antologia poética, geraldino brasil. recife: bagaço, 2010

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ANTOLOGIA POÉTICA Geraldino Brasil Recife, 2010

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Geraldino Brasil volta em grande estilo com um legado poético em formato livro convencional, e-book, áudio-book, e na versão Braille, graças a uma superprodução de Beatriz Brenner.

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Page 1: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

antologia poéticageraldino Brasil

Recife, 2010

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Copyright© by Geraldino Brasil

RevisãoBeatriz Brenner

Capa

Caricatura de Geraldino Brasil. Moema Oliveira (filha do poeta), Atlanta, 2009.

Produção GráficaEdições BagaçoRua dos Arcos, 150 • Poço da PanelaRecife/PE • CEP 52061-180Telefax: (81) 3205.0132 / 3205.0133email: [email protected]

B823a Brasil, Geraldino, 1926-1996 Antologia Poética / Geraldino Brasil ; apre- sentação Mário Hélio. – Recife : Bagaço, 2010. 166p. : il.

1. POESIA BRASILEIRA – PERNAMBUCO. 2. BRASIL, GERALDINO. 1926-1996 – ENTRE- VISTA. I. Hélio, Mário, 1965- II. Título.

CDU 869.0(81)-1 CDD B869.1PeR – BPE 09-0229

ISBN: 978-85-373-0719-9

Impresso no Brasil – 2010

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Título: TroncosTécnica: Acrílico sobre telaArtista: Creusa Maurício

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agRadecimentos

Quando minha irmã, Moema, e eu éramos pequenas, nossa mãe nos fez decorar o conceito de Deus: “Deus é a For-ça suprema do Universo e a causa primária de todas as coisas”. Eu, no entanto, não conseguia alcançar acho que nem metade daquelas palavras.

Hoje posso agradecer com consciência a essa Força sem a qual não estaria escrevendo estas palavras, nem tampouco me sentindo feliz pela sensação da missão cumprida ou mesmo alimentando sonhos futuros; chorando de saudade; amando os que já partiram e principalmente os que estão a minha volta. E mais do que tudo, não estaria sendo capaz de agradecer àqueles que se dedicaram de corpo e com muita alma a este Projeto:

- aos meus amigos, todos, todos eles

- à minha família maravilhosa

- à eficiente equipe da Casa no. 8 do nosso Pátio de São Pedro onde está localizado o Conselho de Cultura da Cidade do Recife. Um agradecimento especial a Rita de Cássia Can-deas Nery e a Heloísa Arcoverde de Moraes

- a Patrícia Azevedo, Produtora Cultural.

- àqueles que fazem o Hospital São Marcos que, acredi-tando neste Projeto, conseguiram enriquecer ainda mais a arte e a cultura Recifenses

- a Lúcia Roberta Guedes Alcoforado – Gestora da Bi-blioteca Pública do Estado e sua equipe formada por Maria das Graças Correa de Sousa - Coordenadora do Projeto Brail-le mais Perto de Você, José Marcos Pereira da Silva - chefe da sessão de Braille e Izabel Cristina Braz Cavalcanti que, com

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sua refinada sensibilidade, ofertaram a versão em Braile desta Antologia Poética

- ao estimado Manuel Aguiar que me apresentou a Edu-ardo Valente da Diretoria de Comunicação e Relações Ins-titucionais – empresa de telefonia celular VIVO – Regional Nordeste que logo me confirmou a produção do áudio-book. A ambos o meu muito obrigada

- ao querido Mário Hélio, exímio conhecedor da obra de Geraldino Brasil, que enriqueceu este livro com uma Apresen-tação tão bela e forte

- ao nosso eterno Jaime Jamillio Escobar – poeta e tra-dutor para o espanhol dos poemas de Geraldino Brasil que, mesmo da sua bela Colômbia, me ajudou a amadurecer ideias

- à querida Inêz Koury e sua fantástica equipe da Editora Bagaço.

E, sobretudo, agradeço, de todo o meu coração a papai, Geraldino Brasil, que me poupou do trabalho difícil de fazer a seleção dos 111 poemas que formam esta Antologia. Pois é, com a ajuda da amiga Renata Soriano*, foram encontrados – no arquivo pessoal do poeta – estes poemas organizados um a um e até dado o título de Antologia Poética – Geraldino Brasil – como se ele pudesse antever a aprovação da sua obra – pelo Sistema de Incentivo à Cultura da Prefeitura da Cidade do Recife – a qual está hoje sendo lançada ao mundo!

Um forte abraço,

Beatriz [email protected]

* Renata Soriano Tavares  atualmente está concluindo o Mes-trado em Teoria da Literatura com o tema:  A Poesia dos Trigais: Geraldino Brasil e Van Gogh.

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sumário

Apresentação .............................................................................. 11Geraldino Brasil ......................................................................... 15Entrevistando um poeta por Creusa Maurício ...................... 17Poética ........................................................................................ 21O dever do poeta ....................................................................... 23A dificuldade dos versos ........................................................... 24Nada além do portão do pátio ................................................. 26Poema da insipidez natural e da insipidez adotada .............. 28A honradez e a mansidão, o caos! ........................................... 30Aprendi nos campos ................................................................ 32A paz ........................................................................................... 33Os peixes ..................................................................................... 35Poema do não e do poético ..................................................... 37Nada mais lindo do que uma mulher ..................................... 39Poesia de Pessoa ........................................................................ 41Classe média ............................................................................... 42Problema na família ................................................................. 43Todos os dias, todas as horas ................................................... 44Pessoa de Whitman ................................................................... 46Vila do sertão de Pernambuco ................................................. 47O povo......................................................................................... 49A primeira palavra da vida ....................................................... 51Amar mais do que posso .......................................................... 52Palavra terra, palavra céu ......................................................... 53Transfusão .................................................................................. 54O poema teima em querer o livro ........................................... 55O poema .................................................................................... 56

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O poeta........................................................................................ 58A poesia ...................................................................................... 59Não carrego gelo ao sol ............................................................. 61Com o poema ............................................................................. 62Condenação do meu tempo ..................................................... 63Não contrario minha canção ................................................... 64Posição ........................................................................................ 65Identificação com o senhor ..................................................... 66Os amantes ................................................................................. 68Rua ............................................................................................... 69Manhã sem José ......................................................................... 70Outro que fui .............................................................................. 71Na sua sorte, no seu medo........................................................ 72Natureza morta com maçã ....................................................... 73Momentos com meu pai ........................................................... 76Frutos do cesto ........................................................................... 77Navio que partes para longe ..................................................... 78O rebanho ................................................................................... 79Céu sem nuvens ......................................................................... 81A casa do não ............................................................................. 82Homem da praça ....................................................................... 83Momentos do homem ............................................................... 84Luta de boxe ............................................................................... 85Por ninguém ............................................................................... 86Companheiro de calçada .......................................................... 87Poema do amor .......................................................................... 88Cabelos negros ........................................................................... 89Lâmpada acesa ........................................................................... 90As ondas mais altas ................................................................... 91Semana do povo ........................................................................ 92Um soneto de sol para Cézanne .............................................. 93Sortimento de lembranças ........................................................ 94O copo ......................................................................................... 95Bodas de prata ............................................................................ 96

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Da poesia .................................................................................... 97Cada momento está numa bolha de ar ................................... 98A ovelha ...................................................................................... 99Um pássaro, uma ovelha, uma flor ........................................ 100Noite estrelada ......................................................................... 101Rosa antes da palavra rosa ...................................................... 102Definição de poesia ................................................................. 103O riso era geral quando eu falava poesia .............................. 104O intrépido Témeraire (um quadro de Turner) .................. 105Teu amoroso sorriso ................................................................ 106O louco ...................................................................................... 107Para tranquilizar o meu garçom ............................................ 108Apoio moral ............................................................................. 109Praça dos namorados .............................................................. 110A primeira metáfora ................................................................ 112Bar do Gracy ............................................................................ 113Amantes da ante–sala do ar ................................................... 114Metáfora do poema ................................................................. 115Adorável momento .................................................................. 116Sextina da alvorada ................................................................. 117Talvez amanhã ainda ............................................................... 119Poema do amor ........................................................................ 120Morte no hospital .................................................................... 121Implosão ................................................................................... 122Antemanhã ............................................................................... 123Dor, ah se fosses um gato ....................................................... 124Lembrança de minha mãe ...................................................... 125Pai velho .................................................................................... 126Casa única da estrada .............................................................. 127Ave dos bosques ....................................................................... 128Pela estrada ............................................................................... 129O sobrevivente ......................................................................... 130Homem da terra ...................................................................... 131Manhã ....................................................................................... 132

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O equilíbrio do mundo ........................................................... 133Menino de pulos de lebre ....................................................... 134Recife do povo ......................................................................... 136Pessoas e coisas ........................................................................ 137Palavra paz ................................................................................ 138Os círculos crescentes ............................................................. 139Poema das duas naturezas ...................................................... 140Elegia ......................................................................................... 141Liberdade .................................................................................. 142Apoio nas nuvens .................................................................... 143O pequeno pássaro .................................................................. 144Água da fonte ........................................................................... 145Noite de 1973 ........................................................................... 146No tempo do teu corpo ........................................................... 147Ouvi que devia deixar de lamúrias ........................................ 148Saudação ................................................................................... 149Poema para os que estão chegando ....................................... 150Momento do homem .............................................................. 152Humanidade do Recife ........................................................... 153Ai, eu não poderia ser um ex-poeta ...................................... 156Caderno de imagens................................................................ 161

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apresentação

Apresentar Geraldino Brasil é mais do que evocá-lo: dizer de sua presença viva. Nesse e noutros sentidos a melhor apre-sentação para este livro pode ser considerada a entrevista de Creusa Maurício com ele que aqui se publica. “Nasce do amo-roso olhar” – é o que diz da origem de sua poesia; expressão das mais felizes para situar toda a Poesia digna desse nome e que decerto o seu amigo Walt Whitman subscreveria.

Como fez Dante com Virgílio, pode-se imaginar agora: o que conversará Geraldino no momento em que estas linhas são escritas com Whitman, Castro Alves e tantos outros de sua predileção? Decerto que riria muito agora sabendo-se lembrado enquanto se ouve uma canção de Serrat que fala de um apaixonado – Curro, El palmo – que mesmo depois de passar de uma vida à outra continuou lírico e enamorado, e “a las buenas almas sigue dando palmas”.

A amorosa dimensão, seja por pretexto da imanência ou transcendência, é o que define a poesia de Geraldino Brasil. E não será a outra a que deve ter o leitor para alcançar verda-deiramente a “alma” do que escreve, pois, por mais “filosófica” ou reflexiva que conforme a substância do seus versos, o tom de conversa e a dicção de proximidade fazem com que leitor e autor se irmanem numa fraternidade cada vez mais rara, mas, de todo modo, indispensável para “perceber” de modo com-pleto a essência desse poeta.

Assim, a meditação que leve e despreocupadamente vai mostrando o poeta nunca se desliga de uma gravidade ética, que talvez no fundo tenha mesmo uma dimensão metafísica, por mais despretensiosa que se apresente. E tal despretensão é

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reforçada no corpus temático que não se desapega do cotidia-no, do passeio calmo sobre objetos, pessoas e lugares, como uma câmera que pensa, como uma onipresença lírica nas coi-sas aparentemente menos poéticas e de matéria para a poesia.

Porventura pode ser considerado Geraldino o menos ideologizado dos poetas, o menos contaminado pelos dogmas que vez por outra se flagra mesmo nos autores mais libertos das amarras dos cânones estéticos ou morais. Alguém obser-vará talvez, quase como uma interpretação contrária, do seu gosto pela sextina, e logo se dará conta de quanto ele libertou a forma da sua aparência de fôrma.

Há muitas maneiras de se apresentar um poeta, mas so-mente uma de apresentá-lo: de corpo inteiro. E isso cabe tanto para as chamadas obras completas quanto para uma antolo-gia em que ele escolhe o que lhe parece claro e essencial no que produziu. Fortuna que o apresentador destes versos tão presente e intenso nos tempos imediatamente anteriores a Geraldino se encontrar pessoalmente com Dante e outros dos seus amigos mais próximos tenha estimulado nele o gosto por organizar-se em antologia, e aqui está: um tanto de seu corpo, de sua alma, do seu espírito, da sua mente, verso a verso.

De certa maneira toda antologia que um poeta (se) orga-niza é uma profissão de fé, uma arte poética. No caso de Ge-raldino isso termina por se fazer ainda mais enfático porque poucos poetas brasileiros escreveram tantos poemas em que o ato de escrever poemas fosse mais explicitado, fosse mais refletido. Metapoema, metalinguagem... não importa muito o termo que os teóricos elejam para isso, vale mais atentar para o fato de que se houver um momento em que a crítica e a confis-são podem lograr um abraço paradoxal teria de buscar quem sabe nos versos de Geraldino uma epígrafe; pois, ao mesmo tempo que serve como lúcida reflexão sobre o estar-no-mun-do ou o estar-no-mundo-a-fazer-poesia, o que ele escreve não perde o sopro lírico tão inseparável do que pensa-sente, do que diz e faz, o tal olhar amoroso a que se referiu antes, algo distinto do olhar distanciado do antropólogo.

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Para muitos o poeta é mais do que uma rima simples para profeta. O vate não disfarça nunca uma certa nostalgia (um retorno doloroso) às origens das coisas. Mas a poesia, e a poesia de Geraldino de modo especial, goza de ser mais do que um exercício de escafandro, ama com a mesma paixão as superfícies, a face clara e limpa do abismo sempre ao alcance de todos em cada esquina, cômica e trágica a um só tempo. De um jeito ou de outro, muito dessa realidade se iluminará em cada um destes versos de Geraldino, cotidiano e próximo e indispensável como o pão, quer dizer, a poesia nossa e de cada dia.

Mário Hélio

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geraldino Brasil

Geraldino Brasil (1926 – 1996) é pseudônimo de Geraldo Lopes Ferreira, alagoano, nasceu no Engenho Boa Alegria, em Atalaia-AL e viveu quase todo tempo em Recife. Casado com Creusa Maurício e pai de Moema Oliveira e Beatriz Brenner. Poeta brasileiro dos mais importantes surgidos no século XX. Bacharel em Direito, exerceu o cargo de Procurador Federal da República. Suas sextinas, forma poética a que ele se dedicou desde 1991, tornaram-se conhecidas fora do Brasil, especial-mente na Colômbia.  

