a importância do som nas narrativas fílmicas

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Pedro Costa Santos www.pedrosantos.eu [email protected] 18 de Fevereiro de 2010 A IMPORTÂNCIA DO SOM NAS NARRATIVAS FÍLMICAS Trabalho desenvolvido para a cadeira de História e Teoria do Cinema leccionada pelo Dr. Carlos Melo Ferreira no âmbito do Mestrado em Realização de Cinema e Televisão na ESAP. Este trabalho consiste na análise a nível histórico e teórico da importância do som no cinema.

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Análise a nível histórico e teórico da importância do som no cinema.

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 Pedro Costa Santos www.pedrosantos.eu [email protected]  18 de Fevereiro de 2010 

A IMPORTÂNCIA DO SOM NAS NARRATIVAS FÍLMICASTrabalho desenvolvido para a cadeira de História e Teoria do Cinema leccionada pelo Dr. Carlos Melo  Ferreira  no  âmbito  do Mestrado  em Realização  de  Cinema  e  Televisão  na  ESAP.  Este trabalho consiste na análise a nível histórico e teórico da importância do som no cinema. 

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Pedro Costa SantosA importância do som nas narrativas fílmicas

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Índice  

Introdução .......................................................................................................... 3 

A origem do som na cultura humana .................................................................. 4 

Fenomenologia da audição ............................................................................. 4

Utilização do som pelo ser humano ao longo dos tempos .............................. 5

A origem do som no cinema ............................................................................... 7 

O advento sonoro ........................................................................................... 7

O Musical ........................................................................................................ 9

A evolução ...................................................................................................... 9

Sistemas de áudio nas salas de cinema .......................................................... 11 

Dolby Digital .................................................................................................. 12

Digital Theater System (DTS) ....................................................................... 12

Sony Dynamic Digital Sound (SDDS) ........................................................... 13

Sensações humanas recebidas ....................................................................... 15 

John Williams ................................................................................................ 17

Prémios e nomeações .................................................................................. 18

Exemplos práticos ........................................................................................ 19

Main Theme ( 1) ..................................................................................... 19

Bounty Hunter's Pursuit ( 2) .................................................................... 20

The Imperial March ( 3) .......................................................................... 21

Conclusão ........................................................................................................ 23 

Bibliografia ........................................................................................................ 24 

Webgrafia ......................................................................................................... 24 

 

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Introdução 

O ser humano desde a sua nascença que tem a percepção do mundo sonoro que o rodeia. De facto, diversos musicólogos desenvolveram diferentes estudos a crianças para analisar a sua percepção rítmica e melódica, chegando à conclusão de que estas conseguem diferenciar, no mínimo, quatro tipos de sentimentos diferentes: felicidade, tristeza, raiva e medo. São os contornos musicais e as suas variáveis que influenciam a associação de sentimentos a determinadas melodias, por exemplo, Sandra Trehub em 1993 no seu estudo Psychology and music: The understanding of melody and rhythm desenvolve a ideia de que as crianças julgam as músicas com linhas melódicas de elevado registo e de tempo rápido como estando associadas a sentimentos felizes e o inverso a sentimentos tristes. De referir também no mesmo estudo, que as sequências musicais ascendentes criam sentimentos felizes e as descendentes criam sentimentos tristes.

A ideia de interpretação e associação de sons cria uma complementação imaginativa no sujeito receptor e o seu controlo implica uma condução do sujeito através de um dado caminho da narrativa fílmica tal como nos filmes acústicos (de Alfred Braun em 1924), uma peça radiofónica que ambientava o sujeito receptor no próprio ambiente dos Akustiches Films através de sonoridades relativas ao espaço onde decorria a acção.

Assim sendo, qual é a verdadeira importância do som no cinema? Quais são os sentimentos inerentes e como se transmitem? Como é que a própria história do cinema lidou com o aparecimento do som? O som complementa a imagem ou é a imagem que está ao serviço do som? Poderemos afirmar que existe um filme sonoro dentro dos filmes?

Nota breve: nos exemplos práticos no capítulo “Sensações humanas recebidas”, quando surge o  símbolo    significa  o  número  da  faixa  relativa  à  audição  proposta  dos  ficheiros  áudio anexados.   

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A origem do som na cultura humana 

Durante séculos a escuta pôde definir-se como um acto intencional de audição (escutar é querer ouvir, conscientemente), reconhece-se-lhe hoje o poder (e

quase a função) de varrer espaços desconhecidos.

Roland Barthes in “O óbvio e o obtuso”

Antes de iniciar o estudo relativo à importância do som nas narrativas fílmicas, penso que existam dois pontos que deverão ser analisados: a fenomenologia da audição e a utilização do som pelo ser humano ao longo dos tempos.

Fenomenologia da audição 

Em relação a este aspecto, Barthes faz uma primeira triagem sobre o fenómeno da audição. Frisa que é necessário fazer uma diferenciação sobre o ouvir e o escutar, caracterizando o ouvir como um fenómeno fisiológico e o escutar como um acto psicológico.

Focando-nos no acto de escuta (que é o mais importante no contexto do trabalho), Barthes indica-nos que existem três etapas de escuta:

1) Orientação da audição para indícios

O Homem distingue-se dos restantes animais pois estes têm o seu território escalonado por odores e sons, ao passo que o Homem consegue se aperceber do seu “território” (ambiente de casa) essencialmente através da audição: existe um conjunto de sons que para cada um de nós são familiares: o “(...) bater diferenciado das portas, clamores, ruídos de cozinha (...)”. Podemos concluir que a este nível, não existe nada que nos distinga dos animais, ou seja, existe a partilha desta mesma faculdade.

