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A Produção Enxuta Como Fator Diferencial Na Capacidade de Fornecimento de PMEsTRANSCRIPT
A produção enxuta como fator diferencial na capacidade de fornecimento de PMEs
Revista Produção v. 13 n. 2 2003 57
Lean production as a tool to improve
the supply capability of the SMEs
Abstract
The automotive industry, especially in the 90’s, has been passed through a re-structure process of its productive
base and supply relationship. Supporting such a process, there is a production philosophy coined lean production.
This paper aims at pointing out some considerations about what could be done, regarding the production process,
that may improve the supply capability of the autoparts firms in the RS state. Seven firms were analyzed and a lean
production tool, the Value Stream Mapping, was applied. The results obtained were positive in all firms. The general
stock reductions were of about 23%. Concerning value addition the reductions were of about 65%. Therefore, the
potential gains from the implementation of the improvements suggested at Value Stream Map would make it
possible not only to produce accordingly to the demand but also, to increase the supply capability of the firms.
Key words
Supply chain, lean production, Value Stream Mapping.
MARIA LETÍCIA SOUSA CORREIA LIMA, DOUTORANDA
Escola Politécnica da USP – Departamento de Engenharia de Produção
PAULO ANTÔNIO ZAWISLAK, DR.
PPGA/ EA/UFRGS
Resumo
Face ao processo de reestruturação produtiva que a indústria automotiva brasileira tem vivenciado, notadamente
a partir dos anos 1990, e à influência da filosofia enxuta de produção neste, o presente artigo traz um estudo
realizado em pequenas e médias empresas (PMEs) gaúchas sobre o impacto potencial da aplicação de uma
ferramenta da produção enxuta, o Mapeamento do Fluxo de Valor, na capacidade de fornecimento destas. Foram
analisadas sete empresas no Estado. O resultado obtido foi uma redução geral nos tempos de estoques de 23%,
o mesmo ocorrendo para o tempo de agregação de valor, reduzido em 65%. Pode-se dizer, portanto, que os ganhos
potenciais com a aplicação das propostas apresentadas possibilitariam às empresas não somente fornecer de
acordo com a demanda do cliente e em fluxo contínuo, mas também aumentar sua capacidade de fornecimento,
atendendo às exigências de preço, prazo e flexibilidade.
Palavras-chave
Cadeia de suprimento, produção enxuta, Mapeamento do Fluxo de Valor.
A produção enxuta como fator diferencial na
capacidade de fornecimento de PMEs
GESTÃO DA PRODUÇÃO
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Maria Letícia Sousa Correia Lima; Paulo Antônio Zawislak
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INTRODUÇÃO
As mudanças econômicas ocorridas notadamente nasegunda metade do século vinte têm redesenhado asbases de competitividade industrial no mundo. Quesitoscomo qualidade e confiabilidade do produto, rapidez noatendimento às necessidades do mercado e flexibilidade,são considerados como as novas dimensões de sucessoempresarial.
De forma a atender estas dimensões, as empresasestabelecem processos de reestruturação interna – e.g.em suas práticas de gestão da produção – e externa – e.g.nas relações com seus clientes e fornecedores. Na indús-tria automotiva verifica-se que este processo de reestru-turação possui como forte inspiração uma filosofia deorganização da produção: a produção enxuta.
As desverticalizações das montadoras de veículos,que passaram a se concentrar nas etapas consideradasestratégicas e a delegar as demais a seus fornecedores,podem ser consideradas como manifestações deste pro-cesso de mudança no setor automotivo. O processo demudança iniciou-se, portanto, a partir da empresa-mãe,mas tem progredido no sentido de abranger os demaiselos da cadeia e alterar a própria estrutura e lógica defuncionamento desta. Assim, um novo padrão de relaci-onamento entre empresas e fornecedores tem sido esta-belecido: a cadeia enxuta.
Esta cadeia pressupõe que seus membros trabalhemsob a mesma lógica de fornecimento (enxuto) e queexista uma integração entre os mesmos, traduzida naforma de um estreitamento nas relações de fornecimentoe de parceria. Ela é um referencial teórico que procurapossibilitar a coordenação das atividades dos vários elosem um fluxo contínuo, seguindo conforme as exigênciase demandas do elo mais forte.
No Brasil, os reflexos das mudanças mundiais foramnotados principalmente a partir dos anos 1990, com aabertura da economia e conseqüente maior exposição dasempresas à concorrência internacional, com a renovaçãoprodutiva baseada em novas tecnologias, redução dasestruturas das grandes empresas e terceirização de servi-ços, e com a migração de montadoras para outras regiões,
que não as tradicionais da indústria automotiva nacional.É neste cenário de alterações estruturais e realocações
geográficas que se encontra o setor automotivo do Estadodo Rio Grande do Sul.
Um dos mais importantes braços da indústria automoti-va nacional, a cadeia automotiva gaúcha é composta pormontadoras de veículos leves, ônibus, caminhões, máqui-nas agrícolas e veículos especiais e por um parque demicro, pequenas e médias empresas (PMEs) que compõemo setor de autopeças local. O predomínio de montadoras deveículos pesados confere às empresas do Estado qualifica-ção e padrões de resposta às demandas dos clientes (prin-cipalmente nos quesitos preço e prazo) diferentes dospraticados pelas montadoras de veículos leves.
Tem-se desta forma, de um lado, um novo padrão derelacionamento sendo estabelecido, a cadeia enxuta, e de
outro, mais especificamente no Rio Gran-de do Sul, um leque de PMEs do setorautomotivo cujas características de for-necimento, em face de determinantes lo-cais, são diferentes das empregadas na-cionalmente. Como fazer, então, com queessas empresas atinjam padrões mais am-plos de fornecimento?
A partir deste questionamento, foi rea-lizado um estudo cujo objetivo foi o de
identificar, com base nos conceitos enxutos, quais ospontos de melhoria no processo produtivo que propor-cionariam às empresas fornecedoras de autopeças doEstado do Rio Grande do Sul uma diferenciação em suacapacidade de fornecimento que pudesse significar umapossível maior participação na cadeia automotiva local enacional.