Livros: Alvorada (1947), Presença da Ausência (1952), Coração (1956), Poemas insólitos e desesperados (1972), Ci-dade do não (1979), Sonetos de sol (1979), Poemas (1982, traduzido na Colômbia), Bem súbito (1986), O Poema e Seu Poeta (1988), Todos os Dias, Todas as Horas (1987), Todos os dias, todas as horas e novos poemas (1989), O Fazedor de Ma-nhãs (1990), Não Haverá o Anoitecer (1991), Livro de Sextinas (1992), 52 Sextinas (1993), Praça dos Namorados (1994), Sex-tinas múltiplas (1994), Um Soneto de Sol para Cézanne (1994), Rosas no Ar (1994), Sextinas de Sol (1995), 15 Poemas de Walt Whitman-tradução de Geraldino Brasil (1995), Poemas De-sentranhados – Das prosas de Dostoiévski, Euclides da Cunha, Guimarães Rosa e Fernando Monteiro, Poemas Útiles (2003, antologia organizada e publicada pelo poeta e tradutor colom-biano Jaime Jaramillo Escobar), Poemas de Ler Sem Tempo (2003, livro de haicais organizado por Mário Hélio ).

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entrevistando um poeta por creusa maurício

CM – Sei que Geraldino Brasil é seu pseudônimo. Por quê?

GB – Não se trata de modéstia. É que, ainda quase meni-no, publicava uns sonetos de amor na Gazeta de Alagoas, de Maceió. Pois bem, foi quando um homônimo meu, em nota pelo mesmo Jornal, informou aos conhecidos que era um ho-mem sério, comerciante, fiel à esposa e portanto não o autor dos suspirosos versos... Então para evitar problemas domésti-cos desse Senhor perante sua Excelentíssima e para não abalar seu crédito nos Bancos, adotei o pseudônimo...E gosto dele e crescentemente sou mais ele do que meu nome.

CM – Que acha da poesia no mundo atual? Ela é capaz de influenciá-lo?

GB – A poesia sempre esteve bem, porque sempre houve poetas. E agora entre os melhores do mundo, há muitos brasi-leiros. Se distinguisse a atual da anterior, diria que a atual está melhor do que a anterior ou anteriores, porque a humanidade mais carente dele e ela capaz de a todos acolher. Se é capaz de influenciá-lo? Claro que sim. Porque é a maneira mais alta possível de entender as coisas e as pessoas, por ela cada um sa-berá mais e melhor do mundo e da vida. A aproximação plena dos homens será alcançada pela poesia.

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CM – O homem nasce poeta ou se torna?

GB – Creio com crença que não se aprende a ser poeta. Não conheço poeta que antes não o tenha sido. Porque é coisa do espírito, este é a sua fonte. Aprende-se a fazer versos, não a ser poeta. Porque o poeta, com o seu espírito, é anterior ao seu verso.

CM – Toda sua força poética nasce de suas reflexões?

GB – Nasce do amoroso olhar para as pessoas e coisas, o mundo e sua vida. Minha poesia não é a da minha vida mas a da vida do mundo, do meu tempo e dos homens e mulhe-res do meu tempo. Pelos meus poemas saberão muito de cada um, inclusive de mim.

CM – Algum livro novo?

GB – Brevemente sairá Cidade do Não. Terei a enorme alegria de vê-lo com capa de Mariani e apresentado por Alber-to da Cunha Melo, o poeta de Oração pelo Poema, este – Ora-ção pelo Poema, um dos melhores poemas brasileiros, onde claramente se Vê que a fonte da poesia é o espírito.

CM – O último poema?

GB – De anteontem.:

Na Ante-sala do Ar

Eles não se conheciam e se olharam

sobraçando presentes natalinos

e possivelmente não se verão jamais.

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Não foi amor, para o mundo não

é amor o instante de um amoroso olhar

sem tempo e sem história.

Nos seus ofícios, com ternura, quando

em quando se lembrarão

do que não houve para os outros.

E continuarão sem volta ao lugar.

Não é lugar o instante de um encontro

de penas; na ante-sala do ar.

Creusa Maurício – 11/02/1974

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poética

Se tens a mais elevada ideia, crescepelo olhar e vê o Mundo e a Vidaem que o Homem e a Mulher os seus destinos tecem

Mantem sob domínio Amor e Vinho.Tua fé tenha o limiteque possas perdê-la à noitee não te aniquiles na depressão do amanhecer.

Não jogues no teu poema a palavra destruidora da sua poesia,teu ódio ainda.Tem o cuidado do ator que vive no palco com os companheirose cuidadosamente apaga a ponta do cigarro incendiária.

Lê os poetas e não digas o que disseram os mestres que admiras.Nem fiques onde pararam nem te baste onde subirampor mais belo que tenham dito e alto.A Poesia não o quer. Apenas a contentao teu jeito de ver e de dizer.Não imites os mestres. Uma afinidade com elesque alcançasses será a maior benção.

Lembra-te de que ninguém fará igual ouro genuínoquando a vaidade do mundo o esgotar. Deus que o inventou um dia,nem ELE se repetirá no mesmo brilho já extinto.

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Faze tal o primeiro gatoque sem ter visto o anteriorsoube dar o pulo ágil e inédito.

(O impulso preciso, para alcançar o pássaro,não o deixará bem aquém nem além do muro que se ergue entre os fatais vazios).

Não é mau, é apenas o seu sonho de ser livre,É a ideia alta do começo da beleza maior de voar no azul.

Recife, 1991 (in Não Haverá o Anoitecer)

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o deVeR do poeta

O dever do Poetapara com a Poesia,a sua alma,os pósteros, é tentar o poema que vá aos que virão (nada de ondas que passaram e morreram),

o mar, que é de todos os tempos;o homem do campo, que é universal e eterno;a vaquinha, que jamais negou o seu leite;a ovelhinha, que sempre doará a sua lã;e o frágil pássaro de todas as alvoradas;e a rosa de que não se diráque só dos amantesdesta ou daquela cidade.

E assim o antigo em cada novo dia ressurrecto até que o último homem que pergunte ainda como o primeiro,sobre o abismo entre as estrelas.

Atlanta, 1990 (in Praça dos Namorados)

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a diFicUldade dos VeRsos

A dificuldade do último versoe que ele é o acabamento do poemae pode estragar tudo o que foi feito.

A dificuldade do primeiro versoé que quem começa mal não termina beme pode indispor para o poema que adiante iria melhorar.

A dificuldade do segundo versoé que terá de melhorar o primeiro, se ele sozinho desagradoue recuperar quem ia deixar cair a folha do poema.

A dificuldade do penúltimo versoé que ele tem de preparar para o últimoe não pode ser mais forte e melhor do que ele.

A dificuldade do antepenúltimo versoé que ele tem de crescer em relação aos anterioressem superar o seguinte que não poderá ser melhor que o verso final.

A dificuldade do terceiro versoe que nele ainda o leitor indeciso ou sonolento ou sem tempo pode desistire ele e o exato momento da responsabilidadede ser a esquina que promete outras visões ou de ser o vinho que desperta e estimulaou de ser a oratória do camelô que faz parar o passante apressado.

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A dificuldade dos versos seguintes até o anterior ao antepenúltimoé que não serão lidos se os três primeiros não levaram a elesou serão lidos por quem chegou à esquina com curiosidade ou foi despertado e estimulado pelo vinhoou parou na rua rápida e quer ouvir sobre as raízes da sua dor.

A dificuldade que pode haver de algum verso lá pelo meio esquecidoque enquanto era tratado conforme a dificuldade do lugar onde ficou,gritava ao poeta surdo ou distraído que sua poesia era de outro poema.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

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nada além do poRtÃo do pÁtio

Tenho de esconder na rua – e não só na rua – que poeta sou.Justamente o que mais me agrada ser, o que mais importante é.Porque o resto é secundário e justamente pelo que em mim há de secundário me recebem, me ouvem, me elogiam, inclusive a lei me

distinguiria mesmo sob severa ação penal,pois tendo endereço, profissão, bens penhoráveis e ao processo

não seria interessante fugir.

Mas poeta – ah poeta! – isso tenho de esconder que sou.E assim todos os dessa minha classe!

Porque poeta querem no poema, ali ele tem liberdade como o presidiário no pátio.

Porque do poeta querem o poema no livro, a beleza, a sua saudade,a esperança que tenha, a dor enorme ou a significação de tantascoisas antes do poema opacas, antes insípidas, antes neutras,ou antes mortes, ou antes inexistentes, no livroque passará a ser útil, disponível na estante para momentos

de depressão ou de entusiasmo.

No livro ou apenas no jornal do domingo, na leitura com a duração do cigarro e do gole de uisque, antes da corrida

para um jovial mergulho no mar.E basta, porque fora do poema simplesmente andar em direção

a alguém? poderá ser como ir além do portão do pátio.

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Porque fora dali o querem funcionário público, advogado, eleitor, contribuinte, chefe de família e profundaestranheza causaria o poeta inclusive aos amigos penalizadosque temeriam diagnósticos graves e prognósticos sombrios.

E uma estranha a quem fitasse (mesmo com pureza como a uma irmã)e a quem mostrasse a beleza da manhã (para que a beleza daquele momento olhada por um apenas não se perdesse) então uma estranha é bem possível que temessee um policial chamasse,um policial para quem tudo o mais é sempre secundário.

Recife, 1971 (in Poemas Insólitos e Desesperados)

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poema da insipideZ natURal e da insipideZ adotada

Este velho mundo sempre esteve cheio de pessoas insípidas.Quem quer que sejas na tua rua já saberás quantase delas em vão fugirás porque em toda parte.

Mas afora tantas – outras há, estas sim, infelizes, porque se sabem,porque de insipidez adotada para uso imposto pelas situações nas ruas, nas salas das casas, nos salões das reuniões sociais.Insípidas não são mas deverão parecê-lo, eis a maiordesgraça deste mundo e no entanto eis o que mantém a Ordem!

Não agradaria ao poema discriminar todos os mil e ummomentosda dolorosa insipidez adotada inclusive em favor da Ordeme às vezes até em desfavor do Amor. Dou-te um exemploleitor quem quer que sejas e de adotada insipidez:

Uma linda mulher de coração que alegre quer pular tem indiferente maridoque a ignora insone. Tu o sabesmas apenas será consentido em favor da Ordem que sejasinsípido.

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Perguntarás se terrível dor de cabeça a aflige e em respostasabiamente mentirosadelas ouvirás em favor da Ordem no mundo que insuportável dor de cabeça a faz sofrer e lhe oferecerás um analgésico insulsamente recebido e inutilmente tomado.

Ela te dirá “muito obrigada” e lhe afirmarás, com confiança,− Vamos ter fé em Deus.E aqui te reveloque os poetas, compromissados,cautos, assim fazem, ouço dizer que assim fazem,no poema, uma estratégia, a diferença é que no despistamento, insípida jamais,em doce jorro, − a poesia em sua enorme dor e em sua indefinida beleza.

Recife, 1971 (in Poemas Insólitos e Desesperados)

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a HonRadeZ e a mansidÃo, o caos!

Ah velho mundo que não suporta a honradez e a mansidão,repentinamente de cada um e todos, geral!

De pronto seria bom, definitivamente a PAZ.A Justiça sem o processo e sua carga de dor!Antes a polícia sem sua exaustiva luta que lamenta ostentar!O Fisco no seu mundo ideal, mansamente arrecadando,a desnecessidade dos comandos, tão doloroso fiscalizar!E sem os gatunos, a janela aberta à brisa noturna, amar!

Fora o martelo, fora a fechadura, fora a ronda, fora a grade do xadrez, foraos formulários de autos de infração e notificações!O que é constrangedor e humilha o homem – fora!

Mas ah mundo velho que não suportaa honradez e a mansidão de cada um e todos, geral! Oh a nossa economia, o que inclusive a mantém!Oh o mundo dos negócios, o que inclusive o sustenta aquecido!Oh o nosso funcionalismo tão numeroso, para que?

De pronto seria bom, repentinamente a PAZ!Bastaria a Justiça Eleitoral!E da Polícia só o Corpo de Bombeiros!No Fisco o recebedor!E pequena indústria de leves ferrolhos, as portas contra a chuva,

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um ventinho frio ou algum vira-lata que procurasseo cheiro da cozinha, e só!Mas – ah mundo! – seria o caos!Um desemprego quase total, particular e público!

E o problema sem solução ainda: readaptar a nossa economiaàs novas circunstâncias, com urgência, antes do fim do mes,para o pleno emprego no mundo da repentina e definitiva paz,num mundo sem assaltantes e sem gatunos, alguns cínicos!

Os jornais reapareceriam com MANCHETES contra a PAZ da Honestidade e da Honradez!

Voltar ao que se está, em favor da Ordem contra o crime,eis a solução. E com o doce amor sonhar...

Recife, 1986 (in Poemas Insólitos e Desesperados)

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apRendi nos campos

Aonde tenho idotêm dito que espere.Espero.Às vezes nem me ouvem.Espero.

Nasci nos campos, tive terras.Esperei as chuvas.Esperei os sois. 21 dias pelos pintinhos amarelos.30 pelos patinhos do lago.

Esperei árvore crescer.Anos, saibam vocês que compramnos mercados os frutos já maduros.

E eu não creio, homem meu irmão,que me negues o teu olhar fraternoe tempo de uma árvore crescer.

Se o negares como umaque foi sem frutos,ainda terei como os de outra que plantei,ou da seguinte, preciso fosse.Esperar é comigo.

Recife, 1989 (in Um Soneto de Sol para Cézanne)

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a paZ

Ó homens e mulheres do futuro: ao poeta do vosso tempo não seja preciso.

Geraldino Brasil

As noivas, as mulheres grávidas, todas as mulherese homens que nos campos da Terraesperam os generosos tempos da colheita.Os homens e mulheres que nas cidadesesperam os doces frutos dos campos;os viris combatentes que no frontestão desejosos de suas mulheres;as meninas, os meninos, os anciãos,todos queremos a PAZ.

