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A OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO BASEADA EM REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.° 388/2013 JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA * E MARIANA FRANÇA GOUVEIA ** SUMÁRIO: 1. O Acórdão em comentário. 2. Fundamentos de opo- sição à execução assente em requerimento de injunção com fórmula executória – evolução legislativa. 3. Direitos estrangeiros. 4. Fundamen- tos para a restrição dos meios de defesa na oposição à execução. 5. Noti- ficação do requerido no procedimento de injunção. 6. Apreciação judi- cial do requerimento de injunção. 7. Conclusão RESUMO: O texto debruça-se sobre a limitação dos meios de defesa do executado na execução de requerimento de injunção com fórmula executória. Partindo do recente acórdão do Tribu- nal Constitucional que declarou a inconstitucionalidade desta solução normativa e das alte- rações introduzidas pela reforma processual, a análise acaba por focar-se em duas questões essenciais: a notificação no procedimento de injunção e o âmbito da intervenção judicial na apreciação do requerimento de injunção. PALAVRAS-CHAVE: Requerimento de injunção com fórmula executória; Direito de defesa; Opo- sição à execução baseada em injunção; Notificação do procedimento de injunção; Intervenção judicial na apreciação do requerimento de injunção ABSTRACT: The text addresses the limitation of the debtor’ remedies in the execution of an enforceable order for payment. Taking into account the recent decision of the Constitutional Court which declared this solution unconstitutional and the changes introduced by the recent procedural reform, the analysis focuses on two main questions: the notification of the payment- order-procedure and the judicial review in the enforcement of an order for payment. KEYWORDS: Enforceable order for payment; Right of defence; Defence against the enforcement of an order for payment; Notification of the payment-order-procedure; Judicial review of the application for an order for payment. * Doutorando da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. ** Professora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Themis, ano XIII, n.°s 24/25, 2013: 315-348

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A OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO BASEADAEM REQUERIMENTO DE INJUNÇÃOCOMENTÁRIO AO ACÓRDÃODO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.° 388/2013

JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA* E MARIANA FRANÇA GOUVEIA**

SUMÁRIO: 1. O Acórdão em comentário. 2. Fundamentos de opo-sição à execução assente em requerimento de injunção com fórmulaexecutória – evolução legislativa. 3. Direitos estrangeiros. 4. Fundamen-tos para a restrição dos meios de defesa na oposição à execução. 5. Noti-ficação do requerido no procedimento de injunção. 6. Apreciação judi-cial do requerimento de injunção. 7. Conclusão

RESUMO: O texto debruça-se sobre a limitação dos meios de defesa do executado na execuçãode requerimento de injunção com fórmula executória. Partindo do recente acórdão do Tribu-nal Constitucional que declarou a inconstitucionalidade desta solução normativa e das alte-rações introduzidas pela reforma processual, a análise acaba por focar-se em duas questõesessenciais: a notificação no procedimento de injunção e o âmbito da intervenção judicial naapreciação do requerimento de injunção.

PALAVRAS-CHAVE: Requerimento de injunção com fórmula executória; Direito de defesa; Opo-sição à execução baseada em injunção; Notificação do procedimento de injunção; Intervençãojudicial na apreciação do requerimento de injunção

ABSTRACT: The text addresses the limitation of the debtor’ remedies in the execution of anenforceable order for payment. Taking into account the recent decision of the ConstitutionalCourt which declared this solution unconstitutional and the changes introduced by the recentprocedural reform, the analysis focuses on two main questions: the notification of the payment-order-procedure and the judicial review in the enforcement of an order for payment.

KEYWORDS: Enforceable order for payment; Right of defence; Defence against the enforcementof an order for payment; Notification of the payment-order-procedure; Judicial review of theapplication for an order for payment.

* Doutorando da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.** Professora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

Themis, ano XIII, n.°s 24/25, 2013: 315-348

1. O ACÓRDÃO EM COMENTÁRIO

O acórdão do Tribunal Constitucional de 9 de julho de 20131 surge nasequência de um pedido de declaração de inconstitucionalidade com forçaobrigatória geral do artigo 814.° do Código de Processo Civil2 na parte em quelimitava os fundamentos de oposição à execução quando o título executivofosse um requerimento de injunção com fórmula executória. O MinistérioPúblico invocava, para tanto, jurisprudência constitucional que tinha con-cluído pela inconstitucionalidade da interpretação normativa em questão,ainda que com efeitos restritos ao caso concreto.

O Tribunal Constitucional começa por se debruçar sobre os acórdãos ante-riores em que tinha declarado inconstitucional o artigo 814.° do CPCa e con-clui que, no essencial, estava em causa a violação do princípio da proibição daindefesa, que é uma das vertentes do direito fundamental de acesso ao Direito(artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa)3. No fundo, qualquerdestas decisões tem subjacente a ideia de que a restrição dos fundamentos deoposição à execução baseada em requerimento de injunção com fórmula exe-cutória não é conforme ao princípio da proporcionalidade (artigo 18.°, n.° 2,da CRP).

Em seguida, o acórdão em comentário foca a atenção no regime jurídicoda injunção antes da reforma da ação executiva de 2008. Ora, esta breve aná-lise permite constatar que a generalidade da doutrina encarava o requeri-mento de injunção com fórmula executória como um título executivo distintode uma sentença judicial, pelo que o executado podia invocar os fundamentosde oposição à execução fundada em sentença ou quaisquer outros que pudes-sem ser invocados em processo declarativo, nos termos do artigo 816.° doCPCa.

Entrando na questão submetida à sua apreciação, o Tribunal considera quea alteração legislativa operada em 2008, com a equiparação – para efeitos deoposição à execução – entre as sentenças judiciais e os requerimentos deinjunção com fórmula executória implica uma limitação dos fundamentos deoposição quanto a estes, sem que a estrutura do procedimento de injunçãotenha sofrido alterações substanciais. Por esta razão, a decisão é fundamentadapor transcrição do acórdão do Tribunal Constitucional de 28 de novembro de

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1 Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 388/2013, de 9 de julho (rel. Conselheiro José daCunha Barbosa), disponível em www.tribunalconstitucional.pt.

2 Doravante “CPCa”. 3 Doravante “CRP”.

2006, que incidiu sobre questão semelhante, então por referência ao artigo14.° do regime anexo ao Decreto-Lei n.° 269/98, de 1 de Setembro4-5.

Num primeiro momento, o Tribunal demonstra que a limitação dos fun-damentos de oposição à execução implica a violação do princípio da proibi-ção da indefesa quando o título executivo seja um requerimento de injunçãocom fórmula executória. Assim, é referido no acórdão que o requerimento deinjunção com fórmula executória permite um menor grau de certeza quantoà existência do direito do exequente por comparação com uma sentença judi-cial, já que assenta na“aparência do direito substancial do exequente”. Poroutro lado, o acórdão também coloca especial ênfase na diferente natureza daatuação do secretário judicial e do juiz: enquanto a sentença implica o exercí-cio de uma função jurisdicional, o mesmo já não se pode dizer da aposição defórmula executória.

Assente que esta solução normativa traduz uma limitação do direito dedefesa do executado, o Tribunal analisa a questão de saber se, em abstrato, essarestrição pode justificar-se tendo em conta o interesse do credor em obter umtítulo executivo com celeridade e eficácia. O acórdão refere, no entanto, que ointeresse do credor é salvaguardado quando a lei determina a formação detítulo executivo em caso de falta de oposição do requerido (artigo 14.° doregime anexo ao D.L. n.° 269/98) ou através da regra da dispensa de citaçãoprévia à penhora [artigo 812.°-C, alínea b), do CPCa].

Neste sentido, o Tribunal conclui que a restrição dos fundamentos de opo-sição à execução baseada em requerimento de injunção com fórmula executó-ria não pondera devidamente o direito de defesa do executado e “afecta des-proporcionalmente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais”. É com basenestes argumentos que o acórdão em anotação declara inconstitucional, comforça obrigatória geral, o artigo 814.°, n.° 2, do CPCa, na parte em que limitaos fundamentos de oposição à execução assente em requerimento de injunçãocom fórmula executória.

A decisão em análise conta com dois votos de vencido, com argumentosdistintos.

De acordo com alguns conselheiros, a declaração de inconstitucionalidadedeveria restringir-se às relações de consumo, salvaguardando assim as obriga-

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4 Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 658/2006, de 28 de novembro (rel. ConselheiroPaulo Mota Pinto), disponível em www.tribunalconstitucional.pt.

5 Decreto-Lei n.° 269/98, de 1 de setembro, que aprova a ação declarativa especial para cum-primento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e injunção (na sua redação atual),doravante “D.L. n.° 269/98”.

ções resultantes de transações comerciais. Esta orientação assume como pres-suposto a diferença entre a posição do consumidor e do profissional, en -quanto devedores.

Assim, dado que a celebração de contratos é uma das componentes da suaatividade, é exigível ao profissional o conhecimento do efeito preclusivodecorrente da falta de oposição no procedimento de injunção. Já no âmbito deuma relação de consumo,tendo em conta que o incumprimento contratual é uma realidade pontual, não é possível exigir o conhecimento do efeito pre-clusivo6.

Por outro lado, há conselheiros que consideram que a declaração deinconstitucionalidade não salvaguarda devidamente os interesses do credor.Nesta perspetiva, o aspeto essencial é o facto de a lei facultar ao requerido, noâmbito do procedimento de injunção, os meios para provocar a intervençãode um juiz, através da oposição. Ora, a atribuição de uma “segunda oportu -nidade de defesa”, agora em sede de oposição à execução, implica encarar a“proibição da indefesa e o princípio do processo justo de um modo incom-pleto porque unilateral”7.

2. FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO ASSENTE EM REQUERIMENTO

DE INJUNÇÃO COM FÓRMULA EXECUTÓRIA – EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

2.1. Reforma da Ação Executiva de 2003

A reforma da ação executiva de 2003 não continha qualquer referênciadireta aos fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento deinjunção com fórmula executória. De facto, a lei estabelecia uma dicotomiaentre as sentenças judiciais (artigo 814.° do CPCa), as sentenças arbitrais(artigo 815.° do CPCa) e os restantes títulos executivos (artigo 816.° doCPCa)8.

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6 Esta declaração de voto foi subscrita pelo conselheiro Pedro Machete e acompanhadapelos conselheiros João Cura Mariano, Fernando Vaz Ventura e Maria João Antunes.

7 Esta declaração de voto foi subscrita pela conselheira Maria Lúcia Amaral (por remissãopara o voto de vencido no acórdão do Tribunal Constitucional n.° 529/12, de 7 de novembro de2012) e acompanhada pela conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros.

8 Tendo em conta o tema em análise, a exposição subsequente não considera a oposição àexecução baseada em decisão arbitral. De forma sucinta, a lei permite que o executado aleguequalquer dos fundamentos previstos a propósito da execução de sentença judicial, bem comoos fundamentos de anulação da decisão arbitral (artigo 730.° do CPC de 2013).