2) Descodificação

Só neste ponto é que existe uma diferenciação do Homem com os animais. Ao realizarmos a descodificação de um determinado som que escutamos, podemos compreender a sua estrutura e com isso garantimos a faculdade da reprodução do som que acabamos de escutar.

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3) Espaço comunicacional

No acto de comunicação entre dois indivíduos, é criada uma “bolha” comunicacional onde ambos se inserem e se relacionam, uma relação social. Por outro lado, a nossa voz funciona como a nossa caligrafia: é possível tirarmos elações sobre o emissor percebendo o seu estado de espírito, a sua maneira de ser, a sua alegria ou sofrimento, enfim, o seu estado. Assim sendo, por vezes a própria voz poderá atingir-nos mais do que o conteúdo sonoro emitido. Em relação à escuta, Barthes fornece-nos uma posição bastante interessante: diz-nos que escutar é o “acto de aprender a ‘falar’ a mesma língua do emissor”, significa que deveremos adequar a nossa escuta ao emissor, primariamente compreendendo-o como pessoa para posteriormente compreender a mensagem que emite.

Poderemos concluir que a audição é a faculdade mais importante para o Homem pois esta permite-lhe a avaliação espácio-temporal, podendo ser complementada a posteriori pela visão que lhe irá fornecer mais dados para terminar o processo de compreensão.

Utilização do som pelo ser humano ao longo dos tempos 

A par da visão, a audição terá sido o sentido mais importante na origem do Homem. Através desta, o Homem tinha a capacidade de se aperceber do mundo que o rodeava principalmente dos seus inimigos. Como ser social, o Homem desde muito cedo sentiu a necessidade de comunicar e para isso usava, por exemplo, sinais sonoros como gritos, sons corporais ou batimentos com objectos rudimentares como pedras ou ramos de árvores. A intenção de produzir música veio mais tarde iniciando assim a longa história da música. As primeiras utilizações da música eram na caça, cerimónias e outros rituais utilizando no princípio apenas a voz e sons corporais e mais tarde, gradualmente foram introduzidos instrumentos como flautas, ramos de árvores perfurados, paus e pedras. Todas estas afirmações são justificadas através de outra arte: a pintura. A arte rupestre encontrada em algumas cavernas poderá dar resposta quanto à utilização de músicas e danças em ritos sociais onde também se podem encontrar fragmentos que se assemelham a instrumentos musicais.

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Nas grandes civilizações da Antiguidade, a música foi ganho mais

importância no quotidiano da população. No Egipto, a música era composta tanto no palácio do faraó como no trabalho de campo e continuava a ter importância em questões relacionadas com os rituais, como por exemplo, no culto dos mortos ou o culto dos deuses, atribuindo assim à música uma origem divina. Os instrumentos utilizados eram essencialmente a harpa, a lira, a flauta, o alaúde e instrumentos de percussão. Já na Grécia e em Roma, a música aparece associada à poesia no teatro. Esta fase é bastante importante na História da Música pela sua contribuição a nível rítmico e de notação musical.

Avançando mais uns séculos encontramos a ópera no século XVII no período Barroco e mais tarde, no início do século XX, no cinema. Apesar da diversidade de estilos, nestes exemplos encontramos a música como elemento fulcral de interpretação para o ouvinte, pois através dela o espectador sente-se imergido na acção que se encontra a decorrer e à qual está a assistir.

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A origem do som no cinema 

Há uma terminologia bastante desenvolvida na área da imagem (profundidade de campo, enquadramento, etc.), o mesmo não se passa em

relação ao som.

Arlindo Machado in “O Fonógrafo visual”

O cinema nunca foi totalmente mudo, o cinema no seu início não tinha era uma banda sonora que o acompanhasse. O facto é que o som no cinema sempre foi importante, enfatizando, criando ou até redundando climas narrativos na imagem. No cinema mudo, havia um pianista nas salas de concerto encarregado de criar estes climas nas cenas, improvisando sobre um reportório próprio conforme sentia as imagens, e que geralmente cumpriam uma função meramente ilustrativa. Mais tarde, a função do pianista foi alterada começando a ser criada uma banda sonora própria para o filme em que o pianista teria de apenas interpretar. Nas salas mais afortunadas podíamos até encontrar orquestras inteiras a tocar, muitas vezes, com referidas partituras originais para o filme.

Em 1889, Thomas Edison faz a primeira experiência de juntar som à imagem em movimento e que foi seguido pelo grafonoscópio de Auguste Baron em 1896 e pelo cronógrafo de Henri Joly em 1900, sistemas que ainda comportavam erros e falhas de sincronismo entre o som e a imagem.

O advento sonoro 

O grande advento do cinema sonoro dá-se em 1926 com um sistema denominado de Vitaphone, um sistema que projectava o filme e ao mesmo tempo reproduzia a banda sonora do mesmo. O processo consistia na gravação da banda sonora num disco de 33 rotações por minuto que posteriormente era sincronizado na altura de exibição do filme. A utilização deste tipo de disco foi considerada uma grande revolução pois o que era considerado padrão eram os discos de 78 rotações por minuto.

