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A TEORIA DA ATIVIDADE E O ENSINO DO ATO DE LER
Joelma Reis CorreiaUniversidade Federal do Maranhão - UFMA
RESUMO: Este artigo tem por objetivo discutir o ensino do ato de ler, tendo porfundamentação a Teoria da Atividade, a partir da análise de uma situação observada emuma de sala de aula do segundo ano do Ensino Fundamental de uma escola da RedePública Municipal de Ensino em São Luís do Maranhão, formada por 35 crianças, noano de 2010. Levanto, inicialmente, algumas reflexões acerca do ensino do ato de ler,apoiada em estudiosos da área, como Bajard e Jolibert, que defendem a necessidade dacriança fazer uso constante da linguagem escrita e, especialmente, da leitura sercompreendida como atribuição de sentido e questionamento de textos pelo professorpara a condução desse processo; em seguida, é abordada a teoria da Atividade deLeontiev de modo a confirmar que ensinar a ler na escola é pensar em atividades quelevem em consideração a busca do sentido pela criança, pois esse é o motivo que vaicriar a necessidade de querer aprender, portanto, a escolha do que vai ser oferecido paraque as crianças leiam torna-se essencial, para que possam atribuir sentido ao que estádiante dos seus olhos. As conclusões revelam que as atividades de leitura, por nãocontemplarem a atribuição do sentido por parte do aluno, nem a necessidade dos alunos,não podem ser consideradas como Atividade.Palavras-chave: Leitura. Atividade. Linguagem escrita
Introdução
No contato mais próximo com o ambiente escolar, tenho observado que o
ensinar a ler tem sido considerado pelas professoras alfabetizadoras como o grande
desafio a ser superado durante o ano letivo tornando-se, para elas, algo frustrante,
devido a muitas crianças não alcançarem o objetivo desejado pela escola: o domínio da
leitura.
Embora tenha clareza que são muitos os fatores que contribuem para essa
problemática, o meu interesse se volta para o papel que a escola exerce na apropriação
da leitura pelas crianças, mais especificamente, como o professor tem ensinado alunos
no início da escolaridade a ler, uma vez que nem sempre as atividades propostas em sala
de aula consideram a leitura como uma produção humana. Ao ter acesso aos estudos de
Leontiev (2001) sobre a Teoria da Atividade, comecei a perceber o equívoco que a
escola comete ao designar muitas propostas de leitura para crianças em início do
processo de alfabetização como atividade.
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Desse modo, este artigo tem por objetivo discutir o ensino do ato de ler, a
partir da análise de uma situação observada em uma de sala de aula do segundo ano do
Ensino Fundamental de uma escola da Rede Pública Municipal de Ensino em São Luís
do Maranhão, formada por 35 crianças, no ano de 2010, no intuito de compreender se o
que é proposto pela professora se configura como atividade, na perspectiva apontada
por Leontiev (2001).
O ensino do ato de ler
É sabido entre nós, com apoio na teoria histórico cultural, que a apropriação
social da linguagem é essencial para o desenvolvimento da história, bem como condição
necessária para o desenvolvimento humano, na medida em que ela exerce o papel de
organizar e fazer desenvolver os processos mentais. Usamos a linguagem, através da
palavra, em todas as atividades humanas, por isso é possível afirmar que não podemos
nos situar no mundo e no espaço fora da linguagem, já que esta garante a transmissão
“da experiência da prática sócio-histórica da humanidade; por consequência, é um meio
de comunicação, a condição da apropriação pelos indivíduos desta experiência e a
forma da sua existência na consciência.” (LEONTIEV, 1978, p.172).