Todos. Vejam que aí está quase a humanidade inteira.E no entanto, alguns, uns poucos, uma centena,duas centenas, digamos 2.000,fazem a guerra, pensaram nisso?Um nada diante dos bilhões que somos e queremos a PAZfazem a guerra, pensaram nisso?Um nada diante dos bilhões que somos e queremos a PAZfazem a guerra. Digamos 5.000, pensaramque poderíamos obrigá-los a pertencer a uma Liga de futebol de amadorese disputar um campeonato mundial e assim trazera PAZ à Terra que é azul? Pensaram?

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Ou na verdade, somos nós, os pacifistas, que com elesfazemos a guerra.Oh dolorosa pergunta do poema?:

Ou na verdade somos nós, os pacifistas,que com eles fazemos a guerra?

Desde a árvore do quintalproibida ao menino do vizinho?Desde o velho que no abrigo de anciãos ainda faz gaiola de prender passarinhos.Desde o homem que mata no baro seu velho companheiro de conversar.Desde o menino que atira no pássarocom o seu brinquedo – presente do pai.Desde o homem de duro olharcontra o que na rua rápidabateu no seu ombro intocável.Desde a mulher que assassinao menino ou a menina do seu ventreque dos ferros tenta fugir mas não pode pedir socorroporque nem sua mãe está por perto.

Pensaram nisso, homens e mulheres que queremos a PAZ?Meus irmãos e minhas irmãs pacifistas, pensaram?

Recife, 1989 (in Todos os Dias, Todas as Horas e Novos Poemas)

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os peiXes

Um homem é chamado de mauquando mata um manso carneiroou um boi serviçal que não entendemo seu gesto violento e parece que perguntam com o olhar – Por que?

Mesmo um homem que mataum porco covarde que gritasem classe no escuro bancosob a dor do fino punhal,é olhado com desprezo e medo pelas pessoas que se alegramquando as carnes assadas sorriemna boca que as elogia.

Já me censuraram quando degoleiuma galinha e aparei com zelo seu jovemsangue rubro para festivo jantar.

Mas me elogiaram quando fisgueiinocentes peixes que seguiram no riomeu barco confiante em mimque os atraia covardementeoferecendo-lhes alvas migalhas de pão.

Que estranho! As pessoas bondosasnão querem ver a morte de um boi,de um cordeiro, de uma galinha,de um tolo peru que saboreiam

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nas mesas modestas e nos banquetes.Mas todos correm à praia para vera agonia dos peixes nas redes tenazes.

Eis um ser na terra de que ninguém tem penamesmo quando o aferroa o anzol.Os domésticos animais e os ferozes da selvatêm o descanso ao menos da sexta-feirada Paixão de Jesus, no seu calvário.

E os peixes? Em terrível abandonosem a proteção de um piedoso dia santo.Sem um dia de sossego nas suas águasporque o próprio filho de Deusmanda lançar contra ele as redesinfalíveis sob as suas Ordens.

Atlanta, 1989 (in Todos os Dias, Todas as Horas e Novos Poemas)

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poema do nÃo e do poético

Cortar los arboles hacer canoas de los troncos Aurélio Arturo

Homem perto, Não é poético.Homem longe, É poético.

Pássaro na gaiola, Não é poético.Pássaro na árvore, É poético.

Carro no campo, Não é poético.Cavalo no campo, É poético.

Ronco do avião, Não é poético.Canto do pássaro. É poético.

Apito da fábrica, Não é poético.Apito do trem, É poético.

Monte de rosas, Não é poético.Uma rosa, É poético.

Dois ovos, Não é poético.Um ovo, É poético.

Mil mulheres na capa da revista, Não é poético.Mulher da janela, É poético.

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Limonada, Não é poético.Vinho, É poético.

Caçador, Não é poético.Jardineiro, É poético.

Olé de toureiro, Não é poético.Aboio do vaqueiro, É poético.

O gavião, Não é poético.A garça, É poético.

A leoa, Não é poético.A corça, é poético.

Aborto, não é poético.Nascimento, é poético.

A guerra, Não é poético.A Paz, É poético.

Cortar as árvores, fazer caixões dos troncos, Não é poético.Cortar los árboles, hacer canoas de los troncos, é Poesia do poético.

Atlanta, 1990 (in Praça dos Namorados)

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nada mais lindo do QUe Uma mUlHeR

Nada mais lindo do que uma criança. Péguy

Nada mais lindo neste mundo do que uma mulherque espera a sua menina ou o seu menino.

Nada mais lindo neste mundo do que uma mulherde peito na boca da sua menina ou do seu menino.

Nada mais lindo neste mundo do que uma mulhercom as mãos atentas esperando o primeiro passo da sua menina ou do seu menino.

Se há algo mais lindo neste mundo é uma mulhermostrando a sua menina como se faz uma boneca dormir.

Ou se fazendo de cavalo cansado sob o peso do seu menino,em si mesma dando palmadas e gritando: oi vaaaaalo, ei ei!

Ou cantando uma canção de adormecer a sua menina ou o seu menino.Ou segurando o lápis na mãozinha da sua menina ou do seu menino.

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Nada mais lindo neste mundo do que uma mulherprocurando palavras para falar sobre o amor a sua menina,ou escondida ouvindo o que o pai do seu meninolhe ensina sobre o amor, e sobretudo o que lhe ensina sobre as mulheres

Se há algo mais lindo neste mundo, é uma mulherdizendo para a sua menina como são os homensE não há inocência maior neste mundo.

Ou mostrando o retrato de um marmanjo que está no exército e dizendo às pessoas da visita que é o seu menino.O sargento no quartel grita marche-marche e fala que o que a mãezinha diz é ridículo.

Para mim nada mais lindo neste mundo.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

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poesia de pessoa

Uma vez me perguntaram se eu conheciatoda a poesia de Fernando Pessoa.Para ser verdadeiro disse que não e claro que houveum olhar de censura.

E não corri a reler Fernando Pessoaa fim de me preparar para uma resposta.Porque sempre que o terminoapenas andei um pouco desde antes,um pouco mais alcanceida sua complexidade, da sua simplicidade,da sua incredulidade, da sua confiança,do seu sentimentalismo, da sua frieza,do seu pensamento sentido, do seu sentimento pensado,do seu pensar sem sentir, do seu sentir sem sentir,do épico e do lírico sem oposições e que fazem crerque há nele o poeta que é e outros poetas que nele foram.

E sempre aquém do que deveras verdadeiramente foi,olho para baixo e não sei onde começa,olho para cima e não vejo onde termina.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

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classe média

Um médico.Ótimo na família.Um executivo.Ótimo.Um arquitetoum engenheiroum magistrado.Ótimo.Um poeta.Melhor na família dos outros.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

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pRoBlema na FamÍlia

A família ia bem mas o filho mais novo.A família ia bem, quebra a casca do ovo.A família ia bem, vê a rua olha o povo.Um problema, surgiu um poeta na família.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

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todos os dias, todas as HoRas

(Fragmento)

Felizmente o poeta não é como a poesia que fazFelizmente o poeta não é a poesia que faz,como o mímico a mímica da sua cara que mostra pra fazer rirenxugando inexistentes lágrimas.As lágrimas tristes do poeta existiram de verdade,mas agora os olhos secaram e lágrimasque secaram não fazem rir, fazem poemasde sentir uma dor calada, eis a diferença das artes.

Por isso eu não uso palavras inéditas,as que moram no dicionário e nunca saíram – sem uma viagem pelo coração,assim as peças de automóvel nas prateleirasque nunca sofreram numa buraqueira de dizer palavrão contra as autoridades que embolsam os impostos,sem nunca um descaminho à noite, falta de gasolina,aflito rezar.

Nada de palavras sem a humildade das fadigase dos sonhos do cotidiano,tal uma cama nova na exposição da lojasem a ilusão ou o desânimo da donaque ainda não teve, está em casa sonhando com um marido.

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Ou sem o peso do homem que morreu sozinho noutra camae que quando estava vivo era leve,porque ainda o erguiam os gemidos ou as esperanças da manhã que sempre vem no canto dos pássaros.

Recife, 1989 (in Todos os Dias, Todos as Horas)

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pessoa de WHitman

Está aí uma poesia que não se poderá libertar do nome do seu poeta.Esta glória será negada a Whitman.Está aí uma poesia livre que para sempre lembrará o seu nome.Será o único que terá eternamente esta glória.

Porque os EU, EU ME, EU SOU são ele e sua poesia,inseparáveis, ele batendo nos peitos largose gritando indicativos presentes que noutros espantariame nele hipnotizam e atraem.

Whitman de todas as contradições,Whitman Whitman Whitmansabedoria e tolice, contido e bombástico,arrogante e simples, estourado e calmo,agressivo e fraternal, borrasca e água de banho,realista evidente e mentiroso encantador,grito e canção de ninar, ninguém se iludiráquando te ouvir dizendo aos berros que és uma ilusão,porque mesmo tuas brutalidades são evidentemente saudáveis− criança de dois metros de tamanho – homem–poesia poesia−homemde quem Deus foi companheiro e creio com crençaque dormiu na tua cama de panos alvos.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

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Vila do seRtÃo de peRnamBUco

Tão pequena que a únicarua é a estradaque ela sente não ser sua.Que para a estrada veloz,com a possível travessiado ancião ou do menino,propriamente é um estorvo.

Como pode sonhar?Não há uma serra nos arredoresque lhe traga as esperançasdos horizontes.Não passa uma nuvemem que a bondade do céu lhe desça.

Tão pequena que alio sol não nasce,aparece já feito,sem os mantos úmidosda manhã que deixounoutros lugares,longe, aparece nu.Tão pequeno que ali a lua não nasce.A outros ela mostrouseus fricotes de mulherpara sair linda, apareceárida, já um lugar altoonde estiveram os americanos.

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Ali uma casa é antesuma sombra que se procura.Depois é que é casa,sala, janela, cadeira,fogão, mesa, cama,pai, mãe, avó.

A água daquele poteda mulher grávidanão foi colhida na fonte.Ali a água não se oferece,foi preciso cavarpara pegá-la lá dentrocomo se pega um tatu.

Que há de grande alialém da sua pobreza?Além da mulher grávidaque à sua criança sorriráquando lhe der pirão?Que há de grande alialém do homem esquecido?

Além da vaquinha magraque da folha seca faz leite?Além da cansada árvore única?Além do olhar do menino,além de algum sonho ainda?Que há ali de grande, alémda velocidade com que passam?

Recife, 1989(in Todos os Dias, todas as Horas)

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o poVo

Pelos caminhos do mundo,um homem, uma mulher, um menino,o hoje mais antigo da Terra, povo.Homem, mulher, menino, multiplicação, multidão, povo.

O povo manso, submisso,impertinente, respeitador,triste, crédulo, desconfiado,tolo, esperto, formiga que carregauma folha verde maior que ele.É lago e mar selvagem pede, se dobra,se levanta, indolência e trabalho duro, o povo vive, o povo sobrevive, povo.

O povo é a franqueza que cria o poder.É o rebanho que dorme.É a boiada que estoura.É o sono que sonha.

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O povo viveo povo sobrevive trágico, cômico, mágico, lírico, épico, infinito, povo.

Recife, 1986(in, Bem Súbito)

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a pRimeiRa palaVRa da Vida

Antes de saber qualquer palavra,mesmo a primeira palavra da vida – mãe,soube o que era bom de sentirquando me deste o teu seio.Soube o que era bom de ver quando vi teu sorriso.Soube o que era bom de ouvirquando falaste o que não sei,sei que foi mavioso som a tua voz.

Deve ter sido terrívelquando pela primeira vez te afastavas,eu sem pernas para ir contigono teu seio, na tua voz, no teu sorriso.Sei que deve ter sido dolorosomeu primeiro desespero sem saberque voltarias. Nem sei dizer da primeiraexcitação quando a porta do quartose abriu e eras tu que voltavas.Até então eu não poderia esperarque alguém voltasse. Sei que esse primeirovoltar de alguém foi tua volta.Foi a primeira vezde ter de novo o que era bom.Minha primeira alegria quando te vi voltarfoi o teu seio, a tua voz, o teu sorriso.

Recife, 1990 (in O Fazedor de Manhãs)

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amaR mais do QUe posso

Meu poema vem de antes de mim, tem mais do que meu tempo.Por isso senti, menino; eu amo minha mãe mais do que amo.Assim meu pai, assim o estranho que passava perseguido, assim árvores, pássaros, manhãs, o tempo das pessoas,o ignorado trabalho do tijolo na parede,a pedra à beira do caminho e que não poderá fugir por ele.Por isso ando sempre com o poema, com ele eu cresço meu tamanho.Com ele identifico os amoráveis homens e mulheres do futuro. Esses meninos que estão chegando foram seus companheiros antes de mim, esses meninossão grandes, de enorme espírito, em breve estarãoconstruindo contra a vontade dos paisa Terra do Terceiro Milênio. E quando os vejo nãome espanto mas me rejubilo e confio.O poema os conhece.Sem poema eu penso apenas nos sinais do trânsitoe te reduzo, homem gordo, a um pedestre que estorva o meu caminho.E como te quero amar mais do que posso, minha amada,te amo com o meu poema.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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palaVRa teRRa, palaVRa céU

Se escrevo esta palavra – Terra, me pareço com um poeta no meu quarto.E também tenho uma quartinha d’água, um pão com carne,uns poetas padecentes nos seus livros,uma janela, a enorme dor da rua;minha cama, mulher, meu desejo do teu corpo,e a lembrança de minha mãe que pensa que ouço seus conselhos.Se escrevo esta palavra – Terra, faço também um poema e isso me esgota.Porque o problema é que a palavra Terra não me deixa descansar,como não é para dormir um quarto de poeta, é de escrever esta palavra Terra.Se escrevo a palavra Céu, para abrigar de mim o meu espírito,se escrevo a palavra Céu o verso ocupas,uma honra, Senhor. Mas se do meu lugar, do verso me retiro,olho-o de longe,como um trabalhador de sapatos de lama,após o acabamento, a sua construção.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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tRansFUsÃo

Podes crer, o poema é paciente e no livro vai esperar.Nas folhas presas contra passageiros outonos, do temponão ativo, na esperança de algum dia.Uma espera expectativa, uma esperança certeza, sangue no frasco para a transfusão, um coração o acolherá.O poema não quer ser como as águas do rio que procuram o mar dissolvente.O poema não quer a satisfação do sorvete que se extingue no gut gut do uso.O poema não quer ser o tempo sem futuro como o presentenum abrigo de anciãos. O poema não quer sera beleza da manhã nas nuvens sobre que não passao avião com pessoas que a levem para o convívio da sempre lembrança.Nem um alô! na rua entre pessoas que não se olharam com ânsia.E seu maior sofrimento seria ouvir que é paixão de menino pela professora,ou amoroso olhar de um velho, em suma,pensarem que não é nada ou que é uma crise.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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o poema teima em QUeReR o liVRo

Não ouvido na rua mas na esperança de algum dia, o poema teima em querer o livroO motivo da dor:as comunicações estão rapidíssimase velocidades distintas querem negócios e amor.A vida está muito veloz e o poema, (com pequenas coisas abandonadas onde precisem como eu), teima em querer o livro.Não há tempo de sonhar, só muito querer.

