aorganizaçãodotrabalhoeosprocessosprodutivos:a ... · ao trabalhador), enquanto o trabalhador...
TRANSCRIPT
A organização do trabalho e os processos produtivos: aestrutura funcional e os impactos na gestão de processosorganizacionais
ROBERTO KANAANECentro Tecnologico Paula [email protected] HELENA PETEROSI GEMINIANICentro Tecnologico Paula [email protected] JULIA ROSA BORGES MUNIZ BARRETOCentro Paula [email protected] GIVANILDA DE MORAES SILVACentro Tecnologico Paula [email protected]
A organização do trabalho e os processos produtivos: a estrutura funcional
e os impactos na gestão de processos organizacionais
Resumo: Esta pesquisa teve como objetivo identificar quais fatores da estrutura
organizacional impactam na gestão dos processos da Divisão Operacional de Esgoto de uma
concessionária de saneamento de uma metrópole brasileira. Para atingir o objetivo proposto,
foram realizadas pesquisas bibliográfica e documental. O referencial teórico caracterizou-se
pelos seguintes tópicos: A visão das escolas de administração; A organização do trabalho na
atualidade, sob o enfoque da NBR ISSO 9001 e a Fundação Nacional da Qualidade (FNQ).
Buscou-se, também, destacar os aspectos relacionados à Estrutura Funcional e ao
Gerenciamento por Processos. A metodologia adotada, na pesquisa, assumiu o caráter
descritivo, cuja finalidade centrou-se em identificar as interfaces entre: a estrutura hierárquica
e a gestão de processos organizacionais. Neste sentido adotou-se como foco central o “Estudo
de Caso da Divisão Operacional de Esgoto”. Conclui-se que os fatores da organização que
mais impactam na gestão dos processos da unidade organizacional pesquisada estão
relacionados à estrutura hierárquica altamente verticalizada e a consequente fragmentação da
divisão do trabalho.
Palavras-chave: organização do trabalho; gestão de processos; estrutura organizacional
funcional; concessionária de saneamento.
The organization of labor and production processes: the functional structure and
impacts in managing organizational processes
Abstract: This research aims at identifying which factors have an impact in the
organizational structure of management processes in the Operational Division of Sewage
at a Water Suply and Sanitation Sector company in a Brazilian city. In order to achieve
the proposed objective, documentary and bibliographical surveys have been conducted.
The theoretical framework has been characterized by the following topics: The view
from business schools; The current organization of work, with a focus on NBR ISO
9001 and National Quality Foundation (FNQ). We have also attempted to highlight
aspects related to Functional Structure and Process Management. The methodology
adopted in the survey was a descriptive one, focusing on identifying the interfaces
between: a hierarchical structure and the management of organizational processes. In
this regard a main focus "Case Study of Operational Division of Sewage" has been
adopted. It has been concluded that the factors that most impact the organization in
managing the processes of the studied Organizational Unit are highly related to vertical
fragmentation and, consequently, to the division of labor hierarchical structure.
Keywords: work organization, process management, functional organizational structure;
satination company.
2
1 Introdução
As empresas, de micro à grande porte, privada ou pública, tem como objetivo ofertar
seus produtos e serviços. Para realizar essa oferta, a função organização dentro da empresa,
determina os recursos materiais e humanos, métodos, tecnologias e conhecimentos
necessários para se obter os resultados desejados e assim, cumprir seu objetivo. Essa
organização determina a estrutura hierárquica e o seu funcionamento, que inclui as
autoridades e responsabilidades que deverão ser cumpridas para atingimento do objetivo
empresarial.
Segundo Carvalho (2005), no início do século XX, as empresas, influenciadas pelos
resultados da revolução de produtividade obtida pela Administração Científica de Taylor e
Fayol começaram a organizar-se quase sem exceção em estruturas hierárquicas de poder, que
eram divididas em departamentos estanques, cada qual cuidando de tarefas específicas. A
lógica embutida era de que o ótimo de cada parte levaria ao ótimo do todo. E assim foi por
décadas, com aumentos sucessivos de produtividade, até o esgotamento deste modelo por
volta dos anos 70. A partir daí, as empresas vêm lutando para alterar esse modelo
profundamente arraigado na mente das pessoas.