Discutir o ensino-aprendizagem da língua escrita, mais especificamente da
leitura, no início do Ensino Fundamental, é concebê-la como uma forma de linguagem
de que as crianças precisam se apropriar, e, que, segundo Luria (2001), contribui
enormemente para expandir os poderes do homem no mundo social. Tenho clareza de
que crianças que vivem em um meio urbano estão constantemente expostas à escrita,
visto que em nossa sociedade, o mundo da cultura é, em sua maior parte, escrito. Ainda
que em suas casas isso não aconteça de forma efetiva, o seu entorno lhes possibilita o
contato direto com a escrita nas suas mais diversas formas e suportes. Bajard (2007,
p.105) aprofunda essa discussão quando afirma:
Uma cultura marcada pela escrita possui características tão peculiares, quemesmo os analfabetos se submetem às peculiaridades do seufuncionamento. A criança não alfabetizada já participa da cultura escritaquando obedece ao ritmo das atividades da mãe, comandada pela hora lidano relógio. O hábito de escrever na agenda o horário dos encontros, porexemplo, transforma as relações com os outros.
Entretanto, apenas essa experiência com a escrita, propiciada pela sociedade
letrada, não é suficiente para que cada ser humano tenha necessariamente
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conhecimentos específicos sobre a mesma. É preciso, portanto, que a criança não
somente esteja exposta, mas faça uso constante.
Enfatizo o papel intencional da educação no processo de ensinar e aprender a
ler. A criança, como membro de uma sociedade de cultura escrita, precisa ser
introduzida nesse mundo da leitura, considerado novo ou mesmo diferente para ela, por
não possuir o domínio convencional. Isso implica que sejam criadas na escola
oportunidades de experiências diversificadas com a leitura, ou seja, situações em que de
fato a criança a use para o fim verdadeiro para a qual foi criada.
Para que a criança possa usar a leitura com esse objetivo, é preciso que, em
primeiro lugar, o professor conceba o ato de ler como atribuição de sentido. Isso implica
a atitude de fazer perguntas, de “questionar algo escrito como tal a partir de uma
expectativa real [...] numa verdadeira situação de vida” (JOLIBERT, 1994, p.15).
Assim, é responsabilidade do professor ensinar aos alunos a aprender a fazer perguntas
ao texto, a buscar seu significado, a partir do conhecimento que já possuem e em função
dos vários indícios, marcas ou pistas que um texto lhes oferece. Quando o aluno está
atento a essas marcas, não passará despercebido por ele o tipo de texto que está lendo,
de onde surge, a quem se destina, quem escreveu, por que e para que está lendo.
Ensinar a ler a partir dessa perspectiva, se afasta consideravelmente de
treinar o olho e a boca para enxergar a letra e a sílaba e, somente, depois a palavra e a
frase e, muito tempo depois, os textos, bem como perguntas de compreensão feitas pelo
professor a partir dos registros retirados de cartilhas, que nada dizem às crianças. A
organização do ensino e o próprio desconhecimento de muitos professores acerca da
natureza da leitura podem contribuir significativamente para o não aprendizado do ato
de ler pelas crianças, embora esse aspecto nem sempre seja percebido por eles.
Sendo assim, o ensino do ato de ler, assim como da fala, precisa ser rico de
significados para quem aprende, visto que “a palavra desprovida de significado não é
palavra, é um som vazio. Logo, o significado é um traço constitutivo indispensável da
palavra. É a própria palavra vista no seu significado interior” (VIGOTSKI, 2001,
p.398). Vale ressaltar, que o significado da palavra no processo inicial do aprendizado
do ato de ler somente pode ser gerado quando partilhado em comunicação permanente
com outras pessoas, porque
o signo se cria entre indivíduos, no meio social; é portanto, indispensável queo objeto adquira uma significação interindividual somente então é que elepoderá ocasionar à formação de um signo. Em outras palavras, não pode entrarno domínio da ideologia, tomar forma e aí deitar raízes senão aquilo queadquiriu um valor social. (BAKHTIN, 1990, p.45)
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Concebendo a linguagem a partir da perspectiva apontada, desde o ano de
1998, tenho voltado o meu olhar para investigar como o ato de ler vem sendo ensinado
para crianças que estão em processo de alfabetização, mais especificamente para
aquelas que se encontram na faixa etária dos sete anos, cursando, portanto, o 2º ano do
Ensino Fundamental. Nesse processo de ensino, muitas são as atividades realizadas
pelos alunos, às vezes desenvolvidas em sala ou encaminhadas para casa. Entretanto,
nem sempre tais atividades respondem às reais necessidades das crianças, ou seja,
através delas não têm a possibilidade de vivenciar a leitura como interação e
interlocução, não se configurando de fato como Atividade.