Para a identificação dos pontos de melhoria foi utiliza-da a ferramenta de Mapeamento do Fluxo de Valor. Estaferramenta resume os princípios enxutos e visa analisaros fluxos de materiais e informações das empresas, deforma a visualizar como se dá a organização da produçãoe identificar os possíveis desperdícios no processo, bemcomo o que pode ser melhorado.
O presente artigo descreve, sucintamente, o resultadoda pesquisa realizada em sete PMEs pertencentes à ca-deia automotiva gaúcha, a partir da aplicação do Mapea-mento do Fluxo de Valor, abordando as principais me-lhorias propostas e os ganhos potenciais.
A PRODUÇÃO ENXUTA E A EXPANSÃO
DO CONCEITO – A CADEIA ENXUTA
O termo produção enxuta foi cunhado pela primeiravez por Krafcik (1988), membro do grupo de estudos doIMVP – International Motor Vehicle Program. Esta
Na indústria automotiva o processo
de reestruturação interna e externa
vem acontecendo sob forte inspiração
da filosofia enxuta de produção.
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denominação foi criada para expressar um sistema deprodução caracterizado pela eliminação progressiva dodesperdício, pelo fluxo contínuo com que os processosprodutivos ocorrem, pela produção segundo a deman-da do cliente no tempo e na quantidade por este estabe-lecidos e, por fim, pela relação próxima e de parceriacom fornecedores. Estes podem ser também denomina-dos como os requisitos básicos que configuram um siste-ma enxuto de produção.
Como auxílio para o cumprimento destes requisitos, osistema enxuto de produção disponibiliza uma relação depráticas que visam, de forma mais ampla, otimizar o lead-time (tempo demandado desde a entrada da matéria-primana empresa até a saída do produto final), o tempo deagregação de valor (tempo em que o produto está sendoprocessado) e atender ao takt-time (ritmo de vendas, ou seja,quantas peças são demandadas por turno de trabalho).
Analisando a estrutura de empresas tradicionais e en-xutas no Quadro 1 pode-se perceber, de forma mais clara,
as mudanças que o estabelecimento do sistema enxutopropõe realizar.
Como se pode observar pelo Quadro 1, os itens refe-rentes às relações com os clientes nas empresas tradicio-nais são idênticos aos do relacionamento destas empre-sas com seus fornecedores, o mesmo se dando com asempresas enxutas. Tal característica advém do fato deque as práticas estabelecidas a montante em uma cadeiade suprimentos acontecem sob as mesmas “regras” queas ocorridas a jusante. Porém, uma vez sendo alteradaesta “regra”, as relações também o são e a cadeia comoum todo sofre modificação (WOMACK e JONES, 1998).Tem-se aqui o cerne da cadeia enxuta.
Uma vez operada segundo a lógica enxuta de produ-ção, esta cadeia tem como base a integração entre os elos,ou seja, o estabelecimento de relações mais intensas emaiores níveis de confiança. Ela é um referencial teóricoque procura coordenar as atividades de forma que osprocessos, dentro dos elos e entre eles, sigam em fluxo
• Seleção baseada notadamente em preço;
• Não existência de compromisso de venda;
• Custos e riscos do lançamento de novos produtos
sendo arcados pelas empresas.
• Negociação via preço, prazo e qualidade;
• Contratos de médio e longo prazo;
• Desenvolvimento conjunto de projetos, parceria
entre cliente e empresa.
EMPRESA ENXUTAEMPRESA TRADICIONAL
Quadro 1: Diferenças entre culturas de negócios de empresas – modelo tradicional versus modelo enxuto.
RELAÇÃO COM CLIENTE
PRODUÇÃO
• Administração do tipo top-down (de cima para
baixo), em que as ordens são fornecidas pelos altos
níveis da empresa para a produção;
• Limitado envolvimento dos funcionários nas
decisões;
• Produção baseada na previsão de vendas e pedidos
fechados;
• Cultura de estoque de segurança como forma de
absorver as oscilações do mercado e as falhas na
previsão de vendas.
• Níveis hierárquicos mais baixos dotados de poder
decisório quanto à produção, pois são os mesmos
que estão em contato com as dificuldades
encontradas no chão-de-fábrica;
• Busca contínua pela perfeição, melhoria contínua;
• Produção disparada pela demanda do cliente, na
quantidade e tempo em que esta demanda ocorre;
• Preocupação em estabelecer um fluxo contínuo na
produção, de forma a eliminar os estoques e
desperdícios na produção.
RELAÇÃO COM FORNECEDORES
• Seleção baseada notadamente em preço;
• Não existência de compromisso de venda;
• Custos e riscos do lançamento de novos produtos
sendo arcados pelas empresas.
• Negociação via preço, prazo e qualidade;
• Contratos de médio e longo prazo;
• Desenvolvimento conjunto de projetos, parceria
entre cliente e empresa.
Fonte: Adaptado de Henderson e Larco (1999) e Rother e Shook (1998).
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contínuo, conforme as exigências e demandas do elomais forte.
As PMEs do setor de autopeças
e a cadeia automotiva gaúcha
O setor de autopeças, congregador das PMEs nacio-nais da cadeia automotiva, é composto por este segmentode empresas e por um leque de outras pequenas e médiasfiliais de grandes grupos estrangeiros, grandes empresasestrangeiras e grandes empresas de capital.
Assim como para as grandes montadoras, o ambientede mudanças instalado, principalmente a partir da déca-da de 90, tem atingido também o setor de autopeças.Estudos do BNDES (1996) apontaram que as PMEs quenão vêm realizando investimentos significativos paramodernização produtiva e gerencial serão as mais afeta-das pela implementação da redução do número de for-necedores e pelos fortes requisitos demandados pelasmontadoras e fornecedores diretos, reflexos diretos doprocesso de mudança. O estudo também traz que, embo-ra dentro do setor como um todo exista um grupo deempresas que está investindo, notadamente as maioresou as líderes de segmento ou exportadoras, existe aparcela de PMEs que necessitam investir, para ganhosde produtividade e qualidade e racionalização de opera-ções, inclusive em relocalização de unidades, de formaa fazer parte da rede de fornecedores de montadoras epara que seja alcançada maior competitividade interna-cional. É neste cenário que se encontram as empresas dosetor de autopeças gaúcho.
