aneurisma de hiperfluxo prÓprio da artÉria
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Arq Neuropsiquiatr 2005;63(3-A):693-696
S e rviço de Neuro c i ru rgia e Neuro rradiologia Intervencionista do Hospital Heliópolis São Paulo SP, Brasil: 1N e u ro r a d i o l o g i s t aIntervencionista; 2Neurocirurgião; 3Residente em Neurocirurgia; 4Chefe do Serviço de Neurocirurgia.
Recebido 16 Dezembro 2004, recebido na forma final 3 Março 2005. Aceito 18 Abril 2005.
Dr. Guilherme Cabral de Andrade - Rua Monte Alegre 58 / 134 - 05014-000 São Paulo SP - Brasil. E-mail: [email protected]
ANEURISMA DE HIPERFLUXO PRÓPRIO DA ARTÉRIACOMUNICANTE POSTERIOR DECORRENTE DE EFEITOHEMODINÂMICO EM PACIENTE COM OCLUSÃO DAARTÉRIA SUBCLÁVIA TRATADO POR ANGIOPLASTIA
José Maria Modenesi Freitas1, Marcos Antônio Pieruccetti1,Guilherme Cabral de Andrade2, Ségio Listik2, Ricardo J. Costa2,José Carlos Rodrigues Jr3, Luis F. Haikel Jr3,Marcos Rogério Gregorini3, Clemente Augusto B. Pereira4
RESUMO - Aneurismas próprios da artéria comunicante posterior são extremamente raros possuindo umaincidência que varia de 0,1 a 2,8% de todos os aneurismas. O surgimento de aneurisma intracraniano emvirtude de alterações de fluxo por oclusão arterial é descrito na literatura. Apresentamos o caso de homemde 69 anos, vítima de hemorragia subaracnóidea, com diagnóstico de aneurisma próprio da art é r i acomunicante posterior direita. Havia também, oclusão da artéria subclávia esquerda com roubo de fluxoda artéria vertebral direita pela vertebral esquerda. Realizou-se tratamento endovascular com angioplastiae colocação de stent na artéria subclávia esquerda com conseqüente oclusão do aneurisma. Discutimos orestabelecimento do fluxo arterial intracraniano como forma de tratamento deste aneurisma.
PALAVRAS-CHAVE: aneurisma próprio, artéria comunicante posterior, oclusão arterial.
High flow“true” posterior communicating art e ry aneurysm due to hemodynamic effect in apatient with subclavian artery occlusion treated with angioplasty
ABSTRACT - True posterior communicating art e ry aneurysms are extremely rare with incidence ranges fro m0.1% to 2.8% of all aneurysms. Cerebral aneurysm formation has been re p o rted as a complication of art e ryocclusion by flow alteration. We present a 69 years old male patient presenting with subarachnoidh e m o rrhage with diagnosis of true right posterior communicating art e ry aneurysm. He had a left subclaviana rt e ry occlusion with flow theft from the right vertebral art e ry to the left vertebral art e ry. The patientu n d e rwent endovascular treatment with angioplasty and stent placement on the left subclavian art e ryand aneurysm occlusion result. We discuss the restablishment of cerebral blood flow as a treatment forthis aneurysm.
KEY WORDS: true aneurysm, posterior communicating artery, artery occlusion.
Aneurismas da artéria carótida interna no seg-mento próximo a artéria comunicante posterior,assim como da junção da artéria carótida com acomunicante posterior, são tradicionalmente no-meados como aneurismas da região da comuni-cante posterior1. Os aneurismas próprios da art é r i acomunicante posterior são de ocorrência rara,variando de 0,1 a 2,8% de todos os aneurismas in-t r a c r a n i a n o s2 , 3. Após observação da anatomiamicrocirurgica, Krayenbühl e col.4, em 1972, des-c reveram 4 tipos de aneurismas da artéria comu-nicante posterior: a) aneurisma da junção da art é-ria carótida interna e artéria comunicante poste-
rior; b) aneurisma fusiforme da artéria comunican-te posterior; c) aneurisma sacular da artéria comu-nicante posterior; e d) aneurisma da artéria caróti-da interna. O termo aneurisma próprio da artériacomunicante posterior foi usado inicialmente em1979 por Yoschida e col.5, para determinar os aneu-rismas que possuem origem direta da artéria comu-nicante posterior, aproximadamente 2 a 3 mm dis-tal à junção com a artéria carótida interna. A ana-tomia vascular regional da artéria comunicanteposterior é importante pela presença de ramosp e rfurantes que darão suprimento sanguíneo aoquiasma óptico, nervo oculomotor, corpo mamilar,
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tuber cinéreo, crura cerebral, tálamo anterior eporção rostral do núcleo caudado5,6.
O surgimento de aneurisma cerebral por alte-rações hemodinâmicas, tem sido descrito em mo-delos experimentais7 , 8, assim como após oclusãoda artéria carótida interna9,10.
CASOHomem de 69 anos apresentou quadro clínico de
cefaléia súbita seguida de perda momentânea da cons-ciência em 20/03/2004. Após 18 dias do evento foi en-caminhado ao nosso serviço. À admissão queixava-se decefaléia; ao exame físico geral apresentava difere n ç ana medida da pressão arterial (PA) dos membros superio-res com PA de 140 x 110 mmHg em MSE e 170 x 100mmHg em MSD. Ao exame neurológico apre s e n t a v a - s econsciente e orientado e com paresia dos nervos crania-nos III (oculumotor) e IV (troclear) à direita. Realizouexame de tomografia computadorizada de crânio, queevidenciava hemorragia sub-aracnóide Fisher III (Fig 1A).À angiografia digital realizada em 28/05/2004, no arcoa ó rtico e nas artérias carótidas e vertebrais, foi diagnos-ticado aneurisma sacular próprio da artéria comunicanteposterior direita (Fig 1B e 1C), oclusão da artéria subclá-via esquerda (Fig 2A) e roubo de fluxo da artéria ver-
tebral direita pela artéria vertebral esquerda (FIG 2B),além de estenose maior que 80% na emergência daa rtéria carótida interna direita. A discussão terapêuticafoi baseada no fato de que o roubo da artéria subcláviaera de tamanha importância que não havia contrastaçãodo segmento superior da artéria basilar e dos seus ra-mos, e que este segmento seria suprido pela artéria co-municante posterior direita. Logo a possibilidade doaneurisma ter surgido em decorrência do alto fluxo poresta artéria, mesmo com a evidência de estenose im-portante na carótida interna direita, foi postulada. Noentanto a hipótese de que a restauração do fluxo nor-mal, com correção do roubo da artéria subclávia pelad e s o b s t rução do segmento ocluído da artéria subcláviaesquerda, eliminaria o fluxo pelas artérias comunicantep o s t e r i o res, havendo a possibilidade de exclusão doaneurisma da circulação por diminuição do fluxo. Em08/06/2004 foi realizado recanalização por ATP (art é r i o-t romboplastia) e colocação de stent na artéria subcláviaesquerda (Fig 3A), restaurando o fluxo sanguíneo pelaa rtéria vertebral esquerda (Fig 3A), e enchimento de to-da a árv o re arterial vért e b ro-basilar e das artérias cere-brais posteriores (Fig 3B) e diminuição do fluxo pela ar-téria comunicante posterior com estagnação de con-traste no interior do aneurisma (Fig 3C).
Fig 1. A) Corte axial de tomografia computadorizada evidenciando hemorragia subaracnóidea, Fisher III. B) e C)
Angiografia carotídea direita mostrando aneurisma sacular próprio da artéria comunicante posterior(setas pre t a s ) .
Fig 2. A) Angiografia do arco aórtico mostrando
oclusão da artéria subclávia esquerda (seta pre t a ) .
B) Angiografia da artéria vertebral direita mostran -
do roubo de fluxo da artéria vertebral direita pela
e s q u e rda e hipofluxo da artéria basilar e art é r i a s
cerebrais posteriores (setas pretas).
