agenor sarraf pacheco

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1 CARTOGRAFIA DA ARTE AFROINDÍGENA: História Oral e Etnobiografia em Intersecção na Pesquisa Histórica 1 Agenor Sarraf Pacheco 2 Analaura Corradi 3 Introdução O processo de “conquista” portuguesa do território Amazônico, a partir do século XVII, gestou diferentes encontros, confrontos e trocas culturais entre nativos, colonizadores e diaspóricos. Nas movimentações produzidas, índios e negros ao tornarem-se a mão de obra mais utilizada em fortificações, espaços de defesa do território, roças, pesqueiros, fazendas e outros ambientes de trabalho, moradia e celebração, conseguiram inventar imprevisíveis zonas interculturais para garantir a existência e driblar controles e formas de violência impostos pelos poderes locais. Sem negar a presença do colonizador na conformação da cultura regional, mas recriando saberes da dominação à luz de suas cosmovisões, indígenas e africanos construíram modos de vida, estéticas e performances afroindígenas, as quais visibilizam-se não apenas na cor da pele, falares, dançares, hábitos alimentares, mas também no devir de experiências em fronteiras, seus acoplamentos e ligaduras enquanto efeitos criativos de afetos que se manifestam em distintos corpos, sentimentos e referências cosmológicas em tempos contemporâneos (SILVA, 2015). Se não é possível esquecer que a convivências entre esses diferentes agentes sociais gestaram disputas, conflitos e produziram hierarquias sociais, trocas e sociabilidades se fizeram ver, de diferentes maneiras, no cotidiano do mundo amazônico. Nesse entendimento, fundamentados na escrita da História com base no campo teoricometodológico da Cartografia, em interfaces com a História Oral e a Etnobiografia, neste texto descreveremos e analisaremos 1 O artigo é desdobramento da pesquisa de pós-doutoramento “Etnobiografia, Interculturalidade e Capital Sociocultural: artes da memória nas telas de Maria Necy Balieiro” em desenvolvimento no Programa de Pós - Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia (PPGCLC/UNAMA), financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), sob a supervisão da Profª Drª Analaura Corradi. 2 Doutor em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Professor dos Programas de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) e História Social da Amazônia (PPHIST) da Universidade Federal do Pará (UFPA). 3 Doutora em Ciências Agrárias pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA); Coordenadora e Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia (PPGCLC/UNAMA).

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Page 1: Agenor Sarraf Pacheco

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CARTOGRAFIA DA ARTE AFROINDÍGENA:

História Oral e Etnobiografia em Intersecção na Pesquisa Histórica1

Agenor Sarraf Pacheco2

Analaura Corradi3

Introdução

O processo de “conquista” portuguesa do território Amazônico, a partir do século

XVII, gestou diferentes encontros, confrontos e trocas culturais entre nativos, colonizadores e

diaspóricos. Nas movimentações produzidas, índios e negros ao tornarem-se a mão de obra

mais utilizada em fortificações, espaços de defesa do território, roças, pesqueiros, fazendas e

outros ambientes de trabalho, moradia e celebração, conseguiram inventar imprevisíveis zonas

interculturais para garantir a existência e driblar controles e formas de violência impostos pelos

poderes locais. Sem negar a presença do colonizador na conformação da cultura regional, mas

recriando saberes da dominação à luz de suas cosmovisões, indígenas e africanos construíram

modos de vida, estéticas e performances afroindígenas, as quais visibilizam-se não apenas na

cor da pele, falares, dançares, hábitos alimentares, mas também no devir de experiências em

fronteiras, seus acoplamentos e ligaduras enquanto efeitos criativos de afetos que se manifestam

em distintos corpos, sentimentos e referências cosmológicas em tempos contemporâneos

(SILVA, 2015).

Se não é possível esquecer que a convivências entre esses diferentes agentes sociais

gestaram disputas, conflitos e produziram hierarquias sociais, trocas e sociabilidades se fizeram

ver, de diferentes maneiras, no cotidiano do mundo amazônico. Nesse entendimento,

fundamentados na escrita da História com base no campo teoricometodológico da Cartografia,

em interfaces com a História Oral e a Etnobiografia, neste texto descreveremos e analisaremos

1 O artigo é desdobramento da pesquisa de pós-doutoramento “Etnobiografia, Interculturalidade e Capital

Sociocultural: artes da memória nas telas de Maria Necy Balieiro” em desenvolvimento no Programa de Pós-

Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia (PPGCLC/UNAMA),

financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), sob a supervisão da

Profª Drª Analaura Corradi. 2 Doutor em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Professor dos

Programas de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) e História Social da Amazônia (PPHIST) da Universidade

Federal do Pará (UFPA). 3 Doutora em Ciências Agrárias pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA); Coordenadora e

Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia

(PPGCLC/UNAMA).

Page 2: Agenor Sarraf Pacheco

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expressões das artes orais e visuais marajoaras, objetivando reconstituir patrimônios materiais

e imateriais, expressos em saberes e fazeres afroindígenas pulsantes entre o Marajó dos Campos

e o Marajó das Florestas.

A compreensão de cartografia utilizada neste ensaio caminha na contramão da

cartografia moderna dual que criou linhas abissais e excluiu do direito à memória o subalterno

e o ilegítimo, denunciada por Boaventura Santos (2010). Orientamo-nos por compreensões de

Deleuze e Guattari (1995), Boaventura Santos (2002), Martín-Barbero (2004) e Glissant (2005).

Sobre o princípio da cartografia, Deleuze e Guattari (1995:22), assinalaram:

O mapa não produz um inconsciente fechado sobre ele mesmo, ele o constrói (...) é

aberto, conectável em todas as suas dimensões, desmotável, reversível, suscentível de

receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a

montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma

formação social (...). Uma das características mais importantes do rizoma talvez seja

a de ter sempre múltiplas entradas.

