apostila completa 2008

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IPH UFRGS Maio 2008

5Verso

Introduzindo hidrologiaWALTER COLLISCHONN IPH UFRGS RUTINIA TASSI IPH UFRGSCapa: Andreas Collischonn Ilustraes: Fernando Dornelles

H I D R O L O G I A

1IntroduoO estudo da Hidrologia e conceitos fundamentais do ciclo hidrolgico.

Captulo

H

idrologia a cincia que trata da gua na Terra, sua ocorrnca, circulao, distribuio espacial, suas propriedades fsicas e qumicas e sua relao com o ambiente, inclusive com os seres vivos. A Hidrologia o estudo da gua na superfcie terrestre, no solo e no sub-solo. De uma forma simplificada pode-se dizer que hidrologia tenta responder pergunta: O que acontece com a gua? A Hidrologia pode ser tanto uma cincia como um ramo da engenharia e tem muitos aspectos em comum com a meteorologia, geologia, geografia, agronomia, engenharia ambiental e a ecologia. A Hidrologia utiliza como base os conhecimentos de hidrulica, fsica e estatstica. Existem outras cincias que tambm estudam o comportamento da gua em diferentes fases, como a meteorologia, a climatologia, a oceanografia, e a glaciologia. A diferena fundamental que a Hidrologia estuda os processos do ciclo da gua em contato com os continentes.

Hidrologia nas EngenhariasA humanidade tem se ocupado com a gua como uma necessidade vital e como uma ameaa potencial pelo menos desde o tempo em que as primeiras civilizaes se desenvolveram s margens dos rios. Primitivos engenheiros construram canais, diques, barragens, condutos subterrneos e poos ao longo do rio Indus, no Paquisto, dos rios Tigre e Eufrates, na Mesopotmia, do Hwang Ho na China e do Nilo no Egito, h pelo menos 5000 anos.

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Hidrologia nas Cincias do Meio AmbienteO interesse em Ecologia e cincias do meio ambiente pela hidrologia devido ao papel que esta cincia exerce no estudo dos aspectos fsicos que condicionam o meio ambiente. A limnologia pode ser definida como o estudo ecolgico de todas as massas de gua continentais, incluindo lagos, lagunas esturios, represas, guas subterrneas, guas temporrias, banhados e rios (Esteves, 1988). Apesar disso, a maior parte dos estudos de limnologia est focalizada em lagos. A hidrologia, por outro lado, tradicionalmente est mais ligada ao estudo dos rios. Entretanto, os conceitos abordados neste texto aplicam-se tanto a rios como a lagos, e, no caso das anlises estatsticas, podem ser aplicadas vazo como a outras variveis, como o nvel de lagos ou banhados, por exemplo. Grande parte do estudo da hidrologia foi desenvolvida para avaliar a variabilidade temporal de variveis importantes do ciclo hidrolgico e para projetar obras de engenharia adequadas para minimizar os impactos de manifestaes extremas desta variabilidade, como enchentes e longas estiagens. Para a limnologia, por outro lado, a variabilidade temporal das variveis hidrolgicas constitui o pano de fundo em frente ao qual se desenvolvem os ecossistemas, e por isso deve ser mais bem compreendida. Portanto, tambm para a limnologia esta variabilidade temporal, caracterizada pelo regime hidrolgico, fundamental.

Hidrologia na Engenharia EltricaO interesse em Hidrologia na Engenharia Eltrica devido utilizao da gua para a gerao de energia. A potncia de uma usina hidreltrica proporcional ao produto da descarga (ou vazo) pela queda. A queda definida pela diferena de altitude do nvel da gua a montante (acima) e a jusante (abaixo) da turbina. A descarga em um rio depende das caractersticas da bacia hidrogrfica, como o clima, a geologia, os solos, a vegetao. Em projetos de centrais hidreltricas os estudos hidrolgicos so necessrios para:

Escolha das turbinas adequadas e determinao da potnciainstalada.

Anlise da variao temporal da disponibilidade de energia. Determinao da energia garantida ou firme. Estimativa de vazes mximas em eventos extremos paradimensionamento das estruturas extravasoras.

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Otimizao da operao de sistemas interligados de gerao eltricaque incluem hidreltricas e termoeltricas.

Anlise das relaes entre o uso da gua para gerao de energia e outros usos, como irrigao, abastecimento urbano, navegao, preservao do meio ambiente e recreao.

No Brasil a gerao de energia eltrica est fortemente ligada hidrologia porque a quase totalidade da energia gerada e consumida oriunda de usinas hidreltricas. Considerando os dados da dcada de 1990, o Brasil o terceiro maior produtor de energia hidreltrica do mundo, atrs apenas dos Estados Unidos e do Canad e a frente da China, da Rssia e da Frana. Entretanto, a energia hidreltrica no Brasil corresponde a mais de 97% do total da energia eltrica gerada, enquanto que, na maior parte dos outros pases, a energia hidreltrica corresponde a percentuais muito menores do total, conforme a Tabela 1. 1. Destes pases apenas a Noruega apresenta uma dependncia semelhante da gua no setor de energia, com 99% da energia de origem hidreltrica. A dependncia mundial da energia hidreltrica de apenas 20%, conforme pode ser observado na ltima linha da tabela.

Tabela 1. 1: Os dez pases maiores produtores de energia hidreltrica do mundo e a importncia relativa da hidreletricidade na energia total produzida (Gleick, 2000).

Pas Estados Unidos Canad China Brasil Rssia Noruega Frana Japo ndia Sucia Total dos 10 pases Mundo

Capacidade Instalada(MW) 74.860 64.770 52.180 51.100 39.990 26.000 23.100 21.170 20.580 16.540 390.290 633.730

Energia Hidreltrica produzida (GW.hora/ano) 296.380 330.690 166.800 250.000 162.800 112.680 65.500 91.300 72.280 63.500 1.611.030 2.445.390

Percentual da energia total produzida (%) 10 62 18 97 27 99 15 9 25 52 22 20

Mesmo em usinas termeltricas a gua tem um papel fundamental e consumida em quantidades significativas. Neste caso a gua utilizada nos ciclos internos de resfriamento e gerao de vapor. Nos Estados Unidos as usinas termeltricas utilizam cerca de 260 bilhes de metros cbicos por ano, o que corresponde a 47% da utilizao total de gua neste pas. Deve se ressaltar, entretanto, que nem toda esta

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gua consumida, e grande parte retorna aos rios. Por este motivo, tambm as usinas termeltricas so construdas junto fontes abundantes e confiveis de gua, e so necessrios estudos hidrolgicos para avaliar a sua disponibilidade.

A guaA gua uma substncia com caractersticas incomuns. a substncia mais presente na superfcie do planeta Terra, cobrindo mais de 70% do globo. O corpo humano composto por gua mais ou menos na mesma proporo. J um tomate composto por mais de 90 % de gua, assim como muitos outros alimentos. Todas as formas de vida necessitam da gua para sobreviver. A gua a nica substncia na Terra naturalmente presente nas formas lquida, slida e gasosa. A mesma quantidade de gua est presente na Terra atualmente como no tempo em que os dinossauros habitavam o planeta, h milhes de anos atrs. A busca de vida em outros planetas est fortemente relacionada a busca de indcios da presena de gua. A estrutura molecular da gua (H2O) responsvel por uma caracterstica fundamental da gua que a sua grande inrcia trmica, isto , a temperatura da gua varia de forma lenta. O sol aquece as superfcies de terra e de gua do planeta com a mesma energia, entretanto as variaes de temperatura so muito menores na gua. Em funo deste aquecimento diferenciado e do papel regularizador dos oceanos, o clima da Terra tem as caractersticas que conhecemos. Comparada com outros lquidos a gua tambm apresenta uma tenso superficial relativamente alta. Esta tenso superficial responsvel pela organizao da chuva na forma de gotas e pela ascenso capilar da gua nos solos. Os recursos de gua tm determinado o destino de muitas civilizaes ao longo histria. Povos entraram em conflito e guerras foram iniciadas em torno problemas relacionados ao acesso gua. O crescimento da populao mundial longo do ltimo sculo tornou criticamente necessria a racionalizao do uso gua. da de ao da

No Brasil a gerao de energia eltrica apenas um dos usos da gua, mas sua importncia muito grande, chegando a influenciar fortemente as estimativas do valor associado gua.

A hidrosferaO termo hidrosfera refere-se a toda a gua do mundo, que estimada em aproximadamente 1,4 quilmetros cbicos. Cerca de 97 % da gua do mundo est nos oceanos. Dos 3% restantes, a metade (1,5% do total) est armazenada na forma de geleiras ou bancadas de gelo nas calotas polares. A gua doce de rios, lagos e aqferos (reservatrios de gua no subsolo) corresponde a menos de 1% do total.

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Em valores totais a gua doce existente na Terra e a gua que atinge a superfcie dos continentes na forma de chuva suficiente para atender todas as necessidades humanas. Entretanto, grandes problemas surgem com a grande variabilidade temporal e espacial da disponibilidade de gua. A Amrica do Sul , de longe, o continente com a maior disponibilidade de gua, porm a precipitao que atinge nosso continente altamente varivel, apresentando na Amaznia altssimas taxas de precipitao enquanto o deserto de Atacama conhecido como o lugar mais seco do mundo. No Brasil a disponibilidade de gua grande, porm existem regies em que h crescentes conflitos em funo da quantidade de gua, como na regio semi-rida do Nordeste. Mesmo no Rio Grande do Sul, onde a disponibilidade de gua pode ser considerada alta, ocorrem anos secos em que a vazo de alguns rios no suficiente para atender as demandas para abastecimento da populao e para irrigao.

Tabela 1. 2: A gua na Terra (Gleick, 2000).

Oceanos/gua salgada Gelo permanente gua subterrnea

Percentual gua do planeta (%) 97 1,7 0,76

Percentual da gua doce (%) 69 30

Os processos do ciclo hidrolgico so: precipitao; infiltrao; escoamento; evapotranspirao e condensao.

Lagos Umidade do solo gua atmosfrica Banhados Rios Biota

0,007 0,001 0,001 0,0008 0,0002 0,0001

0,26 0,05 0,04 0,03 0,006 0,003

O ciclo hidrolgicoO ciclo hidrolgico o conceito central da hidrologia. O ciclo hidrolgico est ilustrado na Figura 1. 1. A energia do sol resulta no aquecimento do ar, do solo e da gua superficial e resulta na evaporao da gua e no movimento das massas de ar. O vapor de ar transportado pelo ar e pode condensar no ar formando nuvens. Em circunstncias especficas o vapor do ar condensado nas nuvens pode voltar superfcie da Terra na forma de precipitao. A evaporao dos oceanos a maior fonte de vapor para a atmosfera e para a posterior precipitao, mas a evaporao de

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gua dos solos, dos rios e lagos e a transpirao da vegetao tambm contribuem. A precipitao que atinge a superfcie pode infiltrar no solo ou escoar por sobre o solo at atingir um curso dgua. A gua que infiltra umedece o solo, alimenta os aqferos e cria o fluxo de gua subterrnea. O ciclo hidrolgico fechado se considerado em escala global. Em escala regional podem existir alguns sub-ciclos. Por exemplo, a gua precipitada que est escoando em um rio pode evaporar, condensar e novamente precipitar antes de retornar ao oceano. A gua tambm sofre alteraes de qualidade ao longo das diferentes fases do ciclo hidrolgico. A gua salgada do mar transformada em gua doce pelo processo de evaporao. A gua doce que infiltra no solo dissolve os sais a encontrados e a gua que escoa pelos rios carrega estes sais para os oceanos, bem como um grande nmero de outras substncias dissolvidas e em suspenso.

