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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO UNISAL CAMPUS MARIA AUXILIADORA Regina Broco Lima da Silva A RODA DA CONVERSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: a constituição da criança como sujeito Americana 2016

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Page 1: A RODA DA CONVERSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: a …§ão_Regina... · E à minha mãe querida, ... Pode a roda da conversa ampliar a participação da criança como sujeito ativo

CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

UNISAL – CAMPUS MARIA AUXILIADORA

Regina Broco Lima da Silva

A RODA DA CONVERSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

a constituição da criança como sujeito

Americana

2016

Page 2: A RODA DA CONVERSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: a …§ão_Regina... · E à minha mãe querida, ... Pode a roda da conversa ampliar a participação da criança como sujeito ativo

Regina Broco Lima da Silva

A RODA DA CONVERSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: a constituição da

criança como sujeito

Dissertação apresentada como exigência para

obtenção do grau de Mestre em Educação no

Programa de Mestrado em Educação, área de

concentração: Educação Sociocomunitária, sob

orientação da Profa. Dra. Renata Sieiro

Fernandes.

Co-orientação Profa. Dra. Norma Silvia

Trindade de Lima.

Americana

2016

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Silva, Regina Broco Lima da.

S591r A Roda da conversa na educação infantil: a constituição da criança como

sujeito / Regina Broco Lima da Silva. – Americana: Centro Universitário

Salesiano de São Paulo, 2016.

112 f.

Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – SP.

Orientadora: Renata Sieiro Fernandes.

Inclui bibliografia.

1. Educação infantil. 2. Infância. 3. Roda da conversa. 4. Educação

sociocomunitária. 5. Narrativa – Brasil. I. Silva, Regina Broco Lima da. II.

Centro Universitário Salesiano de São Paulo. III. Título.

CDD 372.21

Catalogação elaborada por Lissandra Pinhatelli de Britto – CRB-8/7539

Bibliotecária UNISAL – Americana

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Autora: REGINA BROCO LIMA DA SILVA

Título: A RODA DA CONVERSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A CONSTITUIÇÃO DA

CRIANÇA COMO SUJEITO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu do Centro

Universitário Salesiano de São Paulo, como

parte dos requisitos para a obtenção do título de

Mestre em Educação – área de concentração:

Educação Sociocomunitária.

Linha de pesquisa:

A intervenção educativa sociocomunitária:

linguagem, intersubjetividade e práxis.

Orientadora: Profa. Dra. Renata Sieiro

Fernandes.

Co-orientadora: Profa. Dra. Norma Silvia

Trindade de Lima.

Dissertação defendida e aprovada em____/____/______, pela comissão julgadora:

__________________________________________

Profa. Dra. Roberta Rocha Borges – Membro Externo

Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

__________________________________________

Prof. Dr. Antonio Carlos Miranda – Membro Interno

Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL

_________________________________________

Profa. Dra. Renata Sieiro Fernandes – Orientadora

Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL

Page 5: A RODA DA CONVERSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: a …§ão_Regina... · E à minha mãe querida, ... Pode a roda da conversa ampliar a participação da criança como sujeito ativo

Dedico este trabalho a todas as crianças

que nos presenteiam, todos os dias, com sua

maneira inusitada, generosa e sensível de ser e

lidar com o mundo tão previsível e endurecido do

adulto.

E à minha mãe querida, hoje ocupando outras moradas, pela

confiança em minha capacidade e incentivo aos meus estudos.

Compartilho com você, mãe, todas as alegrias e conquistas que este

momento representa.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, de maneira especial, por permitir que eu fosse acolhida em uma família que me

ofereceu, amorosamente, condições materiais e psicológicas para que eu pudesse buscar meu

crescimento pessoal, desenvolvendo-me como sujeito, e caminhar em direção a meus sonhos.

Ao meu marido, Nelson, e meu filho, Nelsinho, pelo distanciamento em determinados

momentos e compreensão por esta etapa tão especial na minha vida.

Às crianças queridas, pela postura de coragem e entrega ao inusitado, que não só me serviram

de exemplo, mas de aprendizado, conduzindo-me a maneiras outras de viver.

À amiga Elenir, pelo incentivo em muitos momentos de dificuldade, pelo companheirismo nos

estudos e nos desabafos, nas possibilidades de trocas e na esperança de novos caminhos de

parceria.

À amiga Celly, pela parceria e união de esforços em busca de um sonho: o mestrado.

Às professoras companheiras de caminhada, próximas e distantes, meu reconhecimento pela

perseverança e confiança na educação.

À orientadora deste trabalho, Professora Doutora Renata Sieiro Fernandes, pelo aceite

carinhoso ao meu convite, marcando um reencontro feliz depois de muitos anos. Postura

comprometida e sorriso que acolhe.

À co-orientadora deste trabalho, Professora Doutora Norma Silvia Trindade de Lima, pela

acolhida tão respeitosa e afetuosa. Pelo olhar atento, a escuta sincera e os encaminhamentos

pertinentes aos meus objetivos e ideias. Um encontro muito feliz.

À Professora Doutora Roberta Rocha Borges, pela postura sensível e respeitosa para com a

infância, deixando transparecer intencionalidade e empenho com mudanças tão almejadas na

educação.

Ao Professor Doutor Antonio Carlos Miranda, pela leitura sensível do meu trabalho, com

apontamentos e colocações singulares e afetuosas.

Às crianças, professoras, auxiliares de sala, funcionários e instituições que se envolveram direta

ou indiretamente com esta pesquisa assumindo atitude espontânea, receptiva e pacienciosa,

contribuindo não só para que meus estudos se materializassem nesta dissertação, bem como

ganhassem riqueza.

Em especial, aos meus anjos da guarda Elaine e Giselle, por acolherem meus medos e angústias,

fortalecendo e encorajando minhas capacidades, tecendo cuidados singulares em todo esse

processo maravilhoso de descobertas, todavia salpicado de receios e aflições.

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[...] a educação é, em muitos casos, um processo em

que se realiza o projeto que o educador tem sobre o

educando, [mas] também é o lugar em que o

educando resiste a esse projeto, afirmando sua

alteridade, afirmando-se como alguém que não se

acomoda aos projetos que possamos ter sobre ele,

como alguém que não aceita a medida de nosso saber

e de nosso poder, como alguém que coloca em

questão o modo como nós definimos o que ele é, o que

quer e do que necessita, como alguém que não se

deixa reduzir a nossos objetivos e que não se submete

a nossas técnicas. (LARROSA, 2008)

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RESUMO

A realização da roda da conversa pode ampliar a voz da criança no espaço educativo, por vezes

tão silenciada? Pode a roda da conversa ampliar a participação da criança como sujeito ativo

no espaço educativo? A presente pesquisa pretende discutir o silenciamento ou a amplitude da

voz da criança por meio da roda da conversa no espaço educativo. A intenção é discutir a prática

da roda da conversa, verificar e refletir em que medida tal proposta possibilita a ampliação da

constituição da criança no espaço educativo como sujeito ativo, bem como discutir situações

que favoreçam a criança a posicionar-se e ampliar sua participação não só no processo de

construção de conhecimento, mas nos acontecimentos dentro do espaço educativo. Para tanto,

a pesquisa de campo acontece em duas instituições escolares: uma particular e a outra pública,

um Centro de Educação Infantil (CEI), ambas no interior de São Paulo. A metodologia adotada

é qualitativa, utilizando a observação participante na escola particular, a observação total no

CEI, diário de campo, entrevistas semiestruturadas e desenhos das crianças do CEI, assim como

as narrativas, que permitem a reflexão e a discussão dos processos. Tem como sujeitos

participantes uma professora pesquisadora, uma professora, uma auxiliar de sala e vinte e três

crianças no total, na faixa etária entre 3 e 6 anos de idade. A análise dos dados é pautada em

autores que refletem sobre a infância como acontecimento, tais como Jorge Larrosa e Walter

Kohan. Célestin Freinet e Janusz Korczak participam com debates acerca da criança como

sujeito ativo no espaço educativo, contando ainda com contribuições de Loris Malaguzzi a

respeito da experiência em Reggio Emilia. A construção das narrativas tem aporte em Walter

Benjamin. O trabalho contribui com reflexões sobre situações nas quais a voz das crianças é

ampliada ou silenciada, indicando que o espaço educativo, ao se desprender de movimentos

rígidos e deterministas, leva a criança a se refazer e a interpretar-se continuamente como sujeito. Precisamos conceber a criança em sua potencialidade e inteireza numa relação de parceria com

o adulto, priorizando o fomento de práticas democráticas e escuta responsiva, revendo pensares

e fazeres no espaço educativo e concebendo a pedagogia das infâncias. Proposta esta condizente

com a educação sociocomunitária, que busca promover o processo de emancipação humana,

concebendo, assim, a educação como “apropriação-construção” visando à autonomia social.

Palavras-chave: Educação infantil. Infância. Roda da conversa. Educação

sociocomunitária. Narrativa.

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ABSTRACT

Can the realization of a round of conversation broaden the child’s voice on the educational

space, sometimes so silenced? Can the round of conversation broad the child’s participation as

an active subject on the educational space? The following research intends to discuss the

silencing or the amplitude of the child’s voice via round of conversation on the educational

space. There’s the intention of discussing the round of conversation, verify and reflect in what

gage does it enable the amplification of the child’s constitution on the educational space as an

active subject, just as well discuss situations that help the child position herself and widen her

participation not only in the process of knowledge construction, but also in the affairs inside the

educational space. For this purpose, the field research happens in two schools: a private school

and a children’s educational center (CEI), both in the countryside of São Paulo. The

methodology adopted is qualitative using the participating observation in the privet school, total

observation in the CEI, field diary, semi-structured interviews and CEI’s children drawings, as

well as narratives, which allows a reflection and discussion of the processes. Having as

participating subjects: a researcher professor, a teacher, a class auxiliary and a total of twenty

three children from ages three to six. The data analysis is lined in authors who reflect about

infancy as event, such as Jorge Larrosa and Walter Kohan. While Célestin Freinet and Janusz

Korczak contributed to the debates about children as active subject in the educational space,

allied with contributions from Loris Malaguzzi regarding the experience in Reggio Emilia. The

narratives construction has support in Walter Benjamin. The work contributes with reflexion

about situations in which the voices of the children are amplified or silenced, indicating that the

educational space when detached from rigid and determinist movements makes the child rebuild

herself and interpret herself continuously as a subject. We need to conceive a child on their

potentiality and wholeness in a relationship of partnership with the adult, giving priority to the

fostering of democratic practices and responsive listener, reviewing thoughts and doings in the

educational space by designing pedagogy of childhoods. This proposal consistent with the

socio-communitarian education, which seeks to promote a process of human emancipation, by

designing thus education as “appropriation-building” aiming at the social autonomy.

Keywords: Children’s education. Infancy. Round of conversation. Social community

education. Narrative.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

• a. C. - antes de Cristo

• AG - Agrupamento

• AIP - Avaliação Institucional Participativa

• ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

• BDTD - Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

• CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

• CEMEI - Centro Municipal de Educação Infantil

• CEI - Centro de Educação Infantil

• CPA - Comissão Própria de Avaliação

• D. O. - Diário Oficial

• ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente

• EMEI - Escola Municipal de Educação Infantil

• FAACG - Fundação Antônio-Antonieta Cintra Gordinho

• LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

• NEPP - Núcleo de Estudos de Políticas Públicas

• PUC-Campinas - Pontifícia Universidade Católica de Campinas

• RMC - Região Metropolitana de Campinas

• SME - Secretaria Municipal de Educação

• UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 - Desenho da roda da conversa elaborado por João.....................................96

Ilustração 2 - Desenho da roda da conversa elaborado por Lucas...................................97

Ilustração 3 - Desenho da roda da conversa elaborado por José......................................98

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Produções com proximidade ou distanciamento com o presente trabalho (2011 e

2012) (CAPES)........................................................................................................................59

Quadro 2 - Produções com proximidade ou distanciamento com o presente trabalho (2003 a

setembro de 2015) (BDTD).....................................................................................................63

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À GUISA DE INTRODUÇÃO

MEMORIAL: A criança como sujeito: novos olhares para a infância

O tema que hoje escolho como foco do meu trabalho de pesquisa há muitos anos me

acompanha em minha trajetória como professora de educação infantil. Ele foi constituindo-se

aos poucos, na mesma medida em que minha prática diária foi me transformando e

aproximando-me de algumas reflexões a respeito da infância.

Como professora de educação infantil na Prefeitura Municipal de Campinas há vinte e

quatro anos, sou tocada diariamente por questionamentos, comentários e falas de crianças que

me deixam encantada de maneiras muito peculiares e interessantes de não apenas ver, mas de

estar no mundo, as quais marcam o que é ser criança.

Cotidianamente eu percebia a euforia e a ansiedade com que as crianças chegavam ao

espaço educativo, ávidas por contar as novidades trazidas de casa, das convivências e vivências,

e, assim, a roda da conversa acontecia quase imperativamente. Nesses momentos,

posicionávamo-nos em círculo, visualizando o rosto e as feições um do outro e dessa maneira

muitos exercícios eram praticados ao mesmo tempo, tais como: organizar mentalmente a

sequência de ideias, permitindo o maior entendimento de todos, aprender a ouvir, vivenciar

opiniões contrárias sem se alterar, aceitando as diferenças. Esses momentos foram ampliando-

se e não ficávamos apenas nas novidades; ali tomávamos decisões e fazíamos

encaminhamentos, realizávamos votações, planejávamos nossa semana e nossos trabalhos,

buscando trazer a participação de todos no processo de organização do trabalho desenvolvido

dentro do agrupamento1.

Apesar de acreditar no diálogo como forma de resolução de conflitos, creio que precisei

vivenciar algumas situações para que isso ficasse mais nítido.

No ano de 2001, fui convidada por uma amiga para trabalhar em uma escola particular

no interior de São Paulo; era uma experiência nova para mim, que só havia trabalhado no ensino

público. Tratava-se de um grupo pequeno de nove crianças, mas, com muitos debates e

colocações no momento de roda, ali fazíamos nossos combinados, expúnhamos nossas ideias e

pensamentos. Havia crianças mais tímidas e outras com mais posicionamento, e comecei a

perceber situações de exclusão durante as partidas de futebol que eram demonstradas pelos

1 O termo agrupamento foi uma nomenclatura utilizada com base na resolução SME n. 23/2002, publicada no

Diário Oficial do Munícipio no dia 13/11/2002, para designar crianças matriculadas e divididas em turmas por

idade aproximada: Agrupamento I – crianças de 3 meses a 1 ano e 11 meses; Agrupamento II – crianças de 2 a

3 anos e 11 meses e Agrupamento III – crianças de 4 a 6 anos.

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vários comentários a respeito do que é ser um bom jogador. Apesar de minhas falas durante o

jogo, precisei trazer para a roda da conversa e abrir a questão para que todos pudessem se

posicionar e falar de seus sentimentos. Foram momentos muito ricos para todos. De um lado,

os que estavam sentindo-se excluídos puderam, sem o intermédio do adulto, colocar-se para o

outro e dizer a respeito de seu incômodo. Por outro, aquele que se sentia o líder precisava ouvir

os colegas, deparando-se com críticas a seu modo de agir. Vivenciamos uma grande mudança

na turma, inclusive com vários comentários dos pais, afirmando as transformações benéficas.

Essa experiência foi muito marcante e não só reforçou minhas crenças, mas permitiu

muitas outras reflexões no intuito de trazer a criança à fala de si, do que sente, de como quer

ser tratada, do que gosta ou não.

Hoje, com uma visão mais ampla, faço minhas observações da criança no espaço

educativo como um todo, não só restrito ao agrupamento, mas procurando focar em quais

situações ela é tratada como sujeito? Sua historicidade, seus desejos e opiniões são considerados

no planejamento de festas e eventos? Pensa-se muito pela criança e talvez pouco na criança.

Por que ela não é ouvida? A roda da conversa parece uma situação oportuna para que a voz da

criança, por vezes tão silenciada, seja ampliada a ponto de indicar alterações substanciais no

planejamento escolar. Movimento este que me conduziu à pedagogia das infâncias2, buscando

evidenciar fazeres educativos direcionados às infâncias nas suas singularidades.

Tantas memórias... Em busca das raízes... Constituindo-me sujeito

Ser professora, para mim, nunca foi um momento de dúvida, sempre tive isso muito

decidido em mim, e algumas vivências me ajudaram a formar essa opinião.

Minha mãe querida, Vanda, hoje falecida, era professora de segundo grau, como era

então chamado o ensino fundamental. Ela dava aulas de história e ocupava um lugar de destaque

no meu imaginário de mulher/mãe pelo que viveu e pela postura que tinha em casa conosco.

Nascida em Bariri/SP, uma cidade interiorana, muito pequena, segunda filha de quatro

irmãs, ao completar 18 anos decide, com uma amiga, morar e estudar em Campinas. Apesar de

sua mãe dizer: “Isso não vai dar certo”, com firme propósito e muito diálogo explicou sua

intenção. Chegando a Campinas, ingressou como aluna da PUC-Campinas, cursando história

no período noturno. Como não poderia ser diferente, trabalhava durante o dia como secretária

2 Pedagogia das infâncias refere-se aos estudos das práticas educativas voltadas para a pluralidade das infâncias,

as quais se constituem em diferentes tempos e lugares diversos, que se configuram e reconfiguram nas múltiplas

relações cotidianas (PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS, 2013, p. 16).

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bilíngue para custear os estudos e a estadia, já que seus pais não tinham como ajudá-la

financeiramente. Seus conhecimentos eram vastos, assim como sua vivacidade e grande

disposição para ler, debater os mais variados assuntos, dona de muitos e diversos saberes – e

de muita sabedoria também. Minha mãe me encantava quando discorria a respeito de algum

assunto que estava estudando na escola, acompanhando-me até nos estudos da faculdade,

ocupando lugar de parceria nas leituras e nas produções escritas.

Essa conexão apaixonada e curiosa por novos conhecimentos e novas visões de mundo,

suscitadas pelos livros, constituiu-me no que sou hoje, uma pessoa interessada pela relação

entre teoria e prática. Isso é algo que faz parte de mim e me impulsiona a melhorar cada vez

mais, sempre pensando em meu vínculo com as crianças, em meu trabalho e em minha postura

de professora. A conduta de minha mãe também me fornecia apoio e referencial, sempre

tranquila, ponderada, sensata, utilizava o diálogo como modo de entendimento, palmadas ou

qualquer tipo de repreensão mais rígida não existiam em minha casa, uma boa conversa sempre

prevalecia. Fui crescendo com alguns valores e referenciais que se foram consolidando não só

em minha vida, mas em meu trabalho: diálogo, sensatez e discernimento, mesmo nas situações

mais críticas. Minha escolha profissional também foi muito influenciada pelo modelo de minha

mãe como professora.

Morei por muitos anos em uma casa com quintal e rua pouco movimentada, onde podia

me esbaldar nas brincadeiras. Nessa casa estão as lembranças mais nítidas da minha infância.

As brincadeiras na rua ocupam um espaço grande e querido em minhas recordações. Adorava

brincar de pega-pega e suas variações, mamãe da rua e outras diversões que exigiam destreza e

rapidez. Eu era muito hábil nessas brincadeiras, e os eventuais tombos, dos quais ainda trago

marcas nos joelhos, contavam com os cuidados do meu pai nos curativos com o bendito remédio

que ardia até a alma e alguns sopros para amenizar a dor. Ainda me lembro de minha mãe

chamando a mim e a meus irmãos no portão: “Tá na hora de entrar, tomar banho e jantar”.

Então não podíamos mais sair, só no dia seguinte. Que tristeza abandonar os amigos e tantas

outras ideias que juntos tínhamos planejado, o tempo parecia correr mais veloz que nossas

pernas nas brincadeiras.

Televisão não era uma de minhas paixões. Eu achava muito chato ficar ali, parada, só

assistindo; gostava mesmo era de brincar. Nem as bonecas me encantavam mais que a diversão

com meus irmãos, no quintal, em meio aos pés de laranja e manga, ou à noite quando

inventávamos os teatros, cineminhas e sessões de música, na qual imitávamos alguns cantores,

ao som de alguns vinis de meus pais e uma vitrola. Tínhamos também uma coleção de

disquinhos coloridos com histórias, que guardo comigo até hoje, e muitos trechos já tínhamos

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decorado. Minha história predileta era Alice no país das maravilhas. Ela causava-me grande

encantamento, com alguns trechos e músicas, como no momento em que Alice caía no buraco

da árvore, permitindo-me inúmeras possibilidades de vivências e lugares. Seria real um buraco

que nos conduz a outro mundo? Como seria um mundo diferente deste em que vivo? Uma

rainha brava e rabugenta? E um coelho apressado com seu relógio? Sem dúvida, a festa de

“desaniversário” me conduzia a maneiras outras de ver as coisas, como se tudo tivesse um lado

avesso.

Aos domingos, visitávamos meus avós paternos, Olga e Sebastião. Minha avó

esmerava-se nos quitutes para nos agradar e preparava verdadeiras delícias, uma mesa farta.

Guardo na memória seu olhar buscando a confirmação de que acertara no sabor e que estava

agradando muito ao nosso paladar. E meu avô, com uma história particular e muito interessante,

abordava-nos para algumas horas de conversa. De família simples e sem condições de

prosseguir os estudos além do quarto ano primário, fazia-nos recomendações de livros que leu

e mostrava vários escritos de sua autoria: cartas, registros, diários, bilhetes, enfim, uma relação

harmoniosa entre leitura e escrita e um prazer e encantamento por esse universo que saltava aos

olhos, que me envolvia não só pela beleza, mas pelo exemplo de vida. Hoje conto com a

felicidade de ter comigo essa coleção de escritos, o que me permite a escolha de um deles para

compor este memorial.

Em 1932 residia em Olimpia. Trabalhava como praticante grátis na estação da

Estrada de Ferro São Paulo Goiás.

Quando em julho, surgio a revolução Constitucionalista. Nos últimos dias de julho,

pedi permissão aos meus Paes para ingressar nas fileiras de voluntários.

Concordaram.

Não me lembro data. Alistei-me como voluntario. Com mais alguns voluntários, segui

para São Paulo (capital).

Já noite, na estação da Luz, pessoas nos esperavam. Em dois veículos, fomos para um

certo grupo escolar na Avenida Paulista.

Colchoes distribuídos pelo chão. Passamos a noite.

Dia seguinte, forneceram café e pão. Logo após pessoal em forma. Recebemos

casquetes, e marchamos para o bairro do Pacaembu, onde deram instrução militar.

Na época Pacaembu era barrancos, buracos e pedregulhos.

Foi um corre, pula, jogar se no chão e rastejos.

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Dia seguinte, instruções. Ao anoitecer, no pátio todos soldados em forma.

Procederam a chamada. O Capelão benzeu a turma. Em caminhões viemos para São Paulo.

Chegando mais ou menos à 1 da madrugada. Fomos para a Av. Tiradentes nos alojamentos

do 7º da cavalaria. Passamos a noite. Dia seguinte, quartel impedido. Não tivemos café.

Perto das 14 horas, puseram no pátio 2 meios tambores de ferro, com virado de feijão preto,

farinha de mandioca e carne seca. Formou fila. Todos comeram. Depois fila na torneira. Não

tiraram o sal da carne seca.

À noite, fomos para a Estação da Luz. Nós soldados não sabíamos o destino.

Embarcamos. Trem partiu. Em Campo Limpo baldeamos, e seguimos para Bandeirantes.

Final da linha da Estrada de Ferro Bragantina.

Na nossa chegada, não tinha luz, e chovia e muita lama. No escuro, uma pessoa nos

orientava e nos levou a um comodo. Onde passamos a noite. Nesse comodo não tinha nada.

Chão cimentado. Molhados como estávamos, a roupa enxugou no corpo. Dia seguinte, todos

tossiam.

De manhã, assistimos ao longe o aeroplano Vermelhinho soltar bombas num lugar

que deviam chamar Mãe dos Homens3.

Entre vários materiais escritos, fiz a escolha desse por parecer ser o que ele gostaria que

eu escolhesse, talvez pelo orgulho que sentia em ter a oportunidade de defender sua nação. Em

suas memórias, que guardo com carinho, há medalhas entregues aos ex-combatentes, recortes

de jornal, livretos explicativos da Revolução e tantos outros registros.

Hoje devo muito a todas essas situações vividas e suas repercussões no meu modo de

ser, que não só me constituíram, mas me impulsionaram a cursar o mestrado e a continuar essa

caminhada, iniciada por meu avô e por minha mãe, de buscar uma relação possível entre os

livros e a vida, entre nossas crenças e os mestres que as alimentam buscando um paralelo entre

sonho e felicidade/realização.

Sinto que vivenciei situações de diálogos e argumentações em oposição a atitudes

autoritárias, o que me permitiu uma maneira diferenciada de olhar a infância e sua maneira

única de ser e estar no mundo. A infância aproxima-se muito de vivências intensas e de

possibilidades de novos olhares para o mundo, e como professora não podia me eximir da quase

tarefa de buscar reflexões acerca da criança no espaço educativo. Alguns questionamentos que

3 Tive o cuidado de registrar na íntegra o conteúdo e a forma com que meu avô escreveu, não fazendo correções.

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povoam meus pensamentos permitem interlocuções, nesta dissertação de mestrado, em uma

tentativa de ampliar reflexões e lançar-me em autores e práticas que podem ampliar a

visibilidade de algumas hipóteses, pôr em xeque outras e, quiçá, indicar possibilidades de novos

caminhos.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 20

CAPÍTULO I: VARANDO A VIDA ENTRE SENHAS E CONSENTIMENTOS: O DEVIR-

CRIANÇA INAUGURANDO O NOVO............................................................................................25

1.1 A infância na contemporaneidade: a criança como sujeito.........................................................25

1.2 O devir-criança e o espaço educativo..........................................................................................28

1.3 Propostas curriculares..................................................................................................................36

CAPÍTULO II: DA CIRCULARIDADE À RODA, DA NÃO FALA À FALA: O HOMEM

CONSTITUINDO-SE SUJEITO ........................................................................................................43 2.1 O significado do círculo... conduzindo à roda.............................................................................43

2.2 De infans a sujeito ativo: desvendando uma trajetória................................................................47

2.3 Célestin Freinet............................................................................................................................49

2.4 Janusz Korczak............................................................................................................................51

2.5 Para além das concepções: em busca da alteridade.....................................................................55

CAPÍTULO III: MOVIMENTOS DE ESCUTA: DEIXANDO O CONHECIDO.........................58 3.1 Pesquisa bibliográfica: proximidades e distanciamentos ...........................................................58

3.2 Encontro com os sujeitos: as crianças.........................................................................................68

3.3 Caracterizando os campos de pesquisa. ......................................................................................72

3.3.1 A escola particular..............................................................................................................72

3.3.2 Revisitando o CEI...............................................................................................................73

3.4 Caracterização dos sujeitos da pesquisa: afinal, quem são eles? ................................................74

3.5 Procedimento de construção de dados.........................................................................................75

3.6 Procedimento de discussão de dados...........................................................................................77

CAPÍTULO IV: ENTRE PERCEPÇÕES E SABERES: CABENDO, DESCABENDO E

SEGUINDO O CAMINHO..................................................................................................................79

4.1 Visualizando os dados: construindo saberes................................................................................79

4.2 Diário de campo da escola particular: permitindo outras percepções.........................................86

4.3 Vamos, crianças, a roda vai começar..........................................................................................88

4.4 Entrevista semiestruturada...........................................................................................................90

4.5 O que dizem as crianças sobre a roda da conversa? Desenho como fonte

documental.........................................................................................................................................94

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................................99

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................105

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INTRODUÇÃO

Remo pelos barrancos

E remo no sentido contrário

Para avistar mais uma vez

O lugar da infância.

(BREGALDA, 2012, p. 71)

Ao longo de muitos anos como professora em instituições de educação infantil, vivi um

processo crescente de observar a criança, buscando caracterizar as infâncias em suas

peculiaridades, em sua maneira singular de ser e estar no mundo4.

Caminhei no sentido contrário do que assistia e vivenciava nas escolas nas quais

trabalhei. O que via e ouvia das crianças parecia desconectar sentimentos e fazeres por mim

concebidos para aquele ambiente, que, em minha opinião, necessitava promover trocas e o fazer

coletivo por meio de práticas dialógicas capazes de alcançar as diversas infâncias. Entretanto

me deparei com vivências que desconsideravam pessoas como sujeitos, em sua inteireza,

passando a agir e exigir das crianças atitudes uniformizadas, como se elas formassem um

rebanho, uma massa homogênea.

E não me refiro apenas às crianças. Ao lançar um olhar atento e carinhoso para meus

colegas, vejo pessoas que também deixaram para trás, perdidos no caminhar, seus sonhos,

desejos e princípios, desenvolvendo subterfúgios que permitissem a sobrevivência. Não me

aprofundo nessas questões, pois elas não constituem o foco deste estudo, mas deixo aqui

registrado meu respeito por pessoas que enfrentam dificuldades diariamente e que, muitas

vezes, sucumbem diante de tantas situações de desrespeito e destituição de singularidade no

interior de espaços denominados educativos.

