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A sustentação de um discurso crítico criminológico na Revista de Direito Penal e Criminologia (1971 1983) Fernanda Martins DOI 10.12957/dep.2014.12427 Revista Direito e Práxis, vol. 5, n. 9, 2014, pp. 118149. 118 A sustentação de um discurso crítico criminológico na Revista de Direito Penal e Criminologia (1971 1983) 1 The support of a critical criminological discourse in the Journal of Criminal Law and Criminology Revista de Direito Penal e Criminologia (19711983) Fernanda Martins 2 Resumo O presente trabalho tem por objeto demonstrar parte da conclusão da investigação realizada sobre o saber criminológico (re)produzido na Revista de Direito Penal e Criminologia (1971 a 1983), cujo objetivo central tratase de demonstrar o universo e o sentido da crítica que ingressou no Brasil neste momento histórico, através da referida Revista. Verificouse, portanto, que o universo do saber produzido, não obstante o acervo pesquisado não constituir um corpus discursivo monolítico ou homogêneo, ocorreu através de uma convergência de sentido da argumentação da deslegitimação do sistema penal, notadamente da pena de prisão no Brasil, substancialmente reconhecido por uma crítica criminológica estrutural. No presente artigo, reduzse a verificação da Revista à abordagem críticocriminológica, utilizando autores que estabelecem suas falas neste viés teórico para pensar quem e sobre o quê se publicava na Revista de Direito Penal e Criminologia. Palavraschave: Criminologia Crítica, Revista de Direito Penal e Criminologia, Deslegitimação do controle penal. Abstract This paper aims to demonstrate the final research of the investigation on the criminological knowledge (re)produced in the Journal of Criminal Law and Criminology Revista de Direito Penal e Criminologia (19711983), whose main purpose it is to demonstrate the universe and the meaning of the criticism that this historical moment produced in Brazil, through said magazine. It was found, therefore, that the universe of knowledge produced, despite the acquis researched not constitute a monolithic or homogeneous discursive corpus, occurred through a convergence towards the argument of lack of legitimization of the penal system, especially of imprisonment in Brazil, substantially recognized by a structural criminological critique. Keywords: Critical Criminology, Journal of Criminal Law and Criminology, delegitimization of criminal control. 1 Artigo recebido em 21/08/2014 e aceito em 11/11/2014. 2 Mestre em Teoria, Filosofia e História do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade do Vale do Itajaí. Email: [email protected]

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A  sustentação  de  um  discurso  crítico  criminológico  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)    

Fernanda  Martins

DOI  10.12957/dep.2014.12427  

Revista  Direito  e  Práxis,  vol.  5,  n.  9,  2014,  pp.  118-­‐149.  

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 A   sustentação   de   um   discurso   crítico   criminológico   na   Revista   de   Direito   Penal   e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)  1    

The  support  of  a  critical  criminological  discourse  in  the  Journal  of  Criminal  Law  and  Criminology  -­‐  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971-­‐1983)  

   

Fernanda  Martins2    

Resumo  

 O   presente   trabalho   tem   por   objeto   demonstrar   parte   da   conclusão   da   investigação  realizada   sobre   o   saber   criminológico   (re)produzido   na   Revista   de   Direito   Penal   e  Criminologia   (1971   a   1983),   cujo   objetivo   central   trata-­‐se   de   demonstrar   o   universo   e   o  sentido   da   crítica   que   ingressou   no   Brasil   neste   momento   histórico,   através   da   referida  Revista.  Verificou-­‐se,  portanto,  que  o  universo  do  saber  produzido,  não  obstante  o  acervo  pesquisado  não  constituir  um  corpus  discursivo  monolítico  ou  homogêneo,  ocorreu  através  de     uma   convergência   de   sentido   da   argumentação   da   deslegitimação   do   sistema   penal,  notadamente   da   pena   de   prisão   no   Brasil,   substancialmente   reconhecido   por   uma   crítica  criminológica  estrutural.  No  presente  artigo,  reduz-­‐se  a  verificação  da  Revista  à  abordagem  crítico-­‐criminológica,  utilizando  autores  que  estabelecem  suas   falas  neste  viés   teórico  para  pensar  quem  e  sobre  o  quê  se  publicava  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia.    

Palavras-­‐chave:  Criminologia  Crítica,  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia,  Deslegitimação  do  controle  penal.      

Abstract  This  paper  aims  to  demonstrate  the  final  research  of  the  investigation  on  the  criminological  knowledge  (re)produced  in  the  Journal  of  Criminal  Law  and  Criminology  -­‐    Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971-­‐1983),  whose  main  purpose  it  is  to  demonstrate  the  universe  and  the  meaning   of   the   criticism   that   this   historical  moment   produced   in   Brazil,   through   said  magazine.   It  was   found,   therefore,   that   the   universe   of   knowledge   produced,   despite   the  acquis  researched  not  constitute  a  monolithic  or  homogeneous  discursive  corpus,  occurred  through  a  convergence  towards  the  argument  of  lack  of  legitimization  of  the  penal  system,  especially  of   imprisonment   in  Brazil,   substantially   recognized  by  a   structural   criminological  critique.    Keywords:  Critical  Criminology,  Journal  of  Criminal  Law  and  Criminology,  delegitimization  of  criminal  control.    

1  Artigo  recebido  em  21/08/2014  e  aceito  em  11/11/2014.  2  Mestre  em  Teoria,  Filosofia  e  História  do  Direito  pela  Universidade  Federal  de  Santa  Catarina.  Professora  de  Direito  Penal  e  Criminologia  da  Universidade  do  Vale  do  Itajaí.  Email:  [email protected]  

A  sustentação  de  um  discurso  crítico  criminológico  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)    

Fernanda  Martins

DOI  10.12957/dep.2014.12427  

Revista  Direito  e  Práxis,  vol.  5,  n.  9,  2014,  pp.  118-­‐149.  

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 1.  Introdução    

A  esfera  do  poder   punitivo   representado  pelo  disciplinamento  e   pelo   enfoque  na  

pena   de   prisão,   consubstancia   o   poder   que   se   reconhece   como   repressivo.   O   presente  

trabalho  visa  construir,  diante  da  análise  das  Revistas  de  Direito  Penal  e  Criminologia,  no  que  

tange   a   deslegitimação   do   controle   penal,   um   aparato   dos   discursos   que   se   fizeram  

presentes   ao   longo   do   periódico   com   o   intuito   de   evidenciar   qual   era   o   argumento   dos  

juristas  que  reivindicavam  alguma  modificação  no  sistema  penal.    

Os  movimentos  desenvolvidos  na  década  de  1960  e  1970,  que  surgiram  como  um  

processo   de   elaboração   da   crítica   à   ordem   instituída,   relacionaram   a   sociedade   à  

criminalização,  colocaram  em  análise  os  discursos  penais  de  controle  social  através  do  viés  

materialista-­‐dialético,   fundamentaram   na   crítica   à   economia   de   exploração   do   sujeito  

marginalizado  e  das  noções  de  verificação  macro  e  microssociológicas  de  análise  do  objeto  

bem  constituído  através  do  seu  espaço  e  tempo.  Este  processo  no  viés  da  criminologia  pode  

ser   reconhecido  como  a  construção  da  criminologia  crítica,  a  qual   teve  como   fases  do  seu  

desenvolvimento   as   chamadas   “nova   criminologia”   e   a   “criminologia   radical”   (ANIYAR   DE  

CASTRO,  1983).    

Os   conceitos   de   criminologia   crítica   que   vão   definir   o   que   ora   se   entende   pelo  

saber,  serão  aos  poucos  complementados  pelas  falas  dos  autores  que  publicaram  ao  longo  

da  Revista  de  Direito  Penal   e  Criminologia.  A  primeira   conceituação  que   se  pode  aplicar   à  

criminologia  crítica  é  a  de  que  esta  se  refere  a  um  conhecimento  que  se  desenvolveu  a  partir  

“da   ‘Criminologia   Radical’   e   ‘da   nova   Criminologia’,   por   dentro   do   paradigma   da   reação  

social   e,   para   além   dele,   partindo   tanto   do   reconhecimento   da   irreversibilidade   dos   seus  

resultados  sobre  a  operacionalidade  do  sistema  penal  quanto  de  suas   limitações  analíticas  

macrossociológicas  e  mesmo  causais.”  (ANDRADE,  2012,  p.  52)    

É   imprescindível   para   se   compreender   do   que   se   trata   a   criminologia   crítica  

estabelecer   que   a   “criminologia   crítica   é   um   estado   avançado   do   conhecimento  

criminológico  que  conclui  pela  crítica  materialista  dos  processos  de  criminalização  nos  países  

de   capitalismo   avançado,”   (ANDRADE,   2012,   p.   52)   e   que   o   interesse   do   criminólogo   se  

formula  nos  processos  de  criminalização,  o  que  permite  perceber  que  a  saída  teórica  para  tal  

A  sustentação  de  um  discurso  crítico  criminológico  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)    

Fernanda  Martins

DOI  10.12957/dep.2014.12427  

Revista  Direito  e  Práxis,  vol.  5,  n.  9,  2014,  pp.  118-­‐149.  

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objeto   consiste   na   realização   do   “estudo   das   razões   estruturais   que   sustentam,   numa  

sociedade  de   classes,   o   processo  de  definição   e   de   enquadramento.”   (ANDRADE,   2012,   p.  

52)  

A   primeira   indicação   de   criminologia   crítica   na   Revista   de   Direito   Penal,   que  

posteriormente  passou  a  se  chamar  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia,  já  se  destaca  na  

sua  primeira  edição,  em  1971,  com  a  publicação  do  texto   intitulado  “Criminologia  Crítica”,  

de   W.H.   Nagel,   advogado   e   criminólogo   holandês   que   se   destacou   por   seus   estudos  

criminológicos  ao  longo  e  após  a  Segunda  Guerra  Mundial,  tendo  sido  esse  trabalho  fruto  de  

exposição  efetuada  pelo  autor  ao  VI  Congresso  Internacional  de  Criminologia,  realizado  em  

Madri,   em   setembro   de   1970.   Apesar   de   seu   texto   não   categorizar   sobre   definição   sobre  

criminologia  crítica  e  não  se  enquadrar  efetivamente  nos  critérios  estabelecidos  ao  conceito  

de   criminologia   crítica   apresentados   pelos   criminólogos   radicais   estadunidenses   e   pelos  

criminólogos  ingleses  da  nova  criminologia  de  Walton,  Young  e  Taylor,  Nagel  deixa  claro  que  

a  crítica  a   ser  efetuada  deve  partir  de  uma  nova  perspectiva;  ou  seja,  aquele  pensamento  

criminológico   anteriormente   posto   deve   questionar   essencialmente   os   motivos   que  

sustentam  a   contínua  discussão  em  âmbito   acadêmico  da   criminologia   tradicional   sobre  o  

mesmo  tipo  de  criminalidade,  a  chamada  criminalidade  convencional  que  ampara  os  crimes  

comuns,  definidos  principalmente  pelos  crimes  contra  a  propriedade  tais  como  furto,  roubo,  

estelionato,  etc.    

Nagel   desenvolve   um   discurso   referindo-­‐se   à   necessidade   da   crítica   na   área   da  

criminologia,  evidenciando  o  rompimento  há  um  longo  tempo  com  a  criminologia  etiológica,  

contudo,  afirma  que  os  congressos  dos  quais  havia  participado  recentemente  (1970)  ainda  

continuavam   discutindo   a   personalidade   do   criminoso   e   “outras   frivolidades”,   tais   como  

crimes  de  furtos  de  grandes  lojas  e  do  trabalho  na  prisão  (NAGEL,  1971,  p.75).  Essa  denúncia  

vem   como   resultado   de   um   questionamento   de   como   é   possível   após   a   humanidade   ter  

passado   pelos   horrores   da   Segunda   Guerra   Mundial   e   pela   prática   notória   do   genocídio  

continuar  a  discutir  pequenos  e  pontuais  problemas  que  envolvam  a  criminalidade.    

O   texto   citado   entra   em   destaque   para   inaugurar   no   presente   trabalho   a  

criminologia   crítica   na   Revista   como   um  marco   de   crítica   à   continuidade   de   pensamento  

tradicionalmente   marcado   pelo   paradigma   etiológico   e   pela   reprodução   do   pensamento  

A  sustentação  de  um  discurso  crítico  criminológico  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)    

Fernanda  Martins

DOI  10.12957/dep.2014.12427  

Revista  Direito  e  Práxis,  vol.  5,  n.  9,  2014,  pp.  118-­‐149.  