Tendo como tema principal a organização do trabalho e os processos produtivos e esse
contexto histórico onde a organização hierárquica e a divisão do trabalho estão enraizadas nas
culturas industrializadas, propõem-se o seguinte problema de pesquisa: a estrutura hierárquica
e a divisão do trabalho impactam na gestão dos processos organizacionais?
Ao analisar os fatores da divisão do trabalho e da estrutura hierárquica que impactam na
gestão dos processos, é possível propor ações que fundamentem intervenções na organização
do trabalho. Por esta razão, este artigo tem o objetivo de, por meio de um estudo de caso,
identificar quais fatores da estrutura organizacional impactam na gestão dos processos da
Divisão Operacional de Esgoto de uma concessionária de saneamento de uma metrópole
brasileira.
Para atingir o objetivo geral descrito, busca-se como objetivos específicos caracterizar o
contexto hierárquico presente na Divisão Operacional da concessionária de Saneamento,
objeto deste estudo, assim como identificar os determinantes da divisão do trabalho que
compõem o processo de coleta de esgoto. Ao identificar os fatores da divisão do trabalho e da
estrutura hierárquica que impactam na gestão dos processos, é possível propor ações que
fundamentem intervenções na organização do trabalho no contexto em pauta.
2 Referencial Teórico
2.1 A visão das escolas de administração
Antes da Revolução Industrial o artesão era um especialista que tinha domínio
completo de todo o ciclo de produção, desde a concepção do produto até o pós-venda. A
Revolução Industrial massificou a produção, trouxe a diversidade de produtos e teve que lidar
com diversos fatores, como elevação da produtividade, diminuição do desperdício e a gestão
de pessoas. E foi nesse cenário que:
3
(...) dois engenheiros desenvolveram os primeiros trabalhos pioneiros a respeito da
Administração. Um era americano, Frederick Winslow Taylor, e iniciou a chamada
Escola da Administração Científica, preocupada em aumentar a eficiência da
indústria por meio da racionalização do trabalho do operário. O outro era europeu,
Henri Fayol, e desenvolveu a chamada Teoria Clássica, preocupada em aumentar a
eficiência da empresa por meio de sua organização e da aplicação de princípios
gerais da Administração em bases científicas. (CHIAVENATO, 2011, p. 48)
Tanto Taylor quanto Fayol tinham como objetivo, aumentar a eficiência da indústria.
Taylor dava ênfase às tarefas executadas pelos operários, ou seja, em sua teoria a
racionalização do trabalho era o foco, já Fayol, que enfatizava a estrutura, acreditava que ao
organizar e aplicar os princípios gerais da administração, a eficiência seria mais rapidamente
atingida. Ao analisar os dois modelos percebe-se que as duas teorias se complementam, pois
uma tem a visão mais ‘chão de fábrica’ apoiando-se na execução das tarefas e a outra tem a
visão mais ‘estratégica’ de organização e administração.
Um dos maiores legados de Taylor é a divisão do trabalho entre gerência e execução.
Segundo Chiavenato (2011), com a introdução da Administração Científica nas organizações
ocorre uma repartição de responsabilidade: a administração fica com o planejamento (estudo
do trabalho do operário e o estabelecimento do método) e a supervisão (assistência contínua
ao trabalhador), enquanto o trabalhador fica somente com a execução do trabalho.
De acordo com Tavares e Franco Jr. (2007), Taylor estabeleceu a Organização
Racional do Trabalho (ORT) para estudar o melhor modo de desempenhar uma tarefa,
selecionar cuidadosamente os trabalhadores para cada tarefa, separar as funções de
planejamento e execução, além de estudar os tempos e movimentos para aperfeiçoar as
técnicas de trabalho. Dentre os aspectos da ORT, é possível que a divisão do trabalho (que
objetiva elevar a produtividade, por meio da execução de uma única tarefa para ajustar-se aos
padrões descritos e às normas de desempenho definidas pelo método.) e a sua especialização
seja o aspecto que mais tenha influenciado a forma de trabalho até os dias atuais. Griffin e
Moorhead (2006) afirmam que a divisão do trabalho abriu caminho para as linhas de
montagem em larga escala e foi uma das responsáveis pelo aumento de produção da indústria
americana na passagem do século XIX para o XX.
