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A Delação Ou Colaboração Premiada por Gilson Dipp

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    Gilson Dipp

    A DELAO OU COLABORAO PREMIADA

    Uma anlise do instituto pela interpretao da lei.

    Instituto Brasiliense de Direito Pblico IDP Braslia 2015

  • 3

    Conselho Editorial:

    Presidente: Gilmar Ferreira Mendes (IDP) Secretrio Geral: Jairo Gilberto Schfer (IDP) Coordenador-Geral: Walter Costa Porto (Instituto Federal da Bahia) 1. Adriana da Fontoura Alves (IDP) 2. Alberto Oehling de Los Reyes (Madrid) 3. Alexandre Zavaglia Pereira Coelho (PUC-SP) 4. Arnoldo Wald (Universidade de Paris) 5. Atal Correia (IDP) 6. Carlos Blanco de Morais (Faculdade de Direito de Lisboa) 7. Carlos Maurcio Lociks de Arajo (IDP) 8. Everardo Maciel (IDP) 9. Felix Fischer (UERJ) 10. Fernando Rezende 11. Francisco Balaguer Callejn (Universidade de Granada) 12. Francisco Fernndez Segado (Universidad Complutense de Madrid) 13. Ingo Wolfgang Sarlet (PUC-RS) 14. Jorge Miranda (Universidade de Lisboa) 15. Jos Levi Mello do Amaral Jnior (USP)

    16. Jos Roberto Afonso (USP) 17. Julia Maurmann Ximenes (UCDAVIS) 18. Katrin Mltgen (Faculdade de Polticas Pblicas NRW - Dep. de Colnia/Alemanha) 19. Lenio Luiz Streck (UNISINOS) 20. Ludger Schrapper (Universidade de Administrao Pblica do Estado de Nordrhein-Westfalen) 21. Marcelo Neves (UnB) 22. Maria Alicia Lima Peralta (PUC-RJ) 23. Michael Bertrams (Universidade de Munster) 24. Miguel Carbonell Snchez (Universidad Nacional Autnoma de Mxico) 25. Paulo Gustavo Gonet Branco (IDP) 26. Pier Domenico Logroscino (Universidade de Bari, Italia) 27. Rainer Frey (Universitt St. Gallen) 28. Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch (USP) 29. Rodrigo de Oliveira Kaufmann (IDP) 30. Rui Stoco (SP) 31. Ruy Rosado de Aguiar (UFRGS) 32. Sergio Bermudes (USP) 33. Srgio Prado (SP) 34. Teori Albino Zavascki(UFRGS)

    _______________________________________________________________

    Uma publicao Editora IDP

    Reviso e Editorao: Ana Carolina Figueir Longo

  • 4

    DIPP, Gilson. A delao ou colaborao premiada: uma anlise do instituto pela interpretao da lei. Braslia : IDP, 2015. Disponvel no http://www.idp.edu.br/publicacoes/portal-de-ebooks 80 p. ISBN 978-85-65604-57-4 DOI 10.11117/9788565604574 1. Jurisdio Constitucional Brasil. 2. Norma Jurdica I. Ttulo.

    CDD 341.2

  • 5

    PREFCIO

    Desde muito tempo as expresses crime organizado, organizaes

    criminosas e, enfim, delao premiada deixaram de ser unicamente parte do

    vocabulrio dos juristas, tornando-se elementos-chave em manchetes dos

    principais meios de comunicao em nosso pas.

    De fato, e infelizmente, em especial a partir de operaes policiais

    de sugestivos nomes, cada vez mais comum vermos holofotes apontados

    sobre formas indevidas de obteno vantagens que acabaram (e acabam)

    interligando os sistemas da poltica e da economia em esquemas bem pouco

    republicanos.

    Nesta toada, a presente obra que nos entrega o Ministro Gilson Dipp

    no poderia ter chegado em melhor hora pois, para alm do sentido e razo de

    cunho jurdico que, como si acontecer, carrega, traz consigo o condo de

    lanar luzes em diversos pontos ainda carentes de esclarecimento sobre um

    dos institutos mais registrados pelos meios jornalsticos nos ltimos meses: a

    delao premiada.

    Incorporado ao ordenamento ptrio desde os anos noventa o

    instituto da delao premiada (ou colaborao premiada, como agora passa a

    ser conhecida) nasceu com o fito de propiciar tanto o descobrimento de

    infraes penais, quanto a identificao da autoria e participao de agentes

    em situaes singularmente complexas que, no mais das vezes, envolvem

    organizaes criminosas cujas estruturas de comando e modus operandi

    dificultam a persecuo penal.

    Em uma viso panormica de nossa ordem jurdica na esfera penal

    e processual penal, percebe-se que seja na j revogada Lei 9.034/95, que

    dispunha sobre a utilizao de meios operacionais para a preveno e

    represso de aes praticadas por organizaes criminosas; seja,

    exemplificativamente, na alterao da Lei 7.492/86, que define os crimes contra

    o sistema financeiro nacional; ou, ainda, na Lei 8.137/90 que, por seu turno,

  • 6

    prev os crimes contra a ordem tributria, econmica e contra as relaes de

    consumo, benefcios aos delatores foram sendo internalizados em diferentes

    tipos normativos.

    Todas previses legislativas essas que, se de um lado demonstram

    a preocupao poltico-criminal em aparelhar a investigao e o processo

    penal, de outro provocam intensas reflexes quanto acomodao do instituto

    na prxis policial, ministerial e judiciria.

    Turbulncias parte, em especial no que diz respeito crtica

    doutrinria que busca fulminar a prpria existncia da delao sob um

    fundamento tico, o fato que a colaborao persiste em nosso ordenamento,

    tendo recebido novo trato a partir da Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013.

    Tendo como especial foco, como muito bem esclarece o autor, a

    organizao criminosa, o crime organizado, a colaborao premiada

    caracteriza-se como um evento de natureza processual incidental ao

    procedimento investigatrio ou ao processo criminal, seja antes da instaurao

    da ao penal ou ainda na fase de inqurito, e at mesmo aps a sentena ou

    em fase de execuo.

    Em linhas gerais, dispondo sobre direito material e direito

    processual, a lei, no que toca colaborao, estabelece que o juiz poder, em

    benefcio daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a

    investigao e com o processo criminal, a requerimento das partes, conceder

    perdo judicial, reduzir em at 2/3 (dois teros) a pena privativa de liberdade ou

    substitu-la por restritiva de direitos.

    Com a lei pretende-se reforar a tutela a bens jurdicos pelo auxlio

    prestado por um agente conhecedor intrnseco do engendre criminoso a partir

    de sua deciso voluntria de colaborar. Ou seja, trata-se de um

    comportamento que parte de uma deciso do prprio agente, que pode no ser

    espontnea, mas que sempre livre. Sendo, neste diapaso, importante e

    fundamental para o acordo, portanto, que haja: um, a renncia ao silncio pelo

    colaborador, e seu consequente compromisso de dizer a verdade; e, dois, por

  • 7

    bvio, a assistncia de seu defensor em todos os momentos, inclusive para

    renunciar defesa pessoal negativa.

    Vale ressaltar que, como aponta o autor, a lei no cogitou de relato

    crtico ou juzo de valor da colaborao, o que, entretanto, como o mesmo

    tambm assevera, parece ser intuitivo, vez que desse relato decorrer a

    valorizao objetiva da colaborao.

    Por sinal, e como tambm aponta o autor em seus comentrios,

    pelo relato da colaborao, e seus resultados, que ser possvel desde logo

    apurar a efetividade da mesma, a qual ficar sujeita ao juzo do Ministrio

    Pblico e da autoridade policial e, claro, da reavaliao pelo magistrado por

    ocasio da homologao.

    Importante que se diga que a colaborao dever resultar, separada

    ou conjuntamente, na identificao dos demais coautores e partcipes da

    organizao criminosa e das infraes penais por eles praticadas; na revelao

    da estrutura hierrquica e da diviso de tarefas da organizao criminosa; na

    preveno de infraes penais decorrentes das atividades da organizao

    criminosa; na recuperao total ou parcial do produto ou do proveito das

    infraes penais praticadas pela organizao criminosa; ou, ainda, na

    localizao de eventual vtima com a sua integridade fsica preservada.

    Como observa-se a lei 12.850 aumentou os benefcios concedidos

    ao colaborador, prevendo, no apenas reduo de pena, como tambm perdo

    judicial e substituio da pena corprea por pena restritiva de direitos. Ampliou

    significativamente o rol de resultados para a concesso de possveis

    benefcios. E, alm disso, tanto estabeleceu direitos ao colaborador, como

    instituiu requisitos de validade do termo de acordo da colaborao.

    Em sntese, e como encerramento deste prefcio cujo convite me

    honrou mais do que o merecido, alentador doutrina brasileira receber as

    aclaradoras linhas preenchidas pela pena do eminente Ministro Gilson Dipp

    sobre esse instituto que, como bem ele prprio esclarece, a prxis judiciria

    acabou por construir, mas que, logicamente, dever ser harmonizado no

  • 8

    conjunto dos propsitos e limites legais que disciplinam e orientam a

    instaurao da ao penal correspondente ou os da investigao quando

    existentes.

    Braslia, dezembro de 2014.

    Profa. Dra. Soraia da Rosa Mendes

    Professora Titular do Programa

    Mestrado em Direito do Instituto

    de Direito Pblico IDP.

  • 9

    A DELAO OU COLABORAO PREMIADA

    Uma anlise do instituto pela interpretao da lei.

    A delao premiada, denominao popular da chamada

    colaborao premiada instituda pela Lei n 12.8501, de 2 de agosto de 2013, e

    fruto de progressiva formalizao pelos magistrados de competncia criminal

    ao longo de vrios anos no trato da criminalidade organizada, tanto na rea

    federal quanto na justia estadual com inspirao no direito comparado. Para

    esse efeito, os juzes foram elaborando conceitos e procedimentos a partir das

    necessidades da prtica processual que permitissem a adoo de colaborao

    negociada entre acusao e defesa a respeito de condutas criminosas ou

    ilcitos penais de acentuada gravidade, praticados por organizao criminosa

    ou atravs dela. Essa colaborao, como meio de obteno de elementos de

    prova, tem por propsito promover a rpida apurao dos ilcitos e de modo

    clere a aplicao das punies correspondentes em face de condutas de

    difcil comprovao. Nesse aspecto, vale conferir recente julgado do Supremo

    Tribunal Federal no HC 90.688-PR (Rel. Lewandowski, 1 T, DJe 25.04.2008,

    maioria, II Sigilo do acordo de delao que, por definio, no pode ser

    quebrado) a respeito do pretendido direito a acesso ao teor do acordo de

    delao premiada. Nessa ocasio a Corte fixou entendimento de no constituir

    esse documento meio de prova mas meio de obteno dela assim no se

    submetendo necessariamente ao contraditrio ou ampla defesa, podendo

    manter-se sobre ele o sigilo s demais partes (no envolvidas no acordo) ou

    interessados, enquanto conveniente para a instruo ou at que a lei o

    dispense.

    1 Define organizao criminosa e dispe sobre a investigao criminal, os meios de obteno

    da prova, infraes penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848,

    de 7 de dezembro de 1940 (Cdigo Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e d

    outras providncias

  • 10

    Na lei, a disciplina da colaborao premiada est includa em um

    capitulo (Seo I Capitulo II), sujeita assim, pela tcnica legislativa, aos

    princpios gerais dessa normativa os quais estabelecem conceitos-base de

    natureza material como organizao criminosa, investigao criminal, condutas

    tpicas e penalizao correspondentes, e disposies de ordem processual

    importantes a serem respeitadas na interpretao respectiva.

    Tais balizas so relevantes pois elas indicam os limites da aplicao

    dos institutos da lei que so excepcionais cuja disciplina, por essa razo, tem

    contornos claramente restritos e restritivos, especialmente na perspectiva

    intertemporal.

    No artigo 1, obediente aos cnones de elaborao legislativa (LC

    95, de 26 de fevereiro de 1998), a lei define o mbito de atuao de seus

    preceitos, isto , d a definio de organizao criminosa para seus fins e

    subsequente aplicao; dispe sobre a investigao criminal, meios de prova e

    identificao de infraes penais prprias; e estabelece regras especiais de

    procedimento criminal a serem observadas. Em outras palavras a lei, com foco

    na organizao criminosa (e, portanto, no crime organizado) que o ndice

    principal de interpretao, dispe sobre direito material e direito processual.

    Veja-se passo a passo.

    Art. 1o Esta Lei define organizao criminosa e dispe sobre a investigao criminal, os meios de obteno da prova, infraes penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

    1o Considera-se organizao criminosa a associao de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela diviso de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prtica de infraes penais cujas penas mximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de carter transnacional.

    A cabea do art. 1 identifica os limites de aplicao da lei nova, a

    definio de organizao criminosa cujo conceito servir de referencia para a

    interpretao dos demais. A lei tambm versa sobre a investigao criminal

    correspondente a dizer que, apesar das regras gerais existentes na legislao

  • 11

    ordinria para o processo relacionado com as organizaes criminosas, h

    peculiaridades quanto aos elementos de obteno de prova, quanto s

    infraes penais correlatas e ao procedimento criminal a ser aplicado. Nessa

    linha, o processo penal dos crimes praticados por organizao criminosa

    observar as regras gerais de processo penal e os procedimentos especiais

    ora disciplinados na lei nova sem prejuzo daquelas, mas obedientes ao seu

    propsito especifico.

    No pargrafo 1 do art. 1 ficou legalmente assentado que

    organizao criminosa a associao de 4 (quatro) ou mais pessoas,

    estruturalmente ordenada e caracterizada pela diviso de tarefas, ainda que

    informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de

    qualquer natureza, mediante a prtica de infraes penais cujas penas

    mximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de carter

    transnacional.

    Essa noo fundamental e precisa a todo tempo ser integral e

    integradamente compreendida de modo sistemtico em beneficio da clareza e

    preciso da aplicao da lei em toda sua amplitude.

    Uma organizao criminosa de modo geral se revela por dotar-se de

    aparato operacional, o que significa ser uma instituio orgnica com atuao

    desviada, podendo ser informal e at formal mas clandestina e ilcita nos

    objetivos e identificvel como tal pelas marcas correspondentes. A organizao

    criminosa pode tambm, eventualmente ou ordinariamente, exercer atividades

    lcitas com finalidade ilcita, apesar de revestir-se de forma e atuao

    formalmente regulares. Um estabelecimento bancrio que realiza operaes

    legais e lcitas em deliberado obsequio de atividades ilcitas de terceiro, o

    exemplo que recomenda cuidado e ateno na compreenso de suas

    caractersticas.

    A principal delas ser produto de uma associao, expresso que

    indica a afectio entre pessoas com propsitos comuns ou assemelhados em

    finalidade e objeto. essencial que haja afinidade associativa entre as pessoas

    (usualmente pessoas fsicas, mas no impossvel a contribuio de pessoas

  • 12

    jurdicas) ainda que cada uma tenha para si uma pretenso com motivao e

    objetivos distintos das demais e justificativas individuais, todavia logicamente

    reunidas por inteno e vontade comum nos resultados.

    A associao para assumir o carter de organizao criminosa ter

    de reunir 4 ou mais pessoas com idnticas intenes mesmo que tenham

    desempenhos diversos, mais ou menos importantes no interior da estrutura e

    operaes da mesma. O pressuposto necessrio que a associao seja una

    nos propsitos.

    A estrutura ordenada da associao pela diviso de tarefas constitui

    elemento importante para a identificao da organizao criminosa,

    independente de estar ou no formalmente estabelecida, podendo ser atravs

    de tarefas distribudas de modo direto ou indireto, tanto horizontal como

    verticalmente, ainda que de feitio assimtrico em poder de concepo, de

    direo ou de execuo, e desde que revele funcionalidade e racionalidade

    prprias.

    Importa, sobretudo, tenha a distribuio de tarefas dentro da

    organizao a finalidade de obter vantagens de qualquer natureza, que pode

    ser pecuniria ou material, em benefcios ou crditos, oportunidades ou

    facilidades, embora todas, em principio, possivelmente conversveis em valor

    monetrio ou em espcie.

    As tarefas so propriamente as infraes penais ou atividades

    tendentes realizao de crimes pelos quais seja promovida a consumao

    dos resultados ilcitos da organizao criminosa. Mas no qualquer infrao

    penal seno aquelas punidas com pena mxima superior a 4 anos, ou que

    constituam crime de carter transnacional. A definio das penas, para o efeito

    mencionado, pode suscitar dificuldades em caso de concurso formal ou

    material em que se somam ou acrescem para outros fins, com reflexos lgicos

    na concepo do regime de criminalidade organizada. Alm disso, pela nova lei

    foram institudas agravantes e qualificadoras pelas quais a pena pode se

    elevada a patamares muito mais significativos. Por essa razo, parece evidente

    a compreenso de que se cuida de delitos insuscetveis de substituio da

  • 13

    pena, seja pela quantidade seja pela natureza da realizao do crime. A

    observao pertinente e oportuna, pois at ento era comum nos casos mais

    complexos e demorados no prevalecerem as imputaes de quadrilha ou

    bando (o exemplo por todos o da AP 470 STF caso mensalo, organizao

    criminosa com vrios rus, alguns, porm, sem condenao ou imposio de

    pena), pela dificuldade de prova ou pela prescrio ante a reduzida pena

    imponvel, frustrando sobremaneira a condenao e assim com manifesto

    reflexo na demonstrao da criminalidade organizada. Se no tecnicamente, ao

    menos na opinio pblica ou no imaginrio popular essa ilao se impe pela

    negativa, pois no havendo condenao ou ocorrendo a extino da

    punibilidade do crime de quadrilha pode no haver evidncia de crime

    organizado (o art. 24 da lei, talvez com essa preocupao, d nova redao ao

    pargrafo nico do art. 288 Cdigo Penal crime de quadrilha ou bando

    aumentando a pena em metade se armado e dele participa criana ou

    adolescente).

    A lei incluiu nesse regime tambm o crime de carter transnacional,

    independente da pena imponvel, fazendo-o suscetvel de caracterizao como

    daqueles que so abrangidos pelo conceito de organizao criminosa, de tal

    modo que esta poder ser identificada penalmente quando se dedica a essa

    modalidade de crime. A lei no o define, mas resulta logico de sua designao

    e compreenso que seja realizado ou consumado em mais de um pas, ou

    valendo-se l fora de modo licito ou ilcito de facilidades oferecidas por

    diferentes sistemas financeiros ou polticos, em prejuzo dos interesses

    nacionais do Brasil ou com resultados no pas.

    De outra parte, o Brasil subscreveu diversos instrumentos

    internacionais a esse respeito, servindo de subsidio para a referida noo,

    como a seguir elencado:

    1. Conveno das Naes Unidas contra a Corrupo, promulgada pelo Decreto n 5.687, de 31 de janeiro de 2006; 2. Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto n 5.015, de 12/03/2004; 3. Protocolo Adicional Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo Preveno,

  • 14

    Represso e Punio do Trfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianas, promulgado pelo Decreto n 5.017, de 12/03/2004; 4. Protocolo Adicional Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao combate ao Trfico de Migrantes por via terrestre, martima e area, promulgado pelo Decreto n 5.016, de 12/03/2004; 5. Protocolo contra a Fabricao e o Trfico Ilcito de Armas de Fogo, suas Peas e Componentes e Munies, complementando a Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgado pelo Decreto n 5.941, de 26/10/2006; 6. Conveno para a Supresso do Financiamento do Terrorismo; promulgado pelo Decreto n 5.640, de 26/12/2005; 7. Protocolo Facultativo Conveno sobre os Direitos da Criana referente venda de crianas, prostituio infantil e pornografia Infantil, promulgado pelo Decreto n 5.007, de 08/03/2004 e depositado na Secretaria Geral da ONU; 8. Conveno contra o Trfico Ilcito de Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas, Decreto n 154, de 26 /07/1991; 9. Conveno sobre a Preveno e Punio de Crimes contra Pessoas que Gozam de Proteo Internacional, inclusive Agentes Diplomticos, Decreto n 3.167, de 14/09/1999; 10. Conveno Internacional contra a Tomada de Refns, Decreto n 3.517, de 20/06/2000; 11. Conveno sobre a Proteo Fsica de Materiais Nucleares, Decreto n 95, de 16/04/1991; 12. Conveno para a Represso aos Atos Ilcitos contra a Segurana da Aviao Civil, Decreto n 2.611, de 02/06/1998; 13. Conveno para a Supresso de Atentados Terroristas com Bombas, Decreto n 4.394, de 26/09/20024.

    Do exame de todas as discusses respectivas resulta uma frmula

    que pode resumir em boa parte o que seja modernamente crime transnacional:

    ... [] a atividade ou o conjunto de atividades, isoladas ou reiteradas,

    cometidas por grupo criminoso organizado, que, em transterritorialidade,

    envolva a prtica de infraes penais graves (com pena privativa de liberdade

    igual ou superior a quatro anos) ou, qualquer que seja a pena, diga respeito

    aos crimes mencionados na Conveno de Palermo e seus Anexos....

    No conceito de Criminalidade Transnacional, contudo, ficaram sem

    previso as modalidades ilcitas transterritoriais como o terrorismo de Estado,

    as polticas capitalistas predatrias praticadas sob o manto da legalidade, o

    genocdio dos sistemas prisionais, os crimes ambientais, crimes contra as

    relaes de consumo etc. (Santo. Davi do E.,

    www.univali.br/direitoepolitica-ISSN1980-7791).

  • 15

    Ou, como est na Conveno das Naes Unidas contra o Crime

    Organizado Transnacional (Dec. 5.015, 12.03.2004) ...a infrao ser de

    carter transnacional se for cometida em mais de um Estado; for cometida em

    um s Estado, mas uma parte substancial de sua preparao, planejamento,

    direo e controle tenha lugar em outro Estado; for cometida num s Estado,

    mas envolva a participao de um grupo criminoso organizado que pratique

    atividades criminosas em mais de um Estado; ou for cometida num s Estado,

    mas produza efeitos substanciais noutro Estado..

    No que respeita colaborao premiada, diversas disposies

    legais a seguir mencionadas, anteriores a esta lei nova e relacionadas com o

    tema, em maior ou menor grau disciplinaram modalidades de colaborao por

    parte do ru ou acusado ao longo dos ltimos anos.

    A Lei n. 7.492/86 (crimes contra o sistema financeiro) foi a que por

    primeiro disciplinou o tema no art. 25 e 2 (...nos crimes previstos nesta lei,

    cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou participe que atravs de

    confisso espontnea revelar autoridade policial ou judicial toda a trama

    delituosa ter a sua pena reduzida de um a dois teros).

    A Lei n. 8.072/90 (crimes hediondos) disps no art. 8 e nico (o

    participante e o associado que denunciar a autoridade o bando ou quadrilha,

    possibilitando seu desmantelamento, ter a pena reduzida de um a dois

    teros).

    A Lei n. 8.137/90 (crimes tributrios) estabeleceu no art. 16, nico

    (nos crimes previstos nesta lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o

    coautor ou partcipe que atravs de confisso espontnea revelar autoridade

    policial ou judicial toda a trama delituosa ter a sua pena reduzida de um a

    dois teros).

    A Lei n. 9.034/95 que trata das organizaes criminosas, hoje

    revogada pela Lei n. 12.850/2013, disse no art. 6 (nos crimes praticados em

    organizao criminosa, a pena ser reduzida de um a dois teros, quando a

  • 16

    colaborao espontnea do agente levar ao esclarecimento de infraes

    penais e sua autoria).

    A lei de proteo s testemunhas a Lei n 9.807/99 -- disps mais

    longamente nos arts. 13 a 15 (Art. 13. Poder o juiz, de ofcio ou a

    requerimento das partes, conceder o perdo judicial e a consequente extino

    da punibilidade ao acusado que, sendo primrio, tenha colaborado efetiva e

    voluntariamente com a investigao e o processo criminal, desde que dessa

    colaborao tenha resultado: I - a identificao dos demais coautores ou

    partcipes da ao criminosa; II - a localizao da vtima com a sua integridade

    fsica preservada; III - a recuperao total ou parcial do produto do crime.

    Pargrafo nico. A concesso do perdo judicial levar em conta a

    personalidade do beneficiado e a natureza, circunstncias, gravidade e

    repercusso social do fato criminoso. Art. 14. O indiciado ou acusado que

    colaborar voluntariamente com a investigao policial e o processo criminal na

    identificao dos demais coautores ou partcipes do crime, na localizao da

    vtima com vida e na recuperao total ou parcial do produto do crime, no caso

    de condenao, ter pena reduzida de um a dois teros. Art. 15. Sero

    aplicadas em benefcio do colaborador, na priso ou fora dela, medidas

    especiais de segurana e proteo a sua integridade fsica, considerando

    ameaa ou coao eventual ou efetiva. 1o Estando sob priso temporria,

    preventiva ou em decorrncia de flagrante delito, o colaborador ser custodiado

    em dependncia separada dos demais presos. 2o Durante a instruo

    criminal, poder o juiz competente determinar em favor do colaborador

    qualquer das medidas previstas no art. 8o desta Lei. 3o No caso de

    cumprimento da pena em regime fechado, poder o juiz criminal determinar

    medidas especiais que proporcionem a segurana do colaborador em relao

    aos demais apenados.).

    Por fim, a Lei n 11.343 de 2006, a lei de txicos, garantiu no art. 41

    (o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigao

    policial e o processo criminal na identificao dos demais coautores ou

  • 17

    partcipes do crime e na recuperao total ou parcial do produto do crime, no

    caso de condenao, ter a pena reduzida de um tero a dois teros.).

    Como se pode observar, a preocupao do legislador evoluiu de

    modo progressivo no tratamento dessa forma de colaborao com o processo

    penal, e culminou com a disciplina bem mais elaborada e sistematizada na lei

    de proteo testemunha cuja disciplina muito se assemelha e agora na lei em

    exame.

    A principal marca da disciplina legal relativa a essa forma de

    colaborao nos diferentes regramentos que ela se refere sempre a crimes

    praticados por mais de um agente em forma de coautoria ou coparticipao, ou

    de organizao criminosa ou quadrilha ou bando, de modo a deixar assente

    que a delao ou colaborao no se aplica aos casos de crimes individuais ou

    sem a caracterstica de grupo, bando, quadrilha ou organizao voltada para o

    crime.

    Na presente Lei n 12.850/2013, que manteve de modo geral a

    normativa especifica a qual, por isso, pode servir como paradigma

    hermenutico para a aplicao de outras regras assemelhadas levou em

    conta especialmente a organizao criminosa como pressuposto imprescindvel

    de aplicao desse regime de delao.

    Em todas as hipteses legais antes enumeradas de criminalidade

    organizada, por tal razo, dever ser observada a oportunidade e alcance da

    colaborao e seus efeitos relativamente a cada qual dos delitos nelas

    previstos, mas, no que respeita ao procedimento de colaborao premiada

    dever ser observado o rito prprio da lei nova, respectivamente os arts. 4 a 8

    da Lei n 12.850/2013 com incidncia imediata no que respeita aos aspectos

    processuais e nos de carter material para os delitos praticados sob sua

    vigncia (i.. de 19.09.2013 em diante).

    Vale sublinhar essa circunstncia, decisiva para a boa aplicao da

    lei nova. As normas de natureza processual ou procedimental incidem de

    imediato e aos processos em andamento, em qualquer estgio que se

  • 18

    encontrem, da por diante disciplinando-os. As regras que de qualquer forma

    impliquem em restrio ou supresso de direito, todavia, no podem retroagir

    sobre qualquer deles quando j realizado ou constitudo, seja de ordem

    material ou processual uma vez completos e gerando seus efeitos regulares.

    o que ressai do disposto no art. 5, XXXVI e XL (este, por extenso, no que

    respeita penalidades se mais graves).

    De tudo pode ser extrada a concluso preliminar geral de que a

    delao ou colaborao premiada, agora disciplinada pela lei nova, pode ser

    aplicada em todas as situaes das leis anteriores, observados os seus

    respectivos pressupostos, para cada qual delito e regime de colaborao, mas

    tendo presente a disciplina da lei atual quando mais benfica e mais compatvel

    com os princpios constitucionais de ampla defesa, contraditrio e devido

    processo legal.

    Nessa linha de compreenso, a delao ou colaborao constitui

    incidente processual especial (prvio ou propriamente incidental) com regime e

    objeto prprios de cujo sistema, como se ver, podem surgir igualmente

    decorrncias especiais e relevantes em particular pelo momento de exerccio e

    contedo das revelaes.

    A observao relativa autonomia do incidente de delao premiada

    tem sua razo de ser pelas consequncias importantes. Como a lei permite a

    colaborao premiada em qualquer fase da persecuo penal, admite

    logicamente todas as suas decorrncias processuais e de direito material

    penal, algumas de modo excepcional mas outras particularmente subversivas

    da tcnica processual e dos princpios que a regulam.

    Para se ter uma ideia, a delao premiada pode dar-se aps a

    sentena de mrito (antes ou depois do trnsito em julgado, mas sobretudo

    depois) e pode acarretar, por exemplo, o perdo judicial, a reduo da pena

    imposta, ou a substituio dela, mesmo em face de deliberaes processuais

    consolidadas ou de precluso ou contra ato judicial coberto por garantias

    constitucionais e legais. No parece invencvel esse obstculo formal tanto em

    respeito ao principio da verdade real quanto da possvel flexibilizao de

  • 19

    padres de interpretao em favor do ru ou investigado, o que igualmente no

    ofende a essncia da Constituio, mas provoca uma extrema relativizao da

    coisa julgada.

    Por tais razes, revela-se compatvel com o sistema processual

    penal e de direito penal admitir-se, por via da delao premiada (observados

    todos os rigores da lei, obviamente), a alterao da coisa julgada, do ato

    jurdico perfeito, da situao jurdica constituda em beneficio do ru inobstante

    prestando reverncia verdade formal com a qual se compromete. certo que

    essa novidade, em termos de processo penal, constitui um fenmeno

    excepcional e, como tal, deve receber interpretao restritiva, mas no se deve

    recus-lo s por suposta coliso com os padres tradicionais. Cabe aqui, ao

    contrrio, a compreenso abrangente dos valores constitucionais mais caros ao

    avano civilizatrio e dignidade da pessoa humana, um e outro marcos de

    uma modalidade at ento imprevista de justia verdadeira e socialmente

    eficiente, em que o dever legal de penalizar o ru pode ceder ante os

    interesses da sociedade e do bem pblico.

    Art. 1o ..................................................................................... 2o Esta Lei se aplica tambm: I - s infraes penais previstas em tratado ou conveno internacional quando, iniciada a execuo no Pas, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; II - s organizaes terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faa parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatrios ou de execuo de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em territrio nacional.

    No art.1, 2 da lei ora comentada, ficou estabelecido que seus

    preceitos, inclusive a delao premiada aplicam-se tambm s infraes penais

    previstas em tratado ou conveno internacional quando, iniciada a execuo

    no pas, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou

    reciprocamente (inciso I); e s organizaes terroristas internacionais,

  • 20

    reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o

    Brasil faa parte, cujos atos terroristas de suporte, bem como os atos

    preparatrios ou de execuo, ocorram ou possam ocorrer no territrio nacional

    (inciso II).

    Trata-se da explicitao de uma categoria transnacional de delitos

    sujeitos lei que, assim, submetem-se ao regime dela. bem de ver que a lei

    interna tem abrangncia menor que a da Conveno, deixando de lado

    algumas hipteses cuja aplicao, quando se oferecer a ocasio, poder ser

    objeto de discusso. Assim, a) os atos delituosos praticados no Brasil com

    execuo iniciada ou realizada no exterior e os ali fora praticados mas com

    execuo no pas, independente de serem prprios de organizao criminosa

    (inciso I), assim como b) quando relativos s organizaes terroristas (inciso II)

    reconhecidas pela lei brasileira para os atos que de qualquer forma ocorram ou

    possam ocorrer no Brasil (Conveno de Palermo e Conveno de Mrida)

    sujeitam-se ao controle judicial brasileiro e, para os efeitos desta lei, ao regime

    de delao premiada.

    Por fora desses atos internacionais, conforme antecipado acima,

    inobstante a legislao interna de menor alcance, incidem as diretivas

    convencionais acolhidas pelo ordenamento brasileiro (Decreto n 5.015, de 12

    de maro de 2004, que promulga a Conveno das Naes Unidas contra ao

    Crime Organizado Transnacional especialmente art.26 c/c art. 24; e o Decreto

    n 5.687, de 31 de janeiro de 2006 que promulga a Conveno das Naes

    Unidas contra a Corrupo, art. 37 c/c art. 32), sendo tais comandos, para o

    caso, compatveis com o regime de direitos e garantias da Constituio de

    1988.

    Cabe anotar que a previso legal de aplicao do regime desta lei

    aos crimes previstos em tratado ou conveno internacional sem distino,

    implica admiti-la em casos bem diversos das hipteses desta lei pois no se

    exige sejam praticados por organizao criminosa de tal modo que simples

    crimes singulares podero vir a se sujeitar a ela contra a razo logica da lei e

    sim apenas por se definirem como crimes previstos em tratado ou conveno

  • 21

    internacional. A proposio natural ser reconhecer essa aplicao to s aos

    crimes previstos em tratado ou conveno internacional que se realizem por

    meio de organizao criminosa, observados os demais requisitos indicados no

    inciso I do pargrafo examinado.

    Art. 2o Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organizao criminosa: Pena - recluso, de 3 (trs) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuzo das penas correspondentes s demais infraes penais praticadas.

    1o Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraa a investigao de infrao penal que envolva organizao criminosa.

    2o As penas aumentam-se at a metade se na atuao da organizao criminosa houver emprego de arma de fogo.

    3o A pena agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organizao criminosa, ainda que no pratique pessoalmente atos de execuo.

    4o A pena aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois teros): I - se h participao de criana ou adolescente; II - se h concurso de funcionrio pblico, valendo-se a organizao criminosa dessa condio para a prtica de infrao penal; III - se o produto ou proveito da infrao penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior; IV - se a organizao criminosa mantm conexo com outras organizaes criminosas independentes; V - se as circunstncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organizao.

    5o Se houver indcios suficientes de que o funcionrio pblico integra organizao criminosa, poder o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou funo, sem prejuzo da remunerao, quando a medida se fizer necessria investigao ou instruo processual.

    6o A condenao com trnsito em julgado acarretar ao funcionrio pblico a perda do cargo, funo, emprego ou mandato eletivo e a interdio para o exerccio de funo ou cargo pblico pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena.

    7o Se houver indcios de participao de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polcia instaurar inqurito policial e comunicar ao Ministrio Pblico, que designar membro para acompanhar o feito at a sua concluso.

  • 22

    Nesse quadro, a lei, no art. 2 e pargrafos, estabelece penas,

    institui e tipifica crimes na ao de promover, constituir, financiar ou integrar,

    pessoalmente ou por interposta pessoa, organizao criminosa (pena de 3 a 8

    anos de recluso, mais qualificadoras e agravantes) aos quais se reporta

    expressamente ento o regime de colaborao premiada. No mbito da lei

    apenas a essas condutas que se dirige a disciplina respectiva e aos crimes

    praticados por organizao criminosa; aos previstos em tratado ou convenes,

    quando iniciada a execuo tenha ou devesse ter ocorrido no exterior ou vice-

    versa; ou os praticados por organizaes terroristas internacionais, e, por

    extenso legal, os crimes de impedir ou embaraar a investigao de infrao

    penal que envolva organizao criminosa (art. 2, 1), sujeitando-se todos s

    mesmas penas de 3 a 8 anos de recluso, mais qualificadoras e agravantes.

    Desse modo, o regime de delao ou colaborao premiada refere-

    se a esse universo definido, no sendo extensvel a situaes fora dos limites

    do citado conjunto legislativo, tendo em conta expressamente os limites de

    cada qual lei e o padro da lei nova, quando e se aplicvel s demais

    disciplinas. Por essa razo, as diferentes figuras legais, que tm seu regime

    prprio, no que for compatvel podem, ou no, ter subsdio na lei nova cabendo

    analisar cada caso.

    Este instituto de direito processual penal consolidou-se e

    sistematizou seu processamento tambm base de precedentes

    jurisprudenciais em casos concretos nas instncias ordinrias, a maioria

    experimentados no mbito federal nas varas federais de lavagem de dinheiro

    onde foram elaborados e aperfeioados procedimentos, clusulas e os termos

    de acordo, ainda antes da lei nova alguns dos quais foram por ela

    incorporados.

    Art. 3o Em qualquer fase da persecuo penal, sero permitidos, sem prejuzo de outros j previstos em lei, os seguintes meios de obteno da prova: I - colaborao premiada;

    A lei permite (art. 3, I) a instaurao desse incidente de delao

    premiada em qualquer momento do processo ou antes dele (em qualquer fase

  • 23

    da persecuo penal), como meio de obteno de prova. Isto , a colaborao

    premiada no constitui meio de prova e sim ferramenta processual orientada

    para a produo de prova em juzo, submetendo-se dessa forma, e somente de

    modo secundrio, ao regime geral de produo de prova regulado pela lei

    processual e sujeito s garantias constitucionais correspondentes. Esse dado

    relevante pois dele decorrem algumas consequncias como se vai adiante

    relembrar.

    A lei permite a delao premiada em qualquer fase da persecuo

    penal. Para a exata compreenso do alcance dessa expresso necessrio

    definir o que constitui persecuo penal. No h dvida de que a fase de

    inqurito policial -- e at antes dele por extenso (sindicncias preliminares,

    investigao policial preliminar, averiguaes administrativas) -- pode ser

    compreendida na noo de persecuo penal que inclui a instruo processual

    e a fase dos recursos ordinrios e excepcionais at a formao da coisa

    julgada formal e material. Quanto a isso no parece subsistir dvida. A questo

    saber se a execuo da pena pode ser compreendida na noo de

    persecuo penal. Aparentemente, a resposta positiva dado que mesmo

    nessa fase so inmeras as possibilidades de reexame da condenao, seja

    por reviso criminal (art. 621 CPP) em sentido estrito; seja por unificao de

    penas; seja por incidentes de execuo para apreciao de regime, de favores

    ou reprimendas decorrentes da prpria condenao (art. 66, I, II e III Lei n

    7210/84); ou pela possibilidade sempre presente de anlise de toda matria de

    fato e de direito por meio de habeas-corpus que a jurisprudncia admite nas

    mais variadas circunstncias, inclusive depois do trnsito em julgado da

    sentena condenatria. Seria incongruente permitir toda sorte de reexames

    desse teor depois de encerrada a instruo e ao mesmo tempo considerar

    esgotada a persecuo penal quando ainda pode ser largamente discutida e

    desfeita por variados motivos de fato e de direito. Nessa linha, a delao

    premiada no ontologicamente incompatvel com a execuo da pena, nem

    seus pressupostos ou objeto conflitantes com as finalidades do prprio instituto.

    Alis, a lei permite expressamente a colaborao premiada depois da sentena

    ( 5 do art. 4) sem definir at que momento aps esse ato processual ela

  • 24

    admissvel, parecendo, com razo, que ser possvel admiti-la at a extino

    (cumprimento) ou exaurimento da pena quando finalmente no haver mais

    espao para considerao da oportunidade da delao que coincide com a

    razo lgica de tambm no mais caber HC aps a extino da pena (smula

    695 STF). De acordo com a lei, a delao premiada, assim, mantm com a

    pena uma relao logica necessria, sobrevivendo aquela apenas enquanto

    esta tiver oportunidade real. Acaso extinta ou cumpria a pena, a delao no

    tem mais sentido lgico ou tcnico.

    Art. 4o O juiz poder, a requerimento das partes, conceder o perdo judicial, reduzir em at 2/3 (dois teros) a pena privativa de liberdade ou substitu-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigao e com o processo criminal, desde que dessa colaborao advenha um ou mais dos seguintes resultados: I - a identificao dos demais coautores e partcipes da organizao criminosa e das infraes penais por eles praticadas; II - a revelao da estrutura hierrquica e da diviso de tarefas da organizao criminosa; III - a preveno de infraes penais decorrentes das atividades da organizao criminosa; IV - a recuperao total ou parcial do produto ou do proveito das infraes penais praticadas pela organizao criminosa; V - a localizao de eventual vtima com a sua integridade fsica preservada.

    Art. 6o O termo de acordo da colaborao premiada dever ser feito por escrito e conter: I - o relato da colaborao e seus possveis resultados; II - as condies da proposta do Ministrio Pblico ou do delegado de polcia; III - a declarao de aceitao do colaborador e de seu defensor; IV - as assinaturas do representante do Ministrio Pblico ou do delegado de polcia, do colaborador e de seu defensor; V - a especificao das medidas de proteo ao colaborador e sua famlia, quando necessrio.

    Destinada a propiciar instruo criminal elementos consistentes

    para a produo da prova da materialidade e autoria dos crimes praticados por

    organizao criminosa, a delao premiada constitui um acordo (art. 4, 7)

  • 25

    entre acusao e defesa pelo qual o colaborador investigado se compromete a

    revelar, de modo voluntario e efetivo (art. 4, caput), a identificao dos demais

    autores ou partcipes; os crimes respectivos; a estrutura hierrquica da

    organizao; a recuperao do produto ou proveito das infraes; quando for o

    caso, a localizao de eventual vitima e a preveno de novos crimes. Em

    outras palavras, instituto essencialmente direcionado ao juzo penal e aos

    seus propsitos, nos limites do especifico universo das condutas ilcitas das

    organizaes criminosas por isso qualificado pela lei como colaborao com a

    investigao e com o processo criminal.

    O termo de acordo (art. 6) dever ser elaborado por escrito (a lei

    no indica nenhuma forma especial, usualmente escrevendo-se como um

    contrato) e ter de mencionar e conter, obrigatoriamente, o relato da

    colaborao oferecida pelo acusado, observados e demonstrados os requisitos

    legais essenciais de voluntariedade e efetividade com os resultados

    correspondentes (inciso I). Esse relato, igualmente no tem forma

    predeterminada, mas inegvel que ser detalhado e preciso de modo a

    mostrar no s o atendimento das exigncias da lei como as circunstancias e

    condies em que se deu a colaborao. No h padro de avaliao da

    voluntariedade e efetividade que poder portanto ser construdo e revelado

    luz dos resultados relacionados (assim, no valendo para todos os casos), na

    razo direta dos fatos expostos e esses vinculados ao conjunto dos fatos

    delituosos objeto da investigao ou da prpria delao. A lei no cogita de

    relato critico ou juzo de valor da colaborao, mas parece intuitivo que desse

    relato decorrer a valorizao objetiva da colaborao. Alis, pelo relato da

    colaborao e seus resultados possvel desde logo apurar a efetividade da

    colaborao, os quais ficam, depois, ao juzo do Ministrio Pblico e da

    Autoridade Policial sem embargo da reavaliao pela autoridade judicial por

    ocasio da homologao que se dar por critrios do Juiz (surge, j aqui,

    espao para imaginar, por exemplo, eventual ou possvel divergncia entre o

    ministrio pblico e o magistrado). O relato da colaborao no poder omitir

    informaes ou reservar para outro momento a revelao de dados existentes

    pois o cumprimento da proposta e a aplicao das penas, sua reduo,

  • 26

    substituio, perdo judicial ou no aplicao, tm como pressuposto o acordo

    homologado. Cabe mencionar, todavia, que esse termo de acordo, ante o

    silencio da lei, aparentemente no se confunde com a proposta do Ministrio

    Pblico (inciso II) que d incio ao incidente de colaborao premiada e em que

    se firmam os compromissos de parte a parte para definir os limites bsicos da

    delao. Pela redao da lei o relato e a proposta so elementos distintos do

    termo (incisos I e II) indicando a existncia de contedo e funo diversos e a

    dizer que a homologao do termo abrange todo o desempenho das partes no

    procedimento de delao compreendendo o inteiro teor das declaraes e

    documentos oferecidos e recolhidos. Em outras palavras, pela lgica da lei a

    proposta constitui o primeiro momento da produo do acordo e o termo sua

    consolidao e concluso, acompanhadas de anexos e adendos, como fica

    evidenciado por ocasio do seu encaminhamento a juzo para homologao

    que ser pessoal ao magistrado ficando no protocolo judicial apenas a petio

    ou oficio de entrega sem indicao alguma do colaborador ou investigaes.

    Ou seja, consoante o disposto nesse artigo 6 o termo de acordo contem todos

    os seus componentes formais e os resultados com as declaraes e

    documentos recolhidos.

    Os resultados (art. 6, I) da colaborao tem estipulao legal

    devendo constar no termo e serem alcanados os seguintes, conforme

    indicados no art. 4 caput: I - a identificao dos demais coautores e partcipes

    da organizao criminosa e das infraes penais por eles praticadas; II - a

    revelao da estrutura hierrquica e da diviso de tarefas da organizao

    criminosa; III - a preveno de infraes penais decorrentes das atividades da

    organizao criminosa; IV - a recuperao total ou parcial do produto ou do

    proveito das infraes penais praticadas pela organizao criminosa; V - a

    localizao de eventual vtima com a sua integridade fsica preservada.

    Da colaborao premiada ter de resultar necessariamente a

    identificao dos demais autores, coautores, participes e das infraes por eles

    praticadas (art. 4 inciso I). Ainda que no se possa exigir a delao de todos

    os participes, seja por inviabilidade seja por desconhecimento, a colaborao

    ter de ser objetivamente suficiente quanto a isso, cabendo ao MP e Policia,

  • 27

    e eventualmente ao magistrado, a avaliao da suficincia da realidade dessa

    identificao e das infraes, pois o colaborador poder, deliberadamente ou

    no, omitir ou suprimir nomes ou delitos no universo da delao. Ficar por

    conta da habilidade ou aptido das autoridades proporem as condies que

    impliquem na delao completa evitando que seja parcial ou que busque

    esconder ou excluir algum coautor ou partcipe. A identificao ser a mais

    completa e clara possvel, mesmo que no indique nome ou qualificao,

    podendo constituir-se de indicaes fsicas, tnicas e antropolgicas ou por

    qualquer outro meio descritivo ou indicativo pelo qual se possa chegar

    inequivocamente identidade correspondente. De qualquer modo, parece uma

    tarefa difcil cercar o colaborador de exigncias que propiciem a exata

    identificao e impeam a omisso de nomes ou aes, mas poder constar do

    acordo clausula que preveja a futura incluso de novos elementos em

    hipteses definidas e compreensveis, que no desnaturem o acordo e

    preservem sua abrangncia ou sanes pela omisso. Nesse ponto cabe

    pequeno comentrio sobre a alegada inconstitucionalidade da delao

    premiada em face de terceiros, isto , daqueles terceiros que o colaborador

    dever identificar. Argui-se violao de garantias constitucionais ao entregar o

    delator informaes sobre outras pessoas propondo prova sem o devido

    processo legal, sem contraditrio e ampla defesa. A tese insustentvel. que

    a delao premiada no produz esse efeito sendo ferramenta processual

    destinada apenas produo de elementos para a produo da prova e no

    ela mesma. Alm disso, os elementos apurados na delao premiada -- em

    face de terceiros -- podero eles prprios ser discutidos e apreciados no juzo

    respectivo luz das garantias constitucionais. Com respeito s infraes,

    obviamente no se exigir capitulao exata ou precisa seno a descrio das

    condutas relacionadas com os participes ou coautores, principalmente com

    relao a datas e locais para permitir a definio de competncia e prescrio,

    por exemplo. A descrio da relao entre o agente e a conduta de extrema

    importncia e deve ser claramente relatada, no s entre autores mas tambm

    entre coautores, de modo a definir tanto a prpria condio fundamental de

    organizao, quadrilha ou bando, quanto para evidenciar, se for o caso, a

    necessidade de unidade de processo e julgamento, particularmente se

  • 28

    existirem coautores detentores de foro especial, podendo resultar da concurso

    de jurisdio entre as infraes praticadas. De tal sorte, o relato observar na

    medida do possvel os detalhes que auxiliem a equao dessa relevante e

    decisiva circunstncia de natureza processual.

    A revelao da estrutura hierrquica e a diviso de tarefas da

    organizao criminosa (art. 4 inciso II) so clausulas fundamentais e resultado

    essencial da proposta e do termo do acordo de delao premiada, pois falta

    da demonstrao da existncia de uma organizao criminosa, alm de

    desaparecer a razo lgica da delao, desaparece a causa legal da delao.

    Assim, o colaborador ter de produzir elementos consistentes e inquestionveis

    da existncia da organizao; do seu proposito criminoso com todas as

    referencias respectivas; de sua estrutura e seu funcionamento. Se o

    colaborador no estiver apto a descrever de modo convincente a diviso de

    tarefas dos coautores e partcipes, que constitui a caracterstica natural de uma

    organizao, no haver delao premiada no sentido legal suscetvel de

    homologao. Tambm a podem surgir duvidas quanto omisso ou

    supresso de informaes que deturpem o sentido e finalidade da delao,

    cabendo aos membros da acusao a argucia e perspiccia para evita-las

    ainda que no exista formula absoluta para preveni-la. A descrio mais

    detalhada possvel da correlao de identidades, infraes e estrutura ou

    distribuio de tarefas contribui para a reduo do risco de omisso, e

    condio para a admissibilidade e homologao do acordo, mas sempre

    poder persistir ocasio de falha ou engodo, sobretudo porque o colaborador

    poder procurar ressalvar sua situao pessoal ou de outrem para o que nem

    sempre precisar revelar todo o esquema ou organizao. Cuida-se a de

    habilidade do MP e da Policia a quem cabe a produo da prova de suas

    acusaes. Pode ocorrer que o delator no tenha conhecimento de toda a

    organizao ou alegue no t-lo e ento a colaborao poder ser parcial, mas

    nem por essa razo invivel ou no homologvel. Trata-se de hiptese em que

    s o caso concreto dir se a colaborao compatvel com a vantagem ou

    no, e sujeitarem-se as partes ao dilema.

  • 29

    De modo geral, a recuperao total ou parcial do produto ou do

    proveito das infraes penais praticadas (art. 4 inciso IV) um dos objetivos

    principais do acordo de delao premiada e nessa perspectiva a colaborao

    deve ser precisa e efetiva na identificao dos valores, localizao e posse dos

    bens correspondentes, particularmente quando em moeda, sua situao de

    conversibilidade e depsito ou origem e destinao, etc. Nem sempre a

    recuperao estar ao alcance do colaborador, mas o que se espera que

    suas informaes e iniciativas sejam suficientes para a promoo de medidas

    compatveis com a recuperao determinada pela lei. A recuperao cogitada

    deve ter relao com as infraes delatadas e o produto pode ser, inclusive, a

    resultante de outras condutas indiretamente relacionadas com as infraes

    praticadas pela organizao criminosa e seus partcipes ou coautores.

    A preveno de crimes da organizao criminosa (art. 4 inciso III)

    resultar da denuncia pelo colaborador dos mtodos ou tcnicas de infrao

    no sendo propriamente uma condio de colaborao, pois o delator nem

    sempre poder responsabilizar pela cessao da atividade da organizao

    criminosa embora de sua colaborao possam advir medidas e proposies

    para prevenir no futuro aes dessa natureza, ou quando nada inibi-las.

    Por igual, a localizao da vitima (art. 4 inciso V), hiptese mais

    comum nos crimes de organizaes criminosas com objeto nos delitos contra a

    pessoa ou contra a liberdade pessoal, ser importante auxilio tanto na

    recuperao da liberdade da vitima quanto da cessao da atividade criminosa.

    Essa cogitao, nada obstante, no comum nos crimes de organizao

    criminosa especializadas em crimes contra administrao, de corrupo,

    crimes fiscais ou financeiros-econmicos.

    O termo de acordo haver de conter tambm as condies da

    proposta do Ministrio Pblico ou da autoridade policial (art. 6, inciso II),

    minuciosamente descritas, sendo, portanto, condies relacionadas aos limites

    da colaborao e da voluntariedade e efetividade, isto , da extenso e

    profundidade das declaraes em relao s vantagens oferecidas o que

    constitui importante fator de avaliao dos resultados e da prpria colaborao.

  • 30

    Tambm aqui a descrio no pode omitir condies, circunstncias ou

    elementos considerados, ou porque os dados omitidos ou no indicados

    perdero valor judicial ou porque no podero ser revelados posteriormente

    homologao, ao menos como revelao oriunda da delao. Alm disso, as

    condies propostas devem ser claras e objetivas de modo a evitar

    incompreenses ou dvidas que, existindo, repercutiro no juzo de

    homologao uma vez que vinculam todos os membros do MP que venham a

    atuar no caso. Recorde-se tambm que o ato de homologao, conquanto em

    principio meramente formal, como todo ato judicial que de alguma forma produz

    efeitos jurdicos poder ser submetido a discusso em recurso cabvel tanto

    nas instancias ordinrias quanto na via excepcional, e, embora no se sujeite,

    nesta ltima via, apreciao do contedo, pode ser examinada pela

    racionalidade e relao logica entre relato e resultados, entre condies e

    colaborao, pois todos esses aspectos podem refletir-se na fixao da pena

    e, assim, submeter-se ao exame via de habeas-corpus a qualquer tempo e em

    qualquer grau de jurisdio. A esse respeito, cabe ressaltar que o tema ainda

    est aberto enquanto persiste discusso a respeito da natureza do termo de

    delao premiada, tido por alguns como meio de obteno de prova e por

    outros como meio de prova e, assim, dependendo da opo adotada (na

    doutrina ou na jurisprudncia) poder submeter-se, ou no, disciplina do

    controle judicial da prova.

    A declarao de aceitao pelo colaborador e seu defensor (art. 6,

    inciso III) constitui outro elemento fundamental para a validade da colaborao

    premiada. Essa declarao de aceitao deve ser exatamente descrita, se

    possvel nos detalhes, que devem relacionar-se logicamente com as condies

    oferecidas pelo MP ou pela Policia tanto quanto relacionar-se logicamente com

    o relato e seus resultados, evitando se obtenha ou disponha de elementos no

    claramente aceitos pelo colaborador ou por este deixado de revelar clara e

    objetivamente o que efetivamente aceitou. A declarao de aceitao que deve

    ser expressa e clara diz respeito s condies propostas pelo MP e pela

    Policia, mas tambm aos termos do prprio acordo, para que no venham os

    seus resultados ou relatos a ser futuramente objetados ou questionados pelo

  • 31

    colaborador. Por essa razo, alis, o defensor tambm deve manifestar

    expressamente declarao de aceitao das condies propostas pelo MP ou

    pela Policia, sem ressalvas ou reservas, ficando vedado posteriormente

    rediscuti-las, pelo menos no mbito do acordo de delao devido precluso

    integral das formas e do contedo nos limites respectivos das condies e da

    aceitao. Se no cotejo do teor do relato, das condies, dos resultados e da

    aceitao da proposta surgirem divergncias entre as partes, devem ser

    resolvidas antes da homologao ou esta ser inviabilizada no podendo, aps

    a homologao do acordo, suscitarem-se divergncias. Eventuais

    desentendimentos s podem ser objeto dos recursos adequados nos

    respectivos limites, se cabveis.

    A assinatura das partes e seus representantes (art. 6, IV) requisito

    essencial para a validade do acordo assim como para a firmeza do

    compromisso e legalidade do avenado. Da porque devem ser os prprios

    interessados a subscreverem o termo, observando-se em caso de foro especial

    os agentes do MP ou policiais com competncia especifica do mesmo modo

    que eventual defensor pblico. No se cogita de assinatura do colaborador por

    procurao ou pelo defensor, pois o ato personalssimo no havendo

    hiptese de recusa (pois assim no h delao premiada) nem impossibilidade

    (salvo a fsica e temporria, caso em que assinar a rogo o terceiro assim

    escolhido e identificado que pode ser o prprio defensor). Se o defensor

    renunciar ao patrocnio aps a assinatura do termo ainda assim valer podendo

    o novo defensor da por diante mudar a estratgia de defesa, mas o fato da

    delao estar consumado e o incidente encerrado. Tambm as medidas de

    proteo do colaborador e sua famlia (art. 6, V), quando for o caso, estaro

    descritas e substanciadas no acordo, embora, nesse tema, porque as

    condies so naturalmente variveis e mutantes, possam a todo tempo ser

    ulteriormente alteradas, modificadas ou ampiadas sem precluso.

    Art. 5o So direitos do colaborador: I - usufruir das medidas de proteo previstas na legislao especfica; II - ter nome, qualificao, imagem e demais informaes pessoais preservados;

  • 32

    III - ser conduzido, em juzo, separadamente dos demais coautores e partcipes; IV - participar das audincias sem contato visual com os outros acusados; V - no ter sua identidade revelada pelos meios de comunicao, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prvia autorizao por escrito; VI - cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corrus ou condenados.

    O colaborador tem assegurado pela lei alguns direitos

    procedimentais que podem ser objeto de negociao antes da pactuao das

    regras do acordo, sem prejuzo de outras que decorram das circunstncias ou

    at depois da homologao dele. Essas garantias devem ser acertadas

    logicamente antes do inicio das declaraes e depoimentos (por ocasio da

    avaliao da proposta do MP/Policia), pois constituem o prprio ncleo da

    contrapartida a ser oferecida pela acusao alm das que depois podero ser

    deferidas no julgamento final. Assim, pode o colaborador pleitear medidas de

    proteo semelhantes s que a lei defere a testemunhas ameaadas (Lei n

    9.807/99) e que constituem verdadeiro regime de vida e deslocamento

    inteiramente controlado. Poder ter o seu nome, qualificao, endereo,

    emprego, dados sociais ou funcionais (e fiscais) e demais informaes relativas

    ao seu patrimnio pessoal, inteiramente preservados no sentido de que ficam a

    salvo de consulta, sindicncia ou cadastramento. Alias, possveis demandas

    judiciais ou administrativas em que seja interessado o colaborador devero ser

    objeto de cuidadosa apreciao tal qual no trato de prestaes de natureza

    previdenciria, assistencial para que no sejam perdidas ou frustradas ante a

    necessidade de preservao fsica do colaborador. Tambm ser ele

    conduzido, quando preso, em separado dos demais coautores e participes e

    mesmo de outros presos, do mesmo modo que em audincia no tenha

    contato visual com outros autores ou coautores. particularmente relevante a

    proteo do colaborador em face da imprensa para que seu nome, identidade,

    ou modo de conhec-la, no seja liberado, nem filmado ou fotografado sem sua

    autorizao escrita e prvia. Alis, se a preservao do sigilo do contedo da

    delao se encerra em certo momento, no cessa com relao proteo da

  • 33

    pessoa do colaborador cuja preservao pode estender-se para alm do

    processo. naturalmente intuitiva essa cautela apesar de todas as

    salvaguardas processuais, dado que no so desconhecidas as vicissitudes

    prprias da participao em organizao criminosa onde os mtodos, a

    disciplina e as regras internas nem sempre observam os direitos individuais.

    Cabe, portanto, ao Estado evitar que o colaborador venha a ser molestado,

    prejudicado ou sujeitado a gravames pessoais ou materiais em razo da

    colaborao. Quando condenado, ter direito de conservar-se em

    estabelecimento penal diverso dos demais corrus condenados, ou, ao menos

    em ala, pavilho, seo ou alojamento diverso e distante, se no mesmo

    complexo penitencirio. Em suma, o colaborador premiado -- quando assim

    considerado pela homologao do acordo e s ento -- tem direito absoluta

    reserva sobre sua pessoa no que se refere ao teor e contedo das declaraes

    que prestar, podendo, por elas, exigir as garantias mencionadas, as quais

    naturalmente se incluem tanto na proposta do MP/Policia quanto na declarao

    de aceitao do acordo independente do futuro levantamento do sigilo das

    declaraes. Alguma perplexidade pode oferecer o fato de a delao premiada

    no vir a ser homologada. Nesse caso, as declaraes anteriores e as

    cautelas, sigilo e restries previa e cautelarmente conferidas at a

    homologao prevalecem, seja porque acaso no admitidas como tal perdem

    sua relevncia processual e desaparecem como fato processual seja porque se

    acolhido e homologado o termo ficam aquelas resguardadas at o recebimento

    da denuncia se houver. Os casos omissos devero ser resolvidos por aplicao

    subsidiria da lei de proteo s testemunhas ameaadas.

    Art. 4o . .................................................................................... 6o O juiz no participar das negociaes realizadas entre as partes para a formalizao do acordo de colaborao, que ocorrer entre o delegado de polcia, o investigado e o defensor, com a manifestao do Ministrio Pblico, ou, conforme o caso, entre o Ministrio Pblico e o investigado ou acusado e seu defensor.

    7o Realizado o acordo na forma do 6o, o respectivo termo, acompanhado das declaraes do colaborador e de cpia da investigao, ser remetido ao juiz para homologao, o qual dever verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade,

  • 34

    podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presena de seu defensor.

    8o O juiz poder recusar homologao proposta que no atender aos requisitos legais, ou adequ-la ao caso concreto. ...........................................................................................

    Art. 7o O pedido de homologao do acordo ser sigilosamente distribudo, contendo apenas informaes que no possam identificar o colaborador e o seu objeto.

    1o As informaes pormenorizadas da colaborao sero dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuio, que decidir no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.

    A lei d a entender que esse acordo dever ser concertado pelas

    partes, isto , por ambas as partes, circunstncia que se acomoda com a

    disposio que tambm exige oportunamente o requerimento ao Juiz por

    ambas as partes para sua homologao e demais vantagens processuais,

    tanto que concludo o acordo. Essa disposio evidencia novamente ser a

    colaborao premiada um evento de natureza processual incidental ao

    procedimento investigatrio ou ao processo criminal -- seja antes da

    instaurao da ao penal ou ainda na fase de inqurito, e at mesmo aps a

    sentena ou em fase de execuo -- e logicamente deve ser harmonizado no

    conjunto dos propsitos e limites legais que disciplinam e orientam a

    instaurao da ao penal correspondente ou os da investigao quando

    existentes.

    O termo de acordo como visto dever conter: I - o relato da

    colaborao (portanto estar esgotada a colaborao); II - as condies da

    proposta do MP e da Policia; III - a declarao de aceitao do colaborador e

    seu defensor; e IV e V - as assinaturas e as medidas de proteo. Por isso, o

    acordo que oficializa a colaborao e que se submeter homologao judicial

    s ser formulado e conhecido quando concluda, o que de certa forma expe

    o colaborador a incertezas antes da formalizao e homologao j que fica

    merc das autoridades antes de terem-na acolhida legalmente, estas e o juiz,

    ainda que em caso de recusa da homologao, assim como na retratao, se

    lhe garanta a imprestabilidade dessas informaes (mas exclusivamente)

    quando em seu desfavor. que o colaborador tem por si apenas a proposta do

  • 35

    MP e a sua aceitao alm de renunciar ao direito constitucional ao silencio

    (art. 4, 14). A lei no cogita da resciso do acordo, em tese possvel

    enquanto ato bilateral de convergncia de vontades. Cabe, entretanto, alguma

    reflexo. inegvel que a homologao pressupe a realizao dos atos

    correspondentes com as declaraes, documentos, depoimentos, apuraes

    (anexos) que a lei exige para reconhecer como vlida e legitimada a delao

    premiada, fora do que no haver espao para a homologao e menos ainda

    para os efeitos da delao regularmente completada. Para a homologao,

    pois, necessrio ter reunida a robusta demonstrao dos resultados que a lei

    elenca e, ento, o ato judicial de homologao -- sem cogitar de juzo sobre o

    contedo -- dir que o acordo observou os termos formais da lei para os

    efeitos processuais designados.

    Para esse efeito o pedido ser distribudo a um juiz (ou Relator) com

    reserva de sigilo para no identificar o colaborador e o objeto da delao. Esse

    ato administrativo processual por tal razo no revelar qualquer informao

    que possa redundar na violao do sigilo recomendado pela lei, por isso

    mesmo reduzindo-se distribuio do pedido sem os anexos ou documentos

    os quais sero entregues com os anexos direta e pessoalmente ao magistrado

    escolhido pela distribuio. O art. 4, caput, diz que as partes em conjunto

    apresentam o pedido de vantagens processuais e penais derivadas do acordo,

    o que implica reconhecer que a homologao dele ter de ser requerida

    igualmente pelas partes para a homologao pelo Juiz competente, ao qual

    ser distribudo se ainda o no tiver sido, ou encaminhado ao juiz da causa se

    j existir ao penal ou inqurito distribudo e relacionado. A lei no esclarece

    se possvel delao premiada de mais de um colaborador

    concomitantemente. Como os fatos eventualmente imbricados podem suscitar

    essa anomalia, mostra-se inconveniente o processamento conjunto de duas

    colaboraes em vista das peculiaridades, alcance, extenso do incidente, de

    modo que a cada colaborao ou colaborador cabe um procedimento prprio,

    na medida do possvel inclusive individuado e sigiloso entre si. Essas

    informaes pormenorizadas que integram o termo de acordo so as que j

    esto recolhidas, mas no se impede que prossigam as diligencias ou

  • 36

    depoimentos e posteriormente sejam juntadas s demais pois tanto a lei como

    a realidade permitem que novos fatos ou detalhes novos possam vir a ser

    desvendados na sequencia. Nesse caso, da mesma forma sero

    encaminhados diretamente ao juiz prevento sem intermdio da distribuio ou

    protocolo de secretaria. Cuida-se de evitar, por via travessa, a divulgao

    desses eventos e seus participantes, embora na prtica judiciaria se saiba que

    virtualmente impossvel ocultar dos servidores ou agentes pblicos

    envolvidos a existncia de uma colaborao premiada. Restringir o contedo j

    ser uma razovel sucesso, at porque magistrados, promotores ou policiais

    no atuam sozinhos e, ao contrrio, na maioria dos casos so auxiliados por

    assessores ou contam com a assessoria de outros profissionais ou agentes e

    at terceirizados. Cabe por isso a quem dela tenha conhecimento, ocasional ou

    por fora do oficio, manter rigorosamente o sigilo a que tenha tido acesso por

    um ou outro modo sob as cominaes da lei penal. A cautela fundamental deve

    enderear-se identidade do colaborador, pois quanto a esse h ou pode

    haver risco de ofensa fsica ou de morte. Se a instancia judicial ou a

    administrativa do inqurito j se tenham instalado ser impossvel evitar a

    existncia do acordo e o processo de sua homologao sendo nesse caso

    muito mais rigorosa a observncia das restries indicadas pela lei (se a

    denuncia j estiver recebida h entendimento jurisprudencial de que o sigilo

    no mais prevalece). Antes do inqurito, como medida cautelar ou preparatria

    ser trazida ao juzo nessa qualidade preservando-se com mais facilidade o

    sigilo. A lei estabelece que as informaes da colaborao sero entregues

    pessoalmente ao juiz indicado pela distribuio entre os competentes ou o que

    detiver a competncia especifica quando especializada a jurisdio. Por esse

    modo, ainda que algum venha a reconhecer a existncia da colaborao

    premiada na secretaria ou no cartrio judicial s o magistrado ter acesso ao

    seu contedo, dispondo de 48 horas para proceder ao exame e deliberao. O

    magistrado tem de decidir sobre a homologao do termo de acordo, o que,

    na prtica, vai se resumir a declarao de que o instrumento est obediente s

    formalidades da lei. Esse ato judicial, ademais, independe de manifestao

    prvia das partes eis que so as que subscrevem o termo, bem assim pelas

    mesmas razes a deciso judicial fica dispensada de publicao ou intimao

  • 37

    que no seja para as mesmas partes envolvidas no dito acordo. A

    homologao judicial, integral ou parcial, no entanto, pode ser objeto de

    recurso pelos interessados participantes firmatrios do termo, bastando

    demonstrar no que foram vulnerados seus interesses ou direitos, dado que h

    prvio acordo e renncia jurisdio.

    Ao receber o acordo para homologao o magistrado deve apreciar

    necessariamente a sua competncia. O Juiz competente (seja juiz de primeiro

    grau, desembargador ou ministro, conforme detenha o acusado ou um dos

    corrus foro especial ou no, ou at mais de um juzo -- resolvendo-se por

    concurso de jurisdio quando em processo nico -- se a delao premiada

    indicar envolvimento de vrios investigados com foro prprio), inobstante, no

    participa das negociaes e o termo de acordo com as declaraes do

    colaborador e a cpia da investigao lhe sero submetidos apenas para

    verificar a regularidade, a legalidade e a voluntariedade (art. 4, 6).

    Poder, no entanto, ouvir o colaborador sigilosamente na presena

    do defensor (art. 4, 7). A particularidade que essa diligencia ser

    realizada nas 48 horas de que dispe o juiz para a homologao. Tratando-se

    de fase ainda sigilosa e cercada de grandes restries o juiz poder, ao invs

    de faz-lo apresentar no frum ou no tribunal competente, ir ao local onde se

    encontra o colaborador com as garantias de acompanhamento pela defesa.

    Ante as peculiaridades do processo judicial eletrnico essa audincia pessoal

    tambm pode ser realizada com o colaborador via Internet ou por

    videoconferncia, no podendo porm ser delegada ou deprecada pela prpria

    natureza do ato.

    O Juiz competente exercer a jurisdio em processo nico quando

    prorrogada pela conexo ou continncia, assim abrangendo o universo dos

    acusados mediante unidade de instruo e julgamento, ou ento a

    competncia ser repartida entre os vrios juzes competentes, se diversas e

    independentes as aes, caso em que a homologao da colaborao cabe a

    cada um deles na medida de sua respectiva competncia. bem de ver que

    situaes especiais podem ocorrer. Se o colaborador tiver prestado

  • 38

    declaraes em face de fatos que se referem a dois casos ou dois processos

    distintos ou que venham a ser separados com competncias diversas, caber a

    homologao a juzes diversos sobre as mesmas declaraes ou delao.

    Nesses casos haver risco de impasse se divergirem os juzes, agravando-se

    se um for juiz de primeiro grau e outro de foro colegiado especial. De qualquer

    sorte, parece certo que a homologao do acordo caber sempre ao juiz

    efetivamente competente, sempre se aplicando as regras de concurso de

    jurisdio quando diversos. Cabe referir precedente do STF segundo o qual a

    competncia daquela Corte se estabelece de direito estrito quando envolvida

    pessoa ou autoridade que a ela se sujeite, no se podendo, considerada a

    conexo ou continncia, estende-la a ponto de alcanar inqurito ou ao

    penal relativos a cidado comum (Ag.Rg. no Inq. 3.515 SP, Rel. Marco Aurlio,

    Plenrio, 13.02.2014). A despeito da ementa expressa, no corpo do julgado

    ficou assente que a regra o desmembramento, deixando implcito que, como

    na Ao Penal originaria n 470 caso Mensalo pode ocorrer hiptese de

    necessria unidade de processo e julgamento da excepcionando-se a regra de

    direito estrito. Ora, nos casos de crime organizado em que participe pessoa ou

    autoridade com foro especial, pela prpria unidade de atuao criminosa e

    justo por essa razo, parece ser a regra a unidade de processo e julgamento a

    indicar a competncia do Juzo ou da Corte definida pela de maior hierarquia

    para todos os participes. Caso contrrio, se separados os processos e os atos

    da instruo, tanto poder vir a afrontar-se tecnicamente a noo de quadrilha,

    bando ou organizao criminosa quanto a ser prejudicada gravemente a

    prpria apurao dos fatos e a aplicao da lei penal.

    Cabe ao Juiz competente a homologao do acordo sem apreciao

    do contedo embora possa tambm recus-la ou adequ-la se no atender aos

    requisitos legais. Nada obstante, parece manifesta e irresistvel a necessidade

    de delibao mnima acerca de possveis elementos constantes da

    colaborao uma vez que praticamente invivel, por exemplo, a aferio da

    regularidade e da voluntariedade da delao sem um mnimo envolvimento

    com o contedo das declaraes ou documentos revelados. Em particular

    porque, em tese, o Juiz poder no homologar o acordo, hiptese s

  • 39

    compreensvel se vier a valer-se de juzos acerca da voluntariedade ou

    regularidade das declaraes ou afirmaes. A ateno com os limites

    mencionados recomenda reiterado cuidado contra possveis avaliaes de

    mrito, at porque somente na sentena final (art. 4, 11) o julgador apreciar

    pelo contedo os termos do acordo homologado.

    De outra parte, o Juiz poder recusar a homologao se entender

    estar ela desatenta aos requisitos legais. Como se viu acima e pelo texto da

    prpria lei, existem inmeras dificuldades de interpretao as quais podem

    contribuir para tornar o ato de homologao um juzo complexo a despeito de

    literalmente preso formalidade. A lei, no entanto, abre espao para uma

    conjuntura que em parte ameniza essa restrio literal pois autoriza a

    adequao ao caso concreto. Ora, o juzo de adequao passa

    necessariamente pela apreciao dos termos da delao premiada e mesmo

    sendo o magistrado criterioso ao mximo ter de acomod-lo aos contornos da

    delao por meio de razes no estritamente formais, exceto se a essa

    clausula legal se emprestar a noo limitativa da estrita legalidade, isto , da

    adequao do acordo apenas aos estritos limites da forma legal sem qualquer

    cogitao de interpretao ou avaliao, o que, a despeito de possvel, na

    prtica dificilmente acontece.

    Alis, essa homologao precisa ser obediente aos limites legais,

    pois exorbitando deles poder ser objeto de ataque judicial pelas partes,

    mesmo sigiloso o pacto, uma vez que essa restrio em princpio no afasta o

    controle judicial de ndole constitucional, ainda que para evitar o controle

    judicial se negue ao acordo o carter de elemento ou meio de prova. A esse

    respeito, em impetrao por parte de terceiro interessado que se pretendia

    legitimado para acessar o teor do acordo (HC 195.797-PR, Rel. Laurita, 5T,

    22.05.2012) e conhecer a delao do ru ao MP ao fundamento de que sua

    situao processual que poderia alterar-se, o veredicto assentou ser invivel

    essa pretenso face o sigilo legal e o contrato entre partes, podendo o corru,

    quando de sua prpria defesa, impugna-la conforme lhe parea. No HC

    282.252-MS (Rel. Sebastio Reis, 6T, 25.03.2014) a questo suscitada,

    tambm relacionada com o acesso aos termos da delao pretendido por

  • 40

    terceiros j no curso da ao penal, tinha um diferencial: os atos ilcitos teriam

    sido praticados antes da Lei 12.850, de 2.8.2013 (em vigor em 19.09.2013).

    Nessa ocasio o Superior Tribunal de Justia assentou que as normas de

    natureza processual se aplicavam de imediato no estagio em que estivesse o

    processo de delao e as normas de natureza material ficavam insuscetveis

    de aplicao retroativa. Alm disso, o STJ entendeu que, aps o recebimento

    da denncia, no prevaleceria mais o sigilo da delao premiada pois essa

    disposio processual j havia incidido imediatamente afastando-o a partir da.

    Tais precedentes acabaram revelando aspectos que a lei no cogita mas que

    so de capital importncia. Primeiro, que a regra do sigilo fica relacionada com

    a data limite do recebimento da denncia de tal maneira que a delao

    acertada depois do recebimento dela no se prevalece do sigilo, exceto se

    relativa a correu no denunciado ou em hiptese de aditamento para incluir

    novo correu. Depois, ao admitir questionamento ou conflito de competncia

    com outros juzos a respeito dos termos do acordo, o sigilo imposto pela lei

    perante o juzo de primeiro grau acaba cedendo pela necessidade de

    discusso dele por outro Tribunal que no o destinatrio da delao. Ainda que

    se transferisse para outro rgo judicial, o sigilo da delao passaria a ser

    partilhado com outros juzes ou partes que no os estritamente vinculados ao

    acordo. E assim sucessivamente por todos os tribunais quantos forem

    acionados para defesa do interesse do corru ou de terceiros. Nessa linha, o

    sigilo, a despeito de fundamental, pode vir a ser reduzido, compartilhado ou

    afastado indiretamente mesmo antes do recebimento da denncia. A anotao

    de certo significativa e as proposies afirmativas da lei de certa forma

    tornam-se suscetveis de flexibilizao. Com efeito, em linha de princpio, o

    acordo de delao estabelecido depois do recebimento da denuncia nem por

    isso ontologicamente dispensa o sigilo pelas mesmas razes daquele acertado

    antes dela, e assim, de toda convenincia e oportunidade a compreenso de

    que tambm nesse caso o sigilo prevalece at o recebimento do aditamento da

    denncia, ou, sem ele, at a homologao judicial do termo de acordo seja ele

    estabelecido com ru j denunciado seja como novo correu.

  • 41

    Sobre esse ato de homologao judicial interessante referir um

    exemplo recente. Em 27 de setembro de 2014, foi firmado termo de acordo

    (alis, divulgado pela imprensa) entre o MPF e um colaborador no caso

    conhecido como Operao Lavajato contendo diferentes clausulas fixando o

    compromisso de futuras declaraes com diversas cautelas e vrios outros por

    parte do colaborador, mas o ato judicial de homologao (parcial, pois a

    clausula de renncia jurisdio deixou de ser homologada por

    inconstitucional), datado de 29 de setembro de 2014 (tambm divulgado pela

    imprensa), refere ter a copia das declaraes e depoimentos acompanhado o

    requerimento. No que interessa, parece haver um descompasso, deliberado ou

    no, entre os atos em exame, pois a proposta de acordo denominada de termo

    de acordo (clausula 5), sugere providencias a adotar no futuro enquanto no

    caso mencionado (48 horas depois) a homologao indica j terem sido

    recolhidas as informaes que a lei recomenda sejam a base da delao

    premiada. A despeito da ambiguidade, o ato de homologao est correto pois

    na suposta competncia originaria do STF -- foi requerido pelo Procurador-

    Geral da Repblica e pelo colaborador e apreciado pelo Ministro Relator no

    STF (Petio 5.209) nos limites legais em que se afirma a existncia das

    informaes obtidas e faz meno a autoridades com foro especial, o que ao

    revs confirma a realizao antes da homologao das condies insertas na

    proposta do MPF e a avaliao da competncia. Chama ateno a proposta e

    o termo terem sido firmados pela Procuradoria da Repblica no Estado e

    subscritos por Procuradores da Repblica que atuam junto Justia Federal

    local de primeiro grau.

    Art. 4. ....................................................................................

    9o Depois de homologado o acordo, o colaborador poder, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do Ministrio Pblico ou pelo delegado de polcia responsvel pelas investigaes. 10. As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatorias produzidas pelo colaborador no podero ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor. ...................................................................................

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    12. Ainda que beneficiado por perdo judicial ou no denunciado, o colaborador poder ser ouvido em juzo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial. .................................................................................. 13. Sempre que possvel, o registro dos atos de colaborao ser feito pelos meios ou recursos de gravao magntica, estenotipia, digital ou tcnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informaes. 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciar, na presena de seu defensor, ao direito ao silncio e estar sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade. 15. Em todos os atos de negociao, confirmao e execuo da colaborao, o colaborador dever estar assistido por defensor.

    A lei diz que o colaborador depois de homologado o acordo poder

    ser ