[algebra a] fundamentos de algebra

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    FUNDAMENTOS DE LGEBRA

    Dan AvritzerHamilton Prado BuenoMarlia Costa de Faria

    ngela Maria Vidigal FernandesMaria Cristina Costa Ferreira

    Eliana Farias e Soares

    Universidade Federal de Minas GeraisDepartamento de Matemtica

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    Eliana,

    inesquecvel colega, amiga, companheira.

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    APRESENTAO

    Este livro teve a sua origem em 1976, quando Dan Avritzer ministrou uma primeiradisciplina em lgebra para os alunos do curso de Matemtica da UFMG. Nessa pocaos textos elementares disponveis em portugus, de fcil acesso e boa qualidade, eramo do curso que Said Sidki ministrou no 10o Colquio Brasileiro de Matemtica euma traduo de um livro curto de Serge Lang, denominado "Estruturas Algbricas".Os demais eram, em sua grande maioria, publicados em ingls ou francs. Aspeculiaridades de ento do curso de licenciatura em Matemtica motivaram Dan atrabalhar um primeiro texto, no qual o mtodo axiomtico e o rigor fossem introduzidosem situaes simples. Esse foi testado por ele e por outros professores, no perodo1976/1977. Houve um hiato de alguns anos at que no incio da dcada de 80vrios docentes retornaram de programas de doutorado e a proposta de se examinarcuidadosamente os contedos e os enfoques da disciplina "Fundamentos de lgebra"foi retomada e, ao longo dos anos, vrias verses de um texto circularam e foramadotadas nessa disciplina, culminando neste.

    O livro introduz alguns conceitos e mtodos bsicos, essenciais formao querde um professor de Matemtica, quer de um Matemtico. O rigor e a axiomticaso utilizados no contexto de nmeros inteiros e transplantados, verbatim, para ocontexto de polinmios em uma varivel. O mnimo essencial para o estudo dosinteiros percorrido de maneira suave, terminando com um breve estudo da noo decongruncia, motivadora primordial do conceito de estrutura quociente. Os polinmiosem uma varivel so trabalhados exatamente na mesma ordem em que os inteiroso foram, exemplificando de maneira simples um dos propsitos fundamentais daMatemtica, a busca de padres. Os exerccios so motivadores, condizentes com uma

    primeira apresentao do assunto, tm a qualidade de no serem repetitivos e so emnmero adequado.

    O livro atinge dois propsitos: referncia segura para professores do ensino mdioe uma correta introduo lgebra elementar em nvel universitrio.

    Mrcio Gomes Soares

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    PREFCIO

    Na primeira metade da dcada de 80, ns, um grupo de professores doDepartamento de Matemtica da UFMG, resolvemos escrever um texto para a disciplina"Fundamentos de lgebra". No ento currculo de graduao em Matemtica, essa

    disciplina era o primeiro contato dos estudantes com o mtodo axiomtico. Sua ementaera simples: induo matemtica, nmeros inteiros e divisibilidade, congrunciase polinmios. Essa ementa era considerada adequada para uma disciplina comesse propsito, uma vez que, em grande parte, abordava tpicos j conhecidos dosestudantes desde o ensino bsico.

    J havia bibliografia em portugus para o assunto. Entretanto, os livros existentesno tinham a preocupao de introduzir a matria tendo em vista a completainexperincia de seus leitores com o mtodo axiomtico. As provas eram apresentadassem preocupao com sua heurstica. Achvamos esse tratamento inadequado para o

    objetivo almejado.Nosso objetivo era a redao de um texto ameno, que procurasse motivar cada

    conceito introduzido e, dentro do possvel, apresent-lo dentro de um contextohistrico. Um texto que aceitasse a inexperincia inicial do aluno, mas que fosse capazde acompanhar sua evoluo com o decorrer do curso. E, diferentemente dos textos jexistentes em portugus, no procurvamos a abordagem mais concisa ou elegante,ou mesmo aquela mais passvel de generalizaes; queramos adotar, tanto quantopossvel, o mesmo enfoque empregado no ensino bsico, tornando nosso texto umafonte de consulta imediata para os professores daqueles nveis.

    No demos nfase apresentao de estruturas algbricas. Preferimos salientarapenas as similaridades entre inteiros e polinmios, deixando para cursos maisavanados a generalizao das estruturas envolvidas. De qualquer maneira, pensamosque os dois exemplos bsicos dessas estruturas foram apresentados, preparando o alunopara os conceitos mais abstratos da lgebra.

    Depois de finalizado, o texto foi editado como apostila e adotado por quase todos osprofessores da disciplina "Fundamentos de lgebra" na UFMG. Alunos dessa disciplinaque vieram a se tornar professores universitrios passaram tambm a utiliz-lo em seuscursos. E, assim, o texto comeou a ser adotado em diversas faculdades do interior deMinas Gerais. Independentemente das crticas feitas ao texto algumas delas vindas de

    vii

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    viii PREFCIO

    seus prprios autores h que se constatar que a receptividade desse material por partedos alunos sempre foi bastante favorvel. Talvez essa seja a melhor justificativa para apresente edio deste livro.

    O Brasil do comeo dos anos oitenta vivia um perodo de final de ditadura e difusode um sentimento de cooperao. Consonante com o esprito da poca, esse trabalhonunca foi assinado. Seus autores se identificavam com o "Grupo de lgebra", emboraum deles nunca tenha se dedicado a essa rea da Matemtica. Vrios de seus autores jtinham lecionado anteriormente a disciplina "Fundamentos de lgebra". Mesmo assim,o texto nasceu a partir de discusses (em sua maioria, bastantes acaloradas) em tornode cada um dos temas abordados, procurando um enfoque que satisfizesse a todosos membros do grupo. Aps extensas discusses, chegvamos redao de um textoprovisrio que, experimentado em sala de aula, era alvo de crticas e novas discusses.Um processo que parecia interminvel, mas que foi concludo por volta de 1985. Desdeento, o texto permaneceu praticamente inalterado, sofrendo apenas simples correes.

    Assim, quase 20 anos aps a sua edio inicial como apostila, no deixa de sercurioso que este texto seja agora publicado como livro. Dentre seus seis autores, doisesto aposentados e um faleceu. A sua publicao trouxe consigo um problema tico:alterar o texto, de modo a adequ-lo s atuais concepes de parte de seus autores?Ou mant-lo, tanto quanto possvel, inalterado? Optamos por tentar manter a essnciado texto, embora corrigindo-o e atualizando-o, quando necessrio. Para tornar suaconcepo mais coerente, foram feitas adequaes: alguns exerccios propostos foramreformulados, outros deram origem a material incorporado ao texto. Foram inseridostextos que j estavam redigidos, mas que no estavam presentes na apostila. Entretanto,ainda possvel ver este livro como uma edio melhorada daquela apostila. E era issoque ambicionvamos nessa reviso...

    Por outro lado, a oportunidade de reavaliar o texto original nos deixou com aimpresso de que ele satisfaz os objetivos escolhidos quando de sua redao. E achamosque isso suficiente para justificar sua edio como livro.

    Agradecimentos. No decorrer de todos esses anos aps a edio inicial desse textocomo apostila, difcil nomear todos aqueles que colaboraram para o aperfeioamentodo mesmo. Diversos professores que ministraram o curso de "Fundamentos delgebra"na UFMG contriburam com sugestes, correes e discusses sobre o materialapresentado. Alunos de diversos anos em que a disciplina foi lecionada apontaramincorrees e sugeriram aprimoramentos.

    Cabe, entretanto, destacar algumas pessoas: os Profs. Antnio Zumpano PereiraSantos, Jorge Sabatucci e Mrcio Gomes Soares, que adotaram o texto em seus cursos econtriburam com inmeras sugestes; o aluno Rogrio Scalabrini, que foi responsvelpela datilografia da apostila e muitas correes; a aluna Cludia Regina da Silva Lima,que digitou em LATEX este texto.

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    Utilizamos as fontes de Peter Wilson para os caracteres hierglifos e gregos arcaicos,e as de Karel Pka para os caracteres cuneiformes.

    A todos, o nosso muito obrigado.

    A edio deste livro foi possvel graas ao financiamento da Pr-Reitoria deGraduao da UFMG, atravs de projeto de produo de material didtico.

    Belo Horizonte, abril de 2004

    Dan AvritzerHamilton Prado BuenoMarlia Costa de Faria

    Maria Cristina Costa Ferreira

    ngela Maria Vidigal FernandesEliana Farias e Soares (in memoriam)

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    AO ALUNO

    Este texto tem um duplo propsito. Por um lado, pretende apresentar o estilo emque so redigidos os textos de matemtica. Em outras palavras, introduzir o mtodoaxiomtico. Isto feito, no nosso caso, justamente atravs do estudo dos conjuntos dosnmeros inteiros e dos polinmios.

    No ensino bsico, a preocupao predominante de um texto de matemtica eraexplicar o porqu de tal ou qual problema ter sido resolvido de uma determinadamaneira. Em outras palavras, aprender tinha o significado de o aluno ter compreendidoo que o professor (ou o livro) justificava. Para se efetuar, por exemplo, a diviso dedois nmeros inteiros, o professor explicava o funcionamento do algoritmo da diviso,

    justificando-o da melhor maneira possvel. Se essa explicao fosse convincente, o alunoseria capaz de perceber quando tal algoritmo era aplicvel, ou seja, quais nmerosinteiros podiam ser divididos um pelo outro. O importante era a utilizao do algoritmoensinado e no investigar sob quais condies ele poderia ser aplicado. Essa mesmapostura foi adotada nos primrdios da matemtica, cuja nfase prtica : " assim quese faz".

    O florescimento da matemtica grega introduziu uma nova postura, que contestavao saber prtico e que tem sido utilizada desde ento em todos os ramos da matemtica:no bastava verificar a validade de uma afirmao para uma srie de casos; era precisodeduzi-la de fatos bsicos, tidos como inquestionveis ou ento aceitos em determinadocontexto. Assim, por exemplo, para um babilnio, era indubitvel que a soma dosngulos internos de um tringulo 180 graus, j que esse fato poderia ser verificadopara cada tringulo. Esse um exemplo de utilizao do saber indutivo. A matemticagrega se opunha a essa postura: era preciso provar esse fato a partir de verdades bsicas

    (axiomas, princpios ou postulados), atravs de passagens lgicas irrefutveis1. Esse o mtodo dedutivo. No Captulo 2 apresentaremos exemplos de questionamentos aosaber indutivo e de aplicaes do mtodo dedutivo.

    Uma das grandes dificuldades de todo texto que pretende introduzir o mtodoaxiomtico escolher quais fatos sero aceitos como inquestionveis e quais precisaroser deduzidos. Tentar chegar aos princpios bsicos de todo o conhecimento matemtico uma tarefa inglria: as dificuldades sero imensas e a exposio ser dificultada,

    1O estudo da geometria no ensino bsico feito sob essa diretiva. Inicialmente os postulados dageometria euclidiana foram tidos como evidentes. Entretanto, a negao de seu quinto postulado deuorigem a novas geometrias e os postulados aceitos passaram a depender do contexto.

    xi

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    xii AO ALUNO

    fazendo com que o texto perca a simplicidade. Por exemplo, podemos partir dosnmeros naturais como conhecidos. Mas possvel construir o conjunto dos naturais,isto , obt-lo de resultados mais fundamentais.

    Aceitaremos como verdadeiros fatos bsicos sobre os nmeros inteiros. Mas noexplicitaremos quais resultados sero tidos como verdadeiros. Isso pode causar-lhealguma dificuldade, j que voc poder ter dvidas sobre o que evidente e o que no .Como norma, podemos sintetizar que todo processo (algoritmo, resultado) geral deverser demonstrado, enquanto algumas afirmaes particulares sero aceitas como vlidas.Por exemplo, demonstraremos que podemos sempre dividir o nmero inteiro a pelonmero inteiro b, desde que b = 0. Mas no mostraremos a inexistncia de um nmeronatural entre 1 e 2, fato que aceitaremos como bvio. (A nossa experincia didtica nosdiz que infrutfera a tentativa de explicitar aquilo que aceitaremos como verdadeiro.)

    O material que apresentaremos nesse curso voc conhece, em grande parte, desdeo ensino bsico: nmeros inteiros, critrios de divisibilidade, nmeros primos, mximodivisor comum e mnimo mltiplo comum, polinmios. Isso torna, ao nosso ver, maisfcil a introduo do mtodo axiomtico, pois voc estudar apenas a demonstrao deresultados (em grande parte) j conhecidos, e ter contato restrito com material que noconhece.

    Contudo, aprender o mtodo axiomtico no brincadeira de criana. O mtodotraz consigo uma linguagem abstrata que, muitas vezes, pode ser difcil de entender.

    Por exemplo, voc pode no ser capaz de compreender a seguinte frase: no existe umnmero real a > 0talque a < (1/n), para todo nmero natural n 1. Tentaremos, tantoquanto possvel, introduzir paulatinamente a linguagem abstrata, para que voc possase inteirar de seu significado. Isso ser feito motivando o estudo de um determinadoproblema ou a apresentao de uma demonstrao. Mas, em ltima instncia, alinguagem abstrata somente deixar de ser um problema atravs da sua utilizaocorriqueira. Em outras palavras, atravs de muitas horas de estudo.

    Mas o texto tem um segundo objetivo: ao estudar os inteiros e polinmios, elepretende comparar esse conjuntos, apresentando propriedades que lhes so comuns.

    Por exemplo, se b = 0, a possibilidade de escrevermos a = qb + r, com 0 r 10, podemos utilizar os nossos algarismoshindu-arbicos de 0 at 9 e escrever outros smbolos (geralmente utilizamos letras) pararepresentar os nmeros 10, . . . , b 1.

    Por exemplo, se b = 12 podemos utilizar os smbolos 0,1,...,9, c, d comoalgarismos do nosso sistema, sendo que c representa o nmero dez e do nmero onze. Assim, para representar o nmero duzentos e oitenta eseis na base 12, formamos grupos de doze elementos conforme o diagramaabaixo, em que

    " O "representa um grupo (de doze) e cada "+" um elemento:

    O O O O O O O O O O O O

    O O O O O O O O O O O

    + + + + + + + + +

    +

    Obtemos portanto um grupo com doze grupos de doze elementos, onze grupos dedoze elementos e dez elementos. Logo

    286 = (1dc)12,

    ou seja,

    286 = 1 122 + d 12 + c= 1 122 + 11 12 + 10.

    Assim, se b N, qualquer nmero inteiro no-negativo a pode ser escrito comoa = anbn + . . . + a1b + a0,

    em que os coeficientes ai, i = 0,1, , n tomam valores de 0 a b 1.

    O nmero a acima representado posicionalmente na base b pela seqncia

    anan1 . . . a2a1a0

    e escrevemos a = (anan

    1 . . . a2a1a0)b. Convencionamos no escrever o subscrito bquando estamos utilizando a base 10, que a usual. Para cada i N, o smbolo ai

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    10 CAPTULO 2. INDUO E BOA ORDENAO

    2.2 DEDUO E INDUO

    Para que se compreenda o Princpio de Induo Matemtica necessrio saberdistinguir entre deduo e induo e como esses mtodos so utilizados em Matemtica.

    Comecemos com uma srie de exemplos de afirmaes:

    TODO brasileiro alfabetizado fala portugus.

    TODO nmero terminado em zero divisvel por 5.

    As diagonais de TODO paralelogramo so bissectadas por seu ponto deinterseco.

    Paulo fala portugus.

    As diagonais do paralelogramo ABCD so bissectadas por seu ponto deinterseco.

    140 divisvel por 5.

    Analisando estas afirmaes podemos dividi-las em dois grupos: gerais eparticulares. As trs primeiras so gerais e as trs ltimas particulares.

    A passagem de uma afirmao geral para uma particular chamada deduo. Umexemplo simples:

    Todo brasileiro alfabetizado fala portugus. (a)Paulo um brasileiro alfabetizado. (b)Paulo fala portugus. (c)

    A afirmao (c) obtida da afirmao geral (a) com o auxlio da afirmao (b).

    A tentativa de generalizao de uma afirmao particular, isto , a passagem de umaafirmao particular para uma geral, chamada induo. Ilustremos com um exemplo.

    Considere a seguinte afirmao particular:

    140 divisvel por 5. (1)

    Podemos fazer, com base nesta afirmao particular, uma srie de afirmaes gerais.Por exemplo:

    Todo nmero com trs dgitos divisvel por 5. (2)Todo nmero terminado em zero divisvel por 5. (3)Todo nmero terminado em 40 divisvel por 5. (4)Todo nmero cuja soma de seus algarismos 5 divisvel por 5. (5)

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    2.2. DEDUO E INDUO 11

    As afirmaces (2), (3), (4) e (5) so tentativas de generalizao do caso particular (1).As afirmaes (3) e (4) so verdadeiras, enquanto (2) e (5) so falsas.

    Temos ento a seguinte questo: como poderamos usar induo em Matemticade forma a obter somente concluses verdadeiras? Neste captulo, apresentamos ummtodo que soluciona essa questo.

    Consideremos, inicialmente, dois exemplos com generalizaes inadmissveis emMatemtica.

    Exemplo 2.1 Seja

    Sn =1

    1 2 +1

    2 3 +1

    3 4 + . . . +1

    n(n + 1).

    fcil ver que:

    S1 =1

    1 2 =12

    S2 =1

    1 2 +1

    2 3 =23

    S3 =1

    1 2 +1

    2 3 +1

    3 4 =34

    S4 =1

    1 2 +1

    2 3 +1

    3 4 +1

    4 5 =45

    Com base nos resultados obtidos afirmamos que, para todo nmero natural n,

    Sn =n

    n + 1.

    Exemplo 2.2 Considere o trinmio x2 + x + 41 (estudado por Euler). Fazendo x = 1nesse trinmio, obtemos 43, um nmero primo. Substituindo x por 2,3, ,10,obtemos, respectivamente, os nmeros primos 47, 53, 61, 71, 83, 97, 113, 131, 151. Com

    base nestes resultados, afirmamos que a substituio no trinmio de x por qualquernatural dar como resultado um nmero primo.

    Por que este tipo de raciocnio inadmissvel em Matemtica? A falha est nofato de termos aceito uma afirmao geral com respeito a um nmero natural (n noprimeiro exemplo, x no segundo exemplo) somente com base no fato dessa afirmaoser verdadeira para certos valores de n (ou de x).

    O processo de induo muito empregado em Matemtica, mas devemos saber us-lo adequadamente. Assim, enquanto a afirmao geral do Exemplo 2.1 verdadeira, aafirmao geral do Exemplo 2.2 falsa. De fato, se estudarmos mais cuidadosamente otrinmio x2 + x + 41, veremos que sua soma igual a um primo quando substitumos xpor 1, 2, . . . , 39. Mas, para x = 40, temos:

    x2 + x + 41 = 402 + 40 + 41 = 40(40 + 1) + 41 = 41(40 + 1) = 412,

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    12 CAPTULO 2. INDUO E BOA ORDENAO

    que um nmero composto.

    Apresentamos agora alguns exemplos de afirmaes verdadeiras em certos casosespeciais, mas que so falsas em geral.

    Exemplo 2.3 Considere n planos passando por um mesmo ponto tais que quaisquer 3deles no contm uma reta comum. Em quantas regies eles dividem o espao?

    Ora, fcil ver que: um plano divide o espao em duas partes; dois planos passandopor um ponto dividem o espao em 4 partes; trs planos passando por um ponto, masno contendo uma reta em comum, dividem o espao em 8 partes. Em vista disto,parece que quando o nmero de planos aumenta de uma unidade, o nmero de partesnas quais se divide o espao dobrado, e portanto 4 planos dividiriam o espao em 16

    partes.

    Figura 2.1: Quatro planos, sendo que quaisquer trs deles no contem uma reta emcomum, dividem o espao em 14 regies. (Conte 7 regies na parte frontal da figura!)

    Contudo, observando a figura acima, vemos que o espao fica dividido em 14regies. (Na verdade, pode-se provar que n planos, nas condies acima, dividem oespao em n(n 1) + 2 partes). Exemplo 2.4 Considere os nmeros:

    220 + 1 = 3, 221 + 1 = 5, 222 + 1 = 17, 223 + 1 = 257, 224 + 1 = 65537

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    2.3. INDUO: PRIMEIRA FORMA 13

    que so primos. Fermat (1601 - 1665), matemtico francs, conjecturou que todos osnmeros dessa forma (os quais so denominados nmeros primos de Fermat) eramprimos. Entretanto, Euler descobriu, um sculo depois, que:

    225

    + 1 = 4 294 967 297 = (641) (6 700 417)

    um nmero composto.

    2.3 INDUO: PRIMEIRA FORMA

    Os exemplos considerados anteriormente mostram que uma afirmao pode ser

    vlida em uma srie de casos particulares e falsa em geral. Surge ento a seguintequesto: suponhamos que uma afirmao seja vlida em muitos casos particulares eque seja impossvel considerar todos os casos possveis por exemplo, uma afirmativaa respeito de todos os nmeros naturais. Como se pode determinar se esta afirmativa vlida em geral? Algumas vezes podemos resolver essa questo aplicando um mtodoparticular de raciocnio, chamado Mtodo de Induo Matemtica (induo completa),

    baseado no

    Princpio da Induo Matemtica - primeira forma:

    Suponha que para cada nmero natural n se tenha uma afirmativa P(n) que satisfaa asseguintes propriedades:

    (i) P(1) verdadeira;

    (ii) sempre que a afirmativa for vlida para um nmero natural arbitrrio n = k, ela ser vlidapara o seu sucessor n = k + 1 (ou seja, P(k) verdadeira implica P(k + 1) verdadeira).

    Ento P(n) verdadeira para todo nmero natural n.

    Exemplo 2.5 (Modelo)O Princpio da Induo Matemtica pode tambm ser entendido atravs do seguinte

    modelo. Suponhamos a existncia de uma fila infinita de peas de domin, colocadasem p e distribudas como na Figura 2.2. Teremos certeza de que, golpeando a primeirapea de domin, todas cairo se:

    a primeira pea cair ao ser golpeada;

    as peas de domin estiverem espaadas de tal modo que, quando uma delas cai,atinge e faz cair a seguinte.

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    14 CAPTULO 2. INDUO E BOA ORDENAO

    Figura 2.2: As peas de domin esto espaadas de tal forma que, se uma cair, a seguintetambm cair.

    Uma demonstrao baseada no Princpio da Induo Matemtica chamada provapor induo. Tal demonstrao deve, necessariamente, consistir em duas partes, ouseja, da prova de dois fatos independentes:

    FATO 1: a afirmao verdadeira para n = 1;

    FATO 2: a afirmao vlida para n = k + 1 se ela for vlida para n = k, em que k

    um nmero natural arbitrrio.Se ambos estes fatos so provados ento, com base no Princpio da Induo

    Matemtica, conclumos que a afirmao vlida para todo nmero natural n.

    As hipteses do Princpio da Induo (quer dizer, os Fatos 1 e 2) possuemsignificados especficos. A primeira hiptese cria, digamos assim, a base para se fazera induo. A segunda hiptese nos d o direito de passar de um nmero inteiro para oseu sucessor (de k para k + 1), ou seja, o direito de uma extenso ilimitada desta base.(Veja o exemplo das peas de domin). Quer dizer, como P(1) verdadeira, podemosconcluir que P(2) tambm . Mas, sendo P(2) verdadeira, podemos concluir que P(3) verdadeira, e assim sucessivamente.

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    2.3. INDUO: PRIMEIRA FORMA 15

    Observao 2.6 O Fato 2 contm uma implicao. Portanto, possui uma hiptese (P(k) verdadeira) e uma tese (P(k + 1) verdadeira). Consequentemente, provar o Fato 2significa provar que a hiptese acarreta a tese. A hiptese do Fato 2 chamada hiptesede induo.

    Exemplo 2.7 Calcular a soma

    Sn =1

    1 2 +1

    2 3 +1

    3 4 + +1

    n(n + 1).

    Sabemos que S1 = 12 , S2 =23 , S3 =

    34 , S4 =

    45 .

    Agora no repetiremos o engano cometido no exemplo 2.1. Examinando as somas

    S1, S2, S3, S4, tentaremos provar, usando o mtodo da induo matemtica que

    Sn =n

    n + 1para todo natural n.

    Para n = 1 a afirmativa verdadeira, pois S1 = 12 .

    Suponhamos que a afirmativa seja verdadeira para n = k, isto ,

    Sk =1

    1 2 +1

    2 3 + . . . +1

    k(k + 1)=

    kk + 1

    .

    Provaremos que a hiptese verdadeira para n = k + 1, isto ,

    Sk+1 =k + 1k + 2

    .

    De fato,

    Sk+1 =1

    1 2 +1

    2 3 + +1

    k(k + 1)+

    1(k + 1)(k + 2)

    = Sk +1

    (k + 1)(k + 2).

    Pela hiptese de induo, Sk =k

    k+1 . Logo,

    Sk+1 = Sk +1

    (k + 1)(k + 2)= k

    k + 1+ 1

    (k + 1)(k + 2)= k

    2 + 2k + 1(k + 1)(k + 2)

    = k + 1k + 2

    .

    Verificadas as hipteses do Princpio da Induo Matemtica, podemos entoafirmar que, para todo natural n,

    Sn =n

    n + 1.

    necessrio enfatizar que uma prova pelo Princpio da Induo Matemtica requerprovas de ambas as suas hipteses (ou seja, os Fatos 1 e 2). J vimos, pelo Exemplo2.2, como uma atitude negligente para com a segunda hiptese do Princpio da Induopode nos levar a resultados falsos. O exemplo seguinte mostra que tampouco podemosomitir sua primeira hiptese.

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    16 CAPTULO 2. INDUO E BOA ORDENAO

    Exemplo 2.8 Seja Sn = 1 + 2 + 3 + + n e consideremos a conjectura

    Sn =

    1

    8 (2n + 1)2

    .Suponhamos que a afirmativa seja vlida para um nmero natural n = k, isto ,

    Sk =18

    (2k + 1)2.

    Ento temos que

    Sk+1 = Sk + (k + 1) =18

    (2k + 1)2 + (k + 1) =18

    (4k2 + 12k + 9) =18

    (2(k + 1) + 1)2,

    o que mostra que o Fato 2 se verifica.

    Entretanto, fcil verificar que esta conjectura no verdadeira para qualquernmero natural n. Por exemplo,

    S1 = 1 = 18 (2 + 1)2.

    Pode-se provar que3

    Sn =

    n(n + 1)

    2 ,que diferente de 18 (2n + 1)

    2 para todo n N.

    Exemplo 2.9 Retornemos ao exemplo 2.2 para clarear um aspecto significativo domtodo da induo matemtica. Examinando a soma

    Sn =1

    1 2 +1

    2 3 +1

    3 4 + +1

    n(n + 1),

    para alguns valores de n, obtivemos S1 =1

    2 , S2 =2

    3 , S3 =3

    4 , e estes resultadosparticulares sugeriram a hiptese de que, para todo n,

    Sn =n

    n + 1,

    o que foi provado no Exemplo 2.7.

    Poderamos ter feito a seguinte conjectura:

    Sn =n + 1

    3n + 1.

    3Veja o Exerccio 1 (a).

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    2.4. INDUO: SEGUNDA FORMA 19

    A desigualdade verdadeira para n = 1 e n = 2. Suponhamos que P(k) seja vlida,isto , suponhamos que Fk < (

    74 )

    k. Devemos mostrar que Fk+1 < (74 )

    k+1.

    Suponhamos k 2. Como k + 1 3, ento Fk+1 = Fk + Fk1 e no fica claro comoobter a desigualdade desejada a partir da hiptese de induo. Observe que

    Fk1 Fke ento

    Fk+1 = Fk + Fk1 Fk + Fk < 2

    74

    k=

    87

    74

    k+1,

    que uma quota maior de que a desejada.

    Entretanto, se alm de Fk 0; (2) a 0 e b < 0(3) a < 0 e b > 0; (4) a < 0 e b < 0.

    O caso (1) o Lema da Diviso de Euclides para naturais. Os casos restantes tmdemonstrao similar. Mostraremos (4), deixando os outros casos como exerccio.

    Como a < 0 e b < 0, temos a > 0, b > 0 e |b| = b. Pelo Lema de Euclidespara naturais, existem q, r N tais que a = q(b) + r, com 0 r < b. Se r = 0,temos a = qb e, ento, basta fazer q = q e r = 0. Se r > 0, temos a = qb + (r).

    E

    q(b) a (q + 1)(b)0

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    3.3. REPRESENTAO DE UM NMERO EM UMA BASE 39

    (ii) se a | b e a | c, ento a | (b + c);(iii) se a

    |b e a

    |(b + c), ento a

    |c;

    (iv) se a | b e b | a, ento a = b;(v) se a | b e a | c, ento a | (bx + cy) para quaisquer x,y Z;

    (vi) se a | b e b | c, ento a | c.Demonstrao: As demonstraes de todos os tens so muito semelhantes. Faremosapenas a demonstrao de (ii), deixando os demais tens a cargo do leitor (veja oExerccio 2).

    Se a|

    b, ento existe qZ tal que b = aq. Se a

    |c, existe p

    Z tal que c = ap. Logo

    b + c = aq + ap = a(q + p).

    Como (q + p) Z, conclumos que a | (b + c). P

    Observao 3.15 Demonstramos acima que se a | b e se a | c, ento a | (b + c). Isso muito diferente da afirmao: se a | (b + c) ento a | b e a | c. A ltima afirmao chamada recproca da anterior, pois a hiptese de uma a tese da outra. D um exemploque mostra que essa afirmao recproca falsa.

    3.3 REPRESENTAO DE UM NMERO EM UMA BASE

    Descrevemos rapidamente no Captulo 1 a evoluo histrica dos sistemas denumerao e vimos que de se esperar que possamos usar sistemas numricosposicionais com respeito a qualquer base b > 1 (b N), de modo que um inteiroarbitrrio a possua uma representao posicional na base b, dada por uma seqnciaanan1 . . . a1a0, em que cada ai (i = 0,1, , n) assume um valor em {0 , . . . , b 1},significando que

    a = anbn + an1bn1 + + a1b + a0.

    Nesta seo demonstraremos formalmente que essa representao sempre existe eque, escolhida a base b, ela nica.

    Exemplo 3.16 Para representar 32 na base 5, de acordo com o raciocnio utilizado naSeo 1.3, devemos efetuar as seguintes divises:

    32 = 6 5 + 26 = 1

    5 + 1

    1 = 0 5 + 1

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    42 CAPTULO 3. DIVISO EUCLIDIANA

    (321)6 (54)6

    (54)6

    (2)6 = (152)6

    (250)6 (3)6

    (31)6

    (54)6 (3)6 = (250)6

    (54)6 (4)6 = (344)6

    ou seja,(321)6 = (3)6 (54)6 + (31)6.

    3.4 CRITRIOS DE DIVISIBILIDADE

    Nesta seo apresentaremos a demonstrao de alguns critrios de divisibilidade.Estamos sempre supondo que o nmero est representado na base 10.

    Proposio 3.20 (Critrio de divisibilidade por 2)Um nmero natural a divisvel por 2 se, e somente se, o algarismo das unidades for divisvel

    por 2.

    Demonstrao: Seja anan1 . . . a2a1a0 a representao de a N na base 10. Assim,a = an 10n + . . . + a2 102 + a1 10 + a0,

    em que os algarismos ai tomam valores de 0 a 9.

    Colocando o nmero 10 em evidncia a partir da segunda parcela, temos:

    a = 10(an 10n1 + . . . + a2 10 + a1) + a0 = 10m + a0,

    em que m = an 10n

    1

    + . . . + a2 10 + a1 um inteiro.Se 2 | a, como a = 10m + a0 e 10 = 2 5, temos, pela Proposio 3.14 (iii), que 2 | a0.

    Reciprocamente, suponhamos que o algarismo das unidades de a seja divisvel por2, isto , suponhamos que 2 | a0. Como a = 10m + a0 temos, pela Proposio 3.14 (ii),que 2 | a. P

    Proposio 3.21 (Critrio de divisibilidade por 9)Um nmero natural a divisvel por 9 se, e somente se, a soma de seus algarismos for divisvel

    por 9.

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    3.4. CRITRIOS DE DIVISIBILIDADE 43

    Demonstrao: Seja anan1 . . . a2a1a0 a representao de a na base 10, isto ,

    a = an

    10n + . . . + a2

    102 + a1

    10 + a0,

    em que 0 ai 9 para todo i {0 , . . . , n}.

    Como, para todo natural j,10j = 9bj + 1,

    em que bj um inteiro positivo (veja o Exerccio 8), temos

    a = an(9bn + 1) + an1(9bn1 + 1) + . . . + a2(9b2 + 1) + a1(9b1 + 1) + a0= 9(anbn + an1bn1 + . . . + a2b2 + a1b1) + (an + an1 + . . . + a2 + +a1 + a0).

    Fazendo c = anbn + . . . + a2b2 + a1b1 N, temos ento que

    a = 9c + (a0 + a1 + + an). (3.1)Portanto, se 9 | a temos, pela Proposio 3.14 (iii), que

    9 | (a0 + a1 + + an).Reciprocamente, se 9 | (a0 + a1 + + an) conclumos de (3.1), pela Proposio 3.14

    (ii), que 9 | a. P

    Proposio 3.22 (Critrio de divisibilidade por 11)Um nmero natural a = anan

    1

    a1a0 divisvel por 11 se, e somente se, a soma alternada

    dos seus algarismosa0 a1 + a2 + (1)nan

    for divisvel por 11.

    Demonstrao: Suponhamos que

    a = an 10n + . . . + a2 102 + a1 10 + a0,com ai {0 , . . . , 9} para todo i.

    Como, para todo natural j > 0,

    10j = (11 1)j = 11cj + (1)j, em que cj Z,(veja o Exerccio 9), temos que

    a = an(11cn + (1)n) + . . . + a2(11c2 + (1)2) + a1(11c + (1)) + a0= 11(ancn + . . . + a2c2 + a1c1) + (a0 a1 + a2 + (1)nan)= 11c + a0 a1 + a2 + (1)nan,

    em que c = ancn + . . . + a2c2 + a1c1.

    Portanto, 11 | a se, e somente se, 11 | (a0 a1 + a2 + (1)nan), de acordo coma Proposio 3.14. P

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    44 CAPTULO 3. DIVISO EUCLIDIANA

    3.5 A EXPRESSO DECIMAL DOS NMEROS RACIONAIS

    Um nmero racional um nmero que pode ser escrito na forma ab, em que a e b so

    inteiros, com b diferente de zero. Por exemplo,

    32

    ,17

    , 3 =31

    ,2512

    e188

    so nmeros racionais. Como qualquer nmero inteiro a pode ser escrito comoa1

    , temos

    que todo inteiro racional.Um nmero racional pode ser escrito de vrias maneiras diferentes:

    214

    =1

    7=

    2

    14=

    3

    21= . . .

    e estas so chamadas formas equivalentes do nmero racional.

    Existe uma outra maneira de representar um nmero racional que chamada a suarepresentao decimal, como:

    32

    = 1, 5 17

    = 0,1425714257 . . . 3 = 3, 02512

    = 2,0833. . .188

    = 2,25.

    Estas expresses decimais so obtidas dividindo-se o numerador pelo denominador,

    segundo o algoritmo da diviso, multiplicando-se o resto por 10 e em seguidadividindo-se o ltimo nmero obtido pelo denominador e assim sucessivamente:

    1 7

    10

    30

    20

    60

    40

    50

    10...

    0, 1428571...