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criminológico  sem  análise  social  e  desvinculado  da  realidade,  nesse  caso,  europeia.  Ainda,  é  

relevante   o   diagnóstico   elaborado   pelo   autor,   no   sentido   de   que   há   um   processo   de  

reprodução   de   pensamento   estagnado   no   meio   do   pensamento   criminológico   e   que   a  

criminologia  crítica  vem  com  a  proposta  de  superação  dessa  ideia.    

O   fomento   à   reflexão   sobre   a   criminalidade   não   tradicional   se   desenvolve   no  

âmbito  do  paradigma  da  reação  social  como  um  novo  olhar  desmistificador  sobre  a  seleção  

dos   processos   de   criminalização,   tornando   evidente   a   problemática   de   que   o   crime   é  

praticado  por  todos,  independentemente  de  classe  social,  e  que  a  questão  está  nas  condutas  

e  nos  sujeitos  que  são  filtrados  até  serem  criminalizados  pelo  sistema.  

A  criminologia  crítica  sobre  a  qual  Nagel  se  refere  se  desenvolve  a  partir  da  noção  

de   que   a   própria   crítica   deve   ser   efetuada   através   de   reflexões   elaboradas   sempre   nos  

mesmos   termos,   sobre   os   mesmos   assuntos   e   sobre   a   necessidade   de   se   pensar   o  

terrorismo,  o  genocídio,  a  corrupção,  os  crimes  econômicos,  ou  seja,  a  condutas  que  afetam  

de  forma  mais  contundente  e  mais  ampla  a  sociedade.  

Sobre  o  acervo  do  periódico  utilizado  como  fonte  é  necessário  expor  que  o  total  de  

publicações   analisadas   foi   de   176   (cento   e   setenta   e   seis)   artigos,   dos   quais   132   (cento   e  

trinta   e   dois)   contemplavam   autores   brasileiros.   O   número   total   de   autores   brasileiros  

publicados  foi  56  (cinquenta  e  seis),  sendo  que  de  São  Paulo  foram  07  (sete)  juristas  e  do  Rio  

de  Janeiro  foram  24  (vinte  e  quatro).  Ainda  vale  destacar  que  as  publicações  de  vinculadas  

ao   Instituto   de   Ciências   Penais   e   à   Faculdade   Cândidos  Mendes   alcançaram  o   total   de   20  

(vinte)  autores.3    

De  acordo  com  o  quadro  que  ora  se  destaca,  revela-­‐se  a  separação  do  conteúdo  das  

seções   analisadas   em   08   (oito)   grandes   categorias,   as   quais   são:   1.   Direito   Penal,   2.  

Criminologia,  3.  Política  Criminal  e  crítica  à  prisão,  4.  Processo  Penal,  5.  Assuntos  diversos,  6.  

Biografias,  7.  Publicações  de  Roberto  Lyra  Filho  e  8.  Pesquisas.  

 QUADRO   01   -­‐   A   CRIMINOLOGIA,   O   PENALISMO   E   A   POLÍTICA                  CRIMINAL  NA  REVISTA  DE  DIREITO  PENAL  E  CRIMINOLOGIA  (1971  –  1983):  A  (DES)LEGITIMAÇÃO  DO  CONTROLE  PENAL.                                ÁREAS  DE  CONTEÚDO    E  ARTIGOS  CONSULTADOS  ORDEM   ÁREA  DE  ESTUDO   ARTIGOS  

3  Os  índices  oficiais  são  apresentados  nas  Revistas  n.  15/16  e  n.  30.  

A  sustentação  de  um  discurso  crítico  criminológico  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)    

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Revista  Direito  e  Práxis,  vol.  5,  n.  9,  2014,  pp.  118-­‐149.  

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CONSULTADOS  1   DIREITO  PENAL   76  2   CRIMINOLOGIA   24  3   POLÍTICA  CRIMINAL  E  CRÍTICA  À  

PENA  DE  PRISÃO  24  

4   PROCESSO  PENAL   25  5   BIOGRAFIAS   09  6   TEMÁTICAS  DIVERSAS   10  7   ROBERTO  LYRA  FILHO   05  8   PESQUISAS   03  

TOTAL  DE  ARTIGOS  CONSULTADOS   176    

A   história   da   Revista   trata-­‐se   da   história   recente   do   direito   penal   que  

substancialmente  denuncia   a  pena  de  prisão,   da   criminologia   crítica   e  da   reivindicação  de  

novos  olhares  sobre  a  política  criminal  no  Brasil.  Portanto,  no  presente  trabalho  propõe-­‐se  

demonstrar   fragmentos   dessa   história,   apresentando   de   que   forma   os   autores   brasileiros  

trouxeram  as  teorias  latino-­‐americanas  e  dos  países  centrais  à  realidade  e  à  necessidade  do  

Brasil  diante  da  perspectiva  macrossociológica.    

Assim,   visa-­‐se   através   de   breves   exposições   que   serão   apresentadas   a   partir   dos  

escritos  publicados  na  Revista,  demonstrar  o   conteúdo  daquilo  que  é  dito  e  daqueles  que  

participaram  dessa  história  de  crítica  ao  controle  penal.    

De   acordo   com   as   tabelas   que   se   apresentam   abaixo   é   possível   demonstrar   que  

dentro   de   todo   o   campo   da   criminologia,   ocorreu   uma   superação   de   publicações   na   sua  

vertente   crítica   sobre   as   demais   temáticas.   Ainda,   é   verificável   a   influência   de  Alessandro  

Baratta   nas   publicações,   haja   vista   os   autores   que   ora   são   apresentados   como   críticos  

utilizarem  a  perspectiva  de  Baratta  como  indicação  conceitual  de  suas  escritas.    

 

TABELA  01  –  CRIMINOLOGIA                      

Total  de  artigos  consultados  com  abordagem  do  campo  da  Criminologia  FONTE:  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  a  1983).  

 

 ORDEM  

   TEMA  

 QTDE  

1   CRIMINOLOGIA  DA  NOVA  DEFESA  SOCIAL   03  2   CRIMINOLOGIA  LIBERAL   14  3   CRIMINOLOGIA  CRÍTICA   18  4   CRIMINOLOGIA  POSITIVA  /  DEFESA  SOCIAL   09  

TOTAL   43  

A  sustentação  de  um  discurso  crítico  criminológico  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)    

Fernanda  Martins

DOI  10.12957/dep.2014.12427  

Revista  Direito  e  Práxis,  vol.  5,  n.  9,  2014,  pp.  118-­‐149.  

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 TABELA  02  –  CRIMINOLOGIA  CRÍTICA  

                 

Total  de   artigos  consultados   com  abordagem   do  campo  da  Criminologia   Crítica  

FONTE:  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  a  1983)    

Tal   acervo   fundamenta   a   seleção   dos   autores   que   aqui   se   escolhem   para  

representar  parte  das  publicações  realizadas  ao  longo  da  Revista.    

 

2.1 Alessandro  Baratta  e  a  criminologia  crític  

Tem-­‐se   como   primordial   para   compreender   o   processo   de   construção   do  

pensamento  da  criminologia  crítica  no  Brasil  a  partir  do  que  se  produziu  na  Revista  de  Direito  

Penal   e   Criminologia,   a   verificação   de   um   referencial   teórico   devidamente   delimitado,  

conceituando-­‐se  a  criminologia  crítica  a  partir  do  seu  grande  definidor,  Alessandro  Baratta.  

Todavia,   para   que   o   propósito   da   presente   pesquisa   se   concretize   aos   olhos   do   leitor,   no  

sentindo   de   experienciar   também   o   desenvolvimento   teórico   que   ocorre   no   interior   da  

Revista,  decidiu-­‐se  utilizar  majoritariamente  aquilo  que  se  publicou  nas  Revistas  e,  assim,  a  

partir   daqueles   e   daquilo   que   a   Revista   enuncia,   constituir   o   que   se   pode   entender   por  

criminologia  crítica.  As  poucas  inclusões  que  foram  feitas  que  extravasam  as  publicações  nas  

Revistas   são   conteúdos   dos   próprios   autores   que   complementam   as   exposições   teóricas  

apresentadas   nos   textos   abordados   nas   próprias   Revistas   e,   ainda,   algumas   colocações  

nossas  de  caráter  elucidativo.  

A  escolha  por  Alessandro  Baratta  como  principal  marco   teórico  ocorreu  devido  às  

suas  publicações  terem  sido  as  mais  significativas  nas  Revistas  no  que  tange  à  criminologia  

crítica  e  seus  fundamentos  conceituais.  

 ORDEM  

   AUTORES  

 QTDE  

1   ALESSANDRO  BARATTA   03  2   LOLA  ANIYAR  DE  CASTRO   03  3   ORLANDO  SOARES   01     JUAREZ  CIRINO  DOS  SANTOS   07     AUGUSTO  THOMPSON   01     ARGENIS  RIERA  ENCINOZA   01     W.H.  NAGEL   01  4   WANDA  DE  LEMOS  CAPPELER     01  

TOTAL   18  

A  sustentação  de  um  discurso  crítico  criminológico  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)    

Fernanda  Martins

DOI  10.12957/dep.2014.12427  

Revista  Direito  e  Práxis,  vol.  5,  n.  9,  2014,  pp.  118-­‐149.  

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Além   de   o   autor   construir   em   momentos   diversos   o   percurso   da   criminologia   e  

definir   de   forma   pontual   as   características   de   cada   momento   passado   pelo   pensamento  

criminológico4,   Baratta   desenvolve   em   todas   as   suas   análises   e   discursos   às   premissas   da  

criminologia  crítica.    

Da  mesma   forma,   com  a  mesma  atuação,  mas  em   relação  ao  pensamento   latino-­‐

americano,  optou-­‐se  por  referencial  das  “terras  de  cá”,  Lola  Aniyar  de  Castro.  A  opção  que  

se  fez  pela  autora  se  deve  também  às  suas  publicações  (ANIYAR  DE  CASTRO,  Lola.  A  evolução  

da  teoria  criminológica  e  a  avaliação  de  seu  estado  atual.  Revista  de  Direito  Penal.  Rio  de  

Janeiro,   Editora   Forense,  n.   34,   jul.-­‐   dez.   1982.;  ANIYAR  DE  CASTRO,   Lola.   Sistema  penal  e  

sistema  social:  a  criminalização  e  a  descriminalização  como  funções  de  um  mesmo  processo.  

Revista  de  Direito  Penal.  Rio  de  Janeiro,  Editora  Forense,  n.  30,  jul.-­‐  dez.  1980),  as  quais  se  

destacaram   pelo   olhar   continuadamente   crítico   e   de   desconstrução   do   conservadorismo  

intelectual.    

Ainda,   a   opção   que   se   fez   por   destacá-­‐la   ocorreu   em   razão   da   sua  

representatividade  na  filosofia  inerente  à  criminologia  crítica,  ou  seja,  como  uma  mulher  de  

contínua   transformação   intelectual   e   prática,   uma   militante   acadêmica   e   política   em  

constante  busca  da  práxis.    

Alessandro  Baratta  delimita  de  forma  crucial  o  percurso  teórico  da  Revista,  no  que  

tange   à   criminologia.   As   suas   produções   revelam   o   mito   que   sustenta   a   prática   da  

4  Alessandro  Baratta  apareceu  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  em  três  momentos  diferentes  com  publicações   suas   (BARATTA,   Alessandro.     Criminologia   e   dogmática   penal:   o   passado   e   futuro   do   modelo  integral   da   Ciência   Penal.  Revista   de  Direito   Penal.     Rio   de   Janeiro,   Editora   Forense,   n.   31,   jan.-­‐   jun.   1981.;  BARATTA,   Alessandro.   Criminologia   crítica   e   política   criminal   alternativa.   Revista   de   Direito   Penal.     Rio   de  Janeiro,  Editora  Forense,  n.  23,  jul.-­‐  dez.  1978.;  BARATTA,  Alessandro.  Marginalidade  social  e  justiça.  Revista  de  Direito   Penal.   Rio   de   Janeiro,   Editora   Revista   dos   Tribunais,   n.   21-­‐22,   jan.-­‐   jun.   1976.)   e   em   diversos   textos  como  referencial  teórico  (CAPPELER,  Wanda  Maria  de  Lemos.  Criminalidade  estrutural:  aspectos  ideológicos  do  controle  social.  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia.  Rio  de  Janeiro,  Editora  Forense,  n.  34,  jul.-­‐  dez.  1982.;  ANIYAR  DE  CASTRO,   Lola.     A   evolução  da   teoria   criminológica   e   a   avaliação  de   seu   estado   atual.  Revista   de  Direito  Penal.  Rio  de  Janeiro,  Editora  Forense,  n.  34,  jul.-­‐  dez.  1982.;  ANIYAR  DE  CASTRO,  Lola.  Sistema  penal  e  sistema  social:  a  criminalização  e  a  descriminalização  como  funções  de  um  mesmo  processo.  Revista  de  Direito  Penal.   Rio   de   Janeiro,   Editora   Forense,   n.   30,   jul.-­‐   dez.   1980.;   SANTOS,   Juarez   Cirino   dos.   Defesa   social   e  desenvolvimento.  Revista   de  Direito   Penal.  Rio   de   Janeiro,   Editora   Forense,   n.   26,   jul.-­‐   dez.   1979.;   SANTOS,  Juarez  Cirino  dos.  Violência  institucional.  Revista  de  Direito  Penal.  Rio  de  Janeiro,  Editora  Forense,  n.  28,  jul.-­‐  dez.  1980.)    

A  sustentação  de  um  discurso  crítico  criminológico  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)    

Fernanda  Martins

DOI  10.12957/dep.2014.12427  

Revista  Direito  e  Práxis,  vol.  5,  n.  9,  2014,  pp.  118-­‐149.  

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criminologia  tradicional  e  os  discursos  conservadores  que  relacionam  a  criminalidade  a  um  

viés  ontológico  de  determinação  do  sujeito  perigoso  e  doente.  

De  acordo  com  os  dados  verificados,  é  possível  demonstrar  que  dentro  de  todo  o  

campo  da  criminologia,  ocorreu  uma  superação  de  publicações  na  sua  vertente  crítica  sobre  

as  demais  temáticas.  Ainda,  é  verificável  a  influência  de  Alessandro  Baratta  nas  publicações,  

haja   vista   os   autores   que   se   apresentam   como   críticos   ao   longo   da   Revista   utilizarem   a  

perspectiva  de  Baratta  como  indicação  conceitual  de  suas  escritas.    

 

2.1.1 A  seletividade  do  sistema  penal  

A   primeira   produção   de   Alessandro   Baratta   na   Revista   de   Direito   Penal   e  

Criminologia  ocorreu  na  edição  de  número  21-­‐22   (jan.  –   jun.  1976),  cujo   título  do  artigo  é  

“Marginalidade  social  e  justiça”.  Nesse  trabalho,  Baratta  expôs  que  a  nova  lei  penitenciária  

italiana  definiu  os  princípios  que  norteiam  a  prisão  e  a  sua  finalidade,  elencando  como  fim  

último  da  pena  a  reeducação  ou  ressocialização.  A  partir  de  tais  premissas,  o  autor  revisou  o  

conceito  de  marginalidade  e  sua  influência  na  justiça  penal  e  carcerária.    

O   autor   afirmava,   preliminarmente,   que   a   população   prisional   é   proveniente   das  

áreas  marginalizadas  da  sociedade,  e  que  tal  compreensão  sobre  o  sistema  penal,  esclarece  

uma  necessária  mudança  no  pensamento  criminológico  sobre  a  esfera  penal:  não  se  pode  

falar   em   ressocialização,   pois,   tendo   em   vista   tanto   o   “elemento   cético”   de   descrença   na  

possibilidade  da  prisão  reestruturar  alguém,  ou  o  “elemento  realístico”  (BARATTA,  1976,  p.  

5),   de   que   não   existe   ressocialização   ou   reeducação.   A   partir   da   verificação   dessa  

inexistência   deixa-­‐se   de   se   crer   efetivamente   na   falácia   dos   princípios   que   sustentam   a  

prisão,  ou  seja,  a  crença  na  ressocialização  deve  ser  substituída  pela  compreensão  de  que  se  

trata   de   um   processo   de   socialização,   tendo   em   vista   a   impossibilidade   de   se   reinserir  

alguém  num  espaço  no  qual  ele  nunca  teve  inserção  social  anterior.    

Baratta  evidencia  que  o  encarceramento  vem  como  resultado  de  um  processo  de  

seleção  do  sistema,  o  qual  se  utiliza  da  sua  “rede  fina  social  de  punição”  para  determinar  os  

sujeitos   a   serem  punidos   pelo   sistema  penal,   e   que   tal   rede   fina   de   punição   possui   como  

objetivo   “dar   a   cada   comportamento   individual   padrões   e   conhecimento   relativos   aos  

diferentes  status  e,  dessa  forma,  distribuir  o  próprio  status.”  (BARATTA,  1976,  p.  6)    

A  sustentação  de  um  discurso  crítico  criminológico  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)    

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Ainda   numa   perspectiva   de   criação   e   reprodução   das   funções   institucionais   da  

sociedade,  Baratta  determina  a  relação  existente  entre  o  sistema  de  educação  e  o  sistema  

penal,  evidenciando  que  a  função  que  sustenta  ambos  os  discursos  é  a  mesma:  o  controle  

social.  Para  tanto,  há  a  necessidade  de  reproduzir  e  assegurar  as  relações  existentes,  ou  seja,  

“manter   a   realidade   social”   e   a   falácia   do   discurso   de   mérito,   discurso   este   que   é   o  

determinante  para  dividir  a   sociedade  no  que  o  autor   chama  de  “União  da  Maldição”.  Tal  

“maldição”  constrói  a  noção  de  que  há  uma  dicotomia  entre  a  sociedade  de  bem,  composta  

por   cidadãos   que   vivem   numa   realidade   social   condizente   com   a   imposição   institucional  

versus  o  sujeito  do  mal,  aquele  que,  de  acordo  com  as  vozes  da  criminologia  tradicional,  é  

identificado  como  possuidor  de  uma  predisposição  ao  crime.  

Essa   análise   é   pertinente   principalmente   para   assegurar   a   compreensão   daqueles  

que  abordam  os  estudos  da  criminologia  e  do  direito  penal  de  que  a  finalidade  proposta  pelo  

discurso  oficial,  entendido  pela  formulação  do  texto  legal  e  da  compreensão  dogmática,  está  

repleta   de   incompatibilidades   cognitivas   com   a   sociedade   e,   ainda,   que   esse   discurso  

reproduz   uma   lógica   na   qual   os   sujeitos   de   classes   sociais   mais   desamparadas   estão  

efetivamente  abandonados  pelo  sistema,  já  que  são  colocados  numa  roda  de  reprodução  de  

status  social  que  os  impede  de  modificar  quaisquer  condições  sociais  e  econômicas.    

Nessa   lógica,   o   fim   da   estrada   social   que   percorre   o   indivíduo   pobre   se   dá   no  

sistema   penal,   o   qual   possui   como   finalidade   selecionar   e   segregar   a   clientela   do   sistema  

através  de  mecanismos  legislativos  que  produzem  e  reproduzem  a  “criminalização  seletiva”,  

tendo  como   início  a  diferenciação  da  “formulação   técnica  dos  crimes”   (BARATTA,  1976,  p.  

11),  priorizando  e  articulando  com  mais  gravidade  as  penas  relacionadas  aos  crimes  contra  o  

patrimônio  e  às  drogas,  crimes  que  se  dedicam  a  punir  “as  formas  de  desvio  de  grupos  que  

são  socialmente  mais  fracos  e  alienados.”  (BARATTA,  1976,  p.  11)  

Enfim,   como   determinante   para   compreensão   do   que   se   propõe,   Baratta   busca  

romper   com  a   ilusão  da   ideologia  penal   da   reinserção,   e   assim  denuncia   a   função   real   do  

sistema   penitenciário:   a   “construção   e   a   manutenção   de   uma   forma   de   marginalização”  

(BARATTA,   1976,   p.   21).   Desse   modo,   Baratta   ao   desmistificar   a   função   da   pena   e   sua  

inoperabilidade   abre   espaço   para   se   discutir   como   é   possível   se   pensar   numa   nova  

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possibilidade  para  o   sistema  penal,   discussão  que  o  autor  passa  a  desenvolver   a  partir  do  

enfoque  nas  políticas  criminais.    

 

2.1.2 Por  uma  política  criminal  alternativa  

Para  tanto,  e  como  determinante  para  compreensão  da  criminologia  crítica,  Baratta  

evidencia   a   relação   que   há   na   sociedade   capitalista   com   o   encarceramento   no   tocante   à  

manutenção  de  um  status  de  pobreza  vinculado  ao  de  encarcerado.  Para  tanto,  relaciona,  a  

partir   de   Rusche   e   Kirchheimer,   “o   nexo   histórico   entre   o   cárcere   e   a   fábrica,   entre   a  

introdução   do   sistema   carcerário   e   a   transformação   de   uma   massa   indisciplinada   de  

camponeses”  (BARATTA,  1978,  p.  13).  No  mundo  do  capitalismo  moderno,  Baratta  designa  

que  para  se  fazer  uma  criminologia  crítica  deve-­‐se  ter  como  perspectiva  a  superação  da  ideia  

de  política  penal  e  a  consolidação  de  uma  prática  de  política  criminal  alternativa.  (BARATTA,  

1978,  p.  15)  

O   artigo   publicado   como   “Criminologia   crítica   e   política   criminal   alternativa”   na  

Revista   de   Direito   Penal,   n.   23   (jul.   –   dez.   1976),   tem   como   escopo   fundamentar   a  

implementação  e  a  prática  de  uma  política  criminal  alternativa,  que  se  sustenta  num  viés  da  

teoria  materialista  da  conduta  desviante  e  da  criminalização.    

Essa  política  criminal  alternativa  pode  ser  percebida  como  a  superação  do  sistema  

penal   como   meio   de   solução   dos   conflitos   sociais   e   que   tem   como   perspectiva   o  

reconhecimento   de   que   não   há   solução   através   de   reformas   penais,   e   sim   através   de  

reformas   sociais   e   institucionais.   Tais   reformas   sociais   e   institucionais   devem,   no   entanto,  

conviver  com  a  obrigação  de  possibilitar,  acima  de  tudo,  o  “desenvolvimento  da  igualdade,  

da   democracia,   das   formas   de   vida   comunitárias   e   civil   alternativas   e   mais   humanas,   do  

contrapoder   proletário,   em   vista   da   transformação   radical   e   da   superação   das   relações  

sociais   capitalistas”   (BARATTA,  1978,  p.   15),   colocando  efetivamente  o  direito  penal   como  

última  instância  de  controle.    

As   práticas   sugeridas   como   solução   para   aplicação   de   uma   política   criminal  

alternativa  que  compactue  com  os  preceitos  estabelecidos  pela  criminologia  crítica  são  as  de  

que  deve  haver  a   implementação  de  uma  política   criminal   alternativa,   cujo   foco  esteja  no  

capitalismo  e  na   função  do   cárcere  dentro  da   sociedade,  para   isso,  o  autor   sugere  que   se  

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efetuem   as   seguintes   modificações   nas   práticas   institucionais:   a)   maior   representação  

processual  em  favor  dos  interesses  coletivos  (criminalidade  econômica,  desvios  criminais  do  

Estado,   crime   organizado);   b)   contração   máxima   do   sistema   punitivo,   através   da  

despenalização   das   condutas   e   alternativas   de   socialização;   d)   abolição   da   instituição  

carcerária;  c)  controle  das  mídias  no  tocante  à  opinião  pública  e  dos  processos   ideológicos  

que  realizam  como  base  desigual  do  direito  penal,  pois  estes  ativam  os  processos  informais  

de  reação  à  conduta  desviante  e  à  criminalidade;  e,  por  último,  e)  a  própria  superação  do  

direito  penal.  (BARATTA,  1978,  p.  14-­‐21)  

Como  sugestão  também  de  uma  superação  do  que  enfrenta  a  dogmática  penal  e  a  

criminologia  como  fracassos  frente  à  continuidade  do  sistema  punitivo,  Baratta  sugere  que  o  

alcance   dessa   política   criminal   alternativa   só   vai   ser   possível   quando   a   lei   penal   for  

compreendida  a  partir  de  estudos  criminológicos  que  elaborem  reflexões  sobre  a  sociedade  

e  sobre  a  criminalização  primária  de  forma  integrada,  ou  através  de  estudos  político-­‐sociais  

e  da  lei  penal  realizados  em  comunhão  de  forças  para  alcançar  análises  eficientes  sobre  os  

casos  concretos  de  cada  Estado  em  seu  espaço  e  tempo.  

A   compreensão   de   que   uma   sociedade   livre   é   aquela   que   dá   liberdade   aos   seus  

cidadãos,   faz-­‐se  entender  que  uma  “sociedade   igualitária  é  aquela  que  deixa  o  máximo  de  

liberdade  à   expressão  do  diverso,   porque  a  diversidade  é,   exatamente,   o  que   a   igualdade  

garante.”  (BARATTA,  1978,  p.  21)  

As  ideias  do  autor  que  aqui  brevemente  se  expôs  fundamentam  o  pensamento  que  

desenvolve  fortemente  o  campo  da  criminologia  crítica  a  partir  dos  anos  de  1960  no  mundo  

todo.   Por   tal   razão   e   ainda   somada   suas   publicações   no   periódico,   decide-­‐se   destinar   tal  

espaço  no  presente  trabalho  para  tentar  demonstrar  qual  era  o  pensamento  de  Baratta  que  

ingressava  no  Brasil  através  da  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  e  sua   influência  nas  

demais  produções.    

 

2.2 América   Latina   e   a   criminologia   crítica   na   Revista   de   Direito   Penal   e  

Criminologia  

Verifica-­‐se   que   Baratta   se   consolida   como   um   grande   símbolo   do   pensamento  

crítico-­‐criminológico  de  vertente  européia  e  sua  obra  alcança  significativamente  o  Brasil  e  a  

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América  Latina.  Na  América  Latina,  o  processo  de  ingresso  do  paradigma  da  reação  social  e  

da   criminologia   crítica   constituiu   um   fenômeno   de   emancipação   metodológica   de   alguns  

setores,  visto  que  diante  da  tradução5  desse  paradigma  se  fomentou  o  reconhecimento  dos  

sujeitos  latino-­‐americanos  como  pesquisadores  com  os  seus  próprios  olhares  no  tocante  às  

pesquisas  criminológicas  e  políticas  criminais.  Assim,  através  da  perspectiva  de  se  apropriar  

de  teorias  estrangeiras  e  levá-­‐las  às  raízes  locais  em  seu  tempo,  espaço  e  método,  inaugura-­‐

se  na  América  Latina  a  percepção  de  uma  tradução  da  criminologia.    

Como   a   representante   do   maior   e   mais   significante   núcleo   de   estudos  

criminológicos   do   século   XX   em   terras   latino-­‐americanas,   o   grupo   de   pesquisa   da  

Universidade  de   Zulia,   em  Maracaibo   (Venezuela),   Lola  Aniyar  de  Castro   surgiu  na  Revista  

como   uma   voz   de   recepção   e   posterior   tradução   das   teorias   estadunidenses   e   europeias  

sobre   a   criminologia   crítica   e   o   paradigma   da   reação   social.   Lola   Anyiar   de   Castro   aborda  

seus  textos  através  de  uma  narrativa  de  trabalhos  e  pesquisas  realizadas  em  diversos  países  

da  América  Latina  com  o  objetivo  de  lutar  pelo  enfrentamento  contra  os  problemas  sociais  

que  se  destacam  nos  países  latino-­‐americanos,  e  ainda  pela  relevância  do  novo  objetivo  da  

pesquisa  da  reação  social:  romper  com  a  planificação  social.  

A  partir  da  frase  “a  crítica  não  pode  ser  outra  coisa  senão  a  denúncia  materialista  da  

injustiça  social”  (ANIYAR  DE  CASTRO,  2005,  p.  62),  Lola  extrai  toda  a  sua  preocupação  com  o  

momento   em   que   se   encontra   a   América   Latina   e   denuncia   a   injustiça   social   como   o  

resultado  do  sistema  capitalista  que  corrói   todas  as  possibilidades  de  uma  sociedade  mais  

igualitária.  A  autora  ainda  destaca  o  sistema  penal  e  o  encarceramento  como  consequência  

da   estrutura   econômica   em  que   se   encontra   a   sociedade  do   século   XX,   afirmando  que   “a  

sociedade  capitalista  é,  pois,  podemos  dizê-­‐lo,  uma  sociedade  altamente  negativa,  egoísta  e  

criminosa  por  natureza”.  (ANIYAR  DE  CASTRO,  1983,  p.  26)  

O   processo   de   construção   do   seu   pensamento   crítico   vai   atravessar   o   próprio  

conceito  de  criminologia  da  reação  social,  o  qual  é  evidenciado  por  se  tratar  de  sentimentos  

e  reações  despertadas  nos  indivíduos  a  partir  da  prática  de  um  crime  e  que  pode  variar  em  

5  Refere-­‐se  à  perspectiva  de  Sozzo,  na  qual  se  assume  que  os  estudos  criminológicos  tenham  ingressado  nos  países   latino-­‐americanos  e  absorvidos  à   sua   realidade  e  ao   seu   tempo,  preenchendo  a   ideia  de  pensamento  alinhado  a  certo  contexto,  constituindo-­‐se,  assim,  em  tradução.  

A  sustentação  de  um  discurso  crítico  criminológico  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)    

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função  do  grupo  que  reage  e  da  demanda  social  num  determinado  espaço  e  tempo.  (ANIYAR  

DE  CASTRO,  2005,  p.  14)      

Percebe-­‐se,   na   obra   de   Lola,   que   para   se   compreender   a   criminologia   da   reação  

social   na   América   Latina   deve-­‐se   ter   de   forma   esclarecida   que   o   objeto   da   criminologia  

crítica  não  é  somente  o  estudo  do  comportamento  desviante,  mas  também  que  são  objetos  

desta   todos   os   comportamentos   que   lesam   bens   protegidos   pela   carta   dos   direitos  

humanos.  Desta  forma,  a  criminologia  crítica  se  consolida  como  um  exercício  de  penetrar  na  

análise  das  normas  sociais  e  do  comportamento  desviante  em  geral,  visto  que  estudar  as  leis  

penais  leva  ao  estudo  de  interesses  dominantes.  (ANIYAR  DE  CASTRO,  2005,  p.  54-­‐55)  

Para  compreensão  da  tradução  do  paradigma  da  reação  social  na  América  Latina,  é  

também   relevante   falar-­‐se   numa   criminologia   crítica   marxista,   haja   vista   1)   o   delito   ser  

reconhecido  como  um  fenômeno  dependente  do  modo  de  produção;  2)  ser  a  lei  penal  uma  

estrutura   dependente   desse   sistema   de   produção;   3)   ser   o   direito   uma   IDEOLOGIA   e   não  

uma  ciência;  e  4)  devido  ao  fato  de  utilizar  como  método  o  materialismo  histórico  (ANIYAR  

DE  CASTRO,  2005,  p.  162),  e  ainda  ter  como  tarefa  principal  criar  “uma  sociedade  na  qual  os  

fatos  da  diversidade  humana,  seja  essa  pessoal,  orgânica  ou  social,  não  estejam  sujeitos  ao  

poder  de  criminalizar”;  ou,  como  disse  Marx  “o   importante  não  é  conhecer  o  mundo,  mas  

transformá-­‐lo.”  A  epistemologia  marxista  utilizada  se  depreende  com  clareza:  é  histórica,  é  

concreta,   é   social,   é   dialética,   é   totalizante,   requer   interdisciplina   e   é   eminentemente  

prática.  (ANIYAR  DE  CASTRO,  2005,  p.  162-­‐163)  

Destarte,  é  necessário  expor  que  a  consolidação  desse  viés  crítico  da  criminologia  

apresentado  por  Lola  só  poderá  ocorrer  caso  se  desenvolva  um  método  de  conhecimento,  

cujo  processo  se  dá  através  da  elaboração  de  um  conhecimento  prático,  social  e  histórico,  e  

no  qual  se  faz  indispensável  a  interdisciplinaridade  e  o  trabalho  coletivo,  sendo  formado  por  

contribuições  individuais  que  objetivem  o  desenvolvimento  de  uma  teoria  própria.    

Expôs-­‐se   até   então   o   pensamento   de   Lola   a   partir   de   suas   matrizes   teóricas  

presentes   em   suas   obras   externas   à   Revista,   pois   se   compreendeu   como   necessária   tal  

exposição  para   introduzir  e   solidificar  os  conceitos  que  determinaram  suas  publicações  no  

periódico.    

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Já   no   tocante   à   exposição   de   seus   pensamentos   na   Revista   de   Direito   Penal   e  

Criminologia,   Lola   é  destaque  em  dois  momentos   com  as  publicações   intituladas   “Sistema  

penal  e  sistema  social:  a  criminalização  e  a  descriminalização  como  funções  de  um  mesmo  

processo”  (n.  30  –  jul.  a  dez.  1980)  e  “A  evolução  da  teoria  criminológica  e  a  avaliação  de  seu  

estado  atual”  (n.  34  –  jul.  a  dez.  1982),  e,  ainda,  com  a  apresentação  da  pesquisa  de  âmbito  

internacional  que  ela  coordena  junto  ao  grupo  de  pesquisa  de  Zulia  e  ao  de  Montreal,  com  o  

objetivo  de  fazer  um  estudo  comparado  das  realidades  sociais  e  dos  estudos  criminológicos  

em  diversos  países  da  América  Latina  e  no  Canadá  (Revista  de  Direito  Penal  n.  25  –  jan.  a  jun.  

1978).    

 

2.2.1 A   seletividade   do   sistema   penal   e   a   proposta   de   política   criminal  

alternativa  

No   primeiro   trabalho   apresentado   na   Revista,   “Sistema   penal   e   sistema   social:   a  

criminalização  e  a  descriminalização  como  funções  de  um  mesmo  processo”,  a  autora  parte  

de  uma  questão-­‐chave  como  base  para  o  que  vai  ser  discutido  ao  longo  do  texto.  A  partir  da  

interrogação    “Como  se  criminaliza?”  questiona-­‐se  como  se  dá  o  processo  de  criminalização  

dos   sujeitos   e   qual   a   relação   desse   processo   com   a   criminologia   e   as   consequências   em  

âmbito  social.    

Como  resposta  ao  questionamento,  Lola  evidencia  que  o  processo  de  criminalização  

ocorre  a  partir  de  um  sistema  de  classes  que  seleciona  quem  e  como  punir  através  de  três  

momentos:   (1)   O   processo   de   criminalização   se   dá   a   partir   de   condutas   que   estão  

relacionadas  à  maneira  e  às  condições  de  vida  dos  setores  marginais,  portanto,  criminalizam-­‐

se  massivamente  os  sujeitos  marginalizados;  (2)  Os  sujeitos  que  passam  pela  criminalização  

podem  ser  apontados  como  indivíduos  pertencentes  aos  setores  marginalizados  e  a  grupos  

subculturais   desprovidos   de   poder,   que   não   representam   setores   socioeconômicos   de  

destaque   nos   meios   do   cotidiano   social   (ANIYAR   DE   CASTRO,   1980,   p.   12);   (3)   O   tipo   de  

tratamento  ou   sanção   selecionada  para  punir   define   também  o  estigma  daquele  que  está  

sendo  selecionado  com  o  processo  de  criminalização,  e  esse  momento  de  definição  de  qual  

tipo  de  tratamento  ou  qual  sanção  atribuir  ao  indivíduo  possui  uma  função  verificadamente  

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Fernanda  Martins

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reprodutora   do   sistema,   haja   vista   a   prisão   ser   o   elemento-­‐base   do   conceito   de  

criminalização  em  espiral.  (ANIYAR  DE  CASTRO,  1980,  p.  13)  

A  referida  criminalização  em  espiral  exposta  por  Lola  perpetua  a  lógica  maniqueísta  

do  sistema,  na  qual  se  encarceram  os  pobres,  compreendidos  como  sujeitos  voltados  para  o  

mal,  e  não  se  criminalizam  os  ricos,  coletividade  do  bem.  A  ideia  de  espiral  reflete  a  rotina  

do  sistema,  cuja  função  de  manutenção  do  status  e  de  permanência  do  sujeito  no  sistema  

denuncia  sua  lógica  perversa.  Ao  colocar  o  indivíduo  na  carreira  delitiva  do  sistema  penal  e  

estigmatizá-­‐lo  como  sujeito  pertencente  a  essa  realidade,  predestina  o  sujeito  a  um  eterno  

retorno  ao  sistema  (ANIYAR  DE  CASTRO,  1980,  p.  13).    

 Como   solução   a   essa   lógica,   Lola   sustenta   o   argumento   da   descriminalização   em  

Louk  Hulsman6,   expondo  que  o   processo  de  descriminalização  pode   ser   compreendido  de  

duas   formas:   a)   De   fato,   no   qual   se   deixa   intacto,   do   ponto   de   vista   técnico   jurídico,   o  

caráter   de   ilícito   penal,   eliminando   somente   a   aplicação   efetiva   da   pena;   e   b)   De   grau,  

quando  se  estabelecem  penas  mais  curtas,  ou  a  liberdade  condicional,  ou  sistema  de  prova  

etc.  (ANIYAR  DE  CASTRO,  1980,  p.  21-­‐22),  ou  seja,  mecanismos  substitutivos  à  pena  privativa  

de   liberdade.   Assim,   para   fixar   a   descriminalização   de   forma   criteriosa,   a   autora   traz   a  

seguinte   questão   para   definir   as   situações   em   que   é   necessário   o   uso   do   procedimento  

descriminalizador:  “Não  se  deve  criminalizar  quando?”  

A   descriminalização   deve,   portanto,   ocorrer   sempre   nos   seguintes   casos:   (1)  

Quando  os  custos  da  criminalização  são  maiores  do  que  os  da  descriminalização;  (2)  Quando  

há  meios  menos   caros,   com  melhores   resultados,   especialmente   levando   em   conta   que   a  

criminalização  transfere  à  sociedade  custos  que  estão  em  mãos  de  particulares  (a  chamada  

transferência  de  custo  do  delito);  (3)  Quando  se  trata  de  crimes  sem  vítimas;  (4)  Quando  a  

conduta  já  não  é  considerada  indesejável;  (5)  Quando  se  pode  direcionar  a  outros  sistemas.  

(ANIYAR  DE  CASTRO,  1980,  p.  22)  

Baratta  identifica  como  mecanismos  essenciais  para  a  práxis  da  criminologia  crítica,  

a   contração  máxima  do  direito  penal   e   a  descriminalização  de   condutas.   (BARATTA,  1978)  

Assim,  num  viés  de  pura  recepção  e  transmissão  do  conhecimento  crítico  da  criminologia  e  

do   direito   penal,   Lola   trata   no   texto   citado   da   formulação   básica   para   uma   prática   6  Hulsmann  foi  publicado  na  Revista  de  Direito  Penal,  n.  9-­‐10,  com  o  artigo  “Descriminalização”.    

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inicialmente   libertadora   do   direito   penal,   esboçando   o   pensamento   que   identifica   de   que  

forma  implementar  no  âmbito  legal  o  referido  processo  de  descriminalização.    

Destaca-­‐se  ainda  a  publicação  de   Lola  na  Revista  de  Direito  Penal   n.  25,  na   seção  

“Pesquisas”,  proposta  de  pesquisa  redigida  por  ela,  elaborada  em  conjunto  pelo  Instituto  de  

Criminologia  da  Universidade  de  Zulia  e  o  Centro  Internacional  de  Criminologia  Comparada  

de   Montreal,   intitulado   “Projeto   para   uma   investigação   comparada   sobre   crimes   de  

colarinho  branco  na  América  Latina”.  

Com  o  marco  teórico  principal  estabelecido  em  Sutherland  para  abranger  a  revisão  

bibliográfica  e  os  conceitos  norteadores  dos  crimes  de  colarinho  branco,  a  pesquisa  propõe  

definir  exatamente  o  que  se  entende  por  crimes  convencionais  e  crimes  de  colarinho  branco,  

estabelecendo  como  critérios  fundamentais:  (1)  Classe  social  do  autor  e  da  vítima;  (2)  Que  o  

fato   antissocial   seja   praticado   no   exercício   da   atividade;   (3)   Que   a   resposta   penal   seja  

diferenciada,   isto  é,   a   aplicação  diversa  de  pena  do  que  as  usuais  para   sujeitos  de   classes  

subalternas;   (4)   Que   haja   indiferença   do   público   quanto   ao   perigo   do   crime;   (5)   Que   tais  

crimes   não   possam   ser   explicados   pelas   teorias   criminológicas   tradicionais,   referindo-­‐se   à  

ideia   de   criminoso  nato  ou   classe  marginalizada  predisposta   à   criminalidade;   (6)  Que  haja  

certa   dificuldade   no   processo   em   descobrir   e   denunciar   tais   crimes,   resultando   numa  

frequente  impunidade.  (ANIYAR  DE  CASTRO,  1978,  p.  89-­‐102)  

A  referida  pesquisa  possui  como  objetivos:  (1)  a  realização  de  comparações  entre  as  

“características   da   delinquência   de   colarinho   branco   nos   países   latino-­‐americanos”,   (2)  

“conhecer   a   fenomenologia   de   delinquência   de   colarinho   branco,   na   América   Latina,  

mediante  a  pesquisa  e  análise  de  algumas  condutas  específicas”  e  (3)“investigar  as  medidas  

mais   apropriadas   para   a   formulação   de   uma   Política   Criminal,   em   geral,   e   uma   reforma  

legislativa,   em   especial”   como   proposições   ao   “Código   Penal   Tipo   para   Latinoamérica.”  

(ANIYAR  DE  CASTRO,  1978,  p.  101),  

A  pesquisa  é  apresentada  com  sugestão  de  cronograma  e,  entre  os  mecanismos  da  

investigação   comparada,   sugere-­‐se   a   realização   de   seminários   de   pesquisas   anuais,  

assembleias  entre  os  participantes  e  a  publicação  de  síntese  final  quando  da  finalização  da  

pesquisa.  Entre  as  reuniões  estabelecidas  para  os  participantes,  o  Brasil,  que  se  associou  ao  

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projeto  através  do   ICIPERJ,  patrocinou  a  primeira  reunião  do  grupo  realizada  na  cidade  do  

Rio  de  Janeiro,  em  1979.  

Infelizmente,  os   resultados  dessa  pesquisa  em  si  não   foram  publicados  na  Revista  

de   Direito   Penal   e   Criminologia,   somente   o   seu   projeto.   Porém,   como   resultado   de   outra  

pesquisa   realizada   como   mecanismo   de   estudo   comparado,   também   de   autoria   de   Lola  

Aniyar   de   Castro,   a  Revista   de   Direito   Penal   e   Criminologia   n.   34,   jul.-­‐   dez.   1982   publicou   o  

artigo  intitulado  “A  evolução  da  teoria  criminológica  e  a  avaliação  de  seu  estado  atual”.    

O   trabalho   da   autora   tem   como   proposta   percorrer   desde   o   classicismo  

criminológico  passando  pela  Escola  Positiva,  pela  sociologia  criminal  e  o  funcionalismo,  pela  

criminologia   interacionista   e   findando-­‐se   na   criminologia   crítica   através   da   chamada   nova  

criminologia.   Esse   transcurso   teórico,   sobre   o   qual   reflete   Lola,   busca   evidenciar   as  

mudanças  enfrentadas  pela  criminologia,  através  da  cotidiana  modificação  de  seus  métodos,  

suas  análises,  seus  objetos  e  objetivos.  E  é,  dessa  forma,  que  se  passa  aqui  a  desenvolver  a  

compreensão   de   Lola   sobre   a   necessária   intersecção   dos   estudos   criminológicos   com   a  

realidade  social.    

 

2.2.2 A  teoria  criminológica  e  a  realidade  social  

Para  tanto,  a  autora  define  a  criminologia  crítica  como  um  conhecimento  que  “não  

deve  partir  para  a  busca  dos  seres  presumidamente  anormais  que  violam  a  lei,  para  castigá-­‐

los,  melhorá-­‐los  ou  readaptá-­‐los,  mas  sim,  libera-­‐se  da  camisa  de  força  dos  códigos  penais  e  

estabelece,  autonomamente,  seu  objeto  de  estudo”  (ANIYAR  DE  CASTRO,  1982,  p.  75).  

A   partir   da   afirmação   de   que   “encontramo-­‐nos,   claramente,   frente   ao  

desmoronamento   de   vários   movimentos   teóricos   em   Criminologia”   (ANIYAR   DE   CASTRO,  

1982,   p.   82),   Lola   destaca   que  o   alcance  das   teorias   constituídas   em  nível   acadêmico  não  

atingia   efetivamente   a   prática.   Ainda,   a   autora   expõe   que   os   próprios   discursos   se  

esvaziavam   através   da   insuficiência   de   colaborações   acadêmicas   que   poderiam   ter   sido  

desenvolvidas  para   a   compreensão   sobre  a   relação  marxismo–criminologia,   o  que  poderia  

ter  oportunizado  a  conquista  de  um  espaço  que  se  destinava  ao  pensamento  liberal,  o  qual  à  

época  já  havia  sido  teoricamente  superado  (décadas  de  1970  e  1980).  

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Contudo,  o  que  a  autora  busca  evidenciar  é  que  mesmo  com  distintas  possibilidades  

teóricas,   as   políticas   estatais   conservadoras   que   se   estabeleceram   a   partir   da   década   de  

1960   no   mundo   inteiro   impediram   uma   implementação   do   pensamento   crítico   que   se  

desenvolvia  academicamente,  reportando  que  a  necessidade  de  punir  do  Estado  superou  a  

construção   teórica   desenvolvida   ao   longo   do   século.   Para   explicar   o   significado   dessa  

perpetuação  do  punitivismo,  a  autora  evidencia  que  

Baratta  (1978)  explica  um  fenômeno  semelhante  na  Europa:  a  involução  da  reforma  penitenciária  na  Alemanha  e  Itália  seria  decorrente  de  uma  reação  contra   o   terrorismo   político,   de   uma   necessidade   de   identificar   o  delinquente  comum  com  o  político,  de  uma  urgência  de  legitimar  o  Estado  tardo-­‐capitalista  em  crise.  Uma  interpretação  parecida  pode  ser  estendida  à  morte  da  Criminologia   liberal  nos  Estados  Unidos,  um  país  com  forte  crise  de   legitimação,   imerso   em   manifestações   de   grande   violência   interna   e  externa.  (BARATTA  Apud  ANIYAR  DE  CASTRO,  1982,  p.  84)  

Em   relação  aos  países   latino-­‐americanos,  expõe-­‐se  o   surgimento  de  novos  grupos  

de  pesquisa  que   identificam  o  momento  pelos  quais  seus  países  passavam.  No  entanto  na  

época   de   1980,   a   América   Latina   se   encontrava   como   um   “mosaico,   tanto   culturalmente,  

como   nos   diversos   modelos   de   produção   em   função   de   seu   desigual   grau   de  

desenvolvimento   econômico   e   político,   ou   ainda,   consequentemente,   em   relação   à  

construção   teórica   para   as   possibilidades   de   um   poder   alternativo”   (ANIYAR   DE   CASTRO,  

1982,   p.   88).   A   autora   aponta   realidades   específicas,   tais   como   as   de  México,   Nicarágua,  

Cuba,  Guatemala,  El  Salvador,  Chile,  Argentina  e  Uruguai,  com  o  intuito  de  expor  a  existência  

ou   não   de   criminólogos   críticos   nesses   países,   e   suas   condições   político-­‐sociais   e   suas  

práticas  estatais.    

Apesar  de  cada  particularidade  dos  países  relacionados,  a  autora  destaca  que  se  faz  

necessário  a  permanente  reivindicação  de  conquista  de  um  Estado  de  democracia  socialista  

para  que  se   supere  as  experiências  comuns  enfrentadas  pelos  criminólogos  nos  diferentes  

espaços  latino-­‐americanos.    

Finaliza,   assim,   a   sua   avaliação   a   respeito   das   perspectivas   do   seu   momento  

histórico  sobre  a  realidade  criminológica  na  América  Latina,  sugerindo  como  imprescindível  

uma   relação  dialética,   histórica  e   autorreflexiva  de   revisão  permanente   sobre   a  ordem  de  

dominação   e   do   controle   social.   Demonstra-­‐se,   ainda,   que   essa   dialética   é   a   base   dos  

estudos   efetuados   em   parceria   entre   os   grupos   de   pesquisa   do   México   e   da   Venezuela,  

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consolidando  o  pensamento  latino-­‐americano,  o  qual  se  faz  repleto  de  resistência  acadêmica  

e   política,   e   no   qual   se   verifica   o   compromisso   moral   com   a   emancipação   humana,  

denominada  criminologia  da   libertação   (ANIYAR  DE  CASTRO,  1982,  p.  90),  e  que,  acima  de  

tudo,   não   trata   apenas   de   uma   criminologia   crítica,   mas   de   uma   permanente   crítica   à  

criminologia  (ANIYAR  DE  CASTRO,  2005,  p.  91).    

 

2.3 Criminologia  crítica  no  Brasil  

A   escolha   que   se   fez   pelos   referenciais   expostos   já   foi   devidamente   esclarecida,  

optou-­‐se  pelas  suas  carreiras  de  militância  no  âmbito  da  criminologia  crítica,  pela  relevância  

das   suas   publicações   na   Revista,   na   relevância   conceitual   dos   autores   como   norteadores  

teóricos  da  criminologia  crítica  e,  principalmente  pelo  impacto  que  ambos  tiveram  em  toda  a  

análise   criminológica  mundial,  mais   precisamente   nos   seus   espaços   e   tempos   distintos   de  

trabalho,   considerando   Europa   e   América   Latina,   respectivamente,   falando   de   Alessandro  

Baratta  e  Lola  Aniyar  de  Castro.  

Com  o  mesmo  critério,  decidiu-­‐se  por   Juarez  Cirino  dos  Santos  como  emblema  da  

construção  teórica  da  criminologia  crítica  no  Brasil  e  a  repercussão  das  suas  obras.  Fale-­‐se  de  

uma  opção  estabelecida  pelo  exercício  intelectual  do  autor  em  produção  acadêmica,  assim  

como  por  ser  Cirino  um  ativista  dos  fundamentos  da  criminologia  crítica  em  suas  pesquisas  e  

no   seu   exercício   profissional.   Cabe,   ainda,   destacar   sua   relevância   diante   do   fato   de   que  

Juarez   Cirino   foi   o   maior   tradutor   brasileiro   das   principais   obras   da   criminologia   crítica  

internacional.   Outra  motivação   se   constitui   diante   do   número   de   publicações   na   Revista,  

pois  o  autor,  além  de  fazer  parte  do  quadro  editorial  por  longo  período,  ainda  publica  em  07  

(sete)  oportunidades  na  Revista  somente  nas  seções  de  “Doutrina”  e  “Comentários”.    

É   necessário   também   esclarecer   que   outro   sujeito   de   suma   importância   para   a  

construção   do   criticismo   no   Brasil   e   que   também   desenvolveu   escritos   de   extrema  

relevância  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  foi  Roberto  Lyra  Filho7.  No  entanto,  a  

7  LYRA  FILHO,  Roberto.  Criminologia   radical.  Revista  de  Direito  Penal.  Rio  de   Janeiro,  Editora  Forense,  n.  31,  jan.-­‐  jun.  1981.n.  1,    __________.  Carta  Aberta  a  um  jovem  criminólogo:  teoria,  práxis  e  táticas  atuais.  Revista  de  Direito  Penal.  Rio  de  Janeiro,  Editora  Forense,  n.  28,  1979.  __________.  Drogas  e  criminalidade.  Revista  de  Direito  Penal.  Rio  de  Janeiro,  Editora  Forense,  n.  21-­‐22,  1976.  

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morte  prematura  de  Lyra  Filho   impediu  que  o  desenvolvimento  de  sua  obra  alcançasse  as  

dimensões   e   a   maturidade   que   os   escritos   e   a   própria   teoria   da   criminologia   radical  

introduzida  no  Brasil  por  Cirino  alcançaram.    

 

2.3.1 A  criminologia  crítica  de  Juarez  Cirino  dos  Santos  

A  partir  da  perspectiva  classista,  com  uma  formulação  teórica  marxista  muito  bem  

elaborada,  Juarez  Cirino  dos  Santos  se  destaca  com  as  obras  da  Criminologia  da  repressão  e  

Criminologia  radical.  Em  Criminologia  radical   (1981),  Cirino  utiliza  como  referencial   teórico  

os  criminólogos  Young,  Walton  e  Taylor,  da  nova  criminologia,  os  quais  desenvolveram  uma  

teoria   criminológica  elaborada  sobre  o  método  dialético  e  com  aplicação  de  categorias  do  

materialismo   histórico,   assim   como   propõe   Lola   na   elaboração   da   sua   tradução   do  

paradigma  da  reação  social  na  América  Latina.    

Cirino  destaca  que  a  proposta  da  criminologia  radical  confronta  a  velha  e  tradicional  

criminologia  em  todos  os  aspectos  de  forma  abrangente:  

O   enfoque   comum   não   questiona   a   estrutura   social,   ou   suas   instituições  jurídicas   e   políticas   (expressivas   de   consenso   geral),  mas   se   dirige   para   o  estudo  da  minoria  criminosa,  elaborando  etiologias  do  crime  fundadas  em  patologia   individual,   em   traumas   e   privações   da   vida   passada,   ou   em  condicionamentos   deformadores   do   sistema   nervoso   autônomo,   em  anomalias   na   estrutura   genética   ou   cromossômica   individual,   etc.,   em  relação   com   as   circunstâncias   presentes,   cuja   recorrência   produz  tendências  fixadas,  psicológicas,  fisiológicas  e  etc.  (SANTOS,  1981,  p.  3)  

Em   As   raízes   do   crime   (1984),   Cirino   expõe   que   para   além   das   categorias   do  

labelling,   que  mantêm  de   certa   forma  o   determinismo   empregado   sobre   as   percepções   e  

atitudes   do   sujeito,   deve-­‐se   pensar   que   a   “transformação   teórica   da   criminologia  

contemporânea  é  representada  pela  transposição  de  uma  “criminologia  do  autor”  para  uma  

criminologia   “das   condições  objetivas  de  existência  do   indivíduo-­‐autor”   (SANTOS,   1984,  p.  

59),   tendo   por   base   a   ideia   de   que   as   estruturas   e   as   superestruturas   econômicas   da  

sociedade  são  as  grandes  definidoras  do  controle  social.    

A   ideia   de   Juarez   Cirino   dos   Santos   é   a   de   desenvolver   uma   crítica   radicalmente  

estabelecida  na  denúncia  da  deslegitimidade  do  sistema  penal.  Aqui  se  destaca  que  o  que  se  

__________.  Criminologia  radical.  Revista  de  Direito  Penal.  Rio  de  Janeiro,  Forense,  n.  31,  jan.-­‐  jun.  1981.  

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entende   por   “radical”   é   a   elaboração   de   uma   crítica   que   vai   às   raízes   e   que   identifica   o  

problema  na  estrutura  social  ou  nas   instituições   jurídicas  e  políticas  e  que  a  sua  análise  se  

elabora  a  partir  das  lutas  ideológicas  e  políticas  das  sociedades  ocidentais.  (SANTOS,  1981,  p.  

10)    

Assim,   Cirino   teoriza   que   a   criminologia   das   condições   objetivas   estruturais   e  

superestruturais  da  vida  social  (crítica  ou  radical)  

Estuda   sujeitos   e   coletividades   como   produtos   do   “conjunto   das   relações  sociais”,   e  desloca  a   atenção  para  os  processos  histórico-­‐genéticos  dessas  relações   sociais,   definidas   pelas   estruturas   de   produção   material   e   pelos  sistemas   ideológicos   de   dominação,   que   produzem   e   transformam   a  chamada  “natureza  humana”,  não  como  dado  natural  acabado,  mas  como  produto  histórico  em  formação.  (SANTOS,  1984,  p.  59-­‐60)  

A   escolha   de   Cirino   como   representante   teórico   da   criminologia   crítica   no   Brasil  

ainda  é   consubstanciada  por  outros   grandes   representantes  do  pensamento   criminológico  

brasileiro,   Roberto   Lyra   Filho   e   Nilo   Batista,   quando,   ao   falarem   sobre   Juarez   Cirino,  

reafirmam   a   capacidade   e   os   méritos   desse   grande   pensador,   sua   competência   e   seu  

potencial  intelectual  e  crítico.    

Na  Revista  de  Direito  Penal  n.  27  (1979),  Nilo  Batista  foi  o  responsável  pela  crítica  à  

obra  Criminologia   da   repressão,   de   Juarez   Cirino   dos   Santos,   realizada  na   seção   “Resenha  

Bibliográfica”.  Em  seu  texto,  Nilo  Batista  expõe  que  a  obra  em  questão  trata-­‐se  de  um  marco  

ao   pensamento   crítico   brasileiro,   haja   vista   ser   a   “primeira   exposição   completa,   no  Brasil,  

dos  fundamentos  correntes  que  se  conhece  por  ‘nova  criminologia’,  ou,  criminologia  crítica,  

ou  ainda,  ‘criminologia  da  reação  social’.”  (BATISTA,  1979,  p.  105)  E  destaca  que  “este  livro  

marca   um   estágio   alcançado   pelos   estudos   criminológicos   no   Brasil,   e   está   fadado   a   uma  

bela  carreira”  (BATISTA,  1979,  p.  106).    

No  mesmo  sentido,  na   seção  “Doutrina”  da  Revista  de  Direito  Penal   n.  31   (1981),  

Roberto   Lyra   Filho   se   propõe   a   escrever   um   ensaio   sobre   a   obra   Criminologia   radical,  

também  de  Juarez  Cirino  dos  Santos,  a  qual   foi  o   livro  resultante  da  tese  de  doutorado  de  

Cirino,  cuja  banca  de  defesa  tinha  em  sua  composição  o  próprio  Lyra  Filho.    

Lyra  Filho  inicia  seus  apontamentos  expondo  que  a  obra  de  Cirino  vem  para  quebrar  

o  marasmo  dos   trabalhos   acadêmicos   que   são   apresentados   no  Brasil,   e   que,   apesar   dele  

não  concordar  na  íntegra  com  o  proposto  por  Juarez  Cirino,  é  possível  afirmar  que  Cirino  é  

A  sustentação  de  um  discurso  crítico  criminológico  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)    

Fernanda  Martins

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um  representante  do  que  Lyra  Filho  compreende  por  criminologia  crítica  através  da  sua  obra  

Criminologia  dialética.  Para  Lyra  Filho  a  Criminologia  dialética  nada  mais  é  que  um  subgrupo  

da  criminologia  crítica  que  Cirino  apresenta  e  defende  na  sua  tese  de  doutoramento  (LYRA  

FILHO,  1981,  p.  58).  

O  autor  destaca   também  que  a  perspectiva  do   radicalismo  criminológico,  no  qual  

deve   ser   realizada   a   descida   às   raízes,   é   primordial   para   a   superação   da   criminologia  

tradicional,   mas   que   fique   claro   que   o   que   se   almeja   é   a   sua   superação   (criminologia  

tradicional),  e  não  a  sua  eliminação.    

A  criminologia  radical,  ora  representada  por  Cirino,  a  criminologia  dialética,  de  Lyra  

Filho,   e   a   criminologia   da   libertação,   de   Lola   Aniyar   de   Castro,   possuem   como   principal  

elemento  comum  a  tentativa  de  formar  uma  frente  única  e  ampla  por  um  direito  penal  mais  

humano   e   uma   criminologia   mais   consciente   e   realista,   na   qual   se   consolidam   os   três  

pensamentos   como   saberes   da   criminologia   crítica,   cuja   premissa   é   o   questionamento   do  

controle  social  a  partir  da  perspectiva  do  marxismo  histórico-­‐dialético,  através  da  análise  das  

estruturas   de   classe   e   do   reconhecimento   de   um   fim   último,   o   qual   nada  mais   é   do   que  

democracia  socialista.  (LYRA  FILHO,  1981,  p.  58-­‐59).  

A   percepção  que   Lyra   Filho   tem   sobre   a   obra   de  Cirino   e   da   própria   criminologia  

radical  é  a  de  que  

ela   apresenta,   saudavelmente,   uma   crítica   –   embora   algo   compacta,  simplificada   e   mecânica   –   da   questão   criminal   (em   teoria   e   prática),   nas  sociedades  capitalistas  em  crise  e  decadência;  mas  não  funda  uma  ciência  criminológica,   dentro   das   características   de   universalidade,   totalidade   e  devenir,   ao   nível   histórico   em   que   captamos   a   “verdade-­‐processo”.   Essa  carência   deriva-­‐se,   a   meu   ver,   do   fato   de   que   se   prende,   com   excessiva  unilateralidade,  aos  esquemas  de  um  marxismo  em  vias  de  superação,  que,  de   toda   sorte,   o   conserva   (dialeticamente)   e   (dialeticamente)   transfigura,  como  uma  conquista  do  pensamento  humano,  a  ser  tratada  com  reverência  algo  menos  sacramental.  (LYRA  FILHO,  1981,  p.  70-­‐71)  

Contudo,  apesar  da  crítica  e  de  certas  divergências  de  opinião,  Lyra  Filho  demonstra  

toda  sua  admiração  por  Cirino  ao  finalizar  seu  ensaio  explicitando  que  “no  limiar  da  velhice  e  

das  despedidas,  é   reconfortante  saber  que  a  Criminologia  brasileira  conta  com  um   lutador  

de   tão   excepcional   inteligência,   íntegro   caráter   e   destacado   ardor   progressista.”   (LYRA  

FILHO,  1981,  p.  71)  

A  sustentação  de  um  discurso  crítico  criminológico  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)    

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Expostas   as   percepções   apresentadas   na   Revista   de   Direito   Penal   e   Criminologia  

sobre  Cirino  e  seu  destacado  papel  na  esfera  da  criminologia  crítica  na  sociedade  brasileira,  

passa-­‐se   ao   seu   marco   teórico   e   à   sua   finalidade   como   representante   estrutural   do  

pensamento   criminológico   brasileiro.   Suas   publicações   nos   números   da   Revista  

desenvolveram  o  pensamento  do  criminólogo  que  transita  entre  a  dogmática  penal  crítica  e  

a   criminologia,   e   permitem   verificar   o   crescimento   de   seus   referenciais   teóricos   e   de   sua  

posição  frente  à  criminalidade  e  aos  princípios  norteadores  do  pensamento  crítico  em  si.    

Como  ponto  de  partida  para  o  pensamento  de  Cirino,  que,  conforme  exposto,  vai  se  

consolidando  ao  longo  das  edições  da  Revista  através  de  um  processo  de  construção  teórica  

a   partir   do  Direito   Penal   Crítico   à   Criminologia,   faz-­‐se   necessário   pontuar   que   a   opção  de  

atribuir   ao   autor   a   posição   de   criminólogo   crítico   se   dá   na   sua   fundamentação   teórica  

sempre   consubstanciada   no   pensamento   das   estruturas   de   classe,   da   produção   e  

reprodução  de  status,  nos  discursos  de  deslegitimidade  do  direito  penal  e  de  seus  princípios  

norteadores,   e,   ainda,   no   destaque   que   se   dá   à   sua   trajetória   acadêmica,   desenhada   em  

alguns  números  da  Revista.    

 

2.3.2 A  intersecção  entre  o  penalista  e  o  criminólogo  

Em   1976,   Cirino   publicou   um   texto   que   abordava   a   questão   da   culpabilidade,  

intitulado  de  “A  dialética  da  norma  de  conduta”,  Revista  de  Direito  Penal  n.  21-­‐22,  no  qual  o  

autor   define   que   a   função   social   da   norma   é   a   de   “assegurar   a   existência   concreta   de  

conteúdos  de  valor  social,  mantendo  um  sistema  de  produção  e  controle”  (SANTOS,  1976,  p.  

61).    

Nesse  momento,  o  autor  verifica  que  apesar  de  se  manter  a  lógica  de  valor  social  à  

norma,   há   um   importante   destaque   para   aquilo   que   é   assegurado   pela   norma   e   pelo  

sistema,  o  que  significa  na  prática  atribuir  um  caráter  reprodutor  à  norma  como  mecanismo  

de  seleção  classista  do  direito  penal.    

Nessa  abordagem,  Juarez  Cirino  dos  Santos  torna  mais  evidente  o  seu  viés  teórico,  

no  qual  a  teoria  histórico-­‐dialética  de  perspectiva  marxista  passa  a  transparecer  de  maneira  

mais   contínua   e   clara   em   seus   escritos.   O   autor   inicia   sua   comunicação   denunciando   a  

disfuncionalidade  da  norma,  relacionando  as  desconexões  entre  o  valor  social  concreto  e  o  

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conteúdo  abstrato  da  norma.  A  exposição  que  Cirino  traz  é  no  sentido  da  necessidade  de  se  

formular   a   norma   a   partir   da   perspectiva   dogmática   dialética,   como  método   de   valorar   a  

norma  através  da  “análise  de  sua  função  no  contexto  dialético  da  realidade  social”  (SANTOS,  

1976,   p.   62).  Assim,   para  que   as   abstrações  que  permeiam  a   elaboração  normativa   sejam  

renunciadas  em  nome  de  uma  produção   legal  que  vá  além  da  crítica,  deve-­‐se  atravessar  a  

abstração   e   alcançar   concretude   real   para   que   seja   possível   utilizar   a   norma   em   favor   da  

sociedade,   ou   seja,   a   norma   deve   ser   compreendida   a   partir   de   um   “conjunto   de   uma  

estrutura   de   relações   sociais,   em   determinado   espaço   e   tempo”   (SANTOS,   1976,   p.   65),  

exercendo,  dessa  forma,  efetivamente  a  sua  função  social.    

Destarte,   é   verificável   que   para   concretizar   a   denúncia   à   natureza   classista   do  

direito   penal,   Cirino   especifica   que   a   dialética   originada   pela   contradição   do   valor   entre  

norma  e  sistema  normativo  assegura  que  os  valores  defendidos  serão  sempre  aqueles  que  

interessam   aos   que   estão   exercendo   algum   ato   de   poder   nos   filtros   do   sistema.   Cirino,  

portanto,   expõe   que   a   “estrutura   unitária   do   tipo   de   injusto   é   fundamento   objetivo   de  

qualquer   sistema   de   medidas   anticriminais”,   pois   “a   norma   abstrata,   cujo   valor   social  

concreto   carece   de   função   na   estrutura   material   da   ordem   social,   não   pode   ter   objeto  

concreto   em   nenhum   tipo   de   injusto:   não   existe   o   valor   social   concreto   no   objeto   de  

proteção”   (SANTOS,   1976,   p.   66)   e,   dessa   forma,   não   ocorre   a   materialização   do   injusto  

penal.      

No   tocante  à   sua  produção   criminológica  que  apoia  a  proposta  que   se   fez  para  o  

presente   trabalho   (o   de   expor   as   bases   teóricas   da   criminologia   crítica   no   Brasil   e   a   sua  

construção  no  discurso  deslegitimador  como  base  do  “criticismo  criminodogmático”),  Cirino  

se   destaca   em   diversas   publicações   ao   longo   da   Revista.   O   autor   analisa,   em   diversos  

escritos,   a   sociedade   brasileira   a   partir   de   uma   teoria   que   se   volta   às   raízes   para  

compreensão   da   deslegitimação   do   sistema   penal.   Tal   crítica   ao   sistema   denuncia   as  

estruturas  que  sustentam  as  relações  classistas  de  dominação  das  instituições  de  poder  e  do  

próprio  sistema.      

Em  “Violência  institucional”,  Revista  de  Direito  Penal,  n.  28  (jul.  –  dez,  1979),  Cirino  

destaca   alguns  pontos  norteadores  da   teoria  da   criminologia   crítica,   expondo   inicialmente  

uma  breve  crítica  ao  olhar  da  criminologia  positivista  sobre  o  sujeito  e  sobre  seu  objeto.  O  

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autor  inicia  seus  dizeres  com  a  elaboração  da  denúncia  contra  a  criminologia  positivista,  cujo  

relato   se   faz   a   partir   da   demonstração   das   premissas   de   tal   vertente   criminológica,  

pormenorizando   a   manutenção   do   olhar   estagnado   da   criminologia   tradicional   sobre   as  

formas   oficiais   de   controle   penal   –   a   lei,   a   justiça,   a   polícia.   No   sentido   contrário,   Cirino  

destaca   que   essas   formas   oficiais   de   controle   penal   e   social   são   as   responsáveis   pela  

realidade  em  que  se  encontra  a  sociedade  e  que  a  consequência  cotidiana  dessas  práticas  de  

controle  é  chamada  a  violência  institucional.  

A  violência  institucional  é  atribuída  pelo  autor  como  objeto  da  criminologia  radical,  

haja   vista   a   Criminologia   Radical   ser   elaborada   com   base   nos   conceitos   de   modo   de  

produção,  luta  de  classes,  ideologia,  hegemonia,  etc.  (SANTOS,  1980,  p.30)  

A   violência   estrutural   é   compreendida,   então,   como   a   forma   de   violência  

consequente  do  modo  de  produção  capitalista  sob  a  qual  se  sustenta  a  sociedade  brasileira.  

Tal  modo   de   produção   usa   como  mecanismo   de   reprodução   e  manutenção   da   sociedade  

desigual  os  aparelhos  institucionais,  políticos  e  jurídicos,  para  fortalecer  a  ordem  instituída  e  

manter   a   miserabilidade   da   população   através   do   controle   sistemático   dos   corpos   e   do  

monopólio  dos  meios  de  produção  e  de  trabalho.    

O   uso   do   sistema   penal   e   de   todo   aparelhamento   como   meio   seletivo   de  

criminalização  e  consequente  marginalização  dos  sujeitos  selecionados  nada  mais  é  do  que  a  

principal  arma  utilizada  no  que  se  chama  aqui  de  violência  institucional.  Através  do  domínio  

da   ordem,   representada   pelo   simbólico   ordenamento   jurídico   e   seus   mecanismos   de  

controle     judiciário,   integra-­‐se  como  programa  essencial  a  manutenção  do  status   social  do  

sujeito  que   ingressa  na  sua   tutela,  e  o  modo  de  produção  capitalista   fomenta,  portanto,  a  

possibilidade  de   tal   controle,   tendo  em  vista  o  monopólio  de  capital  e  poder  que  derivam  

desse  regime  econômico  e  social.    

Cirino  define  de  maneira  sucinta  e  metódica  o  modo  de  produção  capitalista  e  a  sua  

consequência  social  quando  expõe  que    

o   modo   de   produção   capitalista   desenvolve   a   forma   monopolista   pela  concentração  dos  capitais  produtivo,  comercial  e  financeiro,  controlando  a  produção  e  distribuição  da  riqueza  e  reorganizando  a  economia,  a  partir  da  base   nacional   (com   a   absorção   ou   reagrupamento   de   empresas)   e   em  direção  à  área  internacional,  em  que  a  capacidade  financeira,  tecnológica  e  administrativa,  o  poder  de  mobilizar  grandes  capitais  e  de  atuação  exclusiva  

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em  setores  estratégicos  das  áreas  subdesenvolvidas   (por   filiais,  associação  com   outras   empresas,   o   governo,   etc.),   definem   a   hegemonia   das  multinacionais   e   condicionam   o   desenvolvimento   das   economias   locais  (com   lugar   e   funções   determinados   na   divisão   internacional   do   trabalho),  integradas   no   mercado   mundial   sob   a   égide   do   capital   imperialista.  (SANTOS,  1980,  p.  42)  

Com   papel   de   extrema   relevância   no   discurso   da   criminologia   crítica,   o   autor  

desenvolve  a   ideia  de  que  a  seletividade  do  sistema  define  a  necessidade  de  se  pensar  no  

capitalismo  como  um  modo  de  produção  que  destaca  ainda  mais  o  papel  desigual  do  poder  

judiciário.   Como   corrente   do   pensamento   criminológico   crítico,   a   seleção   de   respostas  

penais  aos  fatos  definidos  como  crimes  revelam  a  realidade  das  cifras  chamadas  ocultas  dos  

crimes  de  colarinho  branco.    

Os   crimes   de   colarinho   branco   foram   determinantes   para   ruptura   com   o  

pensamento   da   criminologia   tradicional,   que   fundamentava   o   crime   em   sujeitos  

predispostos   biologicamente   e/ou   socialmente,   haja   vista   ter   como   base   central   de   seu  

pensamento   o   determinismo   ontológico   do   sujeito   voltado   para   o   crime.   Assim,   com   a  

verificação  de  um  número  indeterminado,  porém  altíssimo  e  de  extrema  relevância,  de  fatos  

tipificados  como  crime  realizados  nos  mais  altos  extratos  sociais,  que  não  chegavam  nunca  

sequer   ao   conhecimento   das   agências   policiais,   de   início   a   ideia   de   que   todos   cometem  

delitos,  contudo,  apenas  certos  grupos  marginalizados  são  os  efetivamente  selecionados.    

 2.3.3 A   criminologia   crítica   no   Brasil   a   partir   da  Revista   de   Direito   Penal   e  

Criminologia  e  a  construção  do  discurso  deslegitimador  

A   Revista   de   Direito   Penal   e   Criminologia   foi   responsável   pela   publicação   de  

pensadores   brasileiros   que   se   destacaram  a   partir   de   suas   abordagens   fundamentadas   no  

pensamento  local  sobre  o  Brasil8  e  as  novas  teorias  tanto  criminológicas  quanto  dogmáticas.  

No  caso  da  criminologia  crítica  e  da  verificação  de  um  criticismo,  proveniente  do  acúmulo  

criminológico  de  construção  teórica  de  matrizes  centrais  agregadas  aos  saberes  das  matrizes  

periféricas  que  construíram  uma  perspectiva  de  deslegitimação  ao  sistema  penal  (CAPPELER,  

8  Aqui  por  pensamento   local  brasileiro,  entende-­‐se  que  o  uso  do  referencial  principal  estabelecido  em  Juarez  Cirino  dos  Santos  e  nas  críticas  por  ele  efetuadas  à  realidade  social  brasileira.  Compreende-­‐se  uma  abordagem  mais  pontual  ao  Brasil,  os  escritos  de  Orlando  Soares  e  Wanda  Cappeler  como  a  vulgata  da  crítica  devidamente  estabelecida  na  teoria  brasileira.  

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1983,  p.  63),  a  Revista  traz  dois  grandes  representantes:  Orlando  Soares  e  Wanda  Maria  de  

Lemos  Cappeler.    

Wanda  Maria  de  Lemos  Cappeler,  atualmente  professora  catedrática  em  Sociologia  

e  Sociologia  do  Direito  na  Université  des  Sciences  Sociales  de  Toulouse  (França)  e  professora  

de   Direito   da   Pontifícia   Universidade   Católica   do   Rio   de   Janeiro   (PUC   –   RJ),   produziu   um  

artigo   consolidado   sobre   os   marcos   da   criminologia   crítica,   intitulado   “Criminalidade  

estrutural:  aspectos  ideológicos  do  controle  social”  (Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia,  

n.   34   –   jul.   a   dez.   1982).   A   partir   de   referências   teóricas,   como   Juarez   Cirino   dos   Santos,  

Marx,  Taylor,  Walton,  Young,  Gramsci  e  Poulantzas,  Wanda  elabora  uma  crítica  contumaz  à  

criminalidade  estrutural  que  se  manifesta  nas  camadas  oprimidas  da  população,  e   sobre  a  

formação  ideológica  que  sustenta  a  elaboração  e  a  aplicação  do  direito,  como  mecanismo  de  

segregação  e  opressão.  

O   apontamento   inicial   é   destaque,   pois   desde   sua   primeira   exposição   textual,   a  

autora  delimita  o  conceito  de  criminalidade  produzido  a  partir  do  marco  marxista  a  que  se  

remete  a  criminologia  radical  e  denuncia  a  recepção  acrítica  de  teorias  estrangeiras  e  revela  

a   opressão   social   realizada   através   do   controle   na   própria   sociedade   brasileira.   Expõe,  

portanto,  que    

a   criminalidade   estrutural,   entendida   como   um   fenômeno   sócio-­‐político-­‐econômico   que   se   manifesta   nas   camadas   oprimidas   da   formação   social  brasileira,   só   pode   ser   percebida,   real   e   concretamente,   no  momento   em  que   se   rejeitam   os   modelos   importados,   fruto   de   uma   pluralidade   de  teorias   criminológicas   ideologicamente   comprometidas   e   que,   sobretudo,  não  correspondem  à  nossa  realidade.  (CAPPELER,  1982,  p.  63)      

A   autora   se   manifesta   pontualmente   afirmando   que   a   administração   criminal  

brasileira   fundamenta   o   seu   exercício   em   teorias   distantes   da   sua   realidade,   e   que   para  

romper  com  essa  criminalidade  estrutural  fundamentada  no  controle  repressivo  alienado,  é  

necessário   que   a   produção   teórica   criminológica   esteja   sendo   constantemente   recriada,  

sempre  tendo  como  sustentação  a  realidade  social  local.    

A  percepção  de  que  as   relações  entre  a  produção   legal  normativa,  a  aplicação  do  

direito,   a   seletividade  do   sistema  penal   e   a   constante  mudança  nas   relações  de  produção  

dos  países  de  capital  dependente,  transmitem,  na  perspectiva  de  Cappeler,  a  verificação  da  

criminalização  das  classes  trabalhadoras  no  Brasil.    

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Sabe-­‐se  que  o  Estado  é  reprodutor  de  ideologias  e  que  a  seleção  das  normas  desde  

a   sua  produção  até   sua   aplicação   reproduzem  a   ideia  de  neutralidade  que  o   Estado   tenta  

sustentar,   porém,   com   o  mínimo   de   observação   torna-­‐se   evidente   para   quem   o   direito   é  

elaborado  e  sobre  quem  ele  é  aplicado.    

O  domínio  de   interesses  que  sustentam  a  formação  estatal  é  apresentado  através  

da   ideologia   dominante,   que   nesse   caso,   trata-­‐se   de   uma   ideologia   voltada   para   o  

capitalismo  exploratório,  o  qual   tem  como  um  de  seus  braços  a  criminalização  das  classes  

oprimidas  e  a  varredura  dos  pobres  dos  olhos  sociais.  Isto  é,  a  denúncia  que  se  faz  é  a  de  que  

os   aparelhos   do   Estado,   principalmente   a   instituição   penal,   exercem   a   função   de  

manutenção  das  classes  sociais  nos  níveis  em  que  se  encontram,  e  mais,  que  tal  manutenção  

também   serve   para   que   a   relação   de   distanciamento   produzida   pela   realidade  mantenha  

cada  classe  no  seu  espaço.  A  autora  se  posiciona  sobre  o  assunto,  quando  expõe  que    

ao  criar  leis,  o  sistema  político-­‐social  visa  à  proteção  dos  interesses,  valores  e  crenças  dos  que  têm  poder  para  evitar  tal  processo,  e  as  normas  criminais  protegem   estes   interesses   e   valores   através   da   sanção   penal.   Assim,   o  Estado,  ao  apropriar-­‐se  do  poder  político  e  dos  aparelhos  de  manutenção  deste   poder,   restringe   e   determina   o   comportamento   dos   membros   da  sociedade  que  estão  sob  o  poder  estatal.  (CAPPELER,  1982,  p.  66)    

Portanto,   a   forma   como   se   criminaliza   traduz   a   luta   de   classes   na   sociedade.   A  

constante  repressão  das  classes  oprimidas,  dos   trabalhadores  urbanos,  dos  moradores  das  

favelas,  dos  núcleos  mais  enfraquecidos  da  sociedade,  representa  claramente  a  hegemonia  

de  um  poder  estatal  fundamentado  na  ideologia  das  classes  dominantes,  que  visa  controlar  

a  sociedade,  a  ponto  de  reprimir  qualquer  chance  de  mudança  de  classe,  sustentando,  dessa  

forma,   a   prática   de   criminalização   seletiva   como   mecanismo   de   manutenção   da  

desigualdade   social   nos   países   de   economia   dependente,   isto   é,   em   realidades   como   a  

brasileira.    

No   mesmo   sentido   de   crítica,   mas   com   uma   abordagem   mais   pontual   quanto   à  

sociedade  brasileira,  Orlando  Soares,  em  “A  violência  estrutural  e  institucional  da  sociedade  

capitalista”,  Revista  de  Direito  Penal   e  Criminologia,   n.   35   (jan.   –   jun.   1983),   desenvolve  o  

pensamento  da  violência  como  resultado  do  modo  de  produção  capitalista  e  afirma  que  essa  

violência   pode   ser   percebida   de   duas   formas:   a   violência   estrutural   e   a   violência  

A  sustentação  de  um  discurso  crítico  criminológico  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)    

Fernanda  Martins

DOI  10.12957/dep.2014.12427  

Revista  Direito  e  Práxis,  vol.  5,  n.  9,  2014,  pp.  118-­‐149.  

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institucional.   A   primeira   –   violência   estrutural   –     é   a   “violência   ligada   às   relações   de  

produção  das  classes  dominantes”,  e  a  segunda  –  violência  institucional  –  é  “resultante  das  

instituições  políticas  e  jurídicas  do  Estado”  (SOARES,  1983,  p.  98).  

No   que   tange   à   primeira   forma   de   violência,   destaca-­‐se   o   trabalho   efetuado   por  

Juarez   Cirino   dos   Santos   (SANTOS,   1984),   no   qual   o   criminólogo   apresenta   o   cotidiano  da  

classe  trabalhadora  brasileira  através  de  dados  que  denunciam  a  violência  que  se  impõe  nas  

condições  de  trabalho,  no  abuso  de  autoridade  patronal  e  na  exploração  da  mão  de  obra.    

Ao   expor   os   números   exorbitantes   de   acidentes   de   trabalho   ocorridos   com  

trabalhadores  marginalizados  no  Brasil,  ou   seja,   aqueles  que  não   são  protegidos  pelas   leis  

trabalhistas,   que   não   possuem   carteira   de   trabalho   e   tampouco   são   assegurados   pelo  

empregador,  o  autor  corrobora  a  violência  que  o  sistema  impõe  a  esses  sujeitos,  no  qual  o  

empregador  aproveita-­‐se  da  necessidade  de  trabalho  do  empregado  para  justificar  salários  

insuficientes,   que   levam   esses   trabalhadores   a   jornadas   de   até   16   horas   para   sustentar   a  

família.  O   autor   defende,   ainda,   que   essa   violência   estrutural   é  marcada   pela   desconexão  

total  do  Estado  quanto  à  realidade  das  famílias  marginalizadas,  e  destaca  os  altos  níveis  de  

graves  doenças  que  assolam  a  população  carente,  e  até  os  índices  elevados  de  fome.    

Essa  violência  estrutural  é  gerada  pelo  próprio  modo  de  produção  capitalista,  que  

produz  e  permite  a  exploração  violenta  das  classes  oprimidas,  e  é   sustentada  e   justificada  

pela  violência   institucional,  cujo  propósito  está  em  criminalizar  a  classe   trabalhadora,  para  

manter  a  diferença  de  classes  do  sistema  e  selecionar  os  sujeitos  a  serem  criminalizados,  ou  

seja,   segregados   do   convívio   social   e   eliminados   da   realidade   visível,   conforme   Wanda  

Cappeler  também  expõe.  Isto  é,  “as  instituições  políticas  e  jurídicas  do  Estado  se  fundem  à  

realização  de  uma  tarefa  comum:  o  processo  de  criminalização,  repressão  e  punição,  como  

formas  de  sustentação  estrutural  e   institucional  do  sistema  de  dominação  e  exploração  do  

capitalismo.”   (SOARES,   1983,   p.   98)   A   comunicação   das   duas   formas   de   violência   é   o   que  

sustenta  a  opressão  da  maneira  que  se  encontra,  e  que   reduz  às  condições  de  sucesso  da  

classe  oprimida.    

 

3.  Considerações  finais  

A  sustentação  de  um  discurso  crítico  criminológico  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)    

Fernanda  Martins

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  O  que  há  de  mais   relevante  no  campo  da  Criminologia  Crítica  na  Revista  de  

Direito   Penal   e   Criminologia   (1971-­‐1983)   é   o   caráter   de   denúncia   que   está   associado   ao  

discurso  da  crítica,  haja  vista  a  importante  compreensão  dos  juristas  quanto  à  sociedade  de  

exploração   em   que   se   encontravam   os   países   marginais/periféricos   do   continente   latino-­‐

americano.  A  denúncia  de  um  sistema  de  exploração  associado  ao  punitivismo  e  ao  cárcere  

como  garantia  de  reprodução  dos  moldes  da  fábrica  é  o  que  evidencia  o  sistema  penal  como  

o  mais  importante  aparelho  de  controle  social  e  de  reprodução  das  diferenças  sociais.  Com  

essa  compreensão  evidente  no  que  tange  à  criminologia  crítica,  o  fortalecimento  da  teoria  

ocorre   quando   se   verifica   o   mesmo   entendimento   no   âmbito   do   penalismo,   o   qual   vem  

como  reforço  à  demanda  de  novas  práticas  de  controle  penal.    

O  fomento  da  criminologia  crítica  e  o  espaço  de  denúncia  na  realidade  brasileira  se  

consolidaram  de  forma  evidente  através  dos  discursos  de  Juarez  Cirino  dos  Santos,  que  na  

Revista  representou  o  grande  personagem  da  crítica  elaborada  a  partir  das  noções  de  análise  

macrossociológica   e   microcriminológica   sobre   o   funcionamento   seletivo   e   estigmatizante  

das  agências  de  repressão.    

A  compreensão  de  que  a  criminologia  crítica  foi  um  dos  universos  que  ingressou  no  

Brasil  e  que  deu  o  sentido  à  crítica  radical,  ocorreu  com  a  verificação  de  Wanda  Capeller  e  

Orlando  Soares  ao  escreverem  textos  fundamentados  na  crítica  de  Cirino,  como  matriz  dos  

países  periféricos,  e  nas  teorias  marxistas  e  da  Nova  Criminologia.  

A  criminologia  crítica  se  constitui  no  Brasil   como  um  tom  de  denúncia  à  opressão  

que  o  sistema  penal  produz  através  do  discurso  deslegitimador  do  controle  social,  nos  níveis  

estrutural   e   institucional.   Fica   evidente   que   o   capitalismo   se   solidifica   cada   vez   mais   no  

distanciamento  das  classes  sociais,  resultante  de  processos  de  exploração  de  trabalho  e  de  

criminalização  seletiva.  E,  portanto,  figura  a  criminologia  crítica  como  destaque  na  formação  

do   “criticismo”   presente   no   discurso   do   periódico,   que   vai   muito   além   do   discurso  

criminológico.  O  alcance  se  traduz  numa  constatação  de  falta  de  legitimação  de  manutenção  

do   sistema  na   forma  em  que   se  encontra,  pois   se  percebe  que  o   controle   social   realizado  

através  do  aparato   jurídico  não  é  o  único  mecanismo  de  exploração  e  alienação,  contudo,  

traduz-­‐se  como  o  mais  violento  na  manutenção  da  ordem  capitalista  desigual  e  desumana.    

 

A  sustentação  de  um  discurso  crítico  criminológico  na  Revista  de  Direito  Penal  e  Criminologia  (1971  -­‐  1983)    

Fernanda  Martins

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