Este sistema permiti ue u q não existissem músicos presentes na sala de cinema na altura de exibição. No entanto, esta alteração veio transformar a

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forma como o som era tratado chegando à conclusão que o som não poderia apenas ser um acessório e que teria de adquirir uma significação verdadeira e única.

O sistema foi estreado no dia 6 de Agosto de 1926 com o filme “Don Juan”, cuja banda sonora era composta apenas por música e efeitos sonoros, mas que ainda assim causou uma grande sensação junto do público. Relatos da época descrevem-no como um verdadeiro acontecimento social que albergou também diversas curtas-metragens protagonizadas por músicos e comediantes. Apesar de tudo isto, a

grande maioria dos estúdios não acreditavam que o futuro da indústria cinematográfica estava nos filmes sonoros.

A Vitaphone, empresa responsável pelo equipamento com o mesmo nome, volta a fazer história um ano depois. No dia 6 de Outubro de 1927 estreia-se o filme “The Jazz Singer” protagonizado pelo cantor Al Jolson. Este musical foi adaptado ao cinema e continha alguns diálogos antes de cada número musical, mantendo ainda os intertítulos que existiam no

tempo do mudo.

Contudo, este sistema revelou-se ineficaz em relação a sistemas concorrentes devido ao seu processo de edição e de sincronização que era pouco fiável. A própria distribuição dos discos que continham a banda sonora era diferente da de distribuição do filme, tornando o sistema muito caro. Esse preço aumentava com a fácil deterioração dos discos que levava à necessidade de uma substituição regular. Todas estas dificuldades levaram a Vitaphone a ser ultrapassada em Março de 1930 pela gravação sonora em película, um sistema desenvolvido pela Fox conhecido como Movietone. A Warner Bros., então detentora da marca Vitaphone, manteve-a até meados da década de 40, utilizando-a como o nome da sua divisão de curtas-metragens e que se tornou conhecida pelos desenhos animados Looney Tunes e Merrie Melodies.

O som marca a década de 30 e torna-se um verdadeiro transformador da indústria cinematográfica: os escritores dos intertítulos ficam sem emprego, os actores começam a dar mais atenção à voz, os estúdios procuram no teatro actores mais expressivos para desempenhar os papéis e os guionistas foram obrigados a definir os personagens através dos próprios diálogos. A

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possibilidade de existência de som no cinema deu origem a um novo género: o musical.

O Musical 

O musical é a combinação mais perfeita da imagem em movimento e do som dando ao espectador a sensação de que viu música e ouviu imagens (SALLES). Permitiu que aparecesse estrelas como Gene Kelly, Maurice Chevalier, Fred Astaire e Ginger Rogers e títulos como “Fantasia” (1940), “Singing in the rain” (1952), “West Side Story” (1961), “Jesus Christ Superstar” (1973), entre muitos outros.

Tentando não quebrar a cronologia que tem estado a ser apresentada, o musical pode ser comparado praticamente em tudo à ópera do século XVII: a música é o fio condutor da própria narrativa. No caso da ópera Italiana, mais concretamente na ópera veneziana, “as intrigas eram um amontoado de personagens e situações inverosímeis, uma mistura irracional de cenas sérias e cómicas, servindo meramente de pretexto para as melodias agradáveis, o belo canto solístico e os efeitos cénicos surpreendentes, como nuvens transportando um grande número de pessoas, jardins encantados e metamorfoses” (GROUT). Esta afirmação demonstra que o elemento central era o som, mais do que a estrutura da narrativa, não descorando os elementos cénicos.

No caso em estudo, os musicais são, em certa medida, escravos da música, ou seja, a imagem é subversiva ao som e não o inverso, como era desde o início do cinema. O som, matéria invisível, assume um papel maior do que a imagem em movimento, matéria visível, que se deslumbra em frente ao espectador.

A  evolução 

Aos poucos, a banda sonora ganhou uma forma coerente e no final da década de 40 assistiu-se a um domínio da banda sonora sobre o género do filme em que estava presente: o cinema noir, os filmes de suspense, e os romances são cobertos de melodias mais subtis. Na década seguinte, esta subtileza é levada ao limite devido ao encurtamento da relação entre o realizador e o compositor. Note-se que esta visão é relativa aos filmes Americanos visto que na Europa esta prática já era relativamente comum.

Em 1959/60, inicia-se uma nova era no mundo do cinema sonoro: dá-se o início do registo síncrono de imagem e som com equipamento portátil (16mm). Fazendo um pequeno aparte, creio que seja necessário analisar uma questão em relação ao uso do som no cinema: para que o cinema tenha som, é necessário que existe uma base de trabalho – a tecnologia – esta é criada em função da necessidade dos realizadores ou os realizadores aproveitaram essa

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tecnologia e introduziram-na nos filmes? Em verdade, foram os realizadores que impulsionaram a construção de possibilidades técnicas, nomeadamente para os filmes do género documental. “O registo síncrono de imagem e som (…), trata-se da gravação em simultâneo de imagem e som com equipamento portátil”, permitindo “a criação de filmes diferentes e alternativos aos anteriores”, ou seja, poderemos tomar o cinema documental como um todo e afirmar que “o uso da tecnologia está, antes de mais, ao serviço das ideias e do estilo de cada autor” (PENAFRIA).

Nos anos 60 e 70, a tendência dos musicais evidencia-se novamente no cinema. São transportados os géneros musicais principais da época para o cinema como é o caso do Rock and Roll e da Pop, dando origem a musicais como “Jesus Christ Superstar” e “Hair”.