A Figura 01 apresenta um esquema em que no primeiro diagrama, o funcionário
executa todo o processo. É importante ressaltar que esse modelo tem suas limitações, pois,
exige que um mesmo profissional seja qualificado para realizar todas as tarefas necessárias
para alcançar os resultados pretendidos (JESUS e MACIEIRA, 2014). No segundo diagrama,
são vários funcionários que executam uma mesma parte do processo, denotando a
especialização. O terceiro esquema representa bem uma linha de montagem, onde cada
funcionário executa uma atividade diferente do processo, tornando-se cada vez mais, um
especialista na atividade em que executa.
Apesar dos visíveis ganhos de produtividade, essa lógica traz à tona a necessidade
de coordenação dos vários profissionais que atuavam ao longo do processo. Como
garantir que uma atividade começaria quando a prévia terminasse? Como garantir
que as quantidades produzidas em cada etapa estariam consistentes? Algumas dessas
perguntas passaram a ser importantes e a coordenação dos processos passou a ser
uma preocupação dos gerentes. (JESUS e MACIEIRA, 2014, p.33)
4
Figura 01 – A divisão do trabalho e a especialização do operário
Fonte: Chiavenato (2011)
Como já mencionado, enquanto Taylor focava os seus estudos na eficiência do
trabalhador, Fayol, preocupava-se com o funcionamento da organização. Segundo Chiavenato
(2011), Fayol acreditava que toda empresa apresentava seis funções:
1) Funções técnicas, relacionadas com a produção de bens ou serviços da empresa;
2) Funções comerciais, relacionadas com compra, venda e permutação;
3) Funções financeiras, relacionadas com procura e gerência de capitais;
4) Funções de segurança, relacionadas com proteção dos bens e das pessoas;
5) Funções contábeis, relacionadas com inventários, registros, balanços, custos e estatísticas;
6) Funções administrativas, relacionadas com a integração de cúpula das outras cinco funções.
A função administrativa está relacionada com a integração de cúpula das outras cinco
funções, sendo responsável por integrar as demais áreas e tinha como principais atividades
prever, organizar, comandar, coordenar e controlar a empresa.
Apesar das funções organizacionais de Fayol não serem, hoje, as funções que as
organizações adotem em suas estruturas, são elas que até os dias atuais influenciam as funções
organizacionais. Drucker faz a seguinte ponderação acerca da estrutura funcional:
A concepção funcional tem a grande vantagem da clareza. Nela, cada pessoa possui
seu “lar”. Cada uma compreende sua tarefa. É uma organização de alta estabilidade.
Mas o preço dessa clareza e estabilidade é a dificuldade que experimentam todos os
seus membros, inclusive os mais elevados, em compreender a tarefa do conjunto e
relacioná-la com seu próprio trabalho. Embora estável, sua estrutura é rígida e opõe-
se à adaptação. Não prepara as pessoas para o amanhã, nem as adestra ou testa. No
geral, tende a incutir nas pessoas o desejo de fazer um pouco melhor aquilo que já
façam, ao invés de levá-las a procurar novas ideias e novas maneiras de fazer as
coisas. (DRUCKER, 1984, p. 590)
A partir dessa ponderação de Drucker, pode-se visualizar a necessidade das
organizações se estruturarem por departamentos, de preferência, altamente especializados,
para atingir seus objetivos empresariais. Porém, antes dessa estruturação, é necessário
entender quais são os processos da cadeia de valor da organização. Questionamentos como:
“qual o meu processo principal (aquele que efetivamente leva meu produto/serviço para o
meu cliente)?” e “quais são os processos que a organização precisa para apoiar o processo
principal?” são imprescindíveis para que o gestor consiga estruturar a organização em
departamentos que se auxiliem mutuamente e conheçam, além dos seus objetivos, o propósito
final do processo.
5
A partir da estrutura organizacional que a empresa pretende atingir os seus objetivos.
E para isso, as organizações dividem as atividades dos processos em unidades de trabalho
chamadas departamentos. A departamentalização é uma decorrência da divisão do trabalho e
da homogeneização das atividades. Gibson at al. (2006) define departamentalização como
processo pelo qual a organização é dividida estruturalmente, combinando cargos em
departamentos, de acordo com algumas características compartilhadas.
