que sua proposição central poderia muito bem estar errada. Em todo o caso, certa ou errada, seria apenas uma proposição demonstrando um fato histórico, ou seja, como certas expressões foram usadas no passado, o que por si só não fornece qualquer razão pela qual seria este também o caso no futuro e, portanto, por que se deveria ou não procurar afirmações normativas que são mais do que expressões de emoções que se pretendem justificáveis.

E a doutrina emotivista também perderia todo o seu peso se a terceira alternativa fosse adotada e se uma afirmação do tipo "uau!" fosse declarada como seu princípio central. Pois, se este fosse o caso, não haveria então qualquer razão pela qual se deveria relacionar e interpretar de certa forma determinadas afirmações e, portanto, se os próprios instintos e sentimentos de uma pessoa não coincidissem com o "oba!" de outra, não haveria nada que pudesse impedi-la de seguir os seus próprios sentimentos. Assim como uma afirmação normativa não seria mais do que o ladrar de um cão, a posição emotivista não seria mais do que comentar latindo sobre o ato de ladrar.

Por outro lado, se a afirmação central do empirismo-emotivismo, ou seja, a de que as afirmações normativas não têm significado cognitivo, mas são simples expressões de sentimentos, for por si só considerada uma afirmação significativa para transmitir que se deveria pensar em todas as afirmações que não são analíticas ou empíricas como meros símbolos de expressão, a posição emotivista então se torna completamente contraditória. Assim, essa posição deve considerar,

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pelo menos implicitamente, que determinadas ideias, ou seja, as relativas às afirmações normativas, não podem ser simplesmente compreendidas e dotadas de significados, mas podem ser justificativas dadas enquanto afirmações com significados específicos.

Consequentemente, deve-se concluir que o emotivismo titubeia, porque se fosse verdade, não se poderia, então, nem mesmo dizer e atribuir significado ao que se diz — simplesmente não existiria como uma posição que pudesse ser discutida e avaliada no que tange à sua validade. Mas se for uma posição significativa que possa ser discutida, este fato então desmente a sua própria premissa básica. Além disso, deve-se observar que o fato de que esta é realmente uma posição significativa não pode nem mesmo ser refutado, como não se pode comunicar e argumentar que não se pode comunicar e argumentar.

No entanto, isto deve ser pressuposto de qualquer posição intelectual, que é dotada de significado e que pode ser debatida em relação ao seu valor cognitivo, simplesmente porque é apresentada numa linguagem e comunicada. Argumentar o contrário significaria admitir implicitamente a sua validade. Somos obrigados, então, a aceitar a abordagem racionalista em relação à ética pela mesma razão que se obrigou a adotar uma epistemologia racionalista em vez de uma epistemologia empírica.

No entanto, com o emotivismo sendo assim rejeitado, ainda estou muito longe, ou assim parece, do meu objetivo definido, que eu divido com os socialistas marxistas e conservadores, de demonstrar que pode ser formulado um argumento baseado em princípios a favor ou contra o socialismo ou o capitalismo. O que consegui até agora foi chegar à conclusão de que se as afirmações normativas são ou não cognitivas isto é, por si só, um problema cognitivo. No entanto, isto ainda parece ser muito diferente de provar que as propostas de normas efetivas podem ser realmente expostas como sendo válidas ou inválidas.

Felizmente, essa impressão está errada e já se conseguiu muito mais aqui do que se poderia imaginar. O argumento anterior nos mostra que qualquer afirmação da verdade — afirmação ligada a qualquer proposição que seja verdadeira, objetiva ou válida (todos termos usados aqui como sinônimos) — é e deve ser feita e resolvida no curso de uma argumentação. E uma vez que não se pode refutar que isto é assim (não se pode comunicar e argumentar que não se pode comunicar e argumentar) e se deve considerar que todo mundo sabe o que significa alegar que algo é verdadeiro (não se pode negar esta afirmação sem afirmar sua negação como sendo verdadeira), tal estrutura foi sagazmente chamada de o "a priori da comunicação e da argumentação".[1]

Agora, argumentar nunca se baseia apenas em proposições flutuando livremente que alegam ser verdadeiras. Antes, também a argumentação é sempre uma atividade. Mas considerando que as alegações de verdade são levantadas e decididas numa argumentação e que a argumentação, além de tudo o que é dito durante o seu desenvolvimento, é um assunto prático, deduz-se que as normas intersubjetivamente significativas que devem existir — especificamente aquelas que realizam alguma ação numa argumentação — tem um status cognitivo especial em que elas são pré-condições práticas de objetividade e verdade.

Portanto, chegamos à conclusão de que as normas devem realmente ser consideradas justificáveis enquanto válidas. É simplesmente impossível argumentar o contrário porque a capacidade para argumentar, de fato, pressupõe a validade daquelas normas que constituem a base de qualquer argumentação.[2]

Portanto, a resposta à questão de quais fins podem ou não ser justificados é deduzida do conceito de argumentação. E, com isso, o papel peculiar da razão em determinar o conteúdo da ética também recebe uma descrição precisa. Em contraste com o papel da razão em estabelecer leis empíricas da natureza, a razão pode alegar produzir resultados na determinação de leis morais, que podem ser mostradas como sendo válidas a priori. Isto só torna explícito o que já está implícito no conceito de argumentação; e ao analisar qualquer proposta de norma efetiva, sua tarefa está confinada a analisar se é ou não logicamente consistente com a própria ética que o proponente deve pressupor como válida na medida em que ele é capaz de fazer, sob qualquer condição, a sua proposta.[3]

Mas o que é a ética implícita na argumentação cuja validade não pode ser refutada, pois refutá-la exigiria implicitamente pressupô-la?

De forma muito frequente tem sido observado que a argumentação significa uma proposição que reivindica uma aceitabilidade universal, ou, se uma norma for proposta, que seja "universalizável". Aplicada à propositura de normas, esta é a ideia, como formulada na Regra de Ouro da ética ou no Imperativo Categórico Kantiano, de que somente aquelas normas que podem ser justificadas é que podem ser formuladas como princípios gerais que são válidos para todos sem exceção.[4]

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De fato, como a argumentação implica que todos que possam entender um argumento devem, em princípio, ser capazes de ser convencidos por ele devido à sua força argumentativa, o princípio de universalização da ética pode agora ser entendido e explicado como fundamentado na mais ampla "comunicação e argumentação a priori". Porém, o princípio da universalização fornece apenas um critério puramente formal para a moralidade. Na verdade, comparadas com esse critério, pode se mostrar que todas as propostas de normas válidas que especificariam regras diferentes para diferentes classes de pessoas não podem legitimamente reivindicar serem universalmente aceitáveis como normas justas, a menos que a distinção entre as diferentes classes de pessoas fosse de tal forma que não implicasse em discriminação, mas que pudesse ser aceita novamente por todos como fundada na natureza das coisas.

Mas enquanto algumas normas podem não passar pelo teste da universalização, se for dada atenção suficiente à sua formulação, as normas mais ridículas, e o que é logicamente ainda mais relevante, até mesmo as normas abertamente incompatíveis poderiam facilmente e igualmente passar no teste. Por exemplo, "todo mundo tem que ficar bêbado aos domingos ou serão multados" ou "qualquer um que beba álcool será punido" são ambas regras que não permitem discriminação entre grupos de pessoas e, portanto, poderiam ambas alegar que satisfazem a condição de universalização.

Claramente, portanto, o princípio da universalização por si só não forneceria qualquer conjunto positivo de normas que pudesse ser demonstrada como justificada. No entanto, há outras normas positivas contidas na argumentação, além do princípio da universalização. A fim de reconhecê-las, é necessário apenas chamar a atenção para três fatos relacionados. Primeiro que a argumentação não é somente uma questão cognitiva, mas também prática. Segundo, que a argumentação, como uma forma de ação, inclui o uso do recurso escasso do corpo de alguém. E terceiro, que a argumentação é uma forma de interação livre de conflito. Não no sentido de que há sempre concordância sobre o que foi dito, mas no sentido de que uma vez que a argumentação está em desenvolvimento é sempre possível concordar pelo menos com o fato de que há uma discordância sobre a validade do que foi dito. E dizer isto não é nada mais do que um reconhecimento mútuo de que o controle exclusivo de cada pessoa sobre o seu próprio corpo deve estar pressuposto enquanto houver argumentação (observe novamente que é impossível negar este fato e afirmar que sua negação seja verdadeira sem ter que implicitamente admitir a sua verdade).

Consequentemente, teríamos que concluir que a norma contida na argumentação é que todo mundo tem o direito de controle exclusivo sobre o seu próprio corpo como seu instrumento de ação e cognição. Somente se houver pelo menos um reconhecimento implícito do direito de cada indivíduo sobre a propriedade de seu próprio corpo é que pode haver argumentação.[5] Apenas enquanto esse direito for reconhecido é possível para alguém concordar com aquilo que foi dito num argumento e, consequentemente, aquilo que foi dito pode ser validado, ou é possível dizer "não" e concordar apenas com o fato de que há discordância.

Realmente, qualquer um que tentasse justificar qualquer norma já teria que pressupor o direito de propriedade de seu corpo como uma norma válida, simplesmente para dizer "isto é o que eu afirmei como sendo verdadeiro e objetivo". Qualquer pessoa que tentasse contestar o direito de propriedade sobre o seu próprio corpo ficaria preso numa contradição, à medida que argumentar dessa forma e reivindicar seu próprio argumento como sendo verdadeiro já seria implicitamente aceitar essa norma como sendo válida.

Portanto, pode-se afirmar que toda vez que uma pessoa alega que alguma afirmação pode ser justificada ela considera, pelo menos implicitamente, a norma seguinte para ser justificada: "Ninguém tem o direito de agredir o corpo de outra pessoa sem permissão e dessa forma delimitar ou restringir o controle de outrem sobre o seu próprio corpo". Esta regra está contida no conceito de justificação enquanto justificação argumentativa. Justificar significa justificar sem ter que depender de coerção. De fato, se é possível formular o contrário dessa regra, ou seja, que "todo mundo tem o direito de agredir outra pessoa sem permissão" (uma regra que, a propósito, passaria no teste formal do princípio da universalização!), então é fácil ver que essa regra não é, e nunca poderia ser, defendida numa argumentação. Fazê-lo exigiria pressupor exatamente a validade do oposto disso, ou seja, o supracitado princípio da não-agressão.

Com essa justificação da norma de propriedade em relação ao corpo de uma pessoa, pode parecer que não se obteve muita coisa, enquanto os conflitos sobre os corpos, para os quais o princípio da não-agressão formula uma solução universalmente justificável de forma a tentar impedi-los, representam apenas uma pequena parte de todos os conflitos possíveis. Porém, essa impressão não é correta. Certamente, as pessoas não vivem apenas de ar e de amor. Elas também precisam de um número maior ou menor de outras coisas, simplesmente para sobreviver — e, obviamente, só aquele que sobrevive pode manter uma argumentação, quiçá levar uma vida confortável. Com relação a todas as outras coisas, as normas também são necessárias, uma vez que poderiam surgir avaliações conflituosas acerca do seu uso.

Mas, de fato, qualquer outra norma deve ser logicamente compatível com o princípio da não-agressão para ser ela própria justificada e, mutatis mutandis, toda norma que se mostrasse incompatível com esse princípio teria que ser considerada inválida. Além do mais, enquanto as coisas com relação às quais as normas têm que ser formuladas são

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bens escassos — assim como o corpo de alguém é um bem escasso, e assim como só é necessário formular normas porque os bens são escassos e não porque eles sejam tipos específicos de bens escassos —, as especificações do princípio da não-agressão, concebido como norma especial da propriedade que se refere a um tipo específico de bens, já devem conter aquelas de uma teoria geral da propriedade.

Considerarei primeiro essa teoria geral da propriedade como um conjunto de regras aplicáveis a todos os bens com o propósito de ajudar a evitar todos os conflitos possíveis por meio de princípios uniformes, e irei em seguida demonstrar como essa teoria geral está contida no princípio da não-agressão. Uma vez que segundo o princípio da não-agressão uma pessoa pode fazer com o seu corpo tudo aquilo que quiser na medida em que, desse modo, ela não agrida o corpo de outra pessoa, essa pessoa poderia usar outros meios escassos, assim como usar o seu próprio corpo, desde que essas outras coisas já não tenham sido apropriadas por alguém e continuem num estado natural sem dono.

Enquanto os recursos escassos são visivelmente apropriados — tão logo alguém "mistura o seu trabalho", para usar a frase de John Locke, com esses recursos e há traços objetivos dessa ação — , a propriedade, ou seja, o direito de controle exclusivo, só pode ser adquirida por uma transferência contratual de títulos de propriedade de um proprietário anterior para o atual, e qualquer tentativa de delimitar unilateralmente esse controle exclusivo de proprietários anteriores ou qualquer transformação não solicitada das características físicas dos meios escassos em questão é, numa analogia estrita com as agressões contra os corpos de terceiros, uma ação injustificável.

A compatibilidade desse princípio com o da não-agressão pode ser demonstrada por meio de um argumentum a contrario. Em primeiro lugar, deveria ser observado que se ninguém tiver o direito de adquirir e controlar nada, exceto o seu próprio corpo (uma regra que passaria no teste formal do princípio da universalização), nós deixaríamos então de existir e o problema da justificação das afirmações normativas (ou, para essa questão, qualquer outro problema de interesse desta obra) simplesmente não existiria. A existência desse problema só é possível porque estamos vivos e a nossa existência deve-se ao fato de que não aceitamos, e realmente não podemos aceitar, uma norma que proíba a propriedade de outros bens escassos depois e além do corpo físico de alguém.

Consequentemente, deve ser considerado como existente o direito de adquirir esses bens. Agora, se for assim, e se não se tem o direito de adquirir esses direitos de controle exclusivo sobre as coisas não usadas dadas pela natureza através de seu próprio trabalho, ou seja, ao fazer algo com as coisas com as quais ninguém jamais tinha feito nada antes, e se outras pessoas tivessem o direito de desconsiderar a reivindicação de propriedade de alguém no que se refere a essas coisas com as quais não tinha trabalhado ou que não as havia colocado anteriormente em algum uso específico, isso só seria possível, então, se fosse possível adquirir títulos de propriedade não mediante o trabalho, ou seja, pela definição de uma ligação objetiva intersubjetivamente controlada entre uma determinada pessoa e um recurso escasso específico, mas simplesmente por declaração verbal; por decreto.[6]

No entanto, adquirir títulos de propriedade através de declaração é incompatível com o já justificado princípio da não-agressão em relação aos corpos. Por uma razão, se fosse realmente possível adquirir a propriedade por decreto, isso significaria que também seria possível para alguém simplesmente declarar o corpo de outra pessoa como sendo de sua propriedade. Contudo, isso claramente entraria em conflito com a regra do princípio da não-agressão que estabelece uma nítida distinção entre o corpo de alguém e o corpo de outrem. E essa distinção só pode ser feita de forma clara e sem ambiguidades porque para os corpos, como para nenhum outro, a separação entre "meu" e "seu" não é baseada em declarações verbais, mas na ação. (A propósito, uma decisão entre reivindicações declaratórias rivais não pode ser tomada, a menos que haja algum outro critério objetivo que não uma declaração).

A separação é baseada na observação de que alguns recursos escassos específicos foram, de fato, feitos como uma expressão ou materialização da vontade de alguém ou, como pode ser o caso, da vontade de outrem. Além disso, e ainda mais importante, dizer que a propriedade é adquirida não através da ação, mas mediante uma declaração, envolve uma contradição prática, pois, desse modo, ninguém poderia dizer e declarar, a menos que apesar do que foi realmente dito, seu direito de controle exclusivo sobre o seu próprio corpo enquanto seu próprio instrumento de dizer qualquer coisa já tivesse, de fato, sido pressuposto.

Demonstramos agora que o direito de apropriação original por meio de ações é compatível com, e está incluído no, princípio da não-agressão como pressuposto logicamente necessário da argumentação. Indiretamente, é claro, foi também demonstrado que qualquer regra que especifique direitos diferentes, tal como uma teoria socialista da propriedade, não pode ser justificada. Porém, antes de iniciar uma análise mais detalhada de por que toda ética socialista ser indefensável — uma discussão que deveria lançar algumas luzes adicionais sobre a importância de algumas das condições da teoria capitalista da propriedade "natural" —, devem ser feitas algumas observações sobre o que está ou não implícito na classificação dessas últimas normas como justificáveis.

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Ao fazer essa afirmação, não é necessário alegar ter deduzido um "dever" a partir de um "é". De fato, pode-se prontamente apoiar a visão geralmente aceita de que o abismo entre "dever" e "é" é logicamente intransponível. No entanto, classificar dessa forma as regras da teoria natural da propriedade é uma questão puramente cognitiva. Não mais resulta da classificação do princípio fundamental do capitalismo como sendo "justo" ou "correto", de acordo com o qual se deve agir e deduz-se o conceito de validade ou verdade pelo qual se deve sempre lutar. Dizer que esse princípio é correto também não exclui a possibilidade das pessoas proporem ou até mesmo de imporem regras que são incompatíveis com ele. Na verdade, no que tange às normas, a situação é muito semelhante ao de outras disciplinas de investigação científica.

O fato de que, por exemplo, determinadas afirmações empíricas são justificadas ou justificáveis e de que outras não são, não significa que todo mundo só defende afirmações válidas objetivas. Em vez disso, as pessoas podem estar erradas, até mesmo intencionalmente. Mas a distinção entre objetivo e subjetivo, entre verdadeiro e falso, não perde nada de seu significado por causa disso. Mais propriamente, as pessoas que estão erradas teriam que ser classificadas como desinformadas ou intencionalmente mentirosas. O argumento é semelhante no que se refere às normas. Obviamente, há muitas pessoas que não propagam ou impõem normas que podem ser classificadas como válidas de acordo com o significado de justificação que eu apresentei anteriormente. Mas a distinção entre normas justificáveis e não-justificáveis não se desfaz por causa disso, assim como aquela entre afirmações objetivas e subjetivas não se desintegram por causa da existência de pessoas desinformadas ou mentirosas.

Em vez disso, e consequentemente, aquelas pessoas que iriam propagar e impor essas diferentes normas inválidas teriam de novo que ser classificadas como desinformadas ou desonestas na medida em que havia sido explicado a elas e realmente deixado claro que suas propostas de normas alternativas ou sanções não poderiam e nunca seriam justificáveis numa argumentação. E haveria mais justificativa por fazê-lo dessa forma no argumento moral do que no argumento empírico, uma vez que a validade do princípio de não-agressão e o do princípio da apropriação original mediante ação, como seu corolário logicamente necessário, deve ser considerada por ser ainda mais básico do que quaisquer tipos de afirmações válidas ou verdadeiras. Pois o que é válido e verdadeiro tem que ser definido como aquilo em que todos agindo de acordo com esse princípio talvez possam concordar. Na realidade, como já foi mostrado, pelo menos a aceitação implícita dessas regras é o pré-requisito necessário para, de qualquer modo, ser capaz de viver e argumentar.[7]

Por qual razão, então, as teorias socialistas da propriedade de quaisquer tipos falham em serem justificáveis como válidas? Em primeiro lugar, deve-se observar que todas as versões realmente praticadas do socialismo e a maioria de seus modelos propostos teoricamente também não passariam pelo primeiro teste formal do princípio da universalização e, por este fato, fracassariam por si mesmas! Todas essas versões contêm normas dentro de seu enquadramento de regras legais que seguem a fórmula "algumas pessoas podem e algumas pessoas não podem".

Porém, essas regras que especificam direitos ou obrigações diferentes para classes diferentes de pessoas não têm chance, por razões puramente formais, de serem aceitas como justas por cada participante potencial de uma argumentação. A não ser que a distinção feita entre classes diferentes de pessoas passe a ser aquela que é aceitável por ambos os lados como fundamentada na natureza das coisas, essas regras não seriam aceitáveis porque significariam que um grupo seria recompensado por privilégios legais às custas de discriminações complementares contra outro grupo.