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Sistemas de áudio nas salas de cinema 

Após o registo do som, é necessário levá-lo ao espectador. As condições de recepção também são importantes como forma de imersão do espectador na narrativa fílmica.

Como vimos anteriormente, o Vitaphone era um sistema com um único canal de áudio que apenas permitia ao espectador uma pequena excitação sonora. Era necessário alterar essa tendência e, em 1940, com “Fantasia”1 de Walt Disney e “Santa Fé Trail” de Michael Curtiz surge um sistema de som estéreo. Apesar da novidade e evolução, este novo sistema não causou grande impacto sobre o público nem era frequente senão a partir dos anos 50.

Em 1953, a 20th Century Fox, com base no trabalho de Henry Chretien que tinha inventado um sistema de lentes que permitiam fotografar num ângulo de 180º, aplicou o conceito ao cinema desenvolvendo uma câmara que permitia filmar mais informação compactando-a na película através de lentes anamórficas. A projecção de filmes era feita com projectores equipados com o mesmo sistema que funcionava de forma inversa, estendendo a imagem projectando-a numa tela de grandes dimensões. Isto despontou a concepção de som multicanal, distribuído por diversas áreas do ecrã e da sala. O estéreo presente nestes filmes de grande formato era constituído por três canais gravados em pistas magnéticas diferentes na película, fornecendo uma grande qualidade sonora, envolvendo o espectador.

Uns anos mais tarde, mais concretamente em 1975, é lançada uma nova tecnologia: o Dobly Stereo. Foi pela primeira vez utilizado na projecção de “Tommy” de Ken Russel. Este sistema, face ao anterior, tinha mais um canal sendo então composto pelo canal da esquerda, da direita, do centro e o surround. A nível de imersão do espectador, este é um sistema bastante importante visto que cada um dos canais tinha uma função específica: o canal central é utilizado para fixar os diálogos no centro da tela de projecção, os canais laterais servem para distinguir a origem do som e o surround é utilizado para som ambiente ou para os efeitos especiais. Com esta distinção de canais, é possível que um espectador que se encontre num dos extremos da sala continue a ouvir os diálogos no centro e não do canal lateral mais próximo.

Com o advento das tecnologias, o digital sobrepõe-se ao analógico e em 1991 a Kodak lança a primeira experiência com som digital no filme “Terminator

1 A título de curiosidade, na estreia de “Fantasia”, a Disney e a RCA desenvolveram um sistema de 90 altifalantes para o cinema da Broadway para a noite de estreia.

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2: Judgement Day” de John Cameron. A este formato deu-se o nome de Cinema Digital Sound que, apesar de ser um ponto importante na evolução dos sistemas sonoros em salas de cinema, fracassou comercialmente devido à pouca fiabilidade da reprodução, mas, principalmente, devido à inexistência de uma pista analógica que funcionasse como backup do sistema. Isto é, qualquer falha causava o desaparecimento total do som.

Nos dias de hoje existem três sistemas que abundam no mercado:

• Dolby Digital

Surgiu no mercado em 1992 com o filme “Batman Returns” de Tim Burton e permite a reprodução de seis canais de som digital: esquerda, direita, centro, surround esquerdo, surround direito e subwoofer. Este último canal tem uma amplitude de frequências limitada, e é por isso que se costuma dizer que o sistema possui 5.1 canais. O descodificador digital pode ser utilizado como interface de um sistema Dolby analógico pré-existente. O filme contém uma faixa com a mistura sonora analógica, permitindo a reprodução em salas equipadas com processadores Dolby Stereo ou Dolby SR. Esta faixa analógica funciona também como backup em salas equipadas com som digital, sempre que há alguma falha no sistema.2

• Digital Theater System (DTS)

Sistema desenvolvido pela NuOptix, Inc., que se estreou-se em 1993 com o popular “Jurassic Park”, de Steven Spielberg. Este sistema de seis canais de som surround digital pode também ser a adaptado a outros processadores já existentes, e distingue-se por recorrer a discos compactos para a reprodução do som, já que usa a compressão de dados mais baixa de todos os sistemas: 3:1. O filme possui uma faixa – "timecode" – que permite a sincronização da imagem projectada com o som digital, frame a frame, de forma que, mesmo que surja alguma falha, o som nunca perde essa sincronia. O sistema possui um buffer que lê um pouco à frente do que está de facto a ser reproduzido, e, em falhas, entra em acção a faixa analógica de backup, esta sim impressa na película. O processo analógico é conhecido por DTS Stereo e é compatível com Dolby Stereo.2

2 http://www.cinedie.com/som.htm

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• Sony Dynamic Digital Sound (SDDS)3

Surgiu em 1993 com o filme “Speed” de Jan De Bont, em que a Sony introduziu este sistema com a possibilidade de reprodução de oito canais de som digital, mas assegurando compatibilidade com a generalidade dos sistemas, mesmo que utilizem quatro ou seis canais. O SDDS é adequado para grandes auditórios já que utiliza cinco canais por detrás do ecrã: esquerda, centro esquerda, centro, centro direita e direita. Tal como o Dolby Digital, a informação sonora é gravada na película, onde, como nos outros sistemas, também reside a faixa analógica de backup (compatível com sistemas de reprodução Dolby Stereo).

Todos estes passos na evolução dos sistemas de áudio nas salas de cinema são importantes, mas a sua teoria não é uma invenção do século XX. Um dia Lavoisier disse: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, e na natureza do som e da imersão do espectador na narrativa também se passa o mesmo.

Voltando ao passado, novamente ao século XVII, a escola veneziana volta a “dar cartas”, desta vez na música sacra. O Grande Concerto era um tipo de composição que por vezes tomava dimensões colossais e numerosos compositores deste período escreveram música sacra para enormes conjuntos de cantores e instrumentistas. A figura mais importante desta forma foi, sem dúvida, Orazio Benevoli (1605-1672) que compôs uma missa festiva para ocasião da consagração da catedral de Salisburgo em 1628 que requereu “dois coros a oito vozes com solistas; cada coro conjugado com três combinações instrumentais diferentes e cada um tem o respectivo baixo contínuo; há, além disso, um terceiro baixo contínuo para todo o conjunto. Esta formidável partitura comporta cinquenta e três pautas”. Mais tarde na década de 1640, aparecem na Basílica de S. Pedro de Roma composições de Benevoli com uma estrutura mais “leve” do que o exemplo anterior, mas que ainda assim de grande envergadura. Estas obras são escritas para “três, quatro ou mais coros, dotados de um baixo cifrado para órgão, mas que podem ser igualmente cantados sem acompanhamento” (GROUT).

O facto mais interessante destas obras para o estudo em questão é outro. Para além do número de executantes, que deveriam produzir uma incrível massa sonora humana, estes não se encontravam todos no mesmo local: “Os coros eram dispostos em pontos e níveis diferentes da ampla basílica de S. Pedro, de modo que os ouvintes sentiam-se envolvidos por música proveniente de todas as direcções – uma concepção verdadeiramente

3 http://www.cinedie.com/som.htm

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grandiosa, ilustrando uma faceta importante do gosto artístico deste período” (GROUT). Comparando com a actualidade, não é o que podemos encontrar nas salas de cinema? Colunas espalhadas pela sala, dispostas em pontos e níveis diferentes? Canais diferentes para sons agudos e graves?

O que importa verdadeiramente neste ponto, é que o Homem sente a necessidade se sentir emergido, se não totalmente pelo menos perto disso, na narrativa que está a assistir, quer seja numa missa do século XVII quer seja num filme de terror do século XXI.

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Sensações humanas recebidas (tomando o exemplo do trabalho sonoro de John Williams para a saga "Star Wars") 

Compor para cinema pode ser (financeiramente) recompensador, mas é também uma agonia.

John Williams in New York Times, 25 de Maio de 1975

Já argumentei sobre o nascimento do som no cinema e sobre a forma que o mesmo é emitido nas salas de cinema. Falta falar na ligação entre a massa invisível – o som – e o espectador. Como é que o som nos transmite uma determinada sensação?

Stuart Kamenetsky, David Hill e Sandra Trehub, no seu estudo “Effect of Tempo and Dynamics on the Perception of Emotion in Music”, apresentam dois teóricos que tentam explicar as sensações ligadas à música: Peter Kivy e Stephen Davies. Kivy afirma que “uma peça de música é triste da mesma forma que a expressão de um São Bernardo o é”, no entanto, reconhecemos que a sua expressão é eventualmente triste, “mas não dizemos que o cão é triste”. Já Davies argumenta que “por vezes, os ouvintes transportam os seus sentimentos para a música que estão a ouvir”. Estes dois teóricos concordam que a expressividade da música encontra-se mais nela própria do que no compositor ou no ouvinte, daí denominarmos a música como linguagem universal.

Mas se é linguagem universal, porque é que ao ouvirmos uma determinada melodia tiramos uma dada elação que os outros não tiram? Porque difere de pessoa para pessoa se o seu carácter é comum a todos os seres humanos? De facto, a própria estrutura da música, a forma como ela é composta, é que nos transmite essas sensações, mas existem variáveis humanas que condicionam o processo de escuta como a idade e o sexo do ouvinte.

Antes de avançar para uma análise mais profunda, gostaria apenas de explicitar um assunto que ainda não foi abordado relativo ao aparecimento ou desenvolvimento de sentimento musical. Existiram duas fases importantes na história da música que são bastante importantes na música actual: o Barroco (1600-1750) e o Romântico (1820-1910). Apesar de terem formas diferentes, diferem mais ao nível do tempo da música (velocidade) e às dinâmicas (variação de intensidade sonora, ou volume). Só na altura do Barroco Tardio é que existiram compositores a utilizar dinâmicas diferentes ao longo de uma peça, um deles Bach no final da sua carreira. Anteriormente, os compositores

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não alteravam a dinâmica nem o tempo ao longo da mesma peça, facto que só começou a ser utilizado no período Romântico.

Voltando às variáveis humanas, Terwogt e Van Grinsven (1991), por exemplo, determinaram que ouvintes da mesma faixa etária e da mesma cultura, chegaram aos mesmos resultados sobre as mesmas melodias apresentadas em termos de felicidade, angustia, tristeza, calma e agitação.

Outros teóricos musicais, tentaram relacionar interpretações emocionais com elementos particulares da música, assumindo que peças com um tempo rápido e com valores rítmicos inconstantes tendem a ser interpretadas como felizes ou agradáveis, peças com valores rítmicos constantes tendem a ser interpretadas como sacras ou sérias, peças com articulações bastante marcadas (staccato) a ser interpretadas como energéticas em contraste com articulações mais ligadas (legato) a serem mais pacíficas ou gentis.

