arquivos da repressão e da resistência

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    INEZ TEREZINHA STAMPA - RODRIGO DE S NETTO

    Organizadores

    ARQUIVOS DA REPRESSO E DA RESISTNCIA

    Comunicaes do I Seminrio Internacional Documentar a Ditadura

    Arquivo Nacional

    Rio de Janeiro2013

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    Copyright 2013 Arquivo NacionalCentro de Referncia Memrias Reveladas

    Arquivo Nacional

    Praa da Repblica, 173 - 20211-350, Rio de Janeiro - RJ - Brasil

    Telefone: (21) 2179-1273 Fax: (21) 2179-1297

    E-mail: [email protected]

    Catalogao na fonte: Janaina Ruivo dos Santos CRB-7/5120

    ndices para catlogo sistemtico:1. Brasil Histria : Ditadura Brasil 981.08

    A772 Arquivos da represso e da resistncia: comunicaes do I SeminrioInternacional Documentar a Ditadura [livro eletrnico] / Inez Terezinha Stampae Rodrigo de S Netto (orgs.). - Rio de Janeiro: Arquivo Nacional Centro deReferncia Memrias Reveladas, 2013.323 p.: il.

    Inclui bibliografia.Sistema requerido: Adobe Acrobat ReaderModo de acesso: World Wide Web:ISBN 978-85-60207-58-9

    1. Brasil Histria - 1964-1985. 2. DitaduraBrasil. I. Stampa, Inez Terezinha,1962-. II. S Netto, Rodrigo, 1979-. III. Ttulo.

    CDD981.08

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    Presidenta da Repblica

    Dilma Vana Rousseff

    Ministro de Estado da Justia

    Jos Eduardo Cardozo

    Diretor-Geral do Arquivo Nacional

    Jaime Antunes da Silva

    Coordenao do Centro de Referncia Memrias Reveladas

    Inez Terezinha Stampa

    Vicente Arruda Cmara Rodrigues

    Organizao

    Inez Terezinha Stampa, Centro de Referncia das Lutas Polticas no Brasil (1964-1985) - Memrias

    Reveladas, Arquivo Nacional (MR/AN) e Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-

    Rio)

    Rodrigo de S Netto, Centro de Referncia das Lutas Polticas no Brasil (1964-1985) - Memrias

    Reveladas, Arquivo Nacional (MR/AN)

    Reviso

    Inez Terezinha StampaRicardo Medeiros Pimenta

    Rodrigo de S Netto

    Projeto Grfico e Diagramao

    Rodrigo de S Netto

    Realizao do I Seminrio Internacional Documentar a Ditadura

    Arquivo de Memria Operria do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Cincias Sociais da

    Universidade Federal do Rio de Janeiro (AMORJ/IFCS/UFRJ)

    Centro de Referncia das Lutas Polticas no Brasil (1964-1985) - Memrias Reveladas, Arquivo

    Nacional (MR/AN)

    Programa de Ps-graduao em Cincia da Informao, Instituto Brasileiro de Informao em

    Cincia e Tecnologia (PPGCI/IBICT)

    Programa de Ps-graduao em Histria da Universidade Salgado de Oliveira (PPGH/Universo)

    Programa de Ps-graduao em Histria Social da Universidade Federal do Estado do Rio de

    Janeiro (PPGHS/UNIRIO)

    Programa de Ps-graduao em Servio Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio deJaneiro (PPGSS/PUC-Rio)

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    Comit Cientfico:

    Joo Marcus Figueiredo Assis (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro)

    Marcelo Timotheo da Costa (Universidade Salgado de Oliveira)

    Luciana Heymman (Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil da

    Fundao Getlio Vargas)

    Maria Paula Arajo (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro)

    Georgete Medleg Rodrigues (Universidade de Braslia)

    Lucia Grinberg (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro)

    Benito Schimidt (Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Associao Nacional de Histria)

    Vladmir Oliveira da Silveira (Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo e Universidade Nove de

    Julho)Paulo Knauss (Universidade Federal Fluminense e Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro)

    Bruno Groppo (Centre dHistoire Sociale du XX Sicle / Universitde Paris 1)

    Comit Organizador

    Anglica Mller (Universidade Salgado de Oliveira)

    Iclia Thiesen (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro)

    Inez Stampa (Centro de Referncia Memrias Reveladas/ Arquivo Nacional e Pontifcia

    Universidade Catlica do Rio de Janeiro)Marco Aurlio Santana (Instituto de Filosofia e Cincias Sociais da Universidade Federal do Rio de

    Janeiro)

    Ricardo Medeiros Pimenta (Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia)

    Vicente Rodrigues (Centro de Referncia Memrias Reveladas / Arquivo Nacional)

    Apoio

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes)

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    Sumrio

    Documentar a Ditadura, uma reflexo coletiva sobre uma histria que no pode serepetir 10

    Inez Terezinha Stampa e Rodrigo de S Netto

    Sesso de Comunicaes 1

    CONSTITUIO DE ACERVOS

    A preservao de cartazes do movimento estudantil: a construo da memria daatuao secundarista durante a ditadura militar 22

    Ivy Souza da Silva

    Abrindo os arquivos do Deops/SP: a experincia da livre disponibilizao na internetdos acervos da represso 32

    Monique Flix Borin e Sheila Aparecida Rodrigues Soares

    A sobrevivncia dos arquivos relacionados Guerrilha do Araguaia: a noo de

    ramificao dos documentos 40Shirley Carvalhdo Franco

    A importncia da elaborao de instrumentos de pesquisa para o resgate da memria: aexperincia do Arquivo Pblico do Estado do Rio Grande do Sul na confeco de umcatlogo seletivo da documentao da Comisso Especial de Indenizao 57

    Renata Pacheco de Vasconcellos e Vanessa Tavares Menezes

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    Sesso de Comunicaes 2

    ARQUIVOS E HISTRIA ORAL

    Marcas da Memria: a construo de um acervo de histria oral da ditadura e anistia noBrasil 70

    Desirree dos Reis Santos e Izabel Pimentel da Silva

    A fonte oral como arquivo vivo da ditadura 86

    Silvania Rubert

    Sesso de Comunicaes 3

    INFORMAO

    O Projeto Clamor: documentao e memria de um comit pelos direitos humanos nocone sul e o acesso informao 104

    Ana Clia Navarro de Andrade

    Ditadura, direitos humanos, arquivos e educao a partir do patrimnio: documentar aditadura para que(m)? 120

    Clarissa de Lourdes Sommer Alves e Nva Brando

    A produo de informaes sobre os exilados brasileiros na Frana durante o regimemilitar (1964-1979) 138

    Paulo Csar Gomes Bezerra

    Os documentos da comunidade de informaes e segurana nos anos ditatoriais (1964-1985): uma anlise crtica 146

    Vitor Garcia

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    Sesso de Comunicaes 4

    ARQUIVOS DA RESISTNCIA

    O MDB no acervo do Dops-ES: controle ideolgico e resistncia poltica no EspritoSanto 155

    Amarildo Mendes Lemos

    Documentando a luta e a resistncia ditadura militar 173

    Solange de Souza

    Sesso de Comunicaes 5

    MEMRIA

    A arte como documento-testemunho: uma anlise das trajetrias de Carlos Zilio eSrgio Ferro durante a ditadura militar 193

    Andrea Siqueira DAlessandri Forti

    Quem tem medo de lembrar? Da Lei de Anistia Comisso da Verdade 207

    Cleidson Carlos Santos Vieira

    O Memorial das Ligas Camponesas na contramo da ditadura 222

    Janicleide Martins de Morais Alves

    O Arquivo da Direccion de Inteligencia de la Polica de la Provincia de Buenos Aires(DIPBA): entre a memria histrica e a verdade judicial 240

    Marcos Oliveira Amorim Tolentino

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    Sesso de Comunicaes 6

    ARQUIVOS DA REPRESSO

    O Ministrio do Trabalho e o trabalhador: a atuao de Arnaldo Sussekind 258

    Heliene Nagasava

    Nos arquivos da polcia poltica: reflexes sobre uma experincia de pesquisa entre ospapis do Dops do Rio de Janeiro 267

    Luciana Lombardo Costa Pereira

    Comunicar acto controlado. Un anlisis del Partido Comunista segn el Servicio deInteligencia Policial de la Argentina, en la Provincia de Buenos Aires 285

    Mara Eugenia Marengo Hecker

    Os arquivos do aparato repressivo do Rio Grande do Sul e o monitoramento dafronteira Brasil-Uruguai 306

    Marla Barbosa Assumpo

    Programa do Seminrio 322

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    Documentar a Ditadura, uma reflexo coletiva

    sobre uma histria que no pode se repetir

    Inez Stampa1

    Rodrigo de S Netto2

    Os arquivos, por intermdio de seus conjuntos documentais, podem contribuir

    decisivamente para que se conhea o passado e, tambm, para embasar o planejamento

    de polticas do futuro. So, por outro lado, fundamentais para determinar, no presente,

    as responsabilidades por injustias e crimes, principalmente quando cometidos em

    perodos de exceo por agentes do Estado ou a seu mando.

    Dessa forma, os documentos devem ser reconhecidos como um bem pblico, que,

    direta ou indiretamente, contribuem para a escrita da histria, para o desenvolvimento

    nacional e para a promoo do direito memria e verdade.

    Mais do que registros imparciais do tempo, os documentos so uma seleo, nada

    aleatria, de vestgios do passado (LE GOFF, p. 535). Critrios subjetivos norteiam no

    apenas a sua produo, acumulao e preservao, mas tambm a sua relevncia no

    presente, seus usos cientficos e sociais. Assim, mais do que mero suporte para a

    produo acadmica, a documentao originada no contexto das lutas polticas no Brasil

    entre 1964 e 1985, tanto a que ostenta o timbre estatal, como aquela outra, muitas vezes

    clandestina, sada dos mimegrafos da resistncia, aparece como requisito para a

    recuperao de parte da memria coletiva que se pretendeu censurar, desaparecer, isto

    , se apagar da histria.

    Conforme apontam Abro e Torelly (2010), a memria um meio de significao

    social e temporal de grupos e instituies, o que implica em reconhecer sua importncia

    para a gerao do senso comum, ou seja, para a compreenso coletiva da sociedade

    sobre determinados eventos do passado. Dessa forma, a memria joga papel

    fundamental no processo de auto-reconhecimento de um povo, ao embasar o processo

    de construo de sua identidade:

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    [...] lembrar ou esquecer, individual e/ou coletivamente, implica em alterar os

    elementos que do significado e sentido ao futuro, uma vez que o que lembramos

    do passado fundamental para que possamos refletir sobre quem somos no

    mundo e onde nos encontramos no tempo. Mais ainda: nossas lembranas so

    determinantes para a orientao de nosso agir [...] (ABRO e TORELLY, 2010, p.