Prossegui ampliando minhas reflexões acerca de como a criança é vista dentro do espaço

educativo, da maneira como é acolhida ou não sua opinião, solicitações e desejos, enfim seus

direitos, assim como a consideração de suas histórias pessoais, pela perspectiva de ser a criança

considerada sujeito. Remei pelos barrancos tentando avistar a infância, muitas vezes distorcida

e mal interpretada pelo adulto, e começando a entender que precisamos falar das infâncias de

maneiras distintas e variadas, para além do que, à primeira vista, possam parecer e nos indicar.

4 O uso da primeira pessoa do singular se faz necessário na construção das narrativas e de minhas reflexões

particulares, que são marcadas por um posicionamento mais subjetivo e individualizado no processo da pesquisa.

E o uso da primeira pessoa do plural é intencional, na medida em que busco trazer as diversas vozes que se

entrelaçam e formam o presente texto, em uma tentativa de me posicionar com o aporte teórico.

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Adotando a perspectiva de uma pedagogia da infância, em uma tentativa de “mostrar as

potencialidades de cada criança e para dar a cada uma delas o direito democrático de ser

escutada e reconhecida como cidadã na comunidade” (Rinaldi apud BORGES, 2014, p. 11),

abarcando as particularidades das crianças em vez de padronizar.

No presente trabalho, a criança é concebida como sujeito de historicidade, de

conhecimentos, de sentimentos, de pensamentos e opiniões. Há uma intenção de olhar e escutar

as infâncias, na contemporaneidade, distanciando-se de algumas concepções que analisam esse

período etário, baseando-se no desenvolvimento psicológico. Nessa perspectiva, a problemática

desta pesquisa é refletir sobre o silenciamento e a amplitude da voz da criança, entre 3 e 6 anos,

por meio da roda da conversa no espaço educativo. É comum a criança estar ávida por contar

as novidades de sua casa, mostrar algo interessante que descobriu, enfim, falar de vivências e

acontecimentos de sua vida, do que a impressionou ou a encantou, a ponto de querer

compartilhar com as demais crianças. Portanto aqui busquei refletir acerca de situações de

acolhimento ou não dessa necessidade na realização da roda da conversa, uma vez que no

espaço educativo a criança precisa lidar com várias intervenções que, muitas vezes, acabam

provocando o silenciamento de sua voz, tendo em vista que sua opinião em muitos momentos

não é considerada.

Surgem, então, algumas questões importantes acerca do assunto: No espaço do

agrupamento escolar, o professor pode oferecer encaminhamentos que propiciem a criança

ampliar sua voz por meio da roda da conversa? Não só no intuito de expor ideias e pensamentos,

mas buscando uma interlocução com os colegas, contribuindo para a organização do trabalho

que se pretende no coletivo?

Interessa aqui discutir a criança produzindo-se enquanto sujeito ativo, dentro do espaço

educativo, tendo como recorte a roda de conversa.

Desse modo, há uma intenção, na presente pesquisa, de contemplar os seguintes

objetivos: discutir a roda da conversa, verificar e refletir em que medida tal atividade possibilita

a ampliação da participação da criança, de maneira que ela se posicione não só no processo de

construção do conhecimento, mas nos acontecimentos dentro do espaço educativo, favorecendo

possibilidades de debates e trocas entre seus pares e com os adultos. Discutir a criança

produzindo-se enquanto sujeito ativo, bem como situações que favoreçam ou não essa

possibilidade na dinâmica da roda da conversa.

A metodologia adotada é a qualitativa, uma vez que busco tratar da realidade em sua

totalidade, não a dividindo em unidades menores para serem quantificadas ou isoladas, mas sim

levando “em conta todos os componentes em suas interações e influências recíprocas”, como

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bem salienta André (1995, p. 14), pois “a observação é chamada de participante porque parte

do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada,

afetando-a e sendo por ela afetado” (ANDRÉ, 1995, p. 24). O campo de investigação abarca

duas escolas: uma particular e a outra pública, um Centro de Educação Infantil (CEI), ambas

no interior de São Paulo. Assim, são analisadas duas realidades educacionais distintas e a roda

da conversa como prática pedagógica, em cada uma delas. São utilizadas a observação

participante na escola particular, a observação total no CEI, diário de campo, entrevista

semiestruturada e desenhos das crianças do CEI, assim como as narrativas, que permitem uma

reflexão e discussão dos processos. Como sujeitos participantes, temos uma professora

pesquisadora, uma professora, uma auxiliar de sala e vinte e três crianças no total na faixa etária

entre 3 e 6 anos.

A pertinência desse estudo refere-se às reflexões que consideram o aporte da roda da

conversa enquanto possibilidade de a criança constituir-se como sujeito no espaço educativo,

dando visibilidade às suas inquietações, curiosidades e observações e, com isso, promover

debates, troca de ideias e construção coletiva de metas e objetivos entre os pares, tendo o

professor como mais um componente e parceiro do grupo, em uma relação dialógica,

perseguindo uma concepção mais democrática e participativa de educação:

Ainda está distante a prática pedagógica (e/ou uma prática social) que se baseia em

relacionamentos por meio do diálogo, algo tão essencial no trabalho da Educação

Infantil. A pedagogia do diálogo, da escuta e do pensamento deve imperar nas

instituições educacionais, pois é ela que mantém a escola viva. (Malaguzzi apud

Dalhlberg et al. apud BORGES, 2014, p. 11)

Segundo o aporte teórico, tais procedimentos buscam dar lugar à criança como

protagonista de suas ações, buscando um contraponto e uma forma outra de visualizar e

promover a escuta socialmente às infâncias na atualidade. Compreendendo que o espaço

educativo e as infâncias não devem ser vistos como preparatórios ou localizados à margem da

sociedade, mas ocupando espaço político de direito em uma coletividade. Apesar de

vivenciarmos situações de controle e manipulação de várias esferas, massivamente pela mídia,

que em muitos momentos nos enxerga como meros consumidores, a criação de linhas de fuga

nos permite manifestar nossas singularidades agindo na contramão do que nos é imposto.

A análise dos dados é pautada em autores que refletem a respeito da infância como

acontecimento, tais como Jorge Larrosa e Walter Kohan. Célestin Freinet e Janusz Korczak

participam nos debates acerca da criança como sujeito ativo no espaço educativo, contando com

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contribuições de Loris Malaguzzi a respeito da experiência em Reggio Emilia, na educação da

primeira infância. A construção das narrativas tem aporte em Walter Benjamin.

A infância traz consigo utopias e sonhos para uma sociedade, formas diferentes da que

vivemos e vale-se do espaço educativo com objetivos sociais relacionados à ampliação de

vivências de participação e trocas, bem como fazeres coletivos em seu cotidiano. Pensar as

infâncias indica uma preocupação iminente com o presente e com formas educacionais

condizentes com essa proposta.

Em parceria com tais pressupostos, alia-se a proposta de investigação em educação

sociocomunitária que, nas palavras de Gomes (2009, p. 6):

surgiu do estudo da identidade histórica de uma prática educativa, a educação

salesiana. Em suas origens históricas, ela se fundava na articulação de uma

comunidade civil – de religiosos e cidadãos comuns – em torno de um projeto

educacional, que participou e promoveu transformações sociais em seu tempo e lugar

histórico.

Podemos perceber que se encontra implícito nessa concepção um “processo educacional

marcado por intervenções educativas que articulam a comunidade para transformações sociais”

(GOMES, 2009, p. 6). Dessa forma, podemos apontar uma concepção de educação que carrega

em si um comprometimento com a constituição do sujeito de direito articulado com as

transformações sociais, princípios que também delineiam o estudo em questão.

A discussão dos dados está organizada com base nos diálogos e na construção das

narrativas que permeiam a roda da conversa, assim como nas ponderações e inferências da

pesquisadora.

A inclusão de alguns desenhos das crianças permite enriquecer as narrativas, sendo esses

trabalhos compreendidos não só como forma de expressão, ou ainda exposição de pensamento

e sentimento, mas, principalmente, são “elevados ao status documental” (GOBBI, 2004, p. 20).

Busco, dessa forma, indicar sua relevância, assim como uma forte intenção de apresentar

documentos elaborados por crianças, registrando suas “inventividades”, e não retratos da

realidade, distanciando-as das intencionalidades primeiras dos adultos.

A pesquisa bibliográfica busca dissertações e teses no período de 2003 a setembro de

2015, com proximidades e distanciamentos com o presente estudo, o que nos permite visualizar

a relevância do assunto, uma vez que esta pesquisa busca ampliar as possibilidades da

participação da criança como sujeito ativo por meio da realização da roda da conversa nos

espaços e tempos educativos.

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O presente estudo segue apresentando quatro capítulos. No primeiro deles figura a

contextualização do problema de pesquisa, articulando-o com o objetivo do trabalho. O

segundo capítulo objetiva incluir concepções de Paiva (1996) a respeito de Freinet, assim

como contribuições de Korczak (1983) acerca da valorização dos momentos de diálogo e

planejamento coletivo nas reuniões-debate, finalizando com algumas reflexões sobre

alteridade, buscando compreender os princípios que podem propor outros caminhos. Por sua

vez, o terceiro capítulo apresenta a pesquisa bibliográfica realizada buscando no mundo

acadêmico quais produções nos últimos dez anos possuem semelhanças com o presente

estudo, bem como caracteriza os sujeitos e campos de pesquisa: duas escolas na região do

interior de São Paulo, uma pertencente ao ensino público e a outra à rede particular,

finalizando com o processo de construção e discussão dos dados. O quarto capítulo apresenta

a análise dos dados coletados à luz dos referenciais teóricos, procurando, inicialmente,

caracterizar a metodologia, os sujeitos e os procedimentos. E, por fim, as considerações finais

são apresentadas.

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CAPÍTULO I – VARANDO A VIDA ENTRE SENHAS E CONSENTIMENTOS: O

DEVIR-CRIANÇA INAUGURANDO O NOVO

Para se varar a vida

é preciso continuar letra a letra,

número a número,

decorando as senhas e as palavras exatas

que engolimos com café,

e tudo sem o nosso consentimento,

goela abaixo,

mas precisamos concluir o relatório

precisamos ser eficazes, fazer bonito.

(BREGALDA, 2012, p. 32)

O presente capítulo inicia-se indicando características da sociedade em que vivemos

que talvez nos leve a crer que apenas varamos a vida em vez de vivê-la, prosseguimos letra a

letra, número a número, envoltos em um sistema que exige decorar senhas e agir de maneira

exata, apenas engolimos o café e concluímos o relatório de modo eficaz e bonito. Distantes de

nossas particularidades, mas muito próximos das exigências do controle em que somos

capturados e massificados. Em contrapartida, o deparar com a infância nos convida a outras

maneiras de vivenciar o que chamamos existência, e, ao nos sentir tocados, aceitamos o convite

e experimentamos devires, movimentos que nos aproximam de quem somos enquanto sujeitos.

1.1. A infância na contemporaneidade: a criança como sujeito

Na sociedade contemporânea, ao mesmo tempo denominada disciplinar e de controle,

prevalecem, além dos mecanismos disciplinares, outros mais sutis que nos capturam e

interferem em nossos processos de produção de subjetividade, limitando nossas potencialidades

enquanto sujeitos, como aponta Araújo (2006). Processos estes que nos capturam, adultos e

crianças, concebendo a infância de forma normativa e destituída de singularidades.

Ao lançar olhares e reflexões sobre as crianças em uma tentativa de compreender mais

profundamente como vivenciam a infância5 e como esta é vista e concebida na sociedade atual,

5 Neste trabalho apresentamos significações distintas para os termos infância e infâncias. Infância, no singular, é

interpretada como experiência, como possibilidade de vivências intensas que acontecem em um tempo mais largo

associado à criação e seus devires. Infâncias, no plural, compreendem maneiras de nos referir as mais variadas

formas de expressão aliadas à criança, marcando sua alteridade, em oposição a formas estereotipadas e rígidas de

caracterizá-la.

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surge o questionamento, escopo deste estudo, a respeito das possibilidades de a criança

produzir-se enquanto sujeito ativo com a amplitude de sua voz por intermédio da roda da

conversa no espaço educativo. Pautando-nos no conceito de “devir-criança”, buscamos discutir

a infância como multiplicidade, acontecimento e possibilidade, em oposição à ideia de

linearidade, cronologia e previsibilidade, como discute Kohan (2004) acerca das contribuições

de Deleuze e Guattari.

A criança traz em si maneiras inusitadas e múltiplas de ser, que muitas vezes foge à

lógica do adulto e faz repensar. Lembro-me de uma situação com um garotinho em que,

enquanto aguardávamos a vez de nos servir no refeitório, ele me lançou a seguinte pergunta:

– Você tem medo de bicho-papão?

Respondi:

– Não...

– E de vampiro?

Respondi já curiosa, querendo saber aonde ele pretendia chegar:

– Também não.

Então completei, tentando mostrar que também tinha medos.

– Eu tenho medo de ladrão.

De repente veio a resposta tão inesperada quanto a pergunta inicial

– Ah... mas o ladrão só rouba as coisas da gente. (Diário de campo, 06/08/2016).

Fiquei por algum tempo pensando na resposta, e em especial no trecho “só rouba”, que

para mim era o pior de tudo e me causava muito mais que medo, e para ele soava como algo

irrelevante. Na sociedade capitalista e consumista na qual vivemos, em que o ter prevalece ao

ser, vivenciamos sentimentos distintos, eu como adulta já impregnada por essa lógica, e o

menino enquanto criança, preocupado com o bicho-papão e vampiros, entendendo que esses

seres levariam a sua existência, e não os seus bens materiais.

Pensar as infâncias como maneiras inusitadas e inventivas de ser que se ligam ao que

ainda não sabemos nos permite refletir sobre os devires. Nietzsche (apud DELEUZE, 1992)

apresenta-nos o termo “devir” como acontecimento, algo que escapa à história, o original. A

história não é a experimentação, ou seja, o evento em si, o acontecimento, ela apenas designa o

conjunto e a sucessão das condições de uma experiência, reportando-se ao que já aconteceu.

No devir, há uma criação do novo, há “o que Nietzsche chama de intempestivo”, como elucida

Deleuze (1992, p. 210-211).

Reportar às três metamorfoses de Nietzsche (2013) também nos permite alargar a

compreensão acerca da criança, ao mesmo tempo em que vem ao encontro da concepção de

infância contemplada neste trabalho. Nietzsche (2013), ao se referir às três metamorfoses do

espírito, mostra a primeira, que faz alusão ao camelo, um animal que suporta pesadas cargas,

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rejubilando-se, mas que, quando sobrecarregado, dirige-se ao deserto e, na solidão, transforma-

se em leão na tentativa de conquistar a liberdade. Luta com o dragão “tu deves”, impondo o seu

“eu quero”, em uma investida de romper com valores milenares em busca de sua liberdade, mas

ainda não consegue criar novos valores. Nesse momento, ocorre a terceira metamorfose: o leão

transforma-se em criança, que traz consigo “inocência, esquecimento, um recomeço”

(NIETZSCHE, 2013, p. 43).

Nessa analogia, o espírito humano inicia-se como camelo para atingir o último estágio

como criança, adotando uma lógica de evolução que abandona a posição de suportar o peso das

cargas – o que lhe é imposto pelas gerações passadas – para tornar-se criança, inaugurando o

novo, trazendo o descompromisso de perpetuar o que já foi determinado, abrindo-se novos

caminhos.

Voltando ao espaço educativo, observamos propostas de atividades sendo transmitidas

de maneira sistemática às crianças e, mesmo que muitas delas tenham sido elaboradas

conjuntamente, ao serem realizadas saem do plano das ideias e passam para o real, mas o

imaginário da criança atua sem cessar e muitas outras possibilidades não planejadas podem

acontecer. A criança faz incessantes convites aos adultos para que ingressem na viagem do novo,

produzindo infância, como elucida Abramowicz (2015). Nesse momento, inúmeras

possibilidades disruptoras são lançadas como garoa fina, que pode nos atingir, modificando-

nos, deixando-nos molhados, impregnados e envolvidos com a experiência, que, diferentemente

do que foi planejado, agora se enriquece, transforma-se, torna-se dialógico, colocando adultos

e crianças em condição de troca, não mais em oposição e hierarquia, mas em sintonia. Abrem-

se possibilidades para o adulto permitir-se contaminar por essa outra maneira de vivenciar o

agora e acessar as infâncias dentro de si.

Abramowicz (2015, p. 76) nos provoca ainda mais, mexendo com nossa postura

autoritária e sisuda de adulto, quando afirma que infância é uma experiência, não uma etapa

cronológica, e que não tem a ver com idade, com cronologia, “etapa psicológica ou a uma

temporalidade linear”, com situações que ocupam uma linha fixa de sucessão. “Está ligada ao

acontecimento; vincula-se à arte, à inventividade, ao intempestivo, ao ocasional, vinculando-

se, portanto, a uma des-idade”. O adulto pode deixar-se envolver por essa outra maneira de

conceber a prática da vida, assim como o soldado que aos poucos se despe da armadura, que o

faz parecer forte e superior, e permite-se atravessar pela infância, deixando-se vivenciar devires,

ampliando capacidades de criação. Muda-se a postura perante a vida, permitindo-se invenções

e produções, em vez de imposições: “o poder da vida opondo-se ao poder sobre a vida”

(ABRAMOWICZ, 2015, p. 76).

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1.2. O devir-criança e o espaço educativo

O devir-criança permite trazer implícito um olhar e uma escuta para as infâncias,

buscando outra temporalidade, ligada à revolução, à experimentação e à criação. Assim, como

nas metamorfoses de Nietzsche (2013), o leão surge para resgatar a liberdade perdida, mas não

consegue criar e inaugurar uma nova liberdade, somente a criança cria a “liberdade libertada”

que vai além do passado e do futuro, e que se inscreve no incerto, uma liberdade que não se

sustenta no conhecido. “A liberdade é a experiência da novidade, da transgressão, do ir além do

que somos, da invenção de novas possibilidades de vida” (LARROSA, 2009, p. 98).

A liberdade que se encontra na criança, tão distante do leão enquanto força que impõe e

amedronta, faz-nos repensar sobre a criação das linhas de fuga, que nascem das conquistas,

lutas, tensões e criações que envolvem nosso cotidiano dentro e fora das relações e das

instituições. O que nos possibilita tomar certo distanciamento do controle que nos captura nessa

sociedade consumista e controladora, em que até mesmo a liberdade é uma mercadoria – que

consumimos e que nos consome – e, portanto, nos subjetiva nessa perspectiva.

Na possibilidade de transgressão é que residem indicativos de novos recomeços e outros

caminhos, que rompem com noções lineares e cronológicas no tempo, buscando

acontecimentos e possibilidades, proporcionando, assim, novas construções que podem

permitir outros “processos de subjetivação” que podem ser conceituados como as maneiras

próprias e singulares que constituem nossas maneiras de ser e estar no mundo, inventando novas

possibilidades de vida e interferindo nas potencialidades do sujeito, e logo das relações sociais.

Nesse sentido, justificamos a relevância de repensarmos a noção de infância dentro do

espaço educativo:

A infância como um outro não é o objeto (ou o objetivo) do saber, mas é algo que

escapa a qualquer objetivação e que se desvia de qualquer objetivo: não é o ponto de

fixação do poder, mas aquilo que marca sua linha de declínio, seu limite exterior, sua

absoluta impotência: não é o que está presente em nossas instituições, mas aquilo que

permanece ausente e não abrangível, brilhando sempre fora de seus limites. Assim, a

alteridade da infância não significa que as crianças ainda resistam a serem plenamente

capturáveis por nossos saberes, nossas práticas e nossas instituições; nem sequer

significa que essa apropriação talvez nunca poderá realizar-se completamente.

(LARROSA, 2013a, p. 185)

A criança, com sua alteridade, sua maneira singular de ser e de estar no mundo, carrega

consigo infinitas possibilidades de refazer o hoje, escrevendo um futuro inusitado, permitindo

o revolucionário para além de nossos saberes e práticas institucionalizadas. Nesse sentido, há a

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intenção de abordar a criança como sujeito, dentro do espaço educativo, com toda a sua

potencialidade e proposição de mudanças.

Parece-nos relevante adulto e criança ingressarem juntos, como parceiros, em uma

jornada na qual cada passo constrói o próximo. Não há uma maneira única de percorrer o que

foi planejado, mesmo que coletivamente; o inusitado, o imprevisto, o imprevisível é a todo o

momento garantido pelas crianças, fazendo do caminho um processo dialógico de construção.

Para compreendermos, com mais amplidão, os conhecidos espaços educativos

destinados às crianças hoje, são necessárias algumas explicações acerca da sociedade pós-

industrial, na qual vivemos, sob um controle disciplinar por meio de uma ligação extrema entre

as exigências de produção e as maneiras de apropriação dos indivíduos. Formalizando, assim,

uma correspondência entre as exigências econômicas e sociais, criando uma relação estreita

entre capital e força de trabalho, intensificando ao máximo o controle em uma tentativa de gerar

mais produtividade e capital, conforme discute Araújo (2006).

Atualmente, vivemos um capitalismo pós-industrial ou “rizomático”, que, em vez de

buscar outras formas de aprisionamento, complementa as já existentes em uma tentativa de

abarcar a vida como um todo, englobando todos os sujeitos como um só corpo, como nos aponta

Barbalho (2007).

O sistema disciplinar que ocorria no interior das instituições agora se encontra por toda

parte, ou seja, no social como um todo. Vivemos em uma sociedade de controle que,

diferentemente da disciplinar, cujo poder aparecia de forma hierárquica e vertical, agora se

expressa de maneira ilocalizável, não tendo mais uma aparência definida, mas sim dispersa no

emaranhado das redes sociais, que ficam à nossa espreita, na tentativa de capturar nossos

pensamentos, desejos e intenções. Costa (2004) dá-nos indícios da característica desse controle

– biopolítico – por meio das atividades de modulação quando esclarece:

[...] o importante parece ser essa atividade de modulação constante dos mais diversos

fluxos sociais, seja de controle do fluxo financeiro internacional, seja de realização

constante do consumo (marketing) para regular os fluxos de desejos, não esqueçamos,

da expansão ilimitada dos fluxos de comunicação. (COSTA, 2004, p. 162)

Atentarmo-nos para essas atividades de modulação permite-nos desenvolver

mecanismos de percepção para o tanto que possamos ser sugados, transformados e

recondicionados pelo marketing, pela lógica do consumismo, que se vale dos mais diversos

fluxos de comunicação para determinar modos de vida.

Na sociedade de controle, não observamos mais métodos de “interceptação de

mensagens”, vivenciamos um processo mais apurado e sutil de “rastreamento de padrões de

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comportamento”, como nos coloca Costa (2004). Ao mesmo tempo em que esse controle nos

transmite a sensação de fazer parte de um grupo considerado conectado e ligado às últimas

informações e novidades do mercado, somos, em contrapartida, totalmente rastreados,

manipulados e transformados em seres que apenas consomem. Apesar de vivenciarmos

intensamente os mecanismos de controle, somos, em muitos momentos, impelidos por nossas

singularidades a agir na contra mão de movimentos homogeneizadores, criando linhas de fuga

que nos permitem sintonia com nossas reais necessidades.

Neves (1997) nos dá indicativos de como o Brasil encontra-se em um quadro ainda mais

complexo, na medida em que não vivemos em uma sociedade somente de controle, apesar de a

vivenciarmos mais intensamente, ainda que tenhamos em várias instituições um funcionamento

mais típico da sociedade disciplinar. Quando observamos a mídia, por exemplo, notamos

indícios dessa sociedade de controle; no entanto, nos espaços educativos ainda prevalecem

mecanismos tipicamente disciplinares.

Dependendo do equipamento social (escola, empresa, posto de saúde) a que estejamos

ligados e sua proximidade com o Estado, podemos perceber um funcionamento típico

da sociedade de controle disciplinar, sendo então fundamental que cartografemos, a

cada situação, que regras estão em funcionamento. (NEVES, 1997, p. 90)

A autora suscita-nos a não apenas apurar nosso olhar e escuta, tornando-os atentos,

buscando “cartografar” regras implícitas, mas a produzir reflexões acerca das naturalizações

criadas por essas lógicas totalitárias e homogeneizadoras. Tal movimento se faz necessário e

prudente, nesse momento, para que, pela identificação das linhas de força que se configuram e

capturam nossos desejos e modos de vida, possamos “buscar a invenção de estratégias que

apontem/desmontem essas naturalizações produzidas”, permitindo linhas de fuga (NEVES,

1997, p. 90).

Buscamos interpretar as ressonâncias produzidas em nós acerca dos mecanismos de

controle nos apelos constantes de propagandas e produtos de consumo nessa sociedade de

comunicação, de informação frenética, de novidades, de selfs nas redes sociais, assim como

nossas aspirações e desejos capturados e distorcidos a todo o momento.

Assim como os adultos, as crianças também são impactadas pelas mídias de massa,

sofrendo estímulos constantes e abusivos para um consumismo desenfreado. Nesse momento,

compactuamos com as colocações de Ferreira (2004) analisando a infância hoje: falta de

espaços para brincar, o que impossibilita o exercício da infância; incompreensão e

incomunicabilidade com o adulto; exposição excessiva aos meios de comunicação e imagens

estereotipadas e apelativas; condenação da criança à execução de trabalhos maçantes e

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repetitivos, como os adultos, ou trabalhos de “mentirinha” cujo objetivo real é a transmissão de

conteúdos fragmentados e dissociados de sua aplicação no cotidiano, e não a busca prazerosa

pelo conhecimento, como modo de solução de problemas reais.

Observamos comerciais e outdoors produzidos diretamente para o público infantil, e

crianças bastante pequenas com tablete e celular nas mãos, muitas vezes não só com a

permissão, mas com o incentivo dos adultos. Uma reflexão mais ampla a respeito dessa questão

não envolve somente os familiares, mas os espaços educativos enquanto instituições

“produtoras de subjetividade” e propositoras de “experiências de si”, constituindo o sujeito.

Pautando-nos em Larrosa (2008), podemos compreender “experiências de si” como

vivências que se produzem e constituem-se no decorrer da história e pelas quais “o sujeito se

oferece a seu próprio ser quando se observa, se decifra, se interpreta, se descreve, se julga, se

narra, se domina” (LARROSA, 2008, p. 43), em um processo contínuo e constante de

experiências acerca de si com relação a determinadas problematizações envoltas em práticas,

tendo caráter eminentemente contingente e singular. Alargando tal discussão, Foucault (apud

DELEUZE, 1992) nos fornece indícios para a compreensão dos processos de produção de

subjetivação:

[Foucault] reorientava toda sua pesquisa em função do que chamava de modos de

subjetivação. Não era, de maneira alguma, um retorno ao sujeito: era uma nova

criação, uma linha de ruptura, uma nova exploração onde mudavam as relações

precedentes com o saber e o poder. (DELEUZE, 1992, p. 131)

A referida citação nos oferece indícios para que possamos ampliar nossa compreensão

acerca do sujeito como um indivíduo inacabado e suscetível de mudanças e transformações

sucessivas e constantes por intermédio dos modos de subjetivação, capaz de interferir nas

relações já existentes entre o saber e o poder, inaugurando novos modos de ser e estar no mundo.

Larrosa (2008) faz algumas reflexões acerca das práticas e discursos pedagógicos

enquanto produtores de pessoas e afirma que não podemos analisar o “sujeito individual”

apenas por essas práticas e nem independente delas, mas por uma complexa articulação, tanto

das práticas quanto dos discursos pedagógicos, permitindo a constituição do sujeito como ele

é.

Podemos definir a subjetivação como uma experiência de si, que constitui o sujeito, pois

é “histórica, particular e contingente” estabelecendo uma relação consigo mesmo. Precisamos

aqui ter em mente as cinco respectivas dimensões fundamentais que constituem os dispositivos

pedagógicos de produção e mediação da experiência de si: óptica (o que é visível no sujeito

para si); discursiva (o que o sujeito pode e deve dizer de si); jurídica (o sujeito julga a si mesmo

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de acordo com normas e valores); narrativa (é contando suas histórias que o sujeito dá a si uma

identidade no tempo); e a prática (o que o sujeito pode e deve fazer consigo).

Larrosa (2008) brinda-nos com indícios de como espaços e tempos educativos nos

conferem identidade, promovendo ações sobre nós que podem visar a transformações,

priorizando sujeitos singulares. Ou, de outra maneira, espaços que buscam a manutenção de

normas e valores condizentes com a sociedade consumista e controladora em que vivemos,

criando subjetividades alienadas e padronizadas. Desse modo, tais espaços favorecem uma

consonância com as exigências da sociedade pós-industrial, em que se priorizam a

produtividade e a apropriação dos corpos em uma relação estreita entre capital e produtividade.