Através do exemplo acima apresentado, excerto do Prelúdio n.º 13 em Fá# Maior da obra “O Cravo Bem Temperado” de Bach, é possível verificar o que foi dito anteriormente. Por debaixo da pauta, encontramos dois esquemas: um representando o tempo (tempo) e outro representando a dinâmica (dynamics) da melodia.

• Tempo – O tempo não é constante ao longo da melodia. É composta por diversos ritenutos, a tempo e accelerandos, como se pode ver pelas indicações dadas acima da pauta – isto significa um ligeiro abrandamento do tempo, um regresso ao tempo e uma aceleração do tempo da melodia respectivamente. Essa variação é visível no gráfico do tempo, sendo que o traço horizontal representa o tempo original da melodia.

• Dinâmica – No meio desta pauta dupla, existem indicações de dinâmica como mf, crescendos e diminuendos, f, mp, p e ff. As letras significam diferentes níveis de amplitude sonora (sendo mf mezzo-forte, f forte, mp mezzo-piano, p piano e ff fortissimo) e os crescendos e diminuendos, aumentos e diminuições dessa mesma amplitude sonora. O gráfico de dinâmica representa perfeitamente essas variações.

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Resumindo, temos presente uma melodia com tempo inconstante (e por

sinal, bastante variável) e com dinâmicas também variáveis. Seguindo as indicações dadas antes de começar a análise deste excerto, esta música, a nível do tempo, corresponderia a uma música alegre ou agradável. A nível da dinâmica, deveremos interpretá-la como um acessório, tal como quando assistimos a uma conferência e o orador faz diversas inflexões no seu discurso para não correr o risco de se tornar monocórdico e saturar o público, na música funciona da mesma maneira: a dinâmica serve para prender a atenção do ouvinte, para prepará-lo (ou não) para o que virá a seguir e para o situar no enquadramento da melodia (uma parte piano significará uma parte suave em contraposição com uma parte forte).

John Williams 

Um dos compositores mais importante (senão o mais importante) do mundo sonoro do cinema é John Williams. John é o melhor exemplo vivo de transmissão de sentimentos através da banda sonora. Nasceu em 1932 em Nova Iorque e é o segundo mais premiado na história da música do cinema, ficando apenas Walt Disney à sua frente.

Iniciou o seu trabalho de composição musical em 1952 na série de televisão “Today”, e só em 1959 começa a trabalhar no mundo cinematográfico no filme de série B “Daddy-O” do realizador Lou Place, apesar de o seu nome não aparecer nos créditos do filme. O seu nome aparece pela primeira vez no filme “Because They’re Young” (1960) de Paul Wendkos.

Devido ao seu passado ligado ao jazz, ao piano e à música sinfónica, começou a ganhar notoriedade em Hollywood pela sua versatilidade em compor nestes géneros, facto que lhe valeu a sua primeira nomeação aos Óscares em 1967 no filme “Goodbye, Mr. Chips”. John só conseguiu arrecadar este prémio em 1971 com o filme “Fiddler on the Roof” e iniciou a sua projecção no mundo do cinema, sendo considerado um dos melhores compositores da década de 70.

Em 1974 começa a trabalhar com o realizador Steven Spielberg no filme “The Sugarland Express”. Mais tarde, Steven Spielberg recomenda John a George Lucas visto que este estava a necessitar de um compositor para o seu filme “Star Wars”, produzindo uma das músicas mais marcantes da história do cinema e com ela veio mais um Óscar (o seu terceiro).

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Pouco tempo depois, em 1980, voltou a compor para a sequência do

filme "Star Wars: The Empire Strikes Back", onde John introduziu a famosa "The Imperial March", um tema para o surgimento do vilão Darth Vader. A trilogia de "Star Wars" foi concluída em 1983 com o filme "Return of the Jedi" quando Williams compôs o tema "Emperor´s Theme" e o climático "The Final Due". Ambas as músicas foram indicadas ao Óscar daquele ano.

Em 1999 voltou novamente a trabalhar com George Lucas que resolveu lançar as sequências da trilogia original de “Star Wars: The Phantom Menace" (1999), "Attack of the Clones" (2002) e "Revenge of the Sith" em 2005. John criou praticamente todas as músicas para todas as séries de "Star Wars" e, só para se ter uma pequena noção do trabalho dele, se todas as músicas dos seis filmes fossem compiladas num CD, elas somariam mais de 14 horas de execução.

Existem outras participações noutros filmes com outros realizadores que optei por omitir pois esta parte da análise incide apenas na saga “Star Wars”. No entanto, creio que seja importante rever os prémios e nomeações alcançadas por John Williams ao longo do tempo:

Prémios e nomeações 

Prémio  Nomeado  Vencedor (categoria(s)) Óscar  40  5 (4 x Best Music, Original Score; 1 x Best Music, 

Scoring Adaptation and Original Song Score) Academy of Science Fiction, Fantasy & Horror Films 

8  8 (7 x Best Music; 1 x Lifetime Achievement Award) 

American Movie Award  –  1 (Special Marquee) BAFTA Awards  4  7 (4 x Anthony Asquith Award for Film Music; 3 x 

Best Score) BMI Film & TV Awards  –  28 (24 x BMI Film Music Award; 2 x Special 

Recognition; 1x Richard Kirk Carrer Achievement Award; 1 x News Special Tribute Award) 

