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«TUDO O QUE SOBE, CONVERGE» PIERRE TEILHARD DE CHARDIN (1881-1955) TIAGO ALEXANDRE JESUS SILVA (Apresentação do Seminário de Teologia do séc. XX, sob a orientação do professor pe. Nuno Brás) BIBLIOGRAFIA USADA: - TRESMONTANT, Claude. Introdução ao pensamento de Theilhard de Chardin. Lisboa, Livraria Morais Editora, 1965. - DE LUBAC, Henry. A oração de Teilhard de Chardin. Lisboa, Livraria Morais Editora, 1965. PERCURSO: 1. [O homem] 2. [Método] 3. [O sentido da Evolução] 4. [Lei da complexidade-consciência] 5. [Ponto Omega] 6. [Cristologia] 7. [Questões metafísicas] 8. [A Oração de Teilhard de Chardin]

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Page 1: Apresentação Teilhard de Chardin

«TUDO O QUE SOBE, CONVERGE»PIERRE TEILHARD DE CHARDIN

(1881-1955)

TIAGO ALEXANDRE JESUS SILVA(Apresentação do Seminário de Teologia do séc. XX, sob a orientação do professor pe. Nuno Brás)

BIBLIOGRAFIA USADA:

- TRESMONTANT, Claude. Introdução ao pensamento de Theilhard de Chardin. Lisboa, Livraria Morais Editora, 1965.

- DE LUBAC, Henry. A oração de Teilhard de Chardin. Lisboa, Livraria Morais Editora, 1965.

PERCURSO:

1. [O homem]2. [Método]3. [O sentido da Evolução]4. [Lei da complexidade-consciência]5. [Ponto Omega]6. [Cristologia]7. [Questões metafísicas]8. [A Oração de Teilhard de Chardin]

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1. [O homem]No contexto de uma apresentação de 15 minutos, resumo a apresentação

da pessoa do teólogo em questão à breve síntese que qualquer pessoa pode encontrar na Wikipédia:

“Pierre Teilhard de Chardin (Orcines, 1 de maio de 1881-Nova Iorque, 10 de abril de 1955), foi um padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês que logrou construir uma visão integradora entre ciência e teologia. Através de suas obras, legou-nos uma filosofia que reconcilia a ciência do mundo material com as forças sagradas do divino e sua teologia. Disposto a desfazer o mal entendido entre a ciência e a religião, conseguiu ser mal visto pelos representantes de ambas. Muitos colegas cientistas negaram o valor científico de sua obra, acusando-a de vir carregada de um misticismo e de uma linguagem estranha à ciência. Do lado da Igreja Católica, por sua vez, foi proibido de lecionar, de publicar suas obras teológicas e submetido a um quase exílio na China.

«Aparentemente, a Terra Moderna nasceu de um movimento anti-religioso. O Homem bastando-se a si mesmo. A Razão substituindo-se à Crença. Nossa geração e as duas precedentes quase só ouviram falar de conflito entre Fé e Ciência. A tal ponto que pôde parecer, a certa altura, que esta era decididamente chamada a tomar o lugar daquela. Ora, à medida que a tensão se prolonga, é visivelmente sob uma forma muito diferente de equilíbrio – não eliminação, nem dualidade, mas síntese – que parece haver de se resolver o conflito.» (O Fenómeno Humano)”

Pode distinguir-se na obra de TC diversos níveis (ainda que não separados):

- o paleontólogo- síntese científica- pensamento teológico / místico

No entanto, cada nível conduziu TC a novas descobertas e questionamentos nos outros níveis; o que caracteriza a sua obra é um esforço de síntese total. Sem com isso comprometer o rigor epistemológico, antes se esforça por manter uma unidade coerente dentro da interdisciplinaridade.

O pensamento de TC no seu auge mantem-se fiel às suas iniciais intuições. A sua visão do mundo foi-se enriquecendo com as suas descobertas científicas, tornando-se mais nítida.

Escreveu cerca de 200 ensaios, escritos entre 1916 e 1955.

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2. [Método]O seu ponto de partida é “fenomenológico”, aqui no sentido de

estritamente científico, como observação fotográfica dos “fenómenos” (as aparências), partindo da experiência.

O ponto de vista a partir do qual ele escreve é “o que para Aristóteles se chamava Física, e para os escolásticos Cosmologia. Trata-se, ao olhar todo o Real do ponto de vista objectivo que é a Ciência, de efectuar um estudo sistemático com vista a destacar as leis e postulados essenciais, incluindo o que respeita à existência de Deus.” (Mons. Bruno de Solages, cit. por Tresmontant, op. cit., p. 27)

3. [O sentido da Evolução]

«Foi no decurso dos anos em que estudei Teologia (...) que, aos poucos e muito menos como noção abstracta do que como uma presença, cresceu em mim (até encher todo o meu horizonte interior) a consciência de que uma corrente profunda, ontológica, total, afectava o Universo à minha volta». (Le Coeur de la Matière, cit. por. Tresmontant, p 29)

A Evolução ensinou à Filosofia o significado de Tempo. Longe de nos encontrarmos num cosmos terminado, movemo-nos arrastados dentro de um processo de cosmogénese.

A Evolução assim entendida não se identifica com uma simples teoria científica, mas tem consequências interdisciplinares. O Universo está “nascendo”, à nossa volta, dentro de um dinamismo de criação. A História penetrou na Físico-Química. “A Evolução não é ‘criadora’ (...); é a expressão, no Tempo e no Espaço, da Criação, tal como a pode apreender a nossa experiência.” (La place de l’Homme dans l’Univers, cit. por Tresmontant, p. 31-32)

4. [Lei da complexidade-consciência]Uma das principais intuições do padre TC foi a de complexidade. Toda a

convergência das energias cósmicas em ordem a uma complexidade crescente, aparecem na sua visão do mundo como uma lei: Lei da complexidade-consciência (ou também chamada lei da recorrência). No decorrer dos tempos, a Matéria foi-se orientando para estados cada vez mais complexos e improváveis, até ao emergir da Consciência.

Complexidade é uma heterogeneidade organizada. Não é a simples agregação. Refere-se à qualidade e não à quantidade.

Que lugar ocupa o Homem no Universo?Espacialmente, vemo-nos perdidos entre dois infinitos: o infinitamente

grande e o infinitamente pequeno.

«Um gás de galáxias depois de um gás de estrelas: eis o espectáculo verdadeiramente esmagador (e, para nós, impossível de representação) em que culmina, presentemente e na direcção do imenso, a nossa visão do Universo. (…) Os planetas (meros anões em comparação com o Sol, como o próprio Júpiter), não só pela ridícula escassez de energia que produzem, não só pela brevidade da sua existência, mas e mais gravemente, pelo seu modo de existir, surgem , à

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primeira vista, já não direi sequer como filhos pobres, mas pior ainda, como estrangeiros e intrusos no sistema sideral.» (Vie et Planètes, cit. por Tresmontant, p. 42)

Mas se, em vez de olharmos o Universo numa perspectiva geométrica do imenso, olharmos a mesma realidade do ponto de vista da complexidade, temos uma inversão de valores:

«Coloquemo-nos de novo em face das vastas unidades siderais e procuremos... sopesar a sua importância (...) segundo a complexidade dos elementos que tais unidades abrigam. (…) Se, apesar da sua enormidade e esplendor, as estrelas não conseguem levar a génese da sua matéria a ultrapassar muito mais do que a série dos átomos, sucede, em contrapartida, que nos tão obscuros planetas e só neles encontra possibilidades para prosseguir a misteriosa ascensão universal a caminho dos altos complexos. (…) Por mais imperceptível e acidental que seja o lugar por eles ocupado na história dos corpos siderais, os planetas são nada menos do que os pontos vitais do Universo.» (Idem, p. 43)

É neles que, a certa altura, se concentra o esforço da Evolução.Desta forma, se o homem não está no centro espacial do Universo, como

afirmava o arcaico antropocentrismo, encontra-se, na verdade, situado no pináculo do Tempo, como lança apontada para as maiores complexidades. (isto sempre dentro da perspectiva “natural”; é contudo uma extrapolação do método, um vislumbre do futuro...)

Posto isto, será a vida um acidente, um epifenómeno, uma aberração por explicar, aparecido num recanto ínfimo do imenso Espaço? TC refuta esta ideia, considerando a Vida como um efeito (o efeito específico) da Matéria tornada progressivamente complexa: propriedade de todo o Tecido Cósmico, mas que o nosso olhar só pode apreender até um certo valor crítico abaixo do qual nada vemos.

O universo é afinal constituído por 3 (e não 2) infinitos: o ínfimo, o imenso, e o imensamente complicado.

A Evolução chama a atenção para o facto de que o principal movimento do Real é no sentido de uma síntese (e não de uma decomposição).

Do ponto de vista filosófico, esta visão liberta-nos da antiga oposição entre Uno e Múltiplo.

«Em todos os patamares da Consciência, uma nova pluralidade reconstituindo-se de forma a permitir uma mais alta síntese: eis como se pode exprimir a lei da recorrência em que nos achamos envolvidos...» (Esquisse d’un Univers personnel, cit. por Tresmontant, p. 46).

5. [Ponto Omega]Para TC, a Evolução continua a agir numa antropogénese inacabada.

Contraria muitos cientistas da sua época que afirmavam a superioridade inultrapassável da espécie sapiens. A Criação, no Homem e pelo Homem, continua. Toda a Evolução é um movimento ascendente do Real em ordem ao

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Ponto Omega (polo não só de atracção mas de consolidação – ou seja, de irreversibilidade). Da cosmogénese, passando pela biogénese e antropogénese, o Universo caminha, em última instância, para uma Cristogénese (esta conclusão já é, sim, teológica, mas como consequência de um percurso “natural”)

A simples vida em sociedade (entendida como combinação de indivíduos) é sinal dessa mesma escada de complexidade que o Universo vai subindo no Tempo. Tudo é “prolongamento e expressão das energias de complexidade-consciência desde sempre em labor, para construir (tão longe quanto possível e em toda a parte do Universo em que seja possível) segundo uma direcção oposta à Entropia, conjuntos corpusculares de ordem cada vez mais elevada.” (La struture phylétique du groupe humain, cit por Tresmontant, p. 57).

O homem encontra-se, portanto, num estado embrionário, zoológica e psicologicamente falando, quando visto à luz da trajectória ascendente do cosmos, entrevendo-se no entanto um largo contorno do que TC chama o Ultra-Humano. Neste ponto é possível um paralelo bíblico com o conceito de adão, que cresce até alcançar a plena estatura de Cristo. Chegado aqui, o discurso de TC assume contornos quase proféticos:

«À nossa volta, no Mundo, não haveria então apenas homens multiplicando-se mas Homem em formação. O Homem, por outras palavras, não está ainda zoologicamente adulto. Psicologicamente ainda não disse a sua última palavra. Mas, sob uma forma ou outra, o ultra-humano está a caminho e, por efeito (directo ou indirecto) de socialização, não pode deixar de surgir amanhã: não só em função de um Ponto Futuro, que se está a construir à nossa frente. Esta é uma visão que, depois de ter ocorrido ao Homem dos nossos dias, nunca mais por ele será esquecida – estejamos disso certos.» (Le Coeur du Probleme, cit. por Tresmontant, p. 59)

Para TC, o cume para onde tende a Evolução deve subsistir e transcender para estar à altura de atrair a si todos os seres (pensantes). E “sob pena de ser menos evoluída do que os termos que a sua acção anima, a Energia Universal deve ser uma energia pensante.” (p. 94) E para que tenha o poder de responder ao chamamento universal da Evolução, é necessária a sua incorruptibilidade e personalidade. É portanto causa e principio, do qual tudo converge e para onde tudo converge. Pela Ciência e Filosofia, o Mundo impõe-se à nossa experiência e ao nosso pensamento cada vez mais como um sistema uno, de actividade, elevando-se gradualmente na direcção da liberdade e da consciência. A única interpretação satisfatória deste processus... é a que o considera irreversível e convergente.

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6. [Cristologia]É nesse cume, nesse Centro cósmico universal, que TC coloca e reconhece

a plenitude de Cristo.