Querer é o principal, cedo vencer. Amar foi o verboe agora nem só do espírito vive o homeme quem se descuidar um segundo poderá perder para o irmão,totalmente, o pão divisível.A doce manhã ainda existe mas não há tempo, certo,de a contemplar.Entre pessoas apressadas procuro no chaveiro a chavedo carro no estacionamento provisório,e a jovem manhã olho furtivamente (o que é consentido, esse solitário olhar de esquina para a sorridente manhã de ninguém mais e que neste verso guardo),olho-a assim e se elabora o poema que teima em querer o livro.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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o poema

A José Paulo Cavalcanti Filho

Quero que Pedro ouça o poemamas Pedro é maquinista, não sairá dos seus trilhos.Quero que José ouça o poemamas José com a sua pasta de cobranças na rua – mercado vai surpreender o esquivo devedor de que vive.Quero que Flora ouça o poemae Flora lê sobre anticoncepcionais.Quero que Severino ouça o poemae Severino na parede que constrói montou o seu rádio de pilhas.Quero que Bety ouça o poemamas Bety vai casar, faz compras.

Quero que Mário ouça o poemae Mário se aborrece.Quero que Teresa ouça o poemamas o poema não é marido, não o substitui, não serve.Quero que o menino ouça o poemamas só quando crescer, quando chorar nele o menino.Quero que Jorge ouça o poemamas Jorge vai morrer, aprende a rezar.Quero que os poetas ouçam o poemamas os poetas leem nos seus estúdios, as portas estão fechadas.

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Quero que a cidade ouça o poemamas – ai de mim! Nas casas estão jantandoou mais cedo dormindo sem jantar

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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o poeta

Aprendes a ser poeta, poderás ter sorte, um bom poema um dia, o título, e descanso.Mas ai de quem nasceu e a quem se impõeestar permanentemente e sempre poeta,mesmo se com o anzol, se com a mulhere quando janta bem, atento, sem repousar nunca,devendo parecer ingrato, não ficarno acolhimento de algum seio, partirqual fosse o vento que beija e segue, esquecido,não consentido que tenha a alegria do pai que vê o filho nascer,como a água do rio que não pode colher o fruto da terra que fecundou.E mais devendo inquietar tranquilidades,por onde for ferir – ferir,mostrar que a dor dos outros também existe,elétrico, corrente, luz e choque.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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a poesia

Um caçador de momentos que agora me visse no terraçopoderia pintar um homem quase velho ainda esperando notícias.No salão claro um ou outro em silêncio talvez rogasse

que ele as recebesse.Ou lamentasse que não poderiam mais chegar.O pedido sem fé ou a secreta compaixão do estranho, talvez fosse poesia,não a espera mesma, que seria apenas uma ansiedade.A poesia existe para o seu observador e se ignora e não se sente,como o farol da barra e o louco com as suas visões do mundo.(Um poeta que dorme – isso para ele não é poesia).Primeiro porque ele dorme e a poesia não está absolutamente alheia à lógica,depois porque o desejo do corpo da amada o despertou abraçando o ar e isso é uma coisa lamentável.Nem o poeta mesmo é poesia (ainda há os que se erguem nesse leve equívoco que é uma das últimas fontes de claridade do mundo).Porque o poeta não é como o antigo heroi, que era a sua coragem.O poeta tem seu corpoque se cansa da esperança do poemae da rua por onde vai espia a mesma vida dos outros.E volta sob a noite a casa,

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à mesa calada,à luz que se apaga na janela do quarto de dormirdo amor conhecido, do abraço provisório.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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nÃo caRRego gelo ao sol

Não pede pressa o que conduzo mas segredos(não carrego gelo ao sol).E nem cansa que enquanto me sustenta(nesse sentido é qual a nave que no próprio bojo seu piloto ergue),meu poema – o que levo e de que vivo.

O que procuram lá na frente e ao lado aqui deixaram,nele vai:manhãs para recomeçar, caminhos de chegar ou de partir,coisas que não me cansam e sustentam(como ao menino magro serviçal)o pacote de pão de que se nutrirádepois que os outros a quem serve se servirem).

Conduzo momentos de caminhos e manhãstal quem fosse obrigado a equilibrar num barco de papela água de enorme cântaro em pequena concha.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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com o poema

Quando será consentido que eu vá às pessoas com o poema?Ele poderá falar, ouvir confidências, conviver.Pode dizer eu te amo ao estranho perseguido.Condenar o homem gordoque mandou expulsar o pedinte do festim.Chamar de irmão ao homem de outra fé.

O poema – homem – diz que tua mulher não te amae que tua voz fere os seus ouvidos:acolhe os que empobrecese espera a volta do que te expulsará do Templo.Toleras, é apenas um inofensivo poemae tua mulher insatisfeita continuará sob o teu corpo de óleo.

Teus servos não leem poemase o Senhor já morreu há 2000 anos, acreditas,(a mesma historia dos cézares o diz).Mas o que restaria de mim, fosse eu mesmo à casado desespero de tua mulher,do Jesus da parede querendo o meu braçopara te chicotear?

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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condenaÇÃo do meU tempo

O futuro não conhecerá o meu poema mas o importanteé que condenará – como ele – o meu tempo.Este tempo de saber e não e não suportar a fabricação do 29para rodar além dos 10.001 quilômetros.Este tempo de mandar farrear para vender alcalinos.Este tempo de o fim da guerra trazer o desemprego e a mesa sem pão.E como se não bastasse viver-se do acessório, da azia e da morte do irmão,este novo horror de se viver do não nascimento,a compra-e-venda da não chegada daqueles do DEIXAI VIR A MIM, SENHOR!O FUTURO A TODOS ESSES RENEGARÁ ( e a mim com as minhas cumplicidades).Meu poema os condenará e a mim próprio,sabeis vós, Senhor, é a alegria do meu poemaque em breve será esquecidoe será totalmente ignorado pelos amoráveishomens e mulheres do futuro.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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nÃo contRaRio minHa canÇÃo

Não poderia ser poeta na URRS, não faço poemas para a Ordem.Não contrario minha canção, não contassem comigo contra o poema.Na URRS ou no EUA, no Paraguai ou na Suíça,ou entre minhas tias, meu poema seria condenado, olhado de soslaio.Não faço poemas para a Ordem, faço poemas para a Vida.Minhas tias se aborreceram quando fiquei ao lado do poema, fui a favor de Severina, a que olhou para o pedreiro da construção.Pensou: eu posso trabalhar e amar José.Não querem assim os que têm uma filha, que ela estudee se apaixone por um estudante?

Pois bem, quando foi Severina, seu amor ofendiaà Ordem da casa das minhas tias.Discordei. Aprovei o amor de Severina. Minhas tias se

escandalizaram.Eu parente delas, recebido por elas, eu ao lado de Severina que amava o pedreiro da construção!Minhas tias podem apenas resmungar, dizer que não tenho

juízo.Agora me pergunto: se minhas tias dirigissem a URRS,ou os EUA, ou o Paraguai ou a Suíça,qual seria minha situação, minhas tias no Poder?

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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posiÇÃo

Me lembro do pequeno pássaro agoniado sobre o ninho sem os seus filhotes.Me lembro do pintinho amarelo gritando nos dedos do gavião subindo com ele.Me lembro da areia nos olhos do peixe, grandes, me lembro

da língua do carneiro no gancho, da rãzinha chiandona boca da cobra, da faca na garganta do galoque anunciou a manhã,do homem morto no chão quente, da sua mãe mexendo no corpo dele,como quem acorda um mouco.É desse tempo o meu espanto, o meu perdido jeito de sorrir.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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identiFicaÇÃo com o senHoR

A José Paulo Cavalcanti

Desconfio que, morto, recusarei o céu,antes da minha condenação.

Não sou da gargalhada, do abraço com palmas nas costas,de gritar: − Meu amigo!

Esses (bem vividos), sempre com a mão no ombro do novo companheiro influente,esses é que irão dizer: − São Pedro, velho amigo, vamos entrar?,esquecidos de cá e pedindo perdão pela má companhia…

Eu sou triste, não sou de dizer amém!, faço minhas críticas,portanto sou daqui, apegado a estranhos, ao sonho, à esperança, ao desespero,

recusarei o céu,antes mesmo da minha condenação,enquanto a enfermeira não se casar com o médico,o Natal provocar angústia – festa sobretudode exclusão,e houver qualquer menino espiando a sala do vizinho,o bolo da padaria, o trem da loja, a bola, a bicicleta.Reparem, não é virtude, não me atribuo bondades.Pelo contrário, é um desentendimento com Deus, ou, quem sabe?

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completa identificação,de tal modo que ele me dissesse:

− Em verdade, em verdade, lhe digo. Enquanto um meninoespiar o domingo dos outros, nem eu – Deus – ficarei no Céu.

Recife, 1990 (in Sonetos de Sol)

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os amantes

Amantes de um amoroso olhare que jamais de novo se verão.E os que se desejam e na cidadedos códigos se olham.

Amantes que se tiverame não morreram do pleno amor.Andam das suas casas para o lugar(uma questão de palavra), vagarosos.

Amantes que se separaram saudosose se esqueceram. E os que se separame o espera o que não se lembra mais.Há o que vinha voltando e não pôde chegar.E o que não saberá que o outro ia voltar.E o que não pôde ver o que voltou.

Há os que se separaram, calados,e voltaram e se casaram de novo.E agora não é mais tempo de separação.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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RUa

Há um piano, há sempre um pequeno objeto,uma cor de vestido, um gesto, um retrato ou o seu lugar;uma tarde de sol, uma noite de junho,um frio além da vidraça, há sempre um nada para os outros,na rua da mulher que vem, do homem que vai,na lembrança escondida de cada um que passa.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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manHÃ sem José

Na oficina, nos atritos dos ferros,ouvia-se que homens trabalhavam calados.

O mestre com as mãos falava ao aprendize os demais de um lugar para o outro iam com pequenosinstrumentos que os arqueavamqual se pesassem desânimos.

A maternidade cinza da mulherque embrulhava em folhas de jornalcoisas miúdas que ficaram.

O espanto do se menino de olhos grandes e tristesespiando a máquina.

A moça nua da parede de oficinase oferecia a homens sem desejos na manhã do companheiro morto.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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oUtRo QUe FUi

Um poetaUm poeta não saberia inventar de novo os seus poemas.Como foi?Os meus, tão fáceis, não saberia mais fazê-los.Quando os leio, parece que foram de mim outro,outro que fui e tive aquele momento de cada um.Se alguém os elogia, porque não os seis mais, doi-me.

Foram sinceros, foram verdadeiros? Tanto o foramque não me lembro como os fiz. O poema é verdadeirocomo um lugar em que se esteve de olhos vendadosou onde em sonho se esteve. Não há como voltar.

Outra ilusão? Outra esperança?Bem, pedem poemas. Mas como fazê-los?Consentirá ainda a poesia o doce encontro?

Recife, 1988 (in O Poema e Seu Poeta)

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na sUa soRte, no seU medo

Nada se parece mais com um homem do que outro homemquando este está tão longe que não mostra o seu rosto.Ninguém tem mais estima que um homem quando vê outro

homemtão longe que não mostra o seu rosto.Ninguém quer proteger mais um homem do que o homemque o vê tão longe que por ele nada pode fazer.Eis o momento absoluto da afeição de um homempelo homem na esquina, contra o rio,que entrou na floresta, no caminho da escuridão.

Porque o homem que está tão longe que não mostra o seu rostose torna o homem que o observa e se sente no seu destino,na sua tentativa, na sua sorte, no seu medo.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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natUReZa moRta com maÇÃ

Um quadro de Cézanne não é um momento da natureza; é um momento do artista. MATISSE

Imóvel maçã, à síntese básica da tua forma te reduzocomo um troncoa um cilindroe a um ovoide uma cabeça.

Assim da mesa em tornome distraioe na centésimavolta me esqueçodo coração que era fornoonde ardia meu espírito.

Abro a janela poronde entre o sol e é pouco.E como queres mais cordestelho a casa, louco.

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Se estás verdes ou madurae qual o teu sabor,ignoro. Quero que fiquesimóvel e estruturae forma me comuniquescom tua cor apenas, tua cor.

Qual Cézanne – quem sabe? − Só tento fugir,na tarefa aparentemente simples de te olhar, observando que ou a mesa não é firmeou há um sol em cada canto a te banhar.

Assim da mesa em tornome distraioe na centésimavolta me esqueçodo coração que era fornoonde ardia meu espírito.

Agora excitado o olharde quem te vê plasticamentejá (em outro sofrimento)tenho de mudarde posição constantemente.E como és uma e quantas vejoe simples és e te deformo,de novo te peso e meçoe te reformoe em desespero recomeço.

E no fim a simplicidade das esferasviolo e vejo que te criocomo antes não erassob o meu olhar ainda frio.

Page 75: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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Descubro-me criadore por um instante vejo na criatura cormais excitante

e possivelmente commelhor sabor.(Cézanne, fora bomoferecê-la a meu amor)

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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momentos com meU pai

Um dia estava triste (e olhando o chão)e ele pensou, erradamente, como quase semprese pensa de um menino, que eu dormia em paz.Mas eu olhava o chão e vi seus pés.