Como forma de aprofundar essa discussão, apresento, a seguir, uma situação
de sala de aula, ocorrida em uma turma com crianças de sete anos para analisar se elas
podem ser concebidas como Atividade. Para tanto, lanço mão da Teoria da Atividade
em Leontiev (2001).
A teoria da atividade e as propostas para ensinar a ler
Para Leontiev (2001), em cada período da vida da criança ela se relaciona com
o seu entorno e consigo mesma de uma forma específica, atribuindo ao mundo, à
realidade que a cerca um sentido próprio, logo, a formação e o desenvolvimento das
capacidades humanas não se desenvolvem de uma só vez, mas cada idade tem sua
função predominante. Sendo assim, de acordo com esse teórico, é na faixa etária dos
sete anos que começa a se formar a atividade de estudo, a formação da consciência, do
pensamento teórico e o desenvolvimento das capacidades (reflexão, análises,
planejamento mental) e das necessidades e motivos de estudo.
Esse momento em especial, por ser o começo do ensino e da educação escolar,
é considerado ímpar e essencial na vida de qualquer criança por causar uma grande
mudança na sua vida, observado tanto em aspectos externos como internos. Para
Davidov (1988), os aspectos externos estão estritamente relacionados à própria
organização da vida, ou seja, às novas obrigações e deveres que a criança passa a ter
quando começa a estudar, quando se senta para preparar as suas lições. A partir do
momento que essa prática começa a fazer parte da vida, ela passa a sentir-se
[...] talvez ocupada com um assunto muito importante. Em casa, os irmãosmenores são proibidos de incomodá-la, e mesmo os adultos, às vezes,sacrificam suas próprias ocupações para dar-lhe a oportunidade de
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trabalhar. Isto é muito diferente de seus jogos e ocupações anteriores. Opróprio lugar de sua atividade na vida adulta, na vida ‘verdadeiramentereal’ que a cerca, torna-se diferente.O ponto principal, finalmente, é que agora as relações íntimas da criançaperdem seus contatos. São determinados agora pelas relações maisamplas. Por boas que sejam as ‘relações’ domésticas, íntimas, que acriança sente por si mesma, uma nota má dada pelo professor, porexemplo, inevitavelmente projeta uma sombra sobre elas. Tudo é muitodiferente do que era antes do início da escola. (LEONTIEV, 2001, p.61-62, grifos do autor)
Os aspectos internos são contemplados devido à prática cultural do estudo,
cujo objetivo é o domínio do conhecimento teórico, ou seja, dos conhecimentos
historicamente acumulados obtidos pela aprendizagem das diversas áreas do saber,
determinar o surgimento das principais neoformações psicológicas da criança de sete
anos (LEONTIEV, 2001), além de definir o seu desenvolvimento psíquico, bem como a
formação da sua personalidade. Por contribuir consideravelmente para o
desenvolvimento da criança nesta fase, no que se refere às mudanças mais importantes
nos processos psíquicos e nos traços psicológicos da sua personalidade, a Atividade de
Estudo é considerada a Atividade Principal. Vale, ainda, ressaltar que a criança na faixa
etária dos sete anos, de acordo com Vigotski (2006), vive um momento de transição, de
virada, definida pelo autor como a crise dos sete anos. A criança não é mais considerada
um pré-escolar e tampouco um escolar, entretanto, diferencia-se fundamentalmente
daquela pela perda da espontaneidade infantil. Desse modo, é preciso que o ensinar a ler
para crianças nessa faixa etária leve em consideração todas as características apontadas:
a capacidade de reflexão, análise, planejamento mental, atribuição de sentido,
intermediado pelo estudo, e pelas condições reais em que esse ensino se desenvolve.