Assim, o carácter taxativo dos fundamentos de oposição à execução de sen-tenças judiciais contrastava com a amplitude da oposição à execução assenteem outros títulos executivos, que se traduzia sobretudo na possibilidade dealegar quaisquer meios de defesa admissíveis no âmbito da ação declarativa.De forma exemplificativa, enquanto na oposição à execução de sentença judi-cial não era possível alegar a prescrição da quantia em dívida ou o pagamento,quando anteriores ao encerramento da discussão, já quanto aos restantes títu-los executivos a lei permitia a oposição com base em qualquer facto impedi-tivo, modificativo ou extintivo, ainda que anterior à formação do título exe-cutivo.

A doutrina maioritária considerava que o requerimento de injunção comfórmula executória estava abrangido pelo artigo 816.° do CPCa, já que nãopodia ser equiparado a uma sentença judicial. Neste sentido, JOSÉ LEBRE DE

FREITAS aludia ao “carácter não jurisdicional” do procedimento de injunção9,bem como à inexistência de uma ação declarativa em que o executado tivesseoportunidade de se “defender amplamente da pretensão do requerente”10. A ausência de uma ação declarativa prévia à execução, decorrente da aposiçãoda fórmula executória em caso de falta de oposição, era também um argu-mento essencial no entender de FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA11 e de J. P. REMÉ-DIO MARQUES12.

No mesmo sentido, SALVADOR DA COSTA defendia que a aposição de fórmulaexecutória não implicava a formação de caso julgado, nem um efeito preclu-sivo dos meios de defesa no âmbito da ação executiva, do que resultava aamplitude dos fundamentos de oposição à execução13. Mais tarde, o autorinverteu a sua posição e passou a defender a equiparação entre os fundamen-tos de oposição à execução baseada em sentença judicial e em requerimentode injunção com fórmula executória, o que implicava introduzir – quantos aestes últimos – um efeito preclusivo decorrente da falta de oposição. No seuentender, a aplicação do princípio da preclusão justificava-se em face da

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9 JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “A Execução Fundada no Título Formado no Processo de Injunção”,in Themis, n.° 13 (2006), p. 280.

10 JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva – Depois da Reforma, 4.ª edição, Coimbra, Coim-bra Editora, 2004, p. 182.

11 FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, 6.ª edição, Coimbra, Alme-dina, 2004, pp. 39-46 e 150.

12 J. P. REMÉDIO MARQUES, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto,Coimbra, Almedina, 2000, pp. 79-80 e 153.

13 SALVADOR DA COSTA, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5.ª edição, Coimbra, Alme-dina, 2005, pp. 233-234.

“estrutura do procedimento de injunção, em que funciona o contraditório” eda existência de “algum controlo judicial”14.

A orientação maioritária na jurisprudência era igualmente no sentido deconsiderar que a falta de oposição ao requerimento de injunção não estavaassociada a qualquer efeito preclusivo, mesmo quanto aos meios de defesa quepoderiam ter sido alegados nesse momento.

Assim, o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 5 de julho de 2007,considerou que o requerimento de injunção com fórmula executória era umtítulo executivo extrajudicial, pelo que os fundamentos de oposição à exe -cução eram os enunciados no artigo 816.° do CPCa. No entender do tribunal,a amplitude dos meios de defesa ao dispor do executado justificava-se em fun-ção da “ligeireza de formalismo do procedimento” e da inexistência de inter-venção judicial em caso de falta de oposição15. No mesmo sentido, o acórdãodo Tribunal da Relação de Coimbra de 5 de maio 2009 defendeu uma aceçãoampla dos fundamentos de oposição à execução com base na natureza extra-judicial do título executivo, apesar de entender que o procedimento de injun-ção admite o exercício do contraditório pelo requerido16.

Em sentido contrário, o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 10de dezembro de 2009, entendeu que o direito de defesa é salvaguardado atra-vés da possibilidade de oposição ao requerimento de injunção, que determinaa intervenção de um juiz e a tramitação de acordo com as regras da ação decla-rativa especial. Em consequência, o tribunal conclui que o requerimento deinjunção deve ter valor equivalente a uma sentença judicial para efeito dosfundamentos de oposição à execução, justificando-o com a preclusão dos fun-damentos que poderiam ter sido invocados no âmbito do procedimento deinjunção17.

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14 SALVADOR DA COSTA, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6.ª edição, Coimbra, Alme-dina, 2008, pp. 256 e 325.

15 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de julho de 2006, proc. n.° 0633108 (rel.José Ferraz), disponível em www.dgsi.pt.

16 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 5 de maio de 2009, proc. n.°930/08.1TBPBL-A.C1 (rel. Artur Dias), disponível em www.dgsi.pt.

17 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de dezembro de 2009, proc. n.°4641/06.4TMSNT-A.L1-7 (rel. Ana Resende), disponível em www.dgsi.pt. Esta decisão foi pro-ferida ao abrigo da redação que o artigo 814.° do CPC apresentava antes da alteração legislativade 2008.

2.2. Reforma da Ação Executiva de 2008

Com a reforma da ação executiva de 2008, o legislador equiparou o reque-rimento de injunção com fórmula executória às sentenças judiciais no que respeita aos fundamentos de oposição à execução. Nos termos do artigo 814.°,n.° 2, do CPCa, esta equiparação dependia apenas de um requisito: o procedi-mento de injunção devia admitir oposição do requerido. Esta ressalva não eracompreensível face ao regime em vigor, já que o artigo 14.° do regime anexoao D.L. n.° 269/98 permitia ao requerido, em todos os casos, opor-se ao reque-rimento de injunção.

A equiparação entre estes títulos executivos para efeito de oposição à exe-cução foi criticada pela generalidade da doutrina.

Para JOSÉ LEBRE DE FREITAS, tratava-se de uma solução inconstitucional porviolação do direito de defesa do executado, tendo em conta a “natureza nãojurisdicional do processo de injunção, a menor garantia que o devedor encon-tra na notificação (…) e o facto de a formação do título prescindir de qual-quer juízo de adequação do montante em dívida aos factos em que ela se fun-daria”18.

ELIZABETH FERNANDEZ entendia que a introdução de um efeito preclusivoquanto aos meios de defesa que a parte podia ter alegado no procedimento deinjunção contrariava jurisprudência constitucional anterior e implicava equi-parar títulos executivos diferentes19.

De acordo com MARIANA FRANÇA GOUVEIA, a existência de um “efeitocominatório pleno num procedimento para-judicial” suscitava dúvidas emface do princípio do processo equitativo. Assim, a autora defendia a interpre-tação restritiva do artigo 814.°, n.° 2, do CPCa com o intuito de permitir aoexecutado alegar, no âmbito da oposição à execução assente em requerimentode injunção, quaisquer exceções de conhecimento oficioso, ainda que nãosupervenientes20.

Por seu turno, EDUARDO PAIVA E HELENA CABRITA constatavam que areforma de 2008 restringiu os fundamentos de oposição à execução de reque-

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18 JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva – Depois da Reforma da Reforma, 5.ª edição,Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 182. Assim, o autor propunha uma interpretação do artigo814.°, n.° 2, do CPCa que fazia depender a sua aplicação da aceitação pelo executado da “dimi-nuição de garantias” no procedimento de injunção.

19 ELIZABETH FERNANDEZ, “A (Pretensa) Reforma da Acção Executiva”, in Cadernos de DireitoPrivado, n.° 26 (2009), pp. 32-33.

20 MARIANA FRANÇA GOUVEIA, “A Novíssima Acção Executiva – Análise das Mais Importan-tes Alterações”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 69 (2009), vols. III e IV, pp. 577-579.

rimento de injunção com fórmula executória. Os autores criticaram a ressalvaconstante do artigo 814.°, n.° 2, do CPCa, que fazia depender o efeito preclu-sivo da possibilidade de oposição pelo requerido, com o argumento de que oprocedimento de injunção assegurava o exercício do contraditório21.

Por seu turno, parte da jurisprudência entendia que o artigo 814.°, n.° 2, doCPCa não violava o princípio da proibição da indefesa. Neste sentido, o acór-dão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de outubro 2012 concluiu que oconteúdo e a forma de notificação do requerimento de injunção asseguravama sua cognoscibilidade pelo requerido, que era admitido a alegar, no âmbitodo procedimento de injunção, todos os meios de defesa que seriam admissí-veis em processo declarativo. Nestes termos, a possibilidade de deduzir oposi-ção à execução com base em fundamento não superveniente implicava, para otribunal, uma injustificada multiplicação dos meios de defesa22.

Diga-se, aliás, que a Relação do Porto já tinha afirmado esta orientação emacórdão de 5 de julho de 2012, então com base no regime de notificação e naexistência de um prazo razoável para oposição. Nesta decisão, o tribunalentendeu que o requerido toma conhecimento do efeito preclusivo através danotificação do requerimento de injunção23.

Pelo contrário, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de julhode 2012 considerou que o artigo 814.°, n.° 2, do CPCa era inconstitucional porviolação do direito de defesa e do princípio da reserva jurisdicional24. Paratanto, o tribunal baseou-se no facto de a notificação do requerimento deinjunção não aludira qualquer efeito preclusivo, mas apenas à formação detítulo executivo. Nas palavras do acórdão, o requerido não é “advertido de quesobre si impende um qualquer ónus de oposição, se quiser evitar um acerta-mento definitivo do caso”25.

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21 EDUARDO PAIVA/HELENA CABRITA, O Processo Executivo e o Agente de Execução, 2.ª edição,Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 116-117.

22 No mesmo sentido, considerando que o procedimento de injunção assegura o exercíciodo contraditório, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de junho de 2011, proc.n.° 2489/09.3TBBRR-A.L1-7 (rel. Graça Amaral), disponível em www.dgsi.pt.

23 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de julho de 2012, proc. n.° 4861//11.0YYPRT-A.P1 (rel. Filipe Caroço), disponível em www.dgsi.pt.

24 A violação do princípio da reserva jurisdicional (enunciado no artigo 202.° da CRP)decorria, no entender do tribunal, da circunstância de a falta de oposição determinar – em regra– a imediata aposição da fórmula executória por uma entidade administrativa, sendo o únicomeio de reação do requerido a reclamação para o juiz (artigo 14.° do regime anexo ao D.L. n.° 269/98).

25 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de julho de 2012, proc. n.° 19664//11.3YYLSB-A.C1 (rel. Carlos Gil), disponível em www.dgsi.pt.

O Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 7 de maio de 2013,chegou à mesma conclusão, embora com argumentos distintos. Por um lado,o tribunal defendeu que a regra de equiparação entre os fundamentos de opo-sição à execução tem como intuito imprimir “celeridade e simplicidade” aoprocedimento de injunção e não limitar os meios de defesa do executado nasubsequente ação executiva. No entender do tribunal, tal restrição dos meiosde defesa poderia colocar em causa o direito de defesa, pois não depende decontrolo judicial, ao contrário do que sucede em caso de revelia operante26.

2.3. Reforma do Processo Civil de 2013

A reforma processual que culminou na aprovação da Lei n.° 41/201327 vol-tou a introduzir importantes alterações ao tema em análise, com a consagra-ção de um regime específico para a oposição à execução de requerimento deinjunção com fórmula executória28. A análise do artigo 857.° do CPC de 2013permite concluir que esta alteração teve como intuito mitigar o efeito preclu-sivo que tinha sido introduzido aquando da reforma da ação executiva de2008.