Para Lisiane Aguiar (2010:1), a filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guattari diferencia-

se por basear-se em “um pensamento que não se materializa como histórico, que reproduz os

fatos de forma representativa, mas geográfico, compreendendo que o método em uma pesquisa

é como uma paisagem que muda a cada momento e de forma alguma é estática”. Na perspectiva

de Boaventura Santos (2002) a cartografia revela múltiplos campos do saber que estruturam

representações sobre a realidade social. Em Martín-Barbero (2004:13) são “mapas cognitivos

que traduzem outras figuras como a do arquipélago, desprovidas de fronteiras que os una. Com

isso, o continente se desagrega em ilhas múltiplas e diversas, que se interconectam”. Já em

Glissant (2005:54) sob a metáfora do rizoma, a cartografia se faz dentro do “pensamento

arquipélago, não sistemático, indutivo, que explora o imprevisto da totalidade-mundo, e que

sintoniza, harmoniza a escrita à oralidade, e a oralidade à escrita”.

Investigar o universo dos modos de viver marajoaras, pelo universo da cartografia da

arte afroindígena que se manifesta em diferentes práticas culturais à luz da escuta e convivência

com pajés, pais de santo, foliões, colecionador de artefatos arqueológicos e de artista visual

permite ampliar os sentidos da pesquisa em História Oral e Etnografia. Entre os aspectos está o

lugar da memória no processo de composição das experiências do passado que são recriadas

pelos filtros e interesses do presente (THOMSON, 1997; BOSI, 1998).

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Não apreendemos o relato oral e a descrição das observações de campo como fonte

salvadora de uma verdade histórica ou antropológica ou como instrumento para dar voz aos

marginalizados da sociedade, mas como uma das formas que mulheres e homens possuem para

relembrar e compartilhar suas experiências passadas e o pesquisador para abrir janelas de leitura

na complexidade do social (SPIVAK, 2012). Nesse sentido, trabalhamos a memória como

portadora de processos de identificação que é construído no diálogo entre entrevistador e

entrevistado, já que

não é estática, nem seu volume e conteúdos são fixos; ela se movimenta. A memória não é

jamais como aparece superficialmente, ou seja, como uma retrospectiva, um resgate passivo

e seletivo de fatias do passado que vêm, como um decalque, compor ou ilustrar nosso

presente; seu movimento, ao contrário, é antes de mais nada o de prolongar o passado no

presente. A memória não é regressiva, mas prospectiva, mais que isso, projetiva, lança-se

em direção ao futuro (SEIXAS, 2002:45).

Pelas sendas da memória, Sarlo (1997) ainda que acompanhando trajetórias do

holocausto judeu durante o regime nazista para apontar seu repúdio à imposição do

esquecimento, com sanções e interdições sofridas nas lembranças de gerações, ao formular

perguntas diferentes a acontecimentos já estudados, abre espaços para renovarmos questões que

formulamos a pajés, pais de santo, foliões, colecionador de artefatos arqueológicos e a uma

artista visual. A intelectual argentina sugere que o discurso sobre o passado acompanha

dinâmicas e movimentos da história presente e por isso torna-se outro, um passado que por ser

colocado em questão, renova-se, sendo recepcionado sobre outros prismas.

Cruzamos a perspectiva da História Oral sob a epistemologia da Cartografia com o fazer

etnobiográfico captado em observações e narrativas, pinturas e escritas de si em teias com o

outro como linguagens capazes de revelar sinais tangíveis e sensíveis de patrimônios, saberes

e fazeres afroindígenas entre campos e florestas marajoaras. Nossa compreensão é de esse

enlace metodológico possibilita criativo e rico movimento de reconstituição do cotidiano de

mulheres e homens marajoaras de matrizes historicamente silenciadas.

Por esse enredo, na primeira parte deste ensaio, a partir de algumas escritas

historiográficas e antropológicas apontamos que tanto o denso passado colonial quanto o

passado recente brasileiro e amazônico foram bordados pelos mundos cruzados afroindígenas.

Para o caso marajoara, há mais de uma década atrás, o primeiro autor desse trabalho ao ser

desafiado por sua orientadora de mestrado e doutorado em História Social na PUC-SP,

professora doutora Maria Antonieta Antonacci, para cartografar a presença indígena e africana

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na Amazônia Marajoara e imiscuir-se pelas escritas de cronistas, viajantes, literatos, padres,

historiadores, antropólogos e narrativas orais de diferentes marajoaras, deparou-se com a

sinuosa e consistente teias de cosmologias, saberes e vivências afroindígenas na região4.

Entre as muitas formas e diferentes suportes que as interações entre índios e negros

produziram, aproximando e distanciando o Marajó dos Campos do Marajó das Florestas, a

etnobiografia enquanto “uma dimensão metanarrativa da etnografia, em que o lugar da agência

da própria narrativa etnográfica torna-se objeto etnográfico” (GONÇALVES, 2012:11), ajudou

a realizarmos convivências e interpretações das memórias e experiências em artes de Maria

Necy Balieiro (1958 -).

O trabalho dessa artista marajoara de Breves permitiu conhecermos os modos de viver,

nesse lado norte do Brasil, pautado em narrativas e estéticas que enlaçam códigos de universos

próximos e distantes, desvelando relações interculturais entre índios e negros a partir do século

XX. Assim, para o lado do Marajó das Florestas, Maria Necy Balieiro fez-se pintora das cenas

do cotidiano marajoara, puxando pelos fios da memória as gentes de cor que povoavam seu

pluriverso de vida.

Por Zonas de Intersecção

Em dados populacionais de 1823, tabulados por Antônio Ladislau Monteiro Baena

(1969:260), em 17.170 habitantes que se distribuíam entre municípios ou localidades de Muaná,

Cachoeira do Arari, Chaves, Monsarás, Monforte, Salvaterra, Soure, Breves e Melgaço, este

último ainda não reconhecido como marajoara, 3.260 eram escravos, 2.337 índios, 2.653

mestiços, 7.532 livres não identificados e 1.388 brancos. A presença de um expressivo

contingente populacional de negros, índios e mestiços em tempo do regime de escravidão nos

dois lados do Marajó, Campos e Florestas, demonstra como a região vinha sendo território dos

intercâmbios afroindígenas.