Nessa perspectiva, o papel do professor é fundamental, pois, segundo
Leontiev (2001), ele tem a função de conduzir esse processo de desenvolvimento, o que
implica primeiramente conhecer profundamente as suas forças motrizes com o fim de
definir objetivos coerentes e organizar atividades que desafiem a criança para que estas
possam se desenvolver. No caso específico do ensino da leitura levanto dois
questionamentos: Como os professores têm planejado pedagogicamente esse ensino
para crianças no início do período escolar? Aquilo que tem sido proposto às crianças
para que aprendam a ler tem se configurado de fato como atividade?
Não é possível aprofundar essas questões sem trazer à tona um dos primeiros
conceitos de atividade trazidos por Leontiev (2001, p.88, grifo nosso): “por esse termo
designamos apenas aqueles processos que, realizando as relações do homem com o
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mundo, satisfazem a uma necessidade especial correspondente a ele”. Assim, a
atividade não está relacionada a qualquer tipo de ação, mas para que possa satisfazer
essa necessidade especial ela precisa ter sentido para a criança e, consequentemente,
garantir a sua aprendizagem. E como saber de fato aquilo que faz sentido para a
criança? Mello (1999, p.11) apresenta essa resposta ao afirmar:
A atividade que faz sentido é aquela que permite a criança entrar emcontato com o mundo, aprende a usar os objetos que os homens foramconstruindo ao longo da história – os instrumentos, a linguagem, astécnicas, os objetos materiais e não materiais, tais como: a filosofia, adança, o teatro – e é isso que garante o desenvolvimento de aptidões,capacidades, habilidades em cada um de nós.
Dessa forma, a atividade possibilita àquele que aprende a envolver-se
intensamente naquilo que está fazendo, o que vai requerer do sujeito ter claro para si por
que realiza a atividade e estar desejoso do seu trabalho. Este é um dos aspectos
principais para que a criança se interesse no resultado que deverá alcançar ao final do
processo.
Conforme mencionei acima, estar em contato com salas de aulas do 2º ano
do Ensino Fundamental possibilitou-me vivenciar muitas situações em que as crianças
são submetidas ao ensino do ato de ler, definidas pelos professores como atividade.
Dentre as várias situações de ensino presenciadas, apresento uma observada no primeiro
contato que tive em uma determinada turma de uma escola da rede pública municipal
em São Luís do Maranhão. Nesse contato inicial, sem que mesmo eu perguntasse, a
professora da sala foi me identificando rapidamente cada criança, bem como
informando o seu nível de leitura: os que chegaram lendo, os que aprenderam a ler na
escola, os que ainda não liam (a grande maioria da sala), segundo seus critérios de
avaliação e de concepção de leitura.
Após esse momento de identificação, solicitou que as crianças tirassem o
caderno de Português para copiar uma atividade. Explicou-me que esta tarefa seria para
realização de leitura e assim eu obteria informações sobre o seu domínio pelas crianças.
Depois disso, começou a copiar, sem o auxílio de nenhum suporte, a lista de frases
apresentadas abaixo, numerando-as:
1) O sol brilha no céu.2) O macaco come banana.3) Mamãe é um amor.4) O sapato rasgou.5) Vovó preparou o chá.6) Eu fui à feira.7) A sacola é florida.
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8) Eu já sei ler.9) Gosto de sorvete.10) A caneta é azul.
À medida que a professora ia escrevendo com letra legível, de costas para as
crianças, observei que uma aluna, sentada em uma das cadeiras da frente, e que já
possuía o domínio da leitura, lia atentamente a atividade proposta pela professora e
balbuciava: “Eu não entendi”, repetindo por várias vezes essa expressão. Como a
professora estava copiando, me aproximei da criança e perguntei-lhe o que estava
falando e ela novamente repetiu: “Eu não entendi”. Indaguei sobre o que não estava
entendendo, ela sorriu e, talvez, por ainda não se sentir segura com a minha presença,
uma vez que era a primeira vez que me encontrava naquela sala, não respondeu. Cabe,
ainda, comentar, que esta criança foi a primeira que terminou de copiar, não solicitando
durante a realização da atividade, por nenhum momento, a ajuda da professora.