Broadcast  Film  Critics Association Awards 

1  3 (2 x Best Composer; 1 x Best Score) 

Chicago  Film  Critics Association Awards 

2  – 

Csapnivalo Awards  1  – Emmy Awards  3  1 (1 x Outstanding Original Main Title Theme 

Music) + 2* (2 x Outstanding Achivement in Music Composition) 

Golden Globes  17  4 (4 x Best Original Score – Motion Picture) Grammy Awards  21  10 (1 x Best Score Soundtrack Album for Motion 

Picture;2 x Best Instrumental Composition Written for a Motion Picture; 7 x Best Album of Original 

Score written for a Motion Picture) 

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Las  Vegas  Film  Critics Society Awards 

1  1 (1 x Best Score) 

Los  Angeles  Film  Critics Association Awards 

–  1 (1 x Best Music) 

National Board of Review  –  1 (1 x Carrer Achievement Award) Online  Film  Critics  Society Awards 

5  – 

Phoenix  Film Critics Society Awards 

3  – 

Razzle Awards  1  – Satellite Awards  3  – ShoWest Awards  –  1 (1 x Maestro of the Year) World Soundtrack Awards  8  4 (1 x Best Original Soundtrack of the Year; 2 x 

Public Choice Award; 1 x Composer of the Year)      Totais  118  76 Totais  arrecadados  com  a saga “Star Wars” 

12 (10,2%) 

11 (14,5%) 

* Prémios referentes a televisão

Exemplos práticos 

A forma ideal para entender melhor o trabalho de John Williams é analisar a sua obra. Para tal, decidi escolher alguns exemplos de composições feitas para a saga “Star Wars”, dos quais irei fazer uma análise detalhada.

• Main Theme ( 1)

Esta melodia é o tema principal da saga, encontrando-se portanto em todos os episódios. É um elemento fundamental pois enquadra o filme, desde o início, no conjunto dos outros filmes formando-se assim a saga. É também importante devido ao impacto que cria no espectador sendo assim o primeiro “transporte” do espectador para o mundo cinematográfico.

Quanto à sua forma, a melodia encontra-se dividida em quatro partes distintas:

o 00:00 – 00:26 – Enquanto visionamos o aparecimento do logótipo “Star Wars”, surge uma melodia com um tempo relativamente lento e de dinâmica forte, com instrumentos de metal como as trompetes e trombones em “primeiro plano” e de linhas harmónicas essencialmente ascendentes. A percussão e os instrumentos mais graves apresentam um papel também importante devido ao ritmo bastante marcado e sincopado (semelhante a um tempo irregular), dando uma ideia de movimento. Todos estes aspectos levam o espectador a pensar

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que se encontra diante um hino ou uma marcha militar, isto devido ao seu ritmo marcante e de dinâmica alta.

o 00:27 – 01:08 – Neste ponto, o espectador encontra-se a ler o intertítulo inicial que o situa na narrativa. Surge, numa primeira fase, uma mudança na dinâmica passando a ser piano e uma utilização de instrumentos de corda que são mais suaves do que os instrumentos de metal utilizados até então; Numa segunda fase, existe uma variação da primeira secção mas desta vez com instrumentos de metal mais graves, utilizando os sons mais graves do âmbito da melodia (sendo âmbito o conjunto de frequências ouvidas numa melodia, desde o som mais grave até o som mais agudo).

o 01:09 - 01:30 – Nesta parte, o compositor leva-nos a fazer uma mudança de local, fazendo a passagem para uma outra dimensão. Esta sensação é dada através da percussão e instrumentos graves, que se assemelham a um cavalgar, seguidos por instrumentos mais agudos executando um trecho com linhas rápidas ascendentes e descendentes. Finalmente, chegados à referida dimensão, sentimos que é um local calmo e ligado a uma entidade superiora, sensação dada através do solo de flautim, que já por si é considerado um instrumento com uma forte ligação com o mundo divino e pela melodia que apresenta que é calma, de dinâmica piano e com um ritardando no tempo da melodia.

o 01:31 – 02:12 – A melodia volta a ser novamente mais agitada e com linhas melódicas rápidas ascendentes e descendentes, relembrando a passagem de dimensão feita anteriormente. Através da sequência seguinte, com instrumentos graves e percussão desacelerando o tempo, faz com que o espectador sinta que passou do céu para o inferno, representando no âmbito do filme a facção do Bem contra a do Mal. O tempo volta a aumentar com a marcação viva da percussão, acompanhada pelas trompetes (munidas de surdina) que executam novamente o tema da melodia, dando a ideia de que o combate vai começar devido à não apresentação total do referido tema. A melodia termina com um som constante do violoncelo, colocando o espectador com expectativa do que se irá passar a seguir.

• Bounty Hunter's Pursuit ( 2)

Esta melodia surge no episódio II da saga, no seguimento de uma perseguição (01h03m40s) e só surge no momento em que a acção da cena atinge o ponto mais elevado, após 02m22s.

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BOBA FETT: You got him! JANGO FETT: We'll just have to finish him.