Por esse motivo, algumas pessoas, tanto aquelas que são autorizadas a fazer algo quanto aquelas que não são, poderiam não concordar que essas regras fossem justas. Uma vez que a maioria dos tipos de socialismo, a exemplo dos praticados e defendidos, dependem da imposição de regras tais como "algumas pessoas têm a obrigação de pagar impostos e outras têm o direito de consumi-los", ou "algumas pessoas sabem o que é bom para você e estão autorizadas a ajudá-lo a conseguir essas supostas bênçãos, mesmo que você não as queira, mas você não está autorizado a saber o que é bom para elas e, consequentemente, ajudá-las", ou "algumas pessoas têm o direito de determinar quem tem muito de algo e quem tem pouco, e outros têm a obrigação de obedecer", ou, de forma ainda mais clara, "a indústria de computadores deve pagar para subsidiar os fazendeiros", "aqueles que têm filhos devem subsidiar os que não têm" etc., ou vice-versa, todas essas regras podem ser facilmente descartadas quanto a serem sérias candidatas à alegação de integrarem uma teoria de normas válidas na qualidade de normas de propriedade, porque todas elas indicam, pela sua própria formulação, que não são universalizáveis.

Mas o que está errado com as teorias socialistas da propriedade quando se trata de, e realmente existe, uma teoria formulada que contenha normas exclusivamente universalizáveis do tipo "ninguém está autorizado a" ou "todo mundo pode"? O que foi demonstrado indiretamente nos parágrafos anteriores e que deve ser argumentado diretamente é que o socialismo nunca poderia provar a sua validade, não mais por razões formais, mas por causa de suas especificações materiais. De fato, enquanto as formas de socialismo, que podem ser facilmente refutadas em relação à sua pretensão de validade moral sobre fundamentos formais simples, poderiam, pelo menos, ser praticadas, a aplicação daquelas versões

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mais sofisticadas que passassem no teste de universalização, por razões materiais, provariam ser fatais: mesmo se tentássemos, elas nunca poderiam ser colocadas em prática.

Das duas especificações relacionadas às normas da teoria natural da propriedade, há pelos menos uma que entraria em conflito com a teoria socialista da propriedade. A primeira especificação é a que, segundo a ética capitalista, define agressão como uma invasão da integridade física da propriedade de outra pessoa. O socialismo, por sua vez, definiria agressão como uma invasão do valor ou da integridade física da propriedade de outrem. O socialismo conservador, devemos relembrar, visava preservar uma dada distribuição de riqueza e de valores, e tentou conduzir aquelas forças que poderiam modificar o status quo sob controle por meio do controle de preços, regulações e controles de comportamento.

Claramente, a fim de fazê-lo desse modo, os direitos de propriedade em relação ao valor das coisas deve ser considerado como justificável e uma invasão de valores, mutatis mutandis, deve ser classificada como uma agressão injustificável. Mas não só o conservadorismo utiliza essa ideia da propriedade e da agressão. O socialismo social-democrata também o faz. Os direitos de propriedade em relação aos valores devem ser considerados como legítimos quando o socialismo social-democrata me permite, por exemplo, exigir uma compensação das pessoas cujas chances ou oportunidades afetam negativamente as minhas. E o mesmo é verdadeiro quando uma compensação por se cometer "violência estrutural" ou psicológica — um termo particularmente caro à literatura da ciência política esquerdista — é permitida.[8]

Para estar habilitado a solicitar essas compensações, aquilo que foi feito — e que afetou as minhas oportunidades, minha integridade física, meus sentimentos em relação ao que possuo — teria que ser classificado como um ato agressivo.

Por que é injustificável essa ideia de proteger o valor da propriedade? Em primeiro lugar, enquanto cada pessoa pode, pelo menos em princípio, ter o controle total sobre as mudanças que suas ações provocam ou não nas características físicas de algo e, consequentemente, também pode ter o controle total sobre se aquelas ações são ou não justificáveis, o controle sobre se as ações de terceiros afetam o valor da propriedade de outrem não fica com a pessoa que age, mas com as outras pessoas e suas avaliações subjetivas. Assim, ninguém poderia determinar ex ante se as suas ações seriam classificadas como justificáveis ou injustificáveis. Teria que, primeiro, interrogar toda a população para ter certeza de que as ações planejadas por alguém não modificariam as avaliações de outrem em relação à sua própria propriedade. E mesmo assim ninguém poderia agir até que fosse obtida uma concordância universal sobre quem supostamente faria o que e com o que, e quando. Claramente, diante de todos os problemas práticos envolvidos, já se estaria morto há muito tempo e ninguém argumentaria mais nada antes que isso tudo estivesse resolvido.

Mas ainda mais decisivo do que isso, a posição socialista sobre a propriedade e a agressão não poderia nem mesmo ser efetivamente argumentada, pois argumentar a favor de qualquer norma, socialista ou não, significa que há um conflito sobre o uso de alguns meios escassos, caso contrário, simplesmente não haveria necessidade de discussão. Porém, a fim de argumentar que existe uma saída para esses conflitos, deve-se pressupor que as ações, para serem realizadas, devem ser autorizadas antes de qualquer acordo ou desacordo efetivo, pois se elas não forem permitidas, não se pode nem mesmo argumentar a respeito disso.

Contudo, se alguém pode fazê-lo — e o socialismo também deve considerar que se pode fazer, na medida em que existe como uma posição intelectual debatida —, isto só é então possível por causa da existência de fronteiras objetivas da propriedade, ou seja, fronteiras que cada pessoa pode reconhecer por conta própria enquanto tais, sem ter que concordar antes com qualquer um no que se refere ao sistema de valores e de avaliações de terceiros. Portanto, o socialismo também, apesar daquilo que afirma, deve, de fato, pressupor a existência de fronteiras objetivas da propriedade em vez de fronteiras determinadas por avaliações subjetivas, nem que seja para ter um socialista sobrevivente que possa formular suas propostas morais.

A ideia socialista de proteger o valor em vez da integridade física também falha por uma segunda razão relacionada. Evidentemente, o valor de uma pessoa, por exemplo, no mercado de trabalho ou de casamento pode ser, e realmente é, afetado pela integridade física de outra pessoa ou pelo grau de integridade física. Dessa forma, se quisermos que os valores da propriedade sejam protegidos, teríamos que permitir agressão física contra pessoas. Contudo, se for somente por causa do próprio fato de que as fronteiras de uma pessoa — ou seja, as fronteiras da propriedade de alguém no seu próprio corpo enquanto seu domínio de controle exclusivo no qual outra pessoa não é autorizada a intervir, a não ser que deseje se tornar um agressor — são fronteiras físicas (intersubjetivamente determinadas e não apenas fronteiras subjetivamente imaginadas) nas quais todo mundo pode concordar sobre qualquer coisa de forma independente (e, obviamente, acordo significa um acordo com as unidades independentes de tomada de decisão!).

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Portanto, somente porque as fronteiras protegidas da propriedade são objetivas, ou seja, estabelecidas e reconhecidas como previamente fixadas por qualquer acordo convencional, pode haver argumentação e, possivelmente, acordo entre as unidades independentes de tomada de decisão. Simplesmente ninguém poderia argumentar qualquer coisa, a não ser que antes sua existência como unidade física independente fosse reconhecida. Ninguém poderia argumentar a favor de um sistema de propriedade que define fronteiras de propriedade segundo uma avaliação subjetiva — como faz o socialismo — porque, simplesmente, ser capaz de formular esse argumento pressupõe que, ao contrário do que diz a teoria, deve-se, de fato, ser uma unidade fisicamente independente a fazê-lo.

A situação não é menos terrível para o socialismo quando nos voltamos para a segunda especificação essencial das regras da teoria natural da propriedade. As normas fundamentais do capitalismo foram caracterizadas não apenas pelo fato de que a propriedade e a agressão fossem definidas em termos físicos; não era menos importante que, além disso, a propriedade fosse definida como propriedade privada individualizada e que o significado da apropriação original — o que evidentemente significa fazer uma distinção entre o antes e o depois —, fosse especificada. É com essa especificação adicional que o socialismo também entra em conflito.

Em vez de reconhecer a importância vital da distinção do antes-depois para decidir entre as reivindicações de propriedade conflitantes, o socialismo propõe normas que, na verdade, consideram que a prioridade é irrelevante para se tomar uma decisão e que os retardatários têm tanto direito à propriedade quanto os que chegam primeiro. Claramente, essa ideia está presente quando o socialismo social-democrata, por exemplo, faz com que os proprietários naturais da riqueza e/ou seus herdeiros paguem um imposto que os desafortunados retardatários devem ser capazes de consumir. Essa ideia também está presente, por exemplo, quando o proprietário de um recurso natural é obrigado a reduzir (ou aumentar) a sua exploração atual em benefício da posteridade. Em ambos os casos, só faz sentido fazê-lo quando se considera que a pessoa que acumula primeiro a riqueza ou que usa primeiro os recursos naturais, comete, desse modo, uma agressão contra alguns retardatários. Se não fizeram nada de errado, os retardatários não poderiam fazer essa reivindicação contra os proprietários naturais e os seus herdeiros.

O que está errado com essa ideia de suprimir a distinção antes-depois como sendo moralmente irrelevante? Em primeiro lugar, se os retardatários, ou seja, aqueles que, de fato, nada fizeram com os bens escassos, tivessem realmente tanto direito aos bens quanto os que chegaram primeiro, ou seja, aqueles que fizeram algo com os bens escassos, então, literalmente, ninguém seria autorizado a fazer coisa alguma com o que quer que seja, como se fosse preciso ter todo o consentimento prévio dos retardatários para fazer seja lá o que se quisesse fazer. Realmente, como a posteridade incluiria o filho do filho de alguém — isto é, pessoas que chegaram tão tardiamente que, provavelmente, nunca se poderia perguntá-las — defendendo um sistema legal que não utiliza a distinção antes-depois como parte de sua teoria básica da propriedade é simplesmente absurdo pois implica em defender a morte, mas pressupor a vida para defender qualquer coisa.

Nem nós, nem nossos antepassados, nem nossos descendentes poderiam sobreviver ou sobreviveriam, e dizer ou argumentar qualquer coisa se tivessem que seguir essa regra. Para que qualquer pessoa — do presente, do passado ou do futuro — pudesse argumentar qualquer coisa deveria ser possível sobreviver agora. Ninguém pode esperar e interromper a ação até que cada um de uma classe indeterminada de retardatários começassem a aparecer e concordar com aquilo que se quer fazer. Em vez disso, na medida em que uma pessoa encontra-se sozinha, ela deve ser capaz de agir, usar, produzir, consumir imediatamente os bens antes de qualquer acordo com pessoas que simplesmente ainda não estão ao redor (e talvez nunca estejam).

E na medida em que uma pessoa encontra-se na companhia de outras e há um conflito sobre como usar um dado recurso escasso, ela deve ser capaz de resolver o problema em algum momento definido com um número específico de pessoas em vez de ter que esperar por períodos indeterminado de tempo e um número indeterminado de pessoas. Portanto, para sobreviver, que é pré-requisito para argumentar a favor ou contra qualquer coisa, os direitos de propriedade não podem ser concebidos como sendo atemporais e não-específicos considerando o número de pessoas envolvidas. Em vez disso, devem ser necessariamente pensados como sendo criados através da ação em pontos definidos no tempo por indivíduos específicos agindo.[9]

Além disso, a ideia de abandonar a distinção antes-depois, que o socialismo acha tão sedutora, seria simplesmente incompatível com o princípio da não-agressão como o fundamento prático da argumentação. Argumentar e possivelmente concordar com alguém (nem que seja sobre o fato de que há discordância) significa reconhecer um direito prévio mútuo do controle exclusivo sobre o seu próprio corpo. Caso contrário, seria impossível para qualquer um falar primeiro em algum momento definido no tempo e para outra pessoa ser capaz de responder, ou vice-versa, assim como nem o primeiro nem o segundo orador seriam mais, em qualquer momento unidades físicas independentes de tomada de decisão.

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Portanto, eliminar a distinção antes-depois, como o socialismo tenta fazer, é equivalente a eliminar a possibilidade de argumentar e obter um entendimento. Porém, como não se pode argumentar que não há possibilidade de discussão sem o controle prévio de cada pessoa sobre o seu próprio corpo como sendo reconhecido e aceitado como justo, uma ética do retardatário que não deseja fazer essa diferença nunca poderia ser acordada por ninguém. Bastaria dizer que isso poderia significar uma contradição, como se ser capaz de dizer isto pressuporia sua existência como uma unidade independente de tomada de decisão num momento definido no tempo.

Consequentemente, somos obrigados a concluir que a ética socialista é um fracasso completo. Em todas as suas versões práticas, não é melhor do que uma regra que defenda coisas como "eu posso bater em você, mas você não pode bater em mim", que, inclusive, não passa no teste da universalização. E se adotar regras universais — o que basicamente significaria dizer que "todo mundo pode bater em todo mundo" —, essas regras não poderiam ser afirmadas, de forma concebível, como universalmente aceitáveis por conta de suas próprias especificações materiais.

Simplesmente afirmar e argumentar dessa forma deve pressupor os direitos de propriedade de alguém sobre o seu próprio corpo. Portanto, só a ética do capitalismo do primeiro-que-chega é o primeiro-que-possui pode ser efetivamente defendida como estando implícita na argumentação. E nenhuma outra ética poderia ser justificada dessa forma, enquanto que justificar algo no curso da argumentação significa pressupor a validade dessa ética da teoria natural da propriedade.

Este artigo é o capítulo 7 do livro Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo

[1] Observe a semelhança estrutural do "a priori da argumentação" para o "a priori da ação", ou seja, o fato de que não há maneira de refutar a afirmação de que todo mundo sabe o que significa agir, uma vez que tentar refutar essa afirmação pressuporia o conhecimento de como realizar determinadas atividades. De fato, o caráter incontestável do conhecimento sobre o significado da validade das alegações e da ação estão intimamente ligadas. Por um lado, as ações são mais fundamentais do que a argumentação de cuja existência surge a ideia da validade, assim como a argumentação é claramente apenas uma subcategoria da ação. Por outro lado, dizer o que foi dito sobre a ação e argumentação, e sobre a sua relação mútua, já exige uma argumentação e, portanto, nesse sentido (isto é, epistemológico), a argumentação deve ser considerada mais fundamental do que a ação não-argumentativa. Mas como também é a epistemologia que revela a ideia de que, apesar disto não poder ser conhecido previamente por qualquer argumentação, de fato, o desenvolvimento da argumentação pressupõe ação na qual as alegações de validade só podem ser explicitamente discutidas num argumento se as pessoas que o fazem já souberem o que significa ter conhecimento implícito nas ações; ambos, o significado da ação em geral e o da argumentação em particular, devem ser pensados como fios entrelaçados logicamente necessários de um conhecimento a priori.

[2] Metodologicamente, nossa abordagem exibe uma semelhança muito próxima daquilo que A. Gewirth descreveu como o "método dialeticamente necessário" (Reason and Morality, Chicago, 1978, p.42-47) — um método de raciocínio a priori moldado na ideia kantiana de deduções transcendentais. Mas, infelizmente, em seu importante estudo, Gewirth escolhe o ponto de partida equivocado para desenvolver a sua análise. Ele tenta deduzir um sistema ético não do conceito de argumentação, mas de um conceito de ação. Contudo, isto certamente não pode funcionar porque do fato corretamente demonstrado de que ao agir um agente deve, por necessidade, pressupor a existência de determinados valores ou bens, disso não deduz-se que tais bens são, portanto, universalizáveis e devem, por isso, ser respeitados por terceiros como sendo bens do agente por direito (sobre a exigência das afirmações normativas serem universalizáveis, conferir a discussão posterior).

Em vez disso, a ideia da verdade, ou no que se refere à moral, dos direitos ou bens universalizáveis só surge com a argumentação enquanto uma subcategoria especial de ações, mas não da ação enquanto tal, como é claramente revelado pelo fato de que Gewirth também não está simplesmente envolvido na ação, mas mais especificamente na argumentação quando ele tenta nos convencer da verdade necessária do seu sistema ético. No entanto, reconhecida a argumentação como o único ponto de partida adequado para o método dialeticamente necessário, resulta daí, como veremos, uma ética capitalista (ou seja, não-Gewirthiana). Sobre as imperfeições da tentativa de Gewirth de tentar deduzir direitos universalizáveis da ideia de ação, cf. também as observações perspicazes de M. MacIntyre, Depois da Virtude: Um Estudo em Teoria Moral, Bauru: EDUSC, 2001; J. Habermas, Moralbewusstsein und kommunikatives Handeln, Frankfurt/M., 1983, p.110-111; e H. Veatch, Human Rights, Baton Rouge, 1985, p.159-160.

[3] A relação entre a nossa abordagem e a abordagem dos "direitos naturais" pode ser agora descrita detalhadamente. A lei natural ou a tradição dos direitos naturais do pensamento filosófico sustenta que as normas universalmente válidas podem ser percebidas por meio da razão enquanto fundamentadas na própria natureza do homem. Tem havido uma disputa notória em relação a essa posição, mesmo por parte dos leitores simpatizantes, de que o conceito de natureza humana é "muito difuso e variado para fornecer um determinado conjunto de conteúdos da lei natural" (A. Gewirth, "Law, Action, and Morality" in: Georgetown Symposium on Ethics. Essays in Honor of H. Veatch (ed. R. Porreco),

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New York, 1984, p.73). Além disso, sua descrição de racionalidade é igualmente ambígua na medida em que não parece distinguir entre o papel da razão para estabelecer, por um lado, leis empíricas da natureza, e, por outro lado, leis normativas de conduta humana (Cf., por exemplo, a discussão em H. Veatch, Human Rights, Baton Rouge, 1985, p.62-67.).

Ao reconhecer o conceito mais estrito de argumentação (em vez do mais amplo da natureza humana) como o ponto de partida necessário para se derivar uma ética e ao atribuir ao raciocínio moral o status de um raciocínio a priori, para ser claramente diferenciado do papel desempenhado pela razão na investigação empírica, nossa abordagem não só pretende evitar essas dificuldades desde o início, mas pretende, desse modo, ser mais uma vez honesta e rigorosa. E ainda para me dissociar da tradição dos direitos naturais, o que não quer dizer que eu não pudesse concordar com a avaliação crítica da maioria da teoria ética contemporânea; de fato, eu concordo com a refutação complementar de toda a ética do desejo (teológica, utilitária) formulada por H. Veatch tanto quanto toda a ética (consulte Human Rights, Baton Rouge, 1985, capítulo 1) do dever (deontológica). E nem eu afirmo que seja impossível interpretar a minha abordagem como dentro de uma tradição dos direitos naturais "corretamente concebida". Porém, o que eu afirmo é que a abordagem resultante está claramente em desacordo com o que veio a se transformar a abordagem dos direitos naturais e que esta nada possui dessa tradição tal como ela se posiciona.

[4] O princípio da universalização figura, de fato, com destaque entre todas as abordagens cognitivas sobre a moral. Para a exposição clássica desse princípio, cf. I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Coimbra: Almedina, 2011, e Crítica da Razão Prática, São Paulo: Martins Fontes, 2003.

[5] Deve ser observado aqui que só porque existe a escassez há mesmo um problema de formulação de leis morais; à medida que os bens são superabundantes (bens "livres") nenhum conflito sobre o uso dos bens é possível e nenhuma ação-coordenação é necessária. Consequentemente, deduz-se que qualquer ética corretamente concebida deve ser formulada como uma teoria da propriedade, ou seja, uma teoria de atribuição dos direitos de controle exclusivo dos meios escassos. Porque só assim se torna possível evitar o conflito que, de outra forma, seria inescapável e insolúvel. Infelizmente, os filósofos morais, em sua ignorância generalizada sobre economia, dificilmente veriam isso com clareza suficiente. Em vez disso, como, por exemplo, H. Veatch (Human Rights, Baton Rouge, 1985, p. 170), eles parecem achar que podem fazê-lo sem uma definição precisa de propriedade e dos direitos de propriedade só para depois necessariamente acabarem num mar de imprecisão e adhocismos (N.T.: derivação de ad hoc, que significa "para isso" ou "para esta finalidade"). Sobre os direitos humanos como direitos de propriedade, cf. também M. N. Rothbard, A Ética da Liberdade, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, capítulo 15.