E porque não me chamou, eu sabiaque estava gostando de ver-mee que o seu olhar me envolvia com doçura.Então ainda alguns segundos simuleique dormia e fiz que despertava e logo reconhecia seus sapatosde onde erguia minha cabeça ao seu rostoque esperava o meu olhar, com um sorriso.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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FRUtos do cesto

Os frutos que já vira colorindo a árvore, agora estão no cesto,poucos, que o homem oferece como quem os nega.

Oh querê-los pelo seu gosto e pela sua forma de seio.Disfarçadamente fazer cálculos passa o que grita o seu preço.Nunca ele fará nem poderá fazer como a árvore que os doa, generosa,clareando-os de sol para que de pronto eu os veja entre as folhas.Oh minha simplicidade de gostar desses frutos vezes cor de pele.Oh minha alegria de vir com um pequeno saco feito de linho de uma roupa que foi minha,O pano claro e fino denunciava as suas formas femininas.

Oh o pensamento de encontrá-la, Deus meu, a que longe está!,mas inventar que está na cidade, ir oferecê-los,vê-la me estendendo as sumas mãos tão finas, tão leves,pequenas, as duas teriam de se ajudar para aguardá-los.E vê-la seguir – me doi ter de pensar que ela seguirá,vê-la seguir e levá-los para os seus filhos que não são meus,mas que ouviram meu nome com simpatia, quem sabe?

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 78: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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naVio QUe paRtes paRa longe

Deixa o porto do Recife o Gaasterland, cargueiro, e que meninaestará em Rotherdam, neste momento, esperando seu grumete?

Que menina estará em Rotherdam pensando no Recifemais do que um qualquer de nós, além do armadorque faz seus cálculos?

O Senhor ficará ocupado esses dias mais do que nuncacom os pedidos de uma menina em Rotherdam durante a viagemdo Gaasterland entre os perigos do céu e do mar,com o seu grumete sobre um tanque de inflamáveis indóceis.

Não tenho dúvida de que mora em Rotherdam uma menina,apenas não sei o seu nome, mas o importanteé que há ainda quem espere alguém com ânsia e medo.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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o ReBanHo

Me lembro da manhã, da nova grama verde, do rebanho lã de sol.Me lembro do rebanho lã-de-sol comendo a grama lã-minada da manhã.Me lembro de mim menino e da ilusão de que nas noites sem luar o rebanho ficaria fluorescente.(Assim pensava aflito à noite se um balido ouvia: − aquele não comeu ainda a grama lãmimada e vai ficar com frio até que o sol o mostre a sua mãe).Então nessa manhã assim, de grama assim, perante mim menino vi o que nunca tinha visto, vio carneiro em desespero mudo, vios olhos que ficaram grandes e ficaram feios como nunca vi– me lembro – quando um homem tal um urso-lobo de repente apareceu.

Me lembro dos seus braços pretos como corda de enforcarnitidamente sobre a lã-de-sol.Me lembro de mim parado como a primeira testemunha espantada.Me lembro do rebanho (que fugira) adiante sem comer a laminada lã.Nitidamente eu distinguia: ondas de medo atravessando os corpos lã-de-sol.

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Me lembro do rebanho lã-de-sol comendo a grama lã-nascente da manhã.Mas as cabeças não, que pensativas.Ou pelo menos como quem tenta pensar.Ou – se pensavam – como quem busca entendercomo é que um homem como um urso-lobo de repente(com os braços como corda de enforcar)vem de repente e leva um, o homem como um urso-lobo− quando voltará? Quem levará?

Eram dezenas de cabeças pensativas, sem comera laminada grama da manhã.Mas fôra apenas um instante longo…Porque – me lembro – logo mais uma deixava de comer,mais outra logo mais,tres, quatro, simultaneamente desapareciam logo maisentre os corpos de lã para comer a laminada-grama da manhã.

Me lembro do rebanho logo mais qual dantes era e há milêniosjá esquecido do homem como um urso-lobo.Alguns mais novos ensaiavam carreirinhas, brincadeiras,e em torno tudo como sempre foi:− o rio que não parou. Nas suas águas o homem como um urso-loboveio lavar assobiando as grossas mãos nojentas.E o sol subindo indiferentemente.Eu – a testemunha espantada – não, a minha dorfoi enorme e desde então doeu que não suporto mais.Que não suporto mais. Que vá penar sozinha neste poemaque para ela fiz.Porque também sou do rebanho e tenho de viver!

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 81: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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céU sem nUVens

Meus vizinhos,o Departamento de Trânsito, o Cartório Eleitoral, o Fisco,certificaram salvo-condutos ao homem municipal.

Mas me deito e peço o sol da manhã.Penso no funcionário do Serviço de Meteorologia,que vive das suas previsões.

É preciso que se realizem as previsões do funcionário,sobretudo esta de céu sem nuvens que sustentao homem da carrocinha de sorvetes,o velho do algodão de açúcare o menino vendedor de pirulitos.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 82: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

82 | geraldino Brasil

a casa do NÃO

Um muro contra as pessoas; no portão o sino que denuncia o que chega.Um aviso de que tem cachorro no gramado do pássaro.A manga madura caiu mas o menino não pára de lavar o carrão.No terraço do ancião que vai deixar a casa que construiu. Passam por ele como se já fosse espírito.Um homem transparente, olhando no chão a manga madura que o menino não pode apanhar,vai na esperança de outra rua, os pés calçados de sol.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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Homem da pRaÇa

As gigantes mãos do policial pensam em cair com leveza de pluma sobre o corpinho da namorada.

No domingo o patrão deixa de ser a dura realidade da moça do escritório, na praia da manhã, nos braços de uma onda.

O turvo presidiário sonha com o entardecer da voltaà longínqua província.Sua longa sentença não envelhecerá o riacho limpo,o caminho para ele, entre árvores de frutos,a cauda do seu cachorro só em pensar em revê-lo se balança,o seu canário estará cantando na mesma palmeira.A mulher, a vaquinha de leite, a lavoura renascida mais linda

do que nunca, oferecendo os grãos do alimento.

O lado oculto das pessoas pode ser o seu lado claro,de sonhar.Mas qual será o do homem da praça, ao anoitecer,puxando um pedaço de pão do papel de jornal, ressentido?

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 84: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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momentos do Homem

Já vi a queda de um homem de roupa branca, diante de crianças.Vi um homem urrar a maior dor quando se sentou sobre si mesmo, entre moças.Vi um homem perdoado pelo outro, vaidoso.Vi um homem na miséria extrema de delatar os companheiros.Vi o homem mais abandonado do mundo, o homem que perdeua fé no seu Deus.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 85: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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lUta de BoXe

Já fui contra luta de boxe, hoje as defendo, me protegem.Sou chefe de trem, o maquinista é boxeador.O homem é um touro e no entanto o mais obediente aos sinais do trânsito.E cumpre passivamente as minhas ordens, tal antigamente um criado chinês,ordens de mim, sem peso e idade para lutar.

Fui contra luta de boxe, depois observeique a passividade e a obediência eram poupanças de energiasque no domingo iriam quebrar os osso do adversário.Então me ocorreu que se proibissem briga de boxe,o trem sairia dos trilhos e eu do mundo dos vivos.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 86: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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poR ningUém

A mulher do homem que o carro matou;− se pôde pensar, seu último pensamento foi meu.A mulher do homem que morreu no hospital:− Enfermeira, o último foi o meu?A mulher do homem que ama outra mulher:− Ele não poderá ser totalmente dela, como foi totalmente meu.

Mas a mulher do homem que o carro não matou?A mulher do homem que não morreu no hospital?A mulher do homem que não ama outra mulher,a mulher que o homem deixou por ninguém,que consolo há, que consolo tema mulher que o homem deixou por ninguém?

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 87: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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companHeiRo de calÇada

O poema ainda são carências, meu caro, a pedra no caminhoe o seu aparente oposto – o violão e mais o copo e mais o canto.Joviais no salão dançam a música do alheio sofrimentoe eu olho para o maestro da orquestra, penso na sua vida em descompasso,o lado oculto do piston.

Dizer I love you sem amar não doi, na aula de inglês,mas pensem na professorinha que tem o seu amor e diz I love youfalando a ninguém na aula de inglês.

Vejam esta palavra quero, dizê-la é bom ao pai que chegacom o pacote alvo de pão;

Mas pensem na palavra quero do menino ao pai que saiu,na palavra quero, na palavra quero, eco, ecoecoando, eco, ecoecoando no ouvido do homem que não pode voltar ao seu meninocom esta palavra NÃO NÃO HÁ VAGAS, esta palavra nãoque ecoa no ouvido do homem meu companheiro de calçada,de quem espero a PAZ.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 88: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

88 | geraldino Brasil

poema do amoR

Os pássaros, estes sabiam que havia muitas florestasmas um homem pensava que a sua era a única floresta.O sol, a água, as árvores, os frutos,a caverna, era bom.

Um dia ele descobriu que havia em voosempre doise na terra até o sapo e a sua sapadormindo no prazer.

E não viu na floresta a sua leopardae não parou naquele dia e não dormiu naquela noite.

Veio a primeira manhã que esperou com ânsia,o rio atravessoue andou, andou, andou, andou.Sete dias andou e na sétima noite tardefoi descansar numa caverna que encontrou.Mas lá estava o espanto do homem daquela floresta.

Adão, o homem daquela floresta, pegou uma pedrae cresceu até hoje o seu punho.E abraçou, Eva, que então passou a ser sua.Aquele dia foi o dia da primeira mulher do outro.Foi o dia lindo em que a beleza nasceu.Foi o dia terrível do primeiro homem que sobrou.

Recife, 1990 (in O Fazedor de Manhãs)

Page 89: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

antologia poética | 89

caBelos negRos

Eram três momentos de grande beleza. Os tempos passavame cada vez dizer menos sabia daquele que mais lindo:se os seus cabelos negros quando se soltavam;se nos ombros derramados; ou se quando na queda vinham vindo.

Recife, 1990 (in O Fazedor de Manhãs)

Page 90: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

90 | geraldino Brasil

lÂmpada acesa

A Domingos Alexandre

Nada mais triste que uma lâmpada acesanuma sala vazia.O espaço cresce e lembra o desertodo Céu antes da Criação do Homem e da Mulherda Terra, quando era imensa a solidãoe Deus cujo olhar nunca podiadescansar sobre outro alguém.

Recife, 1990 (in O Fazendor de Manhãs)

Page 91: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

antologia poética | 91

as ondas mais altas

Passam as ondas mais altas, ficam sempre o mar e o povo.Passam os grandes construtores do mundo,passam os seus destruidores famosos, todos passam.Morrem os reis magnânimos, os santos e os devassos,e os perversos celerados.Passam as famílias ilustres, passam os seus brasõesque se escondem nos velhos dicionários esquecidos.Suas riquezas se dissolvemnas próprias sucessões que empobrecem e viram povo.

O que não passa é o marque tem todas as idades do passado e do futuro.E o povo que os amou inocente e que os sofreu, sobreviveu

humilde e forte, grama resistentepor sobre que os vitoriosos cheios de arpassam para a morte e o esquecimentoum dia sob a terra e sob o mar.

Recife, 1990 (in O Fazedor de Manhãs)

Page 92: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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semana do poVo

A Segunda-feira é preguiçosa e precisa do despertadorpara ajudar ao apito da fábrica.A Terça–feira já despertou para a realidade da vida e está no seu ritmo.A Quarta–feira sente os primeiros cansaços do trabalhoe até diz para si mesma: − que vergonha!A Quinta–feira joga na loteria e sonha viversem esta luta de nem poder amar. – Hoje tem de ser, Maria!A Sexta–feira sopra preguiças e o que a reanimaé saber que amanhã é sábado.O Sábado é o dia dos consertos domésticos, das conversasno bar e de voltar aceso e amar, amar, amar.O Domingo é o dia de acordar tarde e amar pela manhã,ir ao futebol e cedo dormir,que amanhã é Segunda-feira do despertadore do apito da fábrica.

Recife, 1990 (in O Fazedor de Manhãs)

Page 93: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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Um soneto de sol paRa céZanne

Tenho o sol das sete horas da manhãe creio seu irmão sou de tristeza.Tenho a janela aberta à porta e à mesae observo plasticamente uma manhã.

Não a pinto mas vejo qual se pintae como a recriaria o triste irmão.De um tinteiro de sol eu tiro a tintade cada cor, para a confrontação.

Tiro o amarelo e injeto no vermelho.Para o contorno, um azul violáceo faço.Volto ao vermelho e recomeça tudo.

Mas o sol já subiu e então destelhoa casa e de lugar a mesa mudoe é como outra maçã em novo espaço.

Recife, 1990 (in O Fazedor de Manhãs)

Page 94: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

94 | geraldino Brasil

soRtimento de lemBRanÇas

Vezes me lembro do menino com asmanuma carreira doida na ladeira.Fôra o luar que vestira de fantasmafolha seca enforcada na palmeira.

Bagagem de lembranças. De brinquedos,de alvoradas, de tardes e de luas.Do remanso do rio e moças nuasrevelando ao menino os seus segredos.

Numa noite de chuva – ainda me lembro – um galo do quintal cantou tão claroque o mês de junho amanheceu setembro.Outra vez eu olhava um céu de estrelas:tantas que quatro ou cinco despencarame um sapo pulou n’água pra comê-las.

Recife, 1990 (in O Fazedor de Manhãs)

Page 95: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

antologia poética | 95

o copo

Nasceu para dar tudo o que recebe.Tivesse alma, seria um santo.O copo guarda e nunca para si, é dos outrosa água, o vinho e a gota de remédio.Quando sai do seu lugar de dormir limpoé de boca para cima, tal o filho do pássarono ninho e logo mais de boca para baixoé a mãe do pássaro que deixa o que colheu.

Por tudo não exige mais do que o seu banhoe vazio ficar para poderde novo guardar o que vai dar tudo:as gotas de curar, a água alegre que dessedentae o doce vinho do amoroso jantar.