A estrutura organizacional pode ser estabelecida por meio de vários tipos de
departamentalização, sendo que a melhor escolha dependerá de vários outros fatores como:
público alvo, abrangência territorial, porte e ramo de atuação, dentre outros. Percebe-se que
independente do tipo de departamentalização adotado pela empresa, dificilmente a estrutura
funcional não será a combinação desta com outra. Geralmente, ao analisar um organograma é
possível perceber rapidamente a divisão do trabalho, os departamentos, as linhas de
autoridade e em alguns organogramas mais detalhados pode-se ver também os cargos
existentes, os nomes dos titulares (responsáveis pelos departamentos), a quantidade de
pessoas por departamento, entre outras informações.
2.2 A organização do trabalho na atualidade
A estrutura hierárquica, bastante discutida até o momento, é a estrutura mais comum
das organizações. E a estrutura por processos, apesar de ter tido seu auge na reengenharia de
processos, nos anos 90, ainda é um desafio para as organizações. Para iniciar a explanação das
duas estruturas é importante conceituar o que é um processo e para isso, o Quadro 01
apresenta os conceitos de processos de dois referenciais de gestão bastante utilizados no
Brasil.
Quadro 01 – Conceitos de Processos
NBR ISO 9000
Conjunto de atividades inter-relacionadas ou interativas que transforma insumos
(entradas) em produtos (saídas).
Para que as organizações funcionem de forma eficaz, elas têm que identificar e
gerenciar processos inter-relacionados e interativos. Frequentemente, a saída de um
processo resultará diretamente na entrada do processo seguinte. A identificação
sistemática e a gestão dos processos empregados na organização e,
particularmente, as interações entre tais processos são conhecidas como
“abordagem de processos”.
Fundação Nacional da
Qualidade (FNQ)
Os processos são constituídos pelo conjunto das atividades inter-relacionadas ou
interativas que transformam insumos (entradas) em produtos (saídas). Ou, numa
abordagem mais técnica, é um conjunto de atividades preestabelecidas que
executadas numa sequência determinada vão conduzir a um resultado esperado que
assegure o atendimento das necessidades e expectativas dos clientes e outras partes
interessadas.
Fonte: NBR ISO 9000 (2005) e FNQ (2011)
A Figura 02 mostra a correlação entre as entradas, que são os insumos
disponibilizados pelos fornecedores, as atividades do processo, que necessariamente devem
agregar valor aos insumos, e as saídas que asseguram o atendimento aos requisitos dos
clientes por meio dos serviços ou produtos gerados pelos processos.
6
Figura 02 – Componentes de um processo
Fonte: FNQ (2011)
O método SIPOC (sigla em inglês de: Suplier, Input, Process, Output e Costumer),
Figura 03, utiliza essa visão do processo e as organizações mapeiam essas informações que
contém:
Figura 03 – Método SIPOC para mapear processos
Fonte: Adaptado de Maranhão e Macieira (2004)
Supplier – Fornecedor: organização externa, área interna da própria empresa, cargo ou
pessoa que fornece o insumo (produto, serviço, matéria prima ou informação) de entrada
do processo;
Input – Entrada: produto, serviço, matéria prima ou informação do processo que passarão
por transformações;
Process – Processo: etapas/ ações do processo que transformarão as entradas;
Output – Saída: é o resultado da transformação, pode ser um serviço, produto ou
informação;
Costumer – Cliente: cliente externo ou interno, outro processo ou ainda alguma parte
interessada da organização que receberá ou se beneficiará do resultado (saída) do
processo.
É importante salientar que mesmo empresas que tenham suas estruturas orientadas
para processos, mantém também suas estruturas funcionais hierárquicas. Percebe-se que,
atualmente, as organizações buscam uma hibridização desses dois modelos e esse é o desafio:
identificar, implementar e manter as características vantajosas de cada estrutura. A Figura 04
mostra um processo que permeia cinco unidades funcionais de uma organização.
Figura 04 – O processo que permeia a estrutura funcional hierárquica
7
Fonte: Adaptado de Maranhão e Macieira (2004)
Carvalho (2005) faz uma crítica à estrutura funcional em relação à estrutura orientada
por processos, conforme apresenta o Quadro 02.