[6] Esta é, por exemplo, a posição adotada por J.J. Rousseau quando ele nos pede para resistirmos à tentativa de aquisição privada dos recursos dados pela natureza construindo uma cerca em volta deles. Em sua famosa máxima, ele diz: "evitai ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém" (Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, São Paulo: Abril Cultural, 1983, p.259). Porém, só é possível argumentar dessa forma se for possível considerar que a reivindicação da propriedade pode ser justificada por decreto. Porque, como poderia "todos" (ou seja, até aqueles que nunca fizeram nada com os recursos em questão) ou "ninguém" (ou seja, nem mesmo aqueles que realmente os utilizaram) possuírem alguma coisa, a menos que as reivindicações de propriedade fossem feitas por decreto?!

[7] M. N. Rothbard escreveu o seguinte em A Ética da Liberdade, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, p.89: "Pois bem, qualquer pessoa que participa de qualquer tipo de discussão, incluindo uma sobre valores, está, em virtude desta participação, viva e afirmando a vida. Pois, se ela realmente fosse contrária à vida, ela não teria nenhum interesse em continuar vivo. Consequentemente, o suposto opositor da vida está realmente afirmando-a no próprio curso de sua argumentação e, por isso, a preservação e a proteção da vida de alguém assumem a categoria de um axioma incontestável". Cf. também D. Osterfeld, "The Natural Rights Debate", in: Journal of Libertarian Studies, VII, I, 1983, p.106 et seq.

[8] Sobre a ideia de violência estrutural como sendo diferente da violência física cf. D. Senghaas (ed.), Imperialismus und strukturelle Gewalt, Frankfurt/M., 1972.

A ideia de definir agressão como uma invasão dos valores da propriedade também fundamenta as teorias de justiça tanto de Rawls quanto de Nozick, no entanto, podem ter aparecido muitos comentadores diferentes desses dois autores. Pois como poderia pensar sobre o seu chamado princípio da diferença — "as desigualdades econômicas e sociais devem ser distribuídas de forma a (…) que sejam razoavelmente esperadas como sendo uma vantagem ou benefício para todo mundo, incluindo os menos favorecidos" (J. Rawls, Uma Teoria da Justiça, Lisboa: Editorial Presença, 2001, p. 68-71 e 78-84) — como sendo justificado, a não ser que Rawls acreditasse que bastava aumentar a riqueza relativa que uma pessoa afortunada cometesse uma agressão e que uma menos afortunada, portanto, teria uma reivindicação válida contra a pessoa mais afortunada só porque a sua posição relativa em termos de valor se deteriorou?

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E como Nozick poderia alegar como sendo justificável uma "agência de proteção dominante" banir seus concorrentes, independentemente de quais teriam sido as suas ações (R. Nozick, Anarquia, Estado e Utopia, Rio de Janeiro: Zahar, 1991, p.27 et seq.)? Ou como ele poderia acreditar que seria moralmente correto proibir as trocas improdutivas, ou seja, trocas onde uma parte estivesse numa melhor situação se a outra não existisse, ou pelo menos não tivessem nada a ver com isso (como, por exemplo, no caso de um chantageado e de um chantageador), independentemente se uma troca envolvesse ou não a invasão física de qualquer espécie (Ibid., p. 79 et seq.), a menos que ele pensasse no direito existente de se preservar a integridade dos valores (em vez da integridade física) da propriedade de alguém?! Para uma crítica devastadora da teoria de Nozick cf. M. N. Rothbard, A Ética da Liberdade, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, capítulo 29; sobre o uso falacioso da análise das curvas de indiferença feito tanto por Rawls quanto por Nozick, cf. "Toward a Reconstruction of Utility and Welfare Economics", Center for Libertarian Studies, Occasional Paper No. 3, New York, 1977.

[9] Note-se também aqui que somente se os direitos de propriedade forem conceituados como direitos de propriedade privada que se originam no tempo torna-se possível estabelecer contratos. Claramente, os contratos são acordos entre inúmeras unidades fisicamente independentes baseados no reconhecimento mútuo das reivindicações de cada contratante da propriedade privada em relação às coisas adquiridas antes do acordo e que, portanto, dizem respeito à transferência dos títulos de propriedade das coisas definidas de um proprietário anterior para um proprietário posterior. Não há tal coisa como 'contratos que podem existir de forma concebível no âmbito de uma ética do retardatário'!

Por que a monarquia é superior à democraciapor Hans-Hermann Hoppe, quinta-feira, 10 de setembro de 2009

N. do T.: o artigo a seguir é uma transcrição de uma entrevista dada pelo professor Hoppe.

O sistema político que todos fomos ensinados a venerar desde cedo — seja pelas escolas cujos currículos são controlados pelo governo, seja pela mídia serviçal ao estado — é a democracia.

O que quero argumentar aqui é que a antiga forma de governo, a monarquia, não só era muito mais limitada, como também era mais pacífica, menos totalitária e mais propensa ao desenvolvimento de um país do que a democracia.

Democracia x Monarquia

O primeiro ponto a ser enfatizado é: estados — sejam eles monárquicos ou democráticos — não são empresas. Eles não produzem nada para ser vendido no mercado, e, como tal, suas receitas não advêm da venda voluntária de bens e serviços.

Ao contrário: estados vivem da coleta de impostos, que são pagamentos coercivos coletados sob ameaça de violência.

Portanto, sendo um anarcocapitalista, não sou apologista nem da monarquia e nem da democracia. Porém, se tiver de escolher um desses dois regimes maléficos, então é seguro dizer que a monarquia tem certas vantagens.

A razão é que os reis eram normalmente vistos pela população como aquilo que realmente eram: indivíduos privilegiados que podiam tributar seus súditos. E como todos sabiam que não podiam se tornar reis, havia uma certa resistência dos súditos contra as tentativas dos reis de aumentar impostos e expandir a exploração.

Sob a democracia, surge a ilusão de que nós somos nossos próprios governantes, de que governamos a nós mesmos. Entretanto, como já deveria estar mais do que claro, sob a democracia também existem soberanos e os súditos desses soberanos. Porém, o fato de que qualquer um pode potencialmente se tornar um funcionário público é algo que, além de também ajudar a estimular a ilusão de que governamos a nós mesmos, leva a uma redução daquela resistência que havia contra os reis quando estes tentavam aumentar suas receitas tributárias - afinal, o aumento da receita do estado ser-lhe-á favorável caso você seja um dos soberanos.

Há ainda outras desvantagens da democracia.

Na monarquia, o rei pode ser visto como uma pessoa que considera o país sua propriedade privada, e as pessoas que vivem nele são seus inquilinos, que pagam um tipo de aluguel ao rei.

Por outro lado, consideremos os políticos eleitos sob um sistema democrático. Estes políticos não são os proprietários do país da maneira como um rei o é; eles são meros zeladores temporários do país, por um período que pode durar quatro anos, oito ou mais.

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E a função de um proprietário é bastante diferente da função de um zelador.

Imagine duas situações distintas: na primeira, você se torna o proprietário de um imóvel. Você pode fazer o que quiser com ele. Você pode morar nele para sempre, você pode vendê-lo no mercado — o que significa que você tem de cuidar muito bem dele para que seu preço possa ser alto —, ou você pode determinar quem será seu herdeiro.

Na segunda situação, o proprietário desse imóvel escolhe você para ser o zelador dele por um período de quatro anos. Nesse caso, você não pode vendê-lo e não pode determinar quem será seu herdeiro. Porém, você ganha um incentivo novo: extrair o máximo possível de renda desse imóvel durante o período de tempo que lhe foi concedido.

Isso implica que, na democracia, o zelador temporário é incentivado a exaurir o valor do capital agregado do país o mais rápido possível, pois, afinal, ele não tem de arcar com os custos desse consumo de capital. O imóvel não é dele. Ele não tem o que perder com seu uso irrefletido. Por outro lado, o rei, como proprietário do imóvel, tem uma perspectiva de longo prazo muito maior que a do zelador. O rei não vai querer exaurir o valor agregado de seu imóvel o mais rapidamente possível porque isso se refletiria em um menor preço do imóvel, o que significa que sua propriedade (o país) seria legada ao seu herdeiro a um valor menor.

Portanto, o rei, por ter uma perspectiva de longo prazo muito maior, tem o interesse de preservar — ou, se possível, aumentar — o valor do país, ao passo que um político em uma democracia tem uma orientação voltada para o curto prazo e quer maximizar sua renda o mais rapidamente possível. Ao fazer isso, ele inevitavelmente irá gerar perdas no valor do capital de todo o país.

Guerras

As guerras sob um regime monárquico tendiam a ser, como certa vez descreveu Mises, guerras exclusivamente entre soldados, ao passo que as guerras feitas por democracias envolvem o homicídio em massa de civis em uma escala jamais vista na história humana.

Essa diferença tem a ver novamente com o fato de que os monarcas consideram o país como sua propriedade. Tipicamente, os monarcas faziam guerras para resolver disputas de propriedade. "Quem é o dono de determinado castelo? Quem é o dono de determinada província?" O objetivo de uma guerra monárquica sempre era limitado e específico.

Já as guerras feitas por democracias tendem a ser guerras ideológicas. Ora quer-se liberar um país de alguma ditadura, ora quer-se converter um país a uma determinada ideologia. E é difícil determinar quando tal objetivo foi de fato atingido. A única maneira certa de atingi-lo é matando toda a população do país que se está tentando invadir ou ocupar.

Um monarca, obviamente, jamais teria tal interesse, pois ele quer adicionar — em vez de destruir — uma determinada província, uma determinada cidade ou mesmo um determinado castelo à sua propriedade privada. E, para atingir esse objetivo satisfatoriamente, é de seu interesse causar os mínimos danos possíveis - afinal, de nada adianta adquirir bens destruídos e sem valor.

Portanto, embora para um monarca fosse mais fácil começar uma guerra, também lhe era mais fácil determinar quando o objetivo havia sido atingido, o que dava fim à guerra.

Nunca houve alguma motivação ideológica que levasse diferentes reis a guerrearem entre si, ao passo que as democracias — assim como as guerras religiosas — são um conflito de civilizações, um conflito de sistemas de valores praticamente impossível de se controlar.

Ademais, as guerras iniciadas por reis eram vistas pelo público meramente como um conflito entre monarcas, uma vez que os reis geralmente dependiam de voluntários para lutarem suas guerras. Já nas democracias, todo o país participa da guerra, todos os seus recursos são forçosamente desviados para o esforço da guerra e nele são exauridos.

Com a democracia surgiu também o serviço militar obrigatório — uma situação típica em várias democracias atuais —, no qual os indivíduos são obrigatoriamente recrutados e forçados a ir às guerras. O argumento utilizado para tal escravidão mortal é: "já que agora você tem uma participação no estado (afinal, estamos em uma democracia), você também tem de lutar as guerras do estado".

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Já sob uma monarquia as pessoas não tinham uma participação no estado; o estado era visto como pertencente ao rei, sendo os cidadãos uma entidade completamente separada do estado. Por causa disso, o envolvimento da população nas guerras monárquicas era muito limitado.

Nacionalismo

Erik von Kuehnelt-Leddihn costumava dizer que uma das coisas de que ele mais gostava nos regimes monárquicos era o fato de que havia muito menos nacionalismo — o nacionalismo, obviamente, é uma característica democrática dos séculos XX e XXI.

Sob a monarquia não havia nada de errado em ser, por exemplo, um nobre germânico e ir trabalhar para a czarina da Rússia. Pessoas que lutavam em vários lados também não eram consideradas "traidoras" da pátria.

Foi com a ascensão da democracia que tivemos a ascensão da beligerante e inauspiciosa filosofia do nacionalismo.

As altas aristocracias foram, por assim dizer, as pessoas mais "internacionais" da história da civilização. Praticamente todos os altos nobres eram interrelacionados com aristocratas de outros países. O Kaiser alemão, por exemplo, tinha relações com os monarcas britânicos e russos. Todos os soberanos de Europa também tinham, de alguma forma indireta, ligações com Maomé — logo, com países islâmicos.

Quando havia contendas entre monarcas, estas eram vistas como brigas entre famílias. Sendo assim, o sentimento de nacionalismo era impossível de surgir — até porque, novamente, os nobres eram a mais internacionalista das classes de pessoas que existiam. Portanto, sentimentos nacionalistas eram totalmente estranhos e atípicos para uma classe como aquela.E isso certamente poupou várias vidas e evitou muito empobrecimento.

Por que é impossível argumentar contra a propriedade privada sem cair em autocontradiçãopor Hans-Hermann Hoppe, sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Nesse artigo, primeiramente irei expressar a teoria geral da propriedade como sendo um arranjo de regras aplicáveis a todos os bens, cujo intuito é ajudar a evitar todos os conflitos sociais possíveis, e então irei demonstrar como essa teoria geral está implícita no princípio da não-agressão. De acordo com o princípio da não-agressão, um indivíduo pode fazer o que quiser com o seu próprio corpo, desde que ele, ao agir assim, não agrida o corpo de outra pessoa. Da mesma forma, esse indivíduo pode fazer uso de quaisquer outros meios escassos, assim como faz uso de seu próprio corpo, desde que esses meios escassos já não tenham sido apropriados por outra pessoa — isto é, desde que eles ainda estejam em seu estado natural, sem proprietário.

Tão logo recursos escassos tenham sido visivelmente apropriados — tão logo um indivíduo "misture seu trabalho" nesses recursos, para utilizar a frase de John Locke, e haja sinais objetivos disso —, então a propriedade (o direito ao controle exclusivo) poderá ser adquirida somente por meio de uma transferência contratual de títulos de propriedade, do proprietário anterior para o próximo; e qualquer tentativa de delimitar unilateralmente esse controle exclusivo facultado ao proprietário, ou qualquer transformação não solicitada das características físicas dos meios escassos em questão, será — em inteira analogia com agressões contra o corpo de terceiros — uma ação injustificável.

A compatibilidade desse princípio com o da não-agressão pode ser demonstrada por meio de um argumentum a contrario. Primeiro, deve ser notado que, se ninguém tivesse o direito de adquirir e controlar qualquer coisa exceto seu próprio corpo (uma regra que passaria no teste formal da universalização), então qualquer sobrevivência seria impossível, todos nós deixaríamos de existir, e o problema da justificação de declarações normativas simplesmente também não existiria. A existência desse problema só é possível porque nós estamos vivos, e nossa existência se deve ao fato de que nós não aceitamos — e não podemos aceitar — uma norma proibindo a propriedade sobre outros meios escassos além do nosso próprio corpo. Logo, o direito de adquirir e se tornar proprietário de tais bens deve ser assumido como existente.

Agora, se assumirmos isso, mas não aceitarmos que um indivíduo tem o direito de adquirir tais direitos de controle exclusivo, por meio de seu próprio trabalho, sobre objetos naturais e nunca utilizadas (fazendo algo com objetos com os quais ninguém mais já havia feito qualquer coisa antes), e aceitarmos que outras pessoas tenham o direito de desconsiderar a propriedade desse indivíduo sobre objetos em que elas jamais trabalharam ou puseram para algum uso em particular, então se está dizendo que é correto adquirir títulos de propriedade não por meio do trabalho (isto é, estabelecendo algum elo objetivo entre uma determinada pessoa e um determinado recurso escasso), mas simplesmente por declaração verbal, por decreto.

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Entretanto, defender que títulos de propriedade sejam adquiridos por meio de declarações e decretos é incompatível com o supracitado princípio da não-agressão em relação ao corpo de terceiros. Pois, em primeiro lugar, se um indivíduo pudesse de fato se apropriar de algo por mero decreto, isso implicaria ser também possível decretar que o corpo de outra pessoa passasse agora a ser deste indivíduo. Claramente isso estaria em conflito com o vigente princípio da não-agressão, que faz uma nítida distinção entre o corpo de um indivíduo e o corpo de outra pessoa.

Ademais, essa distinção só pode ser feita dessa forma clara e inequívoca porque, para corpos, assim como para tudo mais, a separação entre "meu e seu" não se baseia em declarações verbais, mas na ação. A observação se baseia em algum determinado recurso escasso que foi transformado em uma expressão ou materialização da vontade própria do indivíduo — de modo que qualquer um possa ver e verificar, pois existem indicadores objetivos para tal.

Mais importante ainda: dizer que a propriedade pode ser adquirida não por meio da ação mas por meio de uma declaração é algo que envolve uma óbvia contradição prática, pois ninguém poderia dizer e fazer tal declaração a menos que seu direito de controle exclusivo sobre seu corpo, bem como sobre seu próprio instrumento de vocalização, já esteja pressuposto.

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Até agora, foi demonstrado que:

1) o direito à apropriação original por meio de ações é inteiramente compatível com o princípio da não-agressão;

2) o princípio da não-agressão demonstra que o direito à apropriação original é a pressuposição logicamente necessária para uma argumentação.

Indiretamente, é claro, também foi demonstrado que qualquer regra especificando direitos diferentes não poder ser justificada. Entretanto, antes de entrarmos em uma análise mais detalhada que explique por que qualquer outra ética que não esta seria indefensável, vale a pena uma discussão que irá jogar uma luz adicional na importância de algumas das estipulações da teoria libertária da propriedade.

Por que outras teorias não libertárias da propriedade são impossíveis de serem justificadas? Primeiro, deve-se notar que, como ficará claro logo abaixo, todas as alternativas ao libertarianismo que já foram praticadas, bem como a maioria dos princípios não libertários teoricamente já propostos, sequer passariam pelo primeiro teste formal da universalização, e apenas por isso já fracassariam!

Todas essas outras versões contêm normas dentro de suas estruturas de regras e princípios que têm a forma "algumas pessoas podem, e outras pessoas não podem". Entretanto, tais regras que especificam diferentes direitos ou obrigações para diferentes classes de pessoas não têm qualquer chance de serem aceitas como justas por todos os potenciais participantes em uma argumentação por razões puramente formais.

A menos que a distinção feita entre diferentes classes de pessoas venha a ser aceita por ambos os lados dos argumentadores como sendo algo fundamentado na natureza das coisas, tais regras não seriam aceitas, pois elas implicariam que um grupo seja beneficiado com privilégios legais à custa de discriminações complementares a outro grupo. Algumas pessoas, tanto aquelas que têm a permissão de fazer algo quanto aquelas que não têm, não poderiam concordar que essas são regras justas.

Dado que a maioria das propostas éticas alternativas, praticadas ou defendidas, depende da aplicação e imposição de regras como "algumas pessoas têm a obrigação de pagar impostos, e outras têm o direito de consumi-los", ou "algumas pessoas sabem o que é bom para você e têm o direito de ajudar você a obter essas supostas bênçãos mesmo que você não as queira, mas você não o tem o direito de saber o que é bom para elas e ajudá-las apropriadamente", ou "algumas pessoas têm o direito de determinar quem tem coisas em excesso e que tem coisas em escassez, e outras têm a obrigação de aceitar essa determinação" ou, até mais diretamente, "a indústria da informática deve pagar subsídios a agricultores, os empregados aos desempregados, aqueles que não têm filhos àqueles que têm filhos", ou vice versa — todas elas devem ser descartadas e rejeitadas como candidatas sérias à reivindicação de ser uma teoria válida de normas enquanto normas para a propriedade, porque todas elas indicam, por meio de sua própria formulação, que não são universalizáveis.

Porém, fica a pergunta: o que haverá de errado com uma ética não libertária caso essa situação seja resolvida e haja de fato uma teoria formulada que contenha normas exclusivamente universalizáveis do tipo "ninguém tem o poder de" ou "todo mundo pode"? Ainda assim, a validade de tais propostas jamais poderia ser comprovada — não por causa de

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razões formais, mas por causa de suas especificações materiais. Com efeito, embora as alternativas facilmente refutáveis com relação às suas pretensões de validade moral podem ao menos ser praticadas, a aplicação dessas versões mais sofisticadas — as quais passariam no teste da universalização — se comprovariam, por razões materiais, fatais: mesmo que se tentasse, elas simplesmente jamais poderiam ser implementadas.