Recife, 1990 (in O Fazedor de Manhãs)

Page 96: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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Bodas de pRata

Vi de novo o casamento daquele noivocontra a mulher que continua a mais linda que já vi.As testemunhas quase todas voltamos àquele altar.O celebrante, sempre mais rosado e gordo.E a soprano, a música, tudo o mesmo – o velho órgão.

Nunca me esquecerei. E houve o mesmo detalhe− também não percebido então – que ainda doi;− ela não fez o seu riso completo.Tudo, tudo como há vinte e cinco anos.Parecia, mais parecia a reconstituição de um crime.

Recife, 1990 (in O Fazedor de Manhãs)

Page 97: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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da poesia

A poesia existe para o seu observador e se ignora e não se sente,Por exemplo: uma rosa:passa um grupo ruidoso e um deles de soslaioe vê e leva calado a sua jovem lembrançaque em pensamento beija e oferece à ausente amada.Talvez aí a doce poesia, invisível.

E no entanto a mesma rosa os demais não a viramou ao que a viu o assustou seu preçoa que expôs seu dono.E o que se ouviu entre eles foi: − não vale!Eis a que beijada em silêncio por um amante.

Recife, 1990 (in O Fazedor de Manhãs)

Page 98: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

98 | geraldino Brasil

cada momento estÁ nUma BolHa de aR

Quando pode ser a última vez,olha-se com olho de máquina fotográficaquerendo guardar tudo, nada perder.Cada momento está numa bolha de ar.As coisas do mundo, quando eu era novo as olhei com a indiferença de quem passa e amanhã voltará.

Atlanta, 1991 (in Não Haverá o Anoitecer)

Page 99: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

antologia poética | 99

a oVelHa

Sempre me lembro da mansae discreta ovelha dos campos,mãe do perdido cordeirinhoque a chamava aflito, ao anoitecer.

E nunca ouvi: - “você é uma ovelha!”.no sentido em que gritam:− “é uma cabra!”, − é “uma franga!”,tal a galinha desde nova.

Nunca ouvi. Digo-o em homenagem à mansa e discreta ovelha da minha infância.

Atlanta, 1991 (in Não Haverá o Anoitecer)

Page 100: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

100 | geraldino Brasil

Um pÁssaRo, Uma oVelHa, Uma FloR

Há coisas que se substituem continuamente tão sempre iguaisque nos parecem as mesmas pelos tempos dos seus milênios.E enquanto as vemos como se fossem as que jamaisdeixaram de viver,falamos da sua fraqueza e da sua brevidade.Assim um pássaro, uma ovelha, uma flor.O jovem ontem de cada uma está no hoje seu sempre novo.Não envelhecem, é interminável a vida passageira, eternoo seu presente desde aqueles remotos temposda rósea infância dos felizes sonhos.Estes, sim, que morreram.

Atlanta, 1991 (in Não Haverá o Anoitecer)

Page 101: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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noite estRelada

(Um quadro de Van Gogh)

Estrelas enormes saem do azul da escuridãocomo as viesse em pesadelo um menino inquieto.Nuvens enlouquecidas em redemoinhovoltavam ao lugar de onde saíram.

Lua maior do que as estrelas empalideceas sombras desesperadas que se refugiamcá, por trás de um cipreste sozinho e esguio.Lá ao fundo, os Alpes que mais diminuemas casinhas da aldeia de onde ninguém saiao desabrigo do céu.

Atlanta, 1991 (in Não Haverá o Anoitecer)

Page 102: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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Rosa antes da palaVRa Rosa

Rosa antes da palavra rosa,antes da palavra flor,antes da palavra cor,na tua original pureza,beleza intocada antesdo primeiro beija-florque hauriu teu néctarem êxtase, rosa antesdo primeiro jardineiroamante em quem começastena primeira excitaçãodo primeiro humano olhar,esta amorosa emoçãoda poesia de amar.

Atlanta, 1991 (in Não Haverá o Anoitecer)

Page 103: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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deFiniÇÃo de poesia

Do jogo saciado adormeciae já pela manhã de novo a ansiara.Assim, a vida de poemas feitae sempre fôra como se a não gozara.

Carente do meu vício de que vivo,eu digo ao novo dia: − ah se a tivera!Se o seu olhar em mim se derramara!

Disso não sofre aquele que ainda nãodo róseo vinho de delícias feitopôde excitar o coração aceso.

Ó minha amante da in(satisfação)que quanto mais possuo e me deleitotanto mais dependente e mais desejo.

Atlanta, 1991 (in Não Haverá o Anoitecer)

Page 104: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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o Riso eRa geRal QUando eU FalaVa poesia

A Alberto da Cunha Melo

Para atender às normas do senhor prefeito,na casa que construo abro janela e porta.E sofro este poema-dor que teve só começoe todo dia se dissolve nesse mar das gentes.

Vontade às vezes de sair falando assim danado,vontade de ir calado e nunca mais falar.Oh este conversar a prosa alheia pela rua.E este sorriso de esconder que estou calado!

Já fui menino e só falava poesia. O riso era geral quando mostrava preocupado, por exemplo: o sol está dodoi e o seu olho vermelho sujou de sangue o lenço branco de uma nuvem que ele tem!

Só me ouviram sem rir se lhes mostrasse uma ferida de passar pomadas.Então fui me calando, me calando, e as minhas dores de so-nhar,hoje são dizer nos meus poemas ao ouvido de ninguém.

Atlanta, 1991 (in Não Haverá o Anoitecer)

Page 105: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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o intRépido témeRaiRe

(Um quadro de Turner)

o intrépido “Témeraire” que o mar sempre vira vencedore saudado pela manhã com espadas de ouroque o sol jogava às suas ondas impetuosas em sua homenagem,agora é olhado ao longe pelos marinheiros caladosque no seu convés só sabiam cantar hinos e gritar hurras de vitória.Humilhado pela venda dos seus aços resistentes às balas inimigas,sai do ancoradouro sob sentença ignóbil, não a morte dignaa que condenara os adversários em luta – a sepultura do fundo do mar.O mar da baía recolhe suas sombras imensas.O sol em declínio rasga o seu manto azul de reie tinge de sangue o céu de que cai e as águas em que também quer morrer.

Nas sombras do “Témeraire”E (que conduzira as naus vitoriosas em Trafalgar e agora é puxado por rebocadores sem história),faixas de luar flutuam e lembram fantasmasdos seus comandantes que em silêncio o olhavam desolados.

Recife, 1990 (in o Fazedor de Manhãs)

Page 106: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

106 | geraldino Brasil

teU amoRoso soRRiso

Teu amoroso sorrisoNo silêncio se fecunda a meditação da teoria.Mas há o que prescinde de pensamento e palavra, é a própria belezacomo a intocável do fogo e a inesquecíveldo teu amoroso sorrisoque hoje procuro na cadeira vaziado outro lado agora tão distante daquela nossa mesa.

Recife, 1990 (in O Fazedor de Manhãs)

Page 107: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

antologia poética | 107

o loUco

Inventou que era deus e fez das suas:Óleos n’água pingou, criou aquarelasPartiu uma maçã em duas luase cortou carambolas fez estrelas.

Quis ser o diabo e riu nos desatinos:e riu caretas diante de dois cegosFalou na história antiga a dois meninosE da vida moderna a poetas gregos.

Chorou e o diabo o fez cortar cebolase lhe enxugou as lágrimas com lãsde vidro e gritou puuum! com as suas artes.

Deus bondoso o acalmou com carambolasque comeu e então fez duas manhãspartindo uma laranja em duas partes.

Recife, 1990 (in O Fazedor de Manhãs)

Page 108: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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paRa tRanQUiliZaR o meU gaRÇom

Para tranquilizar o meu garçom

Tenho jantando neste bar, nunca maisfui àquele de esperar a manhã.Eu tinha e minha mesa e o meu garçom pacienteque sabia o meu vinho e ouvia o teu nome.

Para tranquilizar o meu garçomeu vou voltar. Porque de certo quandoestá servindo o vinho a outro como eu,fica se perguntando como a gente se perguntase algum velho passante deixa de passar:− não veio nunca mais – será que ele morreu?

Recife, 1990 (in O Fazedor de Manhãs)

Page 109: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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apoio moRal

Eu não gosto de ver ninguém sozinho.Alguém querer falar e não ouvir?A mulher do vizinho sem mare não lhe dar ao menos amoroso olhar?

Pois eu, mesmo cansado e vendo um filme ruim,não desligo a tevê enquanto não chegaro amante que a mulher no apartamentodo centésimo andar de Nova York espera com ânsia.

Enquanto no deserto de azul seco infinitonão chover sobre o homem que ainda atiranos urubus famintos.

Recife, 1990 (in O Fazedor de Manhãs)

Page 110: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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pRaÇa dos namoRados

A Raimundo Carrero

Todos perguntaram aos escombros, horrorizados, quantos morreram?E o velho padre, braços para o alto, dizia aos da cidade:– Deus seja louvado! Demos graças ao Senhor!

Porque nada acontecera na cidadezinha às casas e aos telhados;à capela e à torre e ao seu sino;nem à rede elétrica das andorinhas.

A fúria dos ventos, como se uma inteligência irada os conduzissepassou com toda a sua força destruidorasobre a pracinha da cidade, sua pracinha única – e só.E tudo nela quebrou, numa hora sem gentes.Os bancos, os passeios, os canteiros das rosas,os flamboiãs e a fonte dos desejos que o padre e o prefeito construíram pensando nas moedas dos turistas.Pela manhã chegaram os curiosos. Da metrópole, os da imprensaque logo saíram, porque não havia mortes a chorar.Mas eu, um dos vagabundos curiosos, poeta descrente,fiquei no lugar do desastre, muito pensativo.Anoiteceu e muito depois do anoitecer,sem conclusão, saía para seguir pelos caminhos.Foi quando vi um velho mendigo que procurava seu banco perdido.E lhe falei: “- companheiro, preciso do teu testemunhopois sei pelo teu olhar que também duvidas dos milagres”.

Page 111: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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Ele então falou, abrindo ao luar o seu lençol de jornais:“Ontem eu estava no meu banco e ainda não dormira. Vi e ouvi tudo.As brisas chegaram e porque me viram sozinho, se aborreceram, elas”...E perguntaram: “– Aqui não há namorados?”Lhes respondi: Não veem? Não há mais namorados nesta cidade.E acrescentei: Os namorados os tem procurado em vão.Então elas me avisaram: – Foge desta praça, mendigo!!!

Recife, 1990 (in Praça dos Namorados)

Page 112: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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a pRimeiRa metÁFoRa

Primeiro o Céu, depois a Terra;Primeiro a noite, depois o dia;Primeiro a nuvem, depois a chuva;Primeiro a árvore, depois o pássaro;Primeiro a flor, depois o beija-flor.

Primeiro a mulher, depois Adão;depois o vinho, depois o luardo primeiro sobranteda primeira madrugadaem que cantou pensando nelasua primeira canção.

Primeira canção sem apalavra da amada – Eva,que foi a amada primeira,pois foi com medo de Adãoque o primeiro poetafez sua primeira metáfora.

Atlanta, 1990 (in Praça dos Namorados)

Page 113: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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BaR do gRacY

Era a hora de jantar e tomar o meu vinho.Havia noites em que os amigos chegavam,pediam um soneto e começavam as conversas, amanhecia.

Havia noites em que me viam contigoe como estava combinado ficavam por lá,não perturbavam. Então mais tardeiam sem mim a um mercado de frutasonde o sol da manhãzinha retiravaas lonas da noite que cobriamos montes de doces abacaxis amarelos.

Recife,1990 (in O Fazedor de Manhãs)

Page 114: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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amantes da ante-sala do aR

Eles não se conheciam e se olharamsoçobrando presentes natalinose possivelmente não se verão jamais.

Não foi amor, para o mundo nãoé amor um amoroso olharsem tempo e sem história.

Nos seus ofícios quandoem quando se lembrarãodo que não houve para os outros.

E seguirão sem mais voltar ao lugar.Não é lugar o instante de um encontrode penas, na ante-sala do ar.

Recife, 1990 (in Praça dos Namorados)

Page 115: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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metÁFoRa do poema

Um dia ensinaram ao poeta sobre o UM.Depois lhe ensinaram sobre UM mais UM, duas laranjas.Desde então o sabe.E sabe quando soube e quando.

Não assim a metáfora do poema alguma vez.O poeta não a sabia antes, nem lhe ensinaramquando a soube.Agora não sabe mais nem como a soube se recorda.

Recife, 1990 (in O Poema e Seu Poeta)

Page 116: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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adoRÁVel momento

A Paulo Hecker Filho

Se eu não escrevesse poemas, certamente já terias chegado, adorável momento.Tantos logo alcançam os seus bens, o cinema domingoe a aposentadoria do trabalho que mediram, mas− ai de mim! – eu necessito de um instante seguido do outroe este do próximo,cada um leve e pleno e sem raciocínio sobre o futuroe sem lembrança do anterior,como quem dormindo adquire o sabor dos seus milênios e ama em sonho.

Recife, 1988 (in O Poema e Seu Poeta)

Page 117: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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seXtina da alVoRada

A Rui Medeiros

PássaroValsaRosaMundoSolGira

Gira, Pássaro sol! Valsa, mundo Rosa!

Rosa,gira,mundopássaro!Valsa,sol!

Sol rosa, Valsa! Gira, pássaro mundo!

Page 118: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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MundoSol;rosapássaro,gira,valsa!

Valsa, mundo gira sol! Rosa Pássaro

Atlanta, 1990 (in Praça dos Namorados)

Page 119: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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talVeZ amanHÃ ainda

Fui ao luminoso lugar, o único a que consentes em descer.Levei o meu olhar atento, os ouvidos abertos, o expectantecoração. O meu sonho ainda.

Sabia que se chegasse, finalmente te darias inteira,pois enquanto és de muitos, te entregas virgem a cada um,como ao ar a água que cai sobre o rochedo e se divideem miríades de gotículas e em todas permanece completa.

Mas aquele não era o dia do encontro no poema.E voltei para casa, pela praia de remanso do rio,o céu mais afastado ainda numa estrela sozinha,− homem pelo vale – as altas serrasainda mais diminuindo o meu tamanho.

Recife, 1990 (in O Poema e Seu Poeta)

Page 120: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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poema do amoR

Os pássaros, estes sabiam que havia muitas florestasmas um homem pensava que a sua era a única floresta.