A cadeia automotiva gaúcha é composta de montadorasde veículos leves, ônibus, caminhões, máquinas agrícolase veículos especiais e mais de 300 fornecedores, distribuí-dos nos segmentos de direção, suspensão e freios, eletroe-letrônicos, fundidos, motor e transmissão, químicos, plás-ticos e borrachas, usinados e conformados. Existe noEstado um predomínio de montadoras de veículos pesadosque reflete no perfil das empresas fornecedoras locais. Asmontadoras de veículos pesados possuem para com seusfornecedores requisitos de qualidade, preço e prazo. En-tretanto, como suas escalas são bem menores que as deveículos leves, estas exigências não têm o mesmo impactona qualificação do fornecedor, que as realizadas pelasmontadoras de veículos leves (ZAWISLAK, 1999).
Como visto, tem-se um novo padrão de relacionamentoprocurando ser estabelecido na indústria automotiva, acadeia enxuta, e com ele a ampliação do alcance dospadrões de exigências das montadoras para com seusfornecedores, e a necessidade de integração entre os mem-bros da cadeia como forma de resposta às exigências.
No curso destas mudanças, o setor de autopeças apre-senta-se heterogêneo, não apenas no tocante às transa-ções que realiza com diferentes níveis da cadeia, mastambém quanto à sua capacitação, no sentido de manter
ou ampliar o fornecimento dentroda cadeia.
A absorção das mudanças peloselos da cadeia, notadamente osmais próximos da base, torna-se,desta forma, necessária e, uma vezas mudanças ocorrendo sob o enfo-que da produção enxuta, pode-se
pensar nesta filosofia também como base norteadora doprocesso de adaptação das empresas. Este foi o focomaior adotado para a realização da presente pesquisa.
METODOLOGIA
Foram entrevistadas sete empresas, em um estudo demúltiplos casos, escolhidas dentre as pertencentes aocadastro da pesquisa CARS – Cadeia Automotiva do RioGrande do Sul (ZAWISLAK, 2001). Esta pesquisa bus-cou desenhar a cadeia automotiva gaúcha em quesitoscomo capacidade produtiva e de fornecimento, qualida-de, utilização de ferramentas da produção enxuta, entreoutros. Fazem parte deste cadastro 211 empresas, todaslocalizadas no estado do Rio Grande do Sul e fornecedoraspara a indústria automotiva local, nacional e internacional.
Mapeamento do Fluxo de Valor – MFV
Utilizando-se uma definição prática, pode-se afirmarque o Mapeamento do Fluxo de Valor (MFV) é umaferramenta da produção enxuta que auxilia no planeja-mento de negócio e gerenciamento de processo nas em-presas (ROTHER e SHOOK, 1998). Porém, analisando-se a filosofia enxuta em si, ele representa na realidadeuma das portas de entrada para a implantação do sistemaenxuto de produção.
Seu funcionamento se dá sob a forma de coleta dedados, análise destes e propostas de melhorias. Com umarelação de informações sobre as demandas dos clientes,fornecimento de matéria-prima, processos produtivos,tempos de ciclos, setup de máquinas e estoques, além donúmero de pessoas envolvidas e a forma como os dadosfluem na empresa, desenha-se um mapa que contemplade forma esquemática e organizada esses dados, o mapa
Acadeia enxuta é um referencial teórico
que busca o fluxo contínuo dos processos
dentro dos elos e entre os mesmos.
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do estado atual. A partir deste e tendo como mola mestrade todas as mudanças o cliente, ou seja, a demanda,utilizam-se os princípios e as práticas da produção enxu-ta para se trabalhar todo o fluxo de materiais e informa-ção. As propostas são também desenhadas e compõem omapa do estado futuro, e podem requerer desde altera-ções na organização da produção, como por exemplo, acriação de células de produção, até acordos com fornece-dores para suprimento de matéria-prima em prazos me-nores, que reduziriam os estoques iniciais.
Escolha das empresas e produtos
As empresas escolhidas foram de pequeno ou médioporte, pertencentes ao setor de autopeças gaúcho. O porteda empresa seguiu a classificação do Sebrae (2001), que
utiliza como critério o número de empregados, conformea Tabela 1.
As razões sociais das empresas e dos fornecedores eclientes, bem como as descrições detalhadas dos produ-tos estudados, foram omitidas, utilizando-se em seu lu-gar nomes fictícios e denominações genéricas de seusprodutos. Esta troca não representou prejuízo para acompreensão do trabalho, uma vez que o foco principaldo estudo residiu na organização da produção e no fluxode materiais e informações, dentro das empresas e paracom seus fornecedores e clientes. O Quadro 2 apresentaos nomes fictícios das empresas e os produtos estudados.
Para a seleção não foi levado em consideração se aempresa já fornecia diretamente para alguma montadoraou não. Tal fato não teve relevância, uma vez que se
Micro
Pequena
Média
Grande
1 a 19
20 a 99
100 a 499
500 e mais
NÚMERO DE EMPREGADOSCLASSIFICAÇÃO
Tabela 1: Classificação de empresas segundo o tamanho.
INDÚSTRIA COMÉRCIO/SERVIÇO
Fonte: Sebrae (2001)
1 a 9
10 a 49
50 a 99
100 e mais
Borracha Ltda.
Chapa Ltda.
Ferro Ltda.
Fibra Ltda.
Latão Ltda.
Cabo Ltda.
Plástico Ltda.
PRODUTOEMPRESAS
Quadro 2: Empresas e produtos pesquisados.
Bexiga
Surdina
Tomada de força
Grade frontal
Válvula de bóia
Chicote elétrico
Carcaça filtro
Borracha Ltda.
Chapa Ltda.
Ferro Ltda.
Fibra Ltda.
Latão Ltda.
Cabo Ltda.
Plástico Ltda.
PERCENTUAL VENDAS PARA CADEIA AUTOMOTIVAEMPRESAS
Tabela 2: Empresas pesquisadas e seus percentuais de fornecimento para a cadeia automotiva.
Abaixo de 10%
Acima de 50%
Entre 10 e 35%
Acima de 50%
Acima de 50%
Acima de 50%
Abaixo de 10%
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procurou observar no trabalho a potencialidade de au-mento da capacidade de fornecimento (e conseqüente-mente de produção) das empresas para a cadeia como umtodo, não somente àquela pertencente atualmente. ATabela 2 mostra os percentuais de destino das vendas decada empresa estudada para a cadeia automotiva.