A energia que movimenta o ciclo hidrolgico fornecida pelo sol.

Figura 1. 1: O ciclo hidrolgico.

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D E S I G N

C U S T O M I Z A T I O N

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Captulo

Bacia hidrogrfica e balano hdricociclo hidrolgico normalmente estudado com maior interesse na fase terrestre, onde o elemento fundamental da anlise a bacia hidrogrfica. A bacia hidrogrfica a rea de captao natural dos fluxos de gua originados a partir da precipitao, que faz convergir os escoamentos para um nico ponto de sada, seu exutrio. A definio de uma bacia hidrogrfica requer a definio de um curso dgua, de um ponto ou seo de referncia ao longo deste curso dgua e de informaes sobre o relevo da regio. Uma bacia hidrogrfica pode ser dividida em sub-bacias e cada uma das sub-bacias pode ser considerada uma bacia hidrogrfica. A bacia hidrogrfica pode ser considerada como um sistema fsico sujeito a entradas de gua (eventos de precipitao) que gera sadas de gua (escoamento e evapotranspirao). A bacia hidrogrfica transforma uma entrada concentrada no tempo (precipitao) em uma sada relativamente distribuda na tempo (escoamento). As caractersticas fundamentais de uma bacia que dependem do relevo so: rea Comprimento da drenagem principal Declividade

O

A rea um dado fundamental para definir a potencialidade hdrica de uma bacia, uma vez que a bacia a regio de captao da gua da chuva. Assim, a rea da bacia multiplicada pela lmina precipitada ao longo de um intervalo de tempo define o volume de gua recebido ao longo deste intervalo de tempo. A rea de uma bacia hidrogrfica pode ser estimada a partir da delimitao dos divisores da bacia em um mapa topogrfico.

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Um exemplo de bacia delimitada apresentado na Figura 2. 1. A bacia delimitada corresponde bacia do Arroio Quilombo, prximo a Lomba Grande e Novo Hamburgo, at a seo que corresponde a ponte da estrada vicinal indicada no mapa. O divisor de guas apresentado como uma linha pontilhada separa as regies do mapa em que a gua da chuva vai escoar at a seo da ponte das regies em que a gua da chuva no vai escoar at esta seo. O divisor de guas passa, em geral, pelas regies mais elevadas do entorno do Arroio Quilombo e de seus afluentes, mas no necessariamente inclui os pontos mais elevados do terreno. O divisor de guas intercepta a rede de drenagem em apenas um ponto, que corresponde ao exutrio da bacia (no exemplo a seo da ponte).

Figura 2. 1: Exemplo de uma bacia hidrogrfica delimitada sobre um mapa topogrfico.

A rea da bacia pode ser medida atravs de um instrumento denominado planmetro ou utilizando representaes digitais da bacia em CAD ou em Sistemas de Informao Geogrfica.

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O comprimento da drenagem principal uma caracterstica fundamental da bacia hidrogrfica porque est relacionado ao tempo de viagem da gua ao longo de todo o sistema. O tempo de viagem da gota de gua da chuva que atinge a regio mais remota da bacia at o momento em que atinge o exutrio chamado de tempo de concentrao da bacia.Tempo de concentrao o tempo que uma gota de chuva que atinge a regio mais remota da bacia leva para atingir o exutrio.

A declividade mdia da bacia e do curso dgua principal tambm so caractersticas que afetam diretamente o tempo de viagem da gua ao longo do sistema. O tempo de concentrao de uma bacia diminui com o aumento da declividade.

A equao de Kirpich, apresentada abaixo, pode ser utilizada para estimativa do tempo de concentrao de pequenas bacias:

L3 t c = 57 h

0 , 385

onde tc o tempo de concentrao em minutos; L o comprimento do curso dgua principal em km; e h a diferena de altitude em metros ao longo do curso dgua principal.

Outras caractersticas importantes da baciaOs tipos de solos, a geologia, a vegetao e o uso do solo so outras caractersticas importantes da bacia hidrogrfica que no esto diretamente relacionadas ao relevo. Os tipos de solos e a geologia vo determinar em grande parte a quantidade de gua precipitada que vai infiltrar no solo e a quantidade que vai escoar superficialmente. A vegetao tem um efeito muito grande sobre a formao do escoamento superficial e sobre a evapotranspirao. O uso do solo pode alterar as caractersticas naturais, modificando as quantidades de gua que infiltram, que escoam e que evaporam, alterando o comportamento hidrolgico de uma bacia.

Balano hdrico numa baciaO balano entre entradas e sadas de gua em uma bacia hidrogrfica denominado balano hdrico. A principal entrada de gua de uma bacia a precipitao. A sada de gua da bacia pode ocorrer por evapotranspirao e por escoamento. Estas variveis podem ser medidas com diferentes graus de preciso. O balano hdrico de uma bacia exige que seja satisfeita a equao:

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dV = P E Q dtou, num intervalo de tempo finito:

V = PEQ tonde V a variao do volume de gua armazenado na bacia (m3); t o intervalo de tempo considerado (s); P a precipitao (m3.s-1); E a evapotranspirao (m3.s-1); e Q o escoamento (m3.s-1).

Figura 2. 2: Relevo de uma bacia hidrogrfica e as entradas e sadas de gua: P a precipitao; ET a evapotranspirao e Rs o escoamento (adaptado de Hornberger et al., 1998).

Em intervalos de tempo longos, como um ano ou mais, a variao de armazenamento pode ser desprezada na maior parte das bacias, e a equao pode ser reescrita em unidades de mm.ano-1, o que feito dividindo os volumes pela rea da bacia.

P = E+Qonde P a precipitao em mm.ano-1; E a evapotranspirao em mm.ano-1 e Q o escoamento em mm.ano-1.

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As unidades de mm so mais usuais para a precipitao e para a evapotranspirao. Uma lmina de 1 mm de chuva corresponde a um litro de gua distribudo sobre uma rea de 1 m2. O percentual da chuva que se transforma em escoamento chamado coeficiente de escoamento de longo prazo e dado por:

C=

Q P

O coeficiente de escoamento tem, teoricamente, valores entre 0 e 1. Na prtica os valores vo de 0,05 a 0,5 para a maioria das bacias. A Tabela 2. 1 apresenta dados de balano hdrico para as grandes bacias brasileiras, de acordo com dados da Agncia Nacional da gua (ANA). A regio do Rio Grande do Sul est contida nas bacias do rio Uruguai e na bacia do Atlntico Sul, onde a precipitao mdia de 1699 e 1481 mm por ano, respectivamente. Na bacia do rio Uruguai o escoamento de 716 mm por ano, o que corresponde a 4040 m3.s-1 de vazo mdia nesta bacia, que tem rea de 178.000 km2. Na bacia do Atlntico Sul, em que est inserida a bacia do rio Guaba, o escoamento de 643 mm por ano, enquanto a evapotranspirao, que completa o balano, de 838 mm por ano. O coeficiente de escoamento nas duas bacias um pouco superior a 40%, o que significa que cerca de 40% da chuva transformada em vazo, enquanto 60% retorna atmosfera pelo processo de evapotranspirao.

Tabela 2. 1: Caractersticas de balano hdrico das grandes regies hidrogrficas do Brasil (valores em mm correspondem s laminas mdias precipitadas, escoadas e evaporadas ao longo de um ano).

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A tabela mostra que a evapotranspirao tende a ser maior nas bacias mais prximas do Equador. Observa-se tambm que a disponibilidade de gua (vazo em mm por ano) menor na bacia do rio So Francisco e na bacia Atlntico Leste (1) que inclui as regies mais secas da regio Nordeste do Brasil.

Exemplos1) Qual seria a vazo de sada de uma bacia completamente impermevel, com rea de 60km2, sob uma chuva constante taxa de 10 mm.hora-1? Cada mm de chuva sobre a bacia de 60km2 corresponde a um volume total de 60.000 m3 lanados sobre a bacia, o que significa que em uma hora so lanados 600.000 m3 de gua sobre esta bacia. Como a bacia impermevel toda a gua deve sair pelo exutrio a uma vazo constante de 167 m3.s-1.

2) A regio da bacia hidrogrfica do rio Taquari recebe precipitaes mdias anuais de 1600 mm. Em Muum (RS) h um local em que so medidas as vazes deste rio e uma anlise de uma srie de dados dirios ao longo de 30 anos revela que a vazo mdia do rio de 340 m3.s-1. Considerando que a rea da bacia neste local de 15.000 Km2, qual a evapotranspirao mdia anual nesta bacia? Qual o coeficiente de escoamento de longo prazo? O balano hdrico de longo prazo de uma bacia dado por P = E + Q onde P a chuva mdia anual; E a evapotranspirao mdia anual e Q o escoamento mdio anual. A vazo mdia de 340 m3.s-1 em uma bacia de 15.000 km2 corresponde ao escoamento anual de uma lmina dada por:Q( mm / ano ) = Q( m 3 .s 1 ) 3600 24 365( s .ano 1 ) 1000( mm.m 1 ) A( m 2 )

ou

Q( mm / ano ) = Q( m 3 .s 1 )

3 ,6 24 365 A( km 2 )

Q( mm / ano ) = 340

3,6 24 365 715 mm.ano 1 15000

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e a evapotranspirao dada por E = P Q =1600 715 = 885 mm.ano-1. O coeficiente de escoamento de longo prazo dado por C = Q/P = 715/1600 = 0,447.

Exerccios1) Uma bacia de 100 km2 recebe 1300 mm de chuva anualmente. Qual o volume de chuva (em m3) que atinge a bacia por ano? 2) Uma bacia de 1100 km2 recebe anualmente 1750 mm de chuva, e a vazo mdia corresponde a 18 m3/s. Calcule a evapotranspirao total desta bacia (em mm/ano). 3) A regio da bacia hidrogrfica do rio Uruguai recebe precipitaes mdias anuais de 1700 mm. Estudos anteriores mostram que o coeficiente de escoamento de longo prazo de 0,42 nesta regio. Qual a vazo mdia esperada em um pequeno afluente do rio Uruguai numa seo em que a rea da bacia de 230 km2. 4) Considera-se para o dimensionamento de estruturas de abastecimento de gua que um habitante de uma cidade consome cerca de 200 litros de gua por dia. Qual a rea de captao de gua da chuva necessria para abastecer uma casa de 4 pessoas em uma cidade com precipitaes anuais de 1400 mm, como Porto Alegre? Considere que a rea de captao seja completamente impermevel.