Há duas especificações correlatas na teoria libertária da propriedade, sendo que, para pelo menos uma delas, qualquer teoria alternativa estaria em conflito direto. De acordo com a ética libertária, a primeira dessas especificações é que a agressão seja definida como uma agressão à integridade física da propriedade de terceiros. Existem tentativas populares de definir isso como uma agressão ao valor ou à integridade psíquica da propriedade de outra pessoa. O conservadorismo, por exemplo, objetiva preservar uma dada distribuição de riqueza e de valores, e tenta controlar aquelas forças que poderiam alterar o status quo impondo controle de preços, regulamentações e controles comportamentais. Claramente, para poderem fazer isso, o direito de propriedade ao valor das coisas — algo que não existe — teria de ser assumido como justificável, e uma agressão aos valores, mutatis mutandis, teria de ser classificada como uma agressão injustificável.

Não é só o conservadorismo que utiliza essa ideia de propriedade e agressão; o socialismo redistributivista também. O direito de propriedade aos valores deve ser assumido como legítimo quando o socialismo redistributivista me permite, por exemplo, exigir compensação das pessoas cujas chances ou oportunidades afetam negativamente as minhas. O mesmo é válido quando exijo alguma compensação pelo cometimento de "violência psicológica" ou "estrutural". Para poder exigir tal compensação, o que esse indivíduo deve ter feito para mim — isto é, afetar minhas oportunidades, minha integridade psíquica ou meu sentimento sobre o que me é devido — teria de ser classificado como um ato agressivo.

Por que essa ideia de proteger o valor da propriedade é injustificável? Primeiro, ao passo que cada indivíduo, pelo menos em princípio, pode ter controle total sobre se suas ações irão ou não alterar as características físicas de algo, e consequentemente pode ter completo controle sobre se tais ações são justificáveis ou não, o controle sobre se suas ações irão ou não afetar o valor da propriedade de outra pessoa não depende desse indivíduo, mas sim da avaliação subjetiva de terceiros. Portanto, ninguém pode determinar ex ante se suas ações serão classificadas como justificáveis ou injustificáveis.

Tal indivíduo teria primeiro de interrogar toda a população para ter a certeza de que as ações que ele está planejando fazer não irão alterar as avaliações de terceiros em relação à propriedade deles. Mesmo assim, ninguém poderia agir até que um acordo universal tivesse sido firmado sobre quem deve fazer o que com o que, e em que ponto no tempo.

Claramente, por causa de todos os problemas práticos envolvidos, antes de qualquer acordo ser obtido todos já estariam mortos e ninguém mais poderia argumentar. De modo ainda mais decisivo, essa posição em relação à propriedade e à agressão não poderia nem mesmo ser efetivamente argumentada, pois argumentar em favor de qualquer norma significa que está havendo conflito em relação ao uso de alguns recursos escassos; afinal, não fosse isso, simplesmente não haveria necessidade de nenhuma discussão.

Entretanto, para que se possa argumentar que há uma maneira de se resolver tais conflitos, deve ser pressuposta a permissão de se praticar ações antes de qualquer acordo se feito, pois se ações não fossem permitidas antes do acordo, então ninguém poderia sequer argumentar — dado que isso é uma ação. Entretanto, se alguém pode agir (e, na medida em que a ação existe como uma posição intelectual, a posição sendo examinada deve assumir que alguém pode agir), então tal ato só é possível por causa da existência de fronteiras objetivas de propriedade — fronteiras que qualquer um pode reconhecer como tal, por conta própria, sem ter antes de concordar com outra pessoa em relação ao sistema de valores e avaliações dela.

E tal ética protetora de valores deve também, apesar de tudo o que diz, pressupor a existência de fronteiras objetivas de propriedade, ao invés de fronteiras determinadas por avaliações subjetivas, nem que seja para permitir que qualquer pessoa viva faça suas propostas morais.

A ideia de se proteger o valor ao invés da integridade física também é falha por um segundo motivo correlato. Evidentemente, o valor de uma pessoa — por exemplo, para o mercado de trabalho ou mesmo para um matrimônio — pode ser, e de fato é, afetado pela integridade física das outras pessoas. Assim, se o valor da propriedade tivesse de ser mantido, então a agressão física a outras pessoas deveria ser permitida — só assim um aleijado ou uma mulher feia melhorariam sua situação no mercado de trabalho e no mercado matrimonial, respectivamente.

Entretanto, é somente por causa do fato de que as fronteiras de uma pessoa — isto é, as fronteiras da propriedade de uma pessoa sobre seu próprio corpo como seu domínio de controle exclusivo, o qual nenhuma outra pessoa pode cruzar sem que isso o torne um agressor — são fronteiras físicas (fronteiras averiguáveis objetivamente, e não apenas

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subjetivamente imaginárias), que todos podem concordar com alguma coisa independentemente (e concordar significa um acordo entre unidades tomadoras de decisão independentes!).

É somente porque as fronteiras de uma propriedade protegida são objetivas (isto é, fixadas e reconhecidas como tendo sido fixadas antes de qualquer acordo convencional), é que pode haver argumentação e possivelmente um acordo entre duas unidades tomadoras de decisão independentes. Ninguém pode argumentar a favor de um sistema de propriedade que defina as fronteiras da propriedade em termos subjetivos, pois, o simples fato de ser capaz de dizer tal coisa pressupõe que, ao contrário do que a teoria diz, tal indivíduo tem necessariamente de ser uma unidade fisicamente independente — caso contrário, ele não teria autonomia para dizer isso.

A situação não melhora em nada para essas propostas éticas alternativas quando analisamos a segunda especificação essencial da teoria libertária da propriedade. As normas básicas do libertarianismo são caracterizadas não apenas pelo fato de que a propriedade e a agressão são definidas em termos físicos; é também de igual importância entender que a propriedade é definida como privada e individualizada, e que o significado de apropriação original — o que evidentemente implica fazer uma distinção entre o antes e o depois — já foi especificado a priori.

É com essa especificação adicional que as propostas éticas alternativas e não libertárias entram em conflito. Ao invés de reconhecer a importância vital da distinção do antes-depois ao se arbitrar reivindicações conflitantes de propriedade, elas propõem normas que na realidade estabelecem que a prioridade é irrelevante para tal tomada de decisão, o que significa que aqueles que chegaram por último têm o mesmo direito à propriedade de algo que aqueles que chegaram primeiro e ali se estabeleceram.

Claramente, essa ideia está presente quando o socialismo redistributivo obriga os proprietários naturais de riqueza e seus herdeiros a pagarem um determinado tributo, de modo que os desventurados que chegaram por último possam tomar parte no consumo dessa riqueza. Também está presente quando o proprietário de um recurso natural é forçado a reduzir (ou aumentar) sua atual exploração tendo em vista o interesse da posteridade. Em ambos os casos, só faz sentido fazer tal coisa quando se assume que a pessoa que acumulou a riqueza primeiro, ou que utilizou os recursos naturais primeiro, cometeu por meio disso um ato de agressão contra os que ali chegaram por último. Caso eles não tenham feito nada de errado, então os que chegaram por último não podem fazer nenhuma reivindicação contra eles.

O que há de errado com essa ideia de descartar essa distinção do antes-depois como sendo moralmente irrelevante? Em primeiro lugar, se aqueles que chegaram por último (aqueles que não fizeram nada com algum recurso escasso) de fato tivessem tantos direitos quanto os que chegaram primeiro (aqueles que fizeram alguma coisa com os bens escassos), então ninguém jamais poderia fazer nada com coisa alguma, pois os primeiros teriam antes de obter a autorização de todos aqueles que irão chegar por último. Só após essa autorização, é que os primeiros poderiam fazer o que intencionavam.

Nem nós, nem nossos antepassados, nem nossa prole poderíamos ou iríamos sobreviver, dizer ou argumentar qualquer coisa caso alguém lá do passado tivesse seguido essa regra. Para que qualquer pessoa — no passado, presente ou futuro — possa argumentar alguma coisa, ela deve estar viva no momento da ação. Ninguém pode esperar e suspender suas ações à espera de que todos aqueles que pertencem à indeterminada classe de retardatários calhe de estar por perto e autorize suas ações.

Ao contrário: na medida em que um indivíduo esteja sozinho em um local sem dono, ele tem de ser capaz de agir, utilizar, produzir e consumir bens imediatamente, antes de fazer qualquer acordo com pessoas que simplesmente não estão ali (e que provavelmente nunca estarão). Por outro lado, se o indivíduo estiver na companhia de terceiros e houver conflito sobre como usar um determinado recurso escasso, ele deve poder resolver o problema em um ponto definido do tempo e com um número definido de pessoas, ao invés de ter de esperar um período indefinido de tempo por um número não específico de pessoas.

Portanto, para simplesmente poder sobreviver — um pré-requisito para poder argumentar a favor ou contra alguma coisa —, os direitos de propriedade não podem ser concebidos como sendo algo atemporal e não específico no que tange ao número de pessoas envolvidas. Ao contrário: eles devem ser considerados originários da ação de indivíduos específicos ocorrida em pontos definidos no tempo.

Ademais, a ideia de abandonar a distinção do antes-depois seria simplesmente incompatível com o princípio da não-agressão como o fundamento prático da argumentação. Argumentar e possivelmente concordar com alguém (mesmo que haja discordância) significa reconhecer o direito prévio ao controle exclusivo do próprio corpo. Caso contrário, seria impossível para qualquer pessoa dizer alguma coisa em um ponto definido do tempo e, da mesma forma, seria impossível qualquer outra pessoa responder, pois elas já teriam deixado de ser, individualmente, uma unidade tomadora de decisões fisicamente independente.

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Eliminar a distinção do antes-depois é, portanto, equivalente a eliminar a possibilidade de argumentar e de se chegar a um acordo.

Entretanto, uma vez que é inegável que não há possibilidade de uma pessoa argumentar sem que seu direito ao controle de seu próprio corpo seja previamente reconhecido e aceito como justo, então uma ética defensora dos direitos iguais para os retardatários que não faça essa distinção jamais poderia ser aceita por ninguém. Só o fato de alguém dizer que ela poderia ser aceita já implica uma contradição, pois a capacidade de poder dizer algo já pressupõe a existência, em um ponto definido do tempo, de uma unidade tomadora de decisão independente.Por conseguinte, somos forçados a concluir que a ética libertária não apenas pode ser justificada por meio de um raciocínio apriorístico, como também somos obrigados a reconhecer que nenhuma alternativa ética pode ser defendida argumentativamente.

A origem da propriedade privada e da famíliapor Hans-Hermann Hoppe, sábado, 14 de janeiro de 2012

É razoável começar uma análise da história humana 5 milhões de anos atrás, quando a linhagem humana evolucionária se separou da linhagem de nosso parente não-humano mais próximo, o chimpanzé. Também é razoável começar 2,5 milhões de anos atrás, com a primeira aparição do homo habilis; ou 200.000 anos atrás, quando surgiu o primeiro representante do "homem anatomicamente moderno"; ou 100.000 atrás, quando o homem anatomicamente moderno adquiriu a forma humana padrão. Entretanto, quero começar apenas 50.000 anos atrás.

Esta é uma data eminentemente razoável também. Nessa época, os humanos já haviam desenvolvido uma linguagem completa, o que permitiu um radical aperfeiçoamento em sua capacidade de aprender e inovar, fazendo com que o "homem anatomicamente moderno" evoluísse e se transformasse no "homem de comportamento moderno". Isto é, o homem havia adotado o estilo de vida do caçador-coletor, estilo esse que ainda existe até hoje em alguns pontos do mundo.

Há aproximadamente 50.000 anos, o número de "humanos modernos" provavelmente não era superior a 5.000, todos confinados ao nordeste da África. Eles viviam em sociedades formadas por um pequeno número de pessoas (de 10 a 30), as quais ocasionalmente se encontravam e formavam um ajuntamento genético comum de aproximadamente 150 a 500 pessoas (tamanho esse que os geneticistas descobriram ser o necessário para se evitar efeitos disgênicos). A divisão do trabalho era limitada, com a principal separação sendo aquela entre mulheres, que atuavam principalmente como coletoras, e homens, que atuavam principalmente como caçadores. Apesar de tudo, a vida a princípio parecia ter sido boa para nossos ancestrais. Apenas algumas horas de trabalho regular permitiam uma vida confortável, com boa nutrição (alta proteína) e tempo de lazer abundante.

Entretanto, a vida dos caçadores e coletores teve de enfrentar um desafio excepcional. Sociedades baseadas na caça e na coleta viviam de maneira essencialmente parasítica. Isto é, eles nada acrescentavam à oferta de bens fornecida pela natureza. Eles apenas exauriam a oferta de bens. Eles não produziam (exceto algumas poucas ferramentas); apenas consumiam. Eles não cultivavam e nem criavam; simplesmente esperavam que a natureza regenerasse e repusesse o estoque de bens consumidos. O que essa forma de parasitismo gerava, portanto, era o inescapável problema do crescimento populacional. Para manter uma vida confortável, a densidade populacional tinha de permanecer extremamente baixa. Estima-se que 2,6 quilômetros quadrados de território era o mínimo necessário para sustentar confortavelmente uma ou duas pessoas; e em regiões menos férteis, eram necessários territórios ainda maiores.

As pessoas podiam, é claro, tentar impedir que tal pressão populacional surgisse, e de fato as sociedades de caça e coleta fizeram o possível nesse sentido. As pessoas praticavam abortos, recorriam a infanticídios — principalmente infanticídio feminino —, e reduziam o número de gravidezes ao incorrerem em longos períodos de amamentação (o que, em combinação com a baixa gordura corporal típica de mulheres que estavam sempre em contínuo movimento, reduz a fertilidade feminina). Entretanto, embora isso aliviasse o problema, não o resolvia. E a população continuou aumentando.

Dado que o tamanho da população não podia ser mantido em um nível estacionário, restavam apenas três alternativas para o crescente problema do "excesso" populacional. Podia-se abrir mão da vida de caça e coleta e encontrar uma nova forma de organização social; podia-se entrar em conflito mortal para se apossar da oferta limitada de alimentos; ou podia-se migrar. Embora a migração de modo algum fosse algo sem custos — afinal, tinha-se que trocar um território conhecido por territórios completamente desconhecidos —, ela se transformou na opção menos custosa. E foi assim que, partindo da África Oriental, sua terra natal, todo o globo foi sendo sucessivamente conquistado por grupos

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de pessoas que se separaram de seus familiares e foram formar novas sociedades em áreas até então nunca ocupadas por humanos.

Essencialmente, esse processo era sempre o mesmo: um grupo invadia um território qualquer, a pressão populacional começava a incomodar, algumas pessoas permaneciam ali, e outras se mudavam para outros lugares — geração após geração. Uma vez separadas, praticamente não mais havia contato entre as várias sociedades de caça e coleta. Consequentemente, embora de início estivessem intimamente relacionadas umas às outras através de relações de parentesco direto, essas sociedades formaram concentrações genéticas separadas, e, ao longo de tempo, confrontadas com ambientes naturais diferentes e como resultado de mutações e derivações genéticas interagindo com a seleção natural, elas assumiram aparências claramente distintas.

Tudo indica que esse processo também começou há aproximadamente 50.000 anos, pouco tempo depois do surgimento do "homem de comportamento moderno" e sua aquisição da habilidade de construir barcos. Dessa época até por volta de 12.000 a 11.000 anos atrás, as temperaturas globais caíram gradualmente (desde então estamos em um período de aquecimento interglacial) e os níveis dos oceanos também caíram correspondentemente.[*]

As pessoas cruzaram o Mar Vermelho no Portão das Lágrimas — que, na época, era apenas um curto espaço de água salpicada de ilhas —, e chegaram à ponta sul da península Arábica (que apresentava um período comparativamente úmido àquela época). Dali em diante, preferindo se manter em climas tropicais, para os quais o organismo havia sido adaptado, a migração continuou voltada para o leste. As viagens eram feitas na maioria das vezes em barcos, pois, até há aproximadamente 6.000 anos, quando o homem aprendeu a domar os cavalos, essa forma de transporte era muito mais rápida e mais conveniente do que viajar à pé.

Assim, primeiramente a migração ocorreu ao longo do litoral — e prosseguia dali até o interior por meio de vales fluviais — até a Índia. Na Índia, aparentemente o movimento populacional se dividiu em duas direções. De um lado, ele prosseguiu contornando a península índica até o sudeste asiático e a Indonésia (que, na época, era conectada ao continente asiático), finalmente chegando ao hoje "alagado" continente de Sahul (Austrália, Nova Guiné e Tasmânia, países esses que, até 8.000 anos atrás, eram interligados por terra). Esse continente, na época, era separado do continente asiático apenas por um largo canal de água salpicado de ilhas que permitiam jornadas curtas entre si. Outra parte desse mesmo movimento contornou a Índia e tomou o rumo norte até a costa da China e, finalmente, até o Japão.

O segundo movimento populacional, assim como o relatado acima, também se subdividiu. Uma corrente saiu da Índia e tomou a direção noroeste, passando por Afeganistão, Irã e Turquia, até finalmente chegar à Europa. A outra corrente seguiu a direção nordeste até o sul da Sibéria.

Migrações posteriores, muito provavelmente ocorridas em três ondas, com a primeira ocorrendo entre 14.000 e 12.000 anos atrás, saíram da Sibéria, passaram pelo Estreito de Bering — na época (aproximadamente 11.000 anos atrás) uma ponte de terra — e chegaram ao continente americano. Apenas 1.000 anos depois, aparentemente chegaram à Patagônia. A última rota de migração partiu de Taiwan, que 5.000 anos atrás já estava ocupada, navegou pelo Pacífico e chegou às ilhas da Polinésia. E, finalmente, apenas 800 anos atrás, chegaram à Nova Zelândia.

Independentemente de todos os detalhes complicados, o fato é que, a partir de um determinado momento, a massa de terra disponível para ajudar a satisfazer as necessidades humanas não mais podia ser aumentada. Para utilizar um jargão econômico, a oferta do fator de produção "terra" se tornou fixa, o que significa que todo e qualquer aumento no tamanho da população humana tinha de ser sustentado pela mesma e imutável quantidade de terra. Baseando-se na lei econômica dos retornos, sabemos que esta situação tem de resultar em um problema malthusiano. A lei dos retornos declara que, para qualquer combinação dos fatores de produção — no caso específico: terra e trabalho —, existe uma combinação ótima. Se esta combinação ótima não for seguida, isto é, se apenas um fator de produção for aumentado — no caso, o trabalho — enquanto o outro — a terra — for mantido constante, então a quantidade de bens físicos produzida não aumentará absolutamente nada ou, na melhor das hipóteses, aumentará em uma proporção muito menor do que o aumento do fator trabalho.

Ou seja, tudo o mais constante, um aumento no tamanho da população para além de um determinado ponto não é acompanhado de um aumento proporcional da riqueza. Se esse ponto for ultrapassado, a quantidade per capita de bens físicos produzidos diminui. E o padrão de vida, na média, irá cair. Atinge-se um ponto de superpopulação absoluta.

O que fazer quando confrontado com esse desafio? Das três opções previamente disponíveis como resposta a um aumento na pressão populacional — migrar, guerrear ou encontrar um novo modo de organização social —, somente as duas últimas continuavam disponíveis. Aqui irei abordar a última resposta, que é a solução pacífica.

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O desafio foi respondido com uma reação dupla: de um lado, por meio da economização da terra; de outro, por meio da "privatização" da produção de rebentos — em suma: por meio da instituição da família e da propriedade privada.

Para entender essas reações, é preciso antes olharmos o tratamento dado ao fator de produção "terra" pelas sociedades de caça e coleta.

Pode-se seguramente assumir que a propriedade privada existia dentro da estrutura de uma família tribal. A propriedade privada existia para coisas como vestimentas pessoais, ferramentas, utensílios e ornamentos. Quando tais itens eram produzidos por indivíduos específicos e identificáveis (durante seus momentos de lazer), ou eram adquiridos de seus fabricantes originais por meio de trocas ou mesmo como presentes, eles eram considerados propriedade individual.

Por outro lado, quando os bens eram o resultado de algum esforço conjunto, eles eram considerados bens coletivos. Isso se aplicava de maneira mais definitiva para os meios de subsistência: aos alimentos coletados e aos animais selvagens caçados em decorrência de alguma divisão intra-tribal do trabalho. (Sem dúvida, a propriedade coletiva, desta forma, teve um papel muito proeminente nas sociedades de caça e coleta, e é por causa disso que o termo "comunismo primitivo" tem sido frequentemente empregado para descrever as economias tribais primitivas: cada indivíduo contribuía para a "renda" familiar de acordo com suas capacidades, e cada indivíduo recebia sua fatia de renda de acordo com suas necessidades.)

E o que dizer sobre a terra em que todas as atividades tribais ocorriam? Pode-se seguramente descartar a hipótese de que a terra era considerada propriedade privada. Porém, seria ela propriedade coletiva? Tipicamente, isso tem sido assumido como verdade. Entretanto, o fato é que a terra não era nem propriedade coletiva nem propriedade privada, mas sim apenas parte do ambiente — ou, mais especificamente, a terra possibilitava as condições gerais da ação humana.

O mundo externo em que as ações do homem ocorriam pode ser dividido em duas partes categoricamente distintas. De um lado, havia aqueles elementos que eram considerados meios — ou bens econômicos; de outro lado, havia aqueles elementos que eram considerados o ambiente. São três os requerimentos para que um elemento do mundo externo seja classificado como um meio ou como um bem econômico. Primeiro, para que um elemento se torne um bem econômico, deve haver uma necessidade humana. Segundo, deve haver a percepção humana de que tal elemento é dotado de propriedades que satisfaçam essa necessidade. Terceiro, e mais importante no presente contexto, um elemento do mundo externo assim percebido deve estar sob o controle humano, de modo que ele possa ser empregado para satisfazer essa necessidade.

Ou seja, somente se um elemento apresentar uma conexão causal com uma necessidade humana, e esse elemento estiver sob o controle humano, pode-se então dizer que essa entidade foi apropriada — tornou-se um bem — e, assim, virou propriedade de alguém. Por outro lado, se um elemento do mundo externo apresentar uma conexão causal com uma necessidade humana, porém ninguém o controla ou interfere nele, então tal elemento deve ser considerado parte de um ambiente não apropriado por ninguém — logo, não é propriedade de ninguém.

Com o auxílio dessas considerações, é possível agora responder à questão a respeito do status da terra em uma sociedade de caça e coleta.

Certamente, os frutos colhidos em um arbusto são propriedade privada; porém, o que dizer do arbusto de onde os frutos foram colhidos? Ele sem dúvida apresenta uma conexão causal com esses frutos. Porém, o arbusto só deixará seu status original de possibilitador das condições gerais da ação humana, e de mero fator contribuinte para a satisfação das necessidades humanas, e ascenderá ao status de propriedade e de genuíno fator de produção quando ele tiver sido apropriado — isto é, quando o homem tiver propositadamente interferido no processo causal e natural que interliga o arbusto aos frutos por ele produzidos. O homem pode fazer isso ao, por exemplo, regar o arbusto ou aparar seus galhos com o intuito de produzir um resultado específico: no caso, um aumento da colheita de frutos acima daquele nível que, em outros contextos, seria o obtido naturalmente.

Similarmente, não há dúvidas de que o animal caçado é propriedade privada; porém, o que dizer de toda a manada da qual esse animal fazia parte? A manada deve ser considerada sem proprietário enquanto o homem ainda não tiver feito nada que possa ser interpretado (e isso está em sua própria mente) como sendo algo que crie uma conexão causal com a satisfação de uma dada necessidade. A manada se torna propriedade somente quando o pré-requisito da interferência sobre a cadeia natural de eventos (com o intuito de produzir algum resultado desejado) tiver sido satisfeito. Isso ocorreria, por exemplo, assim que o homem incorresse na prática de arrebanhar e pastorear os animais — isto é, tão logo ele efetivamente tentasse controlar os movimentos do rebanho.

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E o que dizer, entretanto, da terra sobre a qual o movimento controlado do rebanho ocorre? De acordo com nossas definições, esse pastor não pode ser considerado o proprietário dessa terra. Condutores de rebanho meramente seguem os movimentos naturais da manada, e sua interferência sobre a natureza restringe-se a manter o rebanho unido de modo a ter um acesso fácil a qualquer um dos animais caso haja a necessidade de uma maior oferta de carne animal. Condutores de rebanho não interferem na terra para controlar os movimentos da manada; eles interferem apenas nos movimentos dos membros da manada. A terra só irá se tornar propriedade quando os condutores de rebanho deixarem de ser condutores e se dedicarem à pecuária — isto é, assim que eles começarem a tratar a terra como um meio (escasso) com o intuito de controlar o movimento dos animais. Para isso, eles têm de controlar a terra. Isso requer que a terra seja de certa forma delineada, seja por meio de cercas ou pela construção de alguns outros obstáculos que restrinjam o livre fluxo natural de animais. Em vez de ser meramente um fator que contribui para a produção de rebanhos, a terra passa assim a ser um genuíno fator de produção.

Os que essas considerações demonstram é que se trata de um erro imaginar que a terra era propriedade coletiva nas sociedades de caça e coleta. Caçadores não são condutores de rebanho e muito menos praticam a pecuária ou a criação de gado; e coletores não são jardineiros ou agricultores. Eles não exercem controle sobre a fauna e flora naturalmente ofertadas pelo ambiente, pois eles não as cultivam nem administram. Eles simplesmente se apossam das partes da natureza que estão facilmente disponíveis. Para eles, a terra nada mais é do que uma condição para suas atividades; a terra não é sua propriedade.

Portanto, o que pode ser considerado o primeiro passo rumo a uma solução da armadilha malthusiana enfrentada pelo crescente número de sociedades baseadas na caça e na coleta foi precisamente o estabelecimento da propriedade sobre a terra. Pressionados pela queda no padrão de vida — resultante da superpopulação absoluta —, membros das tribos (separadamente ou coletivamente) sucessivamente se apropriaram de um número cada vez maior de terras (natureza) até então desapropriadas. Essa apropriação da terra teve um imediato efeito duplo. Primeiro, mais bens foram produzidos e, correspondentemente, mais necessidades puderam ser satisfeitas. De fato, esse efeito foi o exato motivo por trás da apropriação da terra: a constatação de que a terra possui uma conexão causal com a satisfação das necessidades humanas e que, mais ainda, ela pode ser controlada.

Foi ao controlar a terra que o homem de fato começou a produzir bens ao invés de meramente consumi-los. (Importante observar que essa produção de bens também envolvia poupar e estocar bens para o consumo posterior). Segundo, e como consequência do primeiro, a maior produtividade obtida por meio da economização (racionalidade no uso) da terra possibilitou que um maior número de pessoas pudesse sobreviver com uma mesma quantidade de terra. Com efeito, foi estimado que a apropriação de terra e a correspondente mudança de uma existência baseada na caça e na coleta para uma existência baseada na agricultura e na criação de animais possibilitou que uma população de dez a cem vezes maior do que a população anterior pudesse ser sustentada com a mesma quantidade de terra.

Entretanto, a economização da terra era apenas parte da solução para o problema criado pela crescente pressão populacional. Por meio da apropriação da terra, fez-se um uso mais eficaz da mesma, permitindo que uma população amplamente maior pudesse ser sustentada. Porém, a instituição da propriedade da terra, por si só, não afetou o outro lado do problema: a contínua proliferação de novos rebentos. Esse aspecto do problema também requeria uma solução. Era necessária a criação de uma instituição social que deixasse essa proliferação sob controle. E a instituição criada para consumar esse objetivo foi a instituição da família. Como explicou Thomas Malthus, para solucionar o problema da superpopulação, junto com a instituição da propriedade, o "as relações sexuais entre os gêneros" também teve de passar por mudanças fundamentais.

Qual era a relação sexual entre os gêneros antes e qual foi a inovação institucional produzida nesse sentido pela família? Em termos de teoria econômica, pode-se descrever que a mudança se deu de uma situação em que tanto os benefícios de se criar descendentes — a criação de mais um produtor em potencial — quanto especialmente os custos dessa criação — a criação de um consumidor (comedor) adicional — eram socializados, isto é, pagos por toda a sociedade e não apenas pelos "produtores" desses rebentos, para uma situação em que tanto os benefícios quanto os custos envolvidos na procriação passaram a ser internalizados pelos indivíduos diretamente responsáveis pela produção dos rebentos.

Quaisquer que tenham sido os detalhes mais exatos, tudo indica que a instituição de um relacionamento monógamo estável — bem como a de um relacionamento polígamo estável — entre homens e mulheres, o que atualmente é associada ao termo família, é algo relativamente recente na história da humanidade, e foi precedido por uma instituição que pode ser amplamente definida como sendo de relações sexuais "irrestritas" ou "não reguladas", ou mesmo de "matrimônio grupal" ou "poliamor" (algumas vezes também rotulado de "amor livre"). As relações sexuais entre os gêneros durante esse estágio da história humana não excluíam a existência de relacionamentos temporários a dois entre um homem e uma mulher. Entretanto, em princípio, toda mulher era considerada uma potencial parceira sexual para todo homem, e vice versa. Nas palavras de Friedrich Engels: "Os homens viviam em poligamia e suas mulheres

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simultaneamente em poliandria, e seus filhos eram considerados como sendo de todos eles. ... Cada mulher pertencia a todos os homens, e cada homem pertencia a todas as mulheres."

Porém, o que Engels e vários outros socialistas posteriores não perceberam em relação à glorificação do amor livre — tanto a que ocorrera no passado quanto a que supostamente viria no futuro — é o fato de que tal instituição possui um efeito direto na produção de rebentos. Como Ludwig von Mises comentou: "O fato é que, mesmo que uma comunidade socialista possa implementar o 'amor livre', ela não pode de maneira alguma ficar livre de procriações". O que Mises quis subentender com esse comentário é que o amor livre tem consequências: gravidezes e descendentes. E uma prole gera benefícios e também custos. Esse dilema não seria um problema enquanto os benefícios excedessem os custos, isto é, enquanto um membro adicional da sociedade agregasse mais a ela como produtor de bens do que subtraísse dela como consumidor — e isso pode perfeitamente vir a ser o caso por algum tempo.

No entanto, como ensina a lei dos retornos, essa situação não pode durar para sempre. Inevitavelmente, chegará um ponto em que os custos de rebentos adicionais irão exceder os benefícios. A partir daí, portanto, qualquer procriação adicional deve ser interrompida — contenções morais devem ser exercidas —, a menos que se queira vivenciar uma queda progressiva nos padrões de vida. Contudo, se as crianças são consideradas como sendo de todo mundo e, ao mesmo tempo, de ninguém, pois todo mundo mantém relações sexuais com todo mundo, então os incentivos para conter a procriação desaparecem ou são significativamente diminuídos. Instintivamente, em virtude da natureza biológica do ser humano, todo homem e toda mulher são impulsionados a difundir e espalhar seus genes para a próxima geração da espécie. Quanto mais rebentos um indivíduo gerar, melhor, pois mais de seus genes sobreviverão. É claro que esse instinto humano natural pode ser controlado por uma deliberação racional. Porém, se pouco ou nenhum sacrifício econômico tivesse de ser feito em decorrência dos instintos animais de cada indivíduo — porque todas as crianças seriam sustentadas pela sociedade como um todo —, então pouco ou nenhum incentivo existiria para se empregar a razão em questões sexuais, isto é, para se exercer a contenção moral.

De um ponto de vista puramente econômico, portanto, a solução para o problema da superpopulação deveria ser imediatamente aparente. A administração das crianças — ou, mais corretamente, a curadoria das crianças — tinha de ser privatizada. Em vez de considerar as crianças como sendo propriedade coletiva da "sociedade", ou responsabilidade da "sociedade", ou mesmo ver o nascimento de crianças como um evento natural incontrolado e incontrolável — e, como consequência, encarar as crianças como propriedade de ninguém e não estando aos cuidados de ninguém —, as crianças tiveram de passar a ser consideradas entidades que foram produzidas privadamente e, por isso, confiadas aos cuidados privados de quem as produziu.

Além do mais e finalmente: com a formação de famílias monógamas ou polígamas surgiu outra decisiva inovação. Antes, todos os membros de uma tribo formavam uma família única e uniforme, e a divisão do trabalho intra-tribal era essencialmente uma divisão do trabalho intra-familía. Com o advento da formação de famílias veio a fragmentação de uma grande família uniforme em várias famílias independentes, e com isso veio também a formação de várias propriedades privadas sobre a terra.

Ou seja, a apropriação de terras anteriormente descrita não foi simplesmente uma transição de uma situação em que uma terra que antes era sem dono passou a ser propriedade, mas sim, mais precisamente, uma transição de uma situação em que uma terra até então sem dono foi transformado em propriedade de famílias separadas (permitindo assim também o surgimento da divisão do trabalho inter-famílias).

Consequentemente, portanto, a maior renda social possibilitada pela propriedade da terra não mais era distribuída como era anteriormente: para cada membro da sociedade "de acordo com suas necessidades". A fatia de cada família no total da renda passou a depender do produto que cada uma imputava à economia — isto é, passou a depender do seu trabalho e da sua propriedade investidos na produção. Em outras palavras: o antes difuso "comunismo" pode até ter continuado existindo dentro de cada família, porém o comunismo desapareceu da relação entre os membros de famílias diferentes. As rendas das diferentes famílias eram distintas, dependentes da quantidade e da qualidade do trabalho e da propriedade investidos, e ninguém tinha o direito de reivindicar a renda produzida pelos membros de outra família. Com isso, a "carona" sobre os esforços alheios tornou-se amplamente — ou totalmente — impossível. Aquele que não trabalhasse não mais poderia esperar comer gratuitamente.

Deste modo, em resposta à crescente pressão populacional, um novo modo de organização social passou a existir, substituindo aquele estilo de vida "caça e coleta" que havia caracterizado a maior parte da história. Como resumiu Ludwig von Mises:

A propriedade privada dos meios de produção é o princípio regulador que, dentro de uma sociedade, equilibra os limitados meios de subsistência à disposição da sociedade com a bem menos limitada capacidade de aumento na quantidade de consumidores. Ao fazer com que a fatia do produto social de cada membro da sociedade seja dependente

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do produto economicamente imputado a ele, isto é, dependente de seu trabalho e de sua propriedade, a matança de seres humanos em decorrência da luta pela sobrevivência, como ocorre nos reinos animal e vegetal, é substituída por uma redução na taxa de natalidade em decorrência das forças sociais. A 'contenção moral' — as limitações sobre a produção de rebentos impostas pelas posições sociais — substitui a batalha pela existência.

___________________________________________

Nota

[*] Na realidade, o último grande período de aquecimento já havia terminado há aproximadamente 120.000 anos. Durante este período — isto é, mais de 120.000 anos atrás — hipopótamos viviam nos rios Reno e Tâmisa, e a Europa tinha uma espécie de "aparência africana". Dali em diante, quando as temperaturas começaram a cair, as geleiras se moveram continuamente na direção sul, e o nível do mar na Europa diminuiu em mais de 100 metros. Os rios Tâmisa e Elba se tornaram afluentes do Reno, antes de este passar a correr até o Mar do Norte e dali para o Atlântico. Quando este período terminou, muito abruptamente, há aproximadamente 12.000 anos, as geleiras rapidamente retornaram e o nível do mar subiu, não apenas milímetros por ano, mas sim muito rapidamente, quase que como um dilúvio. Em um curto espaço de tempo, a Inglaterra e a Irlanda, que até então eram ligadas ao continente europeu, se tornaram ilhas. Foi assim que o Mar Báltico e grande parte do atual Mar do Norte surgiram. Do mesmo modo, grande parte do que hoje é o Golfo Pérsico passou a existir apenas naquela época.

Por que o socialismo sempre irá fracassarpor Hans-Hermann Hoppe, domingo, 9 de novembro de 2014

O socialismo e o capitalismo oferecem soluções radicalmente diferentes para o problema da escassez: já que é impossível que todos tenham, imediatamente e ao mesmo tempo, tudo aquilo que querem, como então podemos decidir de modo eficaz quem irá controlar os recursos que temos?

A solução que for escolhida trará profundas implicações. Ela pode significar a diferença entre prosperidade e empobrecimento, trocas voluntárias e coerção política, liberdade e totalitarismo.

O sistema capitalista soluciona o problema da escassez ao reconhecer o direito à propriedade privada honestamente adquirida. O primeiro a utilizar um determinado bem torna-se o seu proprietário. Outros podem adquiri-lo por meio de trocas e contratos voluntários. Mas até que o dono da propriedade decida fazer um contrato para comercializar sua propriedade, ele pode fazer o que quiser com ela - desde que ele não interfira na propriedade alheia, danificando-a fisicamente.

O sistema socialista tenta solucionar o problema da propriedade de uma maneira completamente diferente. Assim como no capitalismo, as pessoas podem ser donas de bens de consumo. Mas no socialismo, diferentemente do capitalismo, as propriedades que servem como meios de produção são coletivizadas, não possuindo proprietários. Nenhuma pessoa pode ser dona das máquinas e dos outros recursos utilizados na produção de bens de consumo. É a humanidade, por assim dizer, a dona desses recursos.

Apenas um tipo de pessoa pode comandar os meios de produção: os "zeladores" do sistema, aqueles que controlam todo o arranjo socialista.

As leis econômicas garantem que a socialização dos meios de produção sempre irá gerar efeitos econômicos e sociológicos perniciosos. Qualquer experimento socialista sempre acabará em fracasso, por cinco motivos.

Primeiro, o socialismo resulta em menos investimentos, menos poupança e um padrão de vida menor. Quando o socialismo é inicialmente imposto, a propriedade precisa ser redistribuída. Os meios de produção são confiscados dos atuais usuários e produtores, e entregues à comunidade de "zeladores". Mesmo que os proprietários e usuários tenham adquirido os meios de produção via consentimento voluntário dos usuários anteriores, os meios serão transferidos a pessoas que, na melhor das hipóteses, tornar-se-ão usuárias e produtoras de coisas que elas não possuíam anteriormente.

Sob esse sistema, os proprietários e usuários anteriores são penalizados em prol dos novos donos. Os não-usuários, não-produtores e não-contratantes dos meios de produção são favorecidos ao serem promovidos à posição de zeladores de propriedades que eles não utilizaram, não produziram ou não alugaram para usar. Assim, a renda dos não-usuários,

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não-produtores e não-contratantes aumenta. O mesmo é válido para o não-poupador que se beneficiou à custa do poupador cuja propriedade poupada foi confiscada.

Torna-se claro, portanto, que, se o socialismo favorece o não-usuário, o não-produtor, o não-contratante e o não-poupador, ele necessariamente eleva os custos sobre os usuários, os produtores, os contratantes e os poupadores. É fácil entender por que haverá menos pessoas exercendo essas últimas funções. Haverá menos apropriações originais dos recursos naturais, menos produção de novos fatores de produção e menos contratantes. Haverá menos preparação para o futuro porque todos os investimentos secarão. Haverá menos poupança e mais consumo, menos trabalho e mais lazer.

Isso significa menos bens de consumo disponíveis para trocas, o que leva a uma redução do padrão de vida de todos. Se as pessoas estiverem dispostas a se arriscar para obtê-los, elas terão de ir para o mercado negro e para a economia informal, onde poderão tentar contrabalançar essas perdas.

Segundo, o socialismo resulta em escassez, ineficiências e desperdícios assombrosos. Essa foi a grande constatação de Ludwig von Mises, que ainda em 1920 já havia descoberto que o cálculo econômico racional é impossível sob o socialismo. Ele mostrou que, em um sistema coletivista, os bens de capital serão, na melhor das hipóteses, utilizados na produção de bens de segunda categoria; na pior, na produção de coisas que não satisfazem absolutamente nenhuma necessidade.

A constatação de Mises é simples, porém extremamente importante: como no socialismo os meios de produção não podem ser vendidos, não existem preços de mercado para eles. Assim, seu "zelador" não pode determinar os custos monetários envolvidos na fabricação ou na modificação das etapas dos processos de produção. Tampouco pode ele comparar esses custos à receita monetária das vendas. E como ele não tem a permissão de aceitar ofertas de outros empreendedores que queiram utilizar seus meios de produção, ele não tem como saber quais as oportunidades que está perdendo. E sem conhecer as oportunidades que está perdendo, ele não tem como saber seus custos. Ele não tem nem como saber se a maneira como ele está produzindo é eficiente ou ineficiente, desejada ou indesejada, racional ou irracional. Ele não tem como saber se está satisfazendo as necessidades mais urgentes ou os caprichos mais efêmeros dos consumidores.