Quando lançamos um olhar mais apurado para a infância, observamos modos de vida

produzidos por essa lógica, que fabrica desejos e aspirações, atuando de forma direta e

contundente. Lógica esta que, por um lado, promove a retirada de espaços e condições de

vivenciar a espontaneidade, a criatividade, conduzindo a uma restrição do brincar que envolve

o corpo e suas possibilidades de movimento, e, por outro lado, fomenta uma produção de

subjetividades canalizadas para o consumo.

Quando buscamos inter-relações nos espaços e tempos educativos, observamos práticas

extremamente marcadas pela disciplina, enrijecendo rotinas, horários, usos de ambiente e

materiais. Podem aqui ser indicadas várias situações que exemplificam tais colocações nos

espaços educativos, observando determinações de horários para cada grupo de crianças, sem

possibilidades de alterações, materializados em quadros afixados nas paredes, enrijecendo o

uso de lugares dentro do espaço educativo, apoiando mecanismos disciplinares e incentivando

sua continuidade e perpetuação. Se, por um lado, vemos lógicas de subjugação das crianças,

acreditando que diferentes faixas etárias não sabem e não podem conviver, pois não teriam

respeito e cuidado umas com as outras, por outro fragmentamos o ambiente educativo em

pequenos trechos, que só podem ser utilizados naquele determinado espaço de tempo. No

entanto, a cada vez que agimos na contra mão dessas lógicas totalitárias e homogeneizadoras e

propomos oportunidades de intercâmbios e convivências, deparamo-nos com crianças maiores

cuidando das menores, ou então os pequenos desfrutando e compartilhando da brincadeira dos

grandes.

Da mesma forma acontece com as rotinas desenvolvidas no interior das salas de aula,

que não são revistas e por isso mantidas independentemente da demanda de cada dia e de seus

sujeitos.

No momento em que materiais são controlados por adultos, que deliberam e ordenam

quando, onde e como eles devem ser usados, agimos em uma lógica de julgamento da criança

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como incapacitada de ter iniciativas, opiniões e ações sobre um ambiente que deveria ter sido

estruturado para ela e/ou com ela, para que pudesse intervir, organizar, rever e reverter, e não

ficar passivamente aguardando o comando do adulto.

Refletir a respeito de como a criança vivencia, e como produz suas subjetividades no

espaço educativo, com respeito a esses processos tão lineares e maçantes, faz-nos pensar na

necessidade de linhas de fuga e de ruptura – criação e aberturas de canais que permitam

colocações e avaliações por parte das crianças, o que indicaria mudanças. Podemos citar, como

exemplo, atitudes mais flexíveis e estruturadas, com base em um plano de trabalho construído

coletivamente que buscaria uma escuta das crianças interligada com as proposições da

professora, bem como contemplaria a demanda dos trabalhos a serem concluídos. E que

incorporaria, portanto, o inusitado, o imprevisto e o imprevisível.

Faz-se necessária a construção de um processo de argumentação e valorização da voz

das crianças, não com um encantamento ingênuo e vazio de sentidos por parte do adulto, mas

com uma postura dialógica, porque também o adulto se faz com e por intermédio das crianças.

Ao observarmos a sociedade contemporânea e seus mecanismos de controle, vemos uma

infância capturada, com crianças manipuladas e encarceradas em etapas do desenvolvimento,

em projetos quantificáveis e cronológicos, movimentos que as levam a pensar no futuro,

distanciando-as do hoje e do agora – e, por sua vez, a escola como uma instituição que em

muitos momentos reforça tais procedimentos.

A cada vez que os planejamentos são totalmente estruturados, sem ao menos conhecer

as crianças, e executados, de forma inflexível e metódica, instauramos uma realidade hipotética

e muitas vezes baseada nas perspectivas daquela faixa etária (etapas do desenvolvimento) e

deixamos de nos ater aos diferentes interesses, curiosidades e peculiaridades daquele grupo.

Quando a sucessão cronológica das atividades a serem realizadas sobrepõe-se aos

questionamentos e às necessidades que vão surgindo durante a execução desses planejamentos,

os fazeres vão ganhando um caráter preparatório e sequencial, ligando-se mais ao futuro que à

riqueza do presente, contribuindo para que a criança construa uma visão normativa e linear de

si mesma, fechando possibilidades de mudanças e de invenções.

Parece-nos pertinente entrelaçar a concepção de infância apresentada no presente estudo

com a afirmação de Hannah Arendt trazida por Larrosa (2013b, p. 40) a respeito de educação:

“a essência da educação é a natalidade, o facto de que os seres humanos nascem para o mundo”.

Pertinente também compreender a educação por três perspectivas apontadas por Larrosa

(2013b) baseando-se em Arendt: duplo amor, dupla responsabilidade e dupla entrega, o que nos

permite inúmeras possibilidades de novos olhares e escutas para a educação. O amor aqui

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colocado não tem relação somente com a infância, mas com o amor que sentimos pelo mundo

a ponto de assumir a responsabilidade por ele, em um processo de parceria, doando nossa cota

de cuidado e ações, visando a melhorias para o lugar em que vivemos. E a dupla entrega coroa

todo esse processo no sentido em que nos coloca em uma posição de disponibilidade nessa

relação. Interessante salientar que o amor também está direcionado para as crianças, pois, a

partir do instante em que as acolhemos por meio da educação e não a abandonamos à própria

sorte, há um chamamento para que se estabeleça um vínculo, uma relação.

Em contrapartida, não podemos “arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender

alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a

tarefa de renovar um mundo comum” (LARROSA, 2013b, p. 40). Há um processo complexo e

harmonioso que se forma deixando transparecer a infância como aquela que “abre

possibilidades de mundo”, e a educação assumindo o papel de “dispositivo”, inaugurando

outros tempos e espaços, ou seja: “a possibilidade de um tempo outro que interrompa a

continuidade dos tempos e também a possibilidade de um espaço outro que interrompa a ordem

social das fixações e das pertenças” (LARROSA, 2013b, p. 42, grifos do original)

A educação, por essa perspectiva, não estabelece condições, mas abre possibilidades,

inaugurando criações, explorações e descobertas “promovendo infâncias” (ABRAMOWICZ,

2015).

No entanto, olhando com minúcia e cautela para a realidade que permite pensar a

educação que temos, é que fui conduzida a muitos questionamentos, quais sejam: Qual é a

identidade de nossos espaços educativos e qual identidade gostaríamos que fosse? Se temos

espaços e tempos tão controlados e enrijecidos, como podemos querer que nossas crianças

sejam democráticas e flexíveis? Projetos pedagógicos e planejamentos elencam objetivos

recheados de palavras bonitas: cidadãos críticos e conscientes; porém, como concretizar essa

proposta se o que as crianças vivenciam as forçam a aceitar o que está posto? Não há indagações

sobre se gostam – e, mesmo que digam, não são ouvidas ou consideradas. Pensar na identidade

do que oferecemos às nossas crianças nos espaços ditos educativos parece-nos por demais

penoso, e talvez seja necessário nos reportarmos a situações e realidades que forneçam indícios

de mudanças.

A abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância nos alimenta de

possibilidades e olhares múltiplos não só para a educação como um todo, mas para nossos

fazeres e pensares educativos. As palavras de Malaguzzi (1999, p. 73) (apud EDWARDS;

GANDINI; FORMAN, 1999, p. 73) nos auxiliam nas reflexões:

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Acredito que nossas escolas mostram a tentativa que tem sido feita de se integrar o

programa educacional com a organização do trabalho e com o ambiente, para que

possa haver movimento, interdependência e interação máximos. A escola é um

organismo dinâmico e inexaurível e possui suas dificuldades e controvérsias, mas,

sobretudo, alegria e capacidade para lidar com as perturbações externas.

Malaguzzi (apud EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 1999) indica-nos um trabalho

centrado na “pedagogia da relação” que, apesar de sustentar o foco na criança, mantém vivo

um canal de ligação e comunicação entre professores, família e crianças, ou seja, os três

protagonistas do processo educativo. Há uma inter-relação entre adultos e crianças, pois os

papéis entre eles são complementares: “fazem perguntas uns aos outros, ouvem e respondem”

(Malaguzzi apud EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 1999, p. 79).

Considerar a criança “especialista de sua própria vida” confere-lhe outro patamar de

relações e possibilidade de trocas.

A escola da criança começa quando terminam as suas condições assistenciais e de

suplência e se constrói, assumindo como estratégia geral a centralidade das crianças,

dos professores, das famílias, do ambiente e dos ambientes de trabalho. A

tentativa de agregar as bases organizacionais e as da projectualidade e da investigação

educativa é o que diferenciou e assinala o nosso compromisso. (Malaguzzi apud

STROZZI, 2015, grifos do original).

A partir do momento que compreendemos a criança como participante dos pensares e

fazeres no espaço educativo, apontando o que deve ser mantido e o que necessita de mudanças,

começamos a construir outros parâmetros de relação e diálogo baseados em uma construção

coletiva, em uma inter-relação, assumindo um panorama pelo qual as relações ganham

centralidade.

1.3. Propostas curriculares

Não podemos deixar de trazer para reflexão algumas leis que ditam parâmetros para o

trabalho desenvolvido nos espaços e tempos educativos que indicam a concepção de criança

que deve permear nossas ações. A elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Infantil (BRASIL, 2010) está articulada com as Diretrizes Curriculares Nacionais

para a Educação Básica (BRASIL, 2013, p. 86) indicando a concepção de criança como:

sujeito histórico e de direitos que se desenvolve nas interações, relações e nas práticas

cotidianas a ela disponibilizadas e por ela estabelecidas com adultos e crianças de

diferentes idades nos grupos e contextos culturais nos quais se insere. Nessas

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condições ela faz amizades, brinca com água ou terra, faz de conta, deseja, aprende,

observa, conversa, experimenta, questiona e constrói sentidos sobre o mundo e suas

identidades pessoal e coletiva, produzindo cultura.

Com essa citação, podemos perceber a compreensão da criança como sujeito histórico,

pertencente a uma época, detentor de direitos e que se constitui de maneira individual e coletiva

em sua identidade, ou seja, forma-se sujeito nos diversos contextos de que participa, por meio

de variadas práticas e pensares, o que nos permite indagações a respeito das construções

subjetivas que permeiam os espaços educativos e as relações estabelecidas entre os diversos

sujeitos que compõem esses ambientes.

Em alinhamento com as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil, temos no

Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil um documento:

concebido de maneira a servir como um guia de reflexão de cunho educacional sobre

objetivos, conteúdos e orientações didáticas para os profissionais que atuam

diretamente com crianças de zero a seis anos, respeitando seus estilos pedagógicos e

a diversidade cultural brasileira. (BRASIL, 1998, p. 6).

Com um caráter reflexivo, o referencial foi debatido em vários espaços educativos

destinados as crianças pequenas, permitindo um diálogo mais próximo com as práticas

desenvolvidas. Na tentativa de estabelecer uma ponte com o presente trabalho, lancei-me em

uma interlocução com o referido documento na investida de verificar se há alguma menção à

realização da roda de conversa.

O Referencial Curricular para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) é um documento

composto de três volumes. O primeiro deles apresenta “uma reflexão sobre creches e pré-

escolas no Brasil” com fundamentações a respeito de criança, educação, instituição e

profissional, indicando um trabalho que priorize “pluralidade e diversidade ética, religiosa, de

gênero, social e cultural das crianças brasileiras”, propiciando propostas que favoreçam e

valorizem a diversidade brasileira. Nesse volume aparece a intenção de realizar uma

fundamentação teórica e um delineamento em linhas gerais sobre como devem acontecer as

práticas. Pode-se perceber então uma ênfase na interação social indicando a necessidade de

promover “situações de conversa” garantindo a troca, a comunicação e a expressão das crianças.

Na questão relativa à “organização do tempo”, há indicação de três modalidades: “atividades

permanentes, sequência de atividades e projetos de trabalho”. Nas atividades consideradas

permanentes, definidas como “aquelas que respondem às necessidades básicas de cuidados,

aprendizagem e de prazer para as crianças, cujos conteúdos necessitam de uma constância”,

encontramos a indicação da roda da conversa, logo, como estratégia permanente, acompanhada

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de outras propostas: brincadeiras no espaço interno e externo, roda de história e ateliês ou

oficinas de desenho, pintura, modelagem e música (BRASIL, 1998, v. 1, p. 55 ).

O segundo volume “é relativo ao âmbito de experiência Formação Pessoal e Social”

favorecendo os “processos de construção da Identidade e Autonomia das crianças”. No tópico

referente às atividades permanentes, busca-se explicitar cada uma das propostas citadas no

primeiro volume, registrando uma identificação da roda da conversa e do faz de conta como

situações que “constituem-se em situações privilegiadas para a explicitação das características

pessoais, para expressão dos sentimentos, emoções, conhecimentos, dúvidas e hipótese quando

as crianças conversam entre si e assumem diferentes personagens nas brincadeiras”, como

atividade de expressão (BRASIL, 1998, v. 2, p. 62). Há também uma menção ao

desenvolvimento da autonomia, na medida em que favorece situações de escolha de atividades

e propostas a serem desenvolvidas pelo grupo.

Finalizando com o terceiro volume, intitulado “Conhecimento de mundo”, que é

direcionado para a “construção de diferentes linguagens e relações com os objetos de

conhecimento: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e

Sociedade e Matemática”. Quando focamos no item de linguagem oral e escrita, observamos

um apontamento referente à roda da conversa agindo como um dispositivo que pode não ser

democrático nem dialógico:

O trabalho com a linguagem oral, nas instituições de educação infantil, tem se

restringido a algumas atividades, entre elas as rodas de conversa. Apesar de serem

organizadas com a intenção de desenvolver a conversa, se caracterizam, em geral, por

um monólogo com o professor, no qual as crianças são chamadas a responder em coro

a uma única pergunta dirigida a todos, ou cada um por sua vez, em uma ação

totalmente centrada no adulto. (BRASIL, 1998, v. 3, p. 119)

Compreendemos que, assim como o trabalho com a linguagem oral não pode restringir-

se apenas à roda da conversa, esta por sua vez também não pode ficar atrelada somente à questão

da oralidade e de suas possibilidades de ampliação. Pensar na roda da conversa exige

movimentos mais amplos de escuta, articulação, resolução de conflitos, relatos e vivências, que

nos permitem lidar com nossas histórias, medos e desejos, buscando não só a construção de um

trabalho coletivo, mas um reconhecimento enquanto sujeitos e autores de nossa vida.

Ainda no terceiro volume, no item das Orientações Didáticas, há a transcrição de um

trecho de roda da conversa no qual a criança foi questionada a respeito de suas faltas e, ao

responder, teve dificuldade em explicar sobre sua doença. A professora foi questionando e

auxiliando para que todos entendessem que a doença era catapora. Em seguida, há uma ênfase

na importância de o professor auxiliar a criança na construção da fala para que todos pudessem

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entender, aliada a uma postura de facilitador para que ocorra interlocução e participação de

todos. Em outros momentos, agindo como “evocador de lembranças”, trazendo objetos que

possam desencadear lembranças ou mesmo enriquecer as narrativas das crianças.

Encontramos mais adiante algumas indicações de como deve ser organizada a roda da

conversa visando à “ampliação do universo discursivo das crianças”:

Pode-se [sic] organizar rodas de conversa nas quais alguns assuntos sejam discutidos

intencionalmente, como um projeto de construção de um cenário para brincar, um

passeio, a ilustração de um livro etc. Pode-se, também, conversar sobre assuntos

diversos, como a discussão sobre um filme visto na TV, sobre a leitura de um livro,

um acontecimento recente com uma das crianças etc. (BRASIL, 1998, v. 3, p. 138)

O documento indica a roda da conversa como:

o momento privilegiado de diálogo e intercâmbio de ideias. Por meio desse exercício

cotidiano as crianças podem ampliar suas capacidades comunicativas, como a fluência

para falar, perguntar, expor suas ideias, dúvidas e descobertas, ampliar seu

vocabulário e aprender a valorizar o grupo como instância de troca e aprendizagem.

A participação na roda permite que as crianças aprendam a olhar e a ouvir os amigos,

trocando experiências. Pode-se, na roda, contar fatos às crianças, descrever ações e

promover uma aproximação com aspectos mais formais da linguagem por meio de

situações como ler e contar histórias, cantar ou entoar canções, declamar poesias, dizer

parlendas, textos de brincadeiras infantis etc. (BRASIL, 1998, v. 3, p. 138)

Ainda buscando interlocuções com documentos que objetivam refletir a respeito das

concepções e fazeres no espaço educativo, na sequência construímos diálogos com um texto,

ainda em fase de construção, intitulado A educação infantil na Base Nacional Comum

Curricular. Parte integrante de uma documentação mais ampla (Base Nacional Comum

Curricular – BRASIL, 2015), visto que abrange todos os níveis de ensino, pretende, valendo-

se dessa versão inicial elaborada pela Secretaria de Educação Básica do Ministério da

Educação, colher contribuições da sociedade como um todo, para posterior elaboração de uma

segunda versão e encaminhamento ao Conselho Nacional de Educação, órgão que se

responsabiliza pela aprovação ou não do documento.

O referido documento inicia-se apontando um movimento em nosso país, nas últimas

décadas, de construção de “uma nova concepção sobre como educar e como cuidar de crianças

de zero a cinco anos em instituições educacionais”, em uma tentativa de rompimento com dois

modos de atendimento que vêm acontecendo historicamente: “o assistencialismo, que

desconsidera a especificidade educativa das crianças dessa faixa etária”, por um lado, e “o

escolarizante, que se orienta, equivocadamente, por práticas do Ensino Fundamental”, por outro

lado (BRASIL, 2015, p. 18).

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Pensar em uma educação situada na demanda dos sujeitos, situados nos espaços e

tempos educativos do qual fazem parte, aproxima-nos das reflexões do presente trabalho, uma

vez que tais reflexões consideram opiniões e proposições ligadas a acontecimentos e situações

reais que afetam a vida dos sujeitos envolvidos, que coletivamente podem buscar soluções.

Mais adiante o documento enfatiza a importância das relações na construção de

conhecimentos não só com “parceiros adultos”, mas com “companheiros de idade”, salientando

“a especificidade dos recursos que utilizam, tais como a corporeidade, a linguagem e a

emoção”, na maneira como as crianças se relacionam com o mundo, tudo aliado a um trabalho

pedagógico cujo foco seja “a formação pela criança de uma visão plural de mundo e de um

olhar que respeite a diversidade” (BRASIL, 2015, p. 18). Esses pressupostos estão em

consonância com várias colocações desta dissertação, uma vez que enfatiza a linguagem e as

emoções como canais privilegiados de comunicação da criança com o mundo, em relação direta

com a visão de sujeito ativo que fala de si, narrando suas vivências e experiências, bem como

participa de planejamentos e decisões coletivas por meio das rodas de conversa.

Ainda no documento em questão, há a indicação de três princípios que devem guiar os

projetos pedagógicos dos espaços educativos:

éticos: autonomia, responsabilidade, solidariedade, respeito ao bem comum, ao meio

ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades;

políticos: direitos de cidadania, exercício da criticidade, respeito à ordem

democrática;

estéticos: sensibilidade, criatividade, ludicidade, liberdade de expressão nas

diferentes manifestações artísticas e culturais (BRASIL, 2015, p. 19)

Quando nos atemos aos direitos de cidadania, somos conduzidos a formas ampliadas de

participação, considerando relevantes modos de pensar e de organizar cada sujeito e coletivos

que compõem o ambiente educativo. Entrelaçando com o que acabamos de citar, o documento

indica “seis grandes direitos de aprendizagem que devem ser garantidos às crianças na

Educação Infantil: conviver, brincar, participar, explorar, comunicar, conhecer-se”. Pertinente

com o presente trabalho, ressaltamos o item participar, uma vez que coloca a criança em uma

situação de “protagonismo tanto no planejamento, como na realização das atividades

recorrentes da vida cotidiana, na escolha das brincadeiras, dos materiais e dos ambientes,

desenvolvendo linguagens e elaborando conhecimentos” (BRASIL, 2015, p. 19).

Observamos no item “campo de experiências: escuta, fala, pensamento e imaginação”

uma menção à importância da realização das rodas de conversa: “participar ativamente de rodas

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da conversa, de relatos de experiência, de contação de histórias, elaborando narrativas”

(BRASIL, 2015, p. 24).

Não obstante, já no âmbito municipal, encontramos ecos da lei federal quando fora

instituída a Comissão Própria de Avaliação (CPA), em 2008, com objetivo de construir

“conhecimento sobre sua própria realidade, com a finalidade de planejar as ações destinadas ao

aprimoramento institucional e à superação das dificuldades” (PREFEITURA MUNICIPAL DE

CAMPINAS, 2014). Tais ações preveem a participação de cada um dos sujeitos que compõem

os espaços e tempos educativos, permitindo ampliar vozes em um movimento de criação e

recriação do cotidiano, aprimorando e permitindo uma sintonia com as expectativas individuais.

Nessa perspectiva, os espaços e tempos educativos precisam acolher o sujeito em sua

completude definindo-se como:

Lugar educativo para onde o sujeito se dirige na sua inteireza, com o seu corpo, as

suas emoções, a sua história, os seus acontecimentos, as suas dúvidas, as suas

curiosidades de conhecer e de entender: entender a si mesmo e o mundo com os outros

e através dos outros. [...] é no confronto, na troca, na ação, na discussão e na

negociação que se constrói não só o próprio saber, mas o si e o outro si, isto é, o

mundo. (Rinaldi apud STROZZI, 2015)

Além disso, quando focamos nas competências e quais sujeitos são viabilizados nesse

processo, observamos uma menção direta à criança, como pode ser observado no seguinte

trecho:

Das competências:

Art. 8º a partir das prioridades estabelecidas coletivamente e elencadas no projeto

pedagógico, a CPA deverá:

IV - incentivar a participação de todos os sujeitos das unidades educacionais, nas

diferentes etapas do processo de avaliação interna;

IX - garantir, por meio de múltiplos registros, a participação das crianças, sujeitos do

processo de avaliação institucional participativa (AIP), conforme fundamentos

estabelecidos nas diretrizes curriculares da educação infantil na região metropolitana

de Campinas (RMEC). (PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS, 2014)

Quando refletimos acerca da menção à participação das crianças, explicitamente

identificadas como sujeitos, reconhecendo sua potencialidade, tendo em vista que sua opinião

pode ser expressa por ela própria, e não por intermédio do adulto.

Podemos observar um avanço no sentido de que a criança não é somente considerada

em seus direitos e por meio da opinião do adulto, mas por sua voz, por sua opinião e desejo, o

que promove indicativos de alterações nos espaços e tempos educativos.

Alinhando com as reflexões aqui suscitadas, busco em Peter Moss (2009) algumas

contribuições trazidas por uma linha de raciocínio em que o autor argumenta em prol da

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introdução da política na creche, enfatizando a relevância dos espaços e tempos educativos

como palcos de práticas democráticas.

Moss (2009, p. 1) inicia seu texto apresentando dois importantes fenômenos em muitos

países que justificam a implementação de “práticas políticas democráticas”: “aumento do

interesse governamental na educação infantil, conduzindo a uma expansão do atendimento, e a

necessidade de revitalizar políticas democráticas”.

Acreditamos que não só promover, mas fortalecer tais práticas vem ao encontro da

problemática discutida no presente trabalho: a ampliação da voz da criança no espaço educativo,

permitindo que ela se constitua como sujeito, uma vez que esse processo indica que crianças

podem envolver-se com outros nas decisões que as afetam, ou seja, a participação democrática.

Elencamos então alguns motivos que justificam a relevância das práticas políticas

democráticas: “participação democrática” exercendo relação direta com cidadania; crianças e

adultos envolvidos nas tomadas de decisões de assuntos que lhes afetam; forma-se um

movimento de resistência à opressão e “exercício descontrolado do poder”; e, por último, “a

democracia permite que a diversidade prospere”. Podemos refletir a respeito do que foi exposto

e do grande elo que se estabelece entre diversidade e democracia, mostrando a importância de

se criar espaços e tempos não só de acolhimento às singularidades de cada um, mas percebê-las

e considerá-las significativas nas tomadas de decisão e solução de conflitos e desafios.

Moss (2009) apresenta mais um argumento para reforçar a importância das práticas

políticas democráticas, o que nos remete à questão contemporânea de “despolitização na vida

pública”, deixando transparecer que “instituições estabelecidas e as práticas de democracia

representativa estão em um estado debilitado”, gerando descrédito por parte de muitas pessoas,

que não se sentem consideradas em suas opiniões e necessidades e, assim, acabam afastando-

se e pouco se envolvendo nesses movimentos.

Tais práticas democráticas necessitam ser fomentadas em todas as esferas: nacional ou

federal, regional e local, ativando possibilidades de criação de “espaços democráticos”, como

reforça Moss (2009). Por motivos óbvios, vou atentar-me ao interior do espaço educativo,

buscando refletir acerca da participação da criança nas decisões e planejamento. Não podemos

separar as esferas como se fossem mundos à parte, isolados e sem relação um com outro, mas

penso que a proposta de adotar práticas democráticas necessite englobar as várias esferas que

compõem a educação.

Se, por um lado, fomentar práticas democráticas nos espaços educativos faz-se

importante, por outro, buscar compreender a circularidade e o círculo como possibilidades de

constituição do sujeito merece destaque no presente estudo. A seguir, o capítulo II inicia-se com

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reflexões sobre o círculo e a circularidade, permitindo movimentos que conduzem às rodas de

conversa, aliado a debates em torno da infância considerada “sem fala” ainda nos dias atuais,

conceituada como sujeito histórico, com direito a opinião e participação nos fazeres e pensares

dos espaços educativos. O capítulo ainda apresenta contribuições de Célestin Freinet e Janusz

Korczak sobre um olhar e escuta diferenciados para a criança como sujeito ativo, finalizando

com as contribuições de Jorge Larrosa (2013) sobre a alteridade da criança em relação ao adulto.

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CAPÍTULO II – DA CIRCULARIDADE À RODA, DA NÃO FALA À FALA, O

HOMEM CONSTITUINDO-SE SUJEITO

No miúdo do ir vivendo

é que que a gente desconfia

que o outro é mistério a decifrar.

Quando se atravessa um córrego

andando sobre uma pinguela,

dá uma friagem na barriga.

É o medo do tombo, do lodo,

do podre da matéria.

Acho que é isso, o avançar do homem,

desde o seu surgimento.

(BREGALDA, 2012, p. 37)

Quando remontamos à história e acompanhamos alguns movimentos dos agrupamentos

humanos, observamos que miudezas espalhadas pelo caminho nos fazem deparar com o outro,

em um confronto de singularidades que nos caracteriza enquanto humanos. Talvez confirmando

o que apenas desconfiávamos: há um mistério a decifrar, no córrego a atravessar, o medo do

tombo e o frio na barriga, uma mistura de medos e receios que nos acompanham desde do

surgimento da humanidade em um processo de avanços e retrocessos, mas sobretudo de

constituição do que somos hoje enquanto sujeitos.

Círculos e circularidades nos acompanham e nos constituem em nossos contatos e

confrontos com o outro, percorrendo trilhas, inaugurando descobertas e nos conectando

conosco em processos contínuos.

2.1. O significado do círculo... conduzindo à roda

Antes mesmo de pensar na roda de conversa nos espaços educativos, objeto do presente

estudo, há que se refletir sobre os significados do círculo e da circularidade na humanidade, ou

seja, como espaço de produção da subjetividade, sociabilidade e coletividade, que promove

ligações e compreensões como modos primeiros de constituição do sujeito.

As formas arredondadas ocupam a natureza: as nuvens, o sol, a lua, não só o planeta

Terra, mas os demais, fazendo-nos perceber quanto o ser humano está relacionado a esse

formato. Nosso corpo também apresenta uma predominância dessa forma nos órgãos, nas

extremidades dos ossos, no cérebro, rosto, olhos, boca, ouvido, nas células e no princípio da

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vida, que pode ser representado pelo óvulo e o espermatozoide, que ao se unirem apenas

ampliam a forma arredondada gerando, multiplicando e criando formatos semelhantes.

Um ponto pode ter um significado maior do que imaginamos, criando inter-relações que

talvez não nos chame atenção em um primeiro momento, mas que nos conduzem a novos

olhares para a maneira como o ser humano relaciona-se com seus pares não só na atualidade,

mas em períodos muito distantes.

Anterior às formações circulares que utilizamos nos dias atuais: encontro de amigos,

algumas brincadeiras infantis, mesas de refeição, reuniões de trabalho, entre outras, podemos

nos atentar para a existência dessa maneira de se organizar do ser humano em períodos remotos.

Agrupamentos humanos que viviam por volta do ano 3.000 a.C., ao enfrentar baixas

temperaturas, refugiavam-se em cavernas, buscando ampliar as chances de sobrevivência. De

prática nômade, no início esses agrupamentos viviam da caça, da pesca e da coleta de frutos. O

sedentarismo e a descoberta do fogo marcaram decisivamente suas vidas, permitindo aquecer

ainda mais o ambiente, chamando a todos para se posicionarem ao redor da fogueira, que, ao

mesmo tempo em que iluminava as feições, aquecia o corpo e agia como um chamamento para

o relato de fatos e acontecimentos por meio de gestos, sons e até desenhos nas paredes das

cavernas. Olhos atentos, deixando-se embarcar naquela aventura de medo ou coragem, ao

mesmo tempo em que expandia no peito um forte sentimento de pertencimento àquele grupo.