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Precipitao

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gua da atmosfera que atinge a superfcie na forma de chuva, granizo, neve, orvalho, neblina ou geada denominada precipitao. Na realidade brasileira a chuva a forma mais importante de precipitao, embora grandes prejuzos possam advir da ocorrncia de precipitao na forma de granizo e em alguns locais possa eventualmente ocorrer a neve. A chuva a causa mais importante dos processos hidrolgicos de interesse da engenharia e caracterizada por uma grande aleatoriedade espacial e temporal. A gua existente na atmosfera est, em sua maior parte, na forma de vapor. A quantidade de vapor que o ar pode conter limitada. Ar a 20 C pode conter uma quantidade mxima de vapor de, aproximadamente, 20 gramas por metro cbico. Quantidades de vapor superiores a este limite acabam condensando. A quantidade mxima de vapor que pode ser contida no ar sem condensar a concentrao de saturao. Uma caracterstica muito importante da concentrao de saturao que ela aumenta com o aumento da temperatura do ar. Assim, ar mais quente pode conter mais vapor do que ar frio. A Figura 3. 1 apresenta a variao da concentrao de saturao de vapor no ar com a temperatura. Observa-se que o ar a 10 C pode conter duas vezes mais vapor do que o ar a 0 C. O ar atmosfrico apresenta um forte gradiente de temperatura, com temperatura relativamente alta junto superfcie e temperatura baixa em grandes altitudes. O processo de formao das nuvens de chuva est associado ao movimento ascendente de uma massa de ar mido. Neste processo a temperatura do ar vai diminuindo at que o vapor do ar comea a condensar. Isto ocorre porque a quantidade de gua que o ar pode conter sem que ocorra condensao maior para o ar quente do que para o ar frio. Quando este vapor se condensa, pequenas gotas comeam a se formar, permanecendo suspensas no ar por fortes correntes ascendentes e pela turbulncia. Porm, em certas condies, as gotas das nuvens crescem, atingindo tamanho e peso

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suficiente para vencer as correntes de ar que as sustentam. Nestas condies, a gua das nuvens se precipita para a superfcie da Terra, na forma de chuva.

Figura 3. 1: Relao entre a temperatura e o contedo de vapor de gua no ar na condio de saturao.

A formao das nuvens de chuva est, em geral, associada ao movimento ascendente de massas de ar mido. A causa da ascenso do ar mido considerada para diferenciar os principais tipos de chuva: frontais, convectivas ou orogrficas.

Chuvas frontaisAs chuvas frontais ocorrem quando se encontram duas grandes massas de ar, de diferente temperatura e umidade. Na frente de contato entre as duas massas o ar mais quente (mais leve e, normalmente, mais mido) empurrado para cima, onde atinge temperaturas mais baixas, resultando na condensao do vapor. As massas de ar que formam as chuvas frontais tm centenas de quilmetros de extenso e movimentam se de forma relativamente lenta, conseqentemente as chuvas frontais caracterizam-se pela longa durao e por atingirem grandes extenses. No Brasil as chuvas frontais so muito freqentes na regio Sul, atingindo tambm as regies Sudeste, Centro Oeste e, por vezes, o Nordeste. Chuvas frontais tm uma intensidade relativamente baixa e uma durao relativamente longa. Am alguns casos as frentes podem ficar estacionrias, e a chuva pode atingir o mesmo local por vrios dias seguidos.

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Figura 3. 2: Tipos de chuvas

Chuvas orogrficasAs chuvas orogrficas ocorrem em regies em que um grande obstculo do relevo, como uma cordilheira ou serra muito alta, impede a passagem de ventos quentes e midos, que sopram do mar, obrigando o ar a subir. Em maiores altitudes a umidade do ar se condensa, formando nuvens junto aos picos da serra, onde chove com muita freqncia. As chuvas orogrficas ocorrem em muitas regies do Mundo, e no Brasil so especialmente importantes ao longo da Serra do Mar.

Chuvas convectivasAs chuvas convectivas ocorrem pelo aquecimento de massas de ar, relativamente pequenas, que esto em contato direto com a superfcie quente dos continentes e oceanos. O aquecimento do ar pode resultar na sua subida para nveis mais altos da atmosfera onde as baixas temperaturas condensam o vapor, formando nuvens. Este

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processo pode ou no resultar em chuva, e as chuvas convectivas so caracterizadas pela alta intensidade e pela curta durao. Normalmente, porm, as chuvas convectivas ocorrem de forma concentrada sobre reas relativamente pequenas. No Brasil h uma predominncia de chuvas convectivas, especialmente nas regies tropicais. Os processos convectivos produzem chuvas de grande intensidade e de durao relativamente curta. Problemas de inundao em reas urbanas esto, muitas vezes, relacionados s chuvas convectivas.

Medio da chuvaA chuva medida utilizando instrumentos chamados pluvimetros que nada mais so do que recipientes para coletar a gua precipitada com algumas dimenses padronizadas. O pluvimetro mais utilizado no Brasil tem uma forma cilndrica com uma rea superior de captao da chuva de 400 cm2, de modo que um volume de 40 ml de gua acumulado no pluvimetro corresponda a 1 mm de chuva. O pluvimetro instalado a uma altura padro de 1,50 m do solo (figura XXXX) e a uma certa distncia de casas, rvores e outros obstculos que podem interferir na quantidade de chuva captada. Nos pluvimetros da rede de observao mantida pela Agncia Nacional da gua (ANA) a medio da chuva realizada uma vez por dia, sempre s 7:00 da manh, por um observador que anota o valor lido em uma caderneta. A ANA tem uma rede de 2473 estaes pluviomtricas distribudos em todo o Brasil. Alm da ANA existem outras instituies e empresas que mantm pluvimetros, como o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), empresas de gerao de energia hidreltrica e empresas de pesquisa agropecuria. No banco de dados da ANA (www.hidroweb.ana.gov.br) esto cadastradas 14189 estaes pluviomtricas de diversas entidades, mas apenas 8760 esto em atividade atualmente. Existem pluvimetros adaptados para realizar medies de forma automtica, registrando os dados medidos em intervalos de tempo inferiores a um dia. So os pluvigrafos, que originalmente eram mecnicos, utilizavam uma balana para pesar o peso da gua e um papel para registrar o total precipitado. Os pluvigrafos antigos com registro em papel foram substitudos, nos ltimos anos, por pluvigrafos eletrnicos com memria (data-logger). O pluvigrafo mais comum atualmente o de cubas basculantes, em que a gua recolhida dirigida para um conjunto de duas cubas articuladas por um eixo central. A gua dirigida inicialmente para uma das cubas e quando esta cuba recebe uma quantidade de gua equivalente a 20 g, aproximadamente, o conjunto bscula em

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torno do eixo, a cuba cheia esvazia e a cuba vazia comea a receber gua. Cada movimento das cubas basculantes equivale a uma lmina precipitada (por exemplo 0,25 mm), e o aparelho registra o nmero de movimentos e o tempo em que ocorre cada movimento. A principal vantagem do pluvigrafo sobre o pluvimetro que permite analisar detalhadamente os eventos de chuva e sua variao ao longo do dia. Alm disso, o pluvigrafo eletrnico pode ser acoplado a um sistema de transmisso de dados via rdio ou telefone celular.

Figura 3. 3: Caractersticas de um pluvimetro.

A chuva tambm pode ser estimada utilizando radares meteorolgicos. A medio de chuva por radar est baseada na emisso de pulsos de radiao eletromagntica que so refletidos pelas partculas de chuva na atmosfera, e na medio do da intensidade do sinal refletido. A relao entre a intensidade do sinal enviado e recebido, denominada refletividade, correlacionada intensidade de chuva que est caindo em uma regio. A principal vantagem do radar a possibilidade de fazer estimativas de taxas de precipitao em uma grande regio no entorno da antena emissora e receptora, embora existam erros considerveis quando as estimativas so comparadas com dados de pluvigrafos. No Brasil so poucos os radares para uso meteorolgico, com a exceo do Estado de So Paulo em que existem alguns em operao. Em alguns pases, como os EUA, a Inglaterra e a Alemanha, j existe uma cobertura completa com sensores de radar para estimativa de chuva.

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Tambm possvel fazer estimativas da precipitao a partir de imagens obtidas por sensores instalados em satlites. A temperatura do topo das nuvens, que pode ser estimada a partir de satlites, tem uma boa correlao com a precipitao. Alm disso, existem experimentos de radares a bordo de satlites que permitem aprimorar a estimativa baseada em dados de temperatura de topo de nuvem.

Anlise de dados de chuvaAs variveis que caracterizam a chuva so a sua altura (lmina precipitada), a intensidade, a durao e a freqncia. Durao o perodo de tempo durante o qual a chuva cai. Normalmente medida em minutos ou horas. A altura a espessura mdia da lmina de gua que cobriria a regio atingida se esta regio fosse plana e impermevel. A unidade de medio da altura de chuva o milmetro de chuva. Um milmetro de chuva corresponde a 1 litro de gua distribudo em um metro quadrado. Intensidade a altura precipitada dividida pela durao da chuva, e expressa, normalmente, em mm.hora-1. Freqncia a quantidade de ocorrncias de eventos iguais ou superiores ao evento de chuva considerado. Chuvas muito intensas tem freqncia baixa, isto , ocorrem raramente. Chuvas pouco intensas so mais comuns. A Tabela 3. 1 apresenta a anlise de freqncia de ocorrncia de chuvas dirias de diferentes intensidades ao longo de um perodo de 23 anos em uma estao pluviomtrica no interior do Paran. Observa-se que ocorreram 5597 dias sem chuva (P = zero) no perodo total de 8279 dias, isto , em 67% dos dias do perodo no ocorreu chuva. Em pouco mais de 17% dos dias do perodo ocorreram chuvas com intensidade baixa (menos do que 10 mm). A medida em que aumenta a intensidade da chuva diminui a freqncia de ocorrncia. A varivel utilizada na hidrologia para avaliar eventos extremos como chuvas muito intensas o tempo de retorno (TR), dado em anos. O tempo de retorno uma estimativa do tempo em que um evento igualado ou superado, em mdia. Por exemplo, uma chuva com intensidade equivalente ao tempo de retorno de 10 anos igualada ou superada somente uma vez a cada dez anos, em mdia. Esta ltima ressalva em mdia implica que podem, eventualmente, ocorrer duas chuvas de TR 10 anos em dois anos subseqentes.

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Tabela 3. 1: Freqncia de ocorrncia de chuvas dirias de diferentes alturas em um posto pluviomtrico no interior do Paran ao longo de um perodo de, aproximadamente, 23 anos.

Bloco P = zero P < 10 mm 10 < P < 20 mm 20 < P < 30 mm 30 < P < 40 mm 40 < P < 50 mm 50 < P < 60 mm 60 < P < 70 mm 70 < P < 80 mm 80 < P < 90 mm 90 < P < 100 mm 100 < P < 110 mm 110 < P < 120 mm 120 < P < 130 mm 130 < P < 140 mm 140 < P < 150 mm 150 < P < 160 mm 160 < P < 170 mm 170 < P < 180 mm 180 < P < 190 mm 190 < P < 200 mm P > 200 mm Total

Freqncia 5597 1464 459 289 177 111 66 38 28 20 8 7 2 5 2 1 1 1 2 1 0 0 8279

O tempo de retorno pode, tambm, ser definido como o inverso da probabilidade de ocorrncia de um determinado evento em um ano qualquer. Por exemplo, se a chuva de 130 mm em um dia igualada ou superada apenas 1 vez a cada 10 anos diz-se que seu Tempo de Retorno de 10 anos, e que a probabilidade de acontecer um dia com chuva igual ou superior a 130 mm em um ano qualquer de 10%, ou seja:O Tempo de Retorno igual ao inverso da probabilidade.