Nessas condições de ensino, percebi que a dificuldade de entendimento da
criança não estava relacionada ao registro das palavras ou frases, mas a própria
finalidade da tarefa apresentada pela professora. Esta, ao começar a escrever registrou o
nome da escola, a data e o nome atividade e, logo abaixo, escreveu as frases, o que me
leva a pensar que a criança talvez tenha sentido falta de um enunciado para explicação
da tarefa ou, ainda, poderia está fazendo os seguintes questionamentos: O que é para
fazer? Por quê? Para quê? Essa criança, por se diferenciar das demais, por já possuir o
domínio da leitura, talvez se tornasse mais exigente em relação ao que era oferecido
pela professora. Talvez sentisse necessidade de fazer uso da leitura como interação e
interlocução, experienciando a linguagem nas suas várias possibilidades, da mesma
forma como acontece em sua vida diária.
Dando continuidade à realização da atividade, a professora, após terminar de
escrever e esperar alguns minutos para que as crianças também concluíssem o trabalho,
explicou como seria realizada a tarefa: entregou um pincel de quadro para a primeira
criança da fila à direita e solicitou aos alunos que fossem passando o pincel de mão em
mão ao som de uma música junina, cuja letra estava registrada numa folha de papel
presa no quadro, trabalhada na aula anterior; em determinado momento, a professora
parava a música e a criança que estivesse com o pincel deveria vir para frente do quadro
e fazer a leitura de uma das frases, escolhida aleatoriamente pela professora.
As crianças que fizeram a leitura foram tanto aquelas que já o faziam
convencionalmente (em número de seis, em uma classe formada de trinta e cinco
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crianças), como as que ainda não conseguiam fazê-lo. Para estas últimas a professora
perguntava-lhes o nome das letras das palavras e para outras perguntava como fazia a
junção de uma letra com a outra.
A partir da situação apresentada considero necessário analisar se de fato foi
proposta uma Atividade para a criança. Para iniciar tal análise, é preciso voltar ao
objetivo da professora: informar à pesquisadora, pela via da decodificação, os níveis de
leitura das crianças, pois antes mesmo de começar a escrever ela não explicava aos
alunos sobre o que ia fazer e, nem mesmo, a sua finalidade; apenas solicitava que
usassem o caderno de português. Somente fez isso, após todos terminarem de escrever,
o que deveria ser ao contrário; a finalidade da atividade deveria ficar clara às crianças
antes que estas começassem a agir.
Se, conforme Leontiev (2001), a atividade deve responder a uma necessidade
especial para aqueles que a realizem, se é necessário ter um propósito reconhecido e
fazer sentido para que de fato haja aprendizagem, as crianças da cena apresentada não
puderam realizar, efetivamente, uma atividade, porque a ênfase do ensino do ato de ler
foi colocado sobre a relação grafofônica, como se isso fosse o essencial a ser dominado.
Além disso, a proposta apresentada pela professora foi realizada apenas para
responder a uma necessidade externa e não com o intuito de que as crianças
conhecessem, entendessem ou compreendessem algo, que respondesse a uma
necessidade de conhecer do grupo. O proposto nem mesmo considerava a função social
da leitura, ler para conhecer, saber, informar-se de algo, logo não pode ser caracterizada
como atividade. Leontiev aprofunda essa questão quando afirma: “por atividade,
designamos os processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo,
como um todo, se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o
sujeito a executar esta atividade, isto é, o motivo” (LEONTIEV, 2001, p.68).