Oriolo (2015, p. 126) auxilia em nossas reflexões e apresenta outras características

atribuídas ao círculo que induzem a pensamentos quando nos dispomos em roda: “o círculo tem

o centro como organizador e ponto de conexão; não tem ponta, primeiro ou último lugar; todos

olham para o centro, veem-se, estabelecem contato, que pode ser de estranhamento, de

alteridade, de equidade ou de pertencimento”.

A relação do homem com as formas circulares parece ser mais íntima do que

imaginamos, considerando que, mais que gerar proximidades e interações, funda-nos enquanto

sujeito. Realizar formações circulares nos induz a algumas posturas internas: nossos olhares se

cruzam, visualizamos as fisionomias, que indicam sentimentos mais que pensamentos, ouvimos

e conhecemos maneiras outras de viver e agir, permitindo ampliar nossos conhecimentos a

respeito do outro e de suas peculiaridades.

Ao mesmo tempo em que ressignificamos quem somos, como vivemos ou agimos nas

mais diversas situações, alguns relatos nos remetem às nossas memórias, como dardos

buscando semelhanças ou diferenças em nossas experiências. Não há como negar movimentos

de introspecção, mas que em seguida se lançam no coletivo construindo relatos orais, como um

pêndulo que oscila, dentro e fora, criando uma interação entre interior e exterior.

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Realizando o movimento de nos permitir divagar em nossas reflexões a respeito de

muitos momentos vividos em roda, podemos notar como permanecemos longos períodos

voltados para o nosso interior, confabulando e construindo correlações, e depois nos lançamos

nos relatos e narrativas, buscando ou não consonâncias com o outro.

A formação circular cria o antagônico: concentração e dispersão, falas, relatos, opiniões

oriundas dos mais variados pensamentos, formas variadas de compreensão e encaminhamento

misturam-se, como em um redemoinho. Penso que a prática constante da roda da conversa

promove, aos poucos, um equilíbrio por meio do qual alguns aprendem a ouvir mais, enquanto

outros se colocam mais, aprendizados múltiplos que nos conduzem a diferentes maneiras de

nos conhecer, reconhecer, ampliar, adaptar e conviver.

Pensar nessa disposição também pode apresentar a conotação de controle e disciplina,

partindo do princípio de que é possível olhar e controlar a todos, acompanhando gestos e

expressões, reprimindo movimentos e conversas. Oriolo faz alusão ao panótipo de Bentham:

Na periferia, uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas

janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida

em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas

janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o

exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um

vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um

operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando

exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. [...]

O dispositivo panótipo organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e

reconhecer imediatamente. (Foucault apud ORIOLO, 2015, p. 127-128)

Não necessitando do uso da força, o sistema vale-se do controle e do poder de vigia

sobre os corpos, graças ao seu método de observação, como uma máquina que conta com a

vigilância que assegura o seu funcionamento imediato.

Um intenso controle também permeia a sociedade capitalista em que vivemos, que busca

a acumulação de capital por meio da divisão do trabalho seguindo o mesmo princípio do

panoptismo, assim como o controle disciplinar muito forte nas instituições – inclusive a escolar.

Em contrapartida, o círculo também pode significar outros movimentos mais

relacionados a sintonias e união, como nos aponta Oriolo (2015, p. 130):

Esse mesmo círculo pode significar movimento no sentido de vida, totalidade,

expressão de culturas e estabelecimento de olhares. Também é a possibilidade do

encontro de grupos e comunidades, expressão de manifestações culturais, ritualidade

e celebração.

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Em uma sociedade complexa e contraditória como a nossa, deparamo-nos e precisamos

lidar com várias situações permeadas ora pela opressão, ora pela liberdade, ora pela retração,

ora pela expansão, e que, pela própria estrutura de dualidade, “possibilitam movimentos de

resistência, luta e ressignificação” que nos aponta diferentes possibilidades sintonizadas com

nossas singularidades.

A forma circular, assim como a roda:

pode ser entendida como forma de transmissão dos saberes e conhecimentos, o

encontro de gerações e culturas, a rememoração da história de comunidades e grupos

para a apropriação e ressignificação da cultura. Essa forma circular representa, muitas

vezes, a essência de um trabalho coletivo que se efetiva por meio de comunidades.

(ORIOLO, 2015, p. 130)

O movimento de buscar contrapontos entre a circularidade e as rodas de conversas

realizadas nos espaços educativos nos permite refletir sobre possibilidades de controle como

um panóptico, mas também proporcionando ricas possibilidades de interação e convivência nas

diferenças.

Quando buscamos termos no dicionário que nos apontem definições para as palavras

“assembleia” e “roda de conversa”, encontramos para o primeiro termo “reunião de pessoas

para determinado fim”, e para o segundo “agrupamento de pessoas” (FERREIRA, 2010, p. 70

e 672). Tais significações indicam apontamentos centrais em nossas discussões: reunir pessoas

por meio de conversas ou diálogos, debater assuntos inerentes a esse grupo e, portanto,

centrados em determinados fins pelos quais reflexões se ampliam. Quando imaginamos adultos

nessas situações de debates, parece-nos mais próximo do que vivenciamos socialmente, mas,

ao supor crianças pequenas, talvez isso possa suscitar em nós questionamentos de como se

podem viabilizar tais momentos.

Pensar na infância hoje, com suas implicações na sociedade e nos espaços e tempos

educativos, suscita-nos indagações sobre o modo de seu entendimento no passado e de como

fora sua trajetória até os dias atuais, permitindo maiores esclarecimentos e entendimentos desse

processo e de seus percalços, remetendo-nos a momentos em que infância fora considerada

“sem fala” (infans).

2.2. De infans a sujeito ativo: desvendando uma trajetória

Iniciando esse caminho e buscando autores que possam amplificar nosso debate,

recorremos à etimologia latina da palavra “infância”. Kohan (2009) nos conduz a duas

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compreensões: “esse termo está formado por um prefixo privativo in e fari, ‘falar’, daí seu

sentido de ‘que não fala’, ‘incapaz de falar’”. Contudo, o termo refere-se também àqueles que,

mesmo em idade mais avançada, “treze ou catorze anos”, que já passaram da idade dos que

“não falam”, mas que “não estão ainda habilitados para testemunhar nos tribunais: infans é

assim ‘o que não se pode valer de sua palavra para dar testemunho’” (Castello; Márcico apud

KOHAN, 2009, p. 40-41).

Observamos, desse modo, que a etimologia da palavra “infância” associa as crianças a

termos como “não habilitados, incapazes, deficientes, ou seja, a toda uma série de categorias

que encaixadas na perspectiva do que elas ‘não têm’ são excluídas da ordem social” (KOHAN,

2009, p. 41).

Percebemos uma exclusão da infância da vida social, sendo as crianças marginalizadas

e barradas das instituições sociais, uma vez que sua palavra não tem valor, não devendo ser

considerada, acrescida da perspectiva da falta que ocupou e ainda ocupa “os mais nobres

ideários pedagógicos, discursos filosóficos e saberes científicos da Modernidade” (KOHAN,

2009, p. 41). Apesar de observarmos pareceres oficiais a respeito do reconhecimento da criança

como sujeito social de direito, não é isso que vemos em muitos espaços educativos, que ainda

funcionam regidos pelas naturalizações dos adultos em uma lógica totalitária e

homogeneizadora.

Com o intuito de estabelecer uma linha reflexiva que permita dar visibilidade ao

processo percorrido pelo entendimento social da infância e das crianças, passando pela “não

fala” até os dias atuais, em que vemos referências em documentos oficiais reconhecendo tal

faixa etária como participante dos fazeres e planejamentos coletivos nos espaços educativos,

apresentamos a seguir algumas transformações ocorridas na França, atingindo os níveis

econômico, político, social e cultural em um momento de “crise moral causada pela transição

de uma concepção religiosa de mundo para outra laica”, com profundas mudanças na escola,

que passa então a utilizar a disciplina para moldar a criança, transformando-a no adulto ajustado

às regras sociais (Singer, 2010, p. 27).

Singer (2010) traz contribuições nesse sentido começando por Durkheim e suas ideias.

Émile Durkheim “viveu entre 1858 e 1917, período em que o mundo passa por profundas

transformações, especialmente a implantação da instrução laica, pelo Ministério da Instrução

Pública, em 1882, na França” (SINGER, 2010, p. 27-28). A escola tornou-se laica e obrigatória

para todas as crianças entre 6 e 13 anos. Tal mudança acontece como repercussão do

“movimento social iniciado na década de 30, quando as crianças começaram a deixar as

fábricas”, unindo-se aos fortes apelos das comunas operárias para que suas crianças recebessem

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educação (Rodrigues; Fernandes apud SINGER, 2010, p. 28). A educação de cunho

extremamente racionalista vem reforçando “o respeito à razão, à ciência, às ideias e aos

sentimentos que configuram a moral democrática” (Rodrigues; Fernandes apud SINGER, 2010,

p. 28).

Durkheim (apud SINGER, 2010, p. 28) identifica a escola, nesse momento, como

marcada de modo radical pela disciplina: “na escola, efetivamente, existe todo um sistema de

regras que predeterminam a conduta da criança. [...] Há assim uma variedade de obrigações às

quais a criança está forçada a se submeter”. É importante salientar que a escola nesse momento

histórico vem imbuída de “normalizar os desviantes [...] percebendo a criança como ‘tábula

rasa’ na qual os educadores podem inscrever o seu desejo” (SINGER, 2010, p. 28). Sendo assim,

Durkheim posiciona-se de maneira questionadora diante de uma “tradição de pensamento que

coloca a hereditariedade como destino inquestionável das futuras gerações, legitimando as

desigualdades sociais e fortalecendo a doutrina de exclusão dos degenerados”, como nos

esclarece Singer (2010, p. 28).

Ainda segundo Singer (2010, p. 29), Durkheim aponta várias prerrogativas que

acompanham a disciplina, tais como a imposição da autoridade funcionando como “um freio à

vontade individual”, tornando-se “peça fundamental de todo o processo educativo”, aliada a

imposição de normas preestabelecidas indicando regras e deveres rígidos, reforçando a imagem

da criança marcada pela falta: “faltam-lhe todas as qualidades morais, ela é egoísta e associal”.

Nesse momento, a educação atua como regeneradora de uma infância que precisa ser

domesticada como se fosse um animal selvagem, que não teria condições de conviver em

sociedade com os adultos.

Aliada a postura disciplinadora e impositiva da escola, surge a necessidade da punição

para fortalecer e engrandecer a regra, mas não a punição física, uma vez que sendo “a sociedade

moderna avessa à violência física, também das nossas escolas ela deve ser banida, o que não

significa banir o sofrimento” (SINGER, 2010, p. 30). Nesse momento, o que observamos é a

“substituição da dor física pela dor psíquica”, levando a criança a sentir-se culpada antes mesmo

da acusação, o que a faz internalizar a maneira como deve agir em cada situação, sendo assim

conduzida a comportamentos estereotipados e cada vez mais distantes de seus anseios e

opiniões. A imposição às regras produz na criança uma obrigação/submissão para que se siga

toda e qualquer regra de caráter social, deixando transparecer uma conotação de que ela só será

aceita socialmente se passar pela porta estreita e dolorosa da punição e da disciplina, que a

molda, transformando-a em alguém avesso a suas aspirações e desejos.

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A atuação do professor vai ganhando cada vez mais um caráter de controle sobre as

crianças, para que não se distanciem desse caminho rígido e estreito ditado pela escola, visando

a um modelo de homem que a sociedade deseja alcançar.

O movimento da Escola Nova, em oposição a muitos preceitos da educação tradicional,

pretendia atribuir à criança um papel ativo em sua própria educação, o que vinha ao encontro

das ideias de Célestin Freinet, que defendia a importância de serem respeitadas as diferenças

individuais e de serem criados ambientes na escola para atender aos interesses e necessidades

de todas as crianças, como nos aponta Sampaio (1994).

Podemos citar alguns pedagogos que contribuíram nas formulações e preceitos da

Escola Nova: “o catalão Francisco Ferrer (1849-1909), o americano John Dewey (1859-1952),

a italiana Maria Montessori (1870-1952), o belga Ovide Jean Decroly (1871-1932) e o francês

Adolphe Ferrière (1879-1960)” (SINGER, 2010, p. 75). De uma forma mais ampla, podemos

dizer que tais personalidades tiveram grande influência da psicologia, em uma tentativa de

tornar o aprendizado motivador para a criança, buscando adequar o aprendizado as várias etapas

do desenvolvimento.

2.3. Célestin Freinet

Freinet (1896-1966) nasceu em Gars, Sul da França, recebeu grande influência de

Ferrière e pode ser considerado um dos precursores do movimento da Escola Nova. Teceu

várias críticas à educação de sua época, caracterizando-a como: burocratizada, distante da

família, teórica, dogmática, produzindo passividade do aluno, pautada em um intelectualismo

excessivo, desumana, autoritária, propositora de conteúdos estanques e defasados em relação à

realidade social e o progresso científico, valendo-se de métodos que impedem o interesse, a

descoberta e o prazer infantil, conduzindo à evasão e à frustração das crianças, conforme nos

aponta Paiva (1996).

Professor aos 24 anos de idade, Freinet (apud PAIVA, 1996) observava a insatisfação e

a frustação das crianças diante de uma educação autoritária, distante da vida e do cotidiano. Em

contrapartida, notava as inúmeras possibilidades de outros fazeres que foram acontecendo e

possibilitando mudanças de interesse e da aprendizagem das crianças nas várias situações que

organizava.

Freinet, então um educador francês, foi influenciado por pensadores como Jean-Jacques

Rousseau, um dos principais filósofos do Iluminismo, de modo que podemos apontar alguns

princípios concordantes entre esses pedagogos que são encontrados no legado freinetiano:

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respeito pela criança, permitindo que seus interesses e necessidades sejam o guia do trabalho

no ambiente educacional, valorização de uma vida mais próxima da natureza e de produtos

naturais, enfatizando a sensibilidade, sem menosprezar a razão ou o homem como indivíduo

(vida, liberdade, felicidade, como um ser moral e social) e uma forte relação do pedagógico

com preocupações políticas e sociais (PAIVA, 1996).

Tais preceitos nos permitem visualizar a concepção de criança e ambiente educacional

preconizados por Freinet, buscando descontruir alguns pilares da educação tradicional que não

valorizavam os direitos das crianças. Para ilustrar, podemos pensar na posição ocupada pelo

professor de forma hierarquizada e distante do aluno, tido como detentor do saber, cabendo ao

estudante apenas assimilar o que lhe é passado, como uma folha em branco, que aos poucos vai

sendo preenchida e os conteúdos vistos como centrais no processo de aprendizagem.

Podemos ainda apontar como eixos da pedagogia Freinet: a livre expressão; a

cooperação; a autonomia e o trabalho, que são baseados nos direitos das crianças (exprimir

sentimentos e ideias não só oralmente, mas também por meio do desenho e da escrita);

comunicar-se com os outros (conferências, correspondência e intercâmbios entre turmas ou

escolas diferentes); criar, agir e conhecer (ateliês de trabalho), organizar-se (planos de trabalho

anual, mensal ou semanal); e avaliar-se (assembleias, exposição dos trabalhos realizados e auto

avaliação). Tal proposta pressupõe uma relação do professor com a criança baseada na

confiança, promovendo movimentos de apropriação dos fazeres firmados em pressupostos

construídos coletivamente.

Focar o eixo da livre expressão, permeado por essa concepção de criança como sujeito

detentor de historicidade, opinião, necessidades e desejos, vem ao encontro da realização da

roda da conversa como “instrumento pedagógico que se constitui como um espaço para a

expressão, reflexão e organização do grupo” (FERREIRA, 2004, p. 39). Essas indicações

encontram ressonância nas orientações contidas em documentos oficiais, tais como os

Referenciais Curriculares para a Educação Infantil (BRASIL, 1998, v. 3, p. 138), que menciona

a roda da conversa como possibilidade de “as crianças ampliar suas capacidades comunicativas,

[...] momento privilegiado de diálogo e intercâmbio de ideias [...] alguns assuntos sejam

discutidos intencionalmente, como um projeto de construção de um cenário para brincar, um

passeio, a ilustração de um livro, etc.

A riqueza desse momento de roda acontece no exercício diário de acolher as novidades

que cada um compartilha com os amigos, no contar histórias, fortalecendo o processo de

narrativas, e no planejar juntos as intenções e os fazeres, formando então parcerias.

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Quando debatemos assuntos inerentes ao universo das crianças, pautando-nos nas falas

e colocações do grupo, observando as demandas de trabalhos já iniciados ou apenas sugeridos,

construindo o plano de atividades coletivo, iniciamos um processo de reconhecimento das

crianças enquanto sujeitos ativos no processo de aprendizagem.

Reconhecer que as crianças possuem uma maneira singular de ser e estar no mundo

permite-nos outros posicionamentos, outras percepções e escutas, movimentos que podem nos

conduzir a caminhar além de nossas concepções.

Para falar de mudanças históricas nesse modo de tratar a criança, podemos trazer aqui

Janusz Korczak, médico judeu que fora bastante influenciado pelas ideias da Escola Nova (apud

SINGER, 2010). Em sua trajetória profissional, Korczak aceita trabalhar em um orfanato,

contribuindo com seus preceitos para a transformação desse espaço, criando então uma

república, fortalecendo o movimento da escola democrática.

Defendendo os princípios da “justiça, fraternidade, igualdade de direitos e obrigações”,

Korczak instituiu o Lar das Crianças, um orfanato em Varsóvia, Polônia, que se transformou

gradualmente em uma República de Crianças, como relata Singer (2010).

Korczak defendia princípios e valores que se opunham à educação autoritária e

hegemônica, promovendo um ambiente de respeito e escuta das crianças.

2.4. Janusz Korczak

Janusz Korczak, cujo nome verdadeiro era Henryk Goldszhmit, nasceu em 1878, filho

de judeus liberais, pai advogado e mãe vinda de família progressista. Demonstrava grande

resistência às regras institucionais impostas pela escola russa onde estudava, comportamento

que o acompanhou durante a infância e adolescência. Apaixonado por livros, lia

incessantemente, o que o fez fundar um círculo de “Livre Pensamento” com debates a respeito

de “socialismo e nacionalismo”.

Em virtude da insistência do pai, Korczak cursou medicina, mas tinha como sonho

tornar-se escritor. Em 1899, recebeu menção honrosa pela escrita de um drama que assinou com

o pseudônimo de Janusz Korczak, “um herói de um romance histórico polonês daquele século”

(SINGER, 2010), passando então a adotar tal pseudônimo.

Com o objetivo de ampliar seus estudos sobre a obra de Johann Heinrich Pestalozzi,

viaja para Zurique em 1901, pois já demonstrava muito interesse pelos fundamentos da

educação, assim como por crianças carentes. Nessa viagem conheceu Stefa Wilczinska, filha

de família aristocrata e estudiosa da pedagogia. Foi nesse momento que entrou em contato com

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obras de pensadores da Escola Nova. Entre os vários textos de Korczak publicados com críticas

à educação tradicional, que lhe conferem fama como médico, educador e escritor, podemos

destacar o romance A criança do salão.

Em 1911, Korczak deixou o hospital e aceitou o convite de Stefa para atuar como

médico no orfanato criado por ela, em Varsóvia. Nesse momento, já havia concluído seus

estudos em pedagogia. Após várias viagens buscando conhecer orfanatos em outros países,

Korczak mostra-se decepcionado com a ênfase na rotina, deixando esses espaços muito

semelhantes a prisões, por isso, com Stefa, realiza mudanças no ambiente do orfanato

transformando-o em uma república.

Korczak aliava-se aos pensadores da Escola Nova quanto às críticas que faziam à

educação tradicional, porém considerava que esses estudiosos focavam demais o

desenvolvimento de atividades específicas, buscando o interesse da criança, e não se

aprofundavam nos questionamentos sobre a essência da educação, como nos elucida Singer

(2010).

Em seu trabalho com crianças, Korczak conduzia suas ações com base em alguns

princípios: “considerava a infância uma chave para a compreensão da humanidade, não um

período de transição, mas um momento absoluto, com sua própria beleza”, assim como “o

educador não deveria sobressair-se em relação ao educando”, como nos salienta Singer (2010).

Podemos perceber em Korczak um olhar e escuta diferenciados para a infância, com

capacidade de argumentação e opinião, salientando a importância de a tomada de decisões partir

do coletivo, buscando a criação de um ambiente democrático.

Korczak proclamava a criança como ser racional, que compreende bem suas

necessidades, dificuldades e fracassos. Isto significa que ordens despóticas e leis

dogmáticas não são adequadas ao ambiente educativo, sendo preferível a

compreensão e confiança. Acreditava que com a justiça para com a criança, seria

lançada a base para a justiça social; se a criança crescesse num ambiente onde os

adultos fossem justos com ela, sem oprimir sua liberdade, quando crescida, ela

também seria justa com seu semelhante e livre dos complexos que impulsionam o

sentimento de vingança. (SINGER, 2010, p. 78)

Ele via a criança no agora, não em uma preparação para o futuro, um vir a ser. Dessa

forma, são ideias que se aproximam do referencial teórico discutido nesta dissertação, ou seja,

não inscrever a infância na história entendida como passado, presente e futuro.

Korczak teve uma morte trágica (apud SINGER, 2010), o que o faz ainda mais

permanecer vivo em nossa memória como alguém que foi fiel às suas ideias de uma educação

diferenciada e de cuidado com a infância. Durante a Segunda Guerra Mundial, Korczak não

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permitiu que seus órfãos educandos fossem sozinhos para a câmara de gás em Treblinka,

conduzidos pelos nazistas, e seguiu com eles, não os abandonando.

Korczak (1983) nos faz relatos de algumas reuniões-debate, trazendo um olhar sensível

e apurado para a infância, buscando o diálogo como forma de resolução de conflitos e criação

de oportunidades de crescimento por meio do autoconhecimento.

Com a afirmação “a criança não pensa nem melhor, nem pior que o adulto; pensa de

forma diferente”, podemos conhecer um pouco mais da maneira de Korczak (1983, p. 304) de

compreender a criança, respeitando-a em sua maneira singular, evitando diminutivos ou

trejeitos que acabam mais por diminuir e estereotipar em vez de compreender. Com isso,

promovendo a aceitação da maneira de ser infantil. “Durante muito tempo, pensei que a melhor

maneira de me dirigir a elas fosse usando palavras fáceis, que evocassem imagens convincentes,

próprias para captar a sua atenção” (KORCZAK, 1983, p. 305). O autor fala como se

precisássemos de artifícios para atrair a atenção da criança e sermos compreendidos, mas,

Korczak continua: “o que é importante é falar pouco, afetuosa e francamente” (KORCZAK,

1983, p. 305). Ou seja, quando nos apresentamos de maneira franca e aberta para a criança,

quando a convidamos para trocas baseadas no respeito e no seu reconhecimento como sujeito

de direito, igualmente quando deixamos transparecer nossa condição de sujeito emancipado.

Korczak (1983) apresenta-nos, de modo objetivo, como devem ser organizadas e

conduzidas as reuniões-debate como uma maneira de comunicação entre o educador e as

crianças, de modo que possa “mobilizar a consciência coletiva” (p. 305).

Em vez de convocar as crianças para repreendê-las, fazer queixas ou ditar obrigações,

ou ainda exigir soluções para questões que nem o adulto conseguiu encaminhar, deve-se

realizar, sim, um momento sem pressões ou segundas intenções, porém com postura “honesta

e atenta” por parte do educador. Este não deve ocupar lugar de destaque ou tomar para si a

responsabilidade da condução dos debates, premeditando um fechamento ou conclusão, mas

ser um parceiro nas reflexões, apresentar planos de ação que, confrontados com outros, devem

passar por debates e questionamentos de todos os presentes.

“Um bom entendimento com as crianças não é uma coisa gratuita, é algo que se

consegue com esforço” (KORCZAK, 1983, p. 305). Há que se construir um clima de “dignidade

e confiança” que ocupe esses espaços coletivos, que permeie as relações individuais e construa

subjetividades singulares. “É preciso que a participação das crianças às deliberações e à votação

não seja obrigatória” (KORCZAK, 1983, p. 306).

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Entre os vários mecanismos criados por Korczak para ampliar a comunicação,

descentralizando as decisões, buscando a ampla participação de todos os adultos e crianças, não

podemos deixar de citar o tribunal de arbitragem, o jornal e o quadro para registro de queixas.

O tribunal de arbitragem era visto como “o primeiro passo para a emancipação da

criança, a elaboração e proclamação de uma Declaração dos Direitos da Criança” (KORCZAK,

1983, p. 307). Buscando pôr “fim ao despotismo” e à centralização de todas as decisões nas

mãos do educador, inclusive ficando refém do seu bom ou mau humor, naquele dia eram criadas

instâncias para que os conflitos fossem tratados com “imparcialidade e seriedade”. Ao contrário

de apontar culpados e imputar penas e sanções, o tribunal seguia regido por um belíssimo

princípio: “se alguma criança agiu mal, começamos por perdoá-la” (KORCZAK, 1983, p. 308).

A partir disso, uma série de motivos que justificavam tal atitude eram apresentadas: a criança

podia ter agido por ignorância, de forma involuntária, ou por não conseguir livrar-se dos maus

hábitos, ou até por instigação de um companheiro. No entanto, em todos os casos, afirma

Korczak, a criança é sempre merecedora de uma segunda chance, de uma compreensão de toda

a situação e dos envolvidos, e não só da compreensão do ato em si e da confiança, mas talvez

mais que isso, merecedora da crença no ser humano e na sua capacidade de mudar, redimir-se

e tornar-se mais respeitoso para com seus semelhantes. “Um tribunal ainda não é a justiça, mas

fazê-la reinar deve ser seu principal objetivo; um tribunal talvez não seja a verdade, mas a

verdade é a sua maior aspiração” (KORCZAK, 1983, p. 308).

O jornal trazia textos que eram lidos em voz alta e permitiam uma ligação entre uma

semana e outra, cumprindo o assim um papel de registro e divulgação dos acontecimentos do

orfanato: “cada nova iniciativa, cada reforma, cada problema que aparece, cada reclamação,

encontra imediatamente o seu eco sob a forma de uma nota curta, de um pequeno artigo ou de

um editorial” (KORCZAK, 1983, p. 307). Korczak (1983, p. 307) defendia que não só as

crianças e os jovens, mas os educadores também precisam “controlar sua própria conduta, e o

jornal se torna um perfeito regulador das palavras e atos”, “uma crônica viva dos erros que se

comete e dos esforços que faz para se corrigir”.

É interessante observar o posicionamento do educador e sua relação com as crianças,

como alguém que também erra e está em processo de aprendizagem, o que traz um conceito de

espaço educativo como aquele em que todos aprendem, constituímo-nos sujeitos passíveis de

recriações, a todo o momento, por meio da relação com o outro.

O quadro para registro de queixas constituía-se de um painel afixado na parede para

a anotação de reclamações, chamando os envolvidos para comparecerem perante o

tribunal. Cada noite, o secretário do tribunal inscreve as queixas num livro próprio

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55

para isso, e a partir do dia seguinte ele recebe os depoimentos das testemunhas. Esses

podem ser orais ou escritos (KORCZAK, 1983, p. 308).

Todos do orfanato podiam fazer uso desse quadro e assim presenciar suas reclamações

sendo tratadas com respeito e seriedade, fazendo das interlocuções maneiras positivas de

resolução de conflitos.

Quando refletimos sobre processos democráticos que influenciam as relações nos

tempos e espaços educativos, permitimo-nos ultrapassar concepções, buscando maneiras

diferenciadas de conceber a infância. Ao lançar olhares atentos e reflexivos acerca da relação

entre adulto e criança, deparamo-nos com a alteridade e o tanto que nos tornamos disponíveis

e abertos para proposições outras que delineiam novos caminhos.

2.5. Para além das concepções: em busca da alteridade

A alteridade da infância é algo muito mais radical: nada mais,

nada menos que sua absoluta heterogeneidade em relação a

nós e ao nosso mundo, sua absoluta diferença.

(LARROSA, 2013a, p. 185)

Larrosa (2013a) instiga-nos a pensar em duas infâncias, uma delas bastante familiar, que

observamos nos livros, instituições e fazeres, indicando modos de falar e agir com as crianças,

como se a conhecêssemos muito. Tais pressupostos marcam pensares e fazeres no ambiente

educativo, indicando práticas e propostas, agindo em consonância com formas padronizadas e

estereotipadas. No entanto, no cotidiano, o que nos salta aos olhos é uma heterogeneidade

instigante, uma absoluta diferença, marcando a infância como um outro, que nos escapa por

mais que pretendamos capturá-lo: “

A experiência da criança como um outro é a atenção à presença enigmática da

infância, a esses seres estranhos dos quais nada se sabe e a esses seres selvagens que

não entendem a nossa língua” (LARROSA, 2013a, p. 186).