Quadro 02 – Tipos de estruturas organizacionais
Estrutura funcional
Comando e controle Gerenciamento por processos
Visão e comprometimento
Ótimo das partes (departamentos)
Segmentação de tarefas
Orientação de tarefas
Competição entre pessoas
Decisões hierárquicas
Controle externo sobre pessoas
Treinamento
Ótimo do todo (sistema)
Inter-relacionamento de processos
Orientação para clientes
Cooperação entre equipes
Sociocracia
Equipes autogerenciadas
Aprendizado
Fonte: Carvalho (2005, p. 212)
Acredita-se que a concorrência acirrada, no Brasil especificamente após a abertura de
mercado, nos anos 90, faz com que as empresas busquem constantemente por melhorias e
inovações, não só em seus produtos ou em lançamento de novos produtos, mas também na
gestão dos processos. E essa busca é frequentemente associada à superação do modelo
taylorista de organização do trabalho, na medida em que pode favorecer a participação dos
trabalhadores nos processos de tomada de decisão, enfatizando a cooperação, diminuição de
níveis hierárquicos e compartilhando responsabilidades.
No Brasil, a Fundação Nacional da Qualidade (FNQ), criada em 1991, por um grupo
de representantes dos setores público e privado, procura gerar valor às organizações por meio
do apoio à busca permanente da excelência da gestão, e para isso instituiu e dissemina o
Modelo de Excelência da Gestão® (MEG). O MEG (Figura 05) é composto por onze
fundamentos e oito critérios de excelência. Os fundamentos da excelência são: pensamento
sistêmico; atuação em rede; aprendizado organizacional; inovação; agilidade; liderança
transformadora; olhar para o futuro; conhecimento sobre clientes e mercados;
responsabilidade social; valorização das pessoas e da cultura; decisões fundamentadas;
orientação por processos; geração de valor. Ao analisar os processos gerenciais requeridos
pelo MEG para os sistemas de trabalho das organizações, constata-se a base teórica dos
trabalhos de Taylor, obviamente, de forma mais dinâmica e cobrando das organizações algo
mais flexível e orgânico. Essa flexibilidade requerida também é refletida nos requisitos dos
processos da cadeia de valor, onde a organização precisa praticar a gestão voltada para a
competitividade e inovação.
8
Figura 05 – Modelo de Excelência da Gestão® (MEG)
Fonte: Fundação Nacional da Qualidade (2014)
Outra organização que preconiza o desenvolvimento do modelo de gestão é a
International Organization for Standardization (ISO), a maior desenvolvedora mundial de
normas internacionais voluntárias. As normas internacionais oferecem o estado da arte em
especificações para produtos, serviços e boas práticas, ajudando a tornar as organizações mais
eficientes e eficazes. As normas são desenvolvidas por comitês, com representantes dos países
membros, por meio de consenso global e ajudam a quebrar as barreiras ao comércio
internacional. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) é a representante do
Brasil na ISO. O modelo de gestão da ISO promove a adoção de uma abordagem de processo
para o desenvolvimento, implementação e melhoria contínua da eficácia de um sistema de
gestão da qualidade para aumentar a satisfação do cliente pelo atendimento aos seus requisitos
(NBR ISO 9001, 2008). A ISO 9000 também contempla os Princípios de Gestão da Qualidade
que são: Foco no cliente; Liderança; Envolvimento de pessoas; Abordagem de processos;
Abordagem sistêmica para a gestão; Melhoria contínua; Abordagem factual para tomada de
decisão; Benefícios mútuos nas relações com os fornecedores.
3 Método
Para a classificação desta pesquisa, toma-se como base a taxionomia apresentada por
Vergara (2013), que a qualifica em relação a dois aspectos: quanto aos fins e quanto aos
meios.
Quanto aos fins, a pesquisa é descritiva, pois visa caracterizar o contexto hierárquico
presente na unidade organizacional estudada assim como identificar as interfaces da estrutura
hierárquica e a gestão dos processos organizacionais.
Quanto aos meios, foram realizadas pesquisas bibliográfica e documental. A pesquisa
bibliográfica recorreu ao uso de material acessível ao público em geral como livros, artigos e
sites, sendo que para a fundamentação teórica foram abordados os seguintes assuntos: a
organização do trabalho, as funções básicas da organização, departamentalização e gestão dos
processos tendo como base a norma ISO 9001 e o Modelo de Excelência da Gestão da FNQ.
A pesquisa documental fez uso de documentos, relatórios e sistemas informatizados inerentes
à unidade organizacional estudada.