Os estudos que se debruçaram sobre os processos colonizadores na Amazônia,

especialmente no campo da História e da Antropologia, constituíram duas perspectivas

interpretativas sobre os modos de viver da região. De um lado, encontramos trabalhos centrados

4 Entre os principais trabalhos redigidos sobre a temática, destacam-se (SARRAF-PACHECO, 2009; 2010; 2011;

2012a; 2012b; 2013).

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tão somente no indígena ou tão somente no africano; e de outro lado, focados nas zonas de

mestiçagem com destaque para os modos de constituição do caboclo da Amazônia5, categoria

complexa, multifacetada, polêmica e pouco esclarecedora sobre a visibilidade das interações

étnicas. De acordo com Gandon (1997:135):

O intrigante na história é o fato de que a presença do índio na mestiçagem do povo

brasileiro, bem que nitidamente visível, permanece como uma ficção, o caboclo sendo

muitas vezes percebido apenas como imagem ideológica – o que é sem dúvida um dos

seus aspectos – como entidade etérea, ou como figura lendária. Mas o caboclo é

raramente visto na sua realidade concreta cotidiana, como presença numa

mestiçagem onde o branco e o negro tornam difícil distinguir sua “cor” específica”.

Enquanto alguns estudiosos se dedicaram ao entendimento, à defesa e/ou à crítica do

termo caboclo6, outros alinharam-se a uma das perspectivas anteriormente mencionadas –

estudos indigenistas e estudos afro-brasileiros. Estes pesquisadores, ao investirem esforços para

surpreender na documentação oficial a presença e agência de índios ou negros, atentos em boa

medida nas “dualidades índios/brancos ou negros/brancos” (ARRUTI, 2001:217), recortaram

as teias de relacionalidades ou conflitualidades costuradas por esses grupos humanos na luta

por sua existência e reprodução física e espiritual.

Stuart B. Schwartz ao investigar uma nova tentativa de revolta em defesa da liberdade

promovida por escravos haussás muçulmanos em tempos de insurreições escravas na Bahia, no

correr de 1814, deixa ver como “as comunidades quilombolas locais, que incluíam alguns

caboclos e índios, foram incorporadas no plano de revolta” (SCHWARTZ, 2003:13). O

pesquisador norte-americano narra que a presença das populações indígenas no movimento dos

escravos da diáspora africana em Salvador poderia lhes garantir a reconquista das terras sob a

custodia dos portugueses. Mesmo que suas visibilidades fossem incomuns na vida

soteropolitana de uma capital que se enegrecia ao longo de sua história, os indígenas estavam

visibilizados nas lutas dos insurretos negros. O desejo e a força daqueles indígenas em participar

do movimento liderados pelos escravos haussás contra a dominação colonialista, assinala

Schwartz (2003:14), “revela a consciência dos dois grupos, assim como os alcances, limites e

5 Sobre a crítica e o abandono do termo “Ilha de Marajó” em pesquisa desenvolvidas sobre a região marajoara a

partir de 2004 e o uso de Marajós, Marajó das Florestas e Marajó dos Campos ou Amazônia Marajoara, ver: Sarraf-

Pacheco (2012 e 2015). 6 Acerca da defesa do uso do termo caboclo na Amazônia, ver: Rodrigues (2006) e Silva Filho (2011). Já sobre

críticas ao termo, conferir: Lima-Ayres (1999) e Sarraf-Pacheco (2012).

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ironias que configuravam esse complexo relacionamento”. Apesar das intersecções entre índios

e negros da diáspora ao longo da história do Brasil e da Amazônia terem sido alinhavadas desde

o período colonial, com pesar ainda comenta o autor:

(...) é um dos aspectos menos estudados e compreendidos da história das Américas.

O pouco que sabemos reflete, ainda os interesses do regime colonial.

Consequentemente, o que os negros e os indígenas pensavam, uns sobre os outros, é

particularmente difícil de desvendar, já que a documentação sobre o relacionamento

mútuo é esparsa e sempre filtrada pelo olhar atento dos colonizadores ((SCHWARTZ,

2003:14).

O exercício da crítica documental permite dizer que se as pistas do passado são

politicamente produzidas com vigilância e jogos de interesses, não menos complexas eram as

estratégias inventadas pela coroa portuguesa para criar climas hostis entre índios e negros. A

complexidade dessas relações expressa-se nas posições e papeis que esses agentes históricos

assumiam na organização do cotidiano colonial. Por esses termos,

apesar de todas as tentativas do sistema dominante no sentido de opor os africanos

aos índios e vice-versa, a condição comum de oprimidos e despossuídos contribuía

inexoravelmente para aproximá-los. Um testemunho da época colonial diz que os

índios tanto podiam ser os melhores aliados dos negros como os mais eficazes

caçadores de escravos fugitivos (GANDON, 1997:140).

Se a Bahia tornou-se conhecida como o mais forte território da negritude brasileira, os

intercâmbios entre índios e negros na história do litoral norte deste estado não ficaram sem

registro. Em pesquisa acerca deste território, Gandon defende que os interstícios físicos e

culturais gestados por esses dois grupos humanos deixaram “traços marcantes nos corpos, na

língua, nas práticas – cotidianas e festivas – na religiosidade, no imaginário e nas expressões

artísticas de uma vasta área” (GANDON, 1997:138). Já Sarraf-Pacheco mergulhado na vida da

Amazônia Marajoara e preocupado em apreender o que eles produziram em fronteiras, aposta

“na existência de uma dicção afroindígena, assim como em performances, vocábulos,

culinárias, estéticas, crenças, costumes e tradições que diferenciam a constituição de homens,

mulheres e crianças amazônidas, quando se apresentam em ambientes intersticiais” (2012:200).