    107).

    Dessa forma, a adoo de polticas de memria especficas para enfrentar o

    legado histrico de violaes sistemticas dos direitos humanos, como as que ocorreram

    entre 1964 a 1985, tem por objetivo no somente garantir a compreenso do que

    ocorreu, mas, tambm, reforar o entendimento coletivo de que so necessrias

    estratgias para combater, no presente, essas violaes, que teimam em persistir como

    parte da realidade social brasileira.

    Por outro lado, cabe apontar que a memria pode ser construda e reconstruda a

    partir de fontes diversas, como, por exemplo, os documentos textuais recolhidos aos

    arquivos brasileiros, os livros de uma determinada biblioteca pblica, os registros

    audiovisuais de um colecionador particular ou, ainda, os relatos orais de pessoas queviveram ou testemunharam acontecimentos, conjunturas, modos de vida etc. Referindo-

    se expressamente aos arquivos, Coimbra (2010, p. 94), afirma que:

    [...] nas sociedades democrticas, e a propsito da histria recente, a todos cabe o

    dever cvico de promover a discusso crtica do passado, de forma serena e sem

    revanchismos, buscando a verdade e a justia e, sobretudo, exigindo

    responsabilidade aos poderes pblicos pela preservao do legado documental

    histrico, criando e apoiando os repositrios das memrias nacionais.

    Esse dever cvico, como lhe chama a autora, ganha urgncia no que se refere

    memria de perodos nos quais ocorreram violaes macias dos direitos humanos, seja

    porque se trata de uma memria disputada entre vtimas e perpetradores de graves

    violaes dos direitos humanos, seja porque se trata de uma memria em risco, pelo

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    interesse que determinados grupos tm no aniquilamento dos registros histricos da

    poca.

    Isso somente reforado pela constatao de que o Brasil detentor do maiorconjunto documental de origem pblica sobre a represso poltica na regio sul-

    americana (SILVA, 2008). Esse papel de destaque garantido pelo volume de documentos

    pblicos produzidos e acumulados pelos rgos e entidades integrantes do extinto

    Sistema Nacional de Informaes e Contrainformao (Sisni), que tinha por rgo central

    o, tambm hoje extinto, Servio Nacional de Informaes (SNI). De acordo com dados de

    2013 do Arquivo Nacional, apenas o acervo deste rgo sobre o perodo do regime civil-

    militar composto por aproximadamente 18.000.000 (dezoito milhes) de pginas de

    documentos textuais, alm de outros tipos documentais3.

    Contudo, se a recente ditadura brasileira deixou-nos, como sombrio legado, o

    maior acervo documental entre suas congneres no Cone Sul, verdade, tambm, que a

    abertura e divulgao destes documentos deram-se de maneira relativamente tardia,

    principalmente a partir da entrada em vigor, em 2012, da Lei de Acesso a Informaes 4.

    Diante desse quadro, torna-se urgente promover o contato da sociedade com essematerial, facilitando o acesso s fontes, estimulando a sua divulgao e apoiando

    iniciativas voltadas para a reflexo e anlise das informaes nelas contidas.

    Com esse propsito, o I Seminrio Internacional Documentar a Ditadura, realizado

    de 4 a 6 de junho de 2013, na sede do Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, procurou

    promover um debate plural e interdisciplinar sobre os atos de documentar o regime,

    envolvendo os documentos e arquivos criados pelas instituies militares e civis que

    serviam ao governo autoritrio e, por outro lado, pelos grupos e indivduos que a ele

    resistiram. Foram trs dias de intenso dilogo, com a participao ativa do pblico

    presente, que teve a oportunidade de debater com alguns dos maiores especialistas

    nacionais e estrangeiros na temtica dos arquivos da represso.

    Lugar de memria por excelncia, os arquivos so, tambm, objeto da histria.

    Perceb-los enquanto campo a ser investigado foi, enfim, o ponto de inflexo conjunta

    entre pesquisadores, estudantes e acadmicos de diferentes reas presentes ao evento.

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    Por outro lado, ficou claro que estudar o processo de produo da informao

    documental, seu circuito infocomunicacional, bem como sua natureza e prxis de

    controle, alm dos meios e dinmicas polticas responsveis pelas suas formas de

    preservao ou destruio requeria compreender a especificidade de cada tipo de

    arquivo. Assim, a partir dessa percepo, optou-se por se lanar luz tanto sobre os

    arquivos da represso como sobre aqueles produzidos e/ou acumulados pelos

    movimentos de oposio.

    No caso dos arquivos da represso, aqueles produzidos e/ou custodiados pelo

    Estado, as experincias nacionais dos diferentes arquivos pblicos que contm

    documentao de regimes autoritrios, bem como as polticas pblicas para a rea

    implementadas aps regimes repressivos, foram colocadas em pauta com o objetivo de

    estabelecer comparaes seja com os pases latino-americanos, seja com pases da

    Europa oriental do ps 1989, quando se desfez o bloco sovitico.

    J o debate sobre arquivos dos movimentos sociais propiciou no apenas a troca

    de informaes sobre a realidade atual de tais arquivos e seus procedimentos para acesso

    documentao como, tambm, estimulou a reflexo sobre os significados e papisdesta rede de informaes e os desafios da preservao da memria destes mesmos

    movimentos, de partidos e outras organizaes de resistncia.

    De forma geral, o Seminrio teve como objetivo criar canais para trocas de

    experincias, alm de incentivar a discusso sobre os arquivos das foras da situao e da

    oposio no contexto dos anos de chumbo, acervos fundamentais para o conhecimento

    da histria e para o amplo acesso verdade e justia.

    Buscou-se, enfim, aprofundar esse debate atravs de um processo de reflexo

    coletiva e multidisciplinar, levando em considerao a complexidade e riqueza do

    patrimnio documental brasileiro e sua articulao com as experincias de outros pases,

    notadamente de acervos referente s lutas polticas ocorridas na segunda metade do

    sculo XX.

    Nesse sentido, esta coletnea rene artigos resultantes das comunicaesapresentadas durante o Seminrio Documentar a Ditadura, divididas em seis sesses

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    temticas, articuladas pela temtica dos arquivos da represso e da resistncia, conforme

    resumiremos a seguir:

    A primeira sesso, denominada Constituio de Acervos, buscou reunirexperincias voltadas para a recuperao de acervos documentais emblemticos do

    perodo da ditadura militar, bem como da constituio de novos acervos, reunidos a

    partir de experincias no campo da justia de transio. Dessa forma, o artigo A

    preservao de cartazes do movimento estudantil: a construo da memria da atuao

    secundarista durante a ditadura militar, de Ivy Souza da Silva (Aperj e PPGMS/Unirio),

    traz o caso de dois cartazes do perodo da ditadura militar, contidos no acervo do Arquivo

    Pblico do Estado do Rio de Janeiro (Aperj), e que contm, alm de palavras de ordem

    escritas por estudantes, marcas de sapatos. A partir desse caso, a autora discute questes

    relativas preservao da documentao e da memria da atuao dos estudantes

    secundaristas e suas formas de resistncia ditadura militar.

    Por seu turno, Abrindo os arquivos do Deops/SP: a experincia da livre

    disponibilizao na internet dos acervos da represso, de Monique Felix Borin (Apesp) e

    Sheila Soares (Apesp), narra a experincia do Arquivo Pblico do Estado de So Paulo(Apesp), um dos primeiros a abrir a documentao do perodo da ditadura militar no

    Brasil, e a recente disponibilizao de parte dessa documentao pela Internet.

    J Shirley Franco (UnB), com o artigo A sobrevivncia dos arquivos relacionados

    Guerrilha do Araguaia: a noo de ramificao dos documentos, investiga o caso da

    publicao de fotos, em 2004, supostamente do jornalista e preso poltico Vladimir

    Herzog, que acabou por suscitar discusses na mdia sobre os arquivos relacionados

    Guerrilha do Araguaia (1972-1975). A autora tambm aborda a noo de ramificao,

    buscando demonstrar a impossibilidade de destruio, de maneira completa e absoluta,

    de todos os documentos arquivsticos relacionados a um evento histriconeste caso, os

    documentos arquivsticos relativos Guerrilha do Araguaia.

    Encerrando a primeira sesso, o artigo A importncia da elaborao de

    instrumentos de pesquisa para o resgate da memria: a experincia do Arquivo Pblico

    do Estado do Rio Grande do Sul na confeco de um catlogo seletivo da documentao

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    da Comisso Especial de Indenizao, de Vanessa Menezes (Apers) e Renata Pacheco de

    Vasconcellos (Apers), que ressalta a importncia das fontes arquivsticas, e dos

    instrumentos de pesquisa elaborados a partir delas, para a construo de conhecimento

    histrico e o resgate da memria da histria recente brasileira, mais especificamente

    acerca dos fatos ocorridos no perodo de 1964 a 1985 durante a ditadura civil-militar.

    Por seu turno, a segunda sesso, Arquivos e histria oral, teve por objetivo

    qualificar o debate sobre a importncia das iniciativas de histria oral, compreendidas

    como fundamentais para recontar a histria de um perodo em que os arquivos oficiais

    estavam a servio da ditadura. Inicia a sesso o artigo Marcas da Memria: A Construo

    de um Acervo de Histria Oral da Ditadura e Anistia no Brasil de Desirree dos Reis Santos

    (PPGHIS/PUC-RJ) e Izabel Pimentel da Silva (PPGH/UFF). O texto apresenta a iniciativa

    Marcas da Memria, uma parceria do Ministrio da Justia com a UFRJ, destacando a

    riqueza do seu acervo documental, constitudo predominantemente por depoimentos de

    pessoas atingidas pela represso estatal entre 1964 e 1985. A partir da seleo e anlise

    de um conjunto de depoimentos, o trabalho introduz o leitor ao universo psicolgico

    dessas pessoas, suas impresses e dilemas diante de questes do passado e do presente,

    como a atual poltica de reparao empreendida pelo Estado brasileiro.