    18 8

    20

    40

    0

    2,25

    Se, no decorrer desse processo, obtivermos um resto nulo, como no caso18

    8

    , ento a

    expresso decimal finita. No entanto, podemos nunca obter um resto nulo, como no

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    3.5. A EXPRESSO DECIMAL DOS NMEROS RACIONAIS 45

    caso17

    , quando obtivemos os restos 1, 3, 2, 6, 4, 5 e ento novamente o resto 1. Nesse

    ponto reaparece a diviso de 10 por 7 e uma parte dos algarismos da expresso decimal

    de 17

    , denominada perodo, comea a se repetir. Em ambos os casos dizemos que aexpresso decimal peridica (da o nome dzima peridica), j que o caso em queexiste um resto nulo pode ser englobado por esse: 2, 25 = 2,25000...

    No caso geralab

    , sabemos que, ao efetuarmos a diviso de a por b, os nicos restos

    possveis so 0, 1, ..., b 1. Portanto, se no obtivermos o resto zero, podemos tercerteza que, aps um nmero finito de operaes, haver a repetio de algum resto,dando origem a um perodo no-nulo.

    Passaremos agora demonstrao formal desse resultado.

    Proposio 3.23 Todo nmero racional tem uma expresso decimal que se repete a partir de umdeterminado ponto.

    Demonstrao: suficiente provar o resultado para nmeros racionais positivos.

    Suponhamos, ento, que r =ab

    . Sem perda de generalidade, podemos supor que essa

    frao irredutvel (veja a p. 61). Ento

    a = bq0 + r0, com r0 < b

    10r0 = bq1 + r1, com r1 < b10r1 = bq2 + r2, com r2 < b

    ......

    de modo queab

    = q0 +q110

    +q2

    102+ .

    Considere a seqncia numrica

    r0, r1, r2, . . . , rn1, rn, . . .

    Se, nessa seqncia , temos resto nulo para algum rs, a expanso decimal finita.Caso contrrio, como todos os nmeros so positivos e menores do que b, ao menosdois desses nmeros so iguais. Certamente dever ocorrer repetio do resto antesrealizarmos b divises. Suponha, ento, que rs = rs+d para d > 0 e 0 s < s + d < b.Dividir 10rs+d por b resulta o mesmo quociente e resto que a diviso de 10rs por b.Isso significa que qs+1 = qs+d+1 e rs+1 = rs+d+1. O mesmo argumento mostra queqs+2 = qs+d+2 e rs+2 = r + s + d + 2, e assim sucessivamente. Isso prova o afirmado. P

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    46 CAPTULO 3. DIVISO EUCLIDIANA

    3.6 EXERCCIOS

    1. Mostre os casos (2) e (3) da demonstrao do Teorema 3.9, bem como a unicidadedo quociente e do resto.

    2. Mostre os casos no demonstrados na prova da Proposio 3.14.

    3. Mostre que o quadrado de qualquer nmero inteiro mpar da forma 8k + 1.

    4. Seja a Z. Mostre que, na diviso de a2 por 8, os restos possveis so 0, 1 ou 4.5. Determine os inteiros positivos que divididos por 17 deixam um resto igual ao

    quadrado do quociente.

    6. Na diviso do inteiro a = 427 por um inteiro positivo b, o quociente 12 e o resto r. Ache o divisor b e o resto r.

    7. Sejam a, b e c inteiros. Prove ou d um contra-exemplo:

    (a) se ac | bc, ento a | b;(b) se a | b e a | c, ento a | (b c);(c) se c | (a + b), ento c | a ou c | b;(d) Se a | b, ento a | bx para todo x Z;(e) Se c | ab, ento c | a ou c | b.

    8. Mostre que, para todo natural j > 0, 10j pode ser escrito na forma 9bj + 1, sendobj > 0 um natural.

    9. Mostre que, para todo natural j > 0, 10j pode ser escrito na forma 11cj + (1)j,sendo cj > 0 um natural.

    10. Se m e n so inteiros mpares, mostre que m2 n2 divisvel por 8.11. Mostre que todo inteiro mpar pode ser escrito como diferena de dois quadrados.

    12. Mostre que os divisores de um nmero natural n se dispe em pares (d, d) taisque 1 d n e dd = n.

    13. Mostre que, dados 3 inteiros consecutivos, um deles mltiplo de 3.

    14. Sejam a e b inteiros com b > 0. Mostre que, dentre os nmeros a, a + 1, a +2 , . . . , a + b 1, um e apenas um deles mltiplo de b. Em outras palavras, umconjunto de b inteiros consecutivos contm exatamente um mltiplo de b.

    15. Sejam a, b, mZ, com m

    = 0. Mostre que, se m

    |(b

    a), ento a e b deixam o

    mesmo resto quando divididos por m.

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    3.6. EXERCCIOS 47

    16. Examine a seqncia:

    13 = 12

    02

    23 = 32 1233 = 62 3243 = 102 6253 = 152 102...

    ...

    Prove que o cubo de qualquer inteiro igual diferena dos quadrados de doisinteiros.

    17. Mostre que, se a | (2x 3y) e a | (4x 5y), ento a | y.18. Utilizando induo, mostre que 24 | n(n2 1)(3n + 2) para todo natural n > 0.19. Demonstre o Lema de Euclides usando o Princpio da Boa Ordenao. Para isso,

    considere o conjunto S = {b xa : , x Z e b ax 0}.20. (a) Escreva 983457832411 na base 1000.

    (b) Faa a converso do nmero (110011111001)2 para a base 8.

    (c) Escreva

    103

    1

    3 na base 1000.(d) Decida qual o maior nmero: (984782)327 ou (984782)511.

    21. Faa a tabela da soma e da multiplicao na base 7.

    22. Prove que as adivinhaes abaixo esto corretas:

    (a) Pea a algum para pensar em um nmero a com dois algarismos, depoispara multiplicar o algarismo das dezenas de a por 5, som-lo com 7, entodobrar o resultado e somar a esse o algarismo das unidades de a. Pea-lhe

    que diga o resultado obtido, b. Ento o nmero pensado a igual a b 14.(b) Pense em um nmero a com 3 algarismos. Agora multiplique o algarismo

    das centenas por 2, some 3, multiplique por 5, some 7, some o algarismo dasdezenas de a, multiplique por 2, some 3, multiplique por 5, some o algarismodas unidades e diga o resultado, b. Se voc subtrair 235 de b, voc obter onmero pensado a.

    23. Mostre que todo nmero com 3 algarismos, todos eles iguais, divisvel por 37.

    24. Considere um nmero cuja representao decimal seja abc com a = c. Calcule adiferena positiva entre abc e cba, considere o resultado obtido e f g e efetue a somade e f g com g f e. Verifique que o resultado obtido 1089.

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    48 CAPTULO 3. DIVISO EUCLIDIANA

    25. Sejam a e b nmeros naturais com b 1 e a 2 e seja b = rkak + + r1a + r0a representao de b na base a, com rk = 0. Mostre, usando induo, queak

    b < ak+1.

    26. Encontre as expresses de 37 na base 3 e141144 na base 6, de maneira anloga

    utilizada para encontrar a representao decimal.

    27. Imite as demonstraes dos critrios de divisibilidade por 2 e 9 para provar oscritrios de divisibilidade por 5 e 3, respectivamente.

    28. Enuncie e demonstre o resultado anlogo Proposio 3.23 para um nmeroracional representado numa base b 2.

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    Euclides de Alexandria

    Quando Alexandre, o grande, morreu, em 323 A.C., o mundo antigo jno era aquele que ele conquistara. Com suas conquistas, Alexandre levou acivilizao grega a todos os recantos do mundo antigo. Ele havia fundado acidade de Alexandria, no atual Egito, que estava destinada a substituir Atenascomo o centro comercial e cultural do mundo. Estava se iniciando assim operodo conhecido como helenstico.

    Aps a morte de Alexandre, na diviso de seu imprio entre seus generais,coube a Ptolomeu I o reino do Egito, iniciando assim toda uma dinastia dePtolomeus. Ptolomeu I funda a, aproximadamente em 300 A.C., o museu de

    Alexandria. O museu logo tornou-se o centro dos maiores desenvolvimentosacadmicos da Grcia, seja nas cincias exatas, seja nas cincias humanas. Aspessoas que trabalhavam no museu podiam morar em suas dependncias erecebiam um salrio para tal. Seus membros que inicialmente se dedicavam pesquisa foram gradualmente levados a se dedicar ao ensino.

    Os Ptolomeus organizaram com muito zelo a biblioteca do museu. Capitesdas embarcaes que partiam de Alexandria tinham ordem para trazer todos osrolos de papiro que encontrassem em cada porto por onde passassem. Conta-seque Ptolomeu III pediu emprestado a Atenas os textos dos dramaturgos squilo,

    Sfocles e Eurpides em troca de um depsito considervel. Mas nunca devolveuos originais, apenas cpias. O objetivo da biblioteca era arquivar toda a culturagrega da poca, de maneira sistemtica. Chegou a conter 500 000 volumes emtodos os campos de conhecimento e foi destruda por um incndio no sculo IVD.C.

    Foi a que Euclides ( 325-265 A.C.) viveu, trabalhou e construiu suaobra monumental: Os Elementos. Pouco se sabe sobre sua vida, a no serque viveu na poca do reinado de Ptolomeu I. Este teria lhe indagado se seriapossvel aprender geometria de uma maneira mais fcil do que utilizando os seus

    Elementos. Euclides respondeu-lhe que no existe estrada real para a geometria.Os Elementos uma obra em 13 volumes. Embora tenha uma unidade

    incontestvel no seu mtodo, na sua maneira de expor e no seu rigor, fica evidenteo dbito de Euclides para com matemticos gregos que o antecederam.

    O seu plano geral o seguinte. Os primeiros quatro livros versam sobregeometria plana, j ento considerada elementar. a parte da obra que muitodeve a Tales ( 624-547 A.C.) e a Pitgoras ( 530-510 A.C.). Os dois seguintestratam da teoria de propores de Eudoxo ( 408-355 A.C.) e suas aplicaes.O dcimo trata da teoria dos incomensurveis e os trs ltimos da geometria

    espacial.

  • 7/22/2019 [Algebra a] Fundamentos de Algebra

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    Os Livros VII a IX tratam da teoria dos nmeros. Euclides trata aqui doconceito de nmero primo, mximo divisor comum e conceitos relacionados.Muitos dos resultados apresentados neste captulo e em captulos seguintes deste

    livro chegaram at ns atravs dOs Elementos, embora possivelmente tenhamsido provados antes da poca de Euclides. Dentre estes resultados, podemoscitar o Lema da Diviso, o algoritmo para calcular o mximo divisor comum ea demonstrao de que existe um nmero infinito de primos, tida, por muitos,como uma das peas mais belas de todo o edifcio matemtico.

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    CAPTULO 4

    O TEOREMA FUNDAMENTAL DAARITMTICA

    4.1 NMEROS PRIMOS

    Considerando novamente o modelo usado por Euclides, ou seja, os nmerosnaturais representados por segmentos, podemos observar que esses segmentos podemser distribudos em dois grupos distintos: no primeiro esto aqueles que possuem"partes exatas" alm da unidade, e no segundo aqueles que s podem ser "medidos"pela unidade. Assim, por exemplo, o segmento de 6 unidades est no primeiro grupo,

    j que pode ser medido pelos segmentos de 2 e 3 unidades, enquanto que os segmentos

    de 7, 11 e 13 unidades pertencem ao segundo grupo.

    Na nossa linguagem atual, dizemos que os nmeros naturais do primeiro grupo soaqueles que podem ser escritos como produto de dois fatores positivos menores que ele(por exemplo, 6 = 2 3), e os do segundo so aqueles que no podem ser assim escritos(por exemplo, 1, 2, 3, 7 e 13).

    Definio 4.1 Seja n N, com n > 1. Dizemos que n um nmero primo, se seus nicosdivisores positivos so a unidade e ele mesmo. Caso contrrio, dizemos que n composto .

    Em outras palavras, um nmero natural n primo se, sempre que escrevemosn = ab, com a, b N, temos necessariamente que ou a = 1 e b = n ou a = n eb = 1. Conseqentemente, um nmero natural n composto, se existem a, b N, com1 < a < n e 1 < b < n, tais que n = ab. Observe que o nmero 1 no primo nemcomposto.

    Exemplo 4.2 Vamos determinar todos os nmeros primos p que so iguais a umquadrado perfeito menos 1.