«Cristo necessita de encontrar um pináculo no Mundo, para a sua consumação, tal como necessitou de encontrar uma Mulher para a sua concepção.» (Comment je crois, cit por Tresmontant, pg. 106).

O Mundo está pré-adaptado ao seu fim sobre-natural. Todo o mundo é apresentado na perspectiva bíblica como estando em gestação, tendendo para a sua consumação, mas passando pela dor como a de um parto, essencialmente fecunda. Assim como a Encarnação se dá num Tempo exacto, em que a antropogénese atingiu um estado de “aptidão” social, política, psicológica, etc., também a Parusia precisará de uma Humanidade biologicamente chegada a um ponto seguro de maturação colectiva: o completar da hominização, necessário (ainda que não suficiente) para a sua “divinização”.

Uma visão científica do Mundo que é, por essência e por estrutura, escatológica: eis a novidade da sua síntese.

“Se, com efeito, Cristo ocupa no céu do nosso Universo a posição Omega (coisa possível, visto que Omega, por estrutura é de natureza superpessoal), toda uma série de notáveis características se tornam apanágios da sua Humanidade ressuscitada.

Primeiro que tudo, Ele é aquele que enche, física e literalmente: do Mundo não há elemento ou instante que se mova ou venha a mover independentemente do seu influxo director. O Espaço e a Duração estão cheios d’Ele.

Física e literalmente, ainda, Ele é aquele que consuma: porque a plenitude do Mundo não acabará senão na síntese final (...)

Física e literalmente, enfim, porque n’Ele todas as linhas do Mundo convergem e se resumem, é Ele quem dá consistência ao edifício inteiro da Matéria e do Espírito.(...) é n’Ele – cabeça da Criação – que se completa e culmina (...) o fundamental processo de Cefalização.” (Super-Humanité, cit por Tresmontant, p. 110)

A Igreja aparece como um novo phylum no coração da Criação:

“Já tínhamos, antes de mais, reconhecido que a Vida era o fenómeno central do Universo; e, na Vida, o Pensamento; e neste, a combinação colectiva de todos os pensamentos sobre si mesmos. Eis que, agora e por uma quarta opção, somos levados a decidir que, ainda mais profundamente, ou seja, no próprio coração do fenómeno social, está em curso uma espécie de ultra-socialização: aquela segundo a qual a ‘Igreja’ se forma, a pouco e pouco, vivificando pela sua influência todas as energias espirituais da Noosfera (reunindo-as sob a sua forma mais sublime). A Igreja, foco principal de afinidades inter-humanas por super-caridade; a Igreja, eixo central de convergência universal, e localização rigorosa do faiscante encontro entre o Universo e o Ponto Omega.” (Comment je crois, cit por. Tresmontant, p. 115)

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7. [Questões metafísicas]A Metafísica ocupa um lugar secundário na obra de TC: as poucas teses

metafísicas que nela se sustentam são deduzidas, (nem sempre legitimamente) de uma visão científica do mundo.

Quanto à ideia de Criação, TC diz que Deus “opõe-se” trinitariamente a si mesmo: Deus não existe senão unindo-Se, e a criação é como que uma luta entre a Energia obreira do Mundo e uma pulverização infinita, uma espécie de Múltiplo puro.

Parece que a formulação coloca em causa a criação ex niquilo, e é um facto que não é muito feliz; diz TC:

«(…) originariamente, havia dois polos do ser, Deus e a Multiplicidade. E Deus, no entanto, estava só, visto que a Multiplicidade, absolutamente dissociada, não existe. Desde toda a eternidade Deus via, a seus pés, a espalhada sombra da sua Unidade; e essa sombra, embora sendo uma aptidão absoluta para algo, não era outro Deus. (…) Infinitamente vasto e infinitamente rarefeito, o Múltiplo, aniquilado por essência, dormia nos antípodas do Ser concentrado e uno.» (La lutte contre la Multitude, cit. por Tresmontant, p. 134)

Abstraindo dos possíveis equívocos das interpretações, é necessário reconhecer a originalidade quase “poética” da formulação. E TC tem consciência dos equívocos que ela pode provocar; ainda assim, a sua principal preocupação é a de criticar uma visão “clássica” de Criação, que acentua demasiado o gratuito e arbitrário da Criação. TC recusa a ideia de que o mundo é ontologicamente supérfluo:

«Numa metafísica da união, pelo contrário, se a auto-suficiência e auto-determinação do Ser absoluto permanecem intactas (visto que o Múltiplo puro, antipódico, não é senão potencialidade e passividade pura), em contrapartida o acto criador toma um significado e uma estrutura perfeitamente definidos» (Comment je vois, cit. por Tresmontant, p. 138)

Já mais ambígua (ou mais infeliz) é a visão de TC sobre o problema do mal: o Mal provém do Múltiplo, e faz parte do processo evolutivo de criação a partir do múltiplo. O mal é uma consequência do “risco” criador de Deus: desarmonias e decomposições físicas no Pré-vivente, sofrimento no Vivente, pecado no domínio da liberdade. Não pode haver ordem em formação que, em qualquer grau, não implique desordem. O provável erro de TC é o facto de colocar no mesmo saco mal físico, mal metafísico e mal moral; é uma resposta demasiado simples para um problema tão complexo. No entanto, tem o mérito de nos mostrar que o revés, a morte, o mal, são fisicamente inevitáveis, isso porque, a criação é temporal, evolutiva, que procede às apalpadelas. A criação não é instantânea, Deus não pode comunicar instantaneamente a sua perfeição à criatura, sem a destruir.

Ao nível da liberdade, é que vêm ao de cima a insuficiência da sua explicação; há, no mal humano, um resíduo que não é explicável pelo múltiplo nem pela temporalidade, como salta à vista no exemplo pragmático do Holocausto...

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8. [A Oração de Teilhard de Chardin]TC viveu a experiência do mundo da Ciência e da investigação, tal como o

missionário efectua a experiência da China, da África ou de outros meios descristianizados; aprendeu a língua, compreendeu as aspirações legítimas, admirou os valores humanos presentes neste mundo. Um mundo absolutamente separado, à época, do mundo cristão, ou mesmo sobrenatural.

O que é mais trágico em TC é que ele não tenha sabido situar e definir, historicamente, as descobertas que ia fazendo de um Cristianismo que não é mais do que o das Sagradas Escrituras e da Tradição da Igreja. Passou a vida a lutar contra uma visão cristã que não corresponde à realidade mais profunda da Igreja, mas que ainda assim era tão comum no ensino escolar cristão da época. TC não faz mais do que lutar contra uma caricatura do cristianismo.

Partindo da visão de uma Criação ainda em gestação, o cristão deve participar nela. O Reino de Deus surge-nos como directamente interessado no Progresso Natural do Mundo, e o cristão aparece como activamente presente na “finalização” do Mundo:

«Sem por tal se desviar para qualquer materialismo ou pelagianismo, o fiel descobre que pode e deve, ainda mais do que o descrente, apaixonar-se por um progresso à face da Terra, requerido para a consumação do Reino de Deus. E, contudo, a força ascensional do desprendimento permanece intacta.» (Note sur la notion de perfection chretíenne, cit por Tresmontant, p. 126)

Deus não é Infinito sem figura (como afirma H. U. von Balthasar)! O Infinito real não é dispersão, mas concentração. A Presença concreta no coração do universo, dominando, animando, atraindo a Si este universo; a presença de um Deus pessoal — supra-pessoal — de um Deus amante e preveniente, de um Deus capaz de se revelar e que de facto se revelou, de um Deus todo Amor, é para TC a verdade suprema; sem esta chave de leitura não possível compreender o seu pensamento e a sua pessoa.

«O essencial cristão,(…) não é precisamente nenhum daqueles ideais humanitários ou morais tão exaltados por crentes e descrentes: mas sim manter e salvar “o primado do Pessoal”, isto é, dar-lhe um nome.» (Pequim, 15 Agosto 1936)

O Mundo não é divino, nem TC panteísta. A Matéria é “escabelo da Divindade”: ainda hoje a natureza se revela a nós “não divina e adorável mas humilde e suplicante.” É necessário passar da “Noosfera” à “Teosfera”, para que o homem possa adorar e amar a Deus “não só com todo o seu corpo e com toda a sua alma, mas com todo o Universo”.