Assim, toda atividade é dirigida a um objetivo, e deste objetivo deriva o
motivo do sujeito para executá-la e quando este objetivo responde de forma direta ao
motivo que o leva a agir, podemos perceber aí uma atividade em que se encontra
inteiramente mergulhado, exercitando suas funções psíquicas, aprendendo e se
desenvolvendo. No caso observado, o motivo possível é fazer o que a professora
mandou, ou exibir que sabe, mas não ler para conhecer o assunto do texto. Logo, a ação
humana tem sempre um objetivo, que precisa ser perseguido pelos que a executam e,
quando isso ocorre, ou seja, quando o motivo e o resultado coincidem, a atividade tem
sentido para os sujeitos da ação e, assim,
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Profundamente interessado no resultado, o sujeito está inteiramente naatividade, com todas as suas funções como a atenção, a memória, opensamento, os órgãos dos sentidos... a linguagem... e exercitando essasfunções desenvolve-se num processo que leva à aprendizagem e aodesenvolvimento. Assim, a realização de uma tarefa sob a forma de umaatividade leva o sujeito a se apropriar das aptidões, habilidades ecapacidades envolvidas nessa tarefa. (MELLO, 2003, p.33).
Para que determinada tarefa proposta em sala de aula pelo professor seja
considerada de fato uma atividade, é preciso levar em consideração os seguintes
aspectos: a necessidade, o motivo, o objetivo. Ao analisar cada um desses aspectos no
processo, fica claro que, segundo Leontiev (2001), a necessidade é o elemento motor da
atividade, está ligada a um motivo que, por sua vez, condiciona a atividade; o motivo é
aquilo para o qual a atividade se orienta e, por fim, o objetivo se projeta para a tarefa.
De acordo com Libâneo (2004), Davidov apresenta, ainda, o desejo como
mais um elemento que deve ser considerado na estrutura da atividade, pois os desejos,
bem como as necessidades “compõem a base sobre a qual as emoções funcionam. [...] O
termo desejo reproduz a verdadeira essência da questão: as emoções são inseparáveis de
uma necessidade. [...]” (LIBÂNEO, 2004, p.13).
Voltando à situação de sala de aula apresentada, compreendo que nenhum
desses aspectos foi observado para contemplar a aprendizagem das crianças e,
consequentemente, o seu desenvolvimento. A forma como a tarefa foi organizada e
desenvolvida pela professora tinha como única finalidade mostrar para alguém de fora
como as crianças se comportavam quando eram solicitadas a ler. Acredito que a escolha
do que vai ser oferecido para que os alunos leiam torna-se essencial, pois facilita a
atribuição de sentido para o que está diante dos olhos. Ao contrário, a professora
apresentou uma série de frases descontextualizadas, curtas, sem nenhuma relação entre
si, e que, de certa forma, não faziam sentido, porque o que estava em jogo era o aspecto
técnico.
Conclusão
Investigar sobre o ensino e a aprendizagem do ler na escola, principalmente
nas séries iniciais do Ensino Fundamental, pode ser visto como um tema que muito já se
investigou e, talvez, não houvesse mais muita coisa a ser dita. Entretanto, estando com
os pés na escola, percebo que o assunto ainda é causa de muita inquietação,
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especialmente dos professores, devido ao grande desafio de fazer com que seus alunos
se apropriem dessa competência.
Nesse contexto, percebo que no intuito de fazer com que as crianças
dominem o ato de ler muitas são as atividades elaboradas pelo professor para o
desenvolvimento dessa aprendizagem, entretanto, nem sempre estas fazem com que o
aluno aprenda a ler, mas ao contrário, aprenda a articular fonemas, a pronunciá-los.
Apoiada nos estudos sobre a Teoria da Atividade de Leontiev (2001)
comecei a compreender que, na verdade, muito daquilo que o professor propõe como
atividade em sala de aula não pode ser chamada de Atividade. Isso fica claro na situação
de aula apresentada, que carecia de objetivos e motivos claros que envolvessem e
desafiassem as crianças para sua realização; que respondessem a sua necessidade e ao
seu desejo.
Diante disso, considero importante e necessário que o professor tenha acesso
a essa discussão, pois na medida em que começa a refletir sobre o que de fato é
Atividade, passará também a repensar se o seu modo de ensinar a ler corresponde aos
verdadeiros interesses das crianças.
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