    Se p = n2 1, ento temos que p = (n + 1)(n 1). Pela definio de nmero primos existem duas possibilidades:

    n + 1 = 1 e n 1 = p

    51

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    52 CAPTULO 4. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMTICA

    oun + 1 = p e n 1 = 1.

    Da segue-se p = 3.

    De acordo com a definio apresentada, para decidir se um determinado nmeron primo, necessrio verificar a divisibilidade dele por todos os nmeros naturaismenores do que ele, o que fica extremamente trabalhoso medida que avanamos naseqncia dos nmeros naturais. Entretanto, suficiente testar a divisibilidade de npelos primos menores do que a sua raiz quadrada.

    Antes de provarmos esse resultado, gostaramos de observar que, se considerarmos

    o conjunto dos divisores positivos diferentes da unidade de um nmero natural n 2(por exemplo, n = 12, 17 e 25) ento o seu menor elemento sempre um nmero primo.Esse o fato que fundamenta a demonstrao de nosso lema:

    Lema 4.3 Seja n N, com n 2. Ento n admite um divisor primo.

    Demonstrao: Considere o conjunto S dos divisores positivos de n, alm da unidade,isto :

    S = {d N : d 2 e d | n}.Certamente S no-vazio, pois o prprio n est em S. Logo, pelo Princpio da Boa

    Ordenao, S possui um menor elemento d0. Mostraremos que d0 primo. Com efeito,se d0 no fosse primo, existiriam nmeros naturais a e b tais que d0 = ab, com

    2 a (d0 1) e 2 b (d0 1).J que a | d0 e d0 | n, ento a | n. Temos tambm que a 2, donde a S. Chegamos,

    portanto, a um absurdo, pois a menor do que o menor elemento de S. P

    Mostramos agora o resultado enunciado anteriormente:

    Proposio 4.4 Seja n N, com n 2. Se n for composto, ento n admite pelo menos umfator primo p n.

    Demonstrao: Como n composto, existem naturais a e b, com 1 < a, b < n tais quen = ab. O exerccio 12 do Captulo 3 nos garante que podemos tomar a n. Almdisso, pelo Lema 4.3, temos que existe p primo tal que p | a. Assim, como a | n, podemosconcluir que n admite um divisor primo p tal que p n. P

    Portanto, o primeiro passo para se decidir se um dado nmero n primo consiste nadeterminao de todos os nmeros primos menores que

    n. (Determine, por exemplo,

    se n = 1969 primo).

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    4.1. NMEROS PRIMOS 53

    conveniente, ento, termos nossa disposio uma lista de primos. Vrias tabelasde nmeros primos, at certo limite, j foram calculadas. Antigamente essas tabelaseram baseadas num algoritmo ou crivo, desenvolvido por Eratstenes (276 - 194 A.C.),e cujo princpio abordamos a seguir.

    CRIVO DE ERATSTENES

    Escrevem-se, na ordem natural, todos os nmeros naturais entre 2 e n. Em seguida,eliminam-se todos os inteiros compostos que so mltiplos dos primos p tais que p n,isto : primeiro elimine todos os mltiplos 2k de 2, com k 2; a seguir, todos os mltiplos 3k de3, com k 2; depois os mltiplos 5k de 5, com k 2; e assim sucessivamente, para todo primop

    n. Os nmeros que sobrarem na lista so todos os primos entre 2 e n.

    Exemplo 4.5 Vamos construir a tabela de todos os primos menores que 100.

    Como

    100 = 10, pelo crivo de Eratstenes devemos eliminar da lista dos nmerosnaturais de 2 a 100 todos os mltiplos dos primos p tais que p 10, ou seja, os mltiplosde p = 2, 3, 5 e 7. Assim, obtemos:

    2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

    12 13 14 15 16 17 18 19 20 2122 23 24 25 26 27 28 29 30 3132 33 34 35 36 37 38 39 40 4142 43 44 45 46 47 48 49 50 5152 53 54 55 56 57 58 59 60 6162 63 64 65 66 67 68 69 70 7172 73 74 75 76 77 78 79 80 8182 83 84 85 86 87 88 89 90 9192 93 94 95 96 97 98 99 100

    Segue-se ento, do crivo de Eratstenes, que os primos entre 1 e 100 so: 2, 3, 5, 7,11, 13, 17, 19, 23, 29, 31, 37, 41, 43, 47, 53, 59, 61, 67, 71, 73, 79, 83, 89 e 97.

    Desde os tempos de Euclides, problemas envolvendo os nmeros primos tmfascinado os matemticos. Naquela poca, muitos resultados sobre os nmeros primoshaviam sido compilados, mas muitos foram perdidos. Uma das demonstraes maisantigas em teoria de nmeros que chegou at ns foi a prova da infinitude dos nmerosprimos, que se encontra no Livro IX dos Elementos de Euclides. Apresentaremos essademonstrao usando uma linguagem moderna.

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    54 CAPTULO 4. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMTICA

    Teorema 4.6 Existem infinitos nmeros primos.

    Demonstrao: Suponhamos, por absurdo, que exista somente uma quantidade finita

    de nmeros primos. Sejam eles p1, p2, . . . , pk. Considere ento o nmero

    m = p1p2 . . . pk + 1.

    Como m maior que qualquer um dos primos p1, . . . , pk, segue-se da nossa hipteseque m no primo. Logo, pelo Lema 4.3, m admite um divisor primo, que teria de serum dos primos p1, . . . , pk. Mas nenhum desses pode dividir m. De fato, se p um primoque divide m, ento p teria que dividir 1 tambm, j que

    1 = m p1p2 . . . pk.

    Portanto, qualquer que seja k N, o conjunto {p1, p2, . . . , pk} no pode conter todosos primos. P

    Muitas questes interessantes sobre nmeros primos no foram respondidas athoje. Por exemplo, dizemos que dois primos so gmeos se eles so nmeros mparesconsecutivos. Assim, 3 e 5, 5 e 7, 11 e 13 so nmeros primos gmeos. Um antigoproblema que at hoje no foi resolvido se existe ou no um nmero infinito de primosgmeos.

    Sabendo-se que existem infinitos nmeros primos, coloca-se tambm a questo de

    como eles so distribudos na seqncia dos nmeros naturais. Temos o seguinteresultado.

    Proposio 4.7 Para todo nmero natural n 2 existem n nmeros compostos consecutivos.

    Demonstrao: A seqncia (n + 1)! + 2, (n + 1)! + 3 , . . . , (n + 1)! + (n + 1) formadaapenas por nmeros compostos, pois i | (n + 1)! + i para todo i tal que 2 i n + 1. P

    Esse resultado parece indicar que os nmeros primos no esto distribudos demaneira regular, e que eles so cada vez mais raros medida que se avana na seqncianumrica. No entanto, no bem assim.

    Um resultado importante sobre a distribuio dos nmeros primos conhecidocomo o "Teorema do Nmero Primo". Gauss (1777-1855), em seus estudos sobre osnmeros primos, considerou a funo (n), a qual dada pelo nmero de primosmenores que o nmero natural n. Ele conjecturou que, para valores grandes de n,(n) era aproximadamente igual a nln n . Nomes como Legendre (1752-1833), Riemann(1826-1866) e Chebychev (1821-1894) tambm tentaram achar aproximaes para essafuno. Esse problema foi resolvido em 1896 por C. J. de la Valle-Poussin (1866-1962)e Hadamard (1865-1963). Enunciaremos agora esse resultado, cuja demonstrao podeser vista em cursos mais avanados de teoria de nmeros.

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    4.2. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMTICA 55

    Teorema 4.8 (do Nmero Primo)Sejam x R, com x > 0, e (n) o nmero de primos p tais que p x. Defina

    f(x) = xln x

    e g(x) = x2

    dtln t

    .

    Ento vale:

    limx

    (x)f(x)

    = limx

    (x)g(x)

    = 1.

    Exemplo 4.9 Pode-se verificar que entre a = 2 600 000 e b = 2 700 000 existemexatamente 6762 primos. A estimativa feita atravs da integral

    ba

    dtln t

    = 6761,332.

    4.2 O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMTICA

    A importncia dos nmeros primos se deve ao fato que qualquer inteiro pode serconstrudo multiplicativamente a partir deles: com efeito, se um nmero no primo,podemos decomp-lo at que os seus fatores sejam todos primos. Por exemplo,

    360 = 3

    120 = 3

    30

    4 = 3

    3

    10

    2

    2 = 3

    3

    5

    2

    2

    2 = 23

    32

    5.

    Vamos assumir que uma decomposio de um nmero primo p dada por ele mesmo.

    Observamos agora que, se um nmero foi expresso como produto de primos,podemos dispor esses fatores primos em qualquer ordem. A experincia nos diz que,salvo pela arbitrariedade da ordenao, a decomposio de um nmero natural emfatores primos nica. Essa afirmao parece, primeira vista, evidente; entretanto,ela no uma trivialidade e sua demonstrao, ainda que elementar, requer algumassutilezas. A demonstrao clssica deste resultado, conhecido como o "TeoremaFundamental da Aritmtica", dada por Euclides, est baseada em um mtodo (oualgoritmo) para o clculo do mximo divisor comum de dois nmeros, e diz respeitoapenas existncia da fatorao de um nmero natural em primos. Acredita-se queEuclides conhecia a unicidade dessa fatorao e que, por dificuldades de notao,no conseguiu estabelecer a demonstrao desse resultado, a qual faremos aqui.Salientamos, entretanto, que a demonstrao da existncia da decomposio em fatoresprimos no ser feita pelo mtodo de Euclides1.

    Dividiremos a demonstrao desse teorema em duas partes: a primeira mostrar aexistncia dessa fatorao em nmeros primos, a segunda mostrar a unicidade dessafatorao, a menos da ordem dos fatores.

    1 bom lembrar que o Princpio da Induo, ferramenta que usaremos nessa demonstrao, s passoua ser utilizado muito depois da poca de Euclides.

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    56 CAPTULO 4. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMTICA

    Teorema 4.10 (Teorema Fundamental da Aritmtica)Todo nmero natural n 2 pode ser escrito como um produto de nmeros primos. Essa

    decomposio nica, a menos da ordem dos fatores.

    Demonstrao: Seja P(n) a afirmativa: n um nmero primo ou pode ser escrito comoum produto de nmeros primos.

    P(2) verdadeira, pois 2 primo. Suponhamos a afirmativa verdadeira para todonmero m com 2 m k e provemos que P(k + 1) verdadeira.

    Se k + 1 primo, ento P(k + 1) verdadeira.

    Se k + 1 no um nmero primo, ento k + 1 pode ser escrito como

    k + 1 = ab, em que 2 a k e 2 b k.Portanto, pela hiptese de induo, ou a e b podem ser escritos como produto de primos,ou so nmeros primos. Logo k + 1 = ab tambm um produto de nmeros primos,a saber, o produto dos nmeros primos da fatorao de a multiplicados pelos nmerosprimos da fatorao de b. Isso completa a primeira parte da demonstrao: provamosque todo nmero natural k > 1 pode ser decomposto como produto de fatores primos.

    Para mostrar a unicidade dessa decomposio, consideramos

    S = {n N : n 2 e n tem duas decomposies distintas em fatores primos}.Suponhamos, por absurdo, S = . Logo, pelo Princpio da Boa Ordenao, S tem ummenor elemento m.

    Assim,m = p1p2 . . . pr = q1q2 . . . qs, (4.1)

    so duas fatoraes distintas de m como produto de nmeros primos.

    Reordenando esses primos, se necessrio, podemos supor que

    p1 p2 . . . pr e q1 q2 . . . qs.

    Notemos que p1 = q1. De fato, caso contrrio, teramos duas decomposiesdiferentes para um nmero natural menor do que m (a saber, o nmero natural m/p1),contrariando assim o fato de m ser o elemento mnimo de S (veja o Exerccio 1). Assim,podemos assumir que p1 < q1.