É certo que a lei continua a apontar para a equiparação aos fundamentosde oposição à execução de sentenças judiciais, ao remeter expressamente parao artigo respetivo (artigo 857.°, n.° 1, do CPC de 2013). No entanto, passa aestar prevista a possibilidade de alegar meios de defesa não supervenientes aoprazo para oposição no procedimento de injunção em duas situações: pri-meiro, em caso de justo impedimento à oposição (artigo 857.°, n.° 2, do CPCde 2013) e, segundo, quando existam exceções dilatórias ou perentórias deconhecimento oficioso (artigo 857.°, n.° 3, do CPC de 2013).

Quanto ao justo impedimento à oposição em sede de injunção, a leiremete, no essencial, para a regra geral constante do artigo 140.° do CPC de2013. Assim, a alegação de meios de defesa não supervenientes em oposição àexecução pressupõe, antes de mais, a verificação de um evento não imputávelà parte que impeça a prática atempada do ato (artigo 140.°, n.° 1, do CPC de

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26 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7 de maio de 2013, proc. n.°6662/12.9TBBRG-A.G1 (rel. Paulo Duarte Barreto), disponível em www.dgsi.pt.

27 Lei n.° 41/2013, de 26 de junho, doravante “CPC de 2013”.28 PAULO PIMENTA, “A Acção Executiva na Revisão do Processo Civil”, in Revista da Ordem

dos Advogados, n.° 72 (2012), vols. II-III, p. 746, entende que a (re)introdução dos embargos àexecução corresponde ao retomar da “terminologia tradicional do processo civil português”,que teria sido eliminada sem justificação.

2013). A título exemplificativo, será o caso de avaria do meio de comunicaçãoque impeça a receção ou a entrega da oposição ou de doença súbita da parte,desde que em qualquer dos casos não se trate de um evento previsível29.

É ainda necessário que o justo impedimento seja alegado de forma tem-pestiva perante a secretaria de injunção, o que implica – em face da remissãopara o regime geral – que a parte requeira a sua declaração logo que este cesse(artigos 857.°, n.° 2 e 140.°, n.° 2, do CPC de 2013). De acordo com pareceremitido pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses, esta exigência pro-cura conciliar as garantias do executado com a preocupação de evitar que aalegação do justo impedimento traduza uma manobra dilatória. Por outrolado, trata-se de um regime equivalente ao previsto no processo europeu deinjunção, em que se permite a reapreciação da injunção de pagamento quandoo requerido tenha sido impedido de contestar o crédito por motivo de forçamaior ou devido a circunstâncias excecionais, sem que tal facto lhe seja impu-tável, desde que atue com celeridade (artigo 20.° do Regulamento n.° 1896//2006, de 12 de dezembro de 2006)30-31.

No regime português agora consagrado, a verificação do justo impedi-mento apenas ocorre na oposição à execução, caso esta exista, e determina queo executado possa alegar quaisquer meios de defesa que pudesse deduzir noprocesso declarativo (artigos 731.° ex vi 857.°, n.° 2, do CPC de 2013). Nofundo, trata-se de facultar à parte a possibilidade de exercer o contraditóriocom a qual não contou no procedimento de injunção, em virtude do justoimpedimento.

Assim, alegada oportunamente a ocorrência e a cessação do justo impedi-mento junto da secretaria de injunção, tal declaração não impede a executo-riedade do requerimento de injunção, que lhe é anterior, mas alarga os moti-vos de oposição já na fase executiva. Isto é, a invocação do justo impedimentoocorre já depois da aposição da fórmula executória, mas antes da citação paraa ação executiva.

A lei enuncia ainda outra limitação ao efeito preclusivo: as exceções dilató-rias e perentórias de conhecimento oficioso. A circunstância de a primeira ver-

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29 Para uma exemplificação mais abrangente, cfr., por todos, JOSÉ LEBRE DE FREITAS/JOÃOREDINHA/RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2008,pp. 274-276.

30 Regulamento n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembrode 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento.

31 Parecer da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, janeiro de 2013, disponível emhttp://www.asjp.pt/2013/01/21/asjp-pareceres-sobre-o-cpc/, p. 107. Este parecer foi emitido apropósito da proposta de lei n.° 521/2012, de 22 de novembro de 2012, que deu origem – comalgumas alterações – ao CPC de 2013.

são do projeto de alteração do CPC restringir a alegação de factos não super-venientes à existência de justo impedimento foi bastante criticada precisa-mente por não ter em conta as exceções de conhecimento oficioso32.

Esta crítica foi tomada em consideração, passando o artigo 857.°, n.° 3 doCPC de 2013 a permitir ao executado deduzir oposição com fundamento emexceção perentória [alínea a)] ou dilatória, quando evidente [alínea b)], desdeque, em ambos os casos, a exceção seja de conhecimento oficioso. Por outraspalavras, a lei permite que meios de defesa não supervenientes em relação aoprazo para oposição à injunção sejam alegados pelo executado em sede deoposição à execução, verificados estes requisitos33.

A análise desta regra suscita uma dúvida interpretativa, já que a sua aplica-ção, quanto às exceções dilatórias, depende da circunstância de estas seremevidentes. No fundo, trata-se de saber se a referência ao caráter evidente daexceção tem em vista as situações em que esta possa ser declarada sem neces-sidade de prova adicional ou se, pelo contrário, permite a alegação de factosnovos na oposição à execução.

Neste particular, há que ter em conta o elemento histórico, pois a alusão aocaráter evidente da exceção dilatória ficou a dever-se a uma proposta da Asso-ciação Sindical dos Juízes Portugueses. Esta proposta apontava para a equipa-ração entre o âmbito da apreciação judicial na oposição à execução de reque-rimento de injunção com fórmula executória e na ação declarativa especial(em caso de revelia do réu) como forma de justificar o efeito preclusivo no pri-meiro caso34.

Ora, o artigo 2.° do anexo ao D.L. n.° 269/98 determina que, para além dacitação pessoal e da falta de contestação, a atribuição de força executiva à peti-ção inicial da ação declarativa especial pressupõe que não ocorram, de formaevidente, exceções dilatórias. Neste caso, a apresentação de prova quanto àverificação da exceção é afastada uma vez que a apreciação judicial incide ape-nas sobre a petição inicial. Quando, pelo contrário, seja necessária prova adi-

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32 Neste sentido, cfr. os pareceres da Ordem dos Advogados, março de 2012, disponívelemhttp://www.inverbis.pt/2012/ficheiros/forum/revisaocpc_pareceroa.pdf, p. 42, e da Associa-ção Sindical dos Juízes Portugueses, fevereiro de 2012, disponível em http://www.inverbis.pt/2012/ficheiros/forum/revisaocpc_parecerasjp.pdf, pp. 128-130.

33 Esta conclusão sai reforçada da análise do n.° 1 do artigo 857.° do CPC de 2013, já queeste – ao remeter para os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença judicial –permite a alegação de quaisquer factos supervenientes que determinem a extinção ou a modi-ficação da obrigação exequenda [artigo 729.°, alínea g), do CPC de 2013]. Assim, o n.° 3 doartigo 857.° do CPC de 2013 só pode referir-se a factos não supervenientes, pois os restantessempre estarão abrangidos pelo n.° 1 do mesmo artigo.

34 Parecer cit., janeiro de 2013, pp. 65-67.

cional, esta deve ser produzida na audiência de julgamento (artigos 3.°, n.° 2,e 4.° do regime anexo ao D.L. n.° 269/98).

Apesar das diferenças entre esta situação e a oposição à execução, se ointuito do legislador foi o de equiparar o âmbito de apreciação judicial emambos os casos, deve concluir-se que também em sede de oposição de exe-cução a natureza evidente da exceção dilatória depende de não ser necessá-ria prova adicional, pelo que a exceção deverá resultar da análise do reque-rimento de injunção. Esta conclusão pode, porém, levantar questões difíceisna prática.

Imagine-se uma situação em que na oposição à execução o executado alegauma exceção que carece de prova quanto a um dos seus requisitos. Esta inter-pretação do preceito não permite a produção de prova (ainda que documen-tal) e, logo, obriga o juiz a julgar a exceção de imediato improcedente. É umasituação diferente da revelia porque nesta o que se pretende salvaguardar é apossibilidade de o juiz ser obrigado a fechar os olhos a uma exceção patente.No caso da oposição à execução, é o executado que alega a exceção. A lei per-mite a alegação, mas não admite a produção de prova.

Para além desta questão, o artigo 857.°, n.° 3, do CPC de 2013 não suscitaespeciais dificuldades, já que as exceções dilatórias e perentórias são, por regra,de conhecimento oficioso.

Não obstante, em certos casos a lei faz depender o conhecimento da exce-ção da sua invocação pela parte. No que respeita às exceções dilatórias, a pró-pria lei processual enuncia os diversos casos em que tal se verifica: incompe-tência absoluta por violação de pacto de jurisdição ou preterição do tribunalarbitral voluntário e algumas situações de incompetência relativa (artigo 578.°do CPC de 2013). Por seu turno, as exceções perentórias apenas dependem dearguição pelas partes quando tal resulte da lei (artigo 579.° do CPC de 2013).É o que sucede, por exemplo, com a exceção de não cumprimento do contrato(artigo 428.°, n.° 1, do Código Civil35), a prescrição (artigo 303.° do CC) ou aanulabilidade de um negócio jurídico (artigo 287.° do CC)36.

Quer isto dizer que, por regra, as exceções dilatórias e perentórias podemser alegadas na oposição à execução de requerimento de injunção com fór-mula executória, pois são de conhecimento oficioso. Desta forma, o efeito pre-clusivo decorrente da falta de oposição em sede de injunção é substancial-

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35 Decreto-Lei n.° 47 344, de 25 de novembro de 1966 (na sua redação atual), doravante“CC”.

36 Para uma análise mais aprofundada sobre as exceções dilatórias e perentórias, cfr. JOSÉLEBRE DE FREITAS/ANTÓNIO MONTALVÃO MACHADO/RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado,2.ª edição, vol. II, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 340-344.

mente limitado, pois apenas abrange a defesa por impugnação, as exceções quenão sejam de conhecimento oficioso e as exceções dilatórias de conhecimentooficioso que não sejam evidentes.

2.4. O artigo 857.° do CPC de 2013 e o Princípio da Proibição da Indefesa

Tendo em conta a orientação adotada pelo Tribunal Constitucional nocomentário e a evolução legislativa quanto aos fundamentos de oposição àexecução de requerimento de injunção com fórmula executória, coloca-se aquestão de saber se o artigo 857.° do CPC de 2013 responde às questões ante-riormente suscitadas em face do princípio da proibição da indefesa.