    A sesso encerra com o artigo de Silvania Rubert (PPGH/UFRGS) que, em A fonte

    oral como arquivo vivo da ditadura, parte de depoimentos de familiares de

    desaparecidos polticos para abordar a vivncia do luto nos casos em que inexistem

    provas materiais da morte de um ente querido. Alm de reforar a importncia das fontes

    orais para a compreenso da histria recente, a anlise dos depoimentos mostra como a

    experincia do luto se torna mais rdua diante da ausncia de restos mortais, podendo

    mesmo adquirir traos patolgicos.

    Quanto terceira sesso, denominada simplesmente de Informao, esta teve

    por objetivo discutir questes relativas ao acesso a informaes, bem como sobre as

    prprias aes de recuperao de informaes sobre o perodo ditatorial. Ana Clia

    Navarro de Andrade (Cedic/PUC-SP), no artigo O projeto Clamor: documentao e

    memria de um Comit pelos Direitos Humanos no Cone Sul e o acesso informao,apresenta o Centro de Documentao e Informao Cientfica da Pontifcia Universidade

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    Catlica de So Paulo, relatando suas prticas voltadas para a preservao e divulgao

    do acervo. Entre os documentos custodiados pelo Cedic/PUC-SP, Navarro se detm,

    especialmente, na descrio do arquivo Comit de Defesa dos Direitos Humanos para os

    Pases do Cone Sul, importante organizao humanitria ativa entre 1978 e 1991.

    O texto Ditadura, Direitos Humanos, Arquivos e Educao a partir do patrimnio:

    documentar a ditadura para que(m)?, de Clarissa de Lourdes Sommer Alves (Apers) e

    Nva Brando (Apers) ao indagar sobre a funo social do ato de se documentar os anos

    ditatoriais, aborda a recente experincia do Apers que busca ampliar e direcionar a

    divulgao do seu acervo atravs de um Programa de Educao Patrimonial voltado para

    estudantes do Ensino Mdio, iniciativa que visa estimular a apropriao do tema ditadura

    e direitos humanos pela sociedade, condio para o pleno acesso justia e memria.

    J Paulo Csar Gomes Bezerra (PPGHIS/UFRJ), em seu artigo A produo de

    informaes sobre os exilados brasileiros na Frana durante o regime militar (1964-

    1979), analisa a atividade do Centro de Informaes do Exterior, Ciex, voltada para os

    exilados brasileiros na Frana. Seu texto busca entender o olhar do Ciex sobre as

    inmeras levas de exilados que, sob diferentes circunstncias, precisaram deixar o pasdirigindo-se, em grande parte, para a capital francesa, cidade que se apresentava como

    um espao privilegiado para a oposio a partir do exlio.

    Por outro lado, o trabalho de Vitor Garcia (PPGH/Unirio), Os documentos da

    comunidade de informaes e segurana nos anos ditatoriais (1964-1985): uma anlise

    crtica, tambm aborda a comunidade de informaes e segurana do regime ditatorial

    mas, sem se deter num rgo especfico, busca entender as caractersticas gerais dos

    documentos produzidos pela comunidade. Sua anlise atenta para aspectos externos

    desses textos, como a sua forma de produo e circulao, procurando, assim,

    compreender a estruturao e rotina de trabalho dos organismos que os produziram.

    Por sua vez, a quarta sessotemtica, Arquivosda resistncia chama a ateno

    para os acervos de grupos e pessoas que resistiriam s polticas repressivas da ditadura

    estabelecida em 1964. Amarildo Mendes Lemos (PPGHIS/UFES), autor de O MDB no

    acervo do Dops-ES: controle ideolgico e resistncia pol tica no ES aborda a dinmica

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    ARQUIVOS DA REPRESSO E DA RESISTNCIA - Comunicaes do I Seminrio Internacional Documentar a Ditadura Pgina 17

    poltica do Movimento Democrtico Brasileiro MDB, partido nico de oposio

    ditadura, concentrando-se na atuao de Max de Freitas Mauro, liderana do partido no

    estado do Esprito Santo. O mtodo por ele utilizado a pesquisa em documentos

    produzidos pelo Dops-ES que revelam inmeros aspectos cotidianos do partido, como

    suas divises ideolgicas e conflitos internos, bem como o grau de vigilncia e represso

    exercido sobre a agremiao pela polcia poltica.

    Solange Souza (Cedem/Unesp), em Documentando a luta e a resistncia

    ditadura militar, prossegue apresentando o Archivio Storico del Movimento Operaio

    Brasiliano Asmob, acervo, formado nos anos 1970 por exilados brasileiros na Itlia

    dispostos a preservar o legado documental dos movimentos sociais no Brasil. Propriedade

    do Instituto Astrojildo Pereira IAP, o acervo se encontra, atualmente, custodiado pelo

    Centro de Documentao e Memria da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita

    Filho, Cedem Unesp. Souza descreve, ainda, o trabalho de organizao e divulgao

    desse acervo, empreendido pelo Cedem.

    A quinta sesso, Memria, discute a memria do perodo repressivo a partir das

    mais variadas expresses de sua construo. Exemplo dessa abordagem o artigo deAndrea Forti (PPGH/Unirio), intitulado A arte como documento-testemunho: uma

    anlise das trajetrias de Carlos Zilio e Srgio Ferro durante a ditadura militar, que tem

    como objetivo analisar as trajetrias de dois artistas plsticos e militantes polticos da

    dcada de 1960, discutindo temas como a relao entre produo artstica e

    engajamento poltico.

    Com outro enfoque, o artigo Quem tem medo de lembrar? Da Lei de Anistia

    Comisso da Verdade, de Cleidson Carlos Santos Vieira (PPGH/Ufal), contribui para o

    debate a partir da anlise do processo de transio da ditadura civil-militar para a

    democracia representativa, enfocando as estratgias utilizadas pela elite dirigente frente

    s atrocidades cometidas pelo regime autoritrio, bem como o papel de vtimas e de

    organizaes de familiares de desaparecidos polticos no enfrentamento dessas questes.

    J o artigo O memorial das ligas camponesas na contramo da ditadura, de

    Janicleide Martins de Morais Alves (PPGDH/UFPB), discute a questo da memria da

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    represso no campo e, em especial, a atuao do Memorial das Ligas Camponesas para

    preservar o legado desse movimento social que marcou a histria da Paraba e do Brasil,

    lutando por direitos sociais no campo e pela Reforma Agrria.

    Encerrando esta sesso temtica, o artigo O arquivo da Direccin de Inteligencia

    de la Polica de la Provincia de Buenos Aires (DIPBA): entre a memria histrica e a

    verdade judicial, de autoria de Marcos Oliveira Amorim Tolentino (PPGH/Unicamp),

    analisa as relaes que se estabelecem na Argentina entre os arquivos e a aplicao da

    justia a partir dos usos que so feitos dos arquivos em questo. Bem como a relao

    entre memria histrica e justia. Para tanto, traz o exemplo dos arquivos da DIPBA rgo

    de represso que, entre 1956 e 1998, dedicou-se espionagem, ao registro anlise da

    informao para a perseguio poltica e ideolgica em Buenos Aires.

    Por fim, a sexta sesso temtica foca nos arquivos da represso, isto , nos

    acervos que foram constitudos para ocultar informaes e negar direitos, e que hoje, em

    sentido inverso, tornaram-se uma poderosa ferramenta de conhecimento e de garantia

    de direitos. Esta sesso aberta com um artigo em Espanhol de Maria Eugenia Marengo

    Hecker (CECSO/FaHCE/UNLP), denominado Comunicar acto controlado. Un anlisis delPartido Comunista segn el servicio de inteligencia policial de la Argentina, en la Provincia

    de Buenos Aires, que busca analisar a vigilncia dos agentes de inteligncia da polcia de

    Buenos Aires sobre membros do Partido Comunista. A anlise feita a partir da

    documentao da Direccin de Inteligencia de la Polica de la Provincia de Buenos Aires

    (DIPBA), entre os anos de 1949 a 1959.

    J o artigo de Heliene Nagasava (Arquivo Nacional e Cpdoc/FGV), intitulado O

    Ministrio do Trabalho e o trabalhador: a atuao de Arnaldo Sussekind, discute a

    atuao desse ex-ministro do trabalho (1964-1965), destacando a promoo de aes

    voltadas para os trabalhadores durante o contexto de disputa de interesses com os

    outros ministrios, especialmente aqueles da rea econmica. Por outro lado, analisa a

    viso governamental sobre os trabalhadores durante a ditadura civil-militar, abordando

    temas como os expurgos sindicais, a lei antigreve e o arrocho salarial.

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    De outra forma, Luciana Lombardo (PUC-Rio) apresentou o artigo Nos arquivos

    da polcia poltica: reflexes sobre uma experincia de pesquisa entre os papis do Dops

    do Rio de Janeiro, que procura refletir sobre as possibilidades de pesquisa abertas com

    os arquivos do Dops do Rio de Janeiro, utilizando como exemplo o Fundo Polcias

    Polticas do Aperj. De acordo com a autora, a documentao investigada revela prticas

    similares de acompanhamento policial sobre o cotidiano dos sindicatos de trabalhadores

    e das editoras de oposio.

    Encerra a sesso temtica o artigo Os arquivos do aparato repressivo do Rio

    Grande do Sul e o monitoramento da fronteira Brasil-Uruguai, de Marla Barbosa

    Assumpo, que revela algumas das polticas de controle e monitoramento, por parte do

    aparato repressivo brasileiro, que tinham como foco a fronteira do Rio Grande do Sul

    durante a ditadura civil-militar. Esse monitoramento foi analisado a partir da

    documentao das Sees de Ordem Poltica e Social (Sops), braos municipais do

    Dops/RS.

    Conforme dito anteriormente, os arquivos so fundamentais para determinar as

    responsabilidades pelos crimes e injustias cometidas pelo Estado em perodosrepressivos. Nesses casos, tambm contribuem diretamente para a escrita da histria.

    Com essa viso, o evento cumpriu com o objetivo de favorecer a reflexo a respeito dos

    documentos concernentes ao perodo da ditadura militar no Brasil (1964-1985) e na

    Amrica Latina.

    Durante o Seminrio, estiveram reunidos profissionais, pesquisadores e

    estudantes de diferentes nacionalidades, inseridos nos campos da histria, das cincias

    sociais e poltica, do direito, do servio social, da cincia da informao, da arquivologia, e

    outras reas, com variadas experincias e pontos de vista sobre o tema.