Este é o diálogo que surge antes do início da referida melodia, que traduzindo, nos indica que o perseguidor irá acabar com o perseguido. Assim sendo, a narrativa torna-se mais densa e é enriquecida com a melodia que dá uma outra sensação que a imagem não dá, ou seja, visualmente trata-se apenas de uma perseguição em que o perseguido cumpre apenas a mera função de fugir e se esconder do perseguidor, a nível auditivo, a sensação é intensificada e onde o espectador é colocado na mesma nave do perseguido. Essas sensações são dadas da seguinte forma:

o 00:00 – 00:48 – O “torpedo” é lançado através da percussão e de diversos instrumentos graves e o medo e contornos físicos são dados pelo conjunto de linhas rápidas ascendentes e descendentes de violinos, sendo as mais preponderantes as descendentes, que indica ao espectador que algo não está bem: neste caso, o Bem está em apuros e tem dificuldade em escapar aos ataques do Mal.

o 00:49 – 02:45 – O espectador não sabe o que aconteceu à personagem representante da facção do Bem (Obi-Wan), mas sente que existe um fim devido à alteração da dinâmica para piano. A revelação é feita através de uma linha ascendente da harpa, seguida de uma virtuosa passagem da trompa (instrumento que esteve sempre ligada à caça) que nos indica que o combate ainda não terminou e que volta a surgir a esperança. Toda a restante melodia é bastante ténue representando a procura do herói no local onde aterrou a sua nave. A sua intenção é passar despercebido e como tal, a música revela a atitude do personagem que, a medo, explora o local.

De notar que a análise é respeitante à presença da melodia no filme e assim sendo, a última melodia não foi analisada até ao final (03:23).

• The Imperial March ( 3)

Esta melodia é possivelmente a mais conhecida pelos espectadores, depois do tema principal da saga (Main Theme). Gostaria apenas de chamar a atenção para que não se confunda esta melodia com a que aparece no episódio IV – Imperial Attack – onde Dark Vader aparece. De facto, The Imperial March, ou A Marcha do Império, tem contornos semelhantes a Imperial Attack, visto que a personagem também aparece e criando assim uma sensação de familiaridade entre episódios e um referente para o espectador.

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O imponente ritmo sentido ao longo da melodia pela percussão e

pelas notas graves bastante marcadas fazem jus ao nome de marcha. O encaminhamento das linhas melódicas descendentes aproxima o espectador a uma realidade do Mal.

A presença da percussão nesta melodia é fundamental em dois aspectos: primeiro porque se trata de uma marcha e nas marchas quem marca o tempo é a percussão; segundo pois estão presentes os tímbales, instrumento que ao longo dos séculos acompanhou as ofensivas históricas, sobretudo na Idade Antiga e Média.

Os instrumentos de metais têm também uma importância histórica como temos vindo a notar nesta análise. Nesta melodia, isso não é excepção e temos concentrados um conjunto de instrumentos ligados às conquistas, batalhas e caças como as trompetes, as trompas e os trombones.

Depois de terminada esta análise, resta saber qual a importância ou o contributo de John Williams para que esta saga seja um sucesso em diferentes aspectos, um deles a banda sonora.

Existem duas questões que coloquei na introdução deste trabalho e que nesta fase me parecem pertinentes: O som complementa a imagem ou é a imagem que está ao serviço do som? Creio que no caso em causa exista um jogo constante de mutação, ou seja, existem cenas em que o som surge como um acessório ou duplicador de sentidos já transmitidos pela imagem e existem outros casos em que a imagem se não estiver munida do som não terá o mesmo sentido, como são os casos analisados Bounty Hunter's Pursuit e The Imperial March; a outra questão é se Poderemos afirmar que existe um filme sonoro dentro dos filmes? Star Wars não é uma saga mas sim sem dúvida duas sagas. O trabalho de John Williams é deveras excepcional e isso consegue-se comprovar escutando todas as bandas sonoras lançadas da saga Star Wars. A sensação é única pois conseguimos reproduzir na nossa mente todos os filmes só ao escutá-las.

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Conclusão 

Continuando a responder a questões levantadas na introdução, a verdadeira importância do som no cinema é, ao contrário do que os grandes génios pensavam no início do cinema sonoro, o som não só se tornou um complemento para a imagem como também se tornou numa nova forma de narrar e enriquecer a sétima arte. No entanto, neste casamento feliz é necessário ter em atenção a implementação do som no filme para que a obra musical não seja maior do que o filme onde se encontra inserida. Nesse sentido creio que John Williams trabalha sempre no “fio da navalha” na medida em que a sua obra é generosamente magnífica mas que no entanto não obscura a obra visual de George Lucas.

Com a música pode-se criar qualquer mundo para que a imagem seja credível e nesse sentido, o departamento musical de um filme tem o mesmo trabalho que o departamento de fotografia. No entanto, o som toma posse de uma posição nata e privilegiada conseguindo que o filme tenha impacto como é possível de ser observado nas comédias: quantas vezes é que uma comédia tem uma determinada cena triste que é irrompida por uma música de carisma alegre ou vice-versa? A imagem visível não é totalmente sobreposta pelo imaterial, mas creio que seja parcialmente sobreposta pois, caso contrário, esse tipo de cenas que citei não teriam qualquer sentido e não se tornariam clichés.

Já vimos como é que o cinema lidou com o aparecimento do som ao longo da história, mas como será para o futuro? Existirão novas formas de o som poder influenciar a imagem? Sinceramente creio que não, mas a verdade é que antes de o cinema ser a cores ninguém pensou que a imagem sofresse essa alteração. A única alteração que considero verdadeiramente possível é na introdução de novos sistemas de som em salas de cinema que consigam ainda mais que o som seja um indiscutível elemento de emersão na narrativa fílmica.

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Bibliografia 

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