Tal como se constatou, a reforma de 2013 atenuou o efeito preclusivodecorrente da falta de oposição em sede de injunção, ao permitir a alegação demeios de defesa não supervenientes na oposição à execução, desde que o juizdeclare a existência de um justo impedimento à sua alegação tempestiva ou severifiquem exceções de conhecimento oficioso, salvo exceções dilatórias nãoevidentes. Esta alteração permite ultrapassar em parte um dos pontos maiscontroversos antes da reforma de 2013 – a preclusão dos meios de defesa deconhecimento oficioso – mas mantém, como regra, a limitação dos meios dedefesa na execução de requerimento de injunção com fórmula executória e,sobretudo, não intervém no regime da injunção.

Ora, os fundamentos que levaram o Tribunal Constitucional a declarar ainconstitucionalidade não são apenas estes.

Conforme resulta do acórdão em comentário, a declaração de inconstitu-cionalidade do artigo 814.°, n.° 2, do CPCa tem subjacente o entendimento deque a limitação dos fundamentos de oposição à execução só é admissível emcaso de ação declarativa prévia, o que não sucede em caso de aposição de fór-mula executória ainda que – acrescentamos nós – por opção do requerido.Assim, na falta de intervenção legislativa no regime da injunção, é provávelque o Tribunal Constitucional mantenha a sua orientação anterior por consi-derar desproporcional a limitação dos meios de defesa do executado noâmbito da oposição à execução.

De facto, tal como é referido na decisão, a celeridade processual encontra-se assegurada tanto no procedimento de injunção como na ação executiva. Noprocedimento de injunção, a celeridade decorre – entre outros aspetos – daformação de título executivo na ausência de oposição do requerido, enquantona ação executiva resulta da tramitação do processo de acordo com as regrasdo atual processo sumário [artigo 550.°, n.° 2, alínea b), do CPC de 2013], oque implica a dispensa de despacho liminar e de citação prévia do executado

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(artigos 855.° e 856.°, do CPC de 2013)37. Assim, a intervenção judicial afi-gura-se como eventual em ambos os momentos, já que depende de oposiçãoà injunção ou, em sede de execução, é meramente eventual.

Por seu turno, o direito de defesa é tutelado quando a lei permite, por exem-plo, a oposição à injunção ou a oposição à execução. No entanto, o exercício efe-tivo do contraditório em sede de injunção pressupõe que o requerido tomeconhecimento do procedimento e dos efeitos preclusivos associados à falta deoposição. Ora, tal não é assegurado pela notificação por via postal registada e/ousimples para um ou mais locais que podem não corresponder à morada ou sededo requerido nem pelo conteúdo da notificação38. Já na ação executiva, o âmbitoda oposição à execução é limitado à falta de pressupostos processuais, à existên-cia de exceções de conhecimento oficioso e a factos extintivos ou modificativosda obrigação exequenda, desde que supervenientes ao prazo para oposição.

Assim, pode concluir-se que o regime de notificação do requerido em sedede injunção, o conteúdo dessa notificação e a consagração de um efeito pre-clusivo na oposição à execução traduzem uma restrição ao direito de defesa,cujo intuito é o de assegurar uma maior celeridade na formação do título exe-cutivo e na própria execução subsequente. Por outras palavras, a ponderaçãode interesses subjacente a esta solução normativa sugere uma primazia da cele-ridade processual sobre o direito de defesa.

Tendo em conta que o direito de defesa traduz uma das vertentes do direitode acesso à justiça (artigo 20.° da CRP), a sua restrição só será legítima caso selimite ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitu-cionalmente protegidos (artigo 18.°, n.° 2, da CRP). Por outras palavras,importa determinar se a restrição em análise respeita o princípio da propor-cionalidade na sua tripla dimensão de necessidade, adequação e proporciona-lidade em sentido estrito39.

É certo que a doutrina tem reconhecido ao legislador uma importantemargem de discricionariedade na conformação do processo40. O acórdão do

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37 Sobre a distinção entre as formas ordinária e sumária do processo de execução e respe-tiva teleologia, cfr. NUNO DE LEMOS JORGE, “A Reforma cit”, pp. 118-119 e 144-145.

38 Cfr. infra, ponto 5.1.39 Sobre a relação entre o princípio da proporcionalidade e o artigo 18.°, n.° 2, da CRP, cfr.

J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª edi-ção, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, pp. 149 e 152 e JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS,Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 162. Acerca dasdiferentes vertentes do princípio da proporcionalidade, cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, DireitoConstitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Coimbra, Almedina, 2003, pp. 269-270.

40 Neste sentido, cfr. CARLOS LOPES DO REGO, “Os Princípios cit.”, pp. 839-840 e JORGEMIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição cit., pp. 190 e 192.

Tribunal Constitucional de 20 de junho de 1990 ilustra esta ideia com parti-cular clareza, ao afirmar que só quando a “escolha legislativa a esse propósitose mostrar ostensiva e decididamente incompatível com as exigências de umcabal contraditório (…) será legítimo censurá-la de um ponto de vista cons-titucional”41.

Retomando a questão em análise, o regime de notificação do requerimentode injunção (incluindo o conteúdo do ato de notificação) é um meio ade-quado a imprimir maior celeridade ao procedimento de injunção. O mesmosucede em relação à ação executiva com a introdução de um efeito preclusivodos fundamentos de oposição à execução, na falta de oposição em sede deinjunção.

Contudo, esta solução normativa não traduz o meio menos oneroso paraalcançar a celeridade processual. O ato de citação surge como um pressupostopara o exercício efetivo do direito de defesa, pois é através dele que o réu tomaconhecimento da ação contra si proposta e dos efeitos cominatórios associa-dos à falta de contestação. As mesmas considerações são extensíveis, com asdevidas adaptações, à notificação do requerimento de injunção, dado que estadesempenha a função de levar ao conhecimento do requerido o procedimentode injunção.

A introdução de um efeito preclusivo dos meios de defesa na sequência deuma notificação que não assegura, de forma suficiente, a respetiva cognosci-bilidade pelo requerido, nem alude a esse efeito preclusivo implica uma restri-ção significativa do direito de defesa. Ora, a introdução de alterações pontuaisno regime da notificação no procedimento de injunção pode conduzir a umamenor restrição do direito de defesa, sem prejudicar necessariamente a celeri-dade processual. Nestes termos, a atual solução normativa afigura-se incons-titucional por violação do princípio da proibição da indefesa, já que a restri-ção do direito de defesa vai além do necessário para salvaguardar a celeridadeprocessual.

Para além do problema da notificação e da proibição da indefesa, o Tribu-nal Constitucional fundamentou a sua decisão com a diferente natureza daatuação do juiz e do secretário judicial, chamando a atenção para a circuns-tância de poder não haver qualquer controlo judicial na execução das injun-ções. Este é um ponto importante que necessita também de tratamento autó-nomo.

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41 Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 222/90, de 20 de junho de 1990 (rel. ConselheiroSousa e Brito), disponível em www.tribunalconstitucional.pt. Neste caso, discutia-se a confor-midade com a Constituição da norma que permitia ao juiz apreciar no despacho saneador umaexceção sem antes convocar audiência destinada ao exercício do contraditório.

Antes de entrar em cada uma destas questões, importa ter em conta quaisos traços gerais do procedimento de injunção em outros ordenamentos jurí-dicos bem como os fundamentos que, em geral, justificam a limitação dosmeios de defesa em sede de oposição à execução.

3. DIREITOS ESTRANGEIROS42

A injunção é um procedimento judicial ou para-judicial em que se pre-tende a obtenção de um título executivo sem contraditório. É conhecida damaioria dos países europeus, variando, porém, as suas características.

Em grandes linhas, e de acordo com o Livro Verde relativo a um Procedi-mento Europeu de Injunção de Pagamento e a Medidas para Simplificar eAcelerar as Acções de Pequeno Montante43, podem distinguir-se na Europadois modelos de procedimento de injunção: o modelo probatório e o modelonão probatório.

A característica fundamental do modelo probatório, que vigora – porexemplo – em França, na Itália e em Espanha, é a exigência de o requerenteapresentar uma prova escrita que fundamente o seu pedido. Sem essa provadocumental, o requerimento de injunção de pagamento não pode ser defe-rido.

Em Espanha, discute-se, porém, qual a consequência da não junção deprova com a apresentação do requerimento. Segundo alguma doutrina,implica a inadmissibilidade do requerimento inicial, mas para outra trata-seapenas da falta de uma condição para a decisão de mérito, pelo que é possívela sanação do vício44.

À exigência de prova documental associa-se ainda uma outra característicaimportante que distingue os modelos europeus de injunção – a intervençãojudicial. No modelo probatório, o requerimento de injunção e a prova que oacompanha são analisados sumariamente por um juiz que avalia do mérito dopedido45.

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42 Parte substancial deste ponto foi retirada do artigo de MARIANA FRANÇA GOUVEIA, “ACausa de Pedir da Injunção”, in Themis, n.° 13 (2006), pp. 223-225.

43 Bruxelas, 20.12.2002 – COM (2002) 746 final. Seguimos de perto o seu texto.44 TERESA ARMENTA DEU, “De los Procesos Monitorio y Cambiário”, in Comentarios a la Ley

de Enjuiciamiento Civil, vol. II, Navarra, Aranzadi Editorial, 2001, p. 944.45 JACQUES HÉRON/THIERRY LE BARS, Droit Judiciaire Privé, 2.ª edição, Paris, Montchrestien,

2002, p. 457; JEAN VINCENT/SERGE GUINCHARD, Procédure Civile, 25.ª edição, Paris, Dalloz, 1999,p. 697 e TERESA ARMENTA DEU, “De los Procesos cit”, p. 944.

É evidente que esta análise judicial associada à prova documental confereao procedimento de injunção uma garantia forte de proteção do requerido.Assim se explica que, por exemplo, em Espanha a ordem de pagamento comforça executória seja equiparada a uma sentença judicial para efeitos de tra-mitação da execução (artigo 816.°, n.° 2, da Ley de Enjuiciamiento Civil)46.

O modelo não probatório vigora – entre outros países – na Alemanha e emPortugal e caracteriza-se pela total ausência de apreciação judicial relativa-mente ao mérito do pedido47. Sempre que um pedido satisfaça os requisitosformais enunciados na lei, o tribunal emite uma injunção de pagamento semproceder a qualquer outra apreciação do fundamento do pedido.

Enquanto o modelo probatório considera indispensável uma proteçãomínima do requerido através de uma intervenção judicial, o modelo não pro-batório coloca a tónica na responsabilidade do próprio requerido, tendo, por-tanto, de ter especiais preocupações com a sua notificação. Há aqui uma pre-sunção da existência do direito, presunção considerada admissível porque amera impugnação pelo requerido é suficiente para frustrar a executoriedadedo requerimento.

As diferenças essenciais entre cada um destes modelos resultam, precisa-mente, da ênfase colocada no grau de intervenção judicial. Se não se procedea uma apreciação de mérito do requerimento de injunção, não é necessáriaqualquer prova documental do crédito, já que esta serve apenas como meiopara permitir esse controlo. Além disso, se esse exame não tem lugar e, porconseguinte, o procedimento assume um carácter exclusivamente administra-tivo, não parece ser necessário envolver um juiz.

No entanto, mesmo considerando apenas os ordenamentos jurídicos queadotam um modelo não probatório, é possível detetar diferenças relevantes. Éo que resulta, por exemplo, de uma breve análise do procedimento de injun-ção em Portugal e na Alemanha.