    O ponto de convergncia das diversas experincias e pesquisas apresentadas foi

    marcado pelo debate em torno dos atos de documentar o regime ditatorial, isto , sobre

    os documentos e arquivos criados pelas instituies militares e civis que serviam ao

    regime, bem como pelos movimentos sociais, grupos e indivduos que resistiram naquele

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    mesmo perodo -tudo para que as polticas do esquecimento no triunfem, e para que

    a histria no se repita, seja como tragdia ou como farsa.

    Referncias

    ABRO, P. e TORELLY M. D. Justia de transio no Brasil: a dimenso da reparao. In:SANTOS, B. de S. et. al. (Orgs.). Represso e Memria Poltica no Contexto Ibero-Brasileiro: estudos sobre Brasil, Guatemala, Moambique, Peru e Portugal. Braslia:Ministrio da Justia/Comisso de Anistia; Portugal: Universidade de Coimbra/Centro de

    Estudos Sociais, 2010.

    COIMBRA, M. N. O dever de no esquecer como dever de preservar o legado histrico. In:SANTOS, B. de S. et. al. (Orgs.). Represso e Memria Poltica no Contexto Ibero-Brasileiro: estudos sobre Brasil, Guatemala, Moambique, Peru e Portugal. Braslia:Ministrio da Justia/Comisso de Anistia; Portugal: Universidade de Coimbra/Centro deEstudos Sociais, 2010.

    LE GOFF, Jacques. Histria e memria. So Paulo: Editora da UNICAMP, 1990.

    SILVA, J. A. O Centro de Referncia das Lutas Polticas no Brasil (1964-1985): MemriasReveladas. AcervoRevista do Arquivo Nacional, dossi Arquivos do regime militar, vol.21, n 02, jul/dez 2008.

    Notas

    1Graduada em Cincias Sociais e em Servio Social pela UERJ, doutora em Servio Social pela PUC-Rio,

    onde professora do Departamento de Servio Social com insero na graduao e na ps-graduao. servidora do Arquivo Nacional, atuando na coordenao do Centro de Referncias das Lutas Polticas no

    Brasil (1964-1985) - Memrias Reveladas.2Graduado em Comunicao Social, pela UFF, e Histria, Pela UNIRIO, mestre em Histria Pela UNIRIO.Tcnico em Assuntos Culturais no Arquivo Nacional, atua no Centro de Referncia das Lutas Polticas noBrasil (1964-1985) - Memrias Reveladas.

    3Segundo dados do Relatrio Anual 2013 do Centro de Referncia das Lutas Polticas no Brasil (1964-1985) -

    Memrias Reveladas. A referncia a outros tipos de documentos compreende documentos microfilmados,audiovisuais e iconogrficos (fotos, cartazes, gravuras etc.).

    4 Embora promulgada em 18 de novembro de 2011, a Lei de Acesso a Informaes (Lei 12.527/2011)

    somente entrou em vigor em 16 de maio de 2012, em virtude da necessidade de preparar adequadamenteos rgos da administrao pblica a seguir seus ditames.

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    Sesso 1

    CONSTITUIO DE ACERVOS

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    A preservao de cartazes do movimento estudantil: a construo da memria daatuao secundarista durante a ditadura militar

    Ivy Souza da Silva

    5

    Resumo: Em meio a documentos produzidos pela polcia poltica no ano de 1968, doiscartazes chamam ateno. So cartolinas com palavras de ordem escritas por estudantesque traz impresso em suas superfcies marcas de sapatos. O que teria acontecido a essescartazes? Como preservar essas marcas? Essas so algumas das questes enfrentadaspela equipe de preservao de documentos do Arquivo Pblico do Estado do Rio deJaneiro e que se desdobraram em uma pesquisa desenvolvida no Programa de PsGraduao em Memria Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e que

    pretende contribuir com a construo da memria da atuao dos estudantessecundaristas no Movimento Estudantil, em concomitncia com a construo da memriadas Polcias Polticas atravs da difuso de suas prticas de investigao e da polticarepressora vigente no perodo da ditadura militar.

    Palavras-chave: cartazes; movimento estudantil; memria, ditadura.

    Abstract: Among the documents produced by the political police in 1968, two postersdraw attention. These cardboards with slogans written by students bring in their surfacesshoe brands. What would have happened to these posters? How to preserve thesetraces? These are some of the issues faced by the Public Archives of the State of Rio de

    Janeiros documents preservation team, and opened in a research conducted in the PostGraduate Program in Social Memory of the Federal University of the State of Rio deJaneiro. This research has purpose to contribute with the construction of the memoryperformance of high school students in the Student Movement, in tandem with theconstruction of the Police policies memories through the dissemination of theirinvestigation practices and political force in repressive period of the dictatorship.

    Keywords: posters; student movement; memory; dictatorship.

    Introduo

    A preservao de bens culturais uma atividade multidisciplinar que requer do

    profissional que atua na rea, ainda na sua formao, o contato com diversos saberes

    similares ou distintos entre si, mas que se completam na rede do conhecimento

    necessrio para o exerccio do ofcio. O documento arquivstico tem o que Cesare Brandi

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    chama de prevalncia da instncia histrica6, o que a distingui da obra de arte, cuja

    instncia esttica muitas vezes sobreposta ao valor histrico da pea. As teorias sobre

    conservao e restaurao so muitas, mas quando se trata de um tipo de acervo

    especfico como o documento de arquivo, o conservador se v diante do exerccio de

    adaptao. As teorias que abordam questes relevantes a manuteno da historicidade

    so bem vindas ao laboratrio de conservao de arquivo. E quando um documento

    arquivstico, alm das informaes nele grafadas, apresenta danos que ajudam a compor

    memrias? E quando essas memrias se opem ao que foi relatado pelo discurso oficial?

    Essas questes sugiram durante o tratamento de documentos referentes ao Movimento

    Estudantil, reunidos pela Polcia Poltica do ento Estado da Guanabara, hoje custodiadospelo Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro (Aperj).

    O trabalho da equipe tcnica de conservao do Aperj nos cartazes do Movimento

    Estudantil se deu no incio do ano de 2010, quando a Diviso de Preservao de

    Documentos do Aperj props como atividade anual o tratamento dos dossis do Setor

    Estudantil do Fundo Polcias Polticas do acervo da instituio. Neste conjunto

    documental h uma grande quantidade e variedade de cartazes na sua maioria

    apresentando algum tipo de dano que restringe o tipo de tratamento de conservao a

    ser realizado. Um exemplo o grupo de cartazes eleito para anlise nesse artigo, nos

    quais no possvel fazer sequer uma higienizao mecnica7, procedimento bsico para

    qualquer tipo de documento que neste caso, significaria um apagamento parcial da

    memria desses objetos.

    Contudo, no foi essa a primeira situao na qual a equipe do laboratrio de

    conservao do Aperj se viu frente a uma situao como essa. No ano anterior o

    laboratrio recebeu da Diviso de Documentos Permanentes uma toalha que pertencia

    ao pronturio de uma presa poltica, Genny Gleizer8. A toalha de rosto apresentava

    marcas de tipos diferentes de dobras e apresentava uma rea com acmulo excessivo de

    poeira. Como no foi possvel remover toda a sujidade mecanicamente, optou-se por um

    tratamento qumico simples, uma limpeza com gua. Mas, ao ser molhada, a toalha

    apresentou manchas que no eram vistas com o tecido seco. Por acreditarmos que

    aquelas marcas poderiam contar algo a mais sobre o tempo em que Genny permaneceu

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    encarcerada, o tratamento foi interrompido sob o risco de termos esses vestgios

    apagados ou alterados. No caso dos cartazes, a higienizao padro realizada com a

    trincha e p de borracha para a limpeza de sujidades superficiais, removeria grande parte

    das marcas encontradas no cartaz, ou seja, provocaria a perda de informao sobre a

    biografia da pea, apagamento de elementos da memria do cartaz e de seu uso em um

    determinado momento de sua histria.

    O Fundo Polcias Polticas do Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro

    Em 25 de agosto de 1931, por meio do Decreto n 2.638, do Interventor Federal 9

    no Estado do Rio de Janeiro Adolfo Bergamini, foi criado o Arquivo Geral do Estado. O

    arquivo era subordinado a Diretoria de Interior e Justia e trazia como uma de suas

    competncias receber, classificar, guardar e conservar os papis e livros findos,

    pertencentes s Secretarias de Estado, os quais sero relacionados e classificados

    segundo a natureza dos assuntos e o plano adotado (Art 2o, I). Ao longo do tempo, o

    Arquivo Geral do Estado passou por diversas secretarias at ser incorporado a Secretaria

    da Casa Civil, j com o nome de Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro. No ano de

    1961 o arquivo passa a guardar a documentao referente Presidncia da Provncia e a

    Presidncia do Estado do Rio de Janeiro. Em 1990 recebe o Fundo Casa de Deteno do

    Rio de Janeiro, com documentos produzidos entre 1860 a 1969 e em 1992 o Fundo

    Polcias Polticas.

    O Corpo de Investigaes e Segurana Pblica da Polcia Civil, datada do incio do

    sculo XX, foi o primeiro rgo de represso a crimes de competncia poltica utilizado

    pelo governo. A Inspetoria de Investigaes e Segurana Pblica, criada em 1920 para

    manter a segurana interna da Repblica foi extinta em 1922, quando da criao da 4

    Delegacia Auxiliar e da Seo de Ordem Poltica e Social com intuito de controlar as recm

    surgidas associaes anarquistas e comunistas. Com o incio da Era Vargas o controle

    passou a ser maior, e o Estado se preocupava ainda mais com as organizaes

    camponesas, operrias e comunistas, que cresciam amplamente, agregando cada vez

    mais simpatizantes. A Seo de Ordem Poltica e Social foi transformada em Delegacia

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    Especial de Segurana Poltica e Social (DESPS), no ano de 1933, e cinco anos mais tarde,

    chegou a possuir uma Seo de Arquivo Geral, demonstrando a importncia da Delegacia

    e de suas aes, que agora iria reprimir e investigar de forma mais completa. A extino

    da DESPS se deu em 1944 quando a criao de um novo rgo foi instituda: a Diviso de

    Polcia Poltica e Social (DPS). Vinculada ao novo Departamento Federal de Segurana

    Pblica que, por sua vez, era subordinado ao Ministrio da Justia e Negcios Interiores.

    Com a Segunda Guerra Mundial, a DPS passou a se ocupar, alm das organizaes

    nacionais, tambm com os estrangeiros que chegavam ao Brasil.