Os produtos foram escolhidos em conjunto pela pes-quisadora e os representantes da empresa, tendo sido,entretanto, facultada a esta última a decisão final. Comoem todas as entrevistas os processos produtivos eramcomuns à grande maioria das peças, esse critério não foiconsiderado na escolha dos objetos de estudo. Destaforma, as alternativas para seleção da peça ficaram entreos produtos com maiores índices de defeitos durante aprodução ou devolução do cliente e aqueles que repre-sentavam maior faturamento para a empresa. Todas aspesquisadas escolheram estudar os produtos de maiorfaturamento, devido à escassez de dados sobre defeitos e/ou devoluções de clientes. Além de representar maiorfaturamento, o produto escolhido também obedeceu aocritério de ser destinado às empresas pertencentes à in-dústria automotiva. A única empresa a ter o produtoestudado não relacionado à cadeia automotiva foi a Bor-racha Ltda., pois esta trabalha, para o setor automotivo,no sistema de peças sob encomenda e, quando da entre-
vista, não havia pedidos ou peças na produção. Para oobjetivo do presente estudo essa escolha foi válida, poisfoi explorado, da mesma forma como nas outras empre-sas, o potencial de produção da pesquisada.
O Quadro 3 contém as principais características dasempresas estudadas, o porte segundo número de funcio-nários, o mercado de atuação e os nível de fornecimentodentro da cadeia (GITHAY e BRESCIANI, 1998).
Escolha da ferramenta de coleta de dados
Composto em sua grande maioria por PMEs, o setor deautopeças gaúcho, palco do presente estudo, possui, se-gundo Zawislak (1999), uma relação de empresas comcapacidade de fornecimento mas que, no entanto, apresen-tam relativa participação na cadeia automotiva gaúcha.
Pela Tabela 3 pode-se observar, em estudo realizadono Rio Grande do Sul (ZAWISLAK, 2001), que das 211empresas pesquisadas, 123 (58,29%) apresentavam maisde 50% de suas vendas destinadas à cadeia automotiva e74 eram candidatas a aumentar suas participações. Opercentual de fornecimento abaixo de 10%, 38 empresas(18,01%), foi alto levando-se em consideração os resul-tados das outras faixas. Somente ele responde por51,35% das 74 empresas, sendo este um forte indicativodesta “relativa” participação destas empresas na ca-
Borracha Ltda.
Chapa Ltda.
Ferro Ltda.
Fibra Ltda.
Latão Ltda.
Cabo Ltda.
Plástico Ltda.
Autopeças, Químicos e Plásticos, Revestimentos
Autopeças
Autopeças
Autopeças
Autopeças
Montadoras, Autopeças, Eletroeletrônicos
Autopeças, Linha Branca
PORTE QUANTO AO
NO DE FUNCIONÁRIOS
EMPRESAS
Quadro 3: Empresas pesquisadas – porte, mercado de atuação e níveis de fornecimento.
MERCADOS DE ATUAÇÃO NÍVEL DE
FORNECIMENTO
3o nível e reposição
Reposição
3o nível e reposição
2o nível e reposição
3o nível e reposição
1o e 2o níveis
3o nível
Pequena
Pequena
Pequena
Pequena
Pequena
Média
Média
Abaixo de 10%
De 10% a 25%
De 25% a 50%
Acima de 50%
Não respostas
Total
%PERCENTUAL VENDAS
Tabela 3: Número de empresas versus Percentual de fornecimento para a cadeia automotiva.
18,01
8,06
9,01
58,29
6,63
100
38
17
19
123
14
211
NO DE EMPRESAS
Fonte: Zawislak (2001).
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deia e da potencial capacidade de melhoria da mesma.O Mapeamento do Fluxo de Valor (MFV) é uma
ferramenta da produção enxuta que permite visualizarcomo estão estruturados a organização da produção e orelacionamento com clientes e fornecedores das empre-sas. Essa visão possibilita não somente a identificação depossíveis gargalos produtivos, mas uma reflexão sobre oque poderia ser modificado no sentido de diminuir des-perdícios (entenda-se custos) e melhorar o todo. Poroutro lado, pode-se dizer, de forma genérica, que o pro-cesso de “pensar” novas melhorias sempre foi considera-do como oneroso no quesito financeiro e de tempo,sendo, portanto, descartado pelas empresas que não dis-punham de tais recursos, notadamente as PMEs. Contra-riando esta visão, o MFV possibilita uma coleta de infor-mações rica, assim como disponibiliza uma relação depráticas enxutas flexíveis o suficiente para adaptação àrealidade das empresas e que as auxiliem nas mudançasidentificadas como necessárias e possíveis. Desta forma,
a escolha da ferramenta do MFV veio ao encontro doproposto no presente estudo, que procurou focar nasPMEs e no aumento de sua capacidade de fornecimentovia melhoria nos processos produtivos. Vale ressaltarque, apesar de possuir aplicação facilitada em virtude deexpor quais dados seriam buscados, a ferramenta demandabastante esforço intelectual daquele que a utiliza, uma vezque o pensar sobre o processo e as adaptações necessáriasa cada empresa são o diferencial que se deseja obter.
O questionário semi-estruturado aplicado na pesqui-sa foi desenvolvido pela autora com base na metodolo-gia de aplicação do MFV descrito em Rother e Shook(1998), tendo sido para tanto dividido em quatro tópi-cos (Quadro 4):
A divisão em quatro tópicos foi escolhida para facili-tar a coleta de dados em campo e o posterior desenho dosfluxos de materiais e informações dos produtos estuda-dos no mapa do estado atual. A relação entre os dadoscoletados e os fluxos está no Quadro 5.
• Ano de fundação;
• Porte da empresa;
• Segmento dentro da cadeia automotiva;
• Percentual de vendas relacionado à cadeia
automotiva;
• Mercados que atinge – local, nacional, internacional;
• Principais produtos.
EMPRESA TRADICIONALQuadro 4: Informações coletadas nas empresas.