A disparidade de regimes é notória desde logo quanto ao modo de notifi-cação e às consequências da falta de oposição do requerido.

Quanto à notificação, seguem-se as regras gerais da citação conforme estabe-lece o § 693 ZPO. Não há, portanto, qualquer regime mais simplificado para dara conhecer a injunção – pelo contrário, são oferecidas as mesmas garantias deconhecimento por comparação com a citação para qualquer processo judicial.

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46 JUAN LUIS GÓMEZ COLOMER, “Los Procesos Especiales”, in Derecho Jurisdiccional, vol. II,Valencia, Tirant lo Blanch, 2001, p. 772; no mesmo sentido, IGNACIO DÍEZ-PICAZO GIMÉNEZ, “Delos Procesos cit., p. 1369, alude a um “título executivo judicial sui generis”.

47 OTHMAR JAUERNIG, Zivilproze�recht, 25.ª edição, München, Verlag C. H. Beck, 1998, pp.328-329.

Enquanto para a lei alemã a atribuição de força executiva à ordem de paga-mento depende de requerimento nesse sentido (§699.°, par. 1, da ZPO), a leiportuguesa estabelece que a aposição da fórmula executória não pressupõequalquer iniciativa do requerente mas apenas a falta de oposição do requerido(artigo 11.°, n.° 4, do regime anexo ao D.L. n.° 269/98).

Por esta razão, o requerido acaba por ter, no ordenamento jurídico alemão,mais do que uma hipótese de discutir o direito. Com efeito, no seguimento dacitação, o requerido tem uma primeira oportunidade para declarar ao tribu-nal se se pretende opor à ordem de pagamento (“Widerspruch”) e, em casoafirmativo, informar em que medida é que se pretende opor (§ 693, par. 1, n.°3 da ZPO). Por outro lado, e nos termos do § 694 da ZPO, a oposição pode serapresentada até à aposição de fórmula executória à ordem de pagamento que,como já se referiu, depende de requerimento. Uma vez aposta a fórmula exe-cutória, o requerido tem ainda um prazo de duas semanas a contar da corres-pondente notificação para se opor à aposição de fórmula executória (“Eins-pruch” – § 339 da ZPOex vi § 700 da ZPO)48.

Na eventualidade de o requerido ter deduzido tempestivamente oposição àordem de pagamento ou à aposição de fórmula executória – sendo que, noprimeiro caso, uma das partes terá de requerer o início da ação declarativa – oprocesso será oficiosamente remetido ao tribunal competente para apreciaçãoda ação declarativa correspondente (§ 696 da ZPOaplicável ex vi § 700 daZPO, no âmbito da oposição à aposição de fórmula executória).

Repare-se, portanto, como são muito mais amplas as garantias dadas aoputativo devedor no sentido de assegurar que este conhece o procedimento ede que pode opor-se à sua concretização se comparadas com o regime estabe-lecido no direito português.

Também importante no contexto deste comentário é a forma como a leiencara o título executivo formado no âmbito do procedimento de injunção. Aanálise anterior permite-nos concluir que em Portugal o requerimento deinjunção é um título executivo judicial impróprio e que os respetivos funda-mentos de oposição à execução são moldados a partir dos fundamentos pre-vistos para a execução de sentenças judiciais. Pelo contrário, na Alemanha aordem de pagamento com força executiva é equiparada a uma sentença à reve-lia declarada provisoriamente executória (artigo 700.°, n.° 1, da ZPO).

A equiparação da ordem de pagamento com força executiva a um títuloexecutivo judicial – a sentença à revelia – implica que o requerido possa dedu-

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48 DAGMAR COESTER-WALTJEN, “Mahnverfahren in Deutschland”, in Orders for Payment in theEuropean Union, The Hague, The Netherlands, Kluwer Law International, 2001, p. 155 e ss.

zir reclamação, pois esta constitui o meio de reação contra a condenação àrevelia49. A reclamação é um processo autónomo que tem lugar no tribunalque proferiu a decisão condenatória e a sua finalidade consiste na revogaçãodesta ou, na situação em análise, da ordem de pagamento com força executiva.

No caso específico da ordem de pagamento, a lei determina que a reclama-ção apenas será julgada improcedente de forma liminar quando o efeito comi-natório semi-pleno associado à falta de oposição conduzir à procedência dopedido (artigo 331.°, n.os 1 e 2 ex vi do artigo 700.°, n.° 6, da ZPO).Nos res-tantes casos, o processo retroage ao momento anterior à revelia (artigo 342.°da ZPO), seguindo-se um novo julgamento que irá confirmar ou revogar aordem de pagamento.

Assim, a lei alemã permite ao requerido reagir contra a ordem de paga-mento com força executiva através de reclamação, enquanto a lei portuguesaapenas permite a oposição à execução. Esta diferença é essencial, tendo emconta que a reclamação é admissível – entre outras situações – em caso deinconcludência jurídica do requerimento de injunção, algo que não sucede deacordo com a lei portuguesa em sede de oposição à execução. Por outro lado,a garantia de cognoscibilidade do procedimento de injunção é assegurada, naAlemanha, pela aplicação das regras da citação à notificação em sede deinjunção.

Em suma, o procedimento de injunção é regulado de forma diversa emfunção do modelo adotado – probatório ou não probatório – e mesmo entreordenamentos jurídicos que partilham um modelo não probatório. É desalientar, porém, que nenhum dos ordenamentos jurídicos analisados vai tãolonge quanto o português na proteção da posição do credor – o regime denotificação é menos garantístico, as hipóteses de defesa do devedor são maislimitadas, não se garante uma análise judicial e o efeito preclusivo é de grandeextensão.

4. FUNDAMENTOS PARA A RESTRIÇÃO DOS MEIOS DE DEFESA NA OPOSIÇÃO À

EXECUÇÃO

A análise da evolução legislativa permite constatar que a doutrina e a juris-prudência têm centrado a sua atenção, no essencial, na questão de saber se é

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49 Quanto à reclamação no direito alemão, os autores seguem de perto JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA (relator), MARIANA FRANÇA GOUVEIA E OUTROS (coordenadores), Justiça Económica emPortugal – A Citação do Réu no Processo Civil, Fundação Francisco Manuel dos Santos e Asso-ciação Comercial de Lisboa – Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, 2012, pp. 60-61.

possível equiparar o requerimento de injunção com fórmula executória àssentenças judiciais. Antes da reforma de 2008, esta discussão adquiria especialrelevância na ausência de uma disposição legal expressa sobre a oposição àexecução de requerimento de injunção com fórmula executória e, na sequên-cia da alteração legislativa então operada, passou a ter como intuito justificara equiparação entre estes títulos executivos no que respeita aos fundamentosde oposição à execução.

Ora, em nosso entender a questão não deve ser colocada nestes termos. O problema não está tanto em equiparar os títulos, mas em saber se as razõesque levam à admissibilidade da restrição dos fundamentos de oposição à exe-cução de sentença também se verificam quando o título é uma injunção. É que, como é evidente, existem diferenças estruturais no procedimento deformação destes títulos executivos e só uma análise das razões da restriçãopode permitir descortinar se a injunção preenche os requisitos que permitemessa preclusão.

De facto, a sentença é um título executivo judicial, ou seja, formado noâmbito de um processo que culmina com a prolação de uma decisão pelo juiz.Pelo contrário, o requerimento de injunção com fórmula executória constituium título judicial impróprio, pois resulta de um procedimento para-judicialtramitado junto do Balcão Nacional de Injunções que termina com a aposiçãode fórmula executória pelo secretário judicial, na falta de oposição do reque-rido50.

Esta diferença estrutural entre os títulos executivos em análise encontra-se,aliás, ilustrada no acórdão em comentário.

É, portanto, necessário perceber por que se restringe os fundamentos deoposição à execução de sentença. Essa limitação é justificada pela doutrinacom base em três características do seu regime: a existência de um procedi-mento que admite o contraditório prévio, a intervenção judicial na aprecia-ção da pretensão e o respeito pelo caso julgado formado na ação declara-tiva51.

A primeira vertente é descrita de forma expressiva pelo Tribunal da Rela-ção de Lisboa, em acórdão de 6 de dezembro 2011, quando considera que rele-vante para a “aferição da conformidade com o princípio da proibição da inde-fesa não é o critério formal da qualidade do título executivo (…) mas antes ocritério substancial do processo da sua formação”, ou seja, a possibilidade de

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50 Sobre os títulos executivos judiciais impróprios, cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção cit.,5.ª edição, pp. 64-65.

51 JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção cit., 4.ª edição, p. 182 e FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Cursode Processo de Execução, 13.ª edição, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 178 e 182.

contraditório52. De forma ainda mais clara, o acórdão do Supremo Tribunalde Justiça de 5 de maio de 2011 considera que o efeito preclusivo resulta daexistência de uma “sentença transitada em julgado proferida por um juizindependente e imparcial num processo com todas as garantias de defesa”53.

Assim se explica, por exemplo, que a lei apenas permita a dedução de opo-sição por razões relacionadas com o mérito da causa quando se verifique umfacto modificativo ou extintivo da obrigação exequenda que seja posterior aoencerramento da discussão no processo declarativo [artigo 729.°, alínea g), doCPC de 2013]54. A superveniência objetiva ou subjetiva do facto implica aausência de efeito preclusivo precisamente porque a parte não teve oportuni-dade de alegar esse mesmo facto na ação declarativa. Por outras palavras, oefeito preclusivo pressupõe a existência de um procedimento contraditórioem que seja dada à parte a oportunidade de apresentar todos os meios dedefesa de que disponha contra a pretensão do requerente. E o respeito pelocaso julgado impede, aliás, posteriores alterações da decisão proferida.

É neste contexto que a circunstância de o procedimento de injunção pre-ver um momento próprio para o exercício do contraditório assume particularimportância. De facto, nos termos do artigo 14.° do regime anexo ao D.L. n.°269/98, o requerido pode apresentar oposição à injunção com base em qual-quer meio de prova admissível na ação declarativa e, assim, provocar a inter-venção judicial e a tramitação subsequente nos termos da ação declarativaespecial.

É este traço do regime da injunção que permite uma aproximação entre otítulo executivo resultante da aposição de fórmula executória e as sentençasjudiciais, já que em ambos os casos a lei faculta ao requerido a oportunidadede exercer o contraditório. Contudo, e mais importante, os efeitos decorrentesda falta de oposição e da falta de contestação são distintos, o que resulta dadiferente natureza – judicial ou parajudicial – destes títulos.

A última observação é tanto mais importante quanto uma parte da juris-prudência tende a enfatizar apenas a eventualidade de contraditório, daí reti-rando argumentos a favor da restrição dos fundamentos de oposição à execu-ção de requerimento de injunção com fórmula executória. A título

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52 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de dezembro de 2011, proc. n.° 447//10.4TBLSB-A.L1-1 (relator: Rijo Ferreira), disponível em www.dgsi.pt.

53 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de maio de 2011, proc. n.° 25996//05.2YYLSB-A.L1.SI (rel. Sérgio Poças), disponível em www.dgsi.pt.