TR =

1 Pr obabilidade

Variabilidade espacial da chuvaOs dados de chuva dos pluvimetros e pluvigrafos referem-se a medies executadas em reas muito restritas (400 cm2), quase pontuais. Porm a chuva caracteriza-se por

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uma grande variabilidade espacial. Assim, durante um evento de chuva um pluvimetro pode ter registrado 60 mm de chuva enquanto um outro pluvimetro, a 30 km de distncia registrou apenas 40 mm para o mesmo evento. Isto ocorre porque a chuva apresenta uma grande variabilidade espacial, principalmente se originada por um processo convectivo. A forma de representar a variabilidade espacial da chuva para um evento, para um ano inteiro de dados ou para representar a precipitao mdia anual ao longo de um perodo de 30 anos so as linhas de mesma precipitao (isoietas) desenhadas sobre um mapa. As isoietas so obtidas por interpolao dos dados de pluvimetros ou pluvigrafos e podem ser traadas de forma manual ou automtica. A Figura 3. 4 apresenta um mapa de isoietas de chuva mdia anual do Estado de So Paulo, com base em dados de 1943 a 1988. Observa-se que a chuva mdia anual sobre a maior parte do Estado da ordem de 1300 a 1500 mm por ano, mas h uma regio prxima ao litoral com chuvas anuais de mais de 3000 mm por ano. As regies onde as isoietas ficam muito prximas entre si caracterizada por uma grande variabilidade espacial.

Variabilidade sazonal da chuvaUm dos aspectos mais importantes do clima e da hidrologia de uma regio a poca de ocorrncia das chuvas. Existem regies com grande variabilidade sazonal da chuva, com estaes do ano muito secas ou muito midas. Na maior parte do Brasil o vero o perodo das maiores chuvas. No Rio Grande do Sul, entretanto, a chuva relativamente bem distribuda ao longo de todo o ano (em mdia). Isto no impede, entretanto, que em alguns anos ocorram invernos ou veres extremamente secos ou extremamente midos. A variabilidade sazonal da chuva representada por grficos com a chuva mdia mensal, como o apresentado na Figura 3. 5 para Porto Alegre. Observa-se que no Sul do Brasil existe uma distribuio mais homognea das chuvas ao longo do ano, enquanto no Centro-Oeste ocorrem veres muito midos e invernos muito secos.

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Figura 3. 4: Exemplo de representao da variabilidade especial da chuva com um mapa de isoietas.

Figura 3. 5: Variabilidade sazonal da chuva em Porto Alegre e Cuiab, representada pelas chuvas mdias mensais no perodo de 1961 a 1990.

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Chuvas mdias numa reaOs dados de chuva dos pluvimetros e pluvigrafos referem-se a uma rea de coleta de 400 cm2, ou seja, quase pontual. Porm, o maior interesse na hidrologia por chuvas mdias que atingem uma regio, como a bacia hidrogrfica. O clculo da chuva mdia em uma bacia pode ser realizado utilizando o mtodo da mdia aritmtica; das Isoietas; dos polgonos de Thiessen ou atravs de interpolao em Sistemas de Informao Geogrfica (SIGs). O mtodo mais simples o da mdia aritmtica, em que se calcula a mdia das chuvas ocorridas em todos os pluvimetros localizados no interior de uma bacia.

EXEMPLO

1) Qual a precipitao mdia na bacia da Figura 3. 6? Utilizando o mtodo da mdia aritmtica considera-se os pluvimetros que esto no interior da bacia. A mdia da chuva Pm = (66+50+44+40)/4 = 50 mm.

Figura 3. 6: Mapa de uma bacia com as chuvas observadas em cinco pluvimetros.

O mtodo das isoietas parte de um mapa de isoietas, como o da Figura 3. 4, e calcula a rea da bacia que corresponde ao intervalo entre as isoietas. Assim, considera-se que a rea entre as isoietas de 1200 e 1300 mm receba 1250 mm de chuva. Um dos mtodos mais utilizados, entretanto, o mtodo de Thiessen, ou do vizinho mais prximo. Neste mtodo definida a rea de influncia de cada posto e calculada uma mdia ponderada da precipitao com base nestas reas de influncia.

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Figura 3. 7: Mapa da bacia com chuvas nos postos pluviomtricos para o exemplo 2. EXEMPLO

2) Qual a precipitao mdia na bacia da Figura 3. 7? Utilizando o mtodo dos polgonos de Thiessen o primeiro passo traar linhas que unem os postos pluviomtricos mais prximos. A seguir determinado o ponto mdio em cada uma destas linhas e traada uma linha perpendicular. A interceptao das linhas mdias entre si e com os limites da bacia vo definir a rea de influncia de cada um dos postos. A seqncia apresentada na prxima pgina. rea total = 100 km2 rea sob influncia do posto com 120 mm = 15 km2 rea sob influncia do posto com 70 mm = 40 km2 rea sob influncia do posto com 50 mm = 30 km2 rea sob influncia do posto com 75 mm = 5 km2 rea sob influncia do posto com 82 mm = 10 km2

Precipitao mdia na bacia: Pm = 120x0,15+70x0,40+50x0,30+75x0,05+82x0,10 = 73 mm. Se fosse utilizado o mtodo da mdia aritmtica haveria apenas dois postos no interior da bacia, com uma mdia de 60 mm. Se fosse calculada uma mdia incluindo os postos que esto fora da bacia chegaramos a 79,5 mm.

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Traar linhas que unem os postos pluviomtricos mais prximos entre si.

Traar linhas mdias perpendiculares s linhas que unem os postos pluviomtricos.

Definir a regio de influncia de cada posto pluviomtrico e medir a sua rea.

Figura 3. 8: Exemplo de definio dos polgonos de Thiessen.

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Chuvas anuaisA chuva mdia anual uma das variveis mais importantes na definio do clima de uma regio, bem como sua variabilidade sazonal. O total de chuva precipitado ao longo de um ano influencia fortemente a vegetao existente numa bacia e as atividades humanas que podem ser exercidas na regio. Na regio de Porto Alegre, por exemplo, chove aproximadamente 1300 mm por ano, em mdia. Em muitas regies da Amaznia chove mais do que 2000 mm por ano, enquanto na regio do Semi-rido do Nordeste h reas com menos de 600 mm de chuva por ano. O clima, entretanto, no constante, e ocorrem variaes importantes em torno da mdia da precipitao anual. A Figura 3. 9 apresenta um histograma de freqncias de chuvas anuais de um posto localizado no interior de Minas Gerais, no perodo de 1942 a 2001. A chuva mdia neste perodo de 1433 mm, mas observa-se que ocorreu um ano com chuva inferior a 700 mm, e um ano com chuva superior a 2300 mm. A distribuio de freqncia da Figura 3. 9 aproximadamente gaussiana (parecida com a distribuio Normal). Conhecendo o desvio padro das chuvas e considerando que a distribuio Normal, podemos estimar que 68% dos anos Chuvas anuais tm uma apresentam chuvas entre a mdia menos um desvio distribuio de padro e a mdia mais um desvio padro. Da mesma freqncias semelhante a forma podemos considerar que 95% dos anos Normal. apresentam chuvas entre a mdia menos duas vezes o desvio padro e a mdia mais duas vezes o desvio padro. O desvio padro da chuva anual no posto pluviomtrico da Figura 3. 9 de 298,8 mm.

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Figura 3. 9: Histograma de frequencia de chuvas anuais no posto 02045005, no municpio de Lamounier (MG).

EXEMPLO

3) O desvio padro da chuva anual no posto pluviomtrico da Figura 3. 9 de 298,8 mm e a mdia de 1433 mm. Estime qual o valor de precipitao anual que igualado ou superado apenas 5 vezes a cada 200 anos, em mdia. A faixa de chuva entre a mdia menos duas vezes o desvio padro e a mdia mais duas vezes o desvio padro inclui 95% dos anos em mdia, e 2,5 % dos anos tem precipitao inferior mdia menos duas vezes o desvio padro, enquanto 2,5% tem precipitao superior mdia mais duas vezes o desvio padro, o que corresponde a 5 anos a cada 200, em mdia. Assim, a chuva anual que superada ou igualada apenas 5 vezes a cada 200 anos : P2,5% = 1433+2x298,8 = 2030 mm

Chuvas mximasAs chuvas intensas so as causas das cheias e as cheias so causas de grandes prejuzos quando os rios transbordam e inundam casas, ruas, estradas, escolas, podendo destruir plantaes, edifcios, pontes etc. e interrompendo o trfego. As cheias tambm podem trazer srios prejuzos sade pblica ao disseminar doenas de veiculao hdrica. Por estes motivos existe o interesse pelo conhecimento detalhado de chuvas mximas no projeto de estruturas hidrulicas como bueiros, pontes, canais e vertedores. O problema da anlise de freqncia de chuvas mximas calcular a precipitao P que atinge uma rea A em uma durao D com uma dada probabilidade de ocorrncia em um ano qualquer. A forma de relacionar quase todas estas variveis a curva de Intensidade Durao Freqncia (curva IDF). A curva IDF obtida a partir da anlise estatstica de sries longas de dados de um pluvigrafo (mais de 15 anos, pelo menos). A metodologia de desenvolvimento da curva IDF baseia-se na seleo das maiores chuvas de uma durao escolhida (por exemplo 15 minutos) em cada ano da srie de dados. Com base nesta srie de tamanho N (nmero de anos) ajustada uma distribuio de freqncias que melhor represente a distribuio dos valores observados. O procedimento repetido para diferentes duraes de chuva (5 minutos; 10 minutos; 1 hora; 12 horas; 24 horas; 2 dias; 5 dias) e os resultados so resumidos na forma de um grfico, ou equao, com a relao das trs variveis: Intensidade, Durao e Freqncia (ou tempo de retorno).

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A Figura 3. 10 apresenta uma curva IDF obtida a partir da anlise dos dados de um pluvigrafo que esteve localizado no Parque da Redeno, em Porto Alegre. Cada uma das linhas representa um Tempo de Retorno; no eixo horizontal esto as duraes e no eixo vertical esto as intensidades. Observa-se que quanto menor a durao maior a intensidade da chuva. Da mesma forma, quanto maior o Tempo de Retorno, maior a intensidade da chuva. Por exemplo, a chuva de 1 hora de durao com tempo de retorno de 20 anos tem uma intensidade de 60 mm.hora-1.

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Figura 3. 10: Curva IDF para a cidade de Porto Alegre, com base nos dados coletados pelo pluvigrafo do DMAE localizado no Parque da Redeno, publicada pelo DMAE em 1972 (adaptado de Tucci, 1993).

Evidentemente as curvas IDF so diferentes em diferentes locais. Assim, a curva IDF de Porto Alegre vale para a regio prxima a esta cidade. Infelizmente no existem sries de dados de pluvigrafos longas em todas as cidades, assim, muitas vezes, necessrio considerar que a curva IDF de um local vlida para uma grande regio do entorno. No Brasil existem estudos de chuvas intensas com curvas IDF para a maioria das capitais dos Estados e para algumas cidades do interior, apenas. interessante comparar as intensidade de chuva da curva IDF da Figura 3. 10 com as chuvas da Tabela 3. 2, que apresenta as chuvas mais intensas j registradas no mundo, para diferentes duraes. Observa-se que existem regies da China em que j ocorreu em 10 horas a chuva de 1400 mm, que equivalente ao total anual mdio de precipitao em Porto Alegre.

Tabela 3. 2: Chuvas mais intensas j registradas no Mundo (adaptado de Ward e Trimble, 2003).