Ou seja, a propriedade comunal dos meios de produção (por exemplo, das fábricas) impede a existência de mercados para bens de capital (por exemplo, máquinas). Se não há propriedade privada sobre os meios de produção, não há um genuíno mercado entre eles. Se não há um mercado entre eles, é impossível haver a formação de preços legítimos. Se não há preços, é impossível fazer qualquer cálculo de preços. E sem esse cálculo de preços, é impossível haver qualquer racionalidade econômica — o que significa que uma economia planejada é, paradoxalmente, impossível de ser planejada.

Sem preços, não há cálculo de lucros e prejuízos, e consequentemente não há como direcionar o uso de bens da capital para atender às mais urgentes demandas dos consumidores da maneira menos dispendiosa possível.

No capitalismo, o livre mercado e o sistema de preços fornecem essa informação ao produtor. A propriedade privada sobre o capital e a liberdade de trocas resultam na formação de preços (bem como salários e juros), os quais refletem as preferências dos consumidores e permitem que o capital seja direcionado para as aplicações mais urgentes, ao mesmo tempo em que o julgamento empreendedorial tem de lidar constantemente com as contínuas mudanças nos desejos dos consumidores.

Já no socialismo, não há preços para os bens de capital e não há oportunidades de trocas voluntárias. O "zelador" fica à deriva e no escuro. E como ele não conhece a situação de sua atual estratégia de produção, ele não sabe como melhorá-la. Quanto menos os produtores podem calcular e fazer aprimoramentos, maior a probabilidade de desperdícios e escassezes. Em uma economia na qual o mercado consumidor para seus produtos é muito grande, o dilema do produtor é ainda pior.

Desnecessário dizer que, quando não há um cálculo econômico racional, a sociedade irá afundar em um empobrecimento progressivamente deteriorante. Qualquer passo rumo ao socialismo é um passo rumo à irracionalidade econômica.

Terceiro, o socialismo resulta na utilização excessiva dos fatores de produção — até o ponto em que eles se tornam completamente dilapidados e vandalizados. Um proprietário particular em um regime capitalista tem o direito de vender seu fator de produção no momento em que ele quiser, e manter para si as receitas da venda. Sendo assim, é do seu total interesse evitar perdas no valor de seu capital. Como ele é o dono, seu objetivo é maximizar o valor do fator responsável pela produção dos bens e serviços por ele vendidos.

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A situação do "zelador" socialista é inteiramente diferente. Como ele não pode vender seu fator de produção, ele tem pouco ou nenhum incentivo para fazer com que seu capital retenha valor. Seu estímulo, ao contrário, será aumentar a produção sem qualquer consideração para com as consequências disso sobre o valor de seu fator de produção — o qual, por causa do uso constante e desmedido, só irá cair.

Há também a hipótese de que, caso o zelador vislumbre uma oportunidade de utilizar seus meios de produção em benefício privado — como produzir bens para serem vendidos no mercado negro —, ele terá o incentivo de aumentar a produção à custa do valor do capital, consumindo completamente o maquinário. Afinal, ele não tem nada a perder e tudo a ganhar.

Não importa como você veja: quando não há propriedade privada e livre mercado — ou seja, quando há socialismo —, os produtores estarão propensos a consumir o capital até sua completa inutilização. O consumo de capital leva ao empobrecimento.

Quarto, o socialismo leva à redução da qualidade dos bens e serviços disponíveis ao consumidor. Sob o capitalismo, um empresário pode preservar e expandir sua empresa apenas se ele for capaz de recuperar seus custos de produção. E como a demanda pelos produtos de sua empresa depende da avaliação que os consumidores fazem do preço e da qualidade (sendo o preço um critério de qualidade), a qualidade dos produtos tem de ser uma preocupação constante para os produtores. Isso só é possível se houver propriedade privada e trocas voluntárias de mercado.

Sob o socialismo, as coisas são diferentes. Não apenas os meios de produção são coletivamente geridos, como também é coletiva a renda obtida com a venda de toda a produção. Isso é outra maneira de dizer que a renda do produtor tem pouca ou nenhuma conexão com a avaliação que os consumidores fazem do seu trabalho. Todos os produtores, obviamente, sabem desse fato.

Assim, o produtor não tem motivos para fazer um esforço especial para melhorar a qualidade do seu produto. Em vez disso, ele irá dedicar menos tempo e esforço para produzir o que os consumidores querem e gastar mais tempo fazendo o que ele quer. O socialismo é um sistema que incentiva os produtores a serem preguiçosos.

Quinto, o socialismo leva à politização da sociedade. Dificilmente pode existir algo pior para a produção de riqueza.

O socialismo, pelo menos em sua versão marxista, diz que seu objetivo é a completa igualdade. Os marxistas observam que, uma vez permitida a propriedade privada dos meios de produção, está permitida a criação de diferenças sociais. Se eu sou o proprietário do recurso A, isso implica que você não é — logo, nossa relação com o recurso A torna-se diferente e desigual.

Ao abolir de uma só vez a propriedade privada dos meios de produção, dizem os marxistas, todos passarão a ser co-proprietários de tudo. E isso seria o mais justo, pois estaria refletindo a igualdade de todos como seres humanos.

A realidade, porém, é muito diferente. Declarar que todos são co-proprietários de tudo irá solucionar apenas nominalmente as diferenças de posse. Mas não irá resolver o real e fundamental problema remanescente: ainda existirão diferenças no poder de controlar o que será feito com os recursos.

No capitalismo, a pessoa que é dona de um recurso pode também controlar o que será feito com ele. Em uma economia socializada, isso não se aplica, pois não mais existem proprietários. Não obstante, o problema do controle continua. Quem irá decidir o que deve ser feito com o quê? No socialismo, só há uma maneira: as pessoas resolvem suas desavenças a respeito do controle da propriedade sobrepondo uma vontade à outra. Enquanto existirem diferenças, as pessoas irão resolvê-las por meios políticos.

Se as pessoas quiserem melhorar sua renda sob o socialismo, elas terão de ascender a posições mais valorizadas dentro da hierarquia dos "zeladores". Isso requer talento político. Sob tal sistema, as pessoas terão de despender menos tempo e esforço desenvolvendo suas habilidades produtivas e mais tempo e esforço aprimorando seus talentos políticos.

À medida que as pessoas vão abandonando seus papeis de produtoras e usuárias de recursos, percebe-se que suas personalidades vão se alterando. Elas deixam de cultivar a capacidade de antecipar situações de escassez, de aproveitar oportunidades produtivas, de estar alerta a possibilidades tecnológicas, de antecipar mudanças na demanda do consumidor e de desenvolver estratégias de marketing. Elas perdem a capacidade da iniciativa, do trabalho e da resposta aos anseios de terceiros.

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Nesse cenário, as pessoas passam a desenvolver a habilidade de mobilizar apoio público em favor de suas próprias posições e opiniões, utilizando-se de artifícios como demagogia, poder de persuasão retórica, promessas, esmolas e ameaças. Sob o socialismo, as pessoas que ascendem ao topo são diferentes das que o fazem sob o capitalismo. Quanto mais alto você olhar para uma hierarquia socialista, mais você encontrará pessoas excessivamente incompetentes para fazer o trabalho que supostamente deveriam fazer. Não é nenhum obstáculo para a carreira de um político-zelador ser imbecil, indolente, ineficiente e negligente. Só é necessário que ele tenha boas habilidades políticas.

Isso é uma receita cera para o empobrecimento de qualquer sociedade.

A análise de classe marxista vs. a análise de classe austríacapor Hans-Hermann Hoppe, sexta-feira, 13 de maio de 2011

No seguinte artigo, tenho três propostas. Primeiro, irei apresentar algumas teses que constituem o núcleo básico da teoria marxista da história. Afirmo que todas elas, em sua essência, estão inteiramente corretas. Em seguida, irei demonstrar como essas corretas teses marxistas foram derivadas de uma base completamente errônea. Por fim, quero demonstrar como a teoria austríaca, na tradição de Mises e Rothbard, pode fornecer uma explicação correta, embora categoricamente diferente, da validade destas teses marxistas.

Deixe-me começar com o núcleo básico do sistema de crenças marxista:[1]

(1) "A história da humanidade é a história da lutas de classe."[2] É a história das lutas entre uma classe dominante relativamente pequena e uma classe de explorados bastante numerosa. A principal forma de exploração é econômica: a classe dominante expropria parte da produção gerada pelos explorados — ou, como dizem os marxistas, a classe dominante "se apropria da mais-valia social e a utiliza para seus próprios propósitos de consumo."

(2) A classe dominante é unida pelo seu interesse comum de manter sua posição exploratória e maximizar sua mais-valia apropriada espoliativamente. Ela nunca deliberadamente abre mão do poder ou da renda advinda da exploração. Logo, qualquer perda de poder ou de renda da classe exploradora só será alcançada por meio de conflitos, cujos resultados efetivos vão depender, em última instância, da consciência de classe dos explorados — isto é, se os explorados estão cientes das suas próprias condições, o quão cientes estão disso e, principalmente, se estão conscientemente unidos aos outros membros da sua classe em oposição conjunta à exploração.

(3) O domínio de classe se manifesta essencialmente através de arranjos específicos que estão relacionados à forma como os direitos de propriedade são estipulados — ou, na terminologia marxista, na forma de "relações de produção" específicas. Para proteger esse arranjo ou essa relação de produção, a classe dominante forma o estado e assume seu comando, transformando-o em um aparato de compulsão e coerção. O estado impõe uma determinada estrutura de classes e estimula a sua reprodução através da administração de um sistema de "justiça de classe", e ajuda na criação e no sustento de uma superestrutura ideológica voltada para dar legitimidade à existência do domínio de classe.

(4) Internamente, o processo de competição dentro da classe dominante gera uma tendência de crescente concentração e centralização. Um sistema multipolar de exploração vai sendo gradualmente substituído por um sistema oligárquico ou monopolista. Um número cada vez menor de centros de exploração continua em operação — e aqueles que continuam estão cada vez mais integrados a uma ordem hierárquica. Externamente (isto é, no que diz respeito ao sistema internacional), esse processo de centralização levará a guerras imperialistas entre estados e à expansão territorial do domínio explorador. Quanto mais avançado estiver o processo de centralização, mais intensas serão as guerras.

(5) Finalmente, com a centralização e a expansão do domínio explorador gradualmente se aproximando do seu limite supremo de dominação global, o domínio de classe irá se tornar crescentemente incompatível com uma maior evolução e melhoria das "forças produtivas". Estagnações econômicas e crises se tornam cada vez mais rotineiras, criando assim as "condições objetivas" para o surgimento de uma revolucionária consciência de classe dos explorados. A situação se torna propícia para a criação de uma sociedade sem classes, para o "desaparecimento do estado", com o governo do homem sobre o homem sendo substituído pela simples administração das coisas[3]. Como resultado, haverá uma prosperidade econômica sem precedentes.

Todas essas teses podem ser perfeitamente justificáveis, como eu demonstrarei. Infelizmente, no entanto, o marxismo — que apóia a todas elas — foi a ideologia que fez mais do que qualquer outra para desacreditar as validades dessas teses, justamente por tê-las derivado de uma teoria de exploração evidentemente absurda.

Qual é essa teoria marxista da exploração? De acordo com Marx, os sistemas sociais pré-capitalistas, como a escravidão e o feudalismo, são caracterizados pela exploração. Não há nenhuma controvérsia quanto a isso. Afinal, o

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escravo não é um trabalhador livre e não se pode dizer que ele ganha por estar escravizado. Ao contrário, ao ser escravizado, sua utilidade é reduzida em prol de um aumento na riqueza apropriada pelo escravizador. O interesse do escravo e o interesse do dono do escravo são de fato antagônicos. O mesmo é válido quanto aos interesses do senhor feudal que extrai impostos sobre a terra de um agricultor que se apropriou originalmente dela. Os ganhos do senhor são as perdas do agricultor. E também não há controvérsia quanto ao fato de que tanto a escravidão quanto o feudalismo de fato obstruem o desenvolvimento das forças produtivas. Nem o escravo nem o servo serão tão produtivos quanto seriam sem a escravidão ou a servidão.

A idéia genuinamente nova do marxismo foi afirmar que, essencialmente, nada muda quando se sai do sistema escravagista para o sistema capitalista; nada muda se o escravo se torna um trabalhador livre, ou se o agricultor decide cultivar uma terra originalmente apropriada por outra pessoa e paga um aluguel para fazer isso. Para não haver dúvida, Marx, no famoso capítulo XXIV do primeiro volume de seu O Capital, intitulado "A Chamada Acumulação Original", fornece uma descrição histórica do surgimento do capitalismo, em que chama a atenção para o fato de que grande parte ou até mesmo a maioria da propriedade inicial capitalista é o resultado de pilhagens, anexações e conquistas.

Similarmente, no capítulo XXV, sobre a "Moderna Teoria do Colonialismo", o papel da força e da violência na exportação do capitalismo para o — como diríamos hoje em dia — Terceiro Mundo é fortemente enfatizado. Reconhecidamente, tudo isso está correto em termos gerais — e, na medida em que isso está correto, não pode haver contendas quanto à rotulação desse tipo de capitalismo como explorador.

Porém, é preciso estar atento para o fato de que, nesse ponto, Marx está incorrendo em uma trapaça. Ao fazer investigações históricas e incitar a indignação do leitor quanto às brutalidades que ocorreram durante a formação de muitas fortunas capitalistas, ele na verdade está evadindo o assunto em questão. Ele muda o enfoque e se distrai para o fato de que sua tese é na verdade inteiramente diferente, a saber: que mesmo sob um capitalismo "limpo", por assim dizer (ou seja, sob um sistema no qual a apropriação original do capital foi inteiramente honesta, sem qualquer tipo de pilhagem), com trabalho e poupança, o capitalista que contratou mão-de-obra para ser empregada com seu capital estaria ainda assim praticando exploração. Com efeito, Marx considerava a comprovação desta tese como a sua mais importante contribuição à análise econômica.

Qual seria, então, sua prova do caráter explorador de um capitalismo limpo?

Sua prova consiste na observação de que os preços dos fatores de produção, em particular os salários pagos aos trabalhadores pelos capitalistas, são menores do que os preços dos bens produzidos. O trabalhador, por exemplo, recebe um salário que representa os bens de consumo produzidos em três dias, sendo que ele, na verdade, trabalhou cinco dias por seu salário e produziu um total de bens de consumo que excede em valor o que ele recebe como remuneração. Os bens produzidos durante esses dois dias extras — a mais-valia, na terminologia marxista — são apropriados pelo capitalista. Portanto, de acordo com Marx, existe exploração.[4]

O que há de errado com essa análise?[5] A resposta se torna óbvia tão logo se pergunta por que seria possível o trabalhador concordar com esse arranjo. Ele concorda porque seu pagamento salarial representa bens presentes — ao passo que os serviços de sua mão-de-obra representam apenas bens futuros —, e ele, como qualquer ser humano, atribui um valor muito maior aos bens presentes do que aos bens futuros. Afinal, ele também poderia optar por não vender seus serviços ao capitalista e, com isso, se apossar ele próprio do "valor total" de sua produção.

Mas isso, é claro, significa que ele teria de esperar muito mais tempo até que quaisquer bens de consumo se tornassem disponíveis para ele. Ao vender sua mão-de-obra, ele demonstra preferir uma menor quantidade de bens de consumo agora a uma quantidade possivelmente maior em algum momento futuro.

Por outro lado, por que o capitalista iria querer fazer um acordo com o trabalhador? Por que ele iria querer adiantar bens presentes (dinheiro) para o trabalhador em troca de serviços que trarão frutos somente mais tarde? Obviamente, ele não iria querer pagar, por exemplo, $100 agora se ele fosse receber a mesma quantia daqui a um ano. Neste caso, por que não simplesmente ficar com o dinheiro por um ano e, com isso, receber o benefício extra de tê-lo sob seu total controle durante todo esse tempo? Ao invés disso, é natural que ele espere receber uma soma maior que $100 no futuro a fim de poder abrir mão dos $100 agora na forma de salário pago para o trabalhador. Ele espera ser capaz de auferir um lucro — ou, mais corretamente, um retorno de juros.

Ele também é restringido pela preferência temporal, isto é, pelo fato de que um indivíduo invariavelmente prefere possuir um bem no presente a ter esse mesmo bem apenas no futuro. Se um indivíduo pode obter uma maior soma no futuro sacrificando uma soma menor no presente, por que então o capitalista não poupa mais do que está poupando? Por que ele não contrata mais trabalhadores do que contrata atualmente, dado que cada um deles promete um retorno de juros a mais? A resposta novamente deveria ser óbvia: porque o capitalista é também um consumidor como qualquer

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outro indivíduo, e como todo ser humano simplesmente não pode deixar de ser um. A quantidade que ele pode poupar e investir é restringida pela necessidade de ele, assim como o trabalhador, também requerer uma oferta de bens presentes "suficientemente grande para garantir a satisfação de todas as necessidades cuja satisfação durante o período de espera é considerada mais urgente do que as vantagens que um período ainda maior de produção poderia proporcionar".[6]

O que há de errado, portanto, com a teoria da exploração de Marx é que ele não compreende o fenômeno da preferência temporal como uma categoria universal da ação humana.[7] O fato de o trabalhador não receber seu "valor total" não tem nada a ver com exploração; simplesmente reflete o fato de que é impossível o homem trocar bens futuros por bens presentes sem que haja um desconto. Contrariamente ao caso do escravo e do dono de escravos, em que o último se beneficia à custa do primeiro, o relacionamento entre o trabalhador livre e o capitalista é mutuamente benéfico. O trabalhador entra no acordo porque, dada a sua preferência temporal, ele prefere uma menor quantidade de bens presentes a uma quantidade maior no futuro; e o capitalista entra no acordo porque, dada sua preferência temporal, ele possui uma preferência de ordem inversa, dando mais valor a uma quantidade maior de bens futuros a uma quantidade menor de bens presentes. Seus interesses não são antagônicos, mas sim harmoniosos. Caso o capitalista não tivesse a expectativa de receber um retorno de juro, o trabalhador estaria numa situação pior, pois teria que esperar mais tempo do que deseja; e sem a preferência do trabalhador por bens presentes, o capitalista estaria numa situação pior, pois teria que recorrer a métodos de produção mais curtos e com menos estágios — logo, menos eficientes — do que aqueles que deseja adotar.

Tampouco o sistema salarial capitalista pode ser considerado um obstáculo à evolução das forças de produção, como afirma Marx. Se o trabalhador não pudesse vender seus serviços de mão-de-obra e se o capitalista não os pudesse comprar, a produção não seria maior, mas sim menor, pois a produção teria de ser feita com níveis relativamente reduzidos de acumulação de capital.

Sob um sistema de produção socializado, a evolução das forças produtivas — ao contrário do que afirmava Marx — não alcançaria novos ápices, mas, sim, afundaria dramaticamente.[8] Afinal, é algo óbvio que a acumulação de capital deve ser feita por indivíduos específicos em pontos específicos do tempo e do espaço por meio da apropriação original, da produção e da poupança. Em cada caso, a acumulação de capital é realizada na expectativa de que ela levará a um aumento da produção de bens futuros. O valor que um indivíduo atribui ao seu capital reflete o valor que ele atribui a todas as rendas futuras possibilitadas por esse capital, renda essa descontada por sua preferência temporal.

Se, como no caso de fatores de produção sob propriedade coletiva, um indivíduo não mais possui controle exclusivo do seu capital acumulado — e, portanto, sobre a renda futura a ser derivada do emprego deste capital —, sendo que o controle parcial deste capital foi dado a outros indivíduos que não são produtores e nem poupadores, o valor para esse indivíduo da renda esperada e, consequentemente, o valor dos bens de capital será reduzido. Sua preferência temporal efetiva subirá; ele passará a ser mais imediatista, mais voltado para o presente. Haverá menos apropriação original de recursos escassos e menos poupança para a manutenção dos recursos existentes e para a produção de novos bens de capital. O período de produção, o número de estágios da estrutura de produção, será reduzido e o resultado será um relativo empobrecimento.