54 A lei enuncia ainda um terceiro pressuposto para a dedução de oposição à execução nestasituação: a prova documental do facto modificativo ou extintivo, exceto no caso da prescrição[artigo 729.°, alínea g), do CPC de 2013].

exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de fevereirode 2012 concluiu pela existência de um efeito preclusivo no procedimento deinjunção por ser admissível oposição55 e o Tribunal da Relação de Guimarães,em acórdão de 26 de maio de 2011, considerou que a ausência desse efeito pre-clusivo teria como consequência a inutilidade do procedimento de injunção56.

Na doutrina, tal como se pôde constatar, a posição de SALVADOR DA COSTAvai no mesmo sentido57. O autor chama, no entanto, a atenção para um pontocrucial: a formação dos títulos executivos extrajudiciais também é uma reali-dade estruturalmente distinta das demais58. Basta pensar nos documentosautênticos ou autenticados [artigo 703.°, n.° 1, alínea b), do CPC de 2013] paraconstatar que estes não se formam no âmbito de um procedimento judicial oupara-judicial, pelo que o executado não tem oportunidade de apresentar osmeios de defesa de que disponha antes da formação do título. Assim se explica,pois, que na oposição à execução de títulos executivos extrajudiciais possamser alegados quaisquer meios de defesa admissíveis em processo declarativo(artigo 731.° do CPC de 2013).

Em nosso entender, as considerações anteriores apontam para a possibili-dade de introduzir um efeito preclusivo no procedimento de injunção, já queeste permite ao requerido exercer o contraditório de forma tão ampla comona ação declarativa. Não obstante, esta aproximação à ação declarativa de -pende da observância de certas regras, designadamente em sede de garantia deconhecimento da injunção. Caso essas garantias não ocorram, não é admissí-vel a extensão do efeito preclusivo tal como hoje consagrado.

5. NOTIFICAÇÃO DO REQUERIDO NO PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO

5.1. Regime da Notificação

Ao contrário do que sucede no processo declarativo, em que o réu tomaconhecimento da ação contra si proposta através de citação (artigo 219.°, n.° 1, do CPC de 2013), o requerimento de injunção é comunicado ao reque-rido por via de notificação (artigos 12.° e 12.°-A do regime anexo ao D. L.

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55 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de fevereiro de 2012, proc. n.° 819//09.7TBVRL-A.P1 (rel. Freitas Vieira), disponível em www.dgsi.pt.

56 Acórdão do Tribunal da Relação deGuimarães de 26 de maio de 2011, proc.n.°2341/09.2TBGMR-B.G1 (rel. Helena Melo), disponível em www.dgsi.pt.

57 Cfr. supra, ponto 2.1.58 SALVADOR DA COSTA, A Injunção cit., 6.ª edição, p. 258.

n.° 269/98). Esta diferença terminológica decorre da natureza não jurisdicio-nal do procedimento de injunção, no qual a notificação surge com o duplointuito de comunicar um requerimento para pagamento de determinadaquantia pecuniária e de formar título executivo em caso de falta de oposição59.Esta é apenas a primeira de algumas importantes diferenças entre os regimesaplicáveis num caso e no outro.

Neste contexto, o primeiro ponto digno de realce não é tanto o facto de anotificação por via postal registada ser a modalidade preferencial (artigo 12.°,n.° 1, do regime anexo ao D.L. n.° 269/98)60, mas antes a exclusão da notifica-ção por contacto pessoal com o requerido ou através de editais61. De acordocom SALVADOR DA COSTA, a opção por uma única modalidade de notificação –notificação por via postal simples ou registada – está relacionada com o obje-tivo de “simplificação do procedimento de injunção e da consequente celeri-dade processual”62.

A circunstância de a lei admitir apenas esta modalidade de notificaçãorepercute-se necessariamente nas diligências subsequentes à frustração danotificação por via postal registada. Neste caso, segue-se a pesquisa de infor-mação sobre a residência, local de trabalho ou sede do requerido (artigo 12.°,n.° 3, do regime anexo ao D.L. n.° 269/98) e a notificação por via postal sim-ples para todas as moradas identificadas (artigo 12, n.os 4 e 5, do regime anexoao D.L. n.° 269/98).

Pelo contrário, quando exista convenção de domicílio, a notificação deveefetuar-se por carta registada simples enviada para o domicílio ou sede con-vencionado (artigo 12.°-A, n.° 1, do regime anexo ao D.L. n.° 269/98).

Em sede de injunção existe um regime comum para a notificação de pes-soas singulares e de pessoas coletivas. Ora, a principal alteração introduzidapela reforma de 2013 na matéria da citação segue na direção oposta, ao con-

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59 MARIA RITA MONIZ, “Notas Teórico-Práticas em Torno do Regime Jurídico na Injunção”,in Revista da Ordem dos Advogados, ano 61 (2001), vol. I, p. 469.

60 A lei admite ainda a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial(artigo 12.°-A, n.° 8, do regime anexo ao D.L. n.° 269/98) mas a exposição subsequente não teráem conta essa possibilidade.

61 Pelo contrário, as regras gerais de citação de pessoas singulares estabelecem modalidadesalternativas de citação para o caso de frustração da citação por via postal registada. Nesse caso,seguem-se – respetivamente – a citação por contacto pessoal (artigo 231.° do CPC de 2013), acitação com hora certa (artigo 232.° do CPC de 2013) e, por fim, a citação edital (artigos 240.°e 243.° do CPC de 2013).Para uma descrição mais pormenorizada do regime à luz do CPCa,cfrJOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA (relator), MARIANA FRANÇA GOUVEIA E OUTROS (coordenadores),Justiça cit., pp. 33-41.

62 SALVADOR DA COSTA, A Injunção cit., 6.ª edição, p. 244.

sagrar um regime específico para a citação das pessoas coletivas63. Esta opçãoparece ter subjacente a ideia de que a especificidade das pessoas coletivas jus-tifica a imposição de alguns deveres, entre os quais a atualização dos seusdados, que explicam a relevância atribuída ao domicílio oficial64.

Assim, de acordo com o artigo 246.° do CPC de 2013, a citação de pessoascoletivas cuja inscrição no registo nacional de pessoas coletivas seja obrigató-ria efetua-se através de carta registada com aviso de receção enviada para asede que conste do registo (artigo 246.°, n.os 2 e 4, do CPC de 2013). Em casode recusa de assinatura do aviso de receção ou de recusa de receção da cartapelo representante legal ou por funcionário da pessoa coletiva, a citação con-sidera-se realizada (artigo 246.°, n.° 3, do CPC de 2013). Nos restantes casos,o envio de nova carta registada para a sede da pessoa coletiva é suficiente paraque a citação se considere efetuada (artigo 246.°, n.° 4, do CPC de 2013)65.

Esta solução permite que a citação das pessoas coletivas decorra de formamais célere e eficaz e aproxima-se de proposta formulada no Estudo sobre aJustiça Económica, que previa a citação das pessoas coletivas na respetiva sede,por via postal registada, e a eliminação da citação na pessoa do representantelegal66. Em simultâneo, o artigo 246.° do CPC de 2013 responde à preocupa-ção manifestada num dos votos de vencido no acórdão em anotação, queapontava (ainda que de forma implícita) para a necessidade de consagrar umregime próprio para as relações entre profissionais. A consagração de umaregra equivalente para a injunção permitiria conciliar a celeridade na notifi-cação, evitando os riscos da notificação por via postal simples, com um regimeadequado às especificidades da notificação de pessoas coletivas.

No entanto, o aspeto mais controverso do regime de notificação do reque-rimento de injunção é, sem dúvida, a possibilidade de notificação por via pos-tal simples, quer esta surja como modalidade exclusiva de notificação por

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63 Mesmo antes da reforma, a citação das pessoas coletivas já apresentava uma especificidade:no caso de frustração da via postal, a citação era efetuada no representante legal da pessoa cole-tiva, de acordo com as regras aplicáveis à citação de pessoa singular (artigo 237.°-A do CPCa).

64 Neste sentido, cfr. MARIANA FRANÇA GOUVEIA, NUNO GAROUPA E PEDRO MAGALHÃES (coor-denadores), Justiça Económica em Portugal – Síntese e Propostas, Fundação Francisco Manueldos Santos e Associação Comercial de Lisboa – Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa,2012, p. 46 e PAULO RAMOS DE FARIA/ANA LUÍSA LOUREIRO, Primeiras Notas ao Novo Código deProcesso Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 220.

65 Nas restantes situações, a frustração da citação postal registada determina a aplicação dasregras gerais (artigos 246.°, n.os 1 e 5, do CPC de 2013). Para uma descrição mais exaustiva do artigo 246.°, cfr., por todos, PAULO RAMOS DE FARIA/ANA LUÍSA LOUREIRO, Primeiras cit., pp. 219-222.

66 JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA (relator), MARIANA FRANÇA GOUVEIA E OUTROS (coordenado-res), Justiça cit., pp. 67-68.

força de convenção de domicílio quer resulte da frustração da notificação porcarta registada com aviso de receção.

No que respeita aos casos de domicílio convencionado, PAULO PIMENTA

considera que a notificação por via postal simples introduz “limitações exces-sivas” ao direito de defesa do requerido sem que a celeridade e eficácia pro-cessual o justifiquem. O autor entende, assim, que a notificação no domicílioconvencionado deveria efetuar-se por carta registada com aviso de receção, à semelhança do que está previsto para a citação (artigos 228.°, n.° 1 e 229.°,n.° 1, do CPC de 2013)67.

O recurso à notificação por via postal simples em caso de frustração danotificação por via postal registada suscita questões ainda mais complexas.Esta matéria foi, aliás, objeto de amplo debate na doutrina e na jurisprudên-cia quando o artigo 238.°, n.° 1, do CPCa (na redação anterior à reforma de2003) consagrou a mesma solução no âmbito da citação. Tendo em conta queos regimes apenas divergem no facto de, num caso, se tratar de notificação eno outro de citação, a análise dos termos em que a questão se colocou a pro-pósito da citação pode ser um contributo importante para a discussão sobre anotificação por via postal simples.

De acordo com alguns autores, a citação por via postal simples não era ummeio suficientemente idóneo para provocar o conhecimento da ação, pelo quepodia colocar em causa o exercício do direito de defesa. Neste sentido, CARLOSLOPES DO REGO entendia que a lei criava um “domicílio judicial necessário”,solução dificilmente compatível com a atribuição de um efeito cominatóriosemi-pleno à revelia, já que este “pressupõe necessariamente uma certeza prá-tica no conhecimento ou cognoscibilidade do acto de citação”, algo que não semostrava suficientemente assegurado68. Da mesma forma, JOSÉ LEBRE DE FREI-TAS considerava que a citação por via postal simples só era admissível em casode domicílio convencionado, sendo que nas restantes situações implicava vio-lação do direito de defesa69.

O Tribunal Constitucional pronunciou-se por mais do que uma vez sobrea citação por via postal simples como modalidade subsidiária. A jurisprudên-

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67 PAULO PIMENTA, “Notificação cit”, p. 244.68 CARLOS LOPES DO REGO, “Os Princípios Constitucionais da Proibição da Indefesa, da Pro-

porcionalidade dos Ónus e Cominações e o Regime da Citação em Processo Civil”, in Estudosem Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, Coimbra Editora, 2003,pp. 853 e 857-858.