Durao 1 minuto 15 minutos 30 minutos 60 minutos 10 horas 24 horas 12 meses

Precipitao (mm) 38 198 280 401 1400 1825 26461

Local e Data Barot, Guadeloupe 26/11/1970 Plumb Point, Jamaica 12/05/1916 Sikeshugou, Hebei, China 03/07/1974 Shangdi, Monglia, China 03/07/1975 Muduocaidang, Monglia, China 01/08/1977 Foc Foc, Ilhas Reunio 07 e 08/01/1966 Cherrapunji, ndia Ago. de 1860 a Jul. de 1861

Exerccios1) Qual a diferena entre um pluvimetro e um pluvigrafo? 2) Alm do pluvimetro e do pluvigrafo, quais so as outras opes para medir ou estimar a precipitao?

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3) Uma anlise de 40 anos de dados revelou que a chuva mdia anual em um local na bacia do rio Uruguai de 1800 mm e o desvio padro de 350 mm. Considerando que a chuva anual neste local tem uma distribuio normal, qual o valor de chuva anual de um ano muito seco, com tempo de recorrncia de 40 anos? 4) Considerando a curva IDF do DMAE para o posto pluviogrfico do Parque da Redeno, qual a intensidade da chuva com durao de 40 minutos que tem 1% de probabilidade de ser igualada ou superada em um ano qualquer em Porto Alegre? 5) No dia 03 de janeiro de 2007 uma chuva intensa atingiu Porto Alegre. Na Zona Sul a medio em um pluvimetro indicou 111 mm em 2 horas, e no centro outro pluvimetro indicou 80 mm em 2 horas. Qual foi o tempo de retorno da chuva em cada um destes locais? Considere intensidade constante e utilize a curva IDF do Parque da Redeno. 6) Qual a diferena entre a chuva de 10 anos de tempo de retorno e 15 minutos de durao em Porto Alegre e a maior chuva j registrada no mundo com esta durao? 7) Qual a chuva mdia na bacia da figura abaixo considerando que a chuva observada em A de 1300 mm, a chuva observada em B de 900 mm e a chuva observada em C de 1100 mm?

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D E S I G N

C U S T O M I Z A T I O N

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Captulo

Infiltrao e gua no solo

I

nfiltrao definida como a passagem da gua atravs da superfcie do solo, passando pelos poros e atingindo o interior, ou perfil, do solo. A infiltrao de gua no solo importante para o crescimento da vegetao, para o abastecimento dos aquferos (reservatrios de gua subterrnea), para armazenar a gua que mantm o fluxo nos rios durante as estiagens, para reduzir o escoamento superficial, reduzir as cheias e diminuir a eroso.

Composio do soloA gua infiltrada no solo preenche os poros originalmente ocupados pelo ar. Assim, o solo uma mistura de materiais slidos, lquidos e gasosos. Na mistura tambm encontram-se muitos organismos vivos (bactrias, fungos, razes, insetos, vermes) e matria orgnica, especialmente nas camadas superiores, mais prximas da superfcie. A Figura 4. 1 apresenta a proporo das partes mineral, gua, ar e matria orgncia tipicamente encontradas na camada superficial do solo (horizonte A). Aproximadamente 50% do solo composto de material slido, enquanto o restante so poros que podem ser ocupados por gua ou pelo ar. O contedo de ar e de gua Figura 4. 1: Composio tpica do solo (Lepsch, 2004). varivel.

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A parte slida mineral do solo normalmente analisada do ponto de vista do dimetro das partculas. De acordo com o dimetro as partculas so classificadas como argila, silte, areia fina, areia grossa, e cascalhos ou seixos. A Tabela 4. 1 apresenta a classificao das partculas adotada pela Sociedade Internacional de Cincia do Solo, de acordo com seu dimetro. Geralmente, os solos so formados por misturas de materiais das diferentes classes. As caractersticas do solo e a forma com que a gua se movimenta e armazenada no solo dependem do tipo de partculas encontradas na sua composio. Cinco tipos de textura de solo so definidas com base na proporo de materiais de diferentes dimetros, conforme a Figura 4. 2.

Tabela 4. 1: Classificao das partculas que compe o solo de acordo com o dimetro.

dimetro (mm) 0,0002 a 0,002 0,002 a 0,02 0,02 a 0,2 0,2 a 2,0

Classe Argila Silte Areia fina Areia grossa

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Figura 4. 2: Os cinco tipos de textura do solo, de acordo com a proporo de argila, areia e silte (Lepsch, 2004).

A porosidade do solo definida como a frao volumtrica de vazios, ou seja, o volume de vazios dividido pelo volume total do solo. A porosidade de solos arenosos varia entre 37 a 50 %, enquanto a porosidade de solos argilosos varia entre, aproximadamente, 43 a 52%. claro que estes valores de porosidade podem variar bastante, dependendo do tipo de vegetao, do grau de compactao, da estrutura do solo (resultante da combinao das partculas finas em agregados maiores) e da quantidade de material orgnico e vivo.

gua no soloQuando um solo tem seus poros completamente ocupados por gua, diz se que est saturado. Ao contrrio, quando est completamente seco, seus poros esto completamente ocupados por ar. desta forma que normalmente medido o grau de umidade do solo. Uma amostra de solo coletada e pesada na condio de umidade encontrada no campo. A seguir esta amostra seca em um forno a 105 oC por 24 horas para que toda a umidade seja retirada e a amostra pesada novamente. A umidade do solo calculada a partir da diferena de peso encontrada. Alm deste mtodo, denominado gravimtrico, existem outras formas de medir a umidade do solo. Um mtodo bastante utilizado o chamado TDR (Time Domain

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Reflectometry). Este mtodo est baseado na relao entre a umidade do solo e a sua constante dieltrica. Duas placas metlicas so inseridas no solo e medido o tempo de transmisso de um pulso eletromagntico atravs do solo, entre o par de placas. A vantagem deste mtodo que no necessrio destruir a amostra de solo para medir a sua umidade, e o monitoramento pode Saturao: condio em que todos os ser contnuo. poros esto ocupados por guaCapacidade de campo: Contedo de umidade no solo sujeito fora da gravidade Ponto de murcha permanente: umidade do solo para a qual as plantas no conseguem mais retirar gua e morrem

Uma importante forma de analisar o comportamento da gua no solo a curva de reteno de umidade, ou curva de reteno de gua no solo (Figura 4. 3). Esta curva relaciona o contedo de umidade do solo e o esforo (em termos de presso) necessrio para retirar a gua

do solo. Como uma esponja mergulhada em um balde, o solo que completamente imerso em gua fica completamente saturado. Ao ser suspensa no ar, a esponja perde parte da gua que escoa devido fora da gravidade. Da mesma forma o solo tem parte da sua umidade retirada pela ao da gravidade, atingindo uma situao denominada capacidade de campo. A partir da, a retirada de gua do solo mais difcil e exige a ao de uma presso negativa (suco). As plantas conseguem retirar gua do solo at um limite de suco, denominado ponto de murcha permanente, a partir do qual no se recuperaro mais mesmo se regadas. A curva de reteno de gua no solo diferente para diferentes texturas de solo. Solos argilosos tendem a ter maior contedo de umidade na condio de saturao e de capacidade de campo, o que positivo para as plantas. Mas, da mesma forma, apresentam maior umidade no ponto de murcha. Observa-se na curva relativa argila que a umidade do solo argiloso no ponto de murcha permanente de quase 20%, o que significa que nesta condio ainda h Figura 4. 3: Curva de reteno de gua no solo (Ward e Trimble, 2004) muita gua no solo, entretanto esta gua est to fortemente ligada s partculas de argila que as plantas no conseguem retir-la do solo, e morrem.

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Balano de gua no soloEm condies naturais a umidade do solo varia ao longo do tempo, sob o efeito das chuvas e das variaes sazonais de temperatura, precipitao e evapotranspirao. Uma equao de balano hdrico de uma camada de solo pode ser expressa pela equao

V = P Q G ETonde V a variao de volume de gua armazenada no solo; P a precipitao; Q o escoamento superficial; G a percolao e ET a evapotranspirao. A percolao (G) a passagem da gua da camada superficial do solo para camadas mais profundas. A evapotranspirao a retirada de gua por evaporao direta do solo e por transpirao das plantas. A infiltrao a diferena entre a precipitao (P) e o escoamento superficial (Q).

Movimento de gua no solo e infiltraoO solo um meio poroso, e o movimento da gua em meio poroso descrito pela equao de Darcy. Em 1856, Henry Darcy desenvolveu esta relao bsica realizando experimentos com areia, concluindo que o fluxo de gua atravs de um meio poroso proporcional ao gradiente hidrulico.

q=K

h x

eh x

Q = K A

onde Q o fluxo de gua (m3.s-1); A a rea (m2) q o fluxo de gua por unidade de rea (m.s-1); K a condutividade hidrulica (m.s-1); h a carga hidrulica e x a distncia.

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A condutividade hidrulica K fortemente dependente do tipo de material poroso. Assim, o valor de K para solos arenosos prximo de 20 cm.hora-1. Para solos siltosos este valor cai para 1,3 cm.hora-1 e em solos argilosos este valor cai ainda mais para 0,06 cm.hora-1. Portanto os solos arenosos conduzem mais facilmente a gua do que os solos argilosos, e a infiltrao e a percolao da gua no solo so mais intensas e rpidas nos solos arenosos do que nos solos argilosos. Uma chuva que atinge um solo inicialmente seco ser inicialmente absorvida quase totalmente pelo solo, enquanto o solo apresenta muitos poros vazios (com ar). medida que os poros vo sendo preenchidos, a infiltrao tende a diminuir, estando limitada pela capacidade do solo de transferir a gua para as camadas mais profundas (percolao). Esta capacidade dada pela condutividade hidrulica. A partir deste limite, quando o solo est prximo da saturao, a capacidade de infiltrao permanece constante e aproximadamente igual condutividade hidrulica. Uma equao emprica que descreve este comportamento a equao de Horton, dada abaixo:

f = fc + ( fo fc ) e tonde f a capacidade de infiltrao num instante qualquer (mm.hora-1); fc a capacidade de infiltrao em condio de saturao (mm.hora-1); fo a capacidade de infiltrao quando o solo est seco (mm.hora-1); t o tempo (horas); e um parmetro que deve ser determinado a partir de medies no campo (hora-1). Esta equao uma funo exponencial assinttica ao valor fc, conforme apresentado na Figura 4. 4.

Figura 4. 4: Curvas de infiltrao de acordo com a equao de Horton, para solos argilosos e arenosos.

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Os parmetros de uma equao de infiltrao, como a de Horton, podem ser estimados a partir de experimentos no campo, sendo o mais comum o de medio de capacidade de infiltrao com o mtodo dos anis concntricos. O infiltrmetro de anis concntricos constitudo de dois anis concntricos de chapa metlica (Figura 4. 5), com dimetros variando entre 16 e 40 cm, que so cravados verticalmente no solo de modo a restar uma pequena altura livre sobre este. Aplica-se gua em ambos os cilindros, mantendo uma lmina lquida de 1 a 5 cm, sendo que no cilindro interno mede-se o volume aplicado a intervalos fixos de tempo bem como o nvel da gua ao longo do tempo. A finalidade do cilindro externo manter verticalmente o fluxo de gua do cilindro interno, onde feita a medio da capacidade de campo.

Figura 4. 5: Medio de infiltrao utilizando o infiltrmetro de anis concntricos, e esquema do fluxo de gua no solo.

Exerccios1) Qual o efeito esperado do pisoteamento do solo pelo gado sobre a capacidade de infiltrao? 2) Considere uma camada de solo de 1 m de profundidade cujo contedo de umidade 35% na capacidade de campo e de 12% na condio de ponto de murcha permanente. Quantos dias a umidade do solo poderia sustentar a evapotranspirao constante de 7 mm por dia de uma determinada cultura? 3) Uma camada de solo argiloso, cuja capacidade de infiltrao na condio de saturao de 4 mm.hora-1 , est saturado e recebendo chuva com intensidade de 27 mm.hora-1. Qual o escoamento (litros por segundo) que est sendo gerado em uma rea de 10m2 deste solo?