Larrosa (2013a) convida-nos a reflexões acerca da infância que promovem uma maneira

outra de conceber esses “seres estranhos”, que apresentam formas diferenciadas de agir, pensar

e interagir com o mundo, parecendo-nos selvagens por algumas vezes.

Há todo um repertório de conhecimentos construídos, buscando determinar e prever

atitudes e comportamentos denominados como típicos ou esperados em determinadas faixas

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etárias, como podemos observar nas mais diversas áreas, conforme nos apresenta Larrosa

(2013a).

Dessa maneira, temos a psicologia indicando satisfações, medos, necessidades e

peculiaridades no sentir e pensar; a sociologia apontando o desamparo, a miséria e a violência

das quais sofrem as crianças; bibliotecas e especialistas a discorrerem a respeito das

necessidades e desejos dos pequenos; todo um mercado direcionado para essa faixa etária, assim

como programas de televisão, livros e objetos que pretendem agradar às crianças.

Apesar disso, não podemos reduzir a infância aos nossos saberes, aprisionada em nossas

práticas e concepções, há que se ir além, em busca de outra forma de relação com a criança,

talvez com a construção de “uma imagem a partir do encontro com a infância” (LARROSA,

2013a, p. 197) – encontro este como “sujeito da experiência”, e não como “sujeito da

apropriação”.

O sujeito da apropriação é aquele que devora tudo que encontra, convertendo-o em

algo à sua medida. Mas o sujeito da experiência é aquele que sabe enfrentar o outro e

está disposto a perder o pé e se deixar tombar e arrastar por aquele que lhe vai ao

encontro: o sujeito da experiência está disposto a se transformar numa direção

desconhecida. (LARROSA, 2013a, p. 197)

Agora uma pergunta que não quer calar ressoando em minha mente: a que ponto estamos

dispostos a “perder o pé” nesse encontro com as crianças, no ambiente da educação infantil?

Por que precisamos, a todo o momento, exercer o controle de propostas e situações, delimitando

objetivos e metas? Tais reflexões podem nos acompanhar em nossos fazeres diários na educação

infantil, preenchendo nossa inquietação e fadiga com o que urge por mudanças, perseguindo

nossos encantamentos primeiros, que indicam novos caminhos.

Conceber movimentos que permitam esse encontro com a infância, como nos instiga

Larrosa (2013a), faz-nos pensar na roda da conversa como um momento em que podemos

promover uma “aproximação singular” do adulto com a criança, do velho com o novo,

sensibilizando nossos saberes e posicionamentos, o que nos permite novos percursos e

caminhos, adotando assim novas posturas. “Só na espera tranquila do que não sabemos e na

acolhida serena do que não temos, podemos habitar na proximidade da presença enigmática da

infância” (LARROSA, 2013a, p. 196).

Assim, não mais instituindo concepções a serem praticadas, delimitando metodologias,

mas nos constituindo como sujeitos que se permitem nomear “sujeitos da experiência”, que se

entrelaçam em uma dança harmoniosa de reconhecimentos e vivências intensas da experiência.

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[...] o sujeito da experiência seria algo como território de passagem, algo como uma

superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz alguns afetos,

inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos. (LARROSA, 2002, p.

24)

Talvez nos permitindo conceber a educação não mais pela ciência e pela técnica, mas

pela experiência e pelo sentido, abrindo-nos para as vivências e para o tanto que isso pode nos

transformar, assumindo riscos, mas também nos permitindo ser marcados e afetados,

disponibilizando-nos a novos caminhos e sabores.

Diante do exposto, devemos agora refletir sobre o matéria da presente pesquisa,

considerando que, quando focamos um tema para estudo, precisamos pensar sobre sua

relevância no cenário social e, para tanto, a realização de buscas nas produções acadêmicas

sobre tal assunto nos permite avaliar sua singularidade ou não, por meio do contato com outros

trabalhos. O capítulo III nos permite justamente conhecer o panorama das produções

acadêmicas dos últimos dez anos que tratam de tema semelhante, elencando proximidades e

distanciamentos com a presente dissertação.

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CAPÍTULO III – MOVIMENTOS DE ESCUTA: DEIXANDO O CONHECIDO...

O instinto é ir sempre

sem parar,

e perante a nossa finitude,

num instante deslizei do meu silêncio

para tentar entender e ouvir o mundo,

foi o que fiz,

pensei, repensei...

Toda sabedoria, a angústia prende.

Um achado e pronto,

outro engano aos olhos.

(BREGALDA, 2012, p.42)

Quando nos encontramos envolvidos em um estudo, muitas vezes precisamos nos dar

conta de nossa finitude, precisamos deslizar do nosso silêncio para ao menos tentar ouvir o

mundo, em movimentos de pensar e repensar. Nesse momento, damo-nos conta de que a

sabedoria prende a angústia, na intenção de não nos enganar, mas o caminho está repleto de

achados. Entre tantas produções acadêmicas com temas semelhantes ao aqui proposto, podemos

realçar nossos objetivos e problemática compreendendo a relevância do presente estudo.

3.1. Pesquisa bibliográfica: proximidades e distanciamentos

Aliada a estudos e reflexões, amparada por uma opção metodológica, a realização de

buscas de dissertações e teses, utilizando a mesma problemática, qual seja, o silenciamento ou

a amplitude da voz da criança pela via da roda da conversa no espaço educativo, permite alargar

nossa compreensão do que vem sendo produzido no mundo acadêmico.

Por meio de combinações das palavras-chave: “educação infantil”, “infância”, “roda da

conversa” e “educação sociocomunitária” iniciei pesquisas no banco de teses da Coordenação

de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

A pesquisa bibliográfica foi realizada no mês de setembro de 2015, e o referido banco

disponibilizou apenas material referente aos anos de 2011 e 2012, o que me fez recorrer também

à Biblioteca Digital Brasileira de Tese e Dissertações (BDTD), tornando a pesquisa

bibliográfica mais completa. Dessa forma, nesse outro órgão, foi possível visualizar pesquisas

abrangendo o período de 2003 a 2015, utilizando os mesmos critérios de busca na CAPES, ou

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59

seja, a combinação das palavras-chave anteriormente mencionadas, problemática debatida neste

trabalho.

A seguir, apresentamos o Quadro 1 com detalhes referentes aos estudos encontrados:

palavra-chave, ano da publicação, número de teses e dissertações e quais delas se relacionam à

problemática desta pesquisa, no Banco de Teses da CAPES.

Quadro 1 – Produções com proximidade ou distanciamento com o presente

trabalho (2011-2012)

Palavras-chave Ano Número de

produções

encontradas

Número de

produções com

proximidades com

o tema da

pesquisa

Educação infantil,

infância

2011 a 2012

Dissertações 264

Teses 46

Total 310

Dissertações 5

Teses 1

Total 6

Educação infantil,

roda da conversa

2011 a 2012

Dissertações 3

Teses 1

Total 4

Dissertações 1

Teses 1

Total 2

Educação infantil,

educação

sociocomunitária

2011 a 2012

0

0

Educação infantil,

infância, roda da

conversa

2011 a 2012

0

0

Educação infantil,

infância, educação

sociocomunitária

2011 a 2012

0

0

Educação infantil,

infância, roda da

conversa, educação

sociocomunitária

2011 a 2012

0

0

Fonte: Banco de Teses da CAPES.

Elaboração da pesquisadora.

Ao observarmos as produções acadêmicas coletadas no Banco de Teses da CAPES

(Quadro 1), podemos notar que com relação à conjugação das palavras-chave “educação

infantil” e “infância”, foram encontradas 264 dissertações e 46 teses, somando 310 trabalhos.

Desses, procuramos fazer uma leitura dos resumos, inicialmente, buscando indícios de

proximidade ou não com a problemática discutida no presente trabalho.

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A leitura dos resumos das dissertações permitiu que fosse feita a separação dos trabalhos

que tangenciavam com o estudo em questão, na medida em que abordavam uma concepção de

infância que se aproxima da aqui apresentada, atingindo um total de seis estudos, sendo cinco

dissertações e uma tese.

Com relação aos seis trabalhos, atentamo-nos aos seguintes itens: problemática

discutida, objetivo, metodologia e conclusão, agrupando as produções segundo as semelhanças.

As dissertações “Agora eu...”: um estudo de caso sobre as vozes das crianças como

foco da pedagogia da infância, de autoria de Renata Cristina Dias Oliveira (2011), Será que eu

posso falar alguma vez aqui? Algumas reflexões sobre o que falam as crianças da/na escola, de

Deylla Wiviane de Araújo Batista (2011), e Crianças, interações e formas de sociação6 em uma

unidade de educação infantil, de Jacqueline Pádua de Oliveira (2012), enfocam a relação do

espaço educativo com a voz das crianças e quanto essas manifestações interferem ou não no

processo educativo, entendendo os pequenos como sujeitos atuantes, capazes de

posicionamento perante as vivências na escola de educação infantil.

Podemos apontar a proximidade desses aspectos das referidas pesquisas com o presente

trabalho, tendo em vista que se enfatiza uma concepção de infância tratando a criança como

sujeito ativo, ocupando um posicionamento participativo não só no processo de ensino-

aprendizagem, mas nas vivências e experiências do espaço educativo.

O objetivo das três dissertações citadas é refletir a respeito de que maneira a voz da

criança entrelaça o cotidiano escolar, o que se aproxima da presente dissertação, na medida em

que também aponto aqui para a necessidade de buscarmos caminhos para que a voz da criança,

em vez de silenciada, possa ser ampliada e participativa no espaço educativo.

A metodologia adotada nas pesquisas é qualitativa, com inspiração etnográfica,

utilizando caderno de campo, foto, vídeo, portfólios das crianças e diário de bordo, no caso da

primeira dissertação mencionada; na segunda, é adotada a observação participante; na terceira,

utilizam-se notas de campo, gravações e registro fotográfico. A proximidade desses trabalhos

com esta dissertação pode ser indicada por tratar-se de uma metodologia qualitativa com

pesquisa participante, utilizando diário de campo, diário de bordo, falas e desenhos das crianças.

Analisando a conclusão apresentada pelas três pesquisas, há a indicação do

favorecimento de alguns aspectos da criança permitindo: “valorização e potencialização da

6A autora apresenta sociação, termo proposto por Georg Simmel, como diferente de socialização, caracterizando-

se como uma forma mais pura de interação entre os indivíduos, apresentando como conclusão em sua dissertação

que “as crianças viabilizam a vivência de diferentes tipos de sociação: o enfrentamento de conflitos, a negociação

de interesses, a construção de amizades, a criação de estratégias para viabilizar o acesso a brincadeiras e o

planejamento das mesmas” (OLIVEIRA, 2012, resumo).

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autonomia infantil, encorajamento de ações perante desafios e construção de processo

significativo de aprendizagem” (OLIVEIRA, 2011), “reflexões acerca de uma escola que é

organizada hegemonicamente pelos adultos” (BATISTA, 2011) e “As interações entre as

crianças, dessa forma, possibilitam a construção das competências sociais e contribuem para a

produção – não apenas para a reprodução – da cultura” (OLIVEIRA, 2012). Vale ressaltar que

os trechos selecionados foram retirados do resumo.

As dissertações A cidade pensada pelas crianças: conceitos e ações políticas para a

consolidação da participação infantil, de Fabiana Moura Arruda (2011), e Infância e

cidadania: o que dizem as crianças, de Nagila de Moura Brandão (2012), buscam refletir sobre

indicativos de ampliação da participação das crianças na cidade, na primeira dissertação, e

reflexões a respeito das experiências de cidadania das crianças e de como elas entendem esse

conceito, na segunda. Trata-se de problemáticas que se distanciam da pesquisa ora apresentada,

considerando que o foco aqui é apenas o espaço educativo.

Na tese A experiência de aprender com as crianças nos acontecimentos cotidianos, de

Cristiana Callai de Souza (2011), discute-se a problemática de silenciamento “das narrativas,

singularidades e experiências das crianças” em razão de um “saber legítimo”, o que se aproxima

das discussões aqui levantadas, tendo em vista que também refletimos sobre situações nas quais

a voz da criança é silenciada, em vez de ampliada, negando suas experiências e saberes. Em

contrapartida, busca-se, no trabalho mencionado, tornarem visíveis as maneiras outras de ser e

de ver, próprias das crianças, elementos que também objetivamos demonstrar nesta pesquisa.

Passando para o segundo item do quadro, conjugando as palavras-chave “educação

infantil” e “roda da conversa”, observamos uma dissertação e uma tese com pontos em comum

com o presente trabalho.

Na primeira, intitulada Rodas da conversa: uma análise das vozes infantis na

perspectiva do Círculo de Bakhtin, de Viviane Maria Alessi (2011), há um foco na roda da

conversa indicando esse momento como propício para o desenvolvimento da oralidade, tendo

como objetivo a análise da fala das crianças na perspectiva dos integrantes do Círculo de

Bakhtin7.

7 O termo Círculo de Bakhtin deve-se às reflexões e obras decorrentes dos estudos de um grupo de intelectuais. A

autora “elegeu a teoria debatida pelos integrantes do Círculo de Bakhtin, principalmente Valentim Volochínov

e Mikhail Bakhtin. Em uma perspectiva dialógica de linguagem e que considera o homem como ser de

linguagem, o aporte teórico dos intelectuais pertencentes ao Círculo de Bakthin enfatiza a importância da

alteridade na constituição dos sujeitos, ou seja, a interação permanente com o outro contribui para a formação

da consciência do homem” (ALESSI, 2011, resumo).

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Há, inicialmente, uma proximidade com o trabalho aqui apresentado, citando a roda da

conversa, porém com outra perspectiva, sendo o referencial teórico baseado em Valentim

Volochínov e Mikhail Bakhtin, pois a intenção é de analisar os discursos. Enquanto na presente

dissertação procuramos focar as possibilidades oferecidas pela roda da conversa para que a

criança amplie sua voz e participação no espaço educativo.

A conclusão é de que “a infância precisa ser considerada, também, como um tempo de

diálogo”, mostrando a importância das interlocuções entre adultos e crianças no espaço

educativo, o que, de certa forma, aproxima-se de minhas reflexões, mas, diferentemente de

Alessi (2011), utilizo outros referenciais teóricos para indicar a criança como sujeito ativo com

vistas à ampliação de sua voz e possibilidades de participação.

A tese indicada no quadro e intitulada A roda da conversa na educação infantil: uma

abordagem crítico-colaborativo na produção de conhecimento, de Claudia Gil Ryckebusch

(2011), busca, por meio de um estudo de caso, “analisar para entender criticamente a

organização discursiva dos alunos e da professora pesquisadora, na atividade de

‘Roda de Conversa’, numa sala de educação infantil de uma escola privada, localizada na cidade

de São Paulo”, sendo que a “metodologia utilizada insere-se no quadro da pesquisa crítica de

colaboração”. Essa tem proximidade com o tema roda da conversa, mas também difere desta

pesquisa, na qual não há o objetivo de analisar o discurso.

Podemos ainda apontar como proximidade o fato de, assim como Ryckebusch, também

eu atuar como professora pesquisadora. A conclusão apresentada foi de “promover

transformações nos modos de agir dos alunos e desta professora pesquisadora, ampliando

nossas possibilidades de desenvolvimento e de atuação no próprio contexto”, o que se aproxima

de minhas reflexões, uma vez que também considero relevante a realização de trocas entre os

adultos e as crianças, promovendo mudanças em ambos.

Quando nos atemos à conjugação das demais palavras-chave: “educação infantil e

educação sociocomunitária”, “educação infantil e roda da conversa”, “educação infantil,

infância e educação sociocomunitária”, “educação infantil, roda da conversa e educação

sociocomunitária”, não são encontrados resultados no período compreendido de 2011 a 2012,

o qual foi permitido visualizar na CAPES.

Apesar das dissertações e teses apresentadas indicarem a criança como um sujeito ativo,

devendo ela ser considerada na educação infantil como tal, não há aproximação com a roda da

conversa como ocorre em minhas reflexões. Ainda que alguns trabalhos tragam a roda da

conversa, esta é vista por uma perspectiva de análise do discurso, não com a problemática

empreendida nesta dissertação.

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63

A seguir apresentamos o Quadro 2 pela pesquisa realizada na BDTD, no período de

2003 a setembro de 2015.

Quadro 2 – Produções com proximidade ou distanciamento com o presente

trabalho (2003 a setembro/2015)

Palavras-chave Ano Número de

registros

encontrados

Número de

registros

relacionados ao

tema da pesquisa

Educação infantil;

infância

2003 a 2015 Dissertações 446

Teses 172

Total 618

Dissertações 6

Teses 3

Total 9

Educação infantil;

roda da conversa

2006 a 2015 Dissertações 11

Teses 4

Total 15

Dissertações 1

Teses 0

Total 1

Educação infantil;

educação

sociocomunitária

2011

Dissertações 1

Teses 0

Total 1

Educação infantil;

infância; roda da

conversa

2008 a 2015

Dissertações 3

Teses 1

Total 4

Educação infantil;

infância; educação

sociocomunitária

---

Dissertações 0

Teses 0

Total 0

---

Educação infantil,

infância, roda da

conversa, educação

sociocomunitária

---

Dissertações 0

Teses 0

Total 0

---

Fonte: Banco de Teses da BDTD.

Elaboração da pesquisadora.

Ao analisar o Quadro 2, podemos verificar que, no período de 2003 a 2015, ao conjugar

as palavras-chave “educação infantil; infância”, foram encontradas 446 dissertações e 172 teses,

em um total de 618 produções acadêmicas. Assim como na busca no Banco de Teses da CAPES,

também foi realizada a leitura dos resumos, buscando proximidades e distanciamentos com o

presente trabalho, pautando-nos nos seguintes itens: problemática discutida, objetivo,

metodologia e conclusão.

Entre as 446 dissertações, podemos apontar seis produções que possuem pontos em

comum com o presente trabalho. Assim como nas análises do quadro anterior, buscamos

agrupar as dissertações com problemáticas semelhantes, conforme se segue: Nas tramas do

cotidiano: adultos e crianças construindo a educação infantil, de Silvia Neli Falcão Barbosa

(2004); A participação infantil nos processos de gestão na escola da primeira infância, de

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Clarisse Veríssimo Isaia (2007); Infâncias e direitos das crianças na educação infantil: uma

análise a partir do projeto político pedagógico, de Fabiana Soares Pimentel (2013), Culturas

infantis: crianças plurais, plural da infância no cotidiano da educação infantil, de Gleisy

Vieira Campos (2013); Narrativas infantis: estudo da agência da criança no contexto de uma

creche universitária, de Ceciana Fonseca Veloso de Melo (2010); e Crianças na

contemporaneidade, de Juliana Costa Muller (2014).

É possível apontar, nas dissertações citadas, uma problemática que envolve a

participação da criança no contexto político pedagógico dos espaços e tempos educativos. Há

um consenso, nos referidos trabalhos, em apresentar a criança como sujeito produtor de cultura,

o que pode ser observado nas interações com outras crianças, nas negociações dos conflitos,

nas organizações das brincadeiras, entre outros, entendendo sua potencialidade dentro da

educação infantil como participante das práticas sociais e pedagógicas. A aproximação da

problemática das produções apresentadas com a presente dissertação deve-se ao fato da

concepção de criança como sujeito ativo, devendo ser considerada como participante dos

fazeres no espaço educativo.

Quanto aos objetivos, podemos apontar, em Barbosa (2004), a análise das interações

entre adultos e crianças em uma escola pública de um município do Rio de Janeiro,

evidenciando uma metodologia que entende a criança como “sujeito da pesquisa”. Na

dissertação de Isaia (2007), há a intenção de observação e reflexão sobre processos de

participação da criança na gestão escolar, indicando a possibilidade de novos caminhos.

Em Pimentel (2013), observamos o objetivo de ampliar a percepção por parte do adulto

da “linguagem imaginativa” da criança, até mesmo a utilizando como subsídio para “práticas

educativas mais próximas dos interesses e necessidades das crianças”.

Campos (2013) visa “compreender como as crianças vivenciam e produzem suas

culturas, nas relações entre pares no espaço-tempo do recreio, nas atividades coletivas, livres e

dirigidas, e nas festividades realizadas no pátio do Centro Municipal de Educação Infantil em

Itabuna/BA”. Cada trabalho, em particular, tangencia com a presente dissertação na medida em

que também traz uma possibilidade de ampliação da participação da criança nas propostas

pedagógicas dos espaços e tempos educativos, apontando suas potencialidades e singularidades,

interagindo de maneira mais dialógica com o adulto.

Na dissertação de Melo (2010), apresenta-se como objeto de estudo a análise das

narrativas de crianças de 4 anos de uma creche universitária, assim como a análise de seu projeto

pedagógico. O objetivo é fornecer indicativos para que o professor amplie a participação da

criança, gerando o seu desenvolvimento integral, uma vez que a considera em sua totalidade.

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65

Como ponto de contato com o presente trabalho, podemos indicar a reflexão acerca do

alargamento da participação da criança na ação do professor.

No tocante à metodologia, podemos apontar que todas as pesquisas são qualitativas.

Barbosa (2004) entende a criança como o sujeito da pesquisa; Isaia (2007) utiliza a pesquisa

ação; Melo (2010) apresenta pesquisa de campo, observação dos sujeitos, consulta de

documentos e coleta de informações concedidas pelos profissionais das instituições. Pimentel

(2013) realiza pesquisa-ação sobre as culturas da infância; Campos (2013) traz a observação

das atividades infantis, fotografias, vídeo e nota de campo; e Muller (2014) atua com a

“intervenção didática na perspectiva da mídia-educação, cujo campo de estudo foi o Núcleo de

Desenvolvimento Infantil”.

Quanto às conclusões, Barbosa (2004) faz um “convite a olhar para criança, a partir do

que lhe é específico”, refletindo a respeito da sua maneira singular de ser, entendendo que a

criança é produtora de cultura. Em Isaia (2007), “vislumbra-se uma possível descentralização

de poder dos adultos que trabalham na escola de educação infantil”, vivenciando a infância

como “sujeito de participação”. Já em Melo (2010) reflete-se acerca de algumas ações docentes,

orientando as “práticas pedagógicas não apenas com o intuito de escutar as vozes das crianças,

mas de entender, estimular e compartilhar conhecimentos, numa troca entre cultura de pares

(criada pelas relações entre crianças) e cultura adulta (amparada pela criança), formando uma

verdadeira comunidade aprendente”.

Pimentel (2013) permite-nos refletir a respeito da criação de “práticas educativas mais

próximas aos interesses e necessidades das crianças”, valendo-se de um maior conhecimento

da “linguagem imaginativa infantil”.

Em Campos (2013), “os modos de formação e de organização dos grupos, as relações

de amizade, as estratégias de participação nas brincadeiras, a negociação de conflitos, a

construção de ações conjuntas coordenadas e as relações com as regras escolares são analisadas

como elementos estruturantes de uma cultura infantil”. Para Muller (2014), é necessário

“ampliar o repertório cultural infantil e suas possibilidades de expressão e comunicação fazendo

da tecnologia uma aliada para o desenvolvimento da criança”.

Diante das reflexões suscitadas pelas referidas dissertações, é possível observar

aproximações com o presente trabalho de pesquisa no tocante à ampliação da participação da

criança nos fazeres dos espaços e tempos educativos, levando-se em conta sua capacidade

imaginativa e sua produção cultural, porém tais reflexões não se referem à roda da conversa

como uma das possibilidades de constituição da criança como sujeito ativo, permitindo uma

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66

mudança do seu posicionamento no espaço educativo, debate este que procuro apresentar na

presente dissertação.

Entre as 172 teses indicadas na pesquisa da BDTD, conforme indicado no Quadro 2, foi

possível apontar três produções com pontos de proximidade com este trabalho: O lugar da fala

da criança na ação docente em instituições de educação infantil, de Regina de Jesus Chicarelle

(2010); Sobre infância e sua educação, de Caroline Machado Momm (2011) e O privilégio de

estar com as crianças: o currículo das infâncias, de Loide Pereira Trois (2012). Nas três

produções, discute-se o conceito de criança como sujeito participante nas decisões e fazeres na

educação infantil, levando-se em conta sua maneira de ser.

Na tese de Chicarelle (2010), identifica-se como objetivo a reflexão acerca de que forma

a fala das crianças interfere na ação do professor, no interior de instituições de educação infantil.

Debate que se aproxima bastante da presente discussão, na medida em que também busco

refletir sobre as maneiras de ampliação da voz da criança no espaço educativo. Já Momm (2011)

traz reflexões acerca do tema infância e educação na chamada “crise da modernidade e crise da

razão”.

Trois (2012) busca refletir sobre as marcas deixadas pelas crianças no currículo,

constituindo assim o currículo das infâncias. Tal estudo se aproxima deste na medida em que

apresenta de que modo a participação da criança pode promover mudanças no rol de fazeres e

pensares na educação infantil.

Com relação à metodologia, podemos apontar que, nas referidas teses, em Chicarelle

(2010) houve uma divisão em dois grupos que foram posteriormente comparados e, a partir

disso, criadas as categorias para os diferentes tipos de fala: participação da criança e do docente.

Em Momm (2011), pretende-se como metodologia a revisão bibliográfica discutindo infância

e educação com base nos autores Walter Benjamin e Hannah Arendt.

Já em Trois (2012) a fotografia é utilizada como modo de pensar, visibilizar e registrar

a infância, partindo dos conceitos da fotoetnografia, estabelecendo os pontos centrais de

observação, utilizando a fotografia como narração.

Com relação à conclusão, Chicarelle (2010) “mostra pistas importantes à ação docente

na educação infantil, apontadas como preponderantes no alargamento do lugar da fala da

criança, desencadeando o seu desenvolvimento integral”. Em Momm (2011), há a “conservação

de um diálogo crítico com a tradição, de maneira que a relação entre as gerações se constitua

não como dominação, mas possibilidade do novo, chance que nos é conferida a cada

nascimento”. Conforme Trois (2012), “o currículo das infâncias como diálogo intenso entre

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adultos, crianças, objetos e o mundo balizado por experiências em que o tempo não controla o

humano, e o silêncio não cala os sujeitos”.

Apesar de as produções apresentadas indicarem a relevância de reflexões acerca das

relações entre crianças e adultos nos espaços e tempos educativos, buscando uma maior

visibilidade para as considerações das crianças, não há a indicação da roda da conversa como

uma das possibilidades para que isso ocorra, promovendo a criança como um dos protagonistas

nesse ambiente, o que é contemplado no presente estudo.

Quando se conjugam as palavras-chave “educação infantil e roda da conversa”,

percebemos a incidência de uma dissertação, a saber: No descomeço era o verbo: um convite a

Manoel de Barros para a roda da conversa na educação infantil, de Glenda Matias de Oliveira

(2015). A problemática discutida é “a construção de (re)significações da roda no campo da

Educação Infantil” por meio da ampliação da participação dos presentes em suas

singularidades, tendo como parceria nesse processo a poesia de Manoel de Barros.

Observamos, nesse caso, que “a metodologia foi baseada na epistemologia qualitativa

de González Rey, de caráter construtivo-interpretativo e dialógico. Foi adotado, também, o

método cartográfico, cuja gênese se deu a partir dos trabalhos conceituais de Deleuze e Guattari,

e que compreende a pesquisa como experiência e processo inacabado”. A construção das

informações fora por meio de leitura e análise do projeto pedagógico da instituição, diário de

campo, observação participante, oficinas e entrevistas. Como conclusão, Oliveira (2015) aponta

a “roda da conversa como um espaço potente para a experiência do devir e a construção

identitária”, indicando novos caminhos e outras possibilidades de fazeres. A roda da conversa

concebida como momento de “encontro e experiência” entre a criança e o adulto, cada um com

suas vivências e conhecimentos, mas que juntos inauguram novas possibilidades.

A última dissertação apresentada traz algumas proximidades com esta pesquisa, tanto

na concepção de criança nos espaços e tempos educativos como sujeito ativo quanto na maneira

como é concebida a roda da conversa como encontro e acontecimento, permitindo e propiciando

novos fazeres e caminhos, evitando movimentos rígidos. Contudo não há o mesmo foco, uma

vez que buscamos discutir o silenciamento ou a amplitude da voz da criança pela via da roda

da conversa nos espaços e tempos educativos.

Na conjugação das palavras-chave “educação infantil e educação sociocomunitária”,

“educação infantil”, “infância e roda da conversa”, “educação infantil”, “infância e educação

sociocomunitária” e “educação infantil, infância, roda da conversa e educação

sociocomunitária” não foi encontrado nenhum resultado no período de 2003 a setembro de

2015, na BDTD.

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Ao refletir sobre as produções acadêmicas mencionadas, podemos apontar a relevância

do presente estudo uma vez que buscamos ampliar as possibilidades da participação da criança

enquanto sujeito ativo por meio da roda da conversa nos espaços e tempos educativos.

Após entrar em contato com o panorama das produções acadêmicas nos últimos dez

anos, prosseguimos dando continuidade aos aspectos metodológicos, começando pelo que nos

fez iniciar tal estudo: as crianças.

3.2. Encontro com os sujeitos: as crianças

Uma proposta de estudo que pretende refletir sobre as possibilidades de ampliação da

participação da criança enquanto sujeito ativo, por meio da roda da conversa no espaço

educativo, necessita de uma escolha metodológica que priorize movimentos de inter-relação

com os preceitos associados aos fenômenos humanos e sociais e que pressuponha, ainda, uma

abertura e escuta acolhedora do adulto diante do que a criança possa indicar, como nos elucidam

Sarmento e Gouvea (2009, p. 13):

Cabe-nos como pesquisadores e profissionais que atuam junto a estes sujeitos

concretos, crianças, não superpor o nosso discurso ao discurso infantil, retomando a

origem etimológica, que ao nomear a criança, define uma infans: a dos sem fala.

Parafraseando Freud, cabe-nos, em nossas práticas, indagar a este intrigante sujeito:

afinal, o que quer uma criança?

Dilthey (apud ANDRÉ, 1995, p. 14), filósofo e historiador, alega que “os fenômenos

humanos e sociais são muito complexos e dinâmicos” para serem regidos e submetidos a leis

da física ou da biologia que buscam generalizar. Há contribuições de Weber (apud ANDRÉ,

1995) sobre essas reflexões, nas quais o autor alega que há objetivos diferenciados quanto ao

foco de estudo da ciência física, comparando com a social, uma vez que, nessa última, “a

investigação deve se centrar na compreensão dos significados atribuídos pelos sujeitos às suas

ações” (ANDRÉ, 1995, p. 14), os quais devem estar inseridos em um contexto, permitindo uma

concepção diferenciada do pesquisador e das pesquisas nas áreas social e humana.

Outros pesquisadores de questões humanas e sociais concordam com Weber e Dilthey

e defendem a perspectiva de conhecimento que se tornou conhecida como idealista-subjetivista.

Da mesma maneira que há a defesa de uma nova visão de conhecimento, aparece também a

crítica à concepção positivista de ciência, de onde nasce um debate entre o quantitativo e o

qualitativo. Ainda segundo André (1995, p. 14):

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Não aceitando que a realidade seja algo externo ao sujeito, a corrente idealista-

subjetivista valoriza a maneira própria de entendimento da realidade pelo indivíduo.

Em oposição a uma visão empiricista de ciência, buscando a interpretação em lugar

da mensuração, a descoberta em lugar da constatação, valorizando a indução e

assumindo que fatos e valores estão intimamente relacionados, tornando-se

inaceitável uma postura neutra do pesquisador.

O trabalho aqui exposto pretende-se qualitativo tendo em vista que prioriza a linha de

pesquisa denominada interacionista, distanciando-se dos posicionamentos positivistas. Há uma

intenção de “olhar de dentro”, como afirma André (2001, p. 14), “trabalhos em que se analisa

a experiência do próprio pesquisador”, com a postura de interpretar a própria experiência do

pesquisador, ligado ao interesse de fazer comparações com outra realidade, ampliando as

possibilidades de reflexões, aproximações e distanciamentos, sempre com abertura ao novo que

emerge do campo das relações e dos sujeitos.

Adotando um posicionamento de professora pesquisadora, acredito em uma

proximidade entre teoria e prática, em um processo dialógico e de construção, como nos indica

Tezani (2004, p. 2):

Pesquisar é filosofia, no sentido de apreciar a sabedoria, levando a indagações e

questionamentos, envolvendo a capacidade de criação, elaboração, unindo teoria e

prática, e proporcionando o aprender a aprender e o diálogo com a realidade. Com

esta proposta, a pesquisa é considerada primordial ao processo educativo e à

construção do conhecimento.

Aliada a essas proposições, André (2001) colabora com o debate trazendo contribuições

de Miranda acerca da problemática do professor pesquisador que focam as relações entre os

conhecimentos acadêmicos e os conhecimentos oriundos da prática, enfatizando tal literatura

como forma de contrapor o elitismo acadêmico.

Essa literatura, segundo ela, tem vários méritos: (a) valoriza a ação do professor como

caminho para sua autonomia e emancipação; (b) busca propósitos justos e generosos

ao dar voz ao professor para melhorar a prática, combater as desigualdades e a

exclusão; (c) faz uma crítica salutar às universidades e às suas relações com os

profissionais práticos. (Miranda apud ANDRÉ, 2001, p. 56)

Diante dos pontos indicados, podemos enfatizar proximidades com várias prerrogativas

deste trabalho no sentido de não só valorizar, mas de oferecer maior visibilidade aos fazeres e

práticas destinadas às crianças na faixa etária dos 3 aos 6 anos em espaços e tempos educativos,

por vezes tão desvalorizados. Além de reconhecer na figura do professor um pesquisador,

buscando ampliar conhecimentos rumo a sua maior autonomia e emancipação, somado ao

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desejo de melhoria e otimização da prática em defesa da diversidade, na contramão da exclusão.

Concluindo, promovendo a proximidade entre a universidade e suas produções com os

profissionais práticos, promovendo assim a práxis. Alimentam-se ambos os lados: teorias

indicando possíveis encaminhamentos para questões cotidianas, e práticas revisitadas e

ampliadas à luz dos teóricos.

Observamos uma valorização da subjetividade do pesquisador, rompendo com alguns

paradigmas positivistas que separam pesquisador e agrupamentos humanos e campos de

pesquisa. Buscamos, assim por meio da metodologia qualitativa, uma possibilidade de

construção e interpretação na produção de conhecimento. Não há uma visão da realidade

observada, bem como de seus sujeitos, participantes desta pesquisa, como algo pronto e

acabado, mas em constante processo de criação e recriação com inúmeras interpretações com

atribuição de sentidos, com vivacidades e devires.

No tocante às definições do campo de pesquisa, havia em mim um grande desejo de

refletir, interpretar e analisar a roda da conversa realizada com as crianças no agrupamento, por

isso a opção pela turma que coordeno. No entanto, não era minha intenção realizar a pesquisa

focando apenas o lugar onde eu atuava profissionalmente; eu pretendia uma aproximação com

outra realidade, procurando contrapontos que suscitassem reflexões. Diante do tema roda da

conversa, realizei algumas pesquisas buscando escolas que priorizassem tal prática e a

realizassem de maneira sistemática. Foi quando entrei em contato com uma instituição

particular com uma proposta diferenciada, com a realização diária da roda da conversa, desde

a educação infantil até o nono ano do ensino fundamental.

Desse modo, aponto como critérios para escolha dos campos de pesquisa: a realização

da roda da conversa de forma sistemática, atendimento a crianças de 3 a 6 anos, consentimento

da escola, das professoras e auxiliares, bem como das crianças para a realização das observações

participantes.

O primeiro contato com a escola particular, que fica localizada em uma cidade do

interior de São Paulo, foi por telefone, no mês de março, quando expliquei a necessidade das

observações. Em um segundo momento, fui visitar a escola e então foi esclarecida a exigência

inicial da realização de um mini curso (seis horas durante o sábado) para maior conhecimento

do trabalho desenvolvido na escola. O curso foi oferecido no dia 11 de abril do ano de 2015,

vale divulgar que tal estudo é acontece duas vezes ao ano nessa instituição: em abril e em

outubro, geralmente, buscando transmitir os princípios do trabalho ali desenvolvido, abrindo

possibilidades para os interessados na realização de pesquisas e estágios. Após a realização do

mini curso, foi possível efetuar o agendamento das datas em que eu gostaria de fazer as

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observações participantes, que aconteceram na média de uma a duas vezes por semana, sempre

com a mesma turma (crianças de 4 e 5 anos), no período da tarde, oposto ao meu turno de

trabalho, no período de abril a junho de 2015.

Finalmente, quando chega o dia de conhecer as crianças da escola particular, minha

curiosidade é enorme e eu mal podia esperar. A secretária da escola já havia me passado o nome

da professora, e lá fui eu ao encontro dela. Caminho em meio a plantas e árvores, parecendo

estar em um bosque, subo uma rampa e logo avisto três portas, uma ao lado da outra, há

mochilas penduradas nos ganchos e o som característico do espaço educativo: burburinho de

crianças.

Bato na porta e vou girando a maçaneta para entrar, já imaginando a professora muito

envolvida em seus afazeres com as crianças. A auxiliar de sala me cumprimenta e, em seguida,

eu me apresento dizendo meu nome e meu objetivo naquele espaço e tempo. A professora da

sala me cumprimenta e pergunta se eu gostaria de sentar à roda. Tudo me parece muito familiar

e logo me acomodo, com as pernas cruzadas, ao lado de duas crianças e de tantas outras com

olhares cheios de curiosidade. Logo percebo que sou o assunto primeiro e, diante da

possibilidade oferecida pela professora, falo:

– Olá, meu nome é Regina, e sou professora também! De crianças da mesma idade de

vocês! Estou estudando também. O que eu faço se chama mestrado e quero saber mais

sobre a roda da conversa. Como vocês a fazem todos os dias, virei alguns vezes para

aprender com vocês, tudo bem? Posso anotar algumas coisas de vez em quando?

– Não!

– Sim!

– Onde fica sua escola?

– Minha mãe também estuda.

– Você vem todo dia? (Diário de Campo, 23/6/2015)

A professora dá continuidade aos demais assuntos da roda, e eu fico ali observando cada

rostinho e cada expressão.

Após a escolha dos dois campos de pesquisa, utilizo as seguintes nomenclaturas: CEI

para designar a escola pública na qual atuo como professora e escola particular para a outra

instituição.

Conhecer os sujeitos isolados de seu contexto não nos permite conhecê-los em sua

inteireza, por isso pretendo a seguir discorrer brevemente sobre suas realidades, para que

possamos compreender ainda mais os fazeres e pensares em cada um dos espaços educativos

contemplados na presente pesquisa.

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3.3. Caracterizando os campos de pesquisa

Definidos os dois campos de pesquisa, procuro elencar alguns itens para serem

observados nas duas realidades, quais sejam: região da escola, estrutura física, crianças

atendidas e sala atendida na pesquisa.

3.3.1. A escola particular

Uma das escolas pertence à rede particular de ensino de Campinas e desenvolve uma

proposta educativa que se apresenta como diferenciada desde a educação infantil até o nono

ano do ensino fundamental, buscando nas ideias de Célestin Freinet pressupostos para o

trabalho educativo desenvolvido. A sua localização pertence à região norte da cidade, em um

bairro predominantemente residencial, um pouco afastado da área central. A referida instituição

recebe crianças, preferencialmente, de outros bairros mais distantes, tendo como um de seus

atrativos a sua proposta educativa diferenciada. Tal proposta preconiza os seguintes pilares

apresentados em seu site: desenvolvimento da capacidade criadora, de atitudes de participação

no grupo, de exercício de cidadania, de pesquisa e abertura para a aprendizagem.

O espaço da escola possui muitas plantas e árvores próximas às salas de aula do segundo

ao nono ano, contando com a presença de uma tartaruga no ambiente, promovendo um convívio

intenso com a natureza. Há grande proximidade entre as famílias, crianças e funcionários, uma

vez que são organizados eventos e festas que favorecem esses encontros, além de a escola

oferecer seu espaço para algumas famílias que comercializam produtos.

Na educação infantil, há duas turmas em cada período atendendo a crianças de 2 e 3

anos em uma sala e crianças de 4 e 5 anos em outra, tanto no período da manhã quanto no

período da tarde. A classe de primeiro ano, ensino fundamental, divide espaço com as salas da

educação infantil, mantendo proximidade e grande entrosamento entre si. Há também uma

aproximação física das salas entre o segundo e quinto ano, assim como entre o sexto e nono

ano, com duas turmas de cada série, uma por período (manhã e tarde).

Cada uma das turmas, da educação infantil até o quinto ano, realiza uma votação para a

escolha do nome da turma. É um processo que envolve debates, sugestões e votações, buscando

um nome que caracterize aquele grupo, por isso necessita ser refletido e repensado, requerendo

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tempo até que se finalize. O nome da turma conduz a um projeto de estudo a respeito do tema

escolhido.

Nessa escola, também há atendimento em período integral para todas as turmas,

conforme a necessidade da família, o que acarreta acréscimo na mensalidade. Para esse

atendimento, há propostas variadas envolvendo arte e recreação, como teatro, música,

brincadeiras, jogos e também acompanhamento na lição de casa.

As turmas possuem um número máximo de vinte e cinco crianças, contando com uma

auxiliar exclusiva para cada sala nas turmas da educação infantil ao quinto ano, passando para

uma auxiliar a cada duas salas nas turmas maiores. A roda da conversa é uma prática que

percorre todos os grupos e acontece no início e final do período, geralmente. A escola funciona

em dois turnos, totalizando onze turmas em cada período, sendo uma sala para cada idade. A

sala escolhida para a pesquisa atende a crianças de 4 a 6 anos, formando um grupo de dezessete

pequenos, uma professora e uma auxiliar de classe, funcionando no período da tarde.

Assim que chegam ao espaço educativo, as crianças ficam espalhadas por todo o

ambiente interno e, logo que toca o sinal, elas seguem para suas respectivas salas, onde a

professora as recebe para o início das atividades. Mesmo no interior das salas, os encontros e

conversas são muito intensos, demonstrando grande proximidade e troca de novidades entre as

crianças até que todos se acomodam para a roda da conversa.

3.3.2. Revisitando o CEI

A outra instituição escolar é pertencente ao ensino público municipal, então denominada

CEI 8, um espaço educativo destinado somente a crianças de 3 a 6 anos, localizada na região

norte da cidade, recebendo crianças preferencialmente do próprio bairro e proximidades.

O espaço educativo conta com um grande ambiente ao redor da construção das salas,

com árvores e plantas variadas. Atendendo, em sua maioria, a famílias que trabalham e

necessitam da escola pública. São também recebidas crianças de um abrigo localizado nas

proximidades.

8 Conforme decreto n. 18.664, Prefeitura Municipal de Campinas (2015): Art. 1° Ficam alteradas as denominações

dos Centros Municipais de Educação Infantil (CEMEIs) e das Escolas Municipais de Educação Infantil

(EMEIs) para Centros de Educação Infantil (CEIs).

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O funcionamento acontece em dois turnos: duas turmas de agrupamento III por período;

um agrupamento II em período integral; e um agrupamento misto (II e III), ficando a critério

da família a escolha pelo período parcial ou integral.

Há um processo de votação para escolha do nome das turmas, o que geralmente indica

um projeto para o estudo do tema escolhido. Os funcionários recebem as crianças no portão,

auxiliando no caminho para a sala, os maiores já o fazem sozinhos.

Como mencionado anteriormente, atuo como professora desse espaço educativo, no

agrupamento III B, período da manhã, uma turma de vinte e sete crianças. Realizo diariamente

a roda da conversa, buscando contemplar vários aspectos: novidades que se podem definir como

narrativas que as crianças nos contam, trazendo aspectos de seu cotidiano e que nos permitem

conhecê-las mais, planejamentos coletivos, temas a serem estudados nos projetos, observações,

críticas ou reivindicações das crianças, organização e marcação de nossos eventos no

calendário, escolha do ajudante do dia.

Apesar de atuar como professora na rede pública há muitos anos, ocupar o lugar de

professora pesquisadora faz com que eu me sinta diferente. Olhar para as crianças desse lugar

confere-me uma postura de ampliar a escuta, registrar acontecimentos e falas, tecendo muitas

reflexões. Tudo isso me deixa eufórica e bastante instigada a realizar leituras, buscando

contrapontos e possibilidades de troca.

Para mim, comentar sobre a infância permite reflexões mais generalizadas, mas focar

nos sujeitos participantes da pesquisa fornece proximidade.

3.4. Caracterização dos sujeitos da pesquisa: afinal, quem são eles?

Repensar a infância e a maneira como a criança vem constituindo-se na

contemporaneidade, em especial no ambiente educacional, faz com que eu repense práticas e

fazeres inerentes a esse espaço e que podem favorecer a constituição de sujeitos singulares e

críticos.

Na pesquisa, os sujeitos são duas professoras, uma auxiliar de classe e vinte e três

crianças de 3 a 6 anos, no total.

Entre esse total de sujeitos, temos aqueles do CEI: uma professora, que é a pesquisadora,

e dezessete crianças; e na escola particular: uma professora, uma auxiliar de classe e seis

crianças.

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A escolha pela faixa etária compreendida entre os 3 e 6 anos, objeto deste estudo,

justifica-se pela afirmação da infância a partir de capacidades, e não de ausências, como nos

acrescenta Kohan (2009, p. 41):

pensar a infância desde outra marca ou, melhor, a partir do que ela tem e não do lhe

falta: como presença e não como ausência; como afirmação e não como negação,

como força e não como incapacidade. Essa mudança de percepção vai gerar outras

mudanças nos espaços outorgados à infância no pensamento e nas instituições

pensadas para acolhê-la.

Quanto às crianças, são dezessete no CEI, com idade entre 4 e 5 anos, e uma professora

que atua na função há vinte e quatro anos, com formação em pedagogia e especialização em

educação. Já na escola particular, a professora tem formação em pedagogia e atuava, até um

ano antes, como auxiliar de classe, passando depois, no ano de 2015, à professora titular. Já a

auxiliar está concluindo o curso de pedagogia e ingressou recentemente na escola. As seis

crianças possuem entre 4 e 5 anos.

A pesquisa foi realizada no período de abril a junho de 2015, na escola particular, e no

período de julho a setembro no CEI. A escolha dos períodos deu-se em virtude da possibilidade

de início das observações na escola particular, que aconteceram após a realização do mini curso

em abril, no período da tarde, por ser meu contra turno de trabalho. No CEI, busquei coletar

registros no período em que todas as crianças compreendiam a faixa etária escolhida para este

estudo.

3.5. Procedimento de construção de dados

Na presente dissertação, são utilizados como procedimentos na construção de dados a

observação participante na escola particular, e observação total no CEI, diário de campo,

entrevistas semiestruturadas e desenhos das crianças. Na escola particular, foram feitas várias

observações, sempre dividindo espaço com as crianças, a professora e a auxiliar de sala, em

constantes inter-relações, confirmando aquilo que André (1995, p. 24) nos fala: “o pesquisador

tem sempre um grau de interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetado”.

Realizando as observações e fazendo os registros no diário de campo, senti necessidade

de ouvir a professora da escola particular a respeito de suas intenções e objetivos para a roda

da conversa e como ela organizava essa atividade com as crianças. Diante de tal necessidade, a

realização da entrevista semiestruturada parecia materializar minha pretensão, considerando

que essa modalidade de entrevista pode ser denominada como:

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uma das formas para coletar dados. Ela se insere em um espectro conceitual maior,

que é a interação propriamente dita, que se dá no momento da coleta. Nesse sentido,

para nós, a entrevista pode ser concebida como um processo de interação social, verbal

e não verbal, que ocorre face a face, entre um pesquisador, que tem um objetivo

previamente definido, e um entrevistado que, supostamente, possui a informação que

possibilita estudar o fenômeno em pauta, e cuja mediação ocorre, principalmente, por

meio da linguagem. (MANZINI, 2004, p. 9)

Após a elaboração da observação, conversei com a professora da escola particular para

que pudéssemos então nos organizar para a realização da entrevista, no tocante à escolha do

dia, horário e local apropriado. Ela escolheu o momento em que as crianças estavam na aula de

música com a auxiliar de sala. Fui lendo as perguntas em voz alta e, conforme a professora

respondia, eu anotava. Finalizada a entrevista, fiz a leitura das respostas, perguntando se a

professora concordava com tudo o que eu havia registrado e se o que estava escrito representava

de fato a sua fala. Após a concordância, encerramos.

Quando nos propomos a realizar um trabalho de cunho científico, recomenda-se realizar

uma seleção de determinada técnica que contemple a natureza da investigação e a postura de

pesquisador adotada. Conforme exposto anteriormente, a subjetividade, tanto do pesquisador

quanto dos sujeitos pesquisados, é evidenciada e necessária para a construção das reflexões na

presente pesquisa. Quando nos lançamos em busca de teorias que possam dialogar com nossas

hipóteses, iniciamos um processo de entrelaçamento de nossas subjetividades com a realidade

que observamos e seus sujeitos e agrupamentos humanos, permitindo relações muitas vezes

inesperadas, provocando recriações e ressignificações.

Sendo um estudo com e por intermédio das crianças, devemos buscar princípios

indicadores para que nossas atitudes considerem esse sujeito em sua amplitude e potência e,

como bem acrescenta Kramer (2002, p. 46), devemos nos imbuir “de um olhar infantil crítico

(para) aprender com as crianças e não se deixar infantilizar. Conhecer a infância passa a

significar uma das possibilidades para que o ser humano continue sendo sujeito crítico da

história que o produz”.

Sarmento e Gouvea (2009, p. 13) nos permitem alargar nossa percepção acerca dos

estudos envolvendo a criança quando esclarecem que “pensar a criança e a infância, no interior

das ciências humanas e sociais, indica-nos assumir uma perspectiva polifônica”, ou seja, de

muitas vozes, não “superpondo o nosso discurso ao discurso infantil”.

Tratar a criança como sujeito capaz de estabelecer posicionamentos e indicar

encaminhamentos possíveis e necessários é minha posição neste estudo, já que cada vez mais

se busca reconstruir a infância:

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Nas suas múltiplas articulações com as diversas esferas, categorias e estruturas da

sociedade, configurando uma abordagem renovada (nos planos teórico,

epistemológico e também metodológico) da infância como categoria social e das

crianças como membros ativos da sociedade e como sujeitos das instituições

modernas em que participam (na escola, família, espaços de lazer, etc.).

(SARMENTO; GOUVEA, 2009, p. 13)

As observações realizadas tanto na escola particular quanto no CEI suscitaram

muitas reflexões, produzindo anotações no diário de campo, que foram escritas posteriormente,

em outro ambiente, após cada encontro, uma vez que as interações foram muito próximas.

Segundo Minayo (2012), o diário de campo “é o principal instrumento de trabalho de

observação”, permitindo não só um registro auxiliar para a memória, bem como as impressões

a respeito, passíveis de análise e de reflexão posterior.

Durante a observação, foi realizada uma entrevista semiestruturada com a professora da

escola particular, cujas questões estão no apêndice deste trabalho, e, com base nos registros no

diário de campo, foram construídas narrativas, permitindo expressar situações vivenciadas.

3.6. Procedimento de discussão dos dados

Os dados serão apresentados em forma de narrativa, dialogando com o referencial

teórico adotado nesta pesquisa.

Os procedimentos de discussão e análise dos dados permitem que transpareça como o

corpus do que fora construído e coletado se deixa permear pela polifonia dos sujeitos e

agrupamentos humanos que compõem a complexidade do real, utilizando as narrativas, que,

longe de assumirem a função de relatórios, buscam, assim como o oleiro, deixar marcas na

argila:

A narrativa é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação.

Ela não está interessada em transmitir o “puro em si” da coisa narrada, como uma

informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida

retirá-la dele. Assim, imprime-se na narrativa a marca do narrador, como a mão do

oleiro na argila do vaso. (BENJAMIN, 2012b, p. 221)

Nas observações, o procedimento foi analisar de que maneira se entrelaçavam, na

realização da roda da conversa, os movimentos vivenciados pelas crianças, professora e auxiliar

de classe e como eram inviabilizadas as situações que consideram a criança sujeito ativo

participante da elaboração do plano coletivo de trabalho.

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Quanto aos desenhos das crianças, estes foram coletados apenas no CEI, pois na escola

particular ocorreram apenas as observações participantes, sem interferência nas propostas e

atividades desenvolvidas na turma, buscando, assim, somente observar o desenrolar das

propostas. Das dezessete crianças, apenas seis participaram da roda da conversa com narrativas,

acerca das quais busco refletir.

Diante de tantos desenhos, relatos, narrativas, deixei-me envolver em processos de

seleção, observação e construção de sentidos e saberes, a partir de tudo que vi, vivi e senti.

Nesse momento, lancei-me em movimentos de construção e entrelaçamento. Misturaram-se

reflexões, pensamentos e sentimentos, que juntos compõem o capítulo IV, a seguir.

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CAPÍTULO IV – ENTRE PERCEPÇÕES E SABERES: CABENDO, DESCABENDO E

SEGUINDO O CAMINHO

O olhar de um homem,

desprovido de acabamentos,

mira um modo de alcançar o grande,

o grande sertão,

e o remédio derradeiro.

Aquilo que se diz humano

cabe e descabe num piscar de olhos,

num embrulho,

num escorregão,

ou no canto de um sabiá.

E lado a lado, cabendo e descabendo,

caminha,

a angústia de sofrer

do detalhinho do esquecimento.

(BREGALDA, 2012, p.44)

Ao nos lançarmos para conhecer os sujeitos da pesquisa e os lugares que ocupam,

precisamos nos imbuir de um olhar desprovido de acabamentos, que nos forneça abertura

suficiente para não só ver, mas enxergar o que se nos apresenta. Embora estejamos imbuídos

de nossos preconceitos e impressões outras, pois neste caminhar às vezes até miramos um modo

de alcançar o grande, como se esse fosse o remédio derradeiro. No entanto, lidamos com o

humano, que cabe e descabe num piscar de olhos, fugaz, ligeiro, mas belo como o canto de

sabiá, que nos toca o sentimento. Enfim, percorremos em nossa inteireza, lado a lado com

nossas percepções e sentimentos, cabendo e descabendo, com angústia e talvez sofrimento, e

algumas pitadas de esquecimento: do que fomos, do que seremos e almejamos ser um dia, mas

rumo ao encontro dos dados, construindo, desconstruindo e reconstruindo saberes.

4.1. Visualizando os dados: construindo saberes

Diante de todo o material construído e coletado, compondo um entrelaçado de sujeitos

e agrupamentos humanos, concepções, situações, visões e escutas, surge o questionamento: O

que essas particularidades e singularidades, que se apresentam impregnadas com características

do lugar de onde vieram, querem dizer? Por onde começo? Há uma ponta a ser puxada como

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se fosse um novelo para ser desenrolado? Talvez essa ponta seja nossa curiosidade aliada à

possibilidade de interlocuções que nos permitem deslocamentos, indicando por onde iniciar.

Então me entrego a movimentos de aproximação e distanciamento, percebendo que o que está

próximo precisa ser visto de longe, e o que está distante tende a se aproximar, percorrendo um

caminho de retomada do meu diário de campo.

As observações participantes e as observações totais permitiram a construção de um

diário de campo, proporcionando uma visão mais ampla das características dos grupos, da

escola particular e do CEI, de suas rotinas, das maneiras como se organizavam para a realização

da roda da conversa e das possibilidades que esse momento oferece de participação das

crianças, cujas impressões agora compartilho.

Observar as práticas pedagógicas com um olhar de pesquisadora provoca em mim

deslocamentos, indicando que não há maneiras únicas de atuar no espaço educativo, mas outros

caminhos e possibilidades possíveis. Observar a maneira como a professora conduz a roda me

faz refletir sobre as possibilidades de as crianças assumirem a condução da conversa com suas

inquietações e curiosidades, ou então a professora seguir uma lista de afazeres para esse

momento: preenchimento do calendário, escolha do ajudante do dia, organização da rotina, que

podem inibir a criança que chegou com tantas inquietações. Como afirma Siste (2003, p. 85):

“a dinâmica das rodas é estabelecida de acordo com as necessidades da turma”, cabendo ao

professor uma escuta atenta e sensível para a dinâmica que se constrói nesse momento. Muitas

vezes há tantas “tarefas” a serem cumpridas na roda que a novidade que a criança trouxe em

mente se perde em meio à realização de todos os trabalhos de organização da rotina, que sem

dúvida são importantes, mas não preponderantes.

Acredito que permitir que esse momento torne-se flexível amplifica a voz da criança,

considerando que as novidades devem ocupar os primeiros momentos, porque, como afirmou

Roberto9, uma criança do CEI: “Quando eu penso e demoro pra falar, eu esqueço. Aí depois

falo outra coisa”. O menino deixa aqui transparecer que inicialmente havia algo em sua mente

para ser dito, mas que acabou esquecendo e que, talvez, o que venha a dizer depois seja apenas

um comentário sobre o que alguém falou, esquecendo o que havia trazido de suas vivências e

experiências fora da escola.

A fala parece ocupar a ponta da língua das crianças, pois, assim que chegam ao espaço

educativo, tantos fatos e acontecimentos parecem querer escapar pela boca, como uma rã

9 Nome fictício, assim como todos os outros, utilizado para preservar a identidade real das crianças envolvidas

nesta pesquisa, conforme explicações e referencial teórico citados nas páginas 98 e 99 (KRAMER, 2002).