    Definimos entom = m (p1q2q3 . . . qs). (4.2)

    Substituindo m pelas expresses dadas em (4.1), obtemos

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    4.2. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMTICA 57

    m = p1p2 . . . pr

    p1q2 . . . qs = p1(p2 . . . pr

    q2 . . . qs) (4.3)

    m = q1 q2 . . . qs p1q2 . . . qs = (q1 p1)(q2q3 . . . qs) (4.4)

    Por definio, temos m < m. Por outro lado, (4.3) nos mostra que m 2, poisp1 | m. Assim, m tem decomposio nica como produto de fatores primos. Sefor (p2 . . . pr q2 . . . qs) 2, podemos decompor esse termo como produto de fatoresprimos. Caso contrrio, (p2 . . . pr q2 . . . qs) = 1. De qualquer modo, vemos que p1 um fator na decomposio de m em fatores primos.

    A mesma decomposio em fatores primos pode ser feita com respeito equao(4.4). Como p1 < q2 qs, necessariamente o fator primo p1 deve estar presentena decomposio que (q1 p1). Mas isso quer dizer que q1 p1 = cp1 para alguminteiro c e, portanto, q1 = (c + 1)p1, contrariando o fato de ser q1 > p1. Chegamos,assim, a um absurdo, o que prova que S = e completa a demonstrao. P

    Exemplo 4.11 Vamos determinar todos os nmeros primos p tais que 3p + 1 seja umquadrado perfeito.

    Se 3p + 1 = n2, ento 3p = n2 1 e, portanto,(n + 1)(n 1) = 3p. (4.5)

    Observe que no podemos ter nem n 1 = 1. Isso implica que devemos ter n + 1 2 en 1 2. J que temos dois nmeros primos do lado direito da igualdade acima, peloTeorema Fundamental da Aritmtica, n + 1 e n 1 so ambos primos. Mais do que isso,s existem duas possibilidades:

    n + 1 = 3 e n 1 = p, ou n + 1 = p e n 1 = 3.A nica soluo , portanto, p = 5.

    O prximo resultado conseqncia imediata do Teorema Fundamental daAritmtica.

    Corolrio 4.12 Todo nmero inteiro no-nulo diferente de 1 pode ser escrito como 1 vezes oproduto de nmeros primos. Essa expresso nica, exceto pela ordem na qual os fatores primosaparecem.

    Definio 4.13 Um nmero negativo q cujo simtrico q um nmero natural primo chamado nmero primo negativo.

    Exemplo 4.14 Temos ento que 2, 3 e 5 so nmeros primos, enquanto que

    2,

    3 e

    5so primos negativos.

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    58 CAPTULO 4. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMTICA

    Observao 4.15 Observemos que, na fatorao de um nmero inteiro a, o mesmoprimo p pode aparecer vrias vezes. Agrupando esses primos, podemos escrever adecomposio de a como:

    a = (1)pr11 pr22 . . . prnn ,em que 0 < p1 < p2 < . . . < pn e ri > 0 para i = 1 , 2 , . . . , n.

    Ao nos referirmos a uma decomposio (ou fatorao) de um nmero inteiro emnmeros primos, estaremos nos referindo a essa decomposio, em que os primos sotodos positivos.

    Assim, por exemplo, aceitamos as decomposies

    40 = 2

    3

    5 e 12 = (22

    3),mas no aceitamos as decomposies

    40 = (23) (5) e 12 = 22 (3).

    Corolrio 4.16 Sejam a, b Z e p um nmero primo. Se p um fator de ab, ento p umfator de a ou p um fator de b.

    Demonstrao: J sabemos que m | n se, e somente se, m | (n); portanto suficientemostrar este resultado para a e b nmeros naturais.

    Se p no fosse um fator de a nem de b, ento as fatoraes de a e b em produtosde primos levaria a uma fatorao de ab no contendo p. Por outro lado como, porhiptese, p um fator de ab, existiria um q N tal que pq = ab. Ento, o produto de ppor uma fatorao de q daria uma fatorao de ab em primos contendo p, contrariandoa unicidade da decomposio de ab em primos. P

    4.3 A PROCURA DE NMEROS PRIMOS

    Um dos problemas mais antigos de que se tem notcia a procura de um polinmioque gerasse todos os nmeros primos ou cujos valores fossem somente nmeros primos.Alguns matemticos da Idade Mdia acreditavam, por exemplo, que o polinmiop(x) = x2 + x + 41 assumisse valores iguais a nmeros primos, para qualquer nmeronatural x. Como j vimos, esse resultado verdadeiro para x = 0, 1, . . . , 39, mas p(40) um nmero composto. No difcil provar que qualquer polinmio com coeficientesinteiros deve assumir algum valor composto (veja [17], p. 80).

    Legendre mostrou que no existe funo algbrica racional (isto , quociente de doispolinmios) que fornea somente nmeros primos. J foi provado que existem funesno-polinomiais que geram somente nmeros primos, mas no fcil exibi-las.

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    4.3. A PROCURA DE NMEROS PRIMOS 59

    Nas diversas tentativas de se obter uma frmula que gerasse primos, a maioria dasafirmaes feitas neste sentido revelaram-se erradas. (Contudo, essa procura contribuiude maneira significativa para o desenvolvimento da teoria de nmeros.) A seguir,enunciaremos algumas delas:

    1. J vimos que Fermat (1601-1665) observou que, para n = 0, 1, 2, 3 e 4, os nmeros

    Fn = 22n

    + 1

    eram primos; em 1640 ele conjecturou que, para qualquer n N, Fn era umnmero primo. Mas, em 1739, Euler (1707-1783) mostrou que F5 divisvel por641. Desde ento, tentou-se descobrir outros nmeros primos de Fermat (nomedado hoje aos nmeros da forma acima) alm dos cinco primeiros. Hoje se sabeque Fn no primo para n entre 5 e 16, inclusive, mas ainda no foi provado se onmero de primos de Fermat finito ou infinito.

    2. Um processo para determinar nmeros primos grandes atravs dos nmeros daforma

    Mk = 2k 1,

    que so chamados nmeros primos de Mersenne (1588-1648). No difcil provar(veja o Exerccio 18) que, se Mk um nmero primo, ento k tambm primo.

    Em 1644, Mersenne afirmou:

    "Todo nmero Mp primo para p = 2, 3, 5, 7, 13, 17, 31, 67, 127 e 257 e composto para os outros primos p tais que 2 < p < 257".

    Observe que

    M2 = 3, M3 = 7, M5 = 31, M7 = 127, M13 = 8191,

    M17 = 131 071, M19 = 524 287 e M31 = 2 147 483 647.

    Naquela poca, a afirmao de Mersenne era motivo de muitas controvrsias; noexistiam processos prticos para verificar, por exemplo, se M31 era primo ou no.De fato, a maior tbua de nmero primos conhecida ento s continha primosmenores do que 750. Para se verificar a afirmao de Mersenne era necessriauma tbua com todos os nmeros primos at 46 340.

    Sua conjectura no era correta: ele errou ao incluir os nmeros 67 e 257 e ao excluiros nmeros primos primos 19, 61, 89 e 107.

    O maior nmero de Mersenne conhecido at 1952 era M127. Esse foi descoberto,em 1876, pelo matemtico francs Lucas (1842-1891). Foi necessrio utilizar

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    60 CAPTULO 4. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMTICA

    computadores para encontrar outros nmeros primos de Mersenne. Em 1983, porexemplo, Slowinski, analista de sistemas americano, identificou com a ajuda deum supercomputador, o maior nmero primo conhecido at ento. Era o nmeroM86243, que possui exatamente 25 962 algarismos. No final de 2003, foi encontradoo quadragsimo primo de Mersenne: M20996011, o qual possui 6 320 430 algarismos.

    3. Em 1639, Pierre Fermat enunciou a seguinte conjectura:

    "Um nmero natural n > 1 primo se, e somente se 2n 2 divisvel por n".

    Em 1819, Pierre Frdric Sarrus (1798-1861) descobriu que o nmero 341 satisfazas condies da conjectura e no primo. Mais tarde, outras excees ao resultado

    de Fermat foram descobertas, tais como os nmeros 15 e 91. Entretanto, umaparte da conjectura verdadeira e o teorema de Fermat, o qual demonstraremosno Captulo 7, uma generalizao desse fato: "se p um primo e a N, coma > 1, ento ap a divisvel por p".

    Esse teorema serve de base para vrios testes de verificao se um dado nmero primo. Entretanto, se quisermos determinar, utilizando o teorema de Fermat, se209 primo, teremos que testar a divisibilidade de 3209 3 (que um nmerode 100 algarismos) por 209. Mas esses clculos podem ser simplificados seutilizarmos a teoria de congruncias, que veremos no Captulo 7.

    4.4 EXPRESSES DECIMAIS FINITAS E INFINITAS

    Como vimos na Seo 3.5, todo nmero racional possui uma expresso decimalperidica. Dizemos que esta expresso finita, se a partir de um determinado pontoos algarismos so todos nulos. Caso contrrio, a expresso decimal infinita.

    Por exemplo, os nmeros racionais

    32, 188 e 3

    possuem expresses decimais finitas:

    32

    = 1,5, 188

    = 2, 25 e 3 = 3,0.

    Mas17

    = 0, 1425714257 . . . e2512

    = 2,0833. . . ,

    mostrando que 17 e 2512 no possuem expresses decimais finitas.

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    4.4. EXPRESSES DECIMAIS FINITAS E INFINITAS 61

    Se a expresso decimal de um nmero r finita, ento possvel represent-lo comoum quociente cujo denominador uma potncia de 10, por exemplo:

    2,2375 = 22375104

    e podemos simplificar essa frao at torn-la irredutvel, isto , at que o numerador eo denominador no possuam fatores primos em comum:

    22375104

    =7 5524 54 =

    7 524

    =3516

    .

    Observe que, como o denominador sempre uma potncia de 10, os nicosnmeros primos que podem aparecer na fatorao do denominador da frao na forma

    irredutvel so 2 ou 5, ou mesmo nenhum deles:

    1, 5 = 32

    , 0, 04 =152

    , 3, 0 =31

    , 0, 1 =1

    10.

    Por outro lado se considerarmos uma frao irredutvel ab , tal que b possua, nomximo, os nmeros primos 2 e 5 em sua fatorao, podemos garantir que a expressodecimal de ab finita.

    Por exemplo, sejaab =

    3087200 =

    32

    73

    23 52 .Para obtermos a expresso decimal de ab , devemos transformar a frao

    ab numa

    outra, cujo denominador seja uma potncia de 10. Para isto, nesse caso, bastamultiplicarmos o numerador e o denominador por 5:

    3087200

    =3087

    23 52 =3087 5

    23 52 5 =15435

    (2 5)2 =15435

    103= 15,435.

    Passaremos agora demonstrao do resultado geral:

    Proposio 4.17 Um nmero racional, na forma irredutvelab

    , possui uma expresso decimal

    finita se, e somente se, o denominador b no tiver fatores primos alm de 2 e 5.

    Demonstrao: Se r for um nmero racional que possui uma expresso decimal finita,ento

    r = a1a2 . . . an, b1b2 . . . bs =a1a2 . . . anb1b2 . . . bs

    10s

    em que n 1 e s 0. Logo, simplificando a frao acima, obteremos uma fraoirredutvel r =

    a

    b

    , em que b no possui nenhum fator primo alm de 2 e 5, pois b um

    divisor de 10s.

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    62 CAPTULO 4. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMTICA

    Reciprocamente, sejaab

    uma frao irredutvel cujo denominador b possua, no

    mximo os fatores primos 2 e 5. Logo,

    b = 2m 5n, em que m 0 e n 0.

    Temos apenas duas possibilidades: n m ou n > m.

    Se n m, ento m n 0 e 5mn um inteiro. Portanto, multiplicando o numeradore o denominador por 5mn, obteremos uma frao equivalente:

    ab

    =a

    2m 5n =a 5mn

    2m 5n 5mn =a 5mn2m 5m =

    c10m

    ,

    em que c = a 5mn Z.Como a diviso do inteiro c por 10m requer apenas que coloquemos a vrgula no

    lugar correto, obteremos a expresso decimal finita deab

    .