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4) Uma medio de infiltrao utilizando o mtodo dos anis concntricos apresentou o seguinte resultado. Utilize estes dados para estimar os parmetros fc, fo e da equao de Horton.Tempo (minutos 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 15 20 24 Total infiltrado (mm) 0.0 41.5 60.4 70.4 76.0 82.6 90.8 97.1 104.0 111.7 115.1 138.1 163.3 180.8

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5

Captulo

Evapotranspiraoretorno da gua precipitada para a atmosfera, fechando o ciclo hidrolgico, ocorre atravs do processo da evapotranspirao. A importncia do processo de evapotranspirao permaneceu malcompreendido at o incio do sculo 18, quando Edmond Halley provou que a gua que evaporava da terra era suficiente para abastecer os rios, posteriormente, como precipitao. A evapotranspirao o conjunto de dois processos: evaporao e transpirao. Evaporao o processo de transferncia de gua lquida para vapor do ar diretamente de superfcies lquidas, como lagos, rios, reservatrios, poas, e gotas de orvalho. A gua que umedece o solo, que est em estado lquido, tambm pode ser transferida para a atmosfera diretamente por evaporao. Mais comum neste caso, entretanto, a transferncia de gua atravs do processo de transpirao. A transpirao envolve a retirada da gua do solo pelas razes das plantas, o transporte da gua atravs da planta at as folhas e a passagem da gua para a atmosfera atravs dos estmatos da folha. Do ponto de vista do profissional envolvido com a gerao de energia hidreltrica a evapotranspirao tem um interesse muito especfico nas perdas de gua que ocorrem nos reservatrios que regularizam a vazo para as usinas por evaporao direta da superfcie lquida. Alm disso, a evapotranspirao um processo que influencia fortemente a quantidade de gua precipitada que transformada em vazo em uma bacia hidrogrfica. Do ponto de vista da gerao de energia, portanto, a evapotranspirao pode ser encarada como uma perda de gua. Evaporao ocorre quando o estado lquido da gua transformado de lquido para gasoso. As molculas de gua esto em constante movimento, tanto no estado lquido como gasoso. Algumas molculas da gua lquida tem energia suficiente para romper a barreira da superfcie, entrando na atmosfera, enquanto algumas molculas de gua na forma de vapor do ar retornam ao lquido, fazendo o caminho inverso.

O

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Quando a quantidade de molculas que deixam a superfcie maior do que a que retorna est ocorrendo a evaporao. As molculas de gua no estado lquido esto relativamente unidas por foras de atrao intermolecular. No vapor, as molculas esto muito mais afastadas do que na gua lquida, e a fora intermolecular muito inferior. Durante o processo de evaporao a separao mdia entre as molculas aumenta muito, o que significa que realizado trabalho em sentido contrrio ao da fora intermolecular, exigindo grande quantidade de energia. A quantidade de energia que uma molcula de gua lquida precisa para romper a superfcie e evaporar chamada calor latente de evaporao. O calor latente de evaporao pode ser dado por unidade de massa de gua, como na equao 5.1:

= 2,501 0,002361 Ts

em MJ.kg-1

(5.1)

onde Ts a temperatura da superfcie da gua em oC. Portanto o processo de evaporao exige um fornecimento de energia, que, na natureza, provido pela radiao solar.A concentrao mxima de vapor de gua no ar a 20 oC de, aproximadamente, 20 g.m-3.

O ar atmosfrico uma mistura de gases entre os quais est o vapor de gua. A quantidade de vapor de gua que o ar pode conter limitada, e denominada concentrao de saturao (ou presso de saturao). A concentrao de saturao de vapor de gua no ar varia de acordo com a temperatura do ar, como mostra a Figura 5. 1. Quando o ar acima de um corpo dgua est saturado de vapor o fluxo de evaporao se encerra, mesmo que a radiao solar esteja fornecendo a energia do calor latente de evaporao. Assim, para ocorrer a evaporao so necessrias duas condies: 1. que a gua lquida esteja recebendo energia para prover o calor latente de evaporao esta energia (calor) pode ser recebida por radiao ou por conveco (transferncia de calor do ar para a gua) 2. que o ar acima da superfcie lquida no esteja saturado de vapor de gua. Alm disso, quanto maior a energia recebida pela gua lquida, tanto maior a taxa de evaporao. Da mesma forma, quanto mais baixa a concentrao de vapor no ar acima da superfcie, maior a taxa de evaporao.

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Figura 5. 1: Relao entre o contedo de gua no ar no ponto de saturao e a temperatura do ar.

A umidade relativa a medida do contedo de vapor de gua do ar em relao ao contedo de vapor que o ar teria se estivesse saturado (equao 5.2). Assim, ar com umidade relativa de 100% est saturado de vapor, e ar com umidade relativa de 0% est completamente isento de vapor.

UR = 100

w ws

em %

(5.2)

onde UR a umidade relativa; w a massa de vapor pela massa de ar e ws a massa de vapor por massa de ar no ponto de saturao. A umidade relativa tambm pode ser expressa em termos de presso parcial de vapor. De acordo com lei de Dalton cada gs que compe uma mistura exerce uma presso parcial, independente da presso dos outros gases, igual presso que exerceria se fosse o nico gs a ocupar o volume. No ponto de saturao a presso parcial do vapor corresponde presso de saturao do vapor no ar, e a equao 5.2 pode ser reescrita como:

UR = 100

e es

em %

(5.3)

onde UR a umidade relativa; e a presso parcial de vapor no ar e es presso de saturao.

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Fatores que afetam a evaporaoOs principais fatores que afetam a evaporao so a temperatura, a umidade do ar, a velocidade do vento e a radiao solar.

Radiao solar

A quantidade de energia solar que atinge a Terra no topo da atmosfera est na faixa das ondas curtas. Na atmosfera e na superfcie terrestre a radiao solar refletida e sofre transformaes, de acordo com a Figura 5. 2. Parte da energia incidente refletida pelo ar e pelas nuvens (26%) e parte absorvida pela poeira, pelo ar e pelas nuvens (19%). Parte da energia que chega a superfcie refletida de volta para o espao ainda sob a forma de ondas curtas (4% do total de enegia incidente no topo da atmosfera). A energia absorvida pela terra e pelos oceanos contribui para o aquecimento destas superfcies que emitem radiao de ondas longas. Alm disso, o aquecimento das superfcies contribuem para o aquecimento do ar que est em contato, gerando o fluxo de calor sensvel (ar quente), e o fluxo de calor latente (evaporao). Finalmente, a energia absorvida pelo ar, pelas nuvens e a energia dos fluxos de calor latente e sensvel retorna ao espao na forma de radiao de onda longa, fechando o balano de energia. O processo de fluxo de calor sensvel onde ocorre a evaporao. A intensidade desta evaporao depende da disponibilidade de energia. Os valores apresentados na figura 5.2. referem-se s mdias globais, o que significa que a energia utilizada para evaporao pode ser maior ou menor, dependendo principalmente da latitude e da poca do ano. Regies mais prximas ao Equador recebem maior radiao solar, e apresentam maiores taxas de evapotranspirao.

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100

Espao

Radiao Solar incidente

ondas curtas

ondas longas

6

20

4

6

38

26

Atmosferare ref pe fletid lo pe letida ar a las upe nu rfcie ve ns

Emitida pelas nuvens

Absorvida pelo ar e poeira

16

Emitida pelo vapor de H2O e CO2

pela s

3

refle tida

Absorvida pelas nuvens

Absorvida pelo vapor de H2O e CO2 15

Fluxo de calor latente

Fluxo de calor sensvel Absorvida na superfcie Emitida pela superfcie 51 21 7 23

Superfcie (Terra + Oceanos)

Figura 5. 2: Mdia global de fluxos de energia na atmosfera da Terra.

Temperatura

A quantidade de vapor de gua que o ar pode conter varia com a temperatura. Ar mais quente pode conter mais vapor, portanto o ar mais quente favorece a evaporao.

Umidade do ar

Quanto menor a umidade do ar, mais fcil o fluxo de vapor da superfcie que est evaporando. O efeito semelhante ao da temperatura. Se o ar da atmosfera prxima superfcie estiver com umidade relativa prxima a 100% a evaporao diminui porque o ar j est praticamente saturado de vapor.

Velocidade do vento

O vento uma varivel importante no processo de evaporao porque remove o ar mido diretamente do contato da superfcie que est evaporando ou transpirando. O processo de fluxo de vapor na atmosfera prxima superfcie ocorre por difuso, isto

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, de uma regio de alta concentrao (umidade relativa) prxima superfcie para uma regio de baixa concentrao afastada da superfcie. Este processo pode ocorrer pela prpria ascenso do ar quente como pela turbulncia causada pelo vento.

Medio de evaporaoA evaporao medida de forma semelhante precipitao, utilizando unidades de mm para caracterizar a lmina evaporada ao longo de um determinado intervalo de tempo. As formas mais comuns de medir a evaporao so o Tanque Classe A e o Evapormetro de Piche. O tanque Classe A um recipiente metlico que tem forma circular com um dimetro de 121 cm e profundidade de 25,5 cm. Construdo em ao ou ferro galvanizado, deve ser pintado na cor alumnio e instalado numa plataforma de madeira a 15 cm da superfcie do solo. Deve permanecer com gua variando entre 5,0 e 7,5 cm da borda superior. A medio de evaporao no Tanque Classe A realizada diariamente diretamente numa rgua, ou ponta linimtrica, instalada dentro do tanque, sendo que so compensados os valores da precipitao do dia. Por esta razo o Tanque Classe A instalado em estaes meteorolgicas em conjunto com um pluvimetro.

Figura 5. 3: Tanque Classe A para medio de evaporao.

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O evapormetro de Piche constitudo por um tubo cilndrico, de vidro, de aproximadamente 30 cm de comprimento e um centmetro de dimetro, fechado na parte superior e aberto na inferior. A extremidade inferior tapada, depois do tubo estar cheio com gua destilada, com um disco de papel de feltro, de 3 cm de dimetro, que deve ser previamente molhado com gua. Este disco fixo depois com uma mola. A seguir, o tubo preso por intermdio de uma argola a um gancho situado no interior de um abrigo meteorolgico padro. Em geral, as medies de evaporao do Tanque Classe A so consideradas mais confiveis do que as do evapormetro de Piche.

TranspiraoA transpirao a retirada da gua do solo pelas razes das plantas, o transporte da gua atravs das plantas at as folhas e a passagem da gua para a atmosfera atravs dos estmatos da folha. A transpirao influenciada tambm pela radiao solar, pela temperatura, pela umidade relativa do ar e pela velocidade do vento. Alm disso intervm outras variveis, como o tipo de vegetao e o tipo de solo. Como o processo de transpirao a transferncia da gua do solo, uma das variveis mais importantes a umidade do solo. Quando o solo est mido as plantas transpiram livremente, e a taxa de transpirao controlada pelas variveis atmosfricas. Porm, quando o solo comea a secar o fluxo de transpirao comea a diminuir. As prprias plantas tm um certo controle ativo sobre a transpirao ao fechar ou abrir os estmatos, que so as aberturas na superfcie das folhas por onde ocorre a passagem do vapor para a atmosfera. Para um determinado tipo de cobertura vegetal a taxa de evapotranspirao que ocorre em condies ideais de umidade do solo chamada a Evapotranspirao Potencial, enquanto a taxa que ocorre para condies reais de umidade do solo a Evapotranspirao Real. A evapotranspirao real sempre igual ou inferior evapotranspirao potencial.