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possibilidade do aneurisma ser formado por alte-ração de fluxo. Kaspera1 2 d e m o n s t rou, através deDoppler transcraniano, o aumento da velocidadee turbulência do fluxo sanguíneo na artéria comu-nicante posterior, em paciente com oclusão dea rtéria carótida interna que desenvolveu aneuris-ma próprio da artéria comunicante posterior. A al-teração de fluxo ocorreu neste caso, em virt u d eda oclusão da artéria subclávia esquerda, com ro u-bo de fluxo da artéria vertebral direita pela ver-tebral esquerda e conseqüente aumento de fluxoda artéria comunicante posterior direita, causandoa formação de aneurisma sacular. Para o tratamen-to deste aneurisma optou-se pela correção do fluxoa rterial da artéria subclávia ocluída, através de AT Pe colocação de s t e n t. Houve restauração do padrãoc i rculatório normal e diminuição do fluxo na art é-ria comunicante posterior, com estagnação do con-traste no interior do saco aneurismático observ a d oem angiografia de controle imediatamente apóso procedimento, levando a trombose espontâneado mesmo e sem que houvesse risco de re c a n a l i-
Em 01/09/04 o paciente apresentava-se em bomestado clínico e neurológico, com PA de 150 x 100 mmHge pulsos simétricos em ambos os membros superiore s .O estudo angiográfico de controle mostrou a patênciada angioplastia da artéria subclávia esquerda com fluxoanterógrado na artéria vertebral esquerda (Fig 4A) e aangiografia carotídea mostrou a artéria comunicanteposterior direita permeável, com exclusão do aneurisma(Fig 4B).
DISCUSSÃO
Aneurisma próprio da artéria comunicante pos-terior é um evento raro variando de 0,1 a 2,8%2 , 5,sendo alguns considerados como aneurismas deh i p e rf l u x o1 1 , 1 2. O aneurisma próprio da artéria co-municante posterior possui considerações cirúrg i c a sespecificas em virtude da presença de vários ramosp e rfurantes para estruturas vitais5 , 6, assim como ap re s e rvação do nervo oculomotor. Akimura1 3 p re-coniza a realização de trapping, com o intuito depreservar principalmente os ramos tálamo estria-dos. O estudo hemodinâmico do arco aórtico e detodo o polígono de Willis deve ser realizado, pela
Fig 3. A) Angiografia do arco aórtico com procedimento de ATP e colocação de stent da artéria subclávia esquerd a ( s e t a
p reta). B) Angiografia da artéria vertebral logo após a ATP com enchimento do sistema vért e b ro basilar e das art é r i a s
c e rebrais posteriores. C) Angiografia da artéria carótida direita logo após a ATP com diminuição de fluxo pela art é r i a
comunicante posterior e estagnação de contraste no interior do aneurisma(seta preta vazada).
Fig 4. A) Angiografia de controle tardio, do arc o
a ó rtico e carótida direita, evidenciando perm e a b i l i -
dade da angioplastia da artéria subclávia esquerd a
(seta preta). B) Exclusão do saco aneurismático
(seta preta vazada).
zação, já que entendemos que a sua fisiopatologiapor alteração de fluxo difere da dos demais aneu-rismas, havendo fragilidade da camada elástica in-t e rna e não sua descontinuidade. O controle angio-gráfico tardio, comprovou a exclusão do aneu-risma.
Este caso confirma que alterações da hemodinâ-mica do polígono de Willis podem estar re l a c i o-nadas à formação de aneurismas intracranianos.A análise hemodinâmica cerebral é fundamentalpara a realização de procedimentos eficazes combaixa morbidade. O tratamento do aneurisma pró-prio da artéria comunicante posterior foi obtido.A angioplastia e colocação de stent na artéria sub-clávia esquerda pro p o rcionaram a re c a n a l i z a ç ã oa rterial, eliminando o roubo de fluxo da art é r i asubclávia esquerda. A alteração da hemodinâmicado polígono de Willis permitiu a exclusão espontâ-nea do aneurisma.
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