DADOS GERAIS
RELAÇÕES DE VENDAS – CLIENTE
• Principais clientes;
• Quantidades médias vendidas;
• Freqüência de entrega;
• Freqüência de previsão de vendas;
• Freqüência de fechamento do pedido;
• Transporte do produto acabado;
• Embalagem do produto acabado.
PRODUÇÃO
• Produto;
• Etapas produtivas relacionadas ao produto em
estudo: quais etapas e tempos de operação;
• Como ocorre o disparo da produção;
• Índices de refugo de peças;
• Layout da fábrica;
• Utilização de ferramentas de planejamento e
controle da produção;
• Turnos de trabalho (número de turnos e quantidade
de horas) e horas paradas (almoço e descanso).
Fonte: Elaborado a partir de Rother e Shook (1998).
RELAÇÕES DE SUPRIMENTOS – FORNECEDOR
• Principais matérias-primas;
• Transporte da matéria-prima;
• Embalagem da matéria-prima
• Principais fornecedores;
• Quantidades médias adquiridas;
• Freqüência de entrega;
• Freqüência de previsão de compras;
• Freqüência de fechamento do pedido.
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O tópico Dados Gerais teve o objetivo de caracterizaras empresas pesquisadas quanto a porte, ano de funda-ção, segmento a que pertence dentro da cadeia automoti-va, além da participação das entrevistadas nesta cadeia eos mercados que atingem, não fazendo, portanto, partedos fluxos de materiais ou informações.
Coleta de dados
Foram entrevistados funcionários das áreas de produ-ção, qualidade, vendas e compras. As informações refe-rentes aos dados gerais foram coletadas com os proprie-tários das empresas, diretores e gerentes. Para o delinea-mento das relações de vendas e suprimentos foram entre-vistados os responsáveis pelos setores de vendas e com-
pras, porém, como algumas entrevistadas não possuíamdelimitações claras das funções administrativas, nestas olevantamento ocorreu a partir de um mesmo funcionário.Nos fluxos de materiais e informações da produção bus-caram-se dados com os responsáveis pela produção ecom os operários no chão-de-fábrica. Os tempos de ciclodas etapas produtivas observadas foram medidos pelapesquisadora; o tempo de setup foi obtido a partir deinformações da empresa.
Depois de percorridas as áreas envolvidas e de coleta-das as informações referentes aos quatro tópicos estuda-dos (Quadro 4) com os respectivos responsáveis, foidesenhado o mapa do estado atual de cada empresareferente ao produto em estudo.
• Produto;
• Etapas produtivas
relacionadas ao produto em
estudo: quais etapas e
tempos de operação;
• Layout da fábrica.
RELAÇÃO DE VENDAS
FLUXO DE
MATERIAIS
Quadro 5: Dados coletados - fluxos de materiais e informações.
PRODUÇÃO RELAÇÃO DE SUPRIMENTOS
• Principais matérias-primas;
• Quantidades médias
adquiridas;
• Freqüência de entrega;
• Transporte da matéria-
prima;
• Embalagem da matéria-
prima.
• Quantidades médias
vendidas;
• Freqüência de entrega;
• Transporte do produto
acabado;
• Embalagem do produto
acabado.
FLUXO DE
INFORMAÇÕES
• Produto;
• Como ocorre o disparo da produção;
• Índices de refugo de peças;
• Utilização de ferramentas de
planejamento e controle da produção;
• Turnos de trabalho (número de
turnos e quantidade de horas) e
horas paradas (almoço e descanso).
• Principais matérias-primas
• Principais fornecedores;
• Freqüência de previsão de
vendas;
• Freqüência de fechamento
do pedido.
• Principais clientes;
• Freqüência de previsão
de vendas;
• Freqüência de
fechamento do pedido.
Borracha Ltda.
Chapa Ltda.
Ferro Ltda.
Fibra Ltda.
Latão Ltda.
Cabo Ltda.
Plástico Ltda.
TEMPO DE
AGREGAÇÃO DE
VALOR (HH:MM:SS)
EMPRESAS
Tabela 4: Tempos de agregação de valor e takt-times atuais das empresas pesquisadas.
TAKT-TIME
(HH:MM:SS)
DIFERENÇA
(HH:MM:SS)
Não
Não
Não
Sim
Não
Sim
Sim
77:47:00
4:23:05
25:32:30
1:36:00
0:17:16
0:04:20
0:02:13
PRODUÇÃO
ATENDENDO RITMO
DAS VENDAS
08:48:00
00:22:57
14:04:48
04:24:00
00:07:08
01:28:00
01:36:00
- 68:59:59
- 4:00:08
- 11:27:42
2:48:00
- 0:10:08
1:23:40
1:33:47
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A produção enxuta como fator diferencial na capacidade de fornecimento de PMEs
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Além dos dados formais, durante a entrevista tam-bém eram levantadas informações sobre viabilidade deacordos com fornecedores e clientes com relação afreqüência de entrega, criação de células de produção,mudanças no layout de fábrica, compra ou troca deequipamentos e remanejo de pessoal entre as etapasprodutivas. Estas informações, juntamente com os prin-cípios e práticas da produção enxuta con-tidos na metodologia de Mapeamento doFluxo de Valor, balizaram as propostas demelhorias, expostas novamente de formaesquemática por meio do mapa do estadofuturo.
No mapa do estado futuro procurou-seotimizar o lead-time e o tempo de agrega-ção de valor, de forma a atender o takt-time do produtoestudado. A escolha destes medidores de desempenho daprodução deve-se à estreita relação dos mesmos com acapacidade de fornecimento da empresa.
RESULTADOS
Principais dificuldades identificadas
A partir da análise do takt-time verificou-se que dassete empresas entrevistadas, três estavam conseguindoproduzir de forma a atender a demanda do cliente, sendoque duas destas operavam em sistema de kanban comseus principais clientes. As quatro empresas restantesapresentaram tempos de agregação de valor superioresao takt-time, ou seja, em um período de tempo estabele-cido, devido ao elevado tempo de agregação de valor dalinha, não é possível produzir a quantidade de unidadesnecessárias para atender o ritmo de vendas, gerando,desta forma, estoques intermediários e finais para que asentregas ocorram dentro do prazo.
A Tabela 4 apresenta os tempos de agregação de valore takt-times das entrevistadas. Em negrito, as empresascujo tempo e agregação de valor foi inferior ao takt-time.
Algumas empresas apresentaram valores de lead-timebastante elevados, como se pode constatar pela Tabela 5,tendo sido o estoque intermediário a principal causa detal resultado. Este responde por cerca de 66% do lead-time quando se analisa as empresas agrupadas, cabendoao estoque inicial 27% deste total e, ao final, 7%. A únicapesquisada a apresentar maior valor para o estoque final
foi a Plástico Ltda. Durante a entrevista observou-se quea empresa destinava uma parte considerável de sua áreaprodutiva para o estoque de produtos acabados e que istose devia, em grande parte, ao fato de ela trabalhar emritmo de produção empurrada com relação aos seus pro-dutos de menor saída, como o estudado. A produçãodisparada mesmo sem o pedido fechado faz com quepeças sejam produzidas para uma futura utilização e,quando a previsão é falha, os estoques finais aumentam.
Um possível motivo para a existência de tais valoreselevados está na cultura de estoques de segurança comoamortecedores das oscilações das vendas, e em umadeficiência na programação da produção. Um estudo dostempos de ciclo versus tempo de setup das várias etapasprodutivas poderia gerar um mix ótimo de produtos quelevasse em consideração o lote mínimo de peças a serproduzido, diminuindo desta forma não somente os esto-ques intermediários, mas também os finais.
O disparo da produção, em virtude da produção serempurrada, encontrava-se no início do processo em cin-co das sete entrevistadas. As únicas fora deste padrãoforam a Cabo Ltda., que trabalha, como já mencionado,via sistema kanban com seu principal fornecedor, e a
Borracha Ltda.
Chapa Ltda.
Ferro Ltda.
Fibra Ltda.
Latão Ltda.
Cabo Ltda.
Plástico Ltda.
LEAD TIME
(DIA)
EMPRESAS
Tabela 5: Lead-time das empresas pesquisadas.
ESTOQUES (DIA)
INTERMEDIÁRIO
0
1,47
0
0,5
9,32
0
12,3
74,88
10,38
180,8
23,1
31,22
0,79
12,3
FINAL
12,71
3
41,6
21,1
10,9
0,5
0
62,17
5,91
139,2
1,5
11
0,29
0
INICIAL
Um dos “vilões” dos elevados valores
de lead-time encontrados foi a
cultura de estoque de segurança.
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Maria Letícia Sousa Correia Lima; Paulo Antônio Zawislak
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Borracha Ltda.
Chapa Ltda.
Ferro Ltda
Fibra Ltda.
Latão Ltda.
Cabo Ltda.
Plástico Ltda.
FLUXO DE INFORMAÇÕESEMPRESAS
Quadro 6: Principais características dos fluxos de materiais e informações nas empresas pesquisadas.
• Processo parte formal (ordem de serviço)
e informal;
• Disparo da produção na 1a etapa do
processo.
• Processo formal (ordem de serviço);
• Parte das informações correm em fluxo
contínuo;
• Disparo da produção na 1a etapa do processo.
• Processo formal (planilha eletrônica);
• Disparo da produção na etapa
intermediária – montagem
• Processo formal (ordem de produção);
• Disparo da produção na 1a etapa do
processo.
• Processo parte formal (planilha eletrônica)
e informal;
• Disparo da produção na 1a etapa do
processo.
• Processo formal (kanban e planilha
eletrônica);
• Disparo da produção na expedição.
• Processo formal (ordem de serviço);
• Disparo da produção na 1a etapa.
• Cultura de estoque de segurança;
• Lead-time elevado – estoques inicial e
intermediário;
• Layout da fábrica não otimizado;
• Setup elevado – 5 h, um equipamento.
• Cultura de estoque de segurança;
• Lead-time relativamente elevado –
estoques intermediários;
• Layout da fábrica não otimizado.
• Cultura de estoque de segurança;
• Lead time – estoques inicial e intermediário;
• Organização da produção;
• Setup elevado – 1,5 h, um equipamento.
• Cultura de estoque de segurança;
• Lead-time – estoques inicial e intermediário;
• Organização da produção.
• Cultura de estoque de segurança;
• Lead-time – estoques inicial e final;
• Layout da fábrica não otimizado;
• Setup elevado – 4,5 h, um equipamento.
• Cultura de estoque de segurança;
• Organização da produção – puxada e
empurrada.
• Cultura de estoque de segurança;
• Lead-time – estoques inicial e final;
• Setup elevado – 2 h, um equipamento.
FLUXO DE MATERIAIS
Plástico Ltda, cujo processo produtivo é bastante enxuto.O Quadro 6 resume as principais características dos
fluxos de materiais e informações das sete empresasentrevistadas.
A principal dificuldade identificada na relação clien-te-empresa encontrava-se no fato de o fechamento dopedido ser estabelecido, principalmente, com base empreço. Esta característica, aliada à negociação de peque-nos lotes de peças por pedido, diminui o poder de nego-ciação das empresas, que fica restrito a, basicamente,baixar os preços na medida em que isto não comprometaa empresa e a qualidade do produto. Observou-se, comisto, que as exigências por parte dos clientes, verificadasnas entrevistas, foram as mesmas identificadas na pes-quisa CARS (ZAWISLAK, 2001), na qual o item padrõesinternacionais de custo, qualidade, quantidade e preço
obteve 75,3% das respostas e flexibilidade de forneci-mento para alterar prazos de entrega e produtos, 64,9%.Segundo as entrevistadas, seus clientes escolhem as em-presas primeiro buscando por “preço” e somente depois,dentre aquelas de melhor oferta, é verificada a de maior“qualidade”. Caso não se tenha alcançado o necessárioneste quesito, os valores aceitáveis de preço são amplia-dos e inicia-se novamente a procura.
A existência de contratos de fornecimento de médio elongo prazo sequer foi cogitada pelas empresas, exceto aCabo Ltda. que fornece para uma montadora. Para esta,um contrato seria um compromisso de parceria ondeambas as partes sairiam ganhando. As demais empresasalegaram que isto não era prática corrente para elas e quenão acreditavam nesta possível “nova” realidade.