9
A pesquisa também utilizou a técnica de observação não participante, por meio dos
autores, que teve contato com a unidade organizacional estudada, mas sem integrar-se a ela
(MARCONI & LAKATOS, 2010). A amostra da pesquisa, uma unidade organizacional, foi
convenientemente selecionada do universo, a concessionária de saneamento de uma
metrópole brasileira.
4 Contextualização
Depois do uso da água nas residências, nas indústrias ou nos comércios, o esgoto
começa a ser formado. Estes resíduos podem contaminar o meio ambiente e provocar
doenças, por isso, os sistemas de esgotamento sanitário são importantes para a saúde pública.
As residências devem estar conectadas às redes do sistema de esgotamento sanitário
para lançar os esgotos nos coletores-tronco, encaminhá-los aos interceptores e, por fim, às
estações de tratamento de esgotos. Analisando esse caminho, parece simples – e até poderia o
ser, se não fossem alguns fatores, como o de infraestrutura que impactam significativamente
e negativamente o saneamento básico não só na cidade de São Paulo, mas em todo o Brasil.
Segundo o Instituto Trata Brasil (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) que
tem como objetivo coordenar uma ampla mobilização nacional para que o País possa atingir
a universalização do acesso à coleta e ao tratamento de esgoto, o atendimento em coleta de
esgotos no Brasil, em 2012, chegou a 48,3% da população, sendo que desse esgoto gerado,
apenas 38,7% recebeu algum tipo de tratamento.
Para entender melhor a situação, é importante saber como foi o início da implantação
do sistema de esgotamento sanitário na cidade de São Paulo. A primeira iniciativa data de
1863, quando o governo da província comissionou o engenheiro inglês James Brunless, para
estudar um plano geral de abastecimento de água e coleta e disposição dos esgotos para a
capital (FUNDAÇÃO ENERGIA E SANEAMENTO, 2008). Em 1877, a Companhia
Cantareira e Esgotos foi criada para explorar os serviços sanitários na capital paulista e até
então, pouca coisa havia mudado em relação ao saneamento básico em São Paulo e essa
situação perdurou até 1892, quando a mesma companhia foi encampada pelo governo devido
a uma série de problemas e foi criada a Repartição de Água e Esgotos da Capital (RAE)
(FUNDAÇÃO ENERGIA E SANEAMENTO, 2008).
Apesar do esforço da RAE, que executou em dois anos muitos mais obras do que a
antiga Companhia Cantareira realizou em dez, não foi suficiente para acompanhar o
crescimento populacional e urbano pelo qual a cidade de São Paulo passava no final do século
XIX e início do século XX (FUNDAÇÃO ENERGIA E SANEAMENTO, 2008). A Tabela
01 apresenta o aumento do número de prédios ligados à rede de esgotos da época.
10
Tabela 01 – Evolução do número de prédios ligados à rede de esgotos
Ano População
estimada
Número de prédios Prédios
servidos Esgotados Total Déficit
1889 60.000 5.702 8.555 3.000 66%
1894 130.000 9.600 20.000 10.400 48%
1924 500.000 51.000 71.000 20.000 72%
Fonte: OSEKI apud FUNDAÇÃO ENERGIA E SANEAMENTO (2008)
Na década de 1960 a questão do esgotamento sanitário era grave, pois apenas 35% da
população da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) encontrava-se ligada à rede de
esgotos e surgiam nessa época os grandes planos de saneamento para São Paulo
(FUNDAÇÃO ENERGIA E SANEAMENTO, 2008).
5 Resultados e Discussão
A concessionária de saneamento estudada foi criada com a missão de planejar,
executar e operar serviços de saneamento em todo o território do estado em que está situada.
A estrutura funcional da concessionária conta com uma Presidência e cinco Diretorias,
conforme organograma apresentado na Figura 06.
Desde 2006, os processos da cadeia de valor da Sabesp são certificados nas normas:
Sistema de Gestão da Qualidade: ISO 9001;
Sistema de Gestão de Saúde e Segurança do Trabalho: OHSAS 18001;
Sistema de Gestão Ambiental: ISO 14001;
Acreditação de Laboratório: ISO/IEC 17025.
Esse conjunto de certificação busca a conformidade nos processos, tanto em termos de
qualidade final do produto/serviço como na forma de execução, prezando pela satisfação do
cliente, saúde e segurança do empregado e meio ambiente. Além da certificação a Diretoria de
Operação 1 adota, há mais de 10 anos, o MEG.