    Com a mudana da capital federal para Braslia, na dcada de 1960, toda a

    documentao produzida pelos rgos Desps e DPS no foi transferida, permanecendo no

    novo Estado da Guanabara. Foi criado em 1962 o Departamento de Ordem Polcia Poltica

    e Social (Dops), que atuava na investigao e represso dos sindicatos, intelectuais e

    estudantes. O Departamento Geral de Investigaes Especiais (DGIE), situado no novo

    Estado do Rio de Janeiro, em 1975, teve suas funes de Polcias Polticas extintas em

    1983. Toda a produo documental deste departamento passou para a custdia da Polcia

    Federal, sendo recolhida em 1992, de acordo com a Lei n. 2.027 (de 29 de julho de 1992,

    Rio de Janeiro), para ser salvaguardada pelo Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro

    e so esses os documentos que hoje compem o Fundo Polcias Polticas do Aperj. So

    contabilizados mais de 600 metros lineares de documentos, que renem dossis,

    pronturios, pastas, fichas de identificao e cdices, datados desde a dcada de 1920. O

    fundo encontra-se ainda organizado da mesma maneira como a Polcia o fez no perodo

    de sua constituio. Os grupos documentais textuais esto organizados em pastas que,

    por sua vez esto agrupadas por setores. So 58 setores no total, dentre os quais sedestacam: Aliana Nacional Libertadora, Partido Comunista, Ao Integralista Brasileira,

    Organizaes da Esquerda Armada, Partidos Polticos, Sindicatos, Estudantil, Eleies,

    Greves, etc. Esta documentao tem seu acesso irrestrito de acordo com Decreto

    Estadual n 44.131, de 21 de maro de 2013.

    Os secundaristas no movimento estudantil

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    A atuao dos secundaristas no Movimento estudantil j foi abordada por alguns

    pesquisadores, mas no com tanta abrangncia quanto a participao dos universitrios.

    Embora o tempo dedicado ao movimento durante o ano fosse menor do que os

    universitrios devido aos exames bimestrais aos quais os secundaristas eram

    subordinados10, a contribuio desse seguimento estudantil vem de longa data. Em 1950

    criada a Unio Nacional dos Estudantes Secundaristas (Unes), treze anos aps da

    criao da Unio Nacional dos Estudantes - Une. Durante os seis primeiros anos, a

    organizao dos secundaristas viveu uma crise, ora com mudanas de nomes, ora com a

    convivncia de duas entidades de mbito nacional reivindicando a representao dos

    secundaristas. Em 1956, Unes e Ubes foram unificadas e passaram a dividir o mesmoedifcio sede com a Une na cidade do Rio de Janeiro.

    Os cartazes

    Os objetos destacados do conjunto para anlise neste trabalho so dois cartazes

    manuscritos atribudos ao movimento estudantil, mais especificamente a estudantes

    secundaristas da cidade do Rio de Janeiro. So cartolinas (originalmente brancas e

    atualmente amareladas pelo tempo) escritas provavelmente com giz de cera11em apenas

    um lado. Foram confeccionados para transmitir uma informao simples e objetiva, em

    frases curtas com palavras de ordem, que no contexto para o qual foram criadas,

    desempenharam com eficincia sua funo.

    A documentao que acompanha o cartaz no dossi da polcia nos mostra dados

    sobre sua origem: foram produzidos pelos alunos do Colgio Estadual Camilo Castelo

    Branco, em data prxima (pela documentao no h como precisar a data de produo)

    a greve estudantil de 1968. Segundo documento datado do dia 29 de maio de 1968, um

    dia aps um grupo de policiais ter destacado para averiguar sobre uma greve dos

    estudantes desta escola, a polcia retorna a escola e apreende dois cartazes e

    encaminhou ao Dops um elemento que, em trajes de passeio, parlamentava em atitudes

    suspeita a um grupo de estudantes12. Os documentos que fazem meno direta aos

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    eventos citados so relatos sucintos de incurses e do conta ainda dos nomes dos

    detidos e da descrio das mensagens dos cartazes.

    Contudo, o estado em que se encontram nos estimula a pensar sobre as

    possibilidades de acontecimentos que tenham ocorrido com esses cartazes em sua

    trajetria. H marcas de pequenos furos nos quatro cantos de cada um dos cartazes, de

    pegadas e de abrases que proporcionaram aos cartazes impresses ntidas de solados

    diversos e de marcas das pedras portuguesas comumente usadas no revestimento das

    caladas da cidade do Rio de Janeiro. H ainda marcas de dobras e de perfuraes para

    insero do documento em dossi para arquivamento na polcia. Outro dado que

    desperta ateno o fato desses documentos que relatam a entrada dos cartazes ao

    arquivo da polcia possuir ao menos seis assinaturas com vistos e encaminhamentos, trs

    carimbos de protocolo com datas iguais, e que se distanciam, posteriormente, dois dias

    da data de produo. Algumas destas marcas so claras e nos mostram com exatido

    parte dessa trajetria. Outras nos colocam frente a algumas questes.

    O que teria ocorrido a esses cartazes e a seus portadores? Como eles foram

    apreendidos? nesse exerccio que se encontra o ponto de partida para a pesquisa vem

    sendo desenvolvida no Programa de Ps Graduao em Memria Social da Universidade

    Federal do Estado do Rio de Janeiro.

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    Figuras 1 e 2 - Dois dos trs cartazes apreendidos no Colgio Estadual Camilo Castelo Branco -manuscritos a giz de cera de cor vermelha, em papel tipo cartolina, medindo 50 x 60 cm cada umdeles. Fotos: Rene Leal, 2013.

    Aps ter tratado os cartazes, tratamento este limitado ao acondicionamento em

    pasta de papel alcalino, recebemos no laboratrio a visita de um grupo de professores.

    Na oportunidade, apresentamos aos visitantes trs cartazes, que havamos separado do

    conjunto documental para apreciao. Como estvamos no laboratrio de conservao e

    j havamos feito apresentao de todos os procedimentos de conservao aos que

    passam um documento, no final do circuito, mostramos os cartazes selecionados e

    explicamos que a deciso pela separao desses documentos de seu conjunto foi em

    razo de estes estarem armazenados em caixas com dimenses menores que as deles e

    que, mantendo-os da forma como se encontravam, corriam risco de deteriorao.

    Esclarecemos ainda, que o ato sistemtico de desdobrar e dobrar novamente um

    documento todas as vezes que este tiver de ser consultado, fragiliza as fibras de papel das

    reas de vinco levando o ruptura do suporte.

    Ao abrir a embalagem de papel alcalino para exibir um dos referidos cartazes aos

    visitantes, deixamos que fossem observados antes de comentar sobre o mesmo. A partir

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    deste momento foi possvel observar duas reaes distintas dos visitantes. A primeira das

    reaes foi a de um visitante que falou entre risos, que se no tivssemos informado que

    os documentos j estavam prontos, ele nunca saberia que aquele documento havia sido

    tratado, possivelmente surpresa com a permanncia de tantas sujidades no suporte do

    documento. Aps contextualizar sobre as circunstncias as quais imaginvamos ter

    passado aqueles cartazes, foi observada a reao de outro visitante que se afastou do

    grupo, visivelmente emocionado. Essas reaes causaram um impacto sobre o trabalho

    que desenvolvemos, pois ficou claro que a deciso pela manuteno das marcas

    provocadas pelo contexto histrico desses documentos conduziu aos observadores

    memria de outras experincias.

    Consideraes parciais

    A pesquisa tem buscado embasamentos tericos nos historiadores Jaques Le Goff

    para tratar do documento como monumento e Michel Foucault para abordar os

    mecanismos de vigilncia e disciplina. Para tratar das memrias de episdios traumticos,

    Michael Pollak e Andreas Huyssen. No que tange a preservao na contemporaneidade, o

    conservador Salvador Muoz Vias.

    At agora a pesquisa conseguiu conferir a estreita vigilncia aos secundaristas

    atravs de documentos do Setor Estudantil do Fundo Polcias Polticas, com listas de

    nomes de estudantes, relatrios de incurses a escolas e material apreendido nestas,

    principalmente cartazes. Continuaro sendo analisados os documentos do Fundo Polcias

    Polticas, tanto do Setor Estudantil quanto do Departamento de Ordem Poltica e Social

    do Estado da Guanabara Dops-GB com a inteno de cruzar dados dos dois conjuntos e

    assim, traar um panorama dos mtodos investigativos da polcia sobre os estudantes

    secundaristas.

    Referncias

    ARAJO, Maria Paula. Memrias estudantis: da fundao da UNE aos nossos dias. Rio deJaneiro: Relum Dumar. 2007.

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    ARRUDA, Cludia Maria Calmon. Memrias num bordado: Traos de Genny Gleizer noArquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro. Cadernos de Pesquisa do CDHIS. Arquivo,Documento e Memria, 2010, vol.23, n 1.

    BALLESTREM, Agnes. El Conservador-restaurador: Una definicin de la profesin In:Consejo Internacional de Museos(ICOM), Copenhague, 1984.

    BOITO, Camilo. Os Restauradores.So Paulo: Ateli Editorial, 2002.

    CASSARES, Norma Cianflone. Como fazer conservao preventiva em arquivos ebibliotecas.So Paulo: Arquivo do Estado e Imprensa Oficial, 2000.

    CHAGAS, Mrio. Memria poltica e poltica de memria. In: ABREU, Regina. CHAGAS,Mrio. Memria e Patrimnio. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

    CONWAY, Paul. Preservao no universo digital. In: BECK, Ingrid. (coord.) ProjetoConservao Preventiva em Bibliotecas e Arquivos. trad. Jos Luiz Pedersoli Jnior e Luiz

    Antonio Cruz Souza. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. 24 p. il. (n. 52: reformatao).

    HALBWAKCHS, Maurice. A memria coletiva.So Paulo: Centauro, 2006.

    HEYMANN, Luciana Quillet. De arquivo pessoal a patrimnio nacional: reflexes sobre aconstruo social do legado de Darcy Ribeiro. Tese (Doutorado). Rio de Janeiro. InstitutoUniversitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro. 2009.

    LE GOFF, Jaques. Memria e histria.So Paulo: Unicamp, 1990.

    MENESES, Ulpiano T. Bezerra. A Histria, cativa da memria? Revista do Instituto deEstudos Brasileiros, So Paulo, 1992, n 34, p. 9-24.