    Por outro lado, se n > m, ento n m > 0 e 2nm Z. Multiplicando o numeradore o denominador por 2nm, obtemos:

    ab

    =a

    2m

    5n

    =a 2nm

    2nm

    2m

    5n

    =a 2nm

    10n=

    d10n

    ,

    em que d = a 2nm Z. Obtivemos, assim, uma expresso decimal finita para ab

    . P

    Para mais resultados sobre a expresso decimal dos nmeros racionais, veja [16].

    4.5 EXERCCIOS

    1. Na demonstrao do Teorema Fundamental da Aritmtica, como se justifica que

    podemos assumir m/p1 2?2. Demonstre o Lema 4.3 usando o Princpio da Induo.

    3. Encontre todos os pares de primos p e q tais que p q = 3.4. Calcule o menor nmero natural n para o qual n, n + 1, n + 2, n + 3, n + 4 e n + 5

    so todos compostos.

    5. Encontre o menor nmero natural n tal que p1p2 pn + 1 no seja um nmeroprimo, em que p1, p2, . . . , pn so os n primeiros nmeros primos.

    6. Mostre que 7 o nico nmero primo da forma n3 1.

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    4.5. EXERCCIOS 63

    7. Mostre que trs nmeros naturais mpares consecutivos no podem ser todosprimos, com exceo de 3, 5 e 7.

    8. Se p > 1 divide (p 1)! + 1, mostre que p um nmero primo.9. Mostre que todo nmero primo que deixa resto 1 quando dividido por 3 tambm

    deixa resto 1 quando dividido por 6.

    10. Sejam a1, . . . , an nmeros inteiros, com n 2, e p um nmero primo. Mostre que,se p | a1a2 an, ento p | ai para algum i.

    11. (a) Se n um quadrado perfeito, ento, na sua fatorao como produto deprimos, todos os expoentes so pares.

    (b) Se p um nmero primo, mostre que no existem inteiros a e b tais quea2 = pb2.

    12. Mostre que

    (a)

    2 irracional.

    (b) se p for um nmero primo, ento

    p irracional.

    13. Usando o Teorema Fundamental da Aritmtica, mostre que

    (a)

    1000 irracional;

    (b) se n no for um quadrado perfeito, ento n irracional.14. Seja a N, com a 2. Considere a decomposio em fatores primos

    a = pr11 pr22 prnn ,

    em que n 1, ri 1 para todo i = 1 , . . . , n e os fatores primos pi so todosdistintos.

    (a) Mostre que todos os divisores b de a so da forma

    b = ps11 ps22 . . . psnn ,

    em que 0 si ri para todo i = 1 , . . . , n.(b) Conclua que o nmero de divisores positivos de a (incluindo 1 e a) dado

    pelo produto(r1 + 1)(r2 + 1) (rn + 1).

    (Para isso, observe que, se a = pn, com p primo, ento o nmero de divisoresde a n + 1, a saber: 1, p, p2, . . . , pn)

    15. (a) Demonstre que todo nmero natural mpar da forma 4k + 1 ou 4k

    1, emque k um inteiro positivo.

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    64 CAPTULO 4. O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMTICA

    (b) Mostre que todo nmero da forma 4k 1 tem pelo menos um fator primo damesma forma.

    (c) Mostre que existem infinitos primos da forma 4n 1.16. Mostre que existem infinitos primos da forma 6n + 5.

    17. Mostre que n | (n 1)!, se n no for primo e n 5. Para isso, escreva n = abe estude separadamente os casos a = b e a = b. Quando a = b, mostre que2 2a < n.

    18. Sejam a e n nmeros naturais, com n > 1 e a 2. Mostre que, se an 1 for umnmero primo, ento a = 2 e n primo. Para isso, escreva n = pq e aplique aigualdade

    apq bpq = (ap bp)(a(q1)p + a(q2)pbp + + bp(q1)).

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    O prncipe da matemtica

    Um dos maiores matemticos de todos tempos, Carl Friedrich Gauss nasceuem Brunswick, na atual Alemanha, em 1777. Seus talentos revelaram-se muitocedo. Com apenas 22 anos, Gauss obteve seu ttulo de doutorado com a primeirademonstrao conhecida do Teorema Fundamental da lgebra, que diz quetoda equao polinomial com coeficientes reais possui pelo menos uma raiz. Oteorema j havia sido enunciado anteriormente por Albert Girard (1595-1632)e DAlembert (1717-1783) tentou demonstr-lo em 1746. Gauss tinha grandeadmirao pelo resultado e posteriormente deu outras duas demonstraes domesmo.

    Gauss foi dos ltimos cientistas a trabalhar em vrias reas da matemticae da fsica, alm da geodsia reas que ele via como tendo uma unidade.Problemas aplicados muitas vezes levaram Gauss aos seus melhores resultados.De 1807 at a sua morte em 1855, Gauss foi diretor do observatrio astronmicoe professor da prestigiosa universidade de Gttingen. Como exemplo daimpressionante envergadura da obra de Gauss, podemos citar o seu trabalhosobre movimento dos planetas, que o levou ao primeiro estudo sistemtico daconvergncia de sries. Foram tambm trabalhos de astronomia que o levaramao mtodo de resoluo de equaes lineares conhecido at hoje como de Gausse aperfeioado por W. Jordan (1842-1899). Tambm o mtodo dos mnimos

    quadrados tem histria semelhante.

    Seu interesse pela geodsia, por outro lado, o levou a descobertasimportantes em geometria diferencial: a ele realizou estudo pioneiro sobre ageometria intrnseca de uma superfcie, isto , sem utilizar informaes sobre oespao que a contm.

    Ao representar os nmeros complexos como pontos do plano, Gaussdesmistificou-os, ao possibilitar que eles fossem tratados como os outrosnmeros, o que proporcionou um enorme progresso no estudo das funes

    complexas. Mas muitos resultados profundos obtidos por Gauss s vieram aser conhecidos aps a sua morte, quando a dimenso de sua obra foi revelada.Dentre esses, est a descoberta das geometrias no-euclidianas e das funeselpticas.

    Uma das obras mais influentes de Gauss, no entanto, o DesquisitionesArithmeticae, de 1801, no teve nenhuma preocupao com as aplicaes. aque Gauss estuda toda a teoria de nmeros de seus predecessores e a enriquecede tal maneira que este pode ser considerado o primeiro texto da moderna teoriade nmeros. Neste livro, Gauss introduz a notao de congruncias, utilizada athoje, e termina com a primeira demonstrao da lei da reciprocidade quadrtica.

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    Mas nem todos os resultados sobre teoria de nmeros descobertos porGauss esto presentes neste livro. Um de seus passatempos era compilar umalista de nmeros primos. Ele possua um caderno onde foi listando os nmeros

    primos ao longo de toda a sua vida, chegando casa dos 3 milhes. Hoje, com usode computadores, sabe-se que ele cometeu pouqussimos erros nesta lista. Masnem este passatempo "ingnuo" ficou sem conseqncias: de posse deste materialexperimental, Gauss conjecturou o teorema do nmero primo, s demonstradomais de um sculo aps a sua morte.

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    CAPTULO 5

    DIVISORES E MLTIPLOS COMUNS

    5.1 MXIMO DIVISOR COMUM

    Como j vimos, podemos considerar um nmero inteiro positivo n como umsegmento de reta de comprimento n unidades, o comprimento da unidade tendo sidoescolhido arbitrariamente e representando, portanto, o nmero 1.

    1

    4

    Dados dois segmentos de reta de comprimentos a e b unidades, vimos, no Captulo3, que b mede a quando b for uma parte exata de a. Por exemplo:

    4 4 = 2m,

    em que m = 2m m

    Interessa-nos agora a seguinte questo: existe um segmento, de comprimento cmaior do que a unidade, que mede simultaneamente a e b? A ressalva de c ser maior doque a unidade natural, pois essa mede qualquer segmento.

    Na prxima figura temos um segmento c que mede ambos os segmentos a e b:

    67

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    68 CAPTULO 5. DIVISORES E MLTIPLOS COMUNS

    a a

    c

    b

    c

    c

    b

    a = 3c

    b = 2c

    Usando linguagem atual, se a e b so inteiros positivos, estamos nos perguntando a

    respeito da existncia de um nmero c > 1 que divida simultaneamente a e b, ou seja,que seja um divisor comum de a e b. Por exemplo, se a = 12 e b = 8, temos c = 4ou c = 2. No entanto, se a = 7 e b = 5 no existe tal nmero c. Entretanto, sabendoque existe pelo menos a unidade como divisor comum de a e b, afirmamos que sempreexiste o maior divisor comum (justifique!).

    Vamos chamar de mximo divisor comum de dois inteiros positivos a e b ao maiordos divisores comuns de a e b. Nos exemplos acima considerados, temos ento que 4 o mximo divisor comum dos nmeros 12 e 8, enquanto 1 o mximo divisor comumdos nmeros 7 e 5. Generalizamos esta definio para o conjunto dos nmeros inteiros:

    Definio 5.1 Dados dois inteiros a e b, no simultaneamente nulos, dizemos que um inteiro d o mximo divisor comum de a e b se d satisfaz:

    (i) d | a e d | b;(ii) se c Z tal que c | a e c | b, ento c d.

    Se d mximo divisor comum de a e b, escrevemos d = mdc(a, b) ou simplesmented = (a, b), quando no houver dvidas quanto notao.

    (Na notao d = mdc(a, b), estamos antecipando a unicidade do mximo divisorcomum de a e b, que ser garantida mais abaixo.)

    No caso particular em que o mximo divisor comum a unidade, definimos

    Definio 5.2 Dizemos que dois nmeros inteiros so primos entre si, se o mximo divisorcomum deles for igual a 1.

    Observao 5.3 O leitor deve observar que, na definio de mximo divisor comum,exigimos a e b no simultaneamente nulos porque, caso contrrio, qualquer inteiroc seria um divisor comum de a e b, o que tornaria impossvel tomar o maior dessesnmeros.

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    5.1. MXIMO DIVISOR COMUM 69

    Deixaremos como exerccio o seguinte resultado (veja o Exerccio 1).

    Proposio 5.4 Sejam a e b inteiros no simultaneamente nulos. Ento:

    (i) mdc(a, b) > 0;

    (ii) se a = 0 e b = 0, ento mdc(a, b) min{|a|, |b|};

    (iii) nico o mdc(a, b);

    (iv) mdc(a, b) = mdc(b, a);

    (v) mdc(a, b) = mdc(|a|, |b|);

    (vi) se a = 0, mdc(a, 0) = |a|.

    Assim, j conhecemos algumas propriedades do mdc(a, b). Mas ainda permanecesem ter sido respondida a seguinte pergunta: o mximo divisor comum de a e b sempreexiste? Para respond-la, notamos: o conjunto de divisores positivos de a e b no-vazio(pois 1 divide tanto a quanto b) e limitado superiormente, em virtude da Proposio 5.4(ii). O Exerccio 19 do Captulo 2 garante ento a existncia do maior divisor positivode a e b.

    Exemplo 5.5 Vamos calcular mdc(24, 18). Como D18 = {18, 9, 6, 3, 2, 1}e D24 = {24, 12, 8, 6, 4, 3, 2, 1} so, respectivamente, os conjuntos dosdivisores de 18 e 24, ento o conjunto dos divisores comuns de 24 e 18 :

    D18 D24 = {6, 4, 3, 2, 1}

    e portanto mdc(18,24) = 6.

    Observe que o processo utilizado no exemplo acima no muito prtico toda vezque os nmeros a e b forem grandes. Euclides, em seus Elementos, d uma "receita"de como encontrar a maior medida comum de dois segmentos, conhecida atualmentecomo o "Algoritmo de Euclides", o qual passamos a descrever.

    Sejam dados dois segmentos a e b. Se o menor, digamos b, parte exata do maior,a, ento b a maior medida comum procurada. Em linguagem moderna, se a e b sointeiros positivos e b | a ento mdc(a, b) = b.

    Exemplo 5.6 Sejam a e b segmentos de 6 e 3 unidades, respectivamente. Como b medea, ento a maior medida comum o segmento b.