O sol, a água, as árvores, os frutos,a caverna, era bom.

Um dia ele descobriu que havia em voosempre doise na terra ate o sapo e a sua sapadormindo no prazer.

E não viu na floresta a sua leopardae não parou naquele dia e não dormiu naquela noite.

Veio a primeira manhã que esperou com ânsia,o rio atravessoue andou, andou, andou, andou.

Sete dias andou e na sétima tardefoi descansar numa caverna que encontrou.

Mas lá estava o espanto do homem daquela caverna,que estava com uma linda mulher

Adão, que era o homem daquela floresta, pegou uma pedrae cresceu até hoje o seu punho.E abraçou, Eva, que então passou a ser sua.

AQUELE DIA FOI O DIA DA PRIMEIRA MULHER DO OUTRO.FOI O DIA LINDO EM QUE A BELEZA NASCEU.FOI O DIA TERRíVEL DO PRIMEIRO HOMEM QUE

SOBROU.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

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moRte no Hospital

Quando ele entrou no hospital,não apenas TU sabias,sabiam todos, ele mesmo,que era a sua vez.

Não queriam que a casa se marcasse da lembrançado momento (lindo) em que vens buscar os TEUS.

E ele queria apenas morrerna árvore que plantou, o pássaro que trazno canto a TUA manhã.

Recife, 1988 (in Bem Súbito)

Page 122: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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implosÃo

Para fazer um verso que te façalembrar as vozes das manhãs da infânciabasta escrever esta palavra – PÁSSARO.

Para escrever um verso que te façalembrar a fonte aonde as mulheres iam,basta escrever esta palavra – CÂNTARO.

Para escrever um verso que te façalembrar as sombras aonde o sol brincava,basta escrever esta palavra – ÁRVORE.

Para escrever um verso que te façalembrar árvores, cântaros e pássaros,basta escrever esta palavra – INFÂNCIA.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

Page 123: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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antemanHÃ

Piam, já distantes, os pássaros noturnose ainda os galos não cantaram.

Se abrires os olhos antes do sono terminar,verás que tudo dorme. As pessoas, os móveis,os talheres na gaveta.Te verás enfim fora do tempoé como o teu corpo caiem um passado perdido!

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

Page 124: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

124 | geraldino Brasil

doR, aH se Fosses Um gato

Dor, dor do mundo, dor das pessoas,fosses um pássaro e eu um gato sem dono!

Dor do mundo, dor das casas, dor das ruas,de mim não te livrariasmesmo que em vez de um pássarofosses arisco gato preto comedor de sonhos.

Porque eu levaria meu circocom jaula de leão famintopelas avenidas e ruas e becos do mundoaté a pracinha sonhadora onde sempre é domingo.Iria, poeta fantasiado de palhaço,gritando do alto de minhas pernas de pau:– Um gato vale uma entrada!– Um gato vale uma entrada!

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

Page 125: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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lemBRanÇa de minHa mÃe

Quando ela me mostrava as nuvensque foi Deus quem fez,se curvava para pousarna minha cabeça ao soluma de suas mãosque só depois iguais veriana visão de Frá Angélico.

Minha mãe, de cabeça lá no alto,que hoje está velhinhae voltou ao seu tamanho de menina.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

Page 126: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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pai VelHo

A cadeira de balançodo ancião sonolento.Seu filho a olha e sem elea antevê.

Ai dor de uma lembrançaque vai ter, saudadeque se antecipou.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

Page 127: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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casa Única da estRada

A casa única da remota estradahá de ser iluminada.

Não há outra a que iro caminhoneiro que não pode seguir.Já da estrada, para o que vem, para o que vai,há um caminho que na sua porta sai.O próprio cavalo suado relincha alegre de a verporque sabe que ali há sempre a bondade da tina d’água de beber.

E casa do acolhimento, com grandeza no coração.Não pode morar nela o homem da “Casa do Não”.

Recife, 1989 (in Todos os Dias, Todas as Horas e Novos Poemas)

Page 128: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

128 | geraldino Brasil

aVe dos BosQUes

Voo de ave, perdido,intranquilo sobre o marsem pouso e comotumba de peixes-vermes.

Ave dos bosques, que fatalengano te levouao mar sobre o quala mortalha da noite te envolve?

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

Page 129: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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pela estRada

Poetas, guerreiros, assassinos,vossa é a História.

Mas um dia os nomes se perderãoe descansareis de ser lembrados.

Ficarão de vós unidos num único fantasmaos momentos obscuros que estão no homem que passa.

Um movimento das vossas mandíbulas comendo, meus irmãos.O tempo dos antepassados que os seguintes carregame levarão pela estrada em que vouaos que virão.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

Page 130: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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o soBReViVente

Ele é o homem que sobreviveu a todos os do seu tempo.E sobreviveu aos filhos e filhas dos do seu tempo.Foi a todos os casamentos, a todos os nascimentose a todos os velórios.

É um homem triste e dizem na cidadezinhaque chora por nada.Quando ouve um pássaro cantando na árvore da praça,quando vê um menino que ri na janela da sua casa.

E já há menino que ri,há menino que leva canário que canta na mão para ele versó para vê-lo chorar.

Mas ele chora porque sabe que o pássaroum dia ao pousar inocente no gramado orvalhado da manhã,vai cair nas unhas do gato.

Ou chora porque sabeque o menino com o canário na mão, que vive dando gargalhadasvai ser de novo o amor, o sonho e a dor.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

Page 131: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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Homem da teRRa

Ovelhas, vejo-as.Meu pai as viu. E o pai do meu pai. E o pai dele.

Recuo milênios e me vejo nos seus campos,avanço milênios e lá estão comigo.

As mesmas, sempre ao entardecer.E eu o homem – que tristeza do imóvel tempo em mim!

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

Page 132: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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manHÃ

É preciso não ver a manhã, sectariamente,para saber de toda a sua beleza.Não a ver com o frio do operário que sofre o apito da fábrica.No verão como o pescador que se alegra com o peixe a pescar.Eles não veem a beleza da manhã,porque um a utiliza e o outro dela reclama.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

Page 133: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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o eQUilÍBRio do mUndo

Há os que ficam, há os que vão.Nem todos voam, nem todos se plantam.

Todos ficassem, quem abriria os caminhos?Todos seguissem, quem poria a mesa?

O filho da mulher do armazémpartiu. E ela espera.Cada um mantém a seu modoo equilíbrio do mundo.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

Page 134: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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menino de pUlos de leBRe

Um passante viu minha árvore sem frutose possivelmente adiante já a esqueceu.É a necessidade de atravessar a rua dos carros.

E eu o invejo por esse simples passar sem levá-la na lembrança.Ele viu minha árvore sem pensar e por isso já a esqueceu!E porque já a esqueceu não está se lembrando de que sem frutos.Nem de que não é época de frutos.Nem de que ela é minha e não sua.

Nem sabe que fiquei pensando nele porque viu minha árvoresem pensarque do seu não pensar nasceu o meu pensamento.E o meu sentimento de invejá-lo.

Porque eu não posso olhar esta árvore com a simplicidadede não pensar e de não sentir.

Eu a plantei e quando a olho sozinho me lembro de mime dos filhos do vizinho que brincavam de pular por cima dela.Mesmo sob aqueles riscos cresceu.O menino de pulos de lebre é um sargento do exércitoe a menina frágil teve um menino de quatro quilosque nasceu um mês depois da morte de seu avô

Page 135: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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que pedira a Deus para não morrer antes de ver o seu primeiro netoA mulher que me deu aquela árvoreensandeceu e está no hospital sem saber que ensandeceu.

Eu te invejo,passante sem o passado de minha árvorevendo-a e já esquecido.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

Page 136: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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ReciFe do poVo

Recife, ainda o mais pobre daquitem a rua em que foi menino,de calçada estreitaque no domingo parece crescer.

Ainda o mais pobre daquitem os seus sapatos de sole avenidas e ruas e pontes para atravessare muito mar de querer navegar.

Tem o seu carnavaldo frevo de esquecer.Tem o boteco da pingadas vitórias e das derrotasdo teu time tricolor.

Tem o seu pinhão-roxo,tem o seu credo-em-cruz.Tem a sua ilusãona esperança pousadana mesa para o pão.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

Page 137: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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pessoas e coisas

Há coisas tão desprezadas que lembram pessoas em abandonoAssim o tijolo que sobrou da construção, o retrato além do número e que ficou entre estanhos na gaveta do fotógrafo, a palavra no dicionário, vizinhada que saiu para o poema.

E mais a palavra sem acolhimento pelo próprio ouvido; o poemano canto da mesa excluído do livro a publicar,e o morto do outro enterro.

Mas há pessoas em tal abandonoque lembram coisas desprezadas, Senhor,que não ouso expô-las no poema, receoso de que, descobrindo-se ao sol,duvidem da Tua Justiça e da Tua Misericórdia.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 138: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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palaVRa paZ

Queremos a Paz.E no entanto quando topei com o meu frágil ombrono ombro sofri o punho do teu duro olhar.

Eu pensava na mulher que amo e quem assim vaipisará sobre crianças e não ouvirá o seu choro.

Ah, irmão pacifista, os combatentes jamais viramtal olhar no inimigo e as batalhasnão os ensurdeceram ao choro de um menino.

Ergo o meu muro contra o teu quintal e gritascom a buzina sobre o homem de passos cansados,oh quem esperava de ti esta palavra – NADA.

Estive refletindo sobre isso: somos combatentes pioresfora da pequena área do front, nos campos e nas cidades da Terra,eu esquecido dos outros e dizendo esta palavra PAZ como quem joga azeite sobre o fogo;tu, com o teu ombro intocável.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 139: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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os cÍRcUlos cRescentes

Fui o dono dos círculos na água criados com o simplesjogar de uma pedra e que se desfaziam nas margens do lago.Os círculos cresciam, aumentando meu espaço,e se desfaziam na terra, deixando-me livre dos novos limitescrescentes. E eu ganhava o campo, minha escola de liçõesdo sol, do ar, da água, da semente, da árvore, dos pássarosdos caminhos, das casas, dos homens e das mulheres.

Um deles me ensinou que não colhessefruto antes do seu tempo de ser colhido, não me orientassesó pela cor – verde ou amarelo – soubesse da sua natureza.Nem que pedisse para viver – ou para morrer –, porque eu deveria ficar até quando devesse, como a árvore que oferece folhas novassem saber que na fábrica a indicaram ao lenhadorque a trouxesse amanhã para o forno que alimenta a cidade.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 140: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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poema das dUas natUReZas

Ao anoitecer, como alguém na árvore sobre o valeque sem as pessoas que o deixaram fica ardente e arfante.De longe em longe vi meu próprio corpo que olhava o caminho desaparecido,sozinho, sentindo a sua vida que se ia em cada pulsaçãoem que se queimava o tempo de cada pensamentoconsciente do seu limite minguante.

Quando nele estou com o meu poema o iludoporque lhe dou esperanças além do seu tempoe – fazendo-as suas, o distraio com ilusões.É quando o veem descontraído, falando com ênfase,ele que espera com as minhas vontades que ainda querem muito.Olhando para a vida com os meus olhos que não se fechamna ânsia da minha expectativa certeza que ele pensa que é sua.

É árduo animá-lo, mesmo para mim que o amo,como doi num pai atleta ver o seu filho sem as perninhase não lhe pode transmitir as forças.Apenas o faz pensar que corre, levando-o aos ombros.E o faz sorrir e crer que mesmoconseguiu ultrapassar os companheiros.Mas sabe que vai chegar o momento em que terá de o levar de novo ao chão.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 141: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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elegia

Estação de partir. O funcionárioa cada um pergunta o seu destinoe ouve sempre pronta resposta. Agora sei:mais ninguém sem destino está.

Árvore acolhedora no caminho do caminheiro,uma árvore que abriga sempre homens e pássarosleio que nas estradas há.

Sono do meu repouso. O coração,de novo, amanhã receberáo espírito, efeito de vida.Leio que sonos assim há.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 142: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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liBeRdade

Vejo esta sala sem mim, momentaneamente comose fosse apenas espírito e livre do meu próprio espaço.A janela abro e entra um agradável silêncio claroe frio da manhã.Vejo os móveis sem as pessoas da casa, porque estão dormindo,e eles revelam, dimensões maiores de quando os usavam.Os pequenos espaços, como crescem! E os cantos agora os noto amplos, tão amplos!

E num deles gostaria de sentar-me uns segundose dali ver o sol tal um menino ocultando-sedas pessoas grandes sob a mesa onde não possocomo na banca escolar, escondido da mestra, escrever o teu nome.

Recife, 1979 (in Cidade do Não)

Page 143: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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apoio nas nUVens

Céu de poucas estrelas, alto, tão pequenos ficaram os coqueirosde onde pela manhã desceste, comunicativo.De sólido apoio nas nuvens, caí quando se desfizeram, ao anoitecer,e agora estou sob teu silêncio imóvel e tua altura calada,estou com as minhas coisas passageiras que me animavam.

Meu espírito preso ao coração não te merecee uma oração em que subisse a Ti não ouso.

Creio que assim há de sentir-se no salão de um templo hindu, um turista, parado,com vergonha da sua leviana máquina fotográficae da sua bolsa de dólares que segura com apego.Quase todos estão dormindo e os restantes, nos bares, se divertem, sob o teu silêncio imóvel e altura calada.E entre os que ressonam ou bebem – ai de mim!,falo sem ser ouvido, como um poeta que escreve o seu poema.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 144: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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o peQUeno pÁssaRo

No terraço da manhã, de jovem sol no piso e clara sombra no ar,a dois metros de mim, na cadeira vazia que eu olhava,um pequeno pássaro pousa com um ramo com que tece sua casa no quintal.Fico sem movimento, receoso de espantá-lo, no instanteque outros pensariam ser de rápido descanso.

Porque, prudente, observa em torno do jambeiro.Eu já providenciara em seu favor: deixei de colher jambose atirei num gato que aparecera, lambendo-se.E me lembro, com alegria, de que não tenho filhos.E sorrio, amoroso, gesto que mesmo um pequeno pássaro arisco não nota.E o vejo voar da cadeira que de novo está vazia, a dois metros de mim, no terraço da manhã.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 145: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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ÁgUa da Fonte

Nada que morra antes de mimeu quero. Eu quero o que depois seja como antes.Quero o que permaneças no meu serdo mesmo modo como a ressonância dos repiquesrica no bojo das igrejas, quando a noite vem.