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Medio da evapotranspiraoA medio da evapotranspirao relativamente mais complicada do que a medio da evaporao. Existem dois mtodos principais de medio de evapotranspirao: os lismetros e as medies micrometeorolgicas. Os lismetros so depsitos ou tanques enterrados, abertos na parte superior, os quais so preenchidos com o solo e a vegetao caractersticos dos quais se deseja medir a evapotranspirao (Figura 5. 4). O solo recebe a precipitao, e drenado para o fundo do aparelho onde a gua coletada e medida. O depsito pesado diariamente, assim como a chuva e os volumes escoados de forma superficial e que saem por orifcios no fundo do lismetro. A evapotranspirao calculada por balano hdrico entre dois dias subseqentes de acordo com a equao 5.4, onde V a variao de volume de gua (medida pelo peso); P a chuva (medida num pluvimetro); E a evapotranspirao; Qs o escoamento superficial (medido) e Qb o escoamento subterrneo (medido no fundo do tanque). E = P - Qs Qb - V (5.4)

Figura 5. 4: Lismetros para medio de evapotranspirao.

A medio de evapotranspirao por mtodos micrometeorolgicos envolve a medio das variveis velocidade do vento e umidade relativa do ar em alta freqncia. Prximo superfcie a velocidade do vento paralela superfcie, o que significa que o movimento mdio na vertical zero. Entretanto, a turbulncia do ar em movimento causa flutuaes na velocidade vertical, que na mdia permanece zero, mas apresenta momentos de fluxo ascendente e descendente alternados. Na mdia estes fluxos so iguais a zero, entretanto num instante qualquer a velocidade ascendente pode ser dada por w.

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A umidade do ar tambm tem um valor mdio (q) e uma flutuao em torno deste valor mdio (q). O valor de q positivo significa ar com umidade ligeiramente superior mdia q, enquanto o valor q negativo significa umidade ligeiramente inferior mdia. Se num instante qualquer tanto w como q so positivos ento ar mais mido do que a mdia est sendo afastado da superfcie, e se w e q so, ao mesmo tempo, negativos, ento ar mais seco do que o normal est sendo trazido para prximo da superfcie. De fato, esta correlao entre as variveis umidade e velocidade vertical ocorre e pode ser medida para estimar a evapotranspirao. So necessrios para isto sensores de resposta muito rpida para medir a velocidade do ar e sua umidade, e um processador capaz de integrar os fluxos w.q ao longo do tempo.

Estimativa da evapotranspirao por balano hdricoA evapotranspirao pode ser estimada, tambm, pela medio das outras variveis que intervm no balano hdrico de uma bacia hidrogrfica. De forma semelhante ao apresentado na equao 5.4, para um lismetro, pode ser realizado o balano hdrico de uma bacia para estimar a evapotranspirao. Neste caso, entretanto, as estimativas no podem ser feitas considerando o intervalo de tempo dirio, mas apenas o anual, ou maior. Isto ocorre porque, dependendo do tamanho da bacia, a gua da chuva pode permanecer vrios dias ou meses no interior da bacia antes de sair escoando pelo exutrio. Para estimar a evapotranspirao por balano hdrico de uma bacia necessrio considerar valores mdios de escoamento e precipitao de um perodo relativamente longo, idealmente superior a um ano. A partir da possvel considerar que a variao de armazenamento na bacia pode ser desprezada, e a equao de balano hdrico se reduz equao 5.5.

E=PQ

(5.5)

EXEMPLO

1) Uma bacia de 800 km2 recebe anualmente 1600 mm de chuva, e a vazo mdia corresponde a 700 mm. Qual a evapotranspirao anual?

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A evapotranspirao pode ser calculada por balano hdrico da bacia desprezando a variao do armazenamento na bacia E = 1600 700 = 900 mm.

Equao de ThornthwaiteUma equao muito utilizada para a estimativa da evapotranspirao potencial quando se dispe de poucos dados a equao de Thornthwaite. Esta equao serve para calcular a evapotranspirao em intervalo de tempo mensal, a partir de dados de temperatura.

10 T E = 16 I

a

onde E a evapotranspirao potencial (mm.ms-1); T a temperatura mdia do ms (oC); e a e I so coeficientes calculados segundo as equaes que seguem:

T j I = j =1 5 a = 6,75 10 7 I 3 7,71 10 5 I 2 + 1,792 10 2 I + 0,4923912

1, 514

onde j cada um dos 12 meses do ano; e Tj a temperatura mdia de cada um dos 12 meses.

EXEMPLO

2) Calcule a evapotranspirao potencial mensal do ms de Agosto de 2006 em Porto Alegre, onde as temperaturas mdias mensais so dadas na figura abaixo. Suponha que a temperatura mdia de agosto de 2006 tenha sido de 16,5 oC. Ms Janeiro Fevereiro Maro Abril Maio Junho Julho Temperatur a 24,6 24,8 23,0 20,0 16,8 14,4 14,6

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Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro

15,3 16,5 17,5 21,4 25,5

O primeiro passo o clculo do coeficiente I a partir das temperaturas mdias mensais obtidas da tabela. O valor de I 96. A partir de I possvel obter a = 2,1. Com estes coeficientes, a evapotranspirao potencial :

10 16,5 E = 16 =53,1 mm/ms 96 2 ,1

Portanto, a evapotranspirao potencial estimada para o ms de agosto de 2006 de 53,1 mm/ms.

Equao de Penman-MonteithAs equaes para clculo da evapotranspirao so do tipo emprico ou de base fsica. A principal equao de evapotranspirao de base fsica a equao de PenmanMonteith (equao 5.6).

(R L G ) + A c p (e s e d ) ra 1 E= r W + 1 + s r a

(5.6)

[MJ.kg-1] o calor latente de onde E [m.s-1] a taxa de evaporao da gua; -1 vaporizao; [kPa.C ] a taxa de variao da presso de saturao do vapor com a temperatura do ar; RL [MJ.m-2.s-1] a radiao lquida que incide na superfcie; G [MJ.m-2.s-1] o fluxo de energia para o solo; A [kg.m-3] a massa especfica do ar; W [kg.m-3] a massa especfica da gua; cp [MJ.kg-1.C-1] o calor especfico do ar mido (cp = 1,013.10-3 MJ.kg-1.C-1);es [kPa] a presso de saturao do vapor ; ed [kPa] a presso real de vapor de gua no ar; [kPa.C-1] a constante psicromtrica ( = 0,66); rs [s.m-1] a resistncia superficial da vegetao; e ra [s.m-1] a resistncia aerodinmica. Os valores das variveis podem ser obtidos pelas seguintes equaes: = (2,501 0,002361 T ) (5.7)

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A = 3,486

PA 275 + T

(5.8)

=

(237,3 + T )2

4098 e s

(5.9)

17,27 T e s = 0,6108 exp 237,3 + T

(5.10)

ed = es

UR 100PA

(5.11)

= 0,0016286

(5.12)

onde UR [%] a umidade relativa do ar; PA [kPa] a presso atmosfrica; e T [C] a temperatura do ar a 2 m da superfcie. H uma analogia de parte da equao 5.6 com um circuito eltrico, em que o fluxo evaporativo a corrente, a diferena de potencial o dficit de presso de vapor no ar (presso de saturao do vapor menos presso parcial real: es-ed) e a resistncia uma combinao de resistncia superficial e resistncia aerodinmica. A resistncia superficial a combinao, para o conjunto da vegetao, da resistncia estomtica das folhas. Mudanas na temperatura do ar e velocidade do vento vo afetar a resistncia aerodinmica. Mudanas na umidade do solo so enfrentadas pelas plantas com mudanas na transpirao, que afetam a resistncia estomtica ou superficial. O valor de E, calculado pela B.1, convertido para as unidades de lmina diria pela equao a seguir.E a = E fc

(5.13)

onde Ea [mm.dia-1] a lmina de evapotranspirao; E [m.s-1] a taxa de evaporao da gua e fc [mm.s.dia-1.m-1] um fator de converso de unidades (fc = 8,64.107). A energia disponvel para a evapotranspirao depende da energia irradiada pelo sol, da energia que refletida ou bloqueada pela atmosfera, da energia que refletida pela superfcie terrestre, da energia que irradiada pela superfcie terrestre e da energia que transmitida ao solo. Normalmente, as estaes climatolgicas dispe de dados de radiao que atinge a superfcie terrestre (SSUP), medida com radimetros, ou do nmero de horas de

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insolao (n), medidas com o heligrafo, ou mesmo da frao de cobertura de nuvens (n/N), estimada por um observador. A estimativa da radiao lquida disponvel para evapotranspirao depende do tipo de dados disponvel. A situao de estimativa mais simples ocorre quando existem dados de radiao medidos, dados normalmente em MJ.m-2.dia-1, ou cal.cm-2.dia-1. Neste caso, o termo RL da equao de Penman-Monteith pode ser obtido da equao a seguir, que desconta a parte da radiao refletida.R L = SSUP (1 )

(5.14)

onde RL [MJ.m-2.s-1] a radiao lquida na superfcie; SSUP [MJ.m-2.s-1] a radiao que atinge a superfcie (valor medido); e [-] o albedo, que a parcela da radiao incidente que refletida (parmetro que depende da cobertura vegetal e uso do solo). Quando existem apenas dados de horas de insolao, ou da frao de cobertura de nuvens, a radiao que atinge a superfcie terrestre pode ser obtida considerando-a como uma frao da mxima energia, de acordo com a poca do ano, a latitude da regio, e o tipo de cobertura vegetal ou uso do solo. A insolao mxima em um determinado ponto do planeta, considerando que o cu est sem nuvens, dada pela equao abaixo.

N=

24 s

(5.15)

[radianos] o ngulo do sol ao onde N [horas] a insolao mxima; s nascer (depende da latitude e da poca do ano), e dado por:s = arccos( tan tan )

(5.16)

onde [graus] a latitude (positiva no hemisfrio norte e negativa no hemisfrio sul); s [radianos] o ngulo do sol ao nascer; e [radianos] a declinao solar, dada por: 2 = 0,4093 sin J 1,405 365

(5.17)

onde [radianos] a declinao solar; J [-] o dia no calendrio Juliano (contado a partir de 1 de janeiro). A radiao que atinge o topo da atmosfera tambm depende da latitude e da poca do ano:

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S TOP = 15,392

W d r (s sen sen + cos cos sen s ) (5.18) 1000

onde [MJ.kg-1] o calor latente de vaporizao; STOP [MJ.m-2.dia-1] a radiao no topo da atmosfera; W [kg.m-3] a massa especfica da gua; [radianos] a declinao solar; [graus] a latitude; s [radianos] o ngulo do sol ao nascer; e dr [-] a distncia relativa da terra ao sol, dada por: 2 J d r = 1 + 0,033 cos 365

(5.19)

onde J o dia do calendrio Juliano. A radiao que atinge o topo da atmosfera parcialmente refletida pela prpria atmosfera, no atingindo a superfcie terrestre. As nuvens so as principais responsveis pela reflexo, e a estimativa da radiao que atinge a superfcie terrestre depende da frao de cobertura de nuvens, conforme a abaixo:n SSUP = a s + b s S TOP N

(5.20)

onde N [horas] a insolao mxima possvel numa latitude em certa poca do ano; n [horas] a insolao medida; STOP [MJ.m-2.dia-1] a radiao no topo da atmosfera; SSUP [MJ.m-2.dia-1] a radiao na superfcie terrestre; as [-] a frao da radiao que atinge a superfcie em dias encobertos (quando n=0); e as + bs [-] a frao da radiao que atinge a superfcie em dias sem nuvens (n=N). Quando no existem dados locais medidos que permitam estimativas mais precisas, so recomendados os valores de 0,25 e 0,50, respectivamente, para os parmetros as e bs (Shuttleworth, 1993). Quando a estao meteorolgica dispe de dados de insolao, a equao acima utilizada com n medido e N estimado pela equao 5.15. Quando a estao dispe de dados de frao de cobertura, utiliza-se o valor de n/N diretamente. Uma parte da radiao que atinge a superfcie terrestre (SSUP) refletida, conforme j descrito. A maior parte da energia irradiada pelo sol est na faixa de ondas curtas, de 0,3 a 3 m. O balano de energia, porm, tambm inclui uma pequena parcela de radiao de ondas longas, de 3 a 100 m. O balano de radiao de ondas longas na superfcie terrestre depende, basicamente, de quanta energia emitida pela superfcie terrestre e pela atmosfera. Normalmente, a superfcie terrestre mais quente do que a atmosfera, resultando em um balano

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H I D R O L O G I A

negativo, isto , h perda de energia na faixa de ondas longas. A equao a seguir descreve a radiao lquida de ondas longas que deixa a superfcie terrestre.

L n = f (T + 273,2)

4

(5.21)

onde Ln [MJ.m-2.dia-1] a radiao lquida de ondas longas que deixa a superfcie; f [-] um fator de correo devido cobertura de nuvens; T [C] a temperatura mdia do ar a 2 m do solo; [-] a emissividade da superfcie; [MJ.m-2.K-4.dia-1] uma constante (=4,903.10-9 MJ.m-2.K-4.dia-1). A emissividade da superfcie pode ser estimada pela equao abaixo.

= 0,34 0,14 (e d )onde ed a presso parcial de vapor de gua no ar [kPa].

(5.22)

O fator de correo da radiao de ondas longas devido cobertura de nuvens (f) pode ser estimado com base na equao a seguir:

f = 0,1 + 0,9

n N

(5.23)

Por simplicidade, o fluxo de calor para o solo - termo G na equao de PenmanMonteith pode ser considerado nulo, principalmente quando o intervalo de tempo relativamente grande (1 dia). Na analogia da evapotranspirao com um circuito eltrico, existem duas resistncias que a corrente (fluxo evaporativo) tem de enfrentar: resistncia superficial e resistncia aerodinmica. A resistncia aerodinmica representa a dificuldade com que a umidade, que deixa a superfcie das folhas e do solo, dispersada pelo meio. Na proximidade da vegetao o ar tende a ficar mais mido, dificultando o fluxo de evaporao. A velocidade do vento e a turbulncia contribuem para reduzir a resistncia aerodinmica, trocando o ar mido prximo superfcie que est fornecendo vapor, como as folhas das plantas ou as superfcies lquidas, pelo ar seco de nveis mais elevados da atmosfera. A resistncia aerodinmica inversamente proporcional altura dos obstculos enfrentados pelo vento, porque so estes que geram a turbulncia.

6,25 ra = u m ,10

10 ln z 0

2

para h < 10 metros

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ra =

94 para h > 10 metros u m ,10

onde ra [s.m-1] a resistncia aerodinmica; um,10 [m.s-1] a velocidade do vento a 10 m de altura; z0 [m] a rugosidade da superfcie; h [m] altura mdia da cobertura vegetal. A rugosidade da superfcie considerada igual a um dcimo da altura mdia da vegetao. As estaes climatolgicas normalmente dispe de dados de velocidade do vento medidas a 2 m de altura. Para converter estes dados a uma altura de referncia de 10 m utilizada a equao a seguir (Bremicker, 1998).

u m ,10

10 ln z0 = u m, 2 ln 2 z 0

onde um,10[m.s-1] a velocidade do vento a 10 m de altura; um,2 [m.s-1] a velocidade do vento a 2 m de altura; z0 [m] a rugosidade da superfcie. A resistncia superficial a combinao, para o conjunto da vegetao, da resistncia estomtica das folhas. A resistncia superficial representa a resistncia ao fluxo de umidade do solo, atravs das plantas, at a atmosfera. Esta resistncia diferente para os diversos tipos de plantas e depende de variveis ambientais como a umidade do solo, a temperatura do ar e a radiao recebida pela planta. A maior parte das plantas exerce um certo controle sobre a resistncia dos estmatos e, portanto, pode controlar a resistncia superficial. A resistncia estomtica das folhas depende da disponibilidade de gua no solo. Em condies favorveis, os valores de resistncia estomtica e, em conseqncia, os de resistncia superficial so mnimos. A resistncia superficial em boas condies de umidade um parmetro que pode ser estimado com base em experimentos cuidadosos em lismetros. A grama utilizada para clculos de evapotranspirao de referncia tem uma resistncia superficial de 69 s.m-1 quando o solo apresenta boas condies de umidade. Florestas tem resistncias superficiais da ordem de 100 s.m-1 em boas condies de umidade do solo.

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Durante perodos de estiagem mais longos, a umidade do solo vai sendo retirada por evapotranspirao e, medida que o solo vai perdendo umidade, a evapotranspirao diminui. A reduo da evapotranspirao no ocorre imediatamente. Para valores de umidade do solo entre a capacidade de campo e um limite, que vai de 50 a 80 % da capacidade de campo, a evapotranspirao no afetada pela umidade do solo. A partir deste limite a evapotranspirao diminuda, atingindo o mnimo normalmente zero no ponto de murcha permanente. Neste ponto a resistncia superficial atinge valores altssimos (teoricamente deve tender ao infinito).

Evaporao em reservatriosA evaporao da gua de reservatrios de especial interesse para a engenharia, porque afeta o rendimento de reservatrios para abastecimento, irrigao e gerao de energia. Reservatrios so criados para regularizar a vazo dos rios, aumentando a disponibilidade de gua e de energia nos perodos de escassez. A criao de um reservatrio, entretanto, cria uma vasta superfcie lquida que disponibiliza gua para evaporao, o que pode ser considerado uma perda de gua e de energia. A evaporao da gua em reservatrios pode ser estimada a partir de medies de Tanques Classe A, entretanto necessrio aplicar um coeficiente de reduo em relao s medies de tanque. Isto ocorre porque a gua do reservatrio normalmente est mais fria do que a gua do tanque, que tem um volume pequeno e est completamente exposta radiao solar. Assim, para estimar a evaporao em reservatrios e lagos costuma-se considerar que esta tem um valor de aproximadamente 60 a 80% da evaporao medida em Tanque Classe A na mesma regio, isto : Elago = Etanque . Ft Onde Ft tem valores entre 0,6 e 0,8. O reservatrio de Sobradinho, um dos mais importantes do rio So Francisco, tem uma rea superficial de 4.214 km2, constituindo-se no maior lago artificial do mundo, est numa das regies mais secas do Brasil. Em conseqncia disso, a evaporao direta deste reservatrio estimada em 200 m3.s-1, o que corresponde a 10% da vazo regularizada do rio So Francisco. Esta perda de gua por evaporao superior vazo prevista para o projeto de transposio do rio So Francisco, idealizado pelo governo federal.

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Exerccios1) Um rio cuja vazo mdia de 34 m3.s-1 foi represado por uma barragem para gerao de energia eltrica. A rea superficial do lago criado de 5000 hectares. Considerando que a evaporao direta do lago corresponde a 970 mm por ano, qual a nova vazo mdia a jusante da barragem?2) Uma bacia de 2300 km2 recebe anualmente 1600 mm de chuva, e a vazo

mdia corresponde a 14 m3.s-1. Calcule a evapotranspirao total desta bacia. Calcule o coeficiente de escoamento anual desta bacia.

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Captulo

Escoamentoazo o volume de gua que passa por uma determinada seo de um rio dividido por um intervalo de tempo. Assim, se o volume dado em litros, e o tempo medido em segundos, a vazo pode ser expressa em unidades de litros por segundo (l.s-1). No caso de vazo de rios, entretanto, mais usual expressar a vazo em metros cbicos por segundo (m3.s-1), sendo que 1 m3.s-1 corresponde a 1000 l.s-1 (litros por segundo). A vazo de um rio o resultado da interao entre a precipitao e a bacia, e depende das caractersticas da bacia que influenciam a infiltrao, armazenamento e evapotranspirao. O escoamento em uma bacia , normalmente, estudado em duas partes: gerao de escoamento e propagao de escoamento. O escoamento tem origens diferentes dependendo se est ocorrendo um evento de chuva ou no. Durante as chuvas intensas, a maior parte da vazo que passa por um rio a gua da prpria chuva que no consegue penetrar no solo e escoa imediatamente, atingindo os cursos dgua e aumentando a vazo. desta forma que so formados os picos de vazo e as cheias ou enchentes. O escoamento rpido que ocorre em conseqncia direta das chuvas chamado de escoamento superficial (figura 6.1). Nos perodos secos entre a ocorrncia de eventos de chuva a vazo de um rio mantida pelo esvaziamento lento da gua armazenada na bacia, especialmente da gua subterrnea. Assim, o escoamento lento que Escoamento superficial ocorre durante as estiagens pode ser chamado de ocorre durante e imediatamente aps a chuva. escoamento subterrneo, porque a maior parte da gua est chegando ao rio via fluxo de gua atravs Escoamento subterrneo o do subsolo. que mantm a vazo dos riosdurante as estiagens.

V

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pico

ascen o

Escoamento Superficial recesso

Escoamento subterrneo

Figura 6. 1: Hidrograma de um rio como resposta a um evento de chuva: durante e imediatamente aps a chuva predomina o escoamento superficial, enquanto durante a estiagem predomina o escoamento subterrneo.

Gerao de escoamento durante a chuvaNo captulo 3 analisado o processo de infiltrao de gua da chuva no solo. Dependendo da intensidade da chuva, parte da gua no consegue infiltrar no solo e comea a se acumular na superfcie. Em determinadas condies a gua comea a escoar sobre a superfcie, formando pequenos crregos temporrios ou escoando na forma de uma lmina em superfcies mais lisas. O escoamento gerado desta forma denominado escoamento superficial, e importante porque gera os picos de vazo nos rios, como resposta aos eventos de chuva. A gerao do escoamento um dos temas mais complexos da hidrologia, no porque a fsica envolvida seja complexa, mas sim porque a variabilidade das caractersticas da bacia muito grande, e porque a gua pode tomar vrios caminhos desde o momento em que atinge a superfcie, na forma de chuva, at o momento em que chega ao curso dgua. Existem dois principais processos reconhecidos na formao do escoamento superficial: precipitao de intensidade superior capacidade de infiltrao; e precipitao sobre solos saturados. Se uma chuva com intensidade de 30 mm.h-1 atinge um solo cuja capacidade de infiltrao de 20 mm.h-1, uma parte da chuva (10 mm.h-1) se transforma em escoamento superficial. Este o processo de gerao de escoamento por excesso de chuva em relao capacidade de infiltrao, tambm co