    POLLAK, Michael. Memria, esquecimento, silncio. Estudos Histricos. Rio de Janeiro,vol. 2, n.3, 1989, p.315.

    SPINELLI, Jayme. A conservao de acervos bibliogrficos e documentais.Rio de Janeiro:Fundao Biblioteca Nacional, Dep. de Processos Tcnicos, 1997.

    VIAS, Salvador Muoz. Teoria Contemporanea de la Restauracion.Madri: Sintesis 2003.

    SILVEIRA, Flvio Eduardo. A luta do movimento estudantil secundarista.So Paulo: Ed.Movimento, 1979.

    Notas

    5Especialista em Conservao e Restaurao de Bens Culturais Mveis pelo CECOR-UFMG , Mestranda em

    Memria Social do Programa de Ps Graduao em Memria Social de UNIRIO, Diretora da Diviso dePreservao do Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro

    6Cesari Brandi escreveu sobre teoria da restaurao de obras de arte e monumentos. O que faz aproximar

    sua teoria aos objetos aqui citados o captulo que A restaurao segundo a instncia da historicidadeque trata de runas como testemunhos da histria do homem e expe uma discusso de como seria a

    melhor forma de restaurar uma runa.

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    7Entende-se por higienizao mecnica ou limpeza mecnica o procedimento realizado em documentos,

    cujo objetivo reduzir ou eliminar a presena de poeiras, partculas slidas, incrustaes e outros depsitosna superfcie. A limpeza da superfcie de documentos em papel feita inicialmente com trincha macia eposteriormente com p de borracha (CASSARES, 2000).

    8Artigo sobre este trabalho, ver ARRUDA, Claudia Maria Calmon. Memrias num bordado: Traos de GennyGleizer no Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro.

    9Interventor geral foi o cargo correspondente ao Governador de Estado no Brasil, durante a Era Vargas, de1930 a 1947.

    10Arajo, 2007, p. 72.

    11No foram feitas anlises do material de pictrico, que possui aspecto visual de inscrio a giz de cera.

    12Fundo Polcias Polticas, Setor Estudantil, pastas 23 e 24, notao 53.

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    Abrindo os arquivos do Deops/SP: a experincia da livre disponibilizao na internet

    dos acervos da represso

    Monique Flix Borin13Sheila Aparecida Rodrigues Soares14

    Resumo: Em 1 de abril de 2013, o Arquivo Pblico do Estado de So Paulo (Apesp)disponibilizou para livre consulta na internet cerca de 1 milho de imagens do acervoDeops/SP. Apoiado na Lei de Acesso e na regulamentao estadual da lei, o Apesp entodisponibilizou na internet uma parte da documentao que antes s podia ser consultada

    em seus sales de consulta, sem mais ter a necessidade da assinatura do termo deresponsabilidade. A ao d continuidade poltica do Estado de So Paulo de optar peladisponibilizao pblica para consulta de arquivos relacionados a violaes de direitoshumanos, que se iniciou com a Regulamentao Estadual do Decreto Federal n 8.159 que autorizava a liberao consulta do acervo Deops/SP mediante a assinatura de umtermo de responsabilidade, no qual o consulente se responsabilizava por qualquer usoindevido da documentao. Tal medida foi tomada aps a transferncia do acervo doDeops/SP da Polcia Federal ao Apesp, em 1991, fruto de reivindicaes da populao civilorganizada, que lutava para que o acervo fosse salvaguardado dos antigos agentes darepresso. A presente comunicao busca apresentar como a instituio elaborou o

    projeto de disponibilizao virtual do acervo Deops/SP sintetizado no site MemriaPoltica e Resistncia , assim como a repercusso que a medida teve na mdia e naopinio pblica, problematizando as questes relativas abertura de arquivos e apromoo direitos humanos em nosso tempo. O artigo se centrar, ainda, em apresentarum balano do primeiro ms de existncia do site, tanto em dados estatsticos deconsultas como das questes que a liberao do acesso virtual ao acervo Deops/SPengendrou para a instituio.

    Palavras chave:Deops/SP, digitalizao, difuso, lei de acesso.

    Em 1 de abril de 2013, o Arquivo Pblico do Estado de So Paulo (Apesp)

    disponibilizou para livre consulta na internet cerca de um milho de imagens do acervo

    Deops/SP. Neste texto apresentamos como a instituio elaborou o projeto de

    disponibilizao virtual do acervo Deops/SP sintetizado no site Memria Poltica e

    Resistncia , assim como a repercusso dessa medida na mdia e na opinio pblica,

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    problematizando as questes relativas abertura de arquivos e a promoo direitos

    humanos em nosso tempo. Trataremos primeiramente de apresentar o acervo Deops/SP

    e do seu histrico de polticas de acesso; em seguida, ser discutido o processo de

    permitiu a digitalizao da documentao e sua disponibilizao na internet; seguiremos

    ento com a estrutura do site em si, a avaliao da repercusso da medida e da

    experincia dos usurios, fechando com os apontamentos que essa analise traz para a

    instituio.

    O acervo

    Faremos uma breve apresentao dos trs acervos que compe a documentao

    apresentada no site Memria Poltica e Resistncia. O Deops/SP, denominado Delegacia

    de Ordem Poltica e Social em sua origem e, posteriormente, como ltima denominao,

    Departamento Estadual de Ordem Poltica e Social, foi criado em 30 de dezembro de

    1924, atravs da Lei n 2.034/24, que visava reorganizar a polcia do Estado. Esse rgo

    tinha como objetivo prevenir e reprimir delitos considerados de ordem poltica e social

    contra a segurana do Estado. Para isso, desenvolveu um grande aparato para

    monitoramento das atividades de pessoas e grupos considerados potencialmente

    perigosos ordem vigente. O contexto de instalao do Deops remete a uma poca em

    que ocorreram agitaes e mobilizaes polticas no pas, como greves trabalhistas, a

    formao do Partido Comunista do Brasil (PCB) e o movimento tenentista.

    O Deops/SP permaneceu em atividade at 1983, atravessando distintas

    conjunturas polticas e econmicas. Mesmo em perodos ditos democrticos, como no da

    Repblica Liberal de 1945-1964, ele se manteve em operao. Nesses caminhos da

    represso, foi constitudo o acervo Deops/SP: um conjunto documental formado por

    1.173 metros lineares de documentao, com 150 mil Pronturios (Nominais e

    Temticos), 13 mil pastas de dossis e aproximadamente 2 milhes de fichas. A

    documentao foi transferida para o Apesp em 1991, e aberta consulta aos ex-

    perseguidos polticos e seus familiares em 1992. Em 1994, atravs de resoluo estadual,

    permitu-se o acesso irrestrito a essa documentao por qualquer cidado, desde que

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    fosse preenchido termo declarando estar ciente da responsabilidade do consulente do

    uso feito dessa documentao.

    J a documentao conhecida como Dops/Santos compunha o arquivo da sucursalda represso na baixada santista, e tem a mesma forma organizativa que o Deops/SP. A

    nica diferente dessa documentao, fundamental, que houve um duplo

    descumprimento de determinaes legais por parte dos gestores dessa documentao:

    essa documentao deveria ter sido recolhida em 1991 ao Apesp, por ser parte do acervo

    Deops/SP. No entanto, essa documentao no s foi mantida em um prdio da policia

    em Santos, quanto continuou a ser manipulada e acrescida de informaes e documentos

    at os anos 2000. Assim, se descumpriu no s a resoluo de destinar a documentao

    da policia poltica para um espao em que se promovesse sua consulta pblica, mas

    tambm se manteve as funes de vigilncia poltica do rgo extinto em 1983. Esse

    acervo composto por 45 mil fichas remissivas nominais ou temticas e 11.600

    pronturios.

    Nessa linha tambm est o acervo do Departamento de Comunicao Social (DCS),

    parte da organizao interna da Polcia Civil, criado em 1983. Organizado como um rgode apoio da Delegacia Geral de Polcia, com nvel de Departamento Policial, tinha como

    atribuio bsica planejar, controlar, coordenar e executar a coleta, processamento e

    difuso de informao social, e o relacionamento interno e externo da Polcia Civil na

    capital e nos outros municpios do estado. Constituiu-se, de fato, como a continuidade

    do papel exercido pelo Deops de vigilncia e formao de base material sobre as

    atividades polticas de cidados, j no perodo democrtico. Por denuncias da sociedade

    civil, da incompatibilidade de um rgo desse tipo com a vida democrtica, o DCS foi

    extinto em 1999 e seu acervo transferido para o Apesp.

    Como j apontado, So Paulo j tinha a documentao das policiais polticas abertas

    para consulta ampla da sociedade desde 1994: atravs da regulamentao estadual do

    Decreto n 8.159, de 8 de janeiro de 1991, se abriu irrestritamente o acesso a

    documentao, desde que um termo fosse assinado pelo consulente, responsabilizando

    legalmente pelo uso da documentao. A Lei de Acesso Informao (Lei n 12.527sancionada pela Presidenta da Repblica em 18 de novembro de 2011), em conjunto com

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    o Decreto Estadual n 58.052, de 16 de maio de 2012, que regulamenta a Lei mencionada,

    fortaleceu essa medida tomada pelo Apesp desde a dcada de 1990, j que em seu art. 21

    aponta que documentao que verse sobre violao de direitos humanos por parte do

    Estado no pode ter qualquer tipo de limitao de acesso. Assim, a leitura realizada pelo

    Governo Paulista de que a Lei de Acesso elimina at mesmo a necessidade da assinatura

    do termo, permitindo assim a disponibilizao livre dessa documentao na internet.

    Projetos que viabilizaram a digitalizao

    A poltica de digitalizao e disponibilizao de acervos a principal tnica da

    atuao do Departamento de Preservao e Difuso do Acervo, por cumprir,

    simultaneamente, as suas duas principais atribuies no trato com a documentao

    permanente sob a guarda do Apesp. O acervo do Deops/SP, no entanto, nunca pode ser

    contemplado por essa poltica por conta de sua especificidade de consulta. Com as novas

    atribuies legais, a instituio se empenhou em um esforo coletivo para promover adigitalizao e disponibilizao dos acervos da represso na internet, por entender ser

    esse um passo fundamental para publicizar as aes de preservao, de memria e de

    reparao do Estado, especialmente do executivo paulista, nos temas ligados a represso

    poltica.

    Esse trabalho foi desenvolvido principalmente a partir de projetos, sendo o mais

    destacado o Projeto edital Marcas da Memria Pronturios Deops, em parceria com a

    Comisso de Anistia do Ministrio da Justia. O projeto de digitalizao, conservao e

    disponibilizao online da srie Pronturios, do Fundo Deops/SP (Departamento Estadual

    de Ordem Poltica e Social), foi o primeiro colocado na chamada pblica do edital Marcas

    da Memria, realizado pela Comisso de Anistia do Ministrio da Justia. Tinha como

    objetivo tratar cerca de sete mil pronturios e 170 mil fichas remissivas pertencentes ao

    acervo Deops do Apesp de forma a ampliar o acesso aos pronturios e preservar os

    originais. Por razes de conservao e ineditismo da documentao, decidiu-se, comconsentimento do Ministrio da Justia, redirecionar o trabalho para um conjunto

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    documental similar, priorizando a digitalizao e a insero em banco de dados da

    documentao do Dops Santos Na efetivao do projeto, foram realizadas a digitalizao

    e a alimentao em banco de dados de 11.666 Pronturios e 36 mil fichas remissivas

    produzidas pela Delegacia de Ordem Poltica e Social de Santos Dops Santos,

    documentao organizada como um Grupo do Fundo Deops; e a digitalizao de 170 mil

    fichas remissivas das diferentes delegacias especializadas do Deops/SP.

    Outros dois projetos foram importantes para a formao das bases de dados e para a

    digitalizao da documentao. O Memrias Reveladas, assim como o Projeto Integrado-

    USP (Proin), permitiram a construo de bases de dados para disponibilizar pronturios e

    fichas para consulta e o Projeto Preservao e difuso da Memria Pblica: modernizao

    e ampliao dos laboratrios do Arquivo Pblico do Estado de So Paulo, aprovado pela

    Fapesp, permitiu a aquisio de equipamentos de digitalizao imprescindveis, como

    scanner especifico para fichas.

    Site Memria Poltica e Resistncia

    A partir do trabalho desenvolvido pelas equipes de digitalizao, elaborao de

    banco de dados e seu preenchimento, faltava um espao para disponibilizar essa

    documentao. Assim nasceu o site temtico Memria Poltica e Resistncia, que tem

    uma dupla funo: tem uma parte fixa em que apresenta os vrios bancos de dados que

    permitem ter acesso a consulta do acervo digitalizado do Deops/SP, mas tem tambm

    uma segunda parte, peridica, que um edio trimestral com matrias relacionadas a

    temticas desse acervo. Em 1 de abril de 2013 o Arquivo Pblico do Estado de So Paulo

    publicou oficialmente na Internet o site Memria Poltica e Resistncia, que continha

    cerca de 10% (dez por cento) do acervopertencente ao acervo do Deops. Os documentos

    publicados referem-se a 274.105 fichas digitalizadas e 12.874 pronturios, produzidos

    pela Delegacia Estadual de Ordem Poltica e Social, Deops-SP (1923- 1983); pelo

    Departamento de Comunicao Social (1983-1999); e pelo Dops de Santos. O lanamento

    do site foi realizado em um evento que contou com a presena do Governador Geraldo

    Alckmin, o Ex-Governador Jos Serra, alm da presena de dois senadores, o presidente

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    da Assembleia Legislativa de So Paulo, e o Secretrio Nacional de Justia e Presidente da

    Comisso de Anistia Paulo Abro.

    Alm da grande presena de autoridades, que referendam a importncia polticada medida da livre disponibilizao desse acervo na internet, a mdia repercutiu o apelo

    dessa temtica junto a populao: todos os grandes rgos de imprensa estiveram

    presentes ao evento e deram destaque ao site do acervo do Deops em seus veculos.

    Aps o gigantismo do evento de lanamento do site, o aumento de acessos ao site do

    Arquivo Pblico do Estado de So Paulo foi um dos primeiros impactos sentidos. O

    nmero total de acessos pulou de 98.926, em maro, a 159.220, em abril. S em abril, o

    Fundo Deops recebeu 58 e-mails desses novos consulentes, elogiando a iniciativa e/ou

    pedindo esclarecimentos. H um aspecto curioso na lgica das procura a documentao

    do Deops/SP online: mais de metade das mensagens recebidas em abril sobre esse tema

    35 e-mailsvinha de pessoas perseguidas pela ditadura, ou de seus parentes. O Fundo

    Deops est aberto consulta desse pblico desde 1992. Entretanto, a divulgao macia

    do lanamento das pginas do Deops parece ter causado um aumento da procura,

    inclusive no pblico que j poderia ter consultado este acervo desde 1991. Da vem nossa

    primeira concluso: o lanamento do site Memria Poltica e Resistncia apresentou uma

    demanda reprimida, j que apesar da documentao estar aberta a consulta desde a

    dcada de 1990, a facilidade de acesso pela internet e, sobretudo, a imensa cobertura da

    mdia informando a populao sobre a possibilidade de acesso trouxe uma enorme massa

    de pessoas que no sabiam que podiam ter acesso a essa documentao antes dessa

    medida.

    Assim, a instituioavalia que a estratgia de digitalizar o maior nmero possvel

    de fichas foi correta. As fichas remetem a pronturios, documentao temtica que pode

    ser consultada pessoalmente no Arquivose ainda no estiver no site. No por acaso, em

    abril, a procura pelo Fundo Deops em atendimento presencial tambm aumentou muito.

    Em maro, 567 pronturios tinham sido consultados; em abril, este nmero pulou para

    912 pronturios. Assim, a estratgia de disponibilizar as fichas atrai a ateno dos

    consulentes, fazendo com que eles busquem acessar o restante da documentao a que

    aquela ficha remete, promovendo a difuso do acervo. A partir dessas constataes a

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    instituio entende que o processo de publicao do acervo na Internet deve continuar

    nos prximos anos.

    Atualmente, o Arquivo est fazendo a digitalizao da totalidade das fichas daDelegacia Especializada de Ordem Social, e de parte dos dossis do rgo. O projeto faz

    parte do edital Marcas da Memria III do Ministrio da Justia. Alm de continuar esse

    esforo, o Arquivo tambm busca atrair o pblico com instrumentos de pesquisa que

    facilitem cada vez mais a consulta, principalmente por parte do pblico que no tem

    tanta familiaridade com a Internet.

    Esse um dos principais desafios colocados pela anlise da experincia dos

    usurios, j que as criticas ao site tinham polos opostos: de um lado, uma maioria de

    usurios no acostumados a lidar com a documentao e com os recursos de busca na

    internet; de outro, uma minoria, especialmente de pesquisadores, que demandam

    instrumentos mais precisos e especficos de consulta. Avanar em instrumentos de

    pesquisa que contemplem os diferentes tipos de pblico, atendendo as necessidades dos

    usurios de nosso site, uma das principais tarefas para o prximo perodo, ao lado de

    promover cada vez mais a poltica de digitalizao e difuso do acervo na internet.

    O balano global positivo: ao colocar na Internet este acervo, a instituio deu

    um passo decisivo para difundir a informao sobre um importante perodo da histria

    brasileira. Ao mesmo tempo, cumpriu o seu papel de garantir os direitos do cidado,

    preservando e dando acesso documentao pblica sob sua guarda. Ser um dos

    percussores da disponibilizao desse tipo de acervo na internet faz com que o Apesp se

    mantenha na mesma linha histrica de apoiar aes de promoo dos direitos humanos

    em todos os nveis, dando sustentao a aes de reparao e a difuso da memria

    pblica.

    Referncias

    AQUINO, M. A. de; et al. (Org.). No corao das trevas: o Deops/SP visto por dentro. SoPaulo: Imprensa Oficial do Estado, 2001. 207 p.

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    SILVA, Haike R. Kleber da. (Org.) A luta pela anistia. So Paulo: Editora Unesp:ArquivoPblico, 2009.

    SORJ, Bernardo e ALMEIDA, Maria Hermnia Tavares de. (orgs) Sociedade e poltica no

    Brasil ps-64. So Paulo: Brasiliense, 1984.TELES, Janana. (org) Mortos de desaparecidos polticos: reparao ou impunidade? SoPaulo: Humanitas/ FFLCH-USP, 2001.

    Notas

    13

    Mestranda em Histria Social/USP. Assistente Tcnico I/Centro de Difuso e Apoio Pesquisa/ArquivoPblico do Estado de So Paulo.

    14Mestre em Cincias Sociais/UNESP. Executiva Pblica/Centro de Acervo Permanente/Arquivo Pblico doEstado de So Paulo.

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    A sobrevivncia dos arquivos relacionados Guerrilha do Araguaia: a noo deramificao dos documentos

    Shirley Carvalhdo Franco15

    Resumo: A publicao de fotos, em 2004, supostamente do jornalista e preso polticoVladimir Herzog, suscitou discusses na mdia sobre os arquivos relacionados Guerrilhado Araguaia (1972-1975), movimento armado promovido pelo Partido Comunista doBrasil contra o Regime Militar (1964-1985), bem como sobre a tese oficial, segundo a qualtodos os documentos desse evento histrico teriam sido destrudos. O exame dessa tese,especialmente no que concerne sua sustentabilidade ou invalidez, propiciou adescoberta de noo arquivstica: a ramificao, cuja definio preliminar ser propostaao longo do artigo. A noo de ramificao, por sua vez, serviu de apoio para demonstrara impossibilidade de destruio, de maneira completa e absoluta, de todos osdocumentos arquivsticos relacionados a um evento histrico neste caso, osdocumentos arquivsticos relativos Guerrilha do Araguaia.

    Palavras chave: Ramificao; Guerrilha do Araguaia; Documentos; Arquivos; Eliminao.

    Abstract: In 2004, the publication of pictures that were allegedlyfrom thejournalist and

    political prisoner Vladimir Herzog, triggered discussions in the media about the

    documents related to the Araguaia Guerrilla (1972-1975) an armed movement promoted

    by the Communist Party of Brazil against the Military Regime (1964-1985), as well as

    about the official thesis, according to which all documents of this historic event would

    have been destroyed. The examination of this thesis, especially in relation to its

    sustainability or disability, provided the discovery of archival notion: "ramification",

    proposed along this article. This theoretical instrument was used as support in order to

    demonstrate the impossibility of the complete and absolute destruction of all the archival

    documents related to a historical eventin this case, the Araguaia Guerrilla.

    Keywords: Ramification; Araguaia Guerrilla; Files; Archives; Destruction.

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    Introduo

    possvel destruir todos os documentos relacionados a um evento histrico?