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querendo saltar. É muito interessante, porque é possível ver nos olhos das crianças a vontade

de contar algo logo que chegam, alguns já anunciando: “hoje tenho ótimas novidades para a

roda”, ou então: “tenho uma novidade muito triste”, deixando transparecer a expectativa que

sentem pela chegada desse momento. Pautando-me em Siste (2003, p. 90):

quando as crianças contam suas novidades, elas trazem elementos de sua rotina e vida

fora da escola para a turma, elementos esses muito importantes, porque são expressos

livremente pensamentos, desejos, sentimentos.

Acredito que cada vez que as crianças trazem elementos de suas vidas, de seu cotidiano

e vivências, elas se fortalecem enquanto sujeitos nos espaços educativos, pois seus

pensamentos, desejos e sentimentos são considerados, e elas se valem da roda da conversa para

compartilhar um acontecimento com as demais crianças. Concomitante a esses processos, há

reverberações do que cada um diz a respeito do outro, ampliando reflexões e considerações

acerca de si e de suas experiências, como nos salienta Siste (2003, p. 90):

A Roda de Conversa é um momento fundamental na relação afetiva entre a professora

e as crianças e das crianças entre si. Também permite às crianças tomar consciência de

alguns fatos da vida, da diversidade cultural existente nas várias famílias representadas

por cada criança, ou, conforme o acontecido, se liberar de e/ou desdramatizar algumas

situações.

Diante de tais considerações, podemos alinhavar com o que Larrosa (2008) indica como

“processos de subjetivação”, que permite novas possibilidades de vida interferindo nas

potencialidades do indivíduo enquanto sujeito ativo, em consonância com as experiências de

si, na medida em que conduz a uma relação consigo mesmo, ativando singularidades. Ao

mesmo tempo em que une as pessoas afetivamente, alimentando sentimentos de aceitação e

pertencimento ao grupo.

Tais observações me conduzem a movimentos introspectivos de autoanálise da prática,

e percebo questionamentos sobre a maneira como organizo a roda da conversa. Logo os

pensamentos me trazem situações vivenciadas. Quando nos acomodamos em uma roda, há

muitas outras rodas menores, há burburinhos, as crianças se reencontram mostrando que a

distância entre o ontem e o hoje abarca uma coleção de acontecimentos, curiosidades, fatos

assustadores, descobertas que simplesmente vão deixando os pensamentos, passando a ocupar

a fala por meio das narrativas. Nesse momento, o sorridente bom-dia indica dois movimentos

para as crianças: a roda vai começar e logo o disparo em cada um de movimentos internos de

selecionar o que vai contar, entre tantas possibilidades de narrativas. O olhar permanece atento

a cada fisionomia.

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Maria começa a nos contar: “Meu gato tá com uma mania... quando ele vê gente com

bastante carne aqui [mostra o braço próximo ao ombro], ele vai assim bem

devagarinho [rasteja no chão para mostrar] e faz assim [mostra um movimento das

unhas como se estivesse arranhando] e tira um pedacinho de pele da pessoa”. Eu

pergunto: “Mas onde ele aprendeu isso?” Ela responde: “Na rua... Eu falo pra ele:

Chano, não vai pra rua que você aprende coisa má com o ladrão, mas ele vai.” (Diário

de Campo, 17/5/2015)

Diante do relato, muitos assuntos podem ser engatilhados, iniciando processos de

debates por meio dos quais cada um pode dizer sua opinião e vivências: Quem mais tem animal

de estimação? Quem não tem e gostaria muito de ter? Quem já teve um animal muito querido

que morreu? Quais sentimentos brotaram no coração após a morte do bichinho querido? Agora

entrando em um tema extremamente polêmico, entre outros que surgem com frequência e nos

faz deliciar diante das hipóteses de cada criança: o que acontece depois que morre? Então

ouvimos as mais variadas opiniões: “vai para o céu”, “fica embaixo da terra”, “vira anjo”,

cabendo ao professor evitar conclusões e fechamentos, porém fomentar e incentivar as mais

variadas colocações, que trazem implícitas concepções e crenças muitas vezes transmitidas

pelas famílias. Tais exercícios nos permitem lidar com opiniões contrárias às nossas, que muitas

vezes nos instigam a repensar nossas afirmações ou não, como nos acrescenta Siste (2003, p.

91): “A Roda de Conversa vai além de estabelecer simplesmente um momento de bate-papo

com a turma, é um momento de incentivo ao exercício da cidadania, da democracia, do

exercício de ouvir o outro e ser ouvido por ele também”.

Podemos perceber que há movimentos de conversa coletiva entrelaçada com outros que

partem de algumas trocas com o colega ao lado, assim como nas rodas de conversa de adultos,

quando por vezes queremos apenas comentar nossa opinião com quem está ao nosso lado, o

que não significa que não estamos atentos e participantes com o assunto em pauta na roda como

um todo.

Perceber a potencialidade da roda da conversa foi algo que progressivamente tomou

posse de minhas reflexões e do quanto eu poderia promover o seu aprimoramento, cuidando

para que a criança tomasse esse espaço com suas narrativas, questionamentos e opiniões. Um

processo crescente de me permitir ser conduzida, a pessoa adulta da roda, foi acontecendo,

iniciando ou propondo assuntos, para que os movimentos vindos das crianças pudessem tomar

forma e garantir espaço. Podemos apontar como uma das potencialidades da roda e colaboração

nos processos de constituição da criança como sujeito ativo a garantia desse espaço como

propício para a resolução de conflitos, como nos aponta Siste (2003, p. 91):

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Conversando, definimos juntos o que fazer para garantir uma convivência harmoniosa.

A Roda de Conversa é um instrumento fundamental na gestão de conflitos, pois

estimulam-se o tempo todo o diálogo, a troca de experiências e saberes. [...] Assim como

com os pequenos, com os maiores também nos utilizamos da Roda de Conversa para

definirmos os limites que orientam nossa convivência, colocamos em discussão

problemas que porventura surjam nesse convívio.

Diferentemente das situações impostas pelo adulto, apontando culpados, exigindo

pedidos de desculpas ou impondo sanções, na roda da conversa no espaço educativo

estabelecem-se processos nos quais cada um fala de si, de quanto determinada situação o afetou,

cabendo a ambas as partes buscarem soluções que contentem os envolvidos e não só ao adulto.

Novamente retomando meu diário de campo do CEI, trago uma situação em que uma

criança, cuja mãe trabalha com costura, trouxe como presente para todos cones de plástico que

antes continham linha. Incentivei para que ela distribuísse para todas as crianças. Logo um

diálogo começa a se formar:

– Isso é de pirata. — Disse Bianca ao posicionar o cone nos olhos tentando avistar ao

longe.

– Eu também quero.

– Piratas do Caribe. Eu assisti.

– A gente pode fazer um mapa do tesouro.

– Como podemos organizar? O que mais tem um pirata? Fui lançando

questionamentos, ao mesmo tempo em que me deixava envolver por várias propostas

que se constituíam de forma coletiva.

– Aquele negócio no olho.

– Um chapéu assim. [Mostrando com gestos como deveria ser feito].

– Podemos fazer uma brincadeira de caça ao tesouro — disse Mateus. (Diário de

Campo, 28/5/2015)

Nos dias seguintes, organizamos várias brincadeiras envolvendo piratas e mapas do

tesouro. As crianças desenharam o mapa e resolvemos esconder alguns objetos no parque

simbolizando os tesouros, e, enquanto um escondia, os demais, com o mapa nas mãos, tentavam

encontrá-lo. Nesse momento, podemos perceber a potencialidade da roda amplificando a voz

das crianças, quando, a partir de um objeto trazido de casa, foram criados debates e ideias,

promovendo assim novas brincadeiras.

Nossas conversas sobre piratas continuaram por mais alguns dias, gerando as mais

inusitadas ideias, e, como não podia deixar de ser, também ocorriam as “dramatizações”,

movimentos envolvendo corpo e gesto, em que a criança, muito diferentemente do adulto,

permite envolver-se por inteiro, porque só relatar não é suficiente, precisava de mais. Os colegas

também não ocupam somente a posição de espectadores, mas participam das músicas e danças.

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“O próprio da criança não é ser apenas uma etapa, uma fase numerável ou quantificável da vida

humana, mas um reinado marcado por outra relação – intensiva – com o movimento” (KOHAN,

2004, p. 3).

Confeccionamos chapéus de piratas com folhas de jornal e o faz de conta ganhou ares

de real, outra criança trouxe um colete de tecido que ajudou a compor ainda mais o figurino e

brincamos muitas vezes de pirata, tesouros escondidos e mapas.

Nesse momento, acolher as sugestões das crianças traduz a busca por uma nova maneira

de conceber as infâncias no espaço educativo, como sujeitos capazes de proposições,

argumentações e sugestões de mudanças, que pode nos conduzir a uma maneira outra de

conceber os fazeres educativos. A escuta atenta e acolhedora da criança pode nos conduzir a

caminhos outros que nos aproximem de vivências mais autênticas e consonantes com nossas

necessidades.

Quando nos desprendemos de movimentos de controle que enrijecem pensares e fazeres

nos espaços educativos, deixamos de querer transformar as crianças em seres padronizados, que

se distanciam do que são hoje e agora, e inauguramos outra forma de pensar e fazer educação,

até mesmo despertando em nós potencialidades criadoras.

Talvez possamos pensar a educação de outra forma. Quiçá consigamos deixar de nos

preocupar tanto em transformar as crianças em algo distinto do que são, para pensar

se acaso não seria interessante uma escola que possibilitasse às crianças, mas também

aos adultos, professoras, professores, gestores, orientadores, diretores, enfim, a quem

seja, encontrar esses devires minoritários que não aspiram a imitar nada, a modelar

nada, mas a interromper o que está dado e propiciar novos inícios. Quem sabe

possamos encontrar um novo início para outra ontologia e outra política da infância

naquela que já não busca normatizar o tipo ideal ao qual uma criança deva se

conformar, ou o tipo de sociedade que uma criança tem que construir, mas que busca

promover, desencadear, estimular nas crianças, e também em nós mesmos, essas

intensidades criadoras, disruptoras, revolucionárias, que só podem surgir da abertura

do espaço, no encontro entre o novo e o velho, entre uma criança e um adulto.

(KOHAN, 2004, p. 11)

Compartilhar momentos vividos com o outro, mas revisitados e revividos por todos nós,

parece ter uma proximidade incrível com a infância e com uma maneira única de tocar a

memória. Precisamos perceber que “a infância não é apenas uma questão cronológica: a

infância é uma condição da experiência” (KOHAN, 2004, p. 3). A cada movimento de escuta e

envolvimento nas invenções lúdicas das crianças, vivenciamos a infância.

Houve uma situação em que uma criança contava um filme a que havia assistido no

cinema e o quanto isso a encantou. Ao narrar, falou das corujas que voavam muito alto e quanto

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as aves conversavam. Em alguns minutos, era como se estivéssemos em uma floresta cercada

por animais, não estávamos mais conversando, mas experimentávamos ser bicho, o que torna o

faz de conta algo real. Passear pela floresta fingindo ser animais envolveu a todos, cada um foi

escolhendo o bicho que mais se afinava e logo começava a imitá-lo no jeito de andar, emitindo

sons característicos. Observando o envolvimento e o grande prazer de todos na brincadeira que

se formava, nas ações e intenções de cada um, questionei sobre outras possibilidades de

organização, ampliando ainda mais o faz de conta e o cenário de floresta.

O que vocês acham da gente combinar de todo mundo trazer no dia do brinquedo10

um animal ou algo de floresta pra gente transformar a nossa sala? Percebi que muitos

gostaram da ideia e já indicaram o que trariam, enquanto outras meninas que se

envolviam mais nas brincadeiras de casinha e uso de maquiagens trazidas de casa não

se empolgaram tanto. No dia do brinquedo, várias crianças trouxeram bichos de

pelúcia e de plástico, outros que não haviam trazido nada lamentaram. Lancei

perguntas ao grupo: Como vamos fazer? O que tem numa floresta? Várias respostas

vieram: árvores, plantas, macaco, onça e tantos outros animais. Bruna sugeriu que

encostássemos as mesas num canto; Pedro deu a ideia de desenhar o que estivesse

faltando. Cada criança foi organizando uma parte: empurrando mesas, tirando

cadeirinhas, pegando papel e lápis para desenhar. Penduramos as árvores e

espalhamos os animais e logo uma história começou. Bruna começou a dizer que

naquela floresta havia caçadores que perseguiam os animais e que estes deveriam se

esconder embaixo das mesas, que seriam as cavernas. Assim como as crianças,

também escolhi um animal e me deixei envolver pela brincadeira. Ao sinal do caçador

se aproximando, deveríamos ir para outro lado, e assim sucessivamente. De repente o

caçador soltava um gás e todos dormiam, mas havia um animal que ajudava a todos.

(Diário de Campo, 1/5/2015)

Diante do exposto, vale recorrer a Prado e Ferreira (2014, p. 302), que nos elucidam:

E, ao contarmos nossas histórias, estamos, de algum modo, procurando preservá-las

do esquecimento, criando, inclusive, a possibilidade de elas poderem ser contadas de

outras maneiras, em outros diversos espaços-tempo, abrindo brechas para

reinterpretações e para outras novas histórias. Como já antecipou Walter Benjamin

(1985), os múltiplos sentidos que são possíveis às narrativas se constroem nos olhares

de outros, na relação com outras histórias.

Quando narramos, permitimos que nossas singularidades e modos peculiares de ver e

sentir o mundo sejam compartilhados, oferecendo aos ouvintes oportunidades muito

diferenciadas de retomada das memórias, revendo e ressignificando o vivido e o sentido.

Compõe-se um jogo por meio do qual todos os participantes são convidados a entrar no mundo

complexo dos sentidos e significações, que, longe de serem estáticos, adotam diferentes sabores

e cores em um processo contínuo, como em uma aquarela em que cada tom, ao se encostar no

outro, mistura-se, produzindo o inesperado.

10 Dia do brinquedo: proposta por meio da qual se elege um dia na semana para que cada criança traga um

brinquedo de sua casa para o espaço educativo, permitindo ampliar brincadeiras e interações com os colegas.

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Quando nos permitimos uma aproximação com a criança buscando a participação e o

envolvimento nas brincadeiras, podemos perceber quanto pode haver admiração e gostar,

estabelecendo uma relação de parceria e sintonia, ao mesmo tempo em que experimentamos

recuperar e vivenciar a infância que existe em nós, nos permitindo ser permeados pela

experiência, saboreando o devir-criança. Acionamos linhas de fugas que nos conduzem a

lugares e relações outras com a criança e também conosco, instaurando um ambiente de troca,

encantamento e prazer.

4.2. Diário de campo da escola particular: permitindo outras percepções

Os espaços e tempos educativos da escola particular permitem observações

diferenciadas que me chamam atenção, como uma agitação maior das crianças, pois as

argumentações, opiniões e sugestões delas parecem ter espaço garantido, gerando muitas trocas

com os adultos. Diferentemente do CEI, onde a exigência pelo silêncio e o manter-se sentado

parece maior. Na observação, também foram considerados a composição do espaço educativo,

os materiais e o mobiliário como articuladores da concepção implícita de infância e educação.

Os registros contemplam esses aspectos, que aqui considero relevantes nas reflexões.

Esses aspectos referem-se especificamente ao uso exclusivo das produções das crianças

da escola como decoração nas paredes, não tendo elas apenas função ornamental, mas servindo

de informativo aos visitantes e pais, e de registro para as crianças, conferindo identidade e

valorização dos estudos e trajetória percorrida pelo grupo, bem como trocas entre as turmas,

provocando comentários, questionamentos e admirações por parte das demais salas.

Diferentemente do CEI, que ainda decora boa parte dos murais internos com as produções do

adulto, e não das crianças que ocupam aquele espaço. Há poucas situações de exposição dos

trabalhos das crianças.

A disposição dos materiais no interior das salas, acomodados em prateleiras baixas e

abertas, é acessível às crianças das duas turmas daquele espaço, manhã e tarde. Tais materiais

são matéria-prima para as produções: papel sulfite, tesoura, lápis de cor, canetinhas, tinta

guache, borracha, apontador, pincel e outros que talvez sejam utilizados em estudos mais

específicos, como lupa e conta-gotas. No CEI ainda observamos muitos materiais trancados em

armários ou em prateleiras altas, inacessíveis às crianças.

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Há alguns livros de história e um ou dois jogos de encaixe e construção, uma caixa para

as produções finalizadas e outra para aquelas que estão por terminar, além de alguns materiais

confeccionados pelas crianças para auxiliar na organização do dia: fichas individuais com nome

e desenho para o sorteio dos ajudantes, calendário, fichas com desenho e escrita das atividades

que compõem a rotina e o livro da vida, que guarda fatos e acontecimentos significativos da

turma com desenhos, colagens e escritas.

Há um cuidado com o espaço que pertence às crianças, o que fica evidente pelas

características marcantes na maneira de dispor e guardar os materiais, mantendo, talvez aos

olhos do adulto sistemático, certa desordem, mas que para os pequenos confere uma

proximidade, identidade e posse, no sentido mais amplo e completo, gerando a sensação de

pertencimento. Uma criança não é “bagunceira”, utilizando uma expressão comum em alguns

ambientes por parte do adulto em relação à criança, mas está em processo de aprendizagem, e

como tal vivencia situações que oscilam entre mais e menos organização. O que também

acontece com o adulto, que deve evitar sobrepor a ação de arrumar acima de outras que

merecem relevância.

Elencar várias características de ambos os espaços educativos contemplados nesta

pesquisa nos permite apontar movimentos da escola particular de sintonia com a pedagogia da

infância, na medida em que evidencia os fazeres e produções das crianças, expondo e compondo

o espaço educativo, ao contrário do que acontece no CEI.

Nesse sentido, é preciso tecer as reflexões sobre o trabalho das Instituições da

Educação Infantil e acreditar em uma Pedagogia da Infância na qual todas as crianças

sejam concebidas como cidadãs competentes, produtores de cultura, especialistas de

sua própria vida. Reconhecer a competência dessas crianças possibilita desenvolver a

escuta responsiva necessária para organizar as várias dimensões da pedagogia – os

espaços e os tempos pedagógicos; os materiais; a organização dos grupos; as

interações; as observações; o planejamento (pelo currículo emergente); a

documentação, a avaliação e os projetos que concretizam a co-construção das

aprendizagens. (Oliveira-Formosinho apud BORGES, 2014, p.15)

Relembrando alguns pressupostos inerentes às pesquisas qualitativas, vale enfatizar o

seu acontecimento por meio de um processo dinâmico, relacional e contínuo. Pesquisador e

sujeitos participantes da pesquisa entrelaçam suas subjetividades e maneiras de ser e pensar na

construção do conhecimento, que vai ganhando forma e colorido, a cada encontro e a cada

reflexão, despontando em vivacidade e em novas possibilidades e caminhos, como uma via de

mão dupla, na qual as duas partes permitem ser refeitas.

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O olhar e a escuta do pesquisador e seus sujeitos de pesquisa não buscam a realidade

estática e pura, mas os movimentos que a permeiam, em alguns momentos, e os que a

atravessam em outros, como em um balanço de mar, em que, ao se enrijecer, talvez você seja

engolido pelas ondas, exigindo talvez sensibilidade e argumentações em uma busca de conhecer

os sujeitos e seu contexto, evitando preconceitos e visões preconcebidas.

Revisitar o diário de campo traz à memória as situações vividas, ressignificando minhas

práticas e concepções, permitindo, por meio das narrativas, uma “faculdade de intercambiar

experiências” (BENJAMIN, 2012a), uma abertura para entrelaçamentos. A seguir, pretendo,

por meio de narrativas, evidenciar trechos do meu diário de campo tanto da escola particular

quanto do CEI.

4.3. Vamos, crianças, a roda vai começar...

Todos estão sentados em roda e “duas crianças trouxeram de casa livros de histórias para

serem lidos, entregando-os para a professora”. Naquele momento, fico tentando adivinhar o que

ela iria fazer: ler na roda uma vez que foi trazido para aquele momento, ou iria deixar a leitura

para outro momento intitulado “hora da história”.

Mas o que presencio em seguida é a professora fazendo a leitura do primeiro livro,

uma história longa, mas a concentração é grande, todos muito atentos! Primeiro ela lê

e depois mostra as figuras. Logo em seguida, pega a outra história. Surgem algumas

perguntas no meio, como a curiosidade sobre um personagem, e algumas crianças

arriscam uma resposta, mas logo retornam à escuta atenta. Em outro momento,

questiono sobre a leitura dos livros, se isso sempre acontece na roda, e o que ela me

responde é que às vezes, sim, e outras vezes não, mas que também acontece num

momento específico da rotina. Isso me chama atenção! O livro trazido de casa é uma

novidade da roda e tem a urgência de ser contemplado naquele momento, e não

guardado para depois, o que vai ao encontro da necessidade da criança naquele

instante, não só de quem trouxe o livro, mas dos amigos que são instigados pela

curiosidade. O livro parece atrair muito a atenção dessa turma”. (Diário de Campo,

15/5/2015).

Quando releio trechos do diário de campo, faço inter-relações com a prática de

professora e considero quanto a atitude de desprender-se de movimentos rígidos pode permitir

interlocuções com a criança. No tocante à prática como professora pesquisadora, busco agora

no diário de campo uma situação em que a criança trouxe para a roda um livro elaborado por

ela e sua prima, duas folhas de sulfite grampeadas, mas que seguiam alguns parâmetros de um

livro editado: título, desenhos e textos escritos em cada página e o nome dos autores. Diante do

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material, fui instigada a não só visualizá-lo, convidando a criança que o trouxe para fazer a

leitura, como lançar um convite para a turma: “Alguém gostaria de fazer livros como este?”

Percebi o aceite de muitos e o quanto essa possibilidade de se transformar em um autor de livros

mexeu com as crianças, e por muitos dias seguimos produzindo histórias, fictícias ou reais,

falando de monstros, super-heróis ou vampiros, o que nos permitiu escutar preciosidades como:

a primeira viagem para a praia, churrasco em família e casa de vó.

Podemos apontar as situações relatadas como indícios de atitudes mais flexíveis e

abertas às proposições das crianças por parte do adulto, tendo em vista que surge um

acontecimento inesperado que pode ser negligenciado ou acolhido pela professora. Na medida

em que é acolhido, surgem outras proposições, como nesse caso do livro confeccionado pela

criança, que permitiu a confecção de tantos outros livros pelas outras crianças, contando suas

histórias de vida.

Movimentos que permitem outra relação com as experiências vividas e com os ouvintes:

O narrador retira o que ele conta da experiência: da sua própria experiência ou da

relatada por outros. E incorpora, por sua vez, as coisas narradas à experiência dos seus

ouvintes” (BENJAMIN, 2012b, p. 217).

Como narradores, buscamos em nossas experiências os nossos relatos, como quando as

crianças se propõem a não apenas contar, mas a registrar o que viveram e sentiram, permitindo-

nos conhecer um pouco mais de suas experiências e de como isso foi sentido e vivenciado.

Folheando o diário de campo e revisitando minhas memórias, logo me vem outra

situação que pede para ser contada.

Crianças entrando, eu na porta da sala aguardando e dizendo um caloroso bom- dia a

cada um, quando de repente avisto, ao longe, Beatriz com duas sacolas nas mãos

parecendo muito cheias, mas do quê? Quando Beatriz passou por mim, não me contive

e perguntei: “O que tem nas sacolas?” Ela fez um gesto para que eu me abaixasse,

queria me falar ao ouvido: “Eu trouxe brinquedinhos que não queria para todo

mundo”. Preocupada com a quantidade, indaguei: “Quantos tem?” Ela não sabia dizer

e então fizemos a contagem. O número de presentes, que era como Beatriz os

chamava, inclusive porque foram embrulhados um a um com papel de revista por ela

e a irmã, era suficiente para todos. Quando nos acomodamos na roda, Beatriz foi logo

explicando que tinha muitos brinquedos que não brincava mais, mas que estavam bons

e que havia trazido um para cada criança, e logo começou a distribuir. Percebi que

alguns gostaram muito, enquanto outros nem tanto, foi então que sugeri para que

trocassem com o amigo, procurando observar se o amigo também queria fazer a troca.

Gosto de propor situações que exigem organização e entendimento entre eles,

evitando muitas atitudes de adultos que impõem ações e situações acreditando que a

criança não tem condições de resolver. Fiquei observando os diálogos e as diferentes

maneiras de cada um se colocar. Foi uma experiência muito interessante, pois no final

todos ficaram satisfeitos e agradecidos a Beatriz, mas acredito que muito mais que um

brinquedo, cada criança envolvida ganhou lições de sabedoria: dividir e doar o que

não usa mais, conversar com o amigo sobre a possibilidade da troca, aceitando

inclusive um não como resposta, fazendo da roda da conversa um espaço para trocas

e aprendizados múltiplos. (Diário de Campo, 29/4/2015)

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Induzida por movimentos de interlocução entre minha prática como professora e as

observações realizadas na escola particular, a elaboração da entrevista semiestruturada ampliou

o diálogo e troca entre os dois campos de pesquisa, permitindo reflexões e análises.

4.4. Entrevista semiestruturada

No decorrer das observações participantes, fui sentindo que precisava ouvir um pouco

mais a professora da escola particular, buscando saber como considerava a roda da conversa

em seu trabalho e que relevância dava a essa proposta. Elaborei a entrevista pautando-me em

alguns critérios: poucas questões, para que pudéssemos extrapolar o que estava posto,

permitindo outros apontamentos que talvez não tivessem sido contemplados pelas perguntas

formuladas; questões diretas, buscando contemplar de que maneira a professora organizava e

considerava a roda da conversa.

Realizar a entrevista me fez estar em contato com diversos sentimentos, o que me

permitiu ocupar posições diversificadas: primeiro como pesquisadora buscando pontos

tangíveis com minhas leituras e indagações, depois como professora entrevistando uma colega

de profissão, permitindo um movimento de ampliação de suas concepções a respeito do seu

trabalho, do que acredita e se empenha para colocar em prática.

Comecei a entrevista pedindo que a professora falasse sobre como a roda foi

constituindo-se durante o ano, até chegar ao que ela era naquele momento, e se havia relações

com o que já tinha sido trabalhado no ano passado. Ela começou me explicando que o grupo

contava com sete crianças novas e dez que já frequentavam o espaço educativo e, portanto,

participantes da roda em anos anteriores, o que lhes conferia familiaridade com essa formação.

Diferentemente dos novos, os mais antigos já estavam acostumados a opinar diante dos vários

assuntos tratados, mas a expectativa e a euforia com poder falar dominavam a todos, exigindo

alguns combinados.

Revisitando meu diário de campo, lembro-me de várias situações que recebiam

colocações, por parte das crianças, a respeito do tempo que cada um tinha para falar e de que

fulano falava muito, exigindo de todos certa atenção para essa questão e encaminhamentos que

nos conduziam a combinados coletivos, em uma tentativa de democratizar e ouvir a maioria das

colocações. Quando buscamos uma conexão com os referenciais teóricos, podemos

compreender nas colocações de Paiva (1996), quando trata a respeito dos pensamentos de

Freinet, a importância da livre expressão como um dos pilares do trabalho a ser desenvolvido

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com as crianças, evidenciando que a roda da conversa é um momento privilegiado e organizado

para acolher essa necessidade da criança.

Prosseguindo com meu roteiro de entrevista, pedi à professora que comentasse sobre o

significado da roda para ela, enquanto profissional, explicando sobre suas intenções e objetivos

com a realização de tal atividade. Sua primeira colocação foi: “um dos principais momentos:

decidir junto, organizar e pensar no trabalho a ser desenvolvido”, deixando transparecer a

relevância que esse momento possui no que é desenvolvido com as crianças, quando ela disse

“decidir junto”, indicando uma das características mais fortes desse momento, ou seja, a troca,

o debate e o delineamento de um trabalho que se pretende coletivo. A professora prossegue: “é

o início das pesquisas”, indicando que não há um planejamento a priori que será apenas

comunicado às crianças, mas a criação de um espaço para colher opiniões, promovendo

reflexões, incitando cada um a dizer o que pensa. Como na arte da costura, em que, a cada

movimento da agulha, a linha se entrelaça ao tecido e algo muito diferente do que era no original

vai sendo formado, causando apreciação e sentimento de pertencimento a todos os envolvidos,

pois é possível se ver naquela produção coletiva.

Na sequência, a professora fez comentários sobre os debates acerca de qualquer mal-

estar no grupo, indicando a roda como um “momento para conversar sobre algum problema.

Não há um dia específico para avaliar. Na roda final, fazemos avaliação e as crianças podem

dar opinião do que não estão gostando”. Identificar linhas de fuga (Neves, 1997), quando se

refere a “momento para conversar sobre algum problema”, remete-me ao incentivo do diálogo

na resolução de conflitos, evitando naturalizações e padronizações por parte do adulto.