Figura 06 – Organograma
Fonte: elaborado pelos autores
A Divisão Operacional de Esgoto está subordinada ao Departamento de Engenharia da
Unidade de Negócio A, que integra a Diretoria de Operação 1 da concessionária. A equipe da
Divisão Operacional é formada por 19 profissionais, distribuídos em quatro cargos para
executar as atividades da área: (4) Agente de Saneamento Ambiental, (5) Engenheiro; (3)
Técnico em Gestão e (7) Técnico em Sistemas de Saneamento.
11
A Divisão Operacional está na quinta linha hierárquica da organização, denotando que
essa empresa tem uma estrutura hierárquica bastante verticalizada, como ilustrado na Figura
07.
Figura 07 – Estrutura hierárquica da Presidência até a Divisão Operacional
Fonte: elaborado pelos autores.
Com a estrutura adotada pela concessionária as unidades organizacionais têm
atribuições e linhas de comando bem definidas. O modelo incentiva a eficiência de cada área,
além da clareza na prestação de contas. Por outro lado, nesta estrutura as unidades
organizacionais geralmente desenvolvem uma visão restrita da organização e considera os
objetivos da área mais importante do que os objetivos da empresa. Além disso, a
implementação de práticas de gestão e projetos torna-se difícil na medida em que os
responsáveis por essas ações não têm a autoridade necessária para a tomada de decisão.
Isto pode ser observado na Divisão Operacional de Esgoto, pois as atribuições da área
apresentam atividades de processos que não estão sob sua a responsabilidade, ficando
explícita a divisão do processo dentre as várias áreas que compõem o Departamento de
Engenharia. Essa divisão do processo dificulta a identificação do responsável (dono) do
processo, assim como tomadas de decisões e implementação de melhorias.
Dentre as atividades que contemplam essa responsabilidade compartilhada estão:
efetuar caracterização de efluentes não-domésticos, analisando possibilidade de seu
recebimento na rede coletora ou, por transporte próprio, em instalações da Diretoria de
Produção e Tecnologia; operar Estações Elevatórias na rede coletora e Estações de
Tratamento de Esgotos de responsabilidade da Unidade de Negócio; e realizar inspeções e
varreduras na rede coletora sempre que necessário para a detecção de anomalias,
irregularidades ou lançamentos indevidos. Partes dessas atividades são realizadas por outras
divisões do Departamento de Engenharia ou ainda por áreas de manutenção de outros
Departamentos da Unidade de Negócio.
O método de identificação e mapeamento dos processos que permeiam a Divisão
Operacional, utilizando a ferramenta SIPOC, não condiz com a visão geral do processo ponta
a ponta. O mapeamento dos processos foi realizado seguindo as responsabilidades das
unidades hierárquicas, demonstrando a dificuldade da empresa em adotar de forma efetiva a
visão por processos.
12
Denota-se também que a concessionária é uma empresa bastante burocratizada. As
regras internas (políticas institucionais, procedimentos, normas técnicas e formulários) e
externas (legislação em geral e normas, voluntárias ou não) auxiliam a nortear a execução do
trabalho, mas também podem prejudicar em termos de agilidade, proatividade e eficiência.
Tendo como base essas análises, considera-se necessária revisão dos processos que
permeiam a área. A revisão deve ter como premissa o atendimento ao seu propósito e
atribuições. A Figura 08 apresenta o ciclo de alinhamento entre estratégia, estrutura e
processo, proposto por Maranhão e Macieira (2004), no qual a partir da visão e da missão da
empresa, definem-se os processos necessários para o alcance dos objetivos organizacionais.
Esses processos são executados por meio da estrutura organizacional (funcional ou não). Os
processos devem gerar produtos e serviços, que passando pela avaliação dos clientes,
alimentam novamente a visão da empresa.
Figura 08 – Ciclo de alinhamento entre estratégia, estrutura e processo
Fonte: Maranhão e Macieira (2004, p.51)
Ressalta-se que a revisão deve ser realizada com a participação dos funcionários,
clientes e fornecedores dos processos, para que possam contribuir com seus conhecimentos e
experiências. A participação ativa dos funcionários garante o comprometimento com o bom
resultado.