69 JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “As Novas Alterações ao Código de Processo Civil”, in Revista daOrdem dos Advogados, ano 60 (2000), vol. II, pp. 626-627. O autor referia ainda que esta solu-ção poderia potenciar a arguição de nulidades da citação e, assim, reduzir o pretendido efeitona celeridade processual.

cia constitucional nesta matéria não era uniforme, sendo demonstrativa dosdiferentes argumentos a favor e contra esta solução.

De acordo com uma orientação, o regime de citação por via postal não vio-lava os princípios da proibição da indefesa ou do processo equitativo70. Emacórdão de 8 de março de 2006, o Tribunal justificou esta conclusão com aexistência de “suficientes garantias de assegurar, pelo menos, que o acto decomunicação foi colo cado na área de cognoscibilidade do seu destinatá rio”,como a dilação de 30 dias no prazo para contestação, e aludiu ainda ao “deverde colaboração com a administração da justiça”71. Aliás, este entendimento játinha sido afirmado pelo acórdão de 10 de fevereiro de 2004, então com baseno cumprimento dos diversos trâmites legais, na inexistência de elementosquanto a outro domicílio e com base num juízo de ponderação entre o direitode defesa e a celeridade processual72.

A posição do Tribunal Constitucional não foi, contudo, indiferente à cir-cunstância de o réu provar que já não residia ou não tinha a sua sede no localonde foi citado. Neste caso, o acórdão de 18 de novembro de 2006 defendeuque à luz de uma ponderação dos diferentes interesses contrapostos era “des-proporcionado (…) presumir que a citação por via postal simples é suficientepara assegurar a cognoscibilidade da pretensão do demandante”73. O acórdãode 7 de fevereiro de 2006 tinha chegado à mesma conclusão, ainda que colo-cando especial ênfase nos efeitos cominatórios associados à falta de interven-ção da parte74.

Tendo em conta todas estas questões, o facto de a reforma da ação execu-tiva de 2003 ter abandonado a citação por via postal simples nos moldes des-critos não surgiu como uma surpresa75.

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70 Esta linha jurisprudencial é resumida em acórdão do Tribunal Constitucional n.° 376/10,de 11 de outubro de 2010 (rel. Conselheira Ana Guerra Martins), disponível em www.tribunal-constitucional.pt. Nas palavras do acórdão, não serão inconstitucionais “as normas jurídicasque presumam o conhecimento da instauração de acção contra o réu, desde que tais presunçõessejam rodeadas das cautelas necessárias a garantir a possibilidade de conhecimento efectivo, porum destinatário normalmente diligente, do conteúdo da citação”.

71 Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 182/06, de 08 de março de 2006 (rel. ConselheiroMário Torres), disponível em www.tribunalconstitucional.pt.

72 Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 91/04, de 10 de fevereiro de 2004 (rel. Conse-lheiro Gil Galvão), disponível em www.tribunalconstitucional.pt.

73 Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 632/06, de 18 de novembro de 2006 (rel. Conse-lheira Maria Fernanda Palma), disponível em www.tribunalconstitucional.pt.

74 Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 104/06, de 07 de fevereiro de 2006 (rel. Conse-lheiro Paulo Mota Pinto), disponível em www.tribunalconstitucional.pt.

75 O preâmbulo do Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8 de março de 2003, justificou esta opçãocom a introdução da citação por contacto pessoal através de solicitador de execução.

A análise do regime da notificação no procedimento de injunção suscitasérias dúvidas sobre a sua compatibilidade com o direito de defesa do reque-rido. Pelo contrário, o regime de citação previsto na lei processual assentanuma maior garantia de cognoscibilidade do ato de citação, algo que é essen-cial para o exercício efetivo do direito de defesa.

Dir-se-ia, pois, que se deveria equiparar o regime da notificação na injun-ção ao regime da citação em ação declarativa, como acontece, por exemplo, nodireito alemão.

No entanto, a análise estatística de ações declarativas findas permite con-cluir que a citação é uma das variáveis que mais influencia a duração totalmédia dos processos76. Quer isto dizer que a aplicação das regras gerais emmatéria de citação à notificação no procedimento de injunção implicaria, comalguma probabilidade, um sacrifício da celeridade processual em nome dodireito de defesa.

O Estudo sobre a Justiça Económica aponta para outra solução, com ointuito de conciliar de forma mais adequada os interesses em presença: a cria-ção de um domicílio oficial para efeitos de citação77. No caso das pessoas sin-gulares, o domicílio oficial teria por base as informações constantes doarquivo de identificação civil ou da base de dados da administração tributária.Apesar de a proposta estar pensada para a citação no processo declarativo, asua aplicação à notificação no procedimento de injunção não levanta especiaisdificuldades e seria, aliás, uma forma de aferir da possibilidade de alargar aregra do domicílio oficial à citação de pessoas singulares.

A consagração do domicílio oficial implica, porém, uma forte campanhade consciencialização das suas consequências junto da opinião pública. Semesta consciência social, a adoção de tal regra constituiria grave limitação dodireito de defesa.

Caso se consagrasse o domicílio oficial para efeitos de citação, a frustraçãoda notificação por via postal registada daria lugar à notificação pessoal poragente de execução sendo que, em caso de frustração desta, a notificação con-siderar-se-ia realizada por depósito no domicílio oficial. O regime da notifica-ção em procedimento de injunção poderia assumir um padrão menos garan-tístico para as pessoas coletivas, como fez o CPC de 2013, e mais protetor daspessoas singulares. Esta citação poderia, depois, aproveitar-se para a ação exe-cutiva, como agora se faz na execução de sentença.

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76 JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA (relator), MARIANA FRANÇA GOUVEIA E OUTROS (coordenado-res), Justiça cit., pp. 15-17.

77 Seguimos de perto JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA (relator) e MARIANA FRANÇA GOUVEIA E

OUTROS (coordenadores), Estudo cit., pp. 67-69.

Em suma, a introdução de um efeito preclusivo na ação executiva dependede o procedimento de injunção assegurar que o direito de defesa pode serexercido de forma adequada e efetiva. Assim, o efeito preclusivo pressupõemaiores garantias ao nível da notificação, o que pode ser atingido por duasvias: ou através da consagração da regra do domicílio oficial, o que permiteuma solução célere, mas implica uma intervenção legislativa importante; ou,em alternativa, por aplicação das regras gerais da citação à notificação noâmbito da injunção, o que não pressupõe uma alteração legislativa impor-tante, mas põe em causa a celeridade do procedimento de injunção.

Manter o regime atual só poderá ter como resultado a declaração deinconstitucionalidade do artigo 857.° e, logo, deixar cair qualquer efeito pre-clusivo da injunção.

5.2. Conteúdo da Notificação

A consagração de um efeito preclusivo dos meios de defesa na ação execu-tiva em consequência de falta de oposição implica ainda uma reflexão sobre opróprio conteúdo da notificação do requerimento de injunção.

Esta matéria encontra-se regulada no artigo 13.° do regime anexo ao D.Ln.° 269/98. A lei exige que a notificação do requerimento de injunção inclua –entre outros elementos – a indicação do prazo para oposição, da sua forma decontagem e da cominação aplicável em caso de falta de oposição e de paga-mento nesse mesmo prazo [artigo 13.°, n.° 1, alíneas b) e c)]. Numa análiseliteral, pode concluir-se que o único efeito cominatório previsto é a aposiçãode fórmula executória ao requerimento de injunção e consequente formaçãode título executivo, sem que exista qualquer alusão a um eventual efeito pre-clusivo na ação executiva.

A questão não se coloca da mesma forma a propósito do ato de citação,pois a lei demonstra a preocupação de concretizar, com maior clareza, os efei-tos cominatórios associados à falta de contestação. Assim, para além do prazopara contestação e da forma de contagem, o ato de citação deve mencionarque a revelia implica que os factos alegados pelo autor se considerem prova-dos por admissão (artigos 227.° e 567.°, n.° 1, do CPC de 2013). Quer isto dizerque, com a citação, o réu toma conhecimento de que a falta de contestação temefeitos probatórios com reflexo na ação executiva, por força do caso julgado.

O conteúdo da notificação do requerimento de injunção tem merecido uminteresse crescente por parte da jurisprudência.

De acordo com algumas decisões, a existência de um efeito preclusivo naação executiva sem indicação expressa na notificação em sede de injunção

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coloca em causa o direito de defesa do requerido. Para o acórdão do TribunalConstitucional de 7 de novembro de 201278, a questão reside no facto de nãoser comunicado ao requerido que na ação executiva o “âmbito da defesa con-tra a pretensão do exequente (…) estará limitado pela preclusão dos funda-mentos que já pudesse opor-lhe no momento do requerimento de injunção”.Aliás, o Tribunal referiu ainda que o processo equitativo pressupõe umaadvertência expressa quanto a possíveis efeitos preclusivos, à semelhança doque sucede no ato de citação79.

Pelo contrário, para outra parte da jurisprudência esta questão não secoloca. No acórdão de 5 de julho de 201280, o Tribunal da Relação do Portoconsiderou que a notificação do requerimento de injunção é suficiente paraprovocar o conhecimento do efeito preclusivo dos meios de defesa na subse-quente ação executiva, com base no artigo 814.°, n.° 2, do CPCa. Já no acór-dão de 11 de outubro de 2012, o mesmo Tribunal reconheceu que, apesar dea notificação não aludir a qualquer efeito preclusivo no âmbito da ação exe-cutiva, a advertência de que a falta de pagamento e de oposição à injunçãoimplica a aposição de fórmula executória e constituição de título executivo é“mais expressiva, adequada e cogente”81.

A introdução de um efeito preclusivo não posição à execução de requeri-mento de injunção com fórmula executória traduz uma aproximação subs-tancial entre este título executivo e as sentenças judiciais. Ora, essa opção legis-lativa pode colocar em causa o direito de defesa do executado caso traduzauma equiparação unilateral, isto é, quando não seja acompanhada de referên-cia expressa ao efeito preclusivo. Aliás, é no mínimo inesperado que a reformaprocessual não tenha tido em conta esta questão, mesmo após a crítica certeirade NUNO DE LEMOS JORGE a uma primeira versão do projeto e, sobretudo,tendo em conta que a alteração chegou a estar prevista em versão posterior domesmo82.

Acresce que os fundamentos invocados pela jurisprudência em sentidocontrário parecem-nos insuficientes. Por um lado, da notificação não resulta

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78 Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 529/12, de 07 de novembro de 2012 (rel. Conse-lheiro Vítor Gomes), disponível em www.tribunalconstitucional.pt.

79 No mesmo sentido, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de julho de2012, que se encontra referido supra, na nota 25.