O principal problema apontado na relação com os
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A produção enxuta como fator diferencial na capacidade de fornecimento de PMEs
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fornecedores foi, da mesma forma como ocorrido com osclientes, o pequeno poder de negociação devido aosbaixos volumes de materiais adquiridos.
Algumas pesquisadas alegaram que possuem comofornecedores grandes empresas de fora do Estado, o queinviabiliza a compra de pequenas quantidades, com con-seqüente maior número de entregas, em virtude do preçodo frete e do próprio produto.
Apesar da dificuldade inicial colocada, à medida queo fluxo produtivo era discutido durante a entrevista, asempresas apresentaram uma certa abertura no tocante aum possível acordo com os fornecedores. Esta constata-ção pode indicar que os atuais prazos de entrega talvezocorram muito mais em função de uma não-estrutura-ção interna da empresa, no sentido de diminuir seusestoques ou otimizar seus processos, do que por restri-ções dos fornecedores.
Principais melhorias propostas
As melhorias propostas em todos os casos estudadostiveram como base os pontos de desperdício identifica-dos por meio do mapeamento dos fluxos atuais de infor-mação e material e as ferramentas disponibilizadas pelaprodução enxuta. Uma vez desenhados os mapas atuais, ede posse das ferramentas do MFV e das informaçõescoletadas na empresa, desenhou-se o que poderia ser omapa futuro, calculando-se novamente seus indicadores(lead-time, tempo de agregação de valor e takt-time) ecomparando-os com os atuais. O princípio norteador utili-zado foi o de tornar o fluxo de produção contínuo, puxadopelo cliente, ou seja, nos casos estudados, a partir dasolicitação da área de expedição, e de forma a atender oritmo de vendas. Para tanto foram sugeridos acordos comfornecedores e clientes e alterações na organização daprodução.
No relacionamento com clientes, apenas três empresasnecessitariam de uma diminuição na freqüência de entre-ga. Para alterações no relacionamento com fornecedores
o número de empresas aumenta: são quatro as que preci-sariam de um acordo para mudanças nos padrões defornecimento.
O processo produtivo sofreu melhorias no sentido deadequar o tempo de agregação de valor ao takt-time(produzir conforme o ritmo de vendas), reduzir os lead-time e melhorar o fluxo de informações.
A criação de supermercados (pontos de estoque con-trolados nos quesitos tempo de armazenagem e quantida-de de unidades) em substituição ao estoque de matéria-prima e produtos acabados, e como mecanismo de uniãodas etapas que não puderam ser agrupadas em células, foiproposta para todas as empresas. Outro dispositivo usadoem todas as entrevistadas foi o disparo da produçãoocorrendo na expedição, o que caracteriza a produçãopuxada pelo cliente.
A criação de células, agrupando etapas consecutivascom tempos de ciclos semelhantes e cujos tempos de setupfossem os mínimos, foi utilizada em seis empresas. Estasempresas apresentaram também fluxo contínuo em partede sua produção, o que facilitou a implantação das células.
A necessidade de elaboração de mix de produtos foifeita para cinco entrevistadas. Com exceção de uma delas,todas as demais apresentaram problemas no tempo desetup de um de seus equipamentos. Tanto o mix quanto aredução do tempo de setup foram propostos na forma dekaizens, uma vez que sua definição passaria por um estudodos tempos de ciclos do maquinário, dos próprios temposde setup e dos lotes mínimos de produção, que exigiria ummaior conhecimento do processo produtivo de cada em-presa e uma discussão mais detalhada sobre o mesmo.
Para o fluxo de informações foi utilizado o sistema dekanban interno em todas as empresas, com a produçãosendo disparada pela expedição e o processo correndoem fluxo por meio de supermercados e células de traba-lho, as informações sobre o que produzir e quando seriamrepassadas pela retirada e colocação dos cartões ou sina-lizações do kanban. O mesmo ocorreria com relação ao
Borracha Ltda.
Chapa Ltda.
Ferro Ltda.
Fibra Ltda.
Latão Ltda.
Cabo Ltda.
Plástico Ltda.
8
10,2
22,5
19
15,5
1,6
10
LEAD-TIME ATUAL
(DIA)
EMPRESAS
Tabela 6: Lead-time atuais e futuros.
LEAD-TIME FUTURO
(DIA)
REDUÇÃO
(%)
89,32
1,73
87,56
17,75
50,35
- 102,531
18,7
74,88
10,38
180,8
23,1
31,22
0,79
12,3
1 Para a empresa Cabo Ltda. houve acréscimo no lead time.
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Maria Letícia Sousa Correia Lima; Paulo Antônio Zawislak
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pedido junto ao fornecedor, disparado a partir da retiradado kanban do supermercado de matéria-prima. Para osclientes, o fluxo permaneceria idêntico, alterando-seapenas a freqüência de entrega em algumas empresas.
Análise do potencial de fornecimento
Utilizando o tripé proposto pela filosofia enxuta defornecer na quantidade demandada, no tempo correto desua utilização e pelo menor custo, ou seja, sem desperdí-cios, tem-se que o potencial de fornecimento pode sermedido por meio da análise dos tempos de agregação devalor versus takt-time de cada empresa e pela produçãoocorrendo via solicitação do cliente, em fluxo contínuo.Esta análise nos mostra se a empresa está organizada deforma a atender o ritmo de vendas requerido por seusclientes e se produz quando esta demanda acontece, semgerar desperdício com estoques, e de forma fluida portodas as etapas produtivas.
Com as alterações propostas todas as empresas pas-sariam a produzir à medida que a solicitação do clientechegasse à empresa, sendo o processo disparado apartir da expedição e seguindo, até o fornecimento damatéria-prima, em fluxo contínuo. Para tanto, foramprojetados supermercados e células para as etapasafins, o que eliminaria os estoques intermediários ereduziria os estoques iniciais e de produto pronto aníveis controláveis.
A Tabela 6 apresenta os principais ganhos obtidos nolead-time das empresas.