6 Considerações finais
Tendo como objetivo geral “identificar quais fatores da estrutura organizacional
impactam na gestão dos processos da Divisão Operacional de Esgoto de uma concessionária
de saneamento de uma metrópole brasileira” e como objetivos específicos: caracterizar o
contexto hierárquico presente na Divisão Operacional, objeto deste estudo, assim como
identificar os determinantes da divisão do trabalho que compõem o processo de coleta de
esgoto, considera-se que foram atingidos, pois, iniciando-se pelos objetivos específicos, foram
apresentadas as características organizacionais da Divisão Operacional de Esgoto, focalizando
a estrutura hierarquia a qual pertence, suas atribuições enquanto unidade organizacional e os
cargos necessários para execução dos processos.
13
Conforme sinalizado no estudo de caso, conclui-se que os fatores da organização que
mais impactam na gestão dos processos da unidade organizacional estudada são a estrutura
hierárquica altamente verticalizada, as atribuições da área que não condizem com a realidade
praticada, explicitando responsabilidades não compartilhadas; a divisão do trabalho por meio
do desenho de cargos que dificultam a interação e responsabilidades pelo trabalho final; o
método de implantação da gestão dos processos que tomou como base as atividades de vários
processos realizados na divisão organizacional e não as diretrizes empresariais, dando
continuidade à visão fragmentada dos processos.
Para a implantação da gestão dos processos, sugere-se o método do ciclo do PDCA
(Plan – Planejar; Do – Executar; Check – Verificar; Act – Agir/Corrigir), como o passo a
passo da Figura 09, para que com ele o gestor da área em conjunto com a gerência superior
comunique o resultado às demais unidades organizacionais da Unidade de Negócio, a fim de
obter o aceite e apoio nas novas formas de planejar, executar, verificar e melhorar os seus
processos.
Figura 09 – Implantação passo a passo da gestão dos processos
Fonte: Elaborado pelos autores
De forma geral, acredita-se que a propositura de ação de melhoria possa trazer maior
flexibilidade e agilidade aos processos organizacionais, obtendo-se dessa forma, maior
satisfação às partes interessadas e efetividade para a organização como um todo.
14
Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 9000:2005 Sistemas de
gestão da qualidade – fundamentos e vocabulário. Rio de Janeiro: ABNT, 2005.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 9001:2008 Sistemas de
gestão da qualidade – requisitos. Rio de Janeiro: ABNT, 2008.
CARVALHO, M. M. [et al.].Gestão da Qualidade: teoria e caos. Rio de Janeiro: Elsevier,
2005.
CHIAVENATO, I. Introdução à Teoria Geral da Administração. Rio de Janeiro: Elsevier,
2011.
DRUCKER, P. F. Introdução à administração. São Paulo: Pioneira, 1984.
FUNDAÇÃO ENERGIA E SANEAMENTO. Sistemas de Esgotamento Sanitário. São Paulo:
Fundação Energia e Saneamento, 2008.
FUNDAÇÃO NACIONAL DA QUALIDADE. Cadernos de Excelência: Processos. São
Paulo: Fundação Nacional da Qualidade, 2011.
FUNDAÇÃO NACIONAL DA QUALIDADE. Critérios de Excelência: avaliação e
diagnóstico da gestão organizacional. São Paulo: Fundação Nacional da Qualidade, 2013.
GIBSON, J. L. [et al.]. Organizações: comportamento, estrutura e processos. São Paulo:
McGraw-Hill, 2006.
GRIFFIN, R. W.; MOORHEAD, G. Fundamentos do comportamento organizacional. São
Paulo: Ática, 2006.
INSTITUTO TRATA BRASIL. Dados gerais do saneamento básico no Brasil. 2014.
Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/saneamento-no-brasil-bakup>.
JESUS, L.; MACIEIRA, A. Repensando a gestão por meio de processos: como transformar
negócios e gerar crescimento e lucro. Rio de Janeiro: EloGroup, 2014.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo:
Atlas, 2010.
MARANHÃO, M.; MACIEIRA, M. E. B. O processo nosso de cada dia: modelagem de
processos de trabalho. Rio de Janeiro: Quality Editora, 2004.
VERGARA, S. C. Projetos e Relatórios de Pesquisa Em Administração. São Paulo: Atlas,
2013.
TAVARES, J. C.; FRANCO JR, C. F. Organização do trabalho na produção. In: PINTO, E.
P. (Org.). Gestão Empresarial: casos e conceitos de evolução organizacional. São Paulo:
Saraiva, 2007.