80 Referido supra, na nota 23.81 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de outubro de 2012, proc. n.° 1014/

/11.0TBSTS-A.P1 (rel. José Amaral), disponível em www.dgsi.pt. 82 NUNO DE LEMOS JORGE, “A Reforma da Acção Executiva de 2012: Um Olhar sobre o Pri-

meiro Projecto”, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_I_Novo%20_Processo_Civil.pdf, pp. 147-148.

o conhecimento do efeito preclusivo, precisamente porque este não é referidoe é discutível que esse conhecimento seja exigível, tal como defende o conse-lheiro Pedro Machete na sua declaração de voto no acórdão em comentário83.Por outro lado, importa não confundir a formação de um título executivo,efeito cominatório associado à falta de oposição ou de pagamento, com a exis-tência de um eventual efeito preclusivo na oposição à execução.

É, pois, importante, para além das garantias de cognoscibilidade do pró-prio procedimento de injunção, o conhecimento das gravosas consequênciasdecorrentes da ausência de oposição. É preciso que fique bem claro que não éuma opção sem efeitos, mas que da ausência de oposição decorrem gravesconsequências para a relação material.

6. APRECIAÇÃO JUDICIAL DO REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO

Se a garantia de cognoscibilidade tem de ser assegurada para que o efeitopreclusivo seja constitucionalmente admissível, outro aspeto a que tem sidodada importância é a possibilidade de apreciação judicial do requerimento deinjunção para obviar a resultados manifestamente ilícitos ou injustos. Parece,aliás, claro que a intenção do legislador foi no sentido de aproximar o regimeda oposição à execução baseada em injunção ao regime da sentença à revelia.

Na ação declarativa esta intervenção judicial ocorre antes da formação dotítulo executivo, já que a revelia tem um efeito cominatório semi-pleno. Queristo dizer que a prova dos factos alegados pelo autor em resultado da falta decontestação não implica a imediata condenação do réu, pois os factos podemser insuficientes para que a ação seja julgada procedente ou pode verificar-seuma exceção de conhecimento oficioso que implique a improcedência dopedido ou que obste ao conhecimento do mérito da causa84. No fundo, a reve-lia implica um abreviamento da tramitação processual mas não dispensa aintervenção judicial no sentido de verificar a concludência jurídica ou a exis-tência de exceções dilatórias ou perentórias de conhecimento oficioso.

Pelo contrário, o procedimento de injunção reveste um carácter não juris-dicional, na medida em que nele intervém o secretário judicial e não há umaapreciação de mérito do requerimento de injunção. A intervenção judicialdepende da apresentação de oposição pelo requerido e determina a transição

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83 Cfr. supra, ponto 1.84 JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ANTÓNIO MONTALVÃO MACHADO/RUI PINTO, Código cit., pp. 293-

-294.

da injunção para a ação declarativa especial (artigo 17.° do regime anexo aoD.L. n.° 269/98).

Assim, em caso de falta de oposição, o procedimento de injunção terminacom a aposição de fórmula executória pelo secretário judicial e consequenteformação de título executivo (artigo 14.°, n.° 1, do regime anexo ao D.L. n.° 269/98). Trata-se de uma regra que só admite exceção nos casos de erro naforma de procedimento, ou seja, quando o pedido não se ajuste ao montanteou à finalidade do procedimento de injunção (artigo 14.°, n.° 4, do regimeanexo ao D.L. n.° 269/98)85. Esta exceção destina-se aos casos em que a obri-gação não decorra de um contrato, não tenha por objeto uma quantia pecu-niária e/ou tenha um valor superior a 15.000€, salvo quando resulte de tran-sação comercial86.

Aliás, a apreciação do mérito do requerimento de injunção pelo secretáriojudicial implicaria uma violação do princípio da reserva de jurisdição, queatribui o exercício da função jurisdicional aos tribunais (artigo 202.°, n.° 1, daCRP).

Ora, o artigo 857.°, n.° 3, do CPC de 2013 vem precisamente permitir aapreciação judicial do requerimento de injunção, ainda que apenas em sede deoposição à execução e limitada à verificação da existência de exceções deconhecimento oficioso (que deverão ser evidentes, quando se trate de exceçãodilatória). Não obstante, persistem duas importantes diferenças em relação àintervenção judicial na ação declarativa: esta última tem lugar antes da for-mação do título executivo e não carece de qualquer iniciativa do réu.

Ou seja, enquanto na ação declarativa há sempre intervenção judicial naformação do título executivo, tratando-se de requerimento de injunção comfórmula executória a intervenção judicial só acontece na fase executiva e se oexecutado deduzir oposição. Tal diferença pode, mais uma vez, implicar umadesproteção injustificada do putativo devedor. Repare-se que esta solução nãoprotege situações de eventual inconcludência do pedido, ao contrário do quese verifica na ação declarativa à revelia.

É, porém, sempre possível a intervenção oficiosa do juiz. De facto, tendoem conta o artigo 809.° do CPCa, MARIANA FRANÇA GOUVEIA defendia que“quando o juiz analisa o processo por uma das razões aí referidas (…) deveverificar a regularidade de todo o processo”, de forma a evitar a prática de atos

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85 A análise das situações de recusa do requerimento de injunção (artigo 11.°, n.° 1, doregime anexo ao D.L. n.° 269/98) permite chegar à mesma conclusão, já que os diferentes fun-damentos de recusa respeitam a questões formais ou de erro na forma de procedimento.

86 Sobre esta questão, cfr. MARIA RITA MONIZ, “Notas cit”, p. 473 e SALVADOR DA COSTA, AInjunção cit., 6.ª edição, pp. 259-260.

inúteis87. A reforma processual de 2013 não introduziu alterações substanciaisnesta matéria, já que o artigo 723.°, n.° 1, do CPC de 2013 manteve pratica-mente a anterior redação. Esta norma é naturalmente aplicável à execuçãobaseada em injunção.

Desta forma, o juiz pode proceder a uma apreciação perfunctória dorequerimento de injunção quando chamado a intervir na execução. Assim,mesmo na falta de oposição à execução, o juiz poderá declarar extinta a exe-cução quando se verifiquem três requisitos cumulativos: remessa do processopara o juiz;exceção de conhecimento oficioso e carácter manifesto dessa exce-ção, no sentido de não ser necessária prova adicional para a sua apreciação.Outra solução será, aliás, dificilmente compatível com o poder geral de con-trolo do juiz na ação executiva e com o facto de estarem em causa exceções deconhecimento oficioso.

Tendo em conta estes dois pontos do regime – a possibilidade de o execu-tado alegar certos fundamentos que não poderia alegar caso o título fosse umasentença e a admissibilidade de apreciação judicial oficiosa desses mesmosfundamentos no âmbito do poder geral de controlo do juiz de execução –parece ser aceitável o regime instituído. É verdade que é um regime diferenteda sentença à revelia e que não assegura a apreciação judicial mínima da exis-tência do direito, mas também há que relembrar que a injunção não tem qual-quer valor de caso julgado, pelo que o executado pode sempre, noutra ação,pedir a repetição do indevido e/ou indemnização ao exequente que, afinal,não era seu credor.

Neste ponto, aliás, a comparação mais adequada não é com a execução desentença, mas com a execução de outros títulos executivos não jurisdicionais.No caso de um documento, por exemplo, não havendo oposição à execução,esta segue até ao pagamento sem que haja qualquer decisão judicial sobre arelação material. Terá havido, na maioria dos casos, despacho liminar, masuma intervenção deste género é também possível na injunção através dopoder geral de controlo, nos termos do artigo 723.° do CPC de 2013. Emnenhum destes casos – em que não há oposição à execução – há formação decaso julgado material, pelo que nenhum desequilíbrio se verifica face ao exe-cutado cujo título é uma injunção ou cujo título é um documento. Em ambosos casos, depende de si a iniciativa de se defender.

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87 MARIANA FRANÇA GOUVEIA, “A Novíssima cit”, p. 571.

7. CONCLUSÃO

A longa análise que se fez ao regime da injunção na sua fase executiva per-mite chegar a algumas conclusões relevantes.

A extensão do efeito preclusivo tal como consagrada no artigo 857.° doCPC de 2013 só é admissível se, em simultâneo, se garantir efetivamente a cog-noscibilidade do procedimento de injunçãoem vigor. e, tornando-se necessá-rio requerimento de injunção certos fundamentos que injunção. Como estáhoje positivado, o regime não oferece suficientes garantias de cognoscibili-dade, tornando-se necessário a sua alteração.

Essa alteração tem de passar pela equiparação das regras da notificação dainjunção às da citação na ação declarativa. Para que esta solução garanta aceleridade, o ideal seria consagrar-se o domicílio oficial.

A criação de um domicílio oficial para efeitos de notificação é, quanto anós, a solução que melhor compatibiliza os diferentes interesses em presença.Caso não se pretenda consagrar esta regra, a aplicação do regime geral emmatéria de citação à notificação no âmbito da injunção apresenta-se como asolução mais equilibrada. Nesta última hipótese, o sacrifício de alguma celeri-dade no procedimento de injunção permite uma maior garantia de cognosci-bilidade do mesmo e, em consequência, justifica uma maior celeridade naação executiva subsequente, no caso de falta de oposição do requerido. A atualsimplificação do regime de citação das pessoas coletivas pode facilitar bastantea celeridade na injunção contra pessoas coletivas.

Por outro lado, a notificação deve incluir, entre as menções obrigatórias,uma referência expressa ao efeito preclusivo decorrente da falta de oposição, àsemelhança do que sucede no ato de citação, em que o réu é alertado de que afalta de contestação implica a admissão dos factos alegados pelo autor. Defacto, a advertência quanto ao efeito preclusivo surge como pressuposto paraum exercício informado do direito de defesa.

Um outro ponto que tem sido objeto de discussão é a necessidade de inter-venção judicial, não assegurada no regime português de injunção onde a apo-sição da fórmula executória compete ao secretário judicial. No entanto, aintervenção judicial está assegurada através da possibilidade de oposição àexecução com os fundamentos da improcedência da condenação à revelia,assim como mediante a possibilidade de intervenção oficiosa do juiz nos ter-mos do artigo 723.° CPC de 2013. Fora destas situações, o prosseguimento daexecução de uma injunção não produz qualquer efeito de caso julgado, peloque não coloca o executado numa situação pior do que aquela em que este seencontraria se contra ele fosse instaurada execução com base num título exe-cutivo não judicial, como por exemplo um título de crédito.

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Não vemos, portanto, que haja qualquer restrição a princípios constitu -cionais.

Em suma, o problema está no regime da notificação porque a limitação dosfundamentos de oposição à execução pressupõe que o procedimento de for-mação do título executivo assegure o exercício efetivo do direito de defesa.

É certo que as alterações propostas podem implicar uma menor celeridadedo procedimento de injunção no caso de não se optar pela notificação das pes-soas singulares e coletivas no domicílio oficial. No entanto, mesmo neste caso,a solução proposta visa atingir um equilíbrio adequado entre os interesses empresença e, desta forma, evitar uma restrição desproporcionada de qualquerum deles.

Mantendo-se o atual regime, não vemos como poderá o Tribunal Consti-tucional entender que a solução restritiva consagrada no artigo 857.° não violao princípio do processo equitativo. Bastará ao legislador ordinário alterar oregime da notificação em sede de injunção para evitar que tal resultado severifique.

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