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    70 CAPTULO 5. DIVISORES E MLTIPLOS COMUNS

    Nocasode b no medir a, ainda assim podemos subtrair b de a um nmero inteiro devezes, de tal modo que o segmento restante r0 possua medida menor do que b. Observeque esse o contedo do Lema da Diviso de Euclides, no caso em que a diviso no exata:

    a = qb + r0, com 0 < r0 < b.

    Se r0 medir b, ento r0 a maior medida comum de a e b. Caso contrrio, subtramosr0 um nmero inteiro de vezes de b, de modo que reste um segmento r1 de comprimentomenor do que r0.

    Se r1 medir r0 ento r1 a maior medida comum de a e b. Se no, continuamoso processo: subtramos r1 um nmero inteiro de vezes de r0 de modo que sobre umsegmento de comprimento r2 com r2 < r1, e assim sucessivamente.

    Exemplo 5.7 Sejam a e b segmentos de 15 e 4 unidades, respectivamente. Nesse caso, bno mede a; se subtrairmos b trs vezes de a, obtemos um segmento r0 de comprimento3, que no mede b.

    a r0

    b

    Se subtramos r0 de b, obtemos um segmento r1 de comprimento 1.

    b r1

    r0

    Como r1 mede r0 temos que a maior medida comum de a e b a unidade.

    Note que, ao trocarmos a palavra segmentos por nmeros e a palavra mede pordivide no processo descrito por Euclides, obtemos o algoritmo com o qual estamosacostumados a calcular o mximo divisor comum de dois nmeros. No Exemplo 5.7temos:

    15 = 3 4 + 34 = 1 3 + 13 = 3 1 + 0

    ou, como escrevemos desde o ensino fundamental:

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    5.1. MXIMO DIVISOR COMUM 71

    3 1 3

    15 4 3 1

    3 1 0 restos

    quocientes

    Portanto mdc(a, b) = 1, que o ltimo resto no-nulo obtido nas divises sucessivas.

    Neste ponto, vrias perguntas so pertinentes:

    Este processo sempre termina para quaisquer nmeros a e b? Ou seja, em algummomento, obteremos um resto nulo?

    Veremos que a resposta a esta questo afirmativa e ter sentido a seguinte pergunta:

    O ltimo resto no-nulo ser sempre mdc(a, b)?

    Para respondermos a tais perguntas, utilizaremos o resultado a seguir:

    Lema 5.8 Se b no-nulo e a = qb + r, ento mdc(a, b) = mdc(b, r).Demonstrao: Seja d o mximo divisor comum de a e b.

    Como r = a qb (por hiptese) e d divide tanto a quanto b, conclumos que d | r e,portanto, d | b e d | r.

    Por outro lado, se u um inteiro tal que u | b e u | r ento u | a (pois a = qb + r).Portanto, como d o mximo divisor comum de a e b, conclumos que u d, ou seja, dsatisfaz a definio do mximo divisor comum de b e r, como queramos demonstrar. P

    Reexaminemos ento o algoritmo de Euclides. Sejam a e b inteiros positivos e b a.Dividindo a por b obtemos

    a = q1b + r1, com 0 r1 < b a

    e, pelo lema, mdc(a, b) = mdc(b, r1). Se r1 = 0, ento mdc(a, b) = mdc(b, 0) = b.

    Caso contrrio, podemos dividir b por r1, obtendo

    b = q2r1 + r2, com 0 r2 < r1 < b a

    e mdc(b, r1) = mdc(r1, r2). Se r2 = 0, ento mdc(a, b) = mdc(b, r1) = mdc(r1, 0) = r1.

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    72 CAPTULO 5. DIVISORES E MLTIPLOS COMUNS

    Se r2 = 0, e obtendo r3 = 0, . . . , rn = 0, podemos escrevera = q1b + r1, 0 < r1 < b

    b = q2r1 + r2, 0 < r2 < r1r1 = q3r2 + r3, 0 < r2 < r1...

    ...rn2 = qnrn1 + rn, 0 < rn < rn1rn1 = qn+1rn

    e ento, por aplicao sucessiva do lema,

    mdc(a, b) = mdc(b, r1) = mdc(r1, r2) = . . . = mdc(rn1, rn) = mdc(rn, 0) = rn.

    Observe que, com certeza, obteremos um resto nulo em algum momento desse

    processo, j que decrescente a seqncia

    b > r1 > r2 > r3 > . . . > 0

    e, entre 0 e b, s existe um nmero finito de nmeros naturais.Rigorosamente, aplicamos o Princpio da Induo para formalizar o processo

    descrito acima:

    Teorema 5.9 (Mximo Divisor Comum Algoritmo de Euclides)Sejam a e b dois nmeros naturais no-nulos, com a b. Dividindo sucessivamente segundo

    o algoritmo de Euclides, obtemos:

    a = q1b + r1, 0 < r1 < bb = q2r1 + r2, 0 < r2 < r1r1 = q3r2 + r3, 0 < r3 < r2...

    ...rn2 = qnrn1 + rn, 0 < rn < rn1rn1 = qn+1rn.

    Temos ento que o mximo divisor comum de a e b rn, o ltimo resto no-nulo obtido nessealgoritmo. No caso de r1 = 0, ento mdc(a, b) = b.

    Demonstrao: J vimos que se a = q0b, ento mdc(a, b) = b. Para provarmos o casogeral, faremos induo sobre o nmero de passos do algoritmo de Euclides. Para isso,consideremos a seguinte afirmao: se, ao aplicarmos o algoritmo de Euclides a doisnmeros, obtivermos o primeiro resto nulo aps n + 1 passos, ento mdc(a, b) igualao ltimo resto no-nulo obtido, qual seja, o resto rn obtido no passo1 n + 1.

    Se n = 1 (isto , se o primeiro resto nulo ocorre no segundo passo), o Lema 5.8garante a veracidade da afirmao, pois

    mdc(a, b) = mdc(b, r1) = mdc(r1, 0) = r1.

    1Note que o nmero de passos contado pelo ndice do quociente qj. Assim, no algoritmo apresentadono enunciado do teorema, foram necessrios n + 1 passos para se encontrar o primeiro resto nulo; o restorn o mximo divisor comum procurado.

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    5.1. MXIMO DIVISOR COMUM 73

    Suponhamos, agora, que a afirmao seja verdadeira toda vez que n + 1 passos foremnecessrios para obter-se o primeiro resto nulo. Consideremos agora que o primeiroresto nulo na aplicao do algoritmo de Euclides aos nmeros a e b ocorra aps n + 2passos, isto ,

    a = q1b + r1, 0 < r1 < bb = q2r1 + r2, 0 < r2 < r1r1 = q3r2 + r3, 0 < r3 < r2...

    ...rn2 = qnrn1 + rn, 0 < rn < rn1rn1 = qn+1rn + rn+1, 0 < rn+1 < rn

    rn = qn+2rn+1.

    Queremos provar que mdc(a, b) = rn+1.

    Ora, vemos que o algoritmo de Euclides aplicado aos nmeros b e r1, produziu oprimeiro resto nulo aps n + 1 passos; pela hiptese de induo, mdc(r1, b) = rn+1. Mas,pelo Lema 5.8, temos que mdc(a, b) = mdc(b, r1), concluindo assim a demonstrao. P

    Observao 5.10 Como, pela proposio 5.4, mdc(a, b) = mdc(|a|, |b|), podemostambm utilizar o algoritmo acima para calcular o mximo divisor comum de inteirosnegativos.

    Exemplo 5.11 Vamos calcular o mdc(726, 275). Como o mdc(726, 275) igual aomdc(726,275), podemos aplicar o algoritmo de Euclides a mdc(726,275):726 = 2 275 + 176275 = 1 176 + 99176 = 1 99 + 77

    99 = 1 77 + 2277 = 3 22 + 1122 = 2 11,

    ou seja,

    2 1 1 1 3 2

    726 275 176 99 77 22 11

    176 99 77 22 11 0

    e, portanto. mdc(726, 275) = 11.

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    74 CAPTULO 5. DIVISORES E MLTIPLOS COMUNS

    Dizemos que um nmero c combinao linear nos inteiros dos nmeros a e b, seexistem inteiros x,y tais que c = xa + yb. interessante notar, ento, que o mximodivisor comum de 726 e

    275 combinao linear desses nmeros:

    11 = 77 3 22= 77 3(99 1 77) = 4 77 3 99= 4(176 1 99) 3 99 = 4 176 7 99= 4 176 7(275 1 176) = 11 176 7 275= 11(726 2 275) 7 275 = 11 726 + 29(275).

    A prxima proposio mostra que o que foi feito com 726 e

    275 pode ser feito com

    quaisquer inteiros a e b; para isto basta percorrer o algoritmo de Euclides no sentidocontrrio.

    Proposio 5.12 Sejam a e b inteiros no simultaneamente nulos. Ento existem inteiros x e ytais que mdc(a, b) = xa + yb.

    Demonstrao: No caso de um deles ser nulo, por exemplo b, temos que

    mdc(a, b) = mdc(a, 0) = |a| = (1)a + 0y

    para qualquer inteiro y e x = 1, dependendo de a ser positivo ou negativo.

    Se ambos so no-nulos, basta provar o resultado para inteiros positivos. De fato, semdc(|a|, |b|) = x|a| + y|b| para certos nmeros x e y, ento mdc(a, b) = mdc(|a|, |b|) =()ax + ()by.

    Sejam, ento, a e b dois nmeros inteiros positivos. Se b | a, ento mdc(a, b) = b =a.0 + b.1. Se b a, ento mdc(a, b) pode ser calculado pelo algoritmo de Euclides ea demonstrao ser feita por induo no nmero de passos do algoritmo. Para isso,suponhamos que, ao aplicarmos o algoritmo de Euclides ao nmeros inteiros positivosa e b, obtemos o primeiro resto nulo aps (n + 1) passos e que, nessa situao, existeminteiros x e y tais que rn = xa + yb (lembre-se que rn = mdc(a, b))

    A afirmao verdadeira se dois passos so necessrios2, pois se r2 = 0, ento

    a = q1b + r1, 0 < r1 < bb = q2r1,

    ou seja,r1 = a q1b = 1a + (q1)b.

    2Note que o caso em que apenas um passo necessrio j foi considerado.

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    5.1. MXIMO DIVISOR COMUM 75

    Suponhamos que a afirmativa seja verdadeira toda vez que n + 1 passos foremnecessrios para se obter o primeiro resto nulo. Consideremos inteiros a e b inteirostais que, aplicando-se o algoritmo de Euclides a eles, obtemos o primeiro resto nuloaps n + 2 passos:

    a = q1b + r1, 0 < r1 < bb = q2r1 + r2, 0 < r2 < r1r1 = q3r2 + r3, 0 < r3 < r2...

    ...rn2 = qnrn1 + rn, 0 < rn < rn1rn1 = qn+1rn + rn+1, 0 < rn+1 < rn

    rn = qn+2rn+1.

    Logo, aplicando-se o algoritmo de Euclides a b e r1, obtemos o primeiro resto nulo

    aps n + 1 passos. Portanto, pela hiptese de induo, existem inteiros w e x tais quern+1 = mdc(b, r1) = wb + xr1.

    Mas, como a = q1b + r1, temos que r1 = a q1b; portanto,rn+1 = wb + x(a q1b)x = xa + (w q1x)b,

    que o resultado desejado com y = w q1x. P

    Observao 5.13 Notamos inicialmente que os inteiros x e y dados pela Proposio 5.12no so nicos. De fato, claramente vale 2 = mdc(6, 4). Mas

    1 6 + (1)4 = 2 e 3 6 + (4)4 = 2.Em geral, tambm no vale a recproca da Proposio 5.12, pois

    2 4 + (2)4 = 4 e mdc(6, 4) = 4.Entretanto, se existirem inteiros x e y tais que xa + yb = 1, ento mdc(a, b) = 1 (veja

    o Exerccio 8). Esse o nico caso em que a recproca da Proposio 5.12 verdadeira(veja o Exerccio 9).

    Observe que, se p for um inteiro primo que no divide o nmero inteiro a, entomdc(a, p) = 1 (veja o Exerccio 2). Esse fato e a proposio acima nos permitem daruma demonstrao mais elegant