Uma das práticas mais antigas e atualizadas na contemporaneidade acerca das formas

de solidariedades desenvolvidas por índios e negros e os imprevisíveis desdobramentos

resultantes desses enlaces vem sendo a experiência da vida em quilombos. Os trabalhos de

Vicente Salles (2005), Eurípedes Funes (1995), Rosa Acevedo e Edna Castro (1998) e Flávio

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Gomes (1999) para citar apenas alguns estudos da temática, dão conta das táticas empreendidas

por índios e negros contra a dominação colonialista e neocolonista de seus patrimônios

materiais e imateriais. Nos territórios de liberdade esses agentes históricos recriaram saberes

nativos, trocando entre si compreensões de mundo, afetos e criativas energias vitais.

Alik Araújo, Luiz Cunha e Agenor Sarraf Pacheco (2013) em escrita compartilhada

desvelaram contatos e trocas culturais ocorridos entre o negro maranhense, José de Sousa (Zé

Preto), com a índia Ilda Tembé, na etnia Tembé Tenetehara do Alto Rio Guamá, localizada no

nordeste paraense. O ponto principal da análise dos pesquisadores centrou-se nas questões de

cultura e identidade, suas convivências e lutas sociais desempenhadas por esses agentes sociais

e seus descendentes em terra indígena da Amazônia. Fundamentados nos Estudos Culturais em

conexões com o campo antropológico, procuraram trazer à tona importantes mesclas culturais,

suas apropriações e representações identitárias a partir de 1949, aquando da chegada de seu Zé

Preto na aldeia.

Os instrumentos de pesquisa basearam-se nas orientações da História Oral e análise de

documentos oficiais sobre ações da política indigenista na Amazônia, além do diálogo com uma

recente historiografia que tem procurado debater a questão indígena, negra e afroindígena.

Deste modo, por meio das narrativas orais captadas nas interações com os sujeitos históricos da

aldeia, os pesquisadores deixam ver algumas contribuições da cultura africana na vida dos

Tembé, bem como as mudanças ocorridas no seio da organização social dessa sociedade

indígena.

Nesta viagem em busca das escritas de historiadores e antropólogos sobre o

afroindigenismo, um dos primeiros trabalhos que segue na contramão da divisão de mundos

separados entre índios e negros é o clássico e atual estudo de Roger Bastide “Américas Negras”

de 1967. Conforme ensina Arruti (2001:217), ele “aponta para a importância das trocas entre

negros e indígenas na conformação de todo um tipo de cultura americana”. Marcio Goldman

problematizando silêncios da antropologia brasileira em torno das “relações afroindigenas”,

assinala que

O que quer dizer, por um lado, que não se escreveu muito sobre o que Bastide chama

de “encontro e casamento dos Deuses africanos e dos Espíritos indígenas no Brasil”.

Mas, quer dizer, sobretudo, que aquilo que foi escrito, o foi, em geral, a partir de um

ponto de vista que subordinava a relação afroindígena a um terceiro elemento que

estruturava o campo de investigação: o “branco europeu”(2014:215).

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Nas palavras desse antropólogo, nos quase 300 anos de tráfico negreiro,

aproximadamente 10 milhões de africanos foram empurrados às Américas, “na maior migração

transoceânica da história” (GOLDMAN, 2014:215). Quase 40% desse contingente disseminou-

se na constituição da nação brasileira, espaço já habitado por inúmeras nações indígenas,

vitimadas pelo epistemicídio europeu, porque a morte levava consigo o desaparecimento de

suas cosmologias. Por isso, a presença indígena, “ao lado da diáspora africana sustenta a

constituição do mundo moderno. Nessa história, que é a de todos nós, coexistem poderes

mortais de aniquilação e potências vitais de criatividade” (GOLDMAN, 2014:215).

Entre Campos e Florestas: oralidades e visualidades afroindígenas

A forte presença, atualmente, de casas de pajés e terreiros de umbanda no Marajó dos

Campos, especialmente em Soure e Salvaterra, onde a prática de batidas de maracás e tambores

é bastante divulgada, há fortes indícios de que religiões de índios e negros, mesmo sofrendo

modificações ao longo de sua introdução na região, são oriundas da colônia e não do período

imperial, porque não foi para aquelas pragas que se dirigiram maranhenses e nordestinos no

auge do ouro negro, mas sim aos territórios do Marajó das Florestas onde estavam os varadouros

de extração do látex. Entrevista com o curandeiro Sebastião permite acompanhar mudanças que

religiões afroindígenas viveram nos campos marajoaras, situando tempos de sua

clandestinidade e tempos em que passaram a desfrutar liberdades.

Hoje em dia, não é mais como antigamente, certo, porque no tempo da minha avó,

era diferente. A cura era perseguida pela Igreja e pelos delegados no Marajó, porque

eles não aceitavam, diziam que era bruxaria. Onde pegavam um curandeiro era

preso, não era liberado. Então as curas, era tudo pra dentro do mato, não existia nas

cidades. Depois com a evolução, negócio de federação que a gente paga, a gente tem

livre arbítrio, pronto acabou com esse tabu. Antigamente, Deus me livre, onde eles

soubessem que existia um curandeiro, eles o prendiam7.

As memórias do guia espiritual podem situar-se tanto no final do século XIX e

primeiras décadas do XX, quanto nos primeiros anos da Ditadura Militar, como estudou Silva

7 Entrevista com o pai-de-santo Sebastião, realizada pelos alunos do curso de História/UFPA Antônio Torres,

Antônio Reginaldo Duarte e Luiza Marta Nascimento por intermédio do Projeto – Vaqueiros, pescadores,

curandeiros e pais-de-santo. Soure, 2007.