Quero que seja sempre qual na vez primeirae eternamente desejado permaneçacomo uma rosa a água da fonte e a doce manhã.Teu olhar, teu sorriso, tua voz(nada que morra antes de mim e nem comigo)e os levar no meu ser, nas notas do meu canto.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 146: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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noite de 1973

Estás no teu quarto, minguante, mas o teu momento sozinho não existe.A porta está fechada, os passantes te imaginam no cinema.Ou dormindo. Ou – melhor – na posse.A porta está fechada, não estás na esquina com o teu cigarroe os teus sapatos de 47 anos.Não és o infeliz da enorme dor da rua sob a janela do poeta.

Nenhum poema te espera e te acolherá.Teu momento sozinho não existe e ninguém saberá dele na Terra,sob o sorriso jovial aos conhecidos, amanhã.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 147: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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no tempo do teU coRpo

Entre os não poetas olho o verde do vale, as flores da praça e a lua que nasce,

e digo com eles que ali está a poesia.Para me aceitarem e não saibam quanto em sangue e em

mente, me custa o poema que faço.Faço meu poema do teu silêncio, do teu desespero, dos teus

ouvidos feridos.Faço-o da conversa social que esconde a ânsia de amar.Faço meu poema para ti e como não sou teu vizinho,não sabem que te vejo.E porque não te conheço não sabem que te amo.E porque não existo para ti não sabem que me esperas.E porque me viram adiante não sabem que fiquei contigo,que te envolvo com ternura, te beijo, te consolo, te animo,te faço sorrir no escuro, sonhar, adormecer.

Faço meu poema de tal modo que o possas ler aos outrose pensem que te falo da criança do apartamento espiando para

o sol do bosque,ou pensem que falo da corça no tempo do seu corpo.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 148: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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oUVi QUe deVia deiXaR de lamÚRias

Quando conheceres o Anjo (ouviu o meu espírito), Sua Natureza,teu futuro, então o que te pesa como definitivopassará a ser provisório e a certeza de reencontrar a alegria, quase a fará presente.

Livre do tempo, trocarás círios por astros na Terra toda novade rios e árvores e campos e mesas com o pão divididoe a permuta plena dos afetos.

A poesia não terá o peso dos desencontros, dos desejos presos e dos medosmas a leveza dos abraços afetuosos, das alegrias iluminadase dos gozos sem cansaços e limites e dos hinos que se repetirãosem monotonia, como a igual beleza de todas as manhãs.

Terás de nisso crer (ouvir meu espírito) se queressalvar teu amor da desesperança e do desespero.Se não o crerdes, que pequena força tem o teu amor,que com ele poderá a morte que não é e o tempo que não existe.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

Page 149: Antologia Poética, Geraldino Brasil. Recife: Bagaço, 2010

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saUdaÇÃo

Do tempo que condeno, saúdo esses meninos inventores do Terceiro Milênio.Meu gesto sem ambiguidades os saúda, saiba o mundo

estabelecido da definição do poema.Eles serão diferentes de nós, é uma evidência como um sinal na face.Nós não iríamos modificar as coisas, a escola, o professor do mesmo livro,a continuação do pai na direção dos negócios,eis por que fomos esperados amistosamente e até anunciaram nossa chegada.

Mas esses meninos são recebidos a fogo, esses meninos rebeldes e transparentes.Os poetas do futuro andarão com eles, não ressentidos,porque esses meninos passaram pelo ácido, saudáveis,como a luz permanece pura depois de atravessar o vidro sujo.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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poema paRa os QUe estÃo cHegando

A Márcio Brito da Cunha Melo, chegado este ano ao Planeta Terra

Ir para o tempo de cada menino que chega, eis uma das muitas coisas que faço.Ou a única, porque as demais daí resultam,como do gesto da semente a árvore,as folhas novas e o ar de sol.Os meninos que estão chegando são os criadores do Terceiro Milênio.Eu os espero como o morador da pequena ilha,na sua estreita praia, aguarda o homem do CONTINENTE;Eu tenho visto na ante-sala do ar os rapazes e moças das olimpíadas.Eles levam a jovialidade, a mente sem nuvens, o espírito sem opacidades,os músculos dos exercícios as novas marcas vitoriosas – e quemnão gostaria de ser leve e transparente, para seguir com eles?Quem não se despojaria de suas roupas de pedaços, não quereria crescerpara o tamanho das suas túnicas de branco, sol e ar?

Pois bem, então vocês imaginem os criadores do Terceiro Milênio,que outros propósitos trazem, que outras forças, que outras capacidades,que outros braços, que outras palavras, que outras palavras,

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que outras belezas, que outras belezas, que outras grandezas, que outras libertações?Por isso me exercito penosamente e tento ir para o tempo novodos que estão chegando.Por isso de nenhum deles sou pai ou tio ou preceptor,sou apenas um poeta que os procura com ânsia,e quer ser recebido por eles, eu despido das minhas roupasde guardar miudezas e de esconder as mãos.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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momento do Homem

Já vi o pior momento do homem, já vi um homemouvir da amada que o tinha como um grande amigo.Eis o pior momento do homem, o que não passa, naquele momento a mulhero excluiu do navio em que um naufragasse perto de uma ilha.Não entendo de mulheres, eu sou um funcionário público,mas o poema me ensina que esse é o momento em que a mulherignora totalmente um homem, porque a amizade de uma mulherpor um homem não é o oposto do seu amor ou do seu ódio, a amizadepor um homem está entre as vibrações, no meio, é o seu ponto neutro,a única absoluta indiferença possível de existir no mundo.

Recife, 1978 (in Cidade do Não)

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HUmanidade do ReciFe

Recife. Ao Norte,a Sé de Olindaonde é sempre domingo.

Ao Sul, a modernapraia de Boa Viageme ainda algumas jangadasde antigamente do Pina.

A Oeste, o sol da tarde,pássaro feridoensanguentando as colinas.

A Leste, o mar dos marinheirosque trazem desejos,que levam adeuses.

Recife do Capibaribe, velho rioque passa triste, pertode morrer no mar.

Não canto tuas pontes nem as velas das jangadasporque és grande sem velas e sem pontes.

Eis tua força, tua permanência,teu ombro a ombro com qualquer cidade humana:

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teus pés no chão, teu coração sofrido,a humanidade recomeçando nos teus meninos,sonhadora nas tuas moças,descuidada nos teus rapazes,preocupada nos teus chefes de família,calma nos teus velhinhos,egoísta nos teus ricos,humilhada nos teus pobres,inquieta nos teus idealistas,insatisfeita nos teus poetas.

Cidade internacionalvencida nos teus suicidas,esperta nos teus estelionatários,inocentemente alegre aindana casinha de bairro recebendoum refrigeradorpara o lugar da sala ondese exibia às visitasum liquidificador.

Recife sorrindo em poucos, quaseque só nos colegiais,sorriso que te salvaporque sorriso por nada,pela calçada apenas,pelo céu azul, pelo sol, pela manhã.

Eis tua força, tua permanência,a humanidade caindo, erguendo-se,caindo, se levantando de novo.Teus heróis, trânsfugas, mártires, delatores,teus santos, teus tibérios, o mesmo barro humanodas humaníssimas limitações

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e o mesmo humano espírito rompendo grilhões,nos momentos mais altos,na caridade, no desprendimento, no idealismo.

No meu canto, sem velas e sem pontes, Recife,a mesma humanidade, a mesma multidão,as mesmas calçadas gastando sapatos,os mesmos meninos esperando o pai(talvez atropelado, ele e o pacote de pão).

Cidade do mundo, entre as outras estás,cansada e sonhadora, autêntica cidade do mundo.Teus homens municipaispodem morar em Tóquio e em Paris.Como os teus, são os mendigos de Nova Yorke de todas as cidades da Terra.Rogando as mesmas pragas,dizendo Deus te Pague da boca para fora.

E a datilógrafa de RomaTem o mesmo sonho lindo.

Recife do Capibaribeque a leste temum mar de marinheirosque trazem desejos,que levam adeuses.

Recife, 1986 (in Bem Súbito)

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ai, eU nÃo podeRia seR Um eX-poeta

Companheiro, não sou feliz. Entenda,carrego o tempo em mim. Cada vez maisdeixei de ser sozinho eu mesmo como era.As pessoas por fora não as vejo mais, só me lembrardo seu sorriso. Agora nelas sei do velho tempo,a natureza silenciosa, sua enorme carga de dor.

Ai meu sofrimento passageiro então,simples dor de cabeça se jogava no colégio futebol.Sentir a dor alheia?! Eu tinha muito de frade,vivia a minha vida.

Mas o tempo passou, sou outro. Não que tenhaficado um santo bom. Até dirão que censurável,os sólidos. Porque não penso mais,como eles, no meu único amor. Outraa noção de justiça. Agora me pergunto:e aquelas a quem sinceramente amar?é justo não dizer com o olhar a cada uma,que outro marido merecia?

Veja entãoquanto mudei! Cresci! Já pensava que a grandezado coração era abrigar um só amor. Fui pequeno.

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Aí está companheiro, companheiro, me desnudo.O homem é como está. Faz uma hora ele foi bom.Quem saberá como será daqui a meia?O homem não é como uma pedra, que aqui e em Tóquio,no seio da Terra ou ao Sol, é uma pedra.

Por exemplo: pensava no futuro(que me cansou) de uma criança que sofria e que me fez chorar.Em lágrimas me levantei, tomei meu vinho,fui à janela e olhei para a estrela sozinha− encontro dos olhares dos amantes separados – que lindo: e me esqueci da pobre criança.

E a mulher? A mulher está acima da minha imaginação.Há quem só saiba imaginar uma mulher no perfumado leito.Ou na areia da praia, ao luar. Ou, mais novo ainda,no celeiro das palhas do estábulo.

Mas eu, que sou sensível poeta lírico, penso tambémna mulher que beijada pelo homem feio− e digo os seus dois verbos femininos – um homem que não o que ela adora mas o que odeia,aquele de cara fechada que nem o amor sorri por ele.

Como você vê, não sou homem que reduz o mundoao seu fim de semana e migalhas de pãojoga aos inocentes peixinhos do lago do parque.

Não alcancei ser um poeta épicoque já exaltou o mundo passado dos seus heroise em repouso poderá gozar a glória de ex-poeta.

Amo! E dessas fraquezas humanas não sabe um épico.Não sabe o que é acreditarnos vencidos sem domínio do amor

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que muita vez seremos os vencedoressem história. Como o povo da canção que não morreas suas fomes, infinito.

Porque eu creio em tudo. O meu verbo creré o meu verbo de duvidar. É a minha maneirade acreditar. Se uma pessoa pede:“Deus me levasse”, creio(porque depois no consultório médicovejo-a dizendo que perdeu seu apetite).Creio no homem do cachorro, que ele gostados outros, de receber suas visitas.

Creio no homem de esquerda que viajaa passeio no avião do presidente capitalista. Creiono hippie que se habilita à herança do pai burguêsque era um porco. Creio no olhar do generalque reza na catedral do domingo. Sou homem de crer.Ninguém conte comigo para desconfiar.Porque não desconfio dos outros que não conheço.Não desconfio do engenheiro que há cem anos fez a pontepor que atravesso o pedregoso rio.

Ai, não queria deixar de ser como estou,carregador da minha esperança que se cansou de esperar!E vou com os braços pra cimatal quem leva um fardo de ar.E pensam que fiquei doido:− “Carrego minha esperança que se cansou de esperar!”Deus nosso, a esperança fica mais cansada, cada vez.Cada vez são mais forças para a carregar.Às vezes estou desesperado e saio a procuraralgum amigo do seu deus mais poderosoda crença da sua fé e peço pelo meu amorporque o meu deus não me ouviu e não pôde fazer nada.

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Uma vez me esgotei e fui dormir para sonhar.Voltei do sono mais cansado aindade ver os reinos dos céus das bem–aventurançasna busca desesperada ainda sem Deus,pois tinham lido errado, porque “só ospuros de coração verão a Deus”,poucos, está escrito no Sermão.

Quando voltei do sono, que alívio!Alívio digo comparando ao não descanso nuncados impuros de coração nos reinosdos bem-aventurados. Seus fantasmas não dormem.Quem diz, diante do que morreu:− “Descansou, entregou sua alma a Deus”,que ilusão, mas que ilusão!Basta dizer que para um refrigériohá os que descem para cá, quase todos, a humana lidaé o nosso repouso até de novo a morte enganadora.

Como hei de terminar este poema?Este poema que quer continuar falando danado?Meus mestres sabem e não me ensinam;não que não queiram, é que não podemdizer ao outro o que somente dele ou dela é.

De modo, companheiro, porque não sei,este poema não termina, ficarácomo alguém que interrompeu uma conversa.Digamos que morri ou que chegou a sua sogra (a sua, porque a minha é uma segunda mãe, creia)

Nem posso me queixar. Veja que Deus,insatisfeito no ato da criação− imaginem – Deus!,Deus inventou no mesmo dia a Lei da Evolução!

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Isto é um poema lírico, companheiro,e um poema lírico é um hoje – folha do tempo.Compôs a árvore e já a adorna com folha de metal?Não, as suas folhas caem ao anoitecer.Por isso o poema há de esperar a noite azuladae do seu outono fértil resultar em outra folha nova,amanhã, espero. Até amanhã, companheiro.

Atlanta, 1991 (in Não Haverá o Anoitecer)

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Geraldino Brasil, Moema (filha) e Pollyanna (neta)Recife, 1979. Foto editada por Trish Oliveira (neta), Atlanta, 2010.

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Geraldino Brasil, no lançamento do seu livro – “Bem Súbito”Recife, 1986. Foto editada por Trish Oliveira, Atlanta, 2010. www.trisholiveira.org

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Geraldino Brasil e Beatriz Bremmer.Paris, 1994.

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Geraldino Brasil entre a filha, Moema Oliveira e neta, Pollyanna.Atlanta, 1995.

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