Se a teoria marxista da exploração capitalista e suas idéias sobre como acabar com a exploração e estabelecer a prosperidade universal são falsas a ponto de serem ridículas, resta claro que qualquer teoria de história que seja derivada dela também deve ser falsa. Ou, caso ela esteja correta, sua derivação se deu de modo totalmente incorreto.

Ao invés de incorrer na prolixa e enfadonha tarefa de explicar todas as falhas presentes no argumento marxista, que começa com sua teoria de exploração capitalista e termina na sua teoria de história como acabei de descrever, tomarei um atalho. A seguir, delinearei, da forma mais breve e correta possível, a teoria austríaca-misesiana-rothbardiana da exploração; farei um esboço explanatório de como essa teoria faz sentido partindo da teoria de classes da história; e ressaltarei, ao longo do percurso, algumas diferenças essenciais entre esta teoria de classes e a teoria marxista, apontando também algumas afinidades intelectuais entre o austrianismo e o marxismo, afinidades essas que advêm de suas convicções comuns de que realmente existe uma exploração e uma classe dominante.[9]

O ponto de partida para a teoria austríaca da exploração é claro e simples, como deve ser. Na realidade, ele já foi estabelecido por meio da análise da teoria marxista: a exploração caracterizava a relação entre escravo e mestre e entre servo e senhor feudal. Porém, não foi possível encontrar nenhuma exploração sob um sistema de capitalismo limpo. Qual a diferença principal entre esses dois casos? A resposta é: o reconhecimento ou não do princípio da apropriação original (o princípio que diz que os recursos naturais previamente sem dono podem ser apropriados originalmente quando um indivíduo coloca-os em uso ou, segundo as palavras de John Locke, "mistura seu trabalho a eles").

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O camponês sob o feudalismo é explorado porque ele não possui controle exclusivo sobre a terra da qual ele se apropriou originalmente, e o escravo porque ele não possui controle exclusivo sobre seu corpo, do qual, obviamente, ele deve ser o proprietário original. Se, ao contrário, todos possuírem controle exclusivo sobre seus próprios corpos (ou seja, se todos forem trabalhadores livres) e agirem de acordo com o princípio da apropriação original, não há como haver exploração. É logicamente absurdo afirmar que uma pessoa que se apropria de bens previamente não apropriados por ninguém, ou que emprega esses bens na produção de bens futuros, ou que poupa os bens presentemente apropriados ou produzidos com o intuito de aumentar a oferta futura de bens, estaria explorando alguém ao agir assim. Nada foi tirado de ninguém nesse processo, e bens adicionais foram realmente criados.

E seria igualmente absurdo afirmar que um acordo voluntariamente feito entre diferentes apropriadores originais, poupadores e produtores envolvendo seus bens e serviços (que foram apropriados de maneira não exploratória) pode possivelmente conter alguma injustiça ou exploração. Ao contrário, a exploração ocorre justamente quando há algum desvio do princípio da apropriação original. Ocorre uma exploração sempre que um indivíduo exitosamente adquire o controle parcial ou total de recursos dos quais ele não se apropriou originalmente, não poupou ou não produziu, e os quais ele não adquiriu contratualmente de outro indivíduo que havia sido o genuíno proprietário-produtor desses recursos. Exploração ocorre quando apropriadores originais, produtores e poupadores são expropriados por não-produtores, não-poupadores e não-contratantes que só chegaram mais tarde. Exploração é quando pessoas cujas propriedades foram adquiridas por meio do trabalho e do contrato são expropriadas por pessoas que simplesmente alegam ter direitos a essas propriedades; direitos esses derivados do nada, e que desprezam todo o trabalho e todos os contratos feitos por terceiros.[10]

Desnecessário dizer que a exploração assim definida é, com efeito, parte integral da história humana. Um indivíduo pode adquirir riqueza e aumentá-la tanto por meio da apropriação original, da produção, da poupança ou de contratos, quanto por meio da expropriação pura e simples de outros apropriadores originais, produtores, poupadores ou contratantes. Não há outras maneiras. Ambos os métodos são naturais à humanidade. Junto com a apropriação original, a produção e a contratação, sempre houve no mundo propriedades que foram adquiridas por meio de métodos não-produtivos e não-contratuais. Na história do desenvolvimento econômico, assim como os produtores e contratantes podem formar empresas, empreendimentos e corporações, também os exploradores podem fazer conluio para criar empreendimentos, governos e estados exploradores em larga escala.

A classe dominante (a qual, novamente, pode ser internamente estratificada) inicialmente é formada por membros dessa empresa exploradora. E com uma classe dominante estabelecida sobre um dado território e ocupando-se de expropriar os recursos econômicos de uma classe de produtores explorados, o centro de toda a história de fato passa a ser a luta entre exploradores e os explorados. A história, portanto, se corretamente contada, é essencialmente a história das vitórias e derrotas dos dominadores em suas tentativas de maximizar suas rendas adquiridas exploratoriamente, e dos dominados em suas tentativas de resistir a essa tendência e de tentar revertê-la.

É quanto a essa abordagem da história que os austríacos e os marxistas concordam, e é por isso que existe uma notável afinidade intelectual entre as investigações históricas austríacas e marxistas. Ambas as escolas se opõem a uma historiografia que reconhece apenas ação ou interação, tudo econômica e moralmente no mesmo nível; e ambas se opõem a uma historiografia que, ao invés de adotar uma posição com juízo de valor neutro, julga-se no dever de inserir arbitrariamente julgamentos de valor subjetivo com o intuito de realçar suas narrativas históricas. Em vez disso, a história precisa ser contada em termos de liberdade e exploração, parasitismo e empobrecimento econômico, propriedade privada e sua destruição — caso contrário, ela estará sendo contada falsamente.[11]

Ao passo que empresas produtivas surgem e desaparecem em decorrência do apoio voluntário (ou de sua ausência) dos consumidores, uma classe dominante nunca chega ao poder porque houve uma demanda por ela; tampouco ela abdica do poder quando sua abdicação é explicitamente demandada. Não se pode dizer, nem com muita imaginação, que apropriadores originais, produtores, poupadores e contratantes demandaram suas próprias expropriações. Eles devem ser coagidos a aceitá-la, e isso prova de maneira conclusiva que a existência dessa empresa exploradora não é demandada de forma alguma. Tampouco se pode dizer que uma classe dominante pode ser derrubada por meio da abstenção de transações com ela, assim como tal medida pode pôr abaixo um empreendimento produtivo. Afinal, a classe dominante adquire sua renda por meio de transações não-produtivas e não-contratuais, sendo assim jamais afetada por boicotes. O que torna possível o surgimento de uma empresa exploratória, e a única medida que pode extingui-la, é um estado específico da opinião pública — ou, na terminologia marxista, um estado específico de consciência de classe.

Um explorador cria vítimas, e vítimas sempre serão inimigos em potencial. É possível que essa resistência seja duradouramente suprimida pela força — como, por exemplo, no caso de um grupo de homens que explora outro grupo aproximadamente do mesmo tamanho. Entretanto, é necessário muito mais do que força para conseguir ampliar a exploração sobre uma população cujo tamanho é várias vezes maior do que o seu. Para que isso aconteça, uma empresa

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precisa também ter o apoio do público. A maioria da população deve aceitar as ações exploradoras como legítimas. Essa aceitação pode variar do entusiasmo vigoroso à resignação passiva. Mas é necessário haver uma aceitação no sentido de que uma maioria já deve ter abdicado da ideia de oferecer alguma resistência ativa ou passiva a qualquer tentativa de aquisição de propriedades por meio de métodos não-produtivos e não-contratuais. A consciência de classe deve estar baixa, rudimentar e confusa. Somente enquanto esse estado de coisas persistir haverá espaço para uma empresa exploradora prosperar, mesmo que realmente não haja nenhuma demanda por ela.

Somente se os explorados e expropriados desenvolverem uma clara idéia de sua real situação e se unirem a outros membros da própria classe por meio de um movimento ideológico que dê expressão à idéia de uma sociedade sem classes, na qual toda forma de exploração é abolida, poderá a força e o poder da classe dominante serem debilitados. Somente se a maioria do público explorado se tornar conscientemente integrado a esse movimento e se mostrar correspondentemente indignado com todas as aquisições de propriedade que ocorrem por meio de métodos não-produtivos e não-contratuais, e demonstrar desprezo por todos que praticam esses atos, pode aquele poder se desmoronar.

A gradual abolição do domínio feudal e absolutista e o surgimento de sociedades crescentemente capitalistas na Europa Ocidental e nos EUA — junto com um crescimento econômico e populacional sem precedentes — foi resultado de uma crescente consciência de classe entre os explorados, os quais foram ideologicamente moldados pelas doutrinas do direito natural e do liberalismo. Quanto a isso, os austríacos e os marxistas concordam.[12] Eles discordam, contudo, quanto à próxima afirmação: a reversão desse processo de liberalização e os níveis gradualmente crescentes de exploração nessas sociedades desde o último terço do século XIX, e particularmente consideráveis desde a Primeira Guerra Mundial, são o resultado de uma perda da consciência de classe. Com efeito, na visão austríaca, o marxismo possui enorme parcela de culpa por essa situação: ele desviou a atenção do correto modelo de exploração (a luta entre o apropriador original/produtor/poupador/contratante e o não-apropriador original/não-produtor/não-poupador/não-contratante) para o falacioso modelo do trabalhador assalariado versus o capitalista, assim bagunçando as coisas.[13]

O estabelecimento de uma classe dominante sobre uma classe explorada — cujo tamanho é várias vezes maior que o seu — por meio da coerção e da manipulação da opinião pública (isto é, por um baixo grau de consciência de classe entre os explorados) possui sua expressão institucional mais básica na criação de um sistema de direito público sobreposto ao direito privado. A classe dominante se dissocia das outras classes e protege sua posição como classe dominante adotando uma constituição que defende todo o funcionamento de sua própria empresa. Por um lado, ao formalizar as operações internas dentro do aparato do estado, bem como suas relações com a população explorada, uma constituição cria algum grau de estabilidade jurídica. Quanto mais as noções familiares e populares de direito privado estiverem incorporadas na constituição e no direito público, mais propício isso será para a criação de uma opinião pública favorável. Por outro lado, qualquer constituição e qualquer lei pública também formalizam o status de imunidade da classe dominante em relação ao princípio da apropriação original. Uma constituição formaliza o direito dos representantes do estado de incorrerem em aquisições de propriedade por meio de métodos não-produtivos e não-contratuais, e a subordinação suprema do direito privado ao direito público.

A justiça de classe — isto é, a dualidade entre um conjunto de leis para os governantes e outro conjunto para os governados — vem para sustentar esse dualismo do direito público e privado e para sustentar a dominação do direito público sobre o direito privado e infiltrar este por aquele. Ao contrário do que os marxistas pensam, não é porque os direitos de propriedade privada são reconhecidos pela lei, que a justiça de classe é estabelecida. Na verdade, a justiça de classe surge precisamente quando uma distinção legal existe entre uma classe de pessoas agindo sob e sendo protegida pelo direito público e outra classe agindo sob e sendo protegida por um direito privado subordinado. Mais especificamente, portanto, a proposição básica da teoria marxista do estado é particularmente falsa. O estado não é explorador porque protege os direitos de propriedade dos capitalistas, mas sim porque ele próprio está isento da restrição de ter que adquirir propriedade por meios produtivos ou contratuais.[14]

Entretanto, apesar deste erro fundamental, o marxismo, porque interpreta corretamente o estado como explorador (ao contrário, por exemplo, da Escola da Escolha Pública [Public Choice School], que o vê como uma empresa normal entre outras[15]), nos fornece alguns vislumbres importantes com relação à lógica das operações do estado. Por exemplo, ele reconhece a estratégica função das políticas estatais de redistribuição de renda. Como uma empresa exploradora, o estado tem de estar, a todos os momentos, interessado em um baixo grau de consciência de classe entre os dominados. A redistribuição de propriedade e de renda — uma política de divide et impera — é a forma pela qual o estado pode criar uma divisão entre o público e destruir a formação de uma consciência de classe unificadora entre os explorados.

Além disso, a redistribuição do próprio poder estatal por meio da democratização do processo de entrada no aparato estatal — em que as principais posições do governo estão abertas para todos, e em que se concede a todos o direito de participar na determinação dos eleitos e das políticas do estado — é um meio de reduzir a resistência dos explorados à

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exploração que sofrem. Ademais, o estado de fato é, como os marxistas o vêem, o grande centro de propaganda ideológica e mistificação: exploração na verdade significa liberdade; impostos na verdade são contribuições voluntárias; relações não-contratuais são na verdade "conceitualmente" contratuais; ninguém é governado por ninguém, mas nós todos nos governamos a nós mesmos; sem o estado não haveria lei nem segurança; e os pobres morreriam, etc. Tudo isso é parte da superestrutura ideológica concebida para legitimar uma base essencial, porém dissimulada, de exploração econômica.[16]

E, finalmente, os marxistas também estão corretos ao perceberem a estreita associação entre o estado e as grandes empresas, especialmente a elite bancária — embora a explicação deles para isso seja incorreta. A razão desse conluio não é que o establishment burguês veja o estado — e por isso o defenda — como o protetor dos direitos de propriedade privada e da santidade dos contratos. Muito pelo contrário, o establishment corretamente vê o estado como a antítese da propriedade privada, e tem interesse nele justamente por essa razão. Quanto mais bem sucedida for uma empresa, maior o perigo potencial de ela sofrer uma exploração governamental, mas também maiores serão os ganhos potenciais que poderão ser auferidos caso ela possa conseguir a proteção especial do governo e ficar isenta do peso total da concorrência capitalista.

É por isso que a elite empresarial tem interesse no estado e em tentar infiltrá-lo. A elite dominante, por sua vez, tem interesse em cooperar com a elite empresarial por causa do poder financeiro desta. Mais especificamente, a elite bancária é de interesse especial do estado porque, sendo uma empresa exploradora, o estado naturalmente deseja possuir completa autonomia para 'falsificar' dinheiro — isto é, para criar moeda sem restrições.

Ao se oferecer para incluir a elite bancária em suas próprias maquinações contraventoras, dando aos bancos o privilégio de poderem criar dinheiro adicional sobre todo o dinheiro já criado pelo estado — arranjo esse que ocorre sob um regime bancário de reservas fracionárias —, o estado pode facilmente alcançar seu objetivo: estabelecer um sistema monetário monopolizado pelo estado e um sistema bancário cartelizado e controlado por um banco central. E por meio dessa direta conexão com o sistema bancário e, por extensão, com os maiores clientes dos bancos, a classe dominante efetivamente se expande para muito além do próprio aparato do estado, chegando até os nervos centrais da sociedade civil — um arranjo não muito diferente, pelo menos em aparência, da imagem que os marxistas tanto gostam de pintar sobre a cooperação entre o sistema bancário, as elites empresariais e o estado.[17]

A competição que ocorre dentro da classe dominante e entre as diferentes classes dominantes gera uma tendência de crescente concentração. O marxismo está certo quanto a isto. Entretanto, sua incorreta teoria da exploração novamente faz com que os marxistas situem a causa dessa tendência no local errado. O marxismo vê essa tendência como sendo inerente à competição capitalista. Contudo, a realidade é exatamente inversa: é precisamente enquanto as pessoas estiverem envolvidas em um capitalismo limpo, que a competição não será uma forma de interação de soma-zero. O apropriador original, o produtor, o poupador e o contratante não ganham à custa de terceiros. Seus ganhos deixam as propriedades físicas de terceiros completamente inalteradas; ou então geram ganhos mútuos (como no caso de todas as trocas firmadas por meio de contratos).

O capitalismo, portanto, aumenta a riqueza absoluta. Porém, sob esse regime, não se pode dizer que exista qualquer tendência sistemática rumo a uma concentração relativa.[18] Ao contrário, interações que resultam em uma soma-zero de ganhos caracterizam não apenas o relacionamento entre o governante e o governado, mas também entre governantes que concorrem entre si. A exploração, definida como aquisições de propriedade por meios não-produtivos e não-contratuais, só é possível quando há algo a ser apropriado coercivamente. Entretanto, se houvesse livre concorrência no ramo da exploração, não restaria mais nada para ser expropriado. Logo, a exploração requer um monopólio sobre um dado território e sua população; e a concorrência entre os exploradores é, por sua própria natureza, eliminatória e precisa desencadear uma tendência à relativa concentração de empresas exploradoras assim como uma tendência à centralização dentro de cada uma dessas empresas. O desenvolvimento de estados, e não de empresas capitalistas, fornece a melhor ilustração dessa tendência: há hoje um número significativamente menor de estados controlando exploratoriamente territórios que são muito maiores do que nos séculos anteriores. E dentro do aparato de cada estado houve de fato uma constante tendência de aumento dos poderes do governo central em detrimento de suas subdivisões regionais e locais.

No entanto, fora do aparato estatal, uma tendência de relativa concentração também se tornou aparente pela mesma razão — não, como já deve estar claro agora, por causa de qualquer característica inerente ao capitalismo, mas sim porque a classe dominante expandiu seu domínio para o seio da sociedade civil por meio da criação de uma aliança entre estados, sistema bancário e grandes empresas, e, em particular, por meio do estabelecimento de um sistema de bancos centrais. Então, se ocorre uma concentração e uma centralização do poder estatal, é natural que esse processo seja acompanhado paralelamente de um outro processo de relativa concentração e cartelização do sistema bancário e do setor industrial. Em conjunto com esses maiores poderes estatais, aumentam também os poderes do sistema bancário e das empresas ligadas ao establishment de eliminar seus concorrentes ou de colocá-los em desvantagem econômica por

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meio de expropriações realizadas por meios não-produtivos e não-contratuais. A concentração de empresas é simplesmente o reflexo de uma estatização da vida econômica.[19]

Os principais meios utilizados para a expansão dos poderes do estado e para a eliminação dos centros rivais de exploração é a guerra e a dominação militar. A concorrência interestados implica uma tendência à guerra e ao imperialismo. Na condição de centros de exploração, seus interesses são antagônicos por natureza. Ademais, possuindo cada um deles — internamente — o poder de aplicar tributação e o poder absoluto sobre a criação de dinheiro, torna-se possível para as classes dominantes obrigarem terceiros a pagar por suas guerras. Naturalmente, se alguém não tem de pagar ele próprio por seus próprios empreendimentos arriscados, mas pode obrigar terceiros a fazê-lo, então é certo que ele tenderá a assumir mais riscos e a ser mais beligerante do que seria de outra forma.[20]

O marxismo, ao contrário de muitas das chamadas ciências sociais burguesas, compreende corretamente os fatos: há realmente na história uma tendência ao imperialismo; e os maiores poderes imperialistas são de fato as nações capitalistas mais avançadas. Entretanto, a explicação novamente é errônea. É o estado, como uma instituição isenta das regras capitalistas de aquisições de propriedade, que é agressivo por sua própria natureza. E a evidência histórica de uma correlação próxima entre o capitalismo e o imperialismo contradiz isso apenas aparentemente.

A explicação surge facilmente no fato de que, para ter êxito nas guerras interestados, um estado precisa ter à sua disposição recursos econômicos suficientes (em termos relativos). Tudo o mais constante, o estado com mais amplos recursos à sua disposição será o vencedor. Sendo uma empresa exploradora, o estado é por natureza destruidor de riqueza e um obstáculo à acumulação de capital. A riqueza é produzida exclusivamente pela sociedade civil; e quanto mais fracos os poderes exploradores do estado, mais riqueza e capital a sociedade consegue acumular. Assim, por mais paradoxal que possa parecer, quanto mais fraco ou mais liberal for um estado internamente, mais o capitalismo irá se desenvolver; poder extrair recursos de uma economia capitalista já desenvolvida torna o estado mais rico; e um estado mais rico é capaz de empreender guerras expansionistas em maior escala e com maior êxito. É esse relacionamento que explica por que inicialmente foram os estados da Europa Ocidental, e em particular a Grã-Bretanha, as maiores potências imperialistas, e por que no século XX esse papel foi assumido pelos EUA.