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(1976). Para os militares, a presença de terreiros era um foco de desordem, por isso era preciso

restabelecer a ordem atacando esses espaços de tambores e dançares. A luta de alguns líderes

praticantes de religiões afro encontrou uma saída na criação, em 10 de setembro de 1964, da

primeira Fundação Umbandista dos Cultos Afro-Brasileiros do Pará (FEUCABEP). Para a

polícia defensora do regime, enquadrar donos de terreiros numa fundação legalmente

constituída, dava ao governo a possibilidade de melhor vigiá-los juntamente com praticantes

daqueles fazeres religiosos (SILVA, 1976). Assim, recriando rituais e atitudes para não

sucumbir diante das forças dominantes e repressivas, a fundação ganhou reconhecimento e, nos

limites a ela impostos, afirmou posições ampliando seu raio de atuação. Essa luta explica porque

em Soure, entre tantos outros associados, está o pai-de-santo Sebastião, como em Breves o

rezador, benzedor, pajé, pai-de-santo e organizador da festa de São Pedro, seu Waldemar,

popularmente conhecido como seu Vavá.

As trajetórias de vida de Sebastião e Vavá, ainda que tecidas em espaços marajoaras e

com experiências distintas, evidenciam saberes de herança familiar. “Isso vem de geração.

Herdei esse conhecimento do meu avô que passou pra mim. Foi ele quem me preparou. Assim,

quando eu estava com 14 anos, eu tomei conta das coisas dele”, explicou Sebastião. “O meu

pai tinha esse dom. Quando ele faleceu, eu acredito que passou tudinho pra mim, porque

ninguém me ensinou. Qualquer hora que a pessoa necessita da minha ajuda, eu faço uma oração

pra curar sua enfermidade, eu rezo na hora. Eu fiquei com essa herança do meu pai”, completou

seu Vavá.

Nessa cartografia das artes que envolvem crenças, festas, práticas estão os saberes dos

foliões. Antes do passeio por entre esse universo de experiências captado pela memória oral e

participação no ritual festivo, é preciso assinalar que as folias dos santos do catolicismo

desembarcaram no Brasil junto com colonizadores portugueses que, sedentos por riquezas,

embrenharam-se nas matas e rios tropicais. À medida que povoados foram se formando em

torno de capelas ou pequenas igrejas, habitantes do "achado" Brasil e negros africanos

escravizados, envoltos em outros universos culturais e religiosos, incorporaram, seletivamente,

a partir de suas percepções de mundo (WILLIAM, 1979), expressões que imbricaram o velho

com o novo mundo. Na interculturalidade da vida, homens e mulheres de matrizes multiétnicas

recriaram e vêm recriando, em diferentes espaços e contextos históricos, crenças, cantos,

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cantorias, louvores, benditos, ladainhas e tantos outros ritos correlacionando sagrado/profano,

rural/urbano, velho/novo mundo, oral/letrado em múltiplas relações poderes e sociabilidades,

negociando e lutando por suas vivências físicas, espirituais e culturais.

Entre campos e florestas marajoaras esse processo não foi diferente. A dinâmica,

muitas vezes diferentemente trilhada pelos municípios que compõem o imenso arquipélago,

ressignificou em cada lugar santos e santas, mitos de origens históricas dos antigos povoados.

Em aldeias ou "cidades-florestas" de hoje, foram escolhidos grupos de cantadores dispostos a

percorrerem lugares mais longínquos dos municípios para levarem a imagem do santo(a)

escolhido(a), anunciando a chegada dos festejos religiosos. Em Breves seus habitantes festejam

Santana e São Sebastião; Gurupá, a famosa festa de São Benedito; Portel, N. Srª da Luz e N.

Srª de Nazaré; Curralinho, São João Batista; Anajás, Santo Antônio; Afuá, São Sebastião e

N.Srª da Conceição; Bagre, Santa Maria; Cachoeira do Arari, São Sebastião; Muana, N. Srª de

Nazaré; Oeiras do Pará, N. Srª da Assunção; Ponta de Pedras, N. Srª da Conceição, Soure, São

Pedro e N. Srª de Nazaré e em Melgaço, São Miguel Arcanjo.

A história da folia do Arcanjo São Miguel está intimamente ligada com a própria

história de vida de ribeirinhos melgacenses que vêm celebrando há mais de 80 anos, de acordo

com depoimentos colhidos entre antigos foliões, tempos que evocam memórias de

prosperidades e penúrias sintonizadas com formas próprias de cultuar São Miguel Arcanjo e

trabalhar na mata para garantir suas existências.

Dialogando com o Bernardo Almeida, vulgo Noronha, de ascendência afroindígena,

tomamos conhecimento de que a letra e a melodia da folia de São Miguel foram compostas por

seu pai, Luciano Ferreira. Questionado sobre a composição dessas cantorias, seu Noronha foi

sintomático: “Ele tirou da própria cabeça”, deixando ver e entender como devotos de São

Miguel recriaram propostas de anunciar e levar a palavra de Deus, o culto a São Miguel a seus

pares, em tempos dos festejos religiosos, orientados por ensinamentos provenientes de torrões

de oralidade afroindígenas.

Cortando rios, furos, lagos, igarapés do município, foliões melgacenses e suas

gerações vem deixando suas casas, família e trabalho para participarem da peregrinação,

esmolação, arrecadando donativos traduzidos em doações de patos, galinhas, porcos, peru,

jabuti, tracajá, paneiros de plantas, fitas, flores, além de dinheiro. Quando os barcos que levam

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os foliões são pequenos e não comportam mais o presente dos promesseiros, o diretor da

comissão decide vender alguns desses animais para esvaziar os barcos e abrir espaços para

passageiros da falia donativos a serem recebidos em outros portos.