É impossível pôr Deus “como um foco do Universo sem automaticamente difundir a sua presença no íntimo do menor grau da Evolução.” É a “universal transparência” da fé. É o reconhecimento da imanência de Deus como decorrendo da sua transcendência. É sua preocupação alertar o crente para “descobrir, abaixo de Deus, os valores humanos”; mas também convida o humanista moderno a “descobrir, acima do mundo, o lugar de um Deus.” Este ponto do seu pensamento faz eco da sua oração:

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«Senhor, fazei que eu veja, que eu Vos veja, e fazei que eu Vos veja e sinta (compreenda) omnipresente e omni-animante!»

Dizia Lacroix:

«Se tantas almas foram tocadas (pela sua mensagem), foi talvez antes de tudo porque ele sabia voltar a fazer um templo do universo.»

Como o próprio TC dizia:

«O Homem reconduz consigo o Mundo, dos seres inferiores até Deus. O pecado está em deixar-se mergulhar neles; — a virtude, em os arrastar consigo.» (7 Agosto 1923)

Com esclarecida perspicácia, capaz de olhar o mundo do seu tempo com os olhos de “profeta”, TC sentiu intensamente a profunda preocupação cristã da missão, e o desejo apaixonado de chegar àqueles que, não reconhecendo a escondida presença de Deus nas suas “ciências”, procuram a verdade:

«No primeiro século da Igreja, o cristianismo fez a sua entrada definitiva no pensamento humano assimilando ousadamente o Jesus do Evangelho ao Logos alexandrino. Como não haveríamos nós de nos aperceber da continuação lógica do mesmo gesto e do prelúdio a idêntico sucesso naquele instinto que hoje impele os fiéis, passados dois mil anos, a retomar a mesma táctica, desta vez já não com o princípio ordenador do estável Kosmos grego, mas com o neo-Logos da filosofia moderna — o princípio evolutor de um Universo em movimento?»

A sua doutrina é assim verdadeiramente paulina. Como o apóstolo dos gentios, também o padre Pierre não separa a missão de Cristo na Igreja da sua missão no mundo. Em S. Paulo encontra, com alegria, os fundamentos de um encontro entre a reflexão científica e a reflexão teológica. Pena que com o entusiasmo de traduzir intelectualmente a sua visão unificante, tenha chegado a fórmulas apressadas e um pouco abruptas (p. ex. expressões infelizes como “natureza cósmica” de Cristo como uma espécie de “terceira natureza” do Verbo).

A força da sua oração é a verdadeira “razão” da força do seu pensamento:

«(…) quanto mais os anos passam, Senhor, mais eu julgo reconhecer que, em mim e à volta de mim, a grande e secreta preocupação do Homem moderno é muito menos lutar pela posse do Mundo do que encontrar a maneira para se evadir dele. A angústia de se sentir encerrado na Esfera cósmica, não tanto espacialmente como ontologicamente! A procura ansiosa de uma saída ou, mais precisamente, de um centro, para a Evolução! Eis, a troco de uma reflexão planetária sempre crescente, o sofrimento que pesa obscuramente sobre a alma tanto dos cristãos como dos gentios, no mundo de hoje.(...)Senhor da Consistência e da União, Vós, cuja marca de reconhecimento e cuja essência estão em poder crescer indefinidamente, sem deformação nem ruptura, à medida da Matéria misteriosa de que Vós ocupais o Coração e controlais, em

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última análise, todos os movimentos — Senhor da minha infância e do meu fim — Deus terminado para si e no entanto, para nós, jamais acabado de nascer. — Deus que, por vos apresentardes à nossa adoração como “evolutor e evolutivo”, sois de ora em diante o único a poder satisfazer-nos —afastai, enfim, todas as nuvens que ainda vos escondem — tanto as dos preconceitos hostis como as das falsas crenças.E que, por Diafania e Incêndio ao mesmo tempo, brote a vossa universal Presença.Ó Cristo, sempre e cada vez maior!»

(Le Coeur de la Matière (1950), cit por, H. de Lubac, A Oração de Teilhard de Chardin. p. 68-69)