    Como parte integrante de pesquisa16de doutorado, o presente artigo tem como

    objetivo demonstrar, por meio da noo arquivstica denominada ramificao, a

    insustentabilidade da "destruio total", segundo a qual seria factvel destrurem-se,

    completamente, todos os documentos arquivsticos relacionados a determinado evento

    histrico. A seguinte metodologia foi utilizada para alcanar o referido objetivo: a)

    mapeamento das instituies que participaram da eliminao do movimento, mediante a

    anlise das obras de Gaspari (2002), Carvalho (2004), Morais e Silva (2005) e Studart

    (2006); b) visitas a 28 instituies no estado do Par (em So Joo do Araguaia, So

    Domingos do Araguaia, Marab e Belm), realizadasentre janeiro e abril de 2010, com o

    objetivo de examinar os documentos arquivsticos constantes de seus respectivos fundos,

    realizar entrevistas, e distribuir questionrios (mais de 20) aos funcionrios responsveis.

    A pesquisa elucidou a existncia de uma rede complexa de relaes inter e

    transinstitucionais, constituda com o objetivo de desmantelar a Guerrilha.

    Com incio oficial em 1972, a Guerrilha do Araguaia foi um movimento do partido

    de esquerda, PC do B, contra o Regime Militar brasileiro (1964-1985). Os guerrilheiros

    instalados no Bico do Papagaio17distriburam-se em trs unidades. O destacamento A

    localizava-se prximo a Marab, numa localidade chamada Faveira; o destacamento B no

    stio de Gameleira; e o destacamento C na base de Caianos, no Baixo Araguaia em So

    Geraldo do Araguaia (NASCIMENTO, 1999, p. 116). Aps diversas operaes18, em 1975,

    o procedimento de ocultar a verdadeira identidade de militares e introduzi-los em meio

    aos civis, utilizado, sobretudo, nas duas ltimas operaes, revelou-se decisivo para o

    trmino da Guerrilha do Araguaia.

    Sob a gide dessa misso, os fundos das instituies do Estado comunicavam-se

    entre si, sem, no entanto, misturarem-se, estabelecendo elo que aqui se denomina de

    ramificao. A noo de ramificao ora apresentada, portanto, contraria as afirmaes

    segundo as quais inexistem, nos dias de hoje, documentos arquivsticos relacionados

    quele evento histrico.

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    A noo de ramificaodo documento arquivstico: uma proposta

    Antes de examinar e descrever a noo de ramificao, no entanto, deve-se

    atentar para os limites inerentes ao prprio termo noo, e diferenci-lo das definiesde teoria e conceito. Para tanto, as reflexes de Minayo (1999)podero ser teis:

    -teoria: conjunto inter-relacionado de princpios que servem para dar organizao

    lgica a aspectos selecionados da realidade emprica;

    -conceito: unidade de significado que define a forma e o contedo de uma teoria;

    e

    - noo: elemento de uma teoria que ainda no apresenta clareza suficiente e

    usado como imagem na explicao do real.

    No se pretende, portanto, no mbito do presente trabalho, apresentar definio

    "fechada", cuja redao segue a seguinte frmula: "a ramificao ...". Ao contrrio,

    enfatiza-se que a proposta em pauta se enquadra, de forma inequvoca, sob a referida

    rubrica de noo, porquanto carece, at o presente momento, de clareza suficiente.

    Apenas aps muitas pesquisas adicionais, cujos resultados enriqueceriam e aportariam

    lastro noo ora discutida, poder-se-ia vislumbrar seu desenvolvimento pleno e sua

    transformao em conceito. O prprio fato de a ramificao ainda configurar-se apenas

    como noo, no entanto, poder estimular a realizao de pesquisas ulteriores, com o

    objetivo de aprimor-la e conferir-lhe statusmais elevado.

    No obstante as observaes supracitadas, nada impede que se busque a mais

    clara noo possvel, desde j, mesmo dispondo apenas dos dados obtidos por meio da

    pesquisa realizada para o presente estudo.

    A ramificao poderia ser descrita, de forma preliminar, como a intercomunicao

    implcita entre os conjuntos documentais, ou fundos, de instituies distintas, estas

    ltimas envolvidas no cumprimento de um objetivo superior, cuja consecuo extrapola a

    misso e as funes de cada instituio em si, enfocada separadamente. Essa misso

    superior, ou nica, que conduz a produo desses documentos, no , necessariamente,

    explcita ou publicada oficialmente.

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    As figuras 1 a 2 podero servir de exemplo.

    Dentre os documentos do fundo Incra em Marab, referentes ao perodo de 1972,

    encontra-se um atestado de bons antecedentes produzido (provenincia) pelo fundoDelegacia de Polcia de Marab (figura 2). A existncia de um documento do fundo A

    constante do fundo B no seria inesperada, caso ambos compartilhassem, oficialmente, a

    mesma misso. Entretanto, o caso em pauta no apresentava essa condio. De fato,

    Incra e Delegacia de Polcia no compartilhavam a mesma misso oficial.

    O documento referenciado era exigido dos cidados que solicitavam terras do

    governo, naquela regio. Neste caso, tratava-se de Lenira, municpio de Araguana, em

    Gois, uma das regies envolvidas na Guerrilha. Produzido pela Delegacia de Polcia de

    Marab, o documento no s comprovava a inexistncia de registro de delitos cometidos

    pelo cidado solicitante, mas tambm facilitava o trabalho das Foras Armadas,

    responsveis por identificar os comunistas residentes na regio e por impedir o

    envolvimento dos moradores locais com a Guerrilha. Vislumbra-se, desse modo, a

    formao de um fundo imaginrio, revestidode legitimidade prpria.

    Foto: Shirley Carvalhdo Franco, 2010.Figura 1Fundo Incra: Processo.

    Foto: Shirley Carvalhdo Franco, 2010.Figura 2Fundo Incra: Atestado de bons antecedentes.

    Da mesma forma, os documentos que se seguem, produzidos tanto pelo fundo

    Delegacia de Polcia de So Joo do Araguaia, no Par (Figuras 3 e 5), como pelo fundoMinistrio do Exrcito (Figura 4), serviam para atestar a idoneidade de um mesmo indivduo

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    residente nas localidades de atuao da Guerrilha. Aos moradores da regio possuidores de

    documento de boa conduta, era facultada a liberdade de ir e vir, mas no queles

    desprovidos de tal documento, considerados suspeitos e postos sob os cuidados da vigilncia

    do Estado. Essa situao pode ser considerada, portanto, como mais um exemplo da

    existncia da ramificao.

    Foto: Shirley Carvalhdo Franco, 2010.Figura 3Fundo privado: Atestado de conduta.

    Foto: Shirley Carvalhdo Franco, 2010.Figura 4Fundo privado: Atestado.

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    Foto: Shirley Carvalhdo Franco, 2010.Figura 5Fundo privado: Atestado de vida e residncia.

    O combate Guerrilha tornou-se, na prtica, misso para outras instituies,

    como delegacias, cartrios, escolas, igrejas e diversos ministrios, alm das prprias

    Foras Armadas. Surge, a partir do envolvimento dessas instituies em uma "misso

    maior", uma complexa rede de inter-relaes, cuja caracterstica emblemtica seria a

    seguinte: os seus respectivos fundos passaram a comunicar-se entre si. Embora no

    compartilhassem misso "oficial", as instituies envolvidas naquele objetivo superior

    colaboravam para aprimorar a eficcia do sistema tecnoburocrtico do regime militar.

    O referido aprimoramento facilitou e impulsionou fenmeno que j vinha sendo

    observado ao longo do perodo sob anlise: a expanso do papel do Estado na sociedade.Portanto, a existncia da ramificao corrobora o argumento, portanto, segundo o qual a

    destruio completa e absoluta de todos os arquivos referentes a determinado evento

    histrico seria praticamente impossvel: documentos arquivsticos tendem a escapar de

    tentativas de sua destruio, tornando-se quase imunes queima total. No possvel

    prever ou controlar o destino da totalidade dos documentos de arquivo, especialmente

    aqueles comprometedores ou sensveis, segundo a expresso francesa. A

    intercomunicao entre fundosde instituies diferentes a ramificao ditar que a

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    destruio completa de todos os documentos relacionados a um evento histrico seja, na

    prtica, empreitada inexequvel.

    No entanto, abundam exemplos histricos de governos que tentaram executarsemelhante tarefa. O caso sob estudo um deles: ao final do mandato de Figueiredo,

    ltimo presidente da ditadura militar, os chefes dos servios secretos das Foras Armadas

    ordenaram a destruio dos arquivos referentes ao confronto no Par (MORAIS; SILVA,

    2005, p. 540). Ocorre que instituies como o Incra, cujas misses e leis diferiam daquelas

    que regiam o Exrcito, a Marinha e a Aeronutica, no acataram a ordem, razo pela qual

    sobrevivem, at hoje, vrios documentos arquivsticos relacionados quele evento, como

    o atestado de bons antecedentes encontrado em seu acervo.

    Contribui para a sobrevivncia de documentos arquivsticos, igualmente, uma

    caracterstica que lhes inerente: seu poder de comprovao, que inclui a presena de

    assinaturas, nomes do fundo, etc. O documento em si passa a ter, dessa forma, alto valor

    de troca e pode ser utilizado s escondidas, como parte de uma barganha, para

    salvaguardar a si ou a outrem; ou para ameaar e revelar a ao de um outro; ou para fins

    monetrios; ou para a obteno de poder, mormente poder poltico. provvel,portanto, que os funcionrios participantes do acontecimento histrico sob anlise

    tenham mantido cpias de documentos para salvaguardarem a si mesmos, ou a outrem, e

    para utiliz-las como instrumento de chantagem. No se descarta a possibilidade,

    tampouco, de as terem guardado simplesmente para preservar a memria daquele

    acontecimento.

    Alm de contribuir para explicar a sobrevivncia dos documentos arquivsticos, a

    noo de ramificao poder auxiliar na obteno de respostas a vrias questes

    relacionadas a um documento especfico: onde, por quem, por qu, quando e como foi

    criado. O pesquisador que aplicar essa noo ter a seu dispor instrumento mais eficaz

    que aquele cuja anlise se restrinja ao exame de documentos pertencentes a um nico

    fundo. Ao lanar mo da noo de ramificao, esse pesquisador aumentar a sua

    capacidade de visualizar o contexto da criao dos documentos arquivsticos e de

    entender, de modo mais completo e abrangente, o acontecimento histrico objeto de sua

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