A diferença média obtida no lead-time seria de 73,97%,com as maiores diferenças observadas nas empresas Bor-racha Ltda. (89,32%) e Ferro Ltda. (87,56%), ambas tam-bém com os valores atuais de lead-time mais elevados. A
única empresa a apresentar umadiferença negativa foi a CaboLtda. Nesta, o aumento foi devidoao dimensionamento do super-mercado de matéria-prima paraum dia de operação, sendo queeste valor pode ser reduzido aqualquer momento em virtude do
fornecedor trabalhar, também, em sistema kanban.Estes valores de lead-time e tempo de agregação de
valor, porém, não refletem o real ganho na capacidade deresposta ao cliente. A reestruturação produtiva com aimplantação das melhorias possibilitaria que, uma vez apeça encontrando-se no supermercado final (expedição),o envio desta para o cliente seria imediato, apenas sebuscaria no local próprio a quantidade demandada e todoprocesso seria disparado. Esta velocidade de atendimen-to à necessidade do cliente, no momento em que estaacontecer, pode ser considerada como um dos maioresdiferenciais na capacidade de fornecimento que as pro-postas aqui feitas poderiam possibilitar.
CONCLUSÕES
Como colocado anteriormente, existe na indústria auto-motiva um processo de reestruturação sistêmica ocorren-do sob o paradigma de produção vigente, a produçãoenxuta (CARDOSO, 1998). Este processo tem ultrapassa-do a esfera da empresa e cada vez mais está procurandoatingir a cadeia de fornecimento, de forma a exigir umamaior integração entre os elos.
Analisando a cadeia automotiva, percebe-se que esta
Borracha Ltda.
Chapa Ltda.
Ferro Ltda.
Fibra Ltda.
Latão Ltda.
Cabo Ltda.
Plástico Ltda.
8
10,2
22,5
19
15,5
1,6
10
LEAD TIME
ATUAL
(DIA)
EMPRESAS
Tabela 7 Resultados obtidos – impacto no potencial de fornecimento.
LEAD TIME
FUTURO
(DIA)
REDUÇÃO
(%)
89,32
1,73
87,56
17,75
50,35
- 102,531
18,7
74,88
10,38
180,8
23,1
31,22
0,79
12,3
77:47:00
04:28:05
18:45:19
01:36:00
00:17:16
00:04:20
00:02:13
TEMPO DE
AGREG. DE
VALOR
ATUAL
(HH:MM:SS)
05:25:00
00:21:31
01:09:19
00:50:00
00:06:22
00:00:90
00:02:13
TEMPO DE
AGREG. DE
VALOR
FUTURO
(HH:MM:SS)
93,04
91,82
93,84
47,92
63,13
65,38
0
REDUÇÃO
(%)
08:48:00
00:22:57
14:04:48
04:24:00
00:07:08
01:28:00
01:36:00
TAKT TIME
(HH:MM:SS)
Oresultado que seria obtido caso as
melhorias propostas fossem implementadas,
via MFV, foi positivo para todas as empresas.
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A produção enxuta como fator diferencial na capacidade de fornecimento de PMEs
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integração tem ocorrido mais intensamente entre monta-doras e fornecedores diretos. Estudos de Cooper e Ellram(1993) e Arkader (1997) verificaram que as práticasenxutas ocorriam entre montadoras e fornecedores dire-tos, mas para os demais elos não existia uma preocupa-ção em coordenar as atividades.
Considerada como grande mercado produtor automo-tivo no Brasil, o parque de montadoras e fornecedores deautopeças instalado no Estado do Rio Grande do Sul nãoestá fora desta realidade. Formado em sua maioria porempresas de micro, pequeno e médio porte, a indústria deautopeças gaúcha vem sofrendo as pressões nacionais einternacionais por qualidade, preço, flexibilidade e con-fiabilidade de seus produtos, porém, em sua resposta,pouco tem adotado da filosofia enxuta.
As sete empresas analisadas neste trabalho, todas per-tencentes ao setor de autopeças gaúcho, não representamuma amostra significativa que possa fornecer um diag-nóstico da cadeia. Ela aspira ser um indicativo, notada-mente para as empresas do setor que ainda não adotam aspráticas do fornecimento e produção enxuta, de comoesse processo de mudança em curso na cadeia automotivapoderia ser traduzido e absorvido por todos e os ganhospotenciais que poderiam advir com sua aplicação.
Neste sentido, o uso da ferramenta de Mapeamento doFluxo de Valor (MFV) foi de extrema importância. Síntesedos princípios e práticas enxutas, esta ferramenta promoveo que pode ser chamado de “raio X” da empresa, uma vezque abrange diagnósticos e propostas de melhorias.
Dos processos analisados, o estoque foi o grande vilão.Considerada como necessária, todas as empresas, mesmo
as mais enxutas, adotavam a estratégia de estoque desegurança. Algumas alegaram sua prática para garantirpreços mais competitivos (pela formação de grandes lotesde compra) com seus fornecedores, outras, para cumpriruma previsão de vendas falha, face às oscilações do mer-cado, e a maioria colocou ambos como justificativa. Omesmo fato ocorreu nesta pesquisa, na qual as empresasalegaram que, devido aos baixos volumes mensais decompras, optaram por arcar com os custos de um altoestoque de matéria-prima, em um mecanismo de “com-pensação” pelos preços mais baixos obtidos na transação.
O resultado que seria obtido caso as melhorias propos-tas fossem implementadas, via MFV, foi positivo paratodas as empresas. Em algumas o lado operacionalrespondeu mais forte, com reduções nos tempos de esto-ques, que chegariam a quase 90%, e em outras, foi o derelacionamento que prevaleceu. Vale ressaltar que estesresultados tiveram como base, em um primeiro momen-to, a identificação do estado atual da empresa, para emseguida acontecer o exercício de “pensar” sobre o quepoderia ser alterado para que os três indicadores quenortearam a pesquisa – lead-time, tempo de agregação devalor e takt-time – pudessem ser otimizados.
Pode-se dizer, então, que os ganhos potenciais com aaplicação das propostas apresentadas possibilitariam àsempresas não somente fornecer de acordo com a deman-da do cliente e em fluxo contínuo, mas também aumentarsua capacidade de fornecimento, atendendo às exigênciasde preço, via redução de custos com a eliminação dedesperdício, e prazo e flexibilidade, via processos produ-tivos contínuos e otimizados.
Edição especial
início 07/03/2003
fim 25/08/2003
057-069.p65 28/11/03, 12:0169