Seu Bernardo Ferreira, relatando suas experiências nas andanças com a imagem de

São Miguel, desde quando seu pai, Luciano Ferreira, negro, autor das cantorias da folia era o

mestre-sala, há mais de 50 anos, lembrou das dificuldades enfrentadas quando em atividades

festeiras pelos rios do município, visitando casas de devotos do "Guerreiro Miguel". “Naquele

tempo ainda era mais difícil do que hoje, porque nós saia no casco com remo de faia. É um

trabalho muito grande, porque você tem que cantar o dia todo e tem vez que o cara fica baqueado

da garganta”8. Entre elementos da cultura material afroindígena, como casco com remo de faia

coberto com palha de buçuzeiro, instrumentos como reco-reco confeccionados com taboca de

bambu existente há mais de 80 anos, esses anunciadores da festa cantavam palavras de Deus e

renovavam o culto a São Miguel. Não apenas por interesses econômicos, como a direção da

paróquia tem chamado atenção em seus discursos, ao decidir os rumos que devem tomar essa

manifestação popular em Melgaço, mas porque acreditam nos milagres e benções concedidas

por Deus por intermédio desse Arcanjo, confirmando em suas falas dádivas e graças recebidas.

Se as folias como patrimônios imateriais

afroindígenas se fazem ver com toda sua ritualística

na região marajoara, patrimônios materiais achados

na praia do Jambeiro, sítio histórico onde Amós

Moraes de Souza recolheu diferentes tipos de

objetos da cultura material de povos tributários dos

contatos com o antigo povoado, também ampliam a

composição de nossa cartografia. Este nato caçador

da história recuperou, entre cacos, areias e barros,

diferentes tipos de cachimbos que trazem fortes

traços e expressivas marcas da presença

afroindígena na constituição da paisagem cultural

marajoara.

8 Entrevista com Bernardo Almeida, Melgaço, setembro de 2002.

Imagem 01: Cachimbos afroindígenas

recolhidos na orla de Melgaço. Foto da

Pesquisa, novembro de 2006.

Page 12: Agenor Sarraf Pacheco

12

Os diversos cachimbos dispostos na imagem foram confeccionados por técnicas e

estéticas diferenciadas. Todos eles expressam incisões de traços presentes na artesania de vários

povos e nações. A forma de imprimir desenhos, no entanto, pode revelar especificidades e

sentidos próprios em cada cultura, uma espécie de “comportamento étnico” ali é possível de ser

rastreado, para utilizar expressão cunhada pela historiadora e arqueóloga Camilla Agostini

(2009). A pesquisadora investiu esforço para estudar esse símbolo que fortemente marcou a

cultura africana no Brasil em tempos de escravidão, deixando ver que o cachimbo pode ser

interpretado como uma “arma alternativa da resistência negra” (AGOSTINI, 1998:115).

No seio das culturas indígena e africana, esse artefato assume grande importância. O

horário do fumo é sagrado, pois nesse momento tem-se a possibilidade de prosear com o outro,

socializar experiências, refletir sobre a existência e planejar novas atividades. Conta-se a

distância pelas cachimbadas, assim como o tempo para o descanso de uma jornada de trabalho.

Segundo Marques (2009:4), entre grupos indígenas, como os Mbyá-Guarani por ela estudados,

usa-se o fumo em diferentes ocasiões, tanto cotidianas como em rituais. “Para entrar em transe

e conectar-se com o sagrado, o xamã utiliza o cachimbo de forma ritual, em curas, cantos e

danças”. Já Camilla Agostini (2009), em análise de amostras arqueológicas de cachimbos

cerâmicos pertencentes a escravos do Rio de Janeiro, no século XIX, aponta que o horário de

fumar tornava-se uma brecha para resistir à pesada labuta do cotidiano.

A cartografia das artes do mundo afroindígena marajoara se recompõe com toda sua

potência e em outras práticas nas telas de Maria Necy Balieiro, artista plástica brevense, que

nasceu em 13 de dezembro de 1957, hoje com 58 anos de idade. Na experiência etnobiográfica,

Necy comungou seu processo de entrada e formação no campo da pintura a partir de uma

vivência iniciática que a levaria a um encontro de aprendizagem com Assis Costa, pintor local,

e depois a uma produção compartilhada com J. Tadeu, pintor muito conhecido no circuito da

pintura brevense.

A partir da relação entre etnobiografia e interculturalidade enquanto processos de

mediação e tradução cultural produzidas pelo amplo e polifônico campo das linguagens,

mergulhamos na trajetória de vida e produção artística dessa mulher marajoara cuja referência

de “afecto” e aprendizagem dos saberes da cultura marajoara é familiar, mas atravessada por

Page 13: Agenor Sarraf Pacheco

13

convivências com espaços rurais e urbanos, meios de comunicação, leituras diversas e viagens

em circuitos paraenses rurais e urbanos.

No desejo de preservar os ensinamentos maternos, mas atravessados por diferentes

vivências e alegorias que a colocaram em entre-lugares revelados e silenciados, Necy expôs o

universo da pintura como a linguagem escolhida para registrar o processo de afetação maternal

e social, o qual o levaria a uma pintura política. Ao rememorar seu fazer-se no pincel,

compartilhou aspectos que considera constituinte da cultura de sua região pela ótica da pintura.

Pela arte da memória marajoara captada da experiência com a mãe, seus irmãos e todo

circuito de vivências trilhadas no espaço rural e urbano brevense, em viagens para Belém e nas

interações com leituras e escutas de noticiais disseminadas pelos meios de comunicação, Maria

Necy traz à tona histórias, cenários e sentidos que atribui as suas composições visuais como

lugar privilegiado para se interpretar visões sobre a região marajoara, seus moradores e sobre

sua própria vida que faz das telas textos visuais (auto)biográficos e com isso produz outras

narrativas e alegorias do complexo e convulsionado cotidiano regional.

Em visita ao seu atelier, chamou nossa atenção, inicialmente, a tela “Coletor de

Castanhas”, porque trazia sinais do afroindigenismo.

