adilia lopes - autobiografia

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autobiografia sumária de Adília Lopes 10.º B Paula Cruz

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Autobiografia Sumária de Adília Lopes

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Page 1: Adilia Lopes -  autobiografia

autobiografia sumária de Adília Lopes

10.ºB

Paula Cruz

Page 2: Adilia Lopes -  autobiografia

Autobiografia sumária de Adília Lopes

Os meus gatosgostam de brincarcom as minhas baratas.

Paula Cruz

Page 3: Adilia Lopes -  autobiografia

“ Certo dia, quando trabalhava no Jornal de Letras, fui incumbido de entrevistar uma escritora chamada Adília Lopes. A primeira pergunta que lhe fiz foi sobre um poema seu de que eu gostava e gosto muitíssimo. Chama-se Autobiografia Sumária e só tem três versos:

"Os meus gatosgostam de brincarcom as minhas baratas."

O meu objetivo era impressionar a autora com a minha excelente interpretação do poema. Disse-lhe que aqueles versos eram também o resumo da minha vida. Os meus gatos, isto é, aquilo que em mim é felino, arguto, crítico ("Não é por acaso", disse eu, "que Fialho de Almeida reuniu os seus textos críticos num volume chamado Os Gatos), aquilo que em mim é perspicaz - e até cruel - gosta de brincar com as minhas baratas, ou seja, com aquilo que em mim é repugnante, negro, rasteiro, vil. E aquela operação poética - que é, igualmente, uma operação humorística - de escarnecer de si próprio erame tão familiar que podia descrever-me de forma tão competente como à autora do poema.

Paula Cruz

Page 4: Adilia Lopes -  autobiografia

Os olhos de Adília Lopes humedeceram-se. Fosse qual fosse a noite solitária em que escreveu o poema, estava longe de imaginar que, tanto tempo depois, a sua alma gémea se apresentasse à sua frente, compreendendo-a tão profundamente. Foi então que Adília Lopes falou. Disse o seguinte: "Pois. Bom, comigo, o que se passa é que eu tenho gatos. E tenho também baratas, na cozinha. E os gatos gostam de ir lá brincar com elas." E depois exemplificou, com as mãos, o gesto que os gatos faziam com as patinhas.Foi naquele dia, amigo leitor, que eu deixei de me armar em esperto. Tinha citado Fialho de Almeida, tinha usado a expressão "operação poética", e tinha-me visto a mim onde só havia gatos e baratas. Os olhos de Adília Lopes estavam húmidos, provavelmente, do esforço que a sua proprietária fazia para não rir. Não eram só os sacanas dos gatos que escarneciam de mim: a Adília Lopes também. E, desde esse dia, tenho constatado que o mundo inteiro, em geral, me mofa (quem aprecia a frase bem torneada fará bem em registar, num caderninho próprio, a elegante construção "me mofa"). RICARDO ARAÚJO PEREIRA

Paula Cruz

Page 5: Adilia Lopes -  autobiografia

•Uma autobiografia é algo que o próprio escreve sobre si.

•Uma autobiografia é um apontamento biográfico.

• A escolha de um qualquer apontamento raramente é acidental.

•Partindo deste pressuposto, a escolha deste fait-divers – GATOS e BARATAS não foi acidental: é um jogo de esconde-esconde. Ora se mostra ora se esconde, como o gato e o rato, ou melhor, os gatos e as baratas.

Paula Cruz

Page 6: Adilia Lopes -  autobiografia

A noção de autobiografia poética imposta pelo título do poema não aprisiona o texto à obrigação da verdade, mas restringe-o a um pacto de validade.

Esta autobiografia, não tendo como referencial uma realidade tangível, inscreve-nos numa realidade artística, que evidencia a debilidade e a dificuldade da representação do real.

Paula Cruz

Page 7: Adilia Lopes -  autobiografia

«autobiografia sumária de Adília Lopes 2»:

Não deixo a gata do rés-do-chão brincar com as minhas baratas porque acho que as minhas baratas não gostam de brincar com ela.

Paula Cruz

Page 8: Adilia Lopes -  autobiografia

SELF-PORTRAIT 1 :My cats enjoy playing with my cockroaches

My cockroaches enjoy eating my potatoes \\And what about my potatoes?

Paula Cruz

Page 9: Adilia Lopes -  autobiografia

Uma possível leitura:

Gatos e baratas têm em comum a relação com o espaço doméstico: dos gatos diz-se que são da casa e não do dono, das baratas sabe-se que procuram os recantos quentes e húmidos da casa. Gatos e baratas partilham, ainda. a resistência: dos gatos se diz que têm sete vidas, as baratas que serão o único animal a sobreviver a uma guerra nuclear. Outra coincidência entre gatos e baratas é a sua ligação à escuridão, a visão nocturna, permite que um gato, no escuro, possa brincar com uma barata. É preciso ser como o gato – atrevido, ágil, curioso, perspicaz, solitário – para querer descobrir o mistério, o sombrio. O uso do possessivo – «meus», «minhas» - coloca gatos e baratas sob a mesma proteção: quer os gatos, quer as baratas têm o seu afecto.

Paula Cruz