Houve comentários da professora a respeito do jornal de parede, que em muitos

momentos vem complementar a roda, esclarecendo: “por meio do jornal de parede,

conversamos sobre algum combinado ou alguma coisa que não está dando certo”. Além disso,

“fazem comentários a respeito da fala do amigo”. Indicando duas situações de roda que

acontecem diariamente, no início e no fim do período, cada um com suas especificidades: a

primeira roda enfatizando o planejamento, incluindo a escolha dos ajudantes do dia, a escolha

dos ateliês, as novidades, e a roda no fim do período, que busca refletir sobre o que foi realizado

no dia, apontando algum problema que precise ser debatido. A professora também comentou a

respeito de uma roda diferente: “acontece também a roda com vela, para leitura de livros

trazidos de casa pela criança”. Essa composição me deixou muito instigada a fazer o mesmo

com as crianças no CEI, uma vez que traz o fogo para o centro da roda, como os homens das

cavernas. Penso e já visualizo os rostinhos sorridentes diante da novidade, entre burburinhos e

agitações, revelando encantamento e um prazer que envolve todo o corpo.

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Perguntei a respeito de quais pontos considerava essenciais para alcançar seus objetivos

na roda da conversa. Sua resposta elencou quatro pontos que parecem inseridos em uma ordem

de relevância: “escutar o amigo, a valorização do que trazem, a organização da rotina do dia

(muito importante), ajudante do dia”. Nesse momento, sou conduzida a muitas reflexões acerca

do movimento de escutar entre as crianças, permitindo debates cada vez mais ricos, por meio

dos quais elas elaboram cada vez mais suas colocações, deixando de tecer ponderações soltas,

porém mais interligadas com a fala do amigo. Mais um ponto é levantado: “no debate de algum

assunto, trazer contribuições de todos”. Mais uma vez, as reflexões afloram e me pego a pensar

na mudança das crianças no decorrer do ano, na roda da conversa. Havia aqueles que só ouviam,

ou então trocavam comentários apenas com o colega ao lado, e depois passaram a ser os

primeiros a querer falar; havia também os falantes, que muitas vezes queriam dizer de si, sem

relação com as outras colocações, e que aos poucos começaram a ouvir mais e a refazer seus

argumentos. Há um movimento que cresce em espiral, pois os diálogos vão tornando-se mais e

mais complexos, parecendo um turbilhão em alguns instantes, e em outros criando espaços

bastante reflexivos e profundos.

O momento da roda da conversa tem sua finalidade também associada ao planejamento

do trabalho, com uma abertura ao imprevisível que vem da criança quando ouvimos as

novidades, que pode ser um assunto inesperado, um objeto, uma proposta, enfim, há que se

contemplar esses dois aspectos, ambos relevantes. É com base nessa defesa que gostaria de

apresentar um registro do meu diário de campo da escola particular de uma situação em que a

voz da criança foi silenciada, pois, além de não ter oportunidade de mostrar o objeto que trouxe,

sequer foi considerada ou teve chance de argumentar.

Neste dia cheguei um pouco mais cedo e logo vi algumas crianças da sala conversando

e mexendo em algumas folhas próximo ao canteiro lateral, dentro da escola. Abaixei

cumprimentando com um oi e logo perguntei: “O que estão fazendo?” Uma das

crianças me disse: “Estamos fazendo uma casa para a joaninha”. Com as folhas, elas

tinham montado uma cabaninha. Questionei: “Mas será que ela gosta de ficar fechada

aí?” Uma das crianças respondeu afirmativamente ao mesmo tempo em que todos se

empenhavam na construção. Bianca se aproximou do grupo e também sentou no chão

conosco e me disse: “Olha o que eu trouxe para mostrar na roda”, e me mostrou um

saquinho preto e pesado. No mesmo instante, perguntei: “O que é isso?” Ela foi

abrindo e me falando: “Minha mãe achou no lixo”. Eram moedas de vários países.

Disse a ela: “Nossa, são moedas de vários países, posso ver?” E fui pegando e lendo

de onde era diante dos olhos atentos dela. Os dois meninos continuaram seus planos

de proteção para a joaninha e não participaram da nossa conversa. Olhamos várias

moedas, guardamos e logo tocou o sinal para entrar. Já na sala, nos sentamos em roda,

Bianca com as moedas, uma outra criança com um brinquedo que parecia uma espada

e mais uma criança com um livro. A professora iniciou comentando de algumas

demandas que precisavam ser finalizadas, como as peças de argila referentes às

atividades do Dia do Índio, e em seguida teve a escolha dos ajudantes do dia e foram

entregues as fichas da rotina para serem penduradas no varalzinho. A roda logo foi

encerrada, e as crianças que trouxeram coisas para mostrar não puderam fazê-lo.

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Questiono: a relevância dos assuntos a serem tratados a quem pertence? Penso que

talvez pudesse ter sido ao menos questionado e negociado, buscando argumentações

com relação à urgência das demandas. As três crianças com objetos nas mãos sequer

questionaram a decisão da professora e, ao finalizarem a roda, dirigiram-se às suas

respectivas mochilas para guardar os objetos. E logo se acomodaram nos ateliês

escolhidos e começaram a trabalhar. (Diário de Campo, 22/4/2015)

Larrosa (2008) nos aponta duas dimensões que constituem os dispositivos pedagógicos

de produção e mediação da experiência de si e as quais vemos presente nas situações relatadas,

a saber: a discursiva (o que o sujeito pode e deve dizer de si) e a narrativa (é contando nossas

histórias que nos damos uma identidade no tempo), favorecendo os processos de criação e

recriação do sujeito.

Na tentativa de buscar uma ponte com os pressupostos de Freinet, indicados por Paiva

(1996), pedi que a professora falasse como esse autor considera a roda, em sua opinião, assim

como a escola em que atuava. Sua resposta deixa transparecer poucos conhecimentos a respeito

dos pressupostos de Freinet, revelando ainda que a escola, apesar de promover espaços de

formação para os professores, “tem propostas de temas com textos nos momentos de formação,

promovendo discussões. Mas também há temas levantados pelos professores com textos, leitura

e discussão, em uma frequência de reunião a cada quinze dias. Acontecem também reuniões de

setor e algumas gerais e semanais para orientar e discutir os problemas da sala”. A escola

poderia investir muito mais nas reflexões sobre a roda da conversa, uma vez que tem a presente

prática percorrendo todos os níveis de ensino. E acrescenta, como fechamento do

questionamento: “a escola considera como um momento importante”.

Chegando à última pergunta, solicitei que a professora citasse uma situação que tivesse

nascido na roda da conversa e possibilitado mudanças na sala de aula ou repercutido na escola.

Sua resposta reportou-se mais a situações de sala de aula: “a escolha do nome da turma,

possibilitando vários momentos de construção”. A resposta me permitiu refletir a respeito de

momentos importantes, que não ficaram restritos apenas à escolha de um nome, que por si só

já rende muitos dias de debates e reflexões, mas que trouxeram questionamentos que afloraram

e delinearam o planejamento específico daquele grupo. Tais debates foram indicativos de

pesquisas e construções coletivas, como quando decidiram sobre um castelo que iriam fazer

com caixas de papelão, no tamanho suficiente para que pudessem entrar.

A professora evidencia a posição da criança como sujeito ativo participante do plano

coletivo.

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No debate sobre a questão envolvendo situações da roda da conversa, trazidas pelas

crianças e que repercutiram nas propostas envolvendo todo o grupo, posso indicar um relato do

meu diário de campo no CEI:

Estávamos nos acomodando na roda para iniciar nossas colocações quando a criança,

Taís, inaugurou a conversa com um questionamento: “Por que não temos fantasias na

nossa sala?”, e logo seguida por outras crianças que reforçavam a mesma indagação.

Respondi com outra pergunta: “Vocês gostam de fantasias?” Diante de muitas

respostas afirmativas, percebi que um desafio se instaurava no grupo, que fora

despertado no dia anterior, quando visitamos outra sala da escola e brincamos com

fantasias. Continuamos no assunto com o intuito de elencar quais fantasias gostariam

de ter e possibilidades de aquisição de algumas delas. Com relação à aquisição,

expliquei para as crianças que teria de consultar a diretora, uma vez que a contribuição

espontânea enviada pelas famílias era entregue para ela, que faz a administração da

verba. Após a consulta com a direção, transmitindo os argumentos e intenções

indicados pelas crianças, a resposta foi negativa, mediante a alegação de que já

tínhamos algumas fantasias na escola. Realmente tínhamos algumas fantasias

enviadas pela prefeitura: flores, joaninhas, besouros, mas um pouco distante do que

as crianças gostariam: super-heróis e princesas. Ao retornar para as crianças a

justificativa da diretora, houve a sugestão de pedir aos pais roupas e sapatos que já

não usavam mais. Fizemos coletivamente um bilhete não só pedindo as roupas, mas

justificando nossa intenção. Bilhete digitado e impresso, enviamos para as famílias.

Durante muitas rodas, as crianças trouxeram roupas e sapatos de pessoas da família,

sempre acompanhado de comentários explicações. Foram momentos muito

interessantes, as crianças ficaram empolgadas em trazer e mostrar. Acomodamos

todas as fantasias em um baú e nos divertimos usando vestidos longos, camisas

masculinas, saias etc.” (Diário de Campo, 29/5/2015).

4.5. O que dizem as crianças sobre a roda da conversa? Desenho como fonte

documental

Realizar pesquisas envolvendo crianças nos remete a cuidados necessários e éticos para

que estas não sejam colocadas em situação de exposição e, ao mesmo tempo, garantindo que

ocupem um lugar de respeito com sua identidade. Para tanto, busquei leituras de alguns autores

sobre tal situação. Kramer (2002) amplia nossas reflexões apresentando vários estudos com

escolhas diferenciadas quanto à forma utilizada para denominar as crianças envolvidas na

pesquisa.

Quando trabalhamos com um referencial teórico que concebe a infância como

categoria social e entende as crianças como cidadãos, sujeitos da história, pessoas que

produzem cultura, a ideia central é a de que as crianças são autoras, mas sabemos que

precisam de cuidado e atenção. (KRAMER, 2002, p. 2)

Em um esforço para manter a integridade da criança atendendo às recomendações

contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990,

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assim como aos pressupostos e referenciais teóricos contidos nesta dissertação acerca do

respeito à infância, optei por utilizar nomes fictícios, como observando anteriormente em nota.

Lançar um olhar para os desenhos produzidos pelas crianças nos permite não só trazer

uma das formas de expressão na infância, mas,

entre tantas possibilidades, permite ao adulto, colocar-se no plano das crianças, vendo

o mundo com seus olhos, não ditando o que elas têm que fazer, mas aprendendo com

elas, sobretudo se evitar a tentação de interpretar somente com olhos adultos o

universo infantil (GOBBI, 2004, p. 6).

Aproximando-me das crianças durante momentos de atividades, questionei de forma

individualizada quem gostaria de fazer um desenho da nossa roda da conversa. Recebi vários

“nãos” como resposta, mas alguns “sins” vieram, e foi um processo muito interessante de

diálogo durante a construção do desenho. Das vinte e oito crianças que compõem o

agrupamento, dezessete se dispuseram a fazer o desenho representando a nossa roda.

A Ilustração 1, elaborada por João, de 4 anos e 7 meses, traz um círculo que liga todos

os presentes, mostrando a disposição física da roda, o que nos permite ver nossas feições e

olhares. Cada um dos presentes aparece com diferenças em suas formas: maiores, menores, com

braços abertos, apontando nossas especificidades, as quais nos constituem como sujeitos,

enriquecendo nossas trocas e interações. Podemos observar que as crianças são a roda, como se

fossem miçangas perpassadas pelo fio que forma o colar. O colar que adorna nossas narrativas,

nossas singularidades, ampliando nosso sentimento de pertencimento. Nesse momento, nos

completamos e nos complementamos, como se cada um, parte integrante do todo, se deixasse

perpassar pela roda, que nos une e nos fortalece em nossas diversidades, mas também como

grupo.

O colar com suas miçangas enriquece nosso imaginário e nos desperta para

interpretações sobre como nos sentimos seguros e conectados quando nos posicionamos em

círculo, formando a roda. O fio nos segura e nos sustenta em nossas diversidades e

singularidades, ao mesmo tempo em que nos fornece proximidade com o outro, não só física,

mas nos momentos de escuta, em que acolhemos as vivências, tristezas e medos uns dos outros.

Quando falamos, nos expomos, mas recebemos o conforto do colega, sua atenção e o

compartilhamento de ideias e sentimentos, somos todos miçangas.

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Ilustração 1– Desenho da roda da conversa elaborado por João

Fonte: acervo da autora.

A Ilustração 2 é de Lucas. de 5 anos e 7 meses, representando pessoas sorridentes

envolvidas pelo círculo. Talvez seja assim que nos sintamos, permitindo-nos ser envolvidos

pela roda e por suas possibilidades, produzindo relatos, trocas, falando de nós e do outro. Aqui

as crianças estão envolvidas pela roda, como se ela fosse o abrigo, o refúgio, o abraço que afaga

e acalenta nossos medos e incertezas. Mas também a roda como aquela que gesta, e eles fossem

os frutos dela, cuidando e protegendo o mais precioso, o que cada um carrega consigo de

histórias, de desejos e inquietações, como uma semente. Notamos que a primeira criança da

esquerda não tem boca, querendo dizer de sua pouca participação, pois, diante de meu

questionamento a esse respeito, Lucas a nomeou como sendo uma criança que permanece mais

calada. Nas demais, podemos observar duas com a boca aberta e duas apenas sorrindo,

permitindo deduzir as diferentes formas e intensidades de participação de cada um dos

integrantes. Estas também foram nomeadas como crianças que sempre participam bastante,

suscitando as demais a, muitas vezes, colocarem-se afirmando que também querem falar.

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Durante o desenho de Lucas, fiz algumas perguntas para entender mais as

representações que surgiam no papel: “O que você está fazendo?”, perguntei. Logo veio a

resposta: “Eu tô fazendo as pessoas na roda”, ele respondeu e completou: “As pessoas estão

conversando”. Ao ser questionado a respeito do assunto: “Mostrando o brinquedo no dia do

brinquedo, a gente fala como foi o feriado. Faz o ajudante e o calendário”.

Ambas as ilustrações mostram a força e a potência da roda, e isso é indício de como ela

os amplifica, pois, nas duas ilustrações, as crianças fizeram questão de demarcar a roda com

um cordão, um círculo, que nos une e nos liga, perpassando cada um dos integrantes.

Nossas singularidades são acolhidas e nos sentimos aceitos por inteiro, somos partes

importantes.

A Ilustração 3 nos indica um olho que do centro lança raios que nos atingem como o

sol, que aquece e ilumina nosso interior. Não tenho como falar dessa ilustração sem me referir

à criança que o fez, que progressivamente nos permitiu conhecer um pouco mais de suas

vivências em um abrigo, de sua relação com sua mãe e quanto a roda da conversa a fez se sentir

integrante do grupo e sujeito de sua vida. A mandala com traços soltos abrigam transformações,

Ilustração 2 – Desenho da roda da conversa elaborado por Lucas

Fonte: acervo da autora.

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falas e narrativas que foram sendo oralizadas e gesticuladas, prendendo-nos como redes, como

uma grande toalha de crochê, enredando nossos sentimentos e emoções. Em muitos momentos

nos entreolhamos e nossos olhares falaram mais que as bocas entreabertas. Experimentamos

vivências emprestadas que, em movimentos circulares, misturaram-se às nossas vidas, então

nos questionamos, nos solidarizamos e nos constituímos a cada encontro.

Foram coletados dezessete desenhos no CEI, uma vez que busquei não interferir na

rotina da escola particular. A partir de solicitações, cada criança ficou à vontade para realizar

ou não a ilustração, bem como fazendo ou não depoimentos acerca do que havia desenhado,

apenas pedi que fizessem a nossa roda da conversa. Foram coletados dez depoimentos no total,

muitos deles bastante parecidos, por isso selecionei os que se referiam aos nossos fazeres na

roda, ou aqueles com impressões mais subjetivas.

Ilustração 3 – Desenho da roda da conversa elaborado por José

Fonte: acervo da autora.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No vazio onde queremos entrar

estão os devaneios agarrados,

perdidamente humanos,

e repuxando a ternura para dentro.

A sobrancelha, às vezes, fala mais.

A densidade da solidão,

aumenta e diminui como a poeira,

também possuidora de espessura

inquieta e primitiva.

Muito daquilo que se chama de escrúpulo

vai de abraço ao descascar,

do verniz, do lustroso.

(BREGALDA, 2012, p. 40)

Ao finalizar este trabalho, que exigiu leituras, pesquisas e reflexões, tenho a sensação

de estar envolvida por sentimentos/devaneios por ora agarrados, fazeres que me acompanharam

e que, em alguma medida, me marcaram. No entanto, também saboreio novos vislumbres que

deixam para trás o vazio e a densidade da solidão, que parece aumentar e diminuir, como se

tivesse espessura em uma inquietude primitiva.

Em muitas situações, a sobrancelha falou mais, deu os primeiros sinais de muitos

sentimentos ainda enredados: surpresa, desconfiança, confirmação, encantamento,

cumplicidade. Mas, marcada pelo humano que sou, fui me dividindo entre o escrúpulo e o

descascar, como em um abraço que se necessita sentir e perceber além do verniz e do lustroso.

Talvez seja assim que todos nós nos sintamos em algum momento: tocados e mexidos,

mas, com muitas possibilidades e aberturas de caminhos, ora aparentemente obstruídos ou

nebulosos, mas alimentados com encantamentos e reflexões que nos retiram do lugar antes

ocupado, conduzindo a outro espaço e tempo marcados por maneiras outras de olhar e vivenciar

nossos fazeres e pensares na formação de sujeitos ativos.

Quando repenso os espaços e tempos destinados a cuidar e a educar crianças, deparo-

me com muitas situações e ações impositivas subjugando a capacidade das crianças em opinar

e promover mudanças. Há uma rigidez imposta pelo adulto que me faz rever posturas e

concepções.

Compreendo que rever posicionamentos e olhares para o espaço educativo requer novas

maneiras de ver e conceber a infância, abarcando a criança em sua potencialidade e inteireza,

em uma relação de parceria e troca com o adulto, elencando como prioridade a criação e o

fomento de práticas democráticas que devolvam a cada sujeito que compõe o espaço educativo

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sua legitimidade e protagonismo nos planejamentos e ações. A pedagogia da infância nos

permite considerar as singularidades inerentes às diversas infâncias que compõem o espaço

educativo.

No momento em que nos permitirmos criar um distanciamento de modelos e

movimentos preparatórios, vamos poder experimentar acontecimentos que buscam como

referenciais as aspirações e os direitos reais não só da criança, mas de outros sujeitos que

compõem o universo do espaço educativo. Movimentos repetitivos e fragmentados de

professores também necessitam ser revistos, para que ele busque outra forma de ser e agir dentro

do espaço educativo, resgatando encantamentos e desejos íntimos e transformadores, ou seja,

as singularidades.

Tal pensamento nos aproxima do “devir-criança”, permitindo uma relação com o

conceito grego de tempo denominado aión, que, em vez de consecutivo e cronológico

(chronos), pode ser alargado pela duração intensa da experiência vivenciada, em uma tentativa

de desprendimento, de rever modelos e chavões que povoam planejamentos e projetos

pedagógicos que buscam indicar maneiras de ser e agir, criando seres sociais nos quais as

crianças devem se transformar, esquecendo-se de experimentar e viver o hoje de maneira

intensa e arrebatadora, próprio de uma criança.

Podemos perceber que, enquanto documentos oficiais ou concepções pedagógicas

indicam a realização da roda da conversa nos espaços educativos destinados às crianças, a

prática em si não garante que ela aconteça de maneira democrática, proporcionando que a

criança seja considerada em sua inteireza e potencialidade, tornando-a um sujeito ativo, pois a

roda pode agir como um dispositivo de controle, que apenas mantém as crianças em lugares

fixos sem direito à expressão própria. No entanto, como um encontro entre adulto e criança,

inaugurando inúmeras possibilidades, há que se permitir vivenciar o devir-criança para sermos

assim perpassados pela infância. Precisamos garantir a abertura para o inesperado e o novo que

brota de relações mais flexíveis e vivências mais intensas.

Talvez, nós adultos, tenhamos muito mais a aprender que a ensinar, reformulando e

revendo paradigmas estabelecidos há muito tempo e perpetuados sem reflexões ou

questionamentos nossos, professores, administradores e orientadores pedagógicos, que

compomos também o universo educacional.

Em alusão as três metamorfoses de Nietzsche (2013), podemos analisar até a que ponto

nos permitimos deixar envolver pela “liberdade libertada” proposta pela criança, ou se ainda

estamos como o camelo, que carrega todo o controle das propostas e atividades desenvolvidas,

delimitando movimentos e falas.

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Buscamos a construção de um novo olhar escutando nossas crianças, uma escuta atenta,

acolhedora e propositora de mudanças, uma escuta responsiva e qualificada por parte do adulto.

Até mesmo como uma maneira de nos honrar e nos permitir aprender, por meio de uma atitude

receptiva, ampliando nossa inteligência e sensibilidade, despertando nossas infâncias.

Intencionando também reconquistar nossa imaginação, tão negligenciada e desacreditada por

nós mesmos, parecendo esquecida em alguma esquina do passado de nossa infância. Tais

atitudes podem promover não só mudanças no hoje e no agora, mas também resgatar o que

ficou adormecido no passado.

A infância pode ser vista como uma maneira diferente de experimentar e vivenciar os

acontecimentos, de uma maneira mais aberta e vibrante, não quantificável cronologicamente ou

atendendo a objetivos preestabelecidos e preparatórios, mas por meio de sua intensidade.

Quando nossos pensamentos se libertarem de objetivos que se fixam no futuro e

suposições que imaginam moldes para as crianças, limitando nossos diálogos, ações e intenções

dentro do espaço educativo, talvez possamos deixar de fazer imitações e reproduções para

buscar uma nova política da infância, centrada na pedagogia da infância.

Retomando Larrosa (2008) no que se refere às cinco dimensões fundamentais para a

produção e mediação da experiência do eu – óptica, discursiva, jurídica, narrativa e prática –,

lançamos outro olhar a respeito de nossas práticas e discursos pedagógicos buscando uma

dimensão mais aberta e significativa dos fazeres no espaço educativo. A dimensão narrativa faz

com que a criança conte suas histórias em uma inter-relação com as tantas histórias que

compõem seu mundo, fazendo e refazendo a maneira de se ver e estar no mundo, selecionando

o que nos conta de si, em um processo de julgamento interno de acordo com normas e valores,

culminando em uma prática a respeito do que pode e deve fazer consigo mesmo, carregando

implícitas as transformações.

Finalizamos o presente estudo não com o intuito de uma conclusão, mas com indícios

de possíveis caminhos que suscitem maneiras outras de organizar os fazeres educacionais no

espaço educativo levando-se em conta as instituições produtoras de subjetividades e

propositoras de “experiências de si”, constituindo o sujeito por meio de processos de criação e

recriação constantes.

Assim, pensar o espaço educativo com encantamentos e proposições com e por

intermédio das crianças nos permite rever nossas concepções a respeito da infância, buscando

reflexões que desencadeiam maneiras e modos outros de vivenciar as práticas pedagógicas.

Ao longo do presente estudo, aconteceram muitos movimentos que não só enriqueceram

minha prática como professora, mas permitiram a construção de muitas outras possibilidades

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de fazeres nos espaços e tempos educativos. A seguir faço retomadas das questões que foram

surgindo no decorrer desta dissertação e que me permitem construir as considerações finais

respondendo a cada uma delas, incorporando também os objetivos elencados inicialmente.

Qual é a identidade de nossos espaços educativos e qual identidade gostaríamos que

fosse? Se temos espaços e tempos tão controlados e enrijecidos, como podemos querer que

nossas crianças sejam democráticas e flexíveis? Projetos pedagógicos e planejamentos elencam

objetivos recheados de palavras bonitas: cidadãos críticos e conscientes; porém, como

concretizar essa proposta se o que as crianças vivenciam as forçam a aceitar o que está posto?

Repensar nossas instituições dedicadas a cuidar de crianças nos permitem movimentos

para repensar as infâncias e os cuidados que fornecemos a elas e quanto asseguramos e

garantimos que sejam cumpridos, não permanecendo apenas em leis e documentos oficiais,

visto que acabam não sendo viabilizados no cotidiano dos espaços educativos. A maneira

impositiva e totalitária com que as crianças são tratadas reflete muito do que permeia as mais

variadas relações entre as hierarquias; buscar maneiras outras de diálogos e trocas,

considerando opiniões de vários sujeitos que compõem o espaço educativo talvez promova

movimentos mais democráticos.

A que ponto estamos dispostos a “perder o pé” nesse encontro com as crianças no

ambiente da educação infantil? Por que precisamos, a todo o momento, exercer o controle de

propostas e situações, delimitando objetivos e metas?

Pensar no espaço educativo buscando flexibilidade, planejamento e ações coletivas

talvez pareça distante demais do que vivenciamos, pois há que se iniciar movimentos que talvez

nos indiquem “perder o pé”, em um encontro com o outro que, se por um lado promove ações

coletivas, por outro conduz a processos de constituição das crianças e a nós mesmos como

sujeitos.

Podemos apontar como contribuições do presente estudo um olhar e escuta

diferenciados para as infâncias no espaço educativo, buscando ampliar a participação das

crianças para que esses lugares atendam cada vez mais a seus direitos e opiniões, uma vez que

são organizados para elas mesmas. Há uma intenção de retornar às instituições nas quais

desenvolvi as pesquisas para apresentar as reflexões e a conclusão do presente estudo,

demonstrando gratidão pelo acolhimento à pesquisa e ao pesquisador, ao mesmo tempo em que

poderá incitar análises e reflexões acerca dos pensares e fazeres ali praticados.

Como desdobramentos, podemos apontar oportunidades de reflexão entre os sujeitos

que compõem o espaço educativo e suas concepções sobre infância, assim como debates a

respeito do processo de constituição de cada um enquanto sujeito. O que promove de mudança

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no educador compreender a infância como acontecimento e criação? O que significa nos deixar

envolver pelas experiências da infância?

Acredito que o presente estudo vem ao encontro de muitos estudos cuja intenção maior

é a consideração da criança como sujeito histórico de direito, pertencente à comunidade que

vive e capaz de opinar sobre assuntos que lhe afetam diretamente, buscando melhorias nas

condições de atendimento das infâncias nos espaços educativos. Reforçando, ainda, processos

de reavaliação da educação que é ofertada às crianças, permitindo que cada vez mais os pensares

e fazeres nos espaços educativos tenham ressonância nos documentos oficiais, conferindo às

infâncias não só respeito, mas olhar diferenciado e “escuta responsiva”, que dão indicativos de

mudanças necessárias. Rever processos e movimentos de conversa e escuta não só na educação

infantil, mas em todos os níveis de ensino, para que a criança e o jovem possam conduzir a roda

da conversa, tendo o professor como parceiro. Além disso, o uso de desenhos das crianças como

fonte de pesquisa com as infâncias.

E mais uma vez:

Vivo pensando pelos barrancos

e neles fico debruçado,

mas remo, de último costume,

sempre na direção contrária

para ver se consigo avistar,

mais uma vez,

o lugar da infância.

É como rever a lição do musgo no muro

sobre o surgimento

das primeiras cores

(BREGALDA, 2012, p. 71)

Reflexões que permeiam o caminho: pensar pelos barrancos e não parar de remar, como

de costume, sempre na direção contrária, para ver se consigo avistar o lugar da infância não só

nos espaços e tempos educativos, mas em mim. Será que preciso ficar debruçada? Como em

uma atitude de devaneio, por meio da qual pensamentos vêm e vão, mas não são capturados

porque talvez o foco seja outro... Não o pensar, mas sim o sentir.

Há uma lição a rever: o musgo no muro, impregnado de odores, mas sobretudo

impregnado de muro, verdejante e cativo no lugar que ocupa. A caminhada nos permite não só

ver, mas multiplicar os silêncios com as palavras, como nos indica Manoel de Barros (2013).

Avistar o surgimento das primeiras cores parece um chamamento a nos envolver com a

infância, e devemos nos entregar sem receio a tantos caminhos e possibilidades que se abrem à

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nossa frente. Iniciar processos que permitem sermos perpassados pelos devires, acionando

nossas unidades revolucionárias e disruptoras, inaugurando novos começos.

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APÊNDICE

Questões da entrevista semiestruturada realizada com a professora da escola particular

1) No início do ano, como a roda foi constituindo-se? O que vem do ano anterior e o que precisa

ser construído?

2) Para você, o que significa a roda da conversa no trabalho desenvolvido com as crianças?

Qual a sua intenção e objetivo como professora na roda da conversa?

3) Quais pontos você indicaria como essenciais numa roda da conversa (para alcançar seus

objetivos)?

4) Em sua opinião, como Freinet considera a roda da conversa? Na escola, como é considerada

a roda da conversa?

5) Cite uma situação que nasceu na roda da conversa e possibilitou mudanças na sala de aula

ou repercutiu na escola?