E uma explicação similarmente direta, embora novamente totalmente não-marxista, existe para a observação frequentemente feita pelos marxistas de que o sistema bancário e a elite empresarial normalmente estão entre os mais ardorosos apoiadores do poderio militar e do expansionismo imperialista. Esse apoio não ocorre porque a expansão dos mercados capitalistas necessita que haja exploração, mas sim porque a expansão desses empreendimentos que são protegidos e privilegiados pelo estado requer que essa proteção e privilégio lhes seja estendida também dentro desses países estrangeiros, fazendo com que seus novos concorrentes estrangeiros sejam tolhidos através de aquisições de propriedade feitas por meios não-contratuais e não-produtivos, da mesma forma ou até mais pronunciadamente do que ocorre na concorrência dentro do país de origem.

Especificamente, o establishment bancário e empresarial irá apoiar o imperialismo sempre que esse apoio prometer levar a uma posição de domínio militar do estado aliado sobre outro estado. Porque assim, a partir de uma posição de força militar, torna-se possível estabelecer um sistema que pode ser chamado de imperialismo monetário. O estado dominante irá utilizar seu poder superior para impor uma política de inflação coordenada internacionalmente. Seu próprio banco central irá estabelecer o ritmo do processo de criação de dinheiro, e os bancos centrais dos estados dominados serão obrigados a utilizar essa moeda dominante como suas próprias reservas e, a partir daí, inflacionar sua base monetária de acordo com a inflação que ocorre no estado dominante.

Assim, junto com o estado dominante e sendo os primeiros recebedores dessa moeda de reserva internacional, o establishment bancário e empresarial pode expropriar propriedades estrangeiras e produtores de riqueza a um custo praticamente zero. Surge assim uma dupla camada de exploração: um estado estrangeiro e uma elite estrangeira, agindo em conjunto com o estado e a elite nacionais, expropriam silenciosamente a classe explorada dos territórios dominados, causando prolongada dependência econômica e relativa estagnação econômica em relação à nação dominadora. É essa situação — totalmente não-capitalista — que caracteriza o atual status dos Estados Unidos e do dólar americano, e que gera as (corretas) acusações sobre a exploração econômica feita pelos EUA e sobre o imperialismo do dólar.[21]

Finalmente, a crescente concentração e centralização de poderes exploratórios leva à total estagnação econômica, criando assim as condições objetivas para a destruição final desses poderes e o consequente surgimento de uma sociedade sem classes capaz de produzir uma prosperidade econômica jamais vista.

Ao contrário do que dizem os marxistas, essa sociedade não será o resultado de nenhuma lei histórica. Com efeito, não existem leis históricas inexoráveis, como os marxistas imaginam.[22] Tampouco será isso o resultado de uma tendência contínua de queda da taxa de lucros, oriunda de um aumento da composição orgânica do capital (isto é, de um aumento

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na proporção do capital constante em relação ao capital variável), como Marx pensava. Assim como a teoria do valor-trabalho é irreparavelmente falsa, também o é a lei da tendência de queda da taxa de lucros, a qual se baseia na lei do valor-trabalho. A fonte do valor, dos juros e do lucro não está exclusivamente no trabalho, mas sim na ação — isto é, no emprego de meios escassos para se atingir determinados fins; ação essa empreendida por agentes econômicos que são limitados pela preferência temporal e pela incerteza (conhecimento imperfeito). Não há razão para supor, portanto, que mudanças na composição orgânica do capital devam ter qualquer relação sistemática com as mudanças nos juros e no lucro.

Em vez disso, a probabilidade de crises que estimulam o desenvolvimento de um maior grau de consciência de classe (isto é, que estimulam as condições subjetivas para a derrubada da classe dominante) aumenta por causa da — para usar um dos termos favoritos de Marx — "dialética" da exploração da qual falei anteriormente: a exploração é destruidora da formação de riqueza.

Portanto, na concorrência entre empresas exploradoras (estados), aqueles estados que são internamente menos exploradores ou mais liberais tendem a sobrepujar os estados que são internamente mais exploradores e menos liberais, pois aqueles terão mais recursos econômicos (mais riqueza) à sua disposição. O processo de imperialismo tem inicialmente um efeito relativamente libertador sobre as sociedades que passam a ficar sob seu controle. Um modelo social relativamente mais capitalista é exportado para sociedades relativamente menos capitalistas (mais exploradoras). O desenvolvimento das forças produtivas é estimulado: a integração econômica é promovida, a divisão do trabalho é ampliada e um genuíno mercado mundial é estabelecido. A população aumenta como consequência disso tudo, e as expectativas quanto ao futuro econômico sobem para níveis sem precedentes.[23]

Entretanto, com o domínio explorador se consolidando e a concorrência interestados sendo reduzida ou mesmo eliminada nesse processo de expansionismo imperialista, as limitações externas sobre o poder do estado dominante de explorar sua própria população, bem como seu poder de expropriação, começam a desaparecer gradualmente. A exploração interna, a tributação e as regulamentações começam a aumentar na medida em que a classe dominante vai chegando mais perto do seu objetivo supremo de dominação global. A estagnação econômica inevitavelmente se instala e as grandes expectativas — mundiais — são frustradas. E esse cenário — as grandes expectativas sendo crescentemente frustradas por um realidade econômica depressiva — propicia a clássica situação para o surgimento de um potencial revolucionário.[24]

Surge uma desesperadora necessidade de apresentar soluções ideológicas para essa crise emergente. Paralelamente, há também a disseminação da percepção de que o domínio estatal, a tributação e a regulamentação, longe de oferecerem uma solução, na verdade constituem o real problema que precisa ser superado.

Se nessa situação de estagnação econômica, de crise e de desilusão ideológica[25] uma solução positiva for oferecida na forma de uma sistemática e abrangente filosofia libertária em conjunto com sua contrapartida econômica — a Escola Austríaca de economia —, e se essa ideologia for propagada por um movimento ativista, então as chances de se inflamar o potencial revolucionário para o ativismo se tornam altamente positivas e promissoras. Pressões antiestatistas irão aumentar e gerarão uma esmagadora tendência ao desmanche do poder da classe dominante e, por conseguinte, do estado como seu instrumento de exploração.[26]

Contudo, caso isso venha a acontecer — e dependendo da intensidade com que venha a acontecer —, isso não resultará na propriedade coletiva dos meios de produção, contrariamente ao modelo marxista. Com efeito, a propriedade coletiva não é somente economicamente ineficiente, como já foi explicado, mas é também incompatível com a idéia de que o estado vai "desaparecer".[27] Pois se os meios de produção são de propriedade coletiva, e se for realisticamente pressuposto que todas as idéias sobre como empregar esses meios não irão coincidir (apenas por milagre isso ocorreria), então são precisamente os meios de produção sob propriedade coletiva que necessitam de ações estatais contínuas — isto é, de uma instituição coercivamente impondo a vontade de uma pessoa sobre uma outra que discorde.

Ao invés disso, o desaparecimento do estado — e por conseguinte o fim da exploração e o início da liberdade e de uma prosperidade econômica jamais vista — significa o estabelecimento de uma sociedade puramente privada, regulada apenas e somente pelo direito privado.________________________________________________

Notas

[1] Sobre isso, ver K. Marx e F. Engels, Manifesto Comunista (1848); K. Marx, Das Kapital, 3 vols. (1867; 1885; 1894); dos marxistas contemporâneos, E. Mandel, Marxist Economic Theory (Londres: Merlin, 1962); idem, Late Capitalism (londres: New Left Books, 1975); P. Baran e P. Sweezy, Monopoly Capital (Nova York: Monthly Review Press, 1966); para uma perspectiva não-marxista, L. Kolakowski, Main Currents of Marxism, G. Wetter,

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Sovietideologie heute (Frankfurt/M.: Fischer, 1962), vol. 1; W. Leonhard, Sovietideologie heute(Frankfurt/M.: Fischer, 1962), vol. 2.

[2] Manifesto Comunista, seção 1.

[3] Manifesto Comunista, seção 2, últimos dois parágrafos; F. Engels, Von der Autoritaet in: Marx e Engels, Ausgewaehlte Schriften, 2 vols. (Berlim Ocidental: Dietz, 1953), vol. 1, p. 606; idem, Die Entwicklung des Sozialismus von der Utopie zur Wissenschaft, idem, vol. 2, p. 139.

[4] Ver K. Marx, Das Kapital, vol. 1; a apresentação mais curta é seu Lohn, Preis, Profit (1865).

[5] Sobre isso, ver Eugen von Böhm-Bawerk, A Teoria da Exploração do Socialismo-Comunismo (disponível gratuitamente em português no site do IMB).

[6] L. v. Mises, Ação Humana, p. 564; ver também Murray N. Rothbard, Man, Economy, and State (Los Angeles: Nash, 1970), pp. 300-01.

[7] Sobre a teoria da preferência temporal dos juros, em adição aos trabalhos citados nas notas 5 e 6, ver também Frank Fetter, Capital, Interest, and Rent (Kansas City: Sheed Andrews and Mcmeel, 1977).

[8] Sobre isso, veja Hans-Hermann Hoppe, A Theory of Socialism and Capitalism (Boston: Kluwer, 1988); idem, "Por que o socialismo sempre irá fracassar"; idem, "The Economics and Sociology of Taxation", in: Taxation: An Austrian View, editado por Lew Rockwell (Auburn: Mises Institute, 1990).

[9] As contribuições de Mises à teoria da exploração e de classe não são sistemáticas. No entanto, através de seus escritos, ele apresenta interpretações históricas e sociológicas que são análises de classe, mesmo que implicitamente. Digna de nota aqui é a sua aguda análise da colaboração entre o governo e a elite bancária em destruir o padrão-ouro para aumentar seus poderes inflacionários como meio de redistribuição de renda e riqueza fraudulentamente e exploratoriamente em favor deles próprios. Veja, por exemplo, seu Monetary Stabilization e Cyclical Policy (1928) in: idem, On the Manipulation of Money and Credit, editado por B. Greaves (Dobbs Ferry: Free Market Books, 1978); veja também seu Socialism (Indianapolis: Liberty Fund, 1981), capítulo 20; The Clash of Group Interests and Other Essays, Occasional Paper no. 7 (Nova York: Center for Libertarian Studies, 1978). Contudo, Mises não fornece um status sistemático à análise de classe e à teoria da exploração porque ele, em última análise, incorretamente concebe exploração como um mero erro intelectual, que a análise econômica correta pode dissipar. Ele não reconhece completamente que a exploração é também, e provavelmente bem mais, um problema de motivação moral que existe a despeito de toda análise econômica. Rothbard adiciona esta percepção à estrutura misesiana da economia austríaca e torna a análise do poder e das elites do poder uma parte integral da teoria econômica e das explicações histórico-sociológicas; e ele sistematicamente expande o argumento austríaco contra a exploração para incluir a ética na teoria econômica, isto é, uma teoria de justiça lado a lado a uma teoria de eficiência, pois assim a classe dominante pode também ser atacada como imoral. Para a teoria do poder, classe e exploração de Rothbard, veja em particular seu Power and Market (Kansas City: Sheed Andrews and McMeel, 1977); For a New Liberty (New York: McMillan, 1978); The Mystery of Banking (Nova York: Richardson and Snyder, 1983); America's Great Depression (Kansas City: Shjeed and Ward, 1975). Sobre os importantes precursores da análise de classe austríaca, veja L. Liggio, "Charles Dunoyer e o Liberalismo Clássico Francês", Journal of Libertarian Studies 1, no. 3, 1977; R. Raico, "Classical Liberal Exploitation Theory", idem; M. Weinburg, "The Social Analysis of Three Early 19th Century French Liberals: Say, Comte, and Dunoyer", Journal of Libertarian Studies 2, no.1, 1978; J. T. Salerno, "Comment on the French Liberal School", Idem; D. M. Hart, "Gustave de MOlinari and the Anti-Statist Liberal Tradition", 3 partes, Journal of Libertarian Studies 5, nos. 3 e 4, 1981.

[10] Sobre isso, ver também H. H. Hoppe, A Theory of Socialism and Capitalism; idem "The Justice of Economic Efficiency", Austrian Economics Newsletter, 1, 1988; idem, "The Ultimate Justification of the Private Property Ethics", Liberty, Setembro 1988.

[11] Veja também sobre esse tema Lord (John) Action, Essays in the History of Liberty (Indianapolis: Liberty Fund, 1985), F. Oppenheimer, System der Soziologie, Vol. II: Der Staat (Stuttgart: G. Fischer, 1964); A. Ruestow, Freedom and Domination (Princeton: Princeton University Press, 1986).

[12] Sobre isso, veja M. N. Rothbard, "Left and Right: The Prospects for Liberty" in: idem, Egalitarianism as a Revolt Against Nature and Other Essays (Washington, D. C.: Libertarian Review Press, 1974).

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[13] Apesar de toda a propaganda socialista em contrário, a falsidade da descrição marxista dos capitalistas e trabalhadores como classes antagônicas também vem a carregar certas observações empíricas: logicamente falando, as pessoas podem ser divididas em classes de maneiras infinitamente diferentes. De acordo com a metodologia ortodoxa positivista (a qual eu considero falsa, mas que pretendo aceitar aqui para o bem da argumentação), o melhor sistema de classificação é aquele que nos ajuda a prever melhor. Contudo, a classificação de pessoas como capitalistas ou trabalhadoras (ou como representantes de variados graus dentro da condição de capitalista ou de trabalhador) é praticamente inútil para prever qual posição uma pessoa vai tomar sobre as questões políticas, sociais ou econômicas fundamentais. Ao contrário disso, a correta classificação de pessoas como pagadoras de impostos e reguladas vs. consumidoras de impostos e reguladoras (ou como representativas de variados graus da condição de pagadoras ou consumidores de impostos) é também de fato um poderoso previsor. Sociólogos têm quase sempre desconsiderado isso por causa dos preconceitos marxistas que são quase que universalmente compartilhados entre eles. Mas a experiência cotidiana corrobora esmagadoramente minha tese: descubra se alguém é um funcionário público ou não (e seu cargo e salário), e se a renda e a riqueza de uma pessoa fora do setor público é determinada, e em qual medida, pelas compras do setor público e/ou pelas ações regulatórias — as pessoas irão sistematicamente diferir em sua resposta às questões políticas fundamentais dependendo de suas classificações como consumidoras diretas ou indiretas de impostos ou como pagadoras de impostos.

[14] F. Oppenheimer, System der Soziologie, vol. 2, pp. 322-23, apresenta a questão dessa forma:

A norma básica do estado é poder. Isto é, visto pelo lado de sua origem: violência transformada em poder. Violência é uma das forças mais poderosas para moldar a sociedade, mas não é em si uma forma de interação social. Ela precisa se tornar lei no sentido positivo deste termo, isto é, sociologicamente falando, ela precisa permitir o desenvolvimento de um sistema de 'reciprocidade subjetiva'; e isso só é possível através de um sistema de restrições auto-impostas quanto ao uso de violência e com a presunção de certas obrigações por seus arrogados direitos. Neste sentido, a violência é transformada em poder e surge um relacionamento de dominação que é aceito não somente pelos governantes, mas, sob circunstâncias não tão severamente opressivas, também pelos súditos, como expressando uma 'justa reciprocidade'. A partir dessa norma básica, surgem normas secundárias e terciárias implícitas: normas de direito privado, de herança, de direito criminal, obrigacional e constitucional, todas as quais carregam a marca da norma básica de poder e dominação, sendo todas concebidas para influenciar a estrutura do estado de tal forma que aumente a exploração econômica ao seu nível máximo, o qual deve ser compatível com a continuidade da dominação legalmente regulada.

O insight fundamental é o de que "a lei nasce de duas raízes essencialmente diferentes." Por um lado, a partir da lei da associação dos iguais, que pode ser chamada de direito 'natural', mesmo que não seja um 'direito natural'; e, por outro lado, a partir da lei da violência transformada em poder regulado, a lei dos desiguais".

Sobre a relação entre o direito privado e público, veja também F. A. Hayek, Law, Legislation, and Liberty, 3 vols. (Chicago: University of Chicago Press, 1973-79), esp. vol. 1, cap. 6 e vol. 2, pp. 85-88.

[15] Veja J. Buchanan e G. Tullock, The Calculus of Consent (Ann Arbor: University of Michigan Press, 1965), p. 19.

[16] Veja H. H. Hoppe, Eigentum, Anarchie und Staat (Opladen: Westdeutscher Verlag, 1987); idem, A Theory of Socialism and Capitalism.

[17]Veja H. H. Hoppe, "Banking, Nation States and International Politics", Review of Austrian Economics vol. 4, 1989; M. N. Rothbard, The Mystery of Banking, caps. 15-16.

[18] Sobre isso em particular, M. N. Rothbard, Man, Economy, and State, cap. 10, esp. a seção "The Problem of One Big Cartel"; também L. v. Mises, Socialism, caps. 22-26.

[19] Sobre isso, veja, G. Kolko, The Triumph of Conservatism (Chicago: Free Press, 1967); J. Winstein, The Corporate Ideal in the Liberal State (Boston: Beacon Press, 1968); R. Radosh e M. N. Rothbard, eds. A New History of Leviathan (Nova York: Dutton, 1972); L. Liggio e J. J. Martin, eds., Watershed of Empire (Colorado Springs: Ralph Myles, 1976).

[20] Sobre o relacionamento entre o estado e a guerra, veja E. Krippendorff, Staat un Krieg (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1985); C. Tilly, "War Making and State Making as Organized Crime", in P. Evans et al., eds. Bringing the State Back In (Cambridge: Cambridge University Press, 1985); também R. Higgs, Crisis and Leviathan (Nova York: Oxford University Press, 1987).

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Page 34: Artigos de Hoppe

[21] Para uma versão mais elaborada desta teoria de imperialismo militar e monetário, veja H. H. Hoppe, "Banking, Nation States and International Politics", Review of Austrian Economics, vol. 4, 1990.

[22] Sobre isso, veja principalmente L. v. Mises, Theory and History (Auburn: Mises Institute, 1985), esp. parte 2.

[23] Pode-se notar aqui que Marx e Engels, mais pronunciadamente no Manifesto Comunista, defenderam o caráter historicamente progressista do capitalismo e elogiaram abertamente suas conquistas sem precedentes. Com efeito, revisando as passagens relevantes do Manifesto, J. A. Schumpeter conclui:

Nunca, e particularmente por nenhum moderno defensor da civilização burguesa, nada como isso foi escrito, nada foi composto dessa forma em favor da classe empresarial com uma tão profunda e extensa compreensão de quais foram suas conquistas e o que elas significaram para a humanidade. ("The Communist Manifesto in Sociology and Economics", em Essays of J. A. Schumpeter, editado por R. V. Clemence [Port Washington, N. Y.: Kennikat Press, 1951], p. 293)

Dada essa visão do capitalismo, Marx foi ainda mais longe a ponto de defender a conquista britânica da Índia, por exemplo, como um desenvolvimento historicamente progressista. Veja as contribuições de Marx ao New York Daily Tribune de 25 de junho de 1853, 11 de julho de 1853, 8 de agosto de 1853 (Marx e Engels, Werke, vol. 9 [Berlim Ocidental: Dietz, 1960]). Para um marxista contemporâneo tomando uma posição similar quanto ao imperialismo, veja B. Warren, Imperialism: Pioneer of Capitalism (Londres: New Left Books, 1981).

[24] Particularmente sobre a teoria da revolução, veja Charles Tilly, From Mobilization to Revolution (Reading, Mass.: Addison-Wesley, 1978); idem, As Sociology Meets History (New York: Academic Press, 1981).

[25] Para uma abordagem neomarxista sobre a atual era do "capitalismo tardio", caracterizado por uma "nova desorientação ideológica" nascida da permanente estagnação econômica e do esgotamento dos poderes legitimadores do conservadorismo e da social-democracia, veja J. Habermas, Die Neue Unvebersichtlichkeit (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1985); também idem, Legitimation Crisis (Boston: Beacon Press, 1975); C. Offe, Strukturprobleme des kapitalistischen Staates (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1972).

[26] Para uma abordagem austríaca-libertária do caráter de crise do capitalismo tardio e sobre os prospectos para o nascimento de uma consciência de classe libertária revolucionária, veja M. N. Rothbard, "Left and Right", idem, For a New Liberty, cap. 15; idem, Ethics of Liberty (Atlantic Highlands: Humanities Press, 1982), parte 5.

[27] Sobre as inconsistências internas da teoria marxista do estado, veja também H. Kelsen, Sozialismus und Staat (Wien, 1965).

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