A tela ambienta o espaço rural

brevense em tempos de coleta da castanha,

procurando retratar o empenho de

castanheiros afroindígenas na luta por garantir

o sustento. Por trás da caminhada na mata

estão as relações de trabalho, suas

desigualdades e formas de exploração de

regatões e patrões. Igualmente um saber local

de tradição indígena e africana que resguarda

o conhecimento da floresta, a temporalidade

da colheita, as artes para confeccionar paneiros, as técnicas para carregar a pesada carga usando

recursos da floresta como o cipó, o manuseio de instrumentos industriais tradicionais como o

terçado e as afetividades que trabalhadores pobres estabelecem com os ecossistemas do Marajó

Imagem 02: O Coletor de Castanhas – (Material:

Acrílico sobre tela; Dim. 01X80). Maria Necy

Pereira Balieiro, 2010.

Page 14: Agenor Sarraf Pacheco

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das Florestas, tecem o visível e o invisível da tela. Em diálogos intensos sobre sua história de

vida e os sentidos das pinturas produzidas, a respeito de “O Coletor de Castanhas” narrou:

Fiz um “resgate” da memória de minha mãe que contava sobre a vida sofrida dos

parentes dela nos castanhais. O trabalho era duro e pesado; o transporte da colheita

das castanhas era feito em grandes paneiros carregados nas costas, que depois eram

trocadas com mercadoria nos regatões. Muitos homens adoeciam. Um dia, um deles

voltou do mato com febre e disse que viu uma assombração debaixo das castanheiras.

Depois de alguns dias ele morreu. Eles acreditaram que foi um espírito da floresta.

Tentei passar uma expressão sofrida deste caboclo, uma mistura de índio e negro.

Sempre sintonizada com a dimensão espiritual que conduz e explica a vida humana,

porque os sinais da presença de espíritos em seu dia a dia são muitos, a artista faz de sua pintura

texto memorial para registrar vivências compartilhadas por/com sua genitora. Emerge, então,

um projeto político contra o esquecimento do passado marajoara esquadrinhado pela arte da

memória vivida e recriada em estéticas cotidianas. Em suas próprias palavras, Necy explica:

Eu pinto o cotidiano ribeirinho por causa das lembranças da mamãe. Eu tenho a

necessidade de contar o que ela nos contava lá do interior. É um exercício pra

lembrar, marcar, pra não ficar perdido na história, porque depois que a mamãe

faleceu se não tiver ninguém pra contar vai ficar perdido no tempo.

As interações estabelecidas com Maria Necy ao longo de um ano de pesquisa de campo

geraram experiências de afetamentos recíprocos. Ampliamos nossos circuitos relacionais e

alinhavamos novas teias de amizade, carinho e responsabilidade. Interessados nas heranças,

saberes e trocas que se manifestam nos cruzamentos estabelecidos por índios e negros no lado

ocidental marajoara, puxamos pelas lembranças da artista para situar, pintar e narrar tais

presenças. As evidências mais uma vez vieram borradas pelos tempos das memórias vividas e

compartilhadas com sua parentela. Surge, desse modo, a tela síntese desse ensaio.

Page 15: Agenor Sarraf Pacheco

15

A vida dos negros que eu retratei, foi daqueles que

viviam nas colônias que ficava na estrada de Breves.

Quando eles vinham para cidade traziam raízes, frutas,

ervas, outros tiravam folhas de palmeira para fazer

quarador onde se colocavam as roupas no sabão e anil

e se colocava no sol para secar. Outros enchiam água

em uma vara, com as latas nas pontas e faziam muitos

serviços pesados como serrar dormentes. Na casa do

meu avô eram os negros que executavam essa tarefa.

Outros faziam carretos (Fretes) em carroças puxada

por boi. As senhoras negras faziam as cocadas, os

quindins e pé de moleque e o tambor simboliza o

candomblé. Do índio retratei o que nos herdamos o uso

do urucum, dormir na rede, comer beiju, as batatas,

peixe assado e as pajelanças.

As motivações para Necy relembrar a

presença negra no tempo de sua infância em

Breves a fez reconstituir o cotidiano da estrada, que começava, na década de 1960, em frente

ao recém-criado Colégio Santo Agostinho, e a presença de famílias de nordestinos negros que

habitavam nas colônias agrícolas. Os contatos com a cidade se davam aos finais de semana

quando desciam com seus produtos para vender na feira do produtor rural. Nestes quadros, a

detalhada narrativa de Necy transforma-se em tela pintada por reminiscências como “passados

importantes que compomos para dar um sentido mais satisfatório à nossa vida, à medida que o

tempo passa, e para que exista maior consonância entre identidades passadas e presentes”

(THOMSON, 1997: 57).

É quase sempre na relação entre-vista com o historiador ou antropólogo que o narrador

arquiteta, manuseia e constrói o discurso da experiência, especialmente quando as questões

norteadoras do diálogo nascem em sintonia com o momento da interação. Se o pesquisador for

sensível ao ambiente físico, psicológico e espiritual que orienta a relação, é possível que a

composição do manancial etnobiográfico seja surpreendente.

Envolvida com nossos interesses em mapear a presença negra no Marajó das Florestas

para saber como viviam esses filhos da diáspora, o que ensinaram e aprenderam nas relações

estabelecidas com as populações nativas, a artista conseguiu localizar em Breves, Anselmo

Costa de 89 anos, Laura Costa de 86 anos e Rosildo Costa de 52 anos, filho de dona Laura,

sobrinho de seu Anselmo. Em uma de nossas viagens a campo, em setembro de 2015, Necy nos

conduziu para uma entrevista com esses descendentes de negros nordestinos que agora já

Imagem 03: Contato Afroindígena – (Material:

Acrílico sobre tela; Dim. 01X80). Maria Necy

Pereira Balieiro, 2015.

Page 16: Agenor Sarraf Pacheco

16

moravam na periferia da cidade. Esse grupo chegou a esse lado do Marajó, na virada do século

XIX para o século XX, para trabalhar em propriedades de elites latifundiárias brevenses. Sem

apagar as marcas da memória da escravidão e suas mazelas, mesmo depois da oficial abolição,

Rosildo nos contou que

A família da minha mãe veio do Ceará com meus avôs. Eles vieram trabalhar em

serviço muito duro, muito árduo, um serviço mais pesado que é o da lavoura, que é o

de cuidar da plantação para garantir o seu sustento. Trabalhavam pesado mesmo,

cinco da manhã os alimentos já tinham que estar tudo pronto para ir à roça trabalhar.

Eu nasci e ainda vi minha gente nesse tipo de trabalho, lutando para me sustentar.

Agora tem algo que eu nunca esqueço: a experiência maior é a da honestidade. Olha,

hoje eu entro e saio em qualquer local, mesmo sendo nossa cor uma cor mais

discriminada, mas devido a esse princípio aprendido, graças a Deus, a gente é levado

a sério e não tem problema nenhum. Minha gente passou para nós a dedicação e a

vontade de sempre trabalhar. E até hoje minha mãe faz o cafezinho dela, tem o

cantinho dela, faz as coisas dela e continua nos ensinando, ensina seus netos, ensina

aos outros como a gente deve viver. Eu vejo que nossa raça, nossa cor, elas têm muito

essa aproximação com o mandamento que Deus deixou, que é amar ao próximo.

Garantir a existência pelo trabalho, cultivando ensinamentos sobre valores humanos

como a honestidade e o amor ao próximo para desmontar os preconceitos da cor são lições que

emergem do depoimento de Rosildo. A experiência do cultivo ou extrativismo de raízes, frutas,

ervas, folhas de palmeira; o trabalho de encher água em latas apoiadas e equilibradas por uma

vara; as atividades de serrar madeiras pesadas com serrotões rústicos; fazer carretos em carroças

puxada por bois, assim como confeccionar cocadas, quindins e pés de moleque, sem esquecer

as matrizes religiosas que orientavam a cosmologia africana em territórios da diáspora com o

potente e frequente uso do tambor, compõem uma cartografia de saberes e fazeres interculturais

cujos rizomas alinhavam-se em modos de ser em Áfricas e Brasis.

Se por um lado, os negros que foram forçados a colocar-se em diásporas em terras

marajoaras em diferentes tempos históricos ensinaram aos índios e deles aprenderam uma

plêiade de modos de ser e batalhar pela existência física e espiritual, na tela da memória de

Maria Necy é possível dizer que as populações marajoaras em suas matrizes indígenas

ensinaram aos negros a usar urucum nas vestes de suas peles e nas alimentações, a dormir em

rede, a fazer e comer beiju, a cultivar e se alimentar de diversos tipos de batatas, a assar peixes

em moqueios, igualmente a se imiscuírem pelo mundo dos pajés e seus encantados em busca

de curas para corpos, mentes e espíritos.

Page 17: Agenor Sarraf Pacheco

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Em diálogo com escritos do etnólogo maranhense, Manuel Nunes Pereira97, Sarraf-

Pacheco recuperou momentos em que índios e negros trocaram entre si saberes de cura, tanto

para curar a si e seus iguais, quanto para curar o gado e outros animais. “Entre rezas e ervas

miraculosas que o índio revelava ao negro, nessas zonas de trocas culturais, compartilharam

ainda fumos, bebidas produzidas de mandioca, altamente fermentada, que resguardavam

valores, significações sociais e mágico-religiosas” (PEREIRA, 1952, pp. 153-185).

Palavras Finais

É chegada a hora de refletir a experiência dos percursos trilhados nesse ensaio para dar

conta de defender o principal argumento de nossa composição: no Brasil e na Amazônia índios

e negros teceram diversas redes de contato e zonas de solidariedade para garantir a recriação de

suas cosmologias cuja máxima está na indissociabilidade dos sentidos em conexões com a

natureza cósmica que movimenta a vida na terra.

Pensando a experiência caribenha espraiada pela Amazônia Marajoara por dentro dos

escritos de Hall (1996:24) podemos dizer que os “regimes dominantes de representação de

índios e negros foram o resultado de um exercício crucial de poder cultural e de normalização”.

Na contramão dessa visão, Maria Necy Balieiro redesenha e repinta o passado dentro de outros

padrões culturais, valorizando diferentes práticas de trabalho, afetividades e respeito com a

natureza, outros modos de alimentação, crenças, festas que orientam ainda hoje a vida das

populações tradicionais marajoaras de matrizes afroindígenas.

Fundamentados na teoria intersticial dos Estudos Culturais e Pós-Coloniais, em

diálogo com a historiografia e escritos antropológicos, pelas letras do romancista e pinturas da

artista, apreendemos que um mundo de saberes de tradições orais em rizomas foi sendo

germinado por índios e negros nas paisagens físicas e culturais brasileiras e amazônicas. Mesmo

vivendo em situações limites de vida sob o regime de escravidão, controle e violência instalado

pelos poderes metropolitanos e locais, que muitas vezes cooptou as gentes de cor para defender

seus interesses, as conexões entre os modos de apreender a realidade e as formas de

compreensão da realidade pelos sentidos desenvolvidas por índios e negros arquitetaram sutis

resistências.

Page 18: Agenor Sarraf Pacheco

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Como assinalou Hall (1996:23) citando Fanon “a colonização não se compraz apenas

em manter um povo nas suas garras e em esvaziar o cérebro do nativo de forma e conteúdo. Por

uma espécie de lógica pervertida, pega no passado do povo oprimido e distorce-o, desfigura-o

e destrói-o”. Em tempos presentes, para superar os ardis da monocultura da mente (SHIVA,

2003) e realizar a desobediência epistêmica (MIGNOLO, 2010), populações tradicionais

marajoaras, herdeiras dos cruzamentos e patrimônios afroindígenas ao transformarem os

espaços de moradia, trabalho e celebração em zonas de planejamento para a liberdade,

continuam a lutar para deslocar “os “jogo” da história, da cultura e do poder” (HALL, 1996)

formatados por elites locais, sonhando com o reconhecimento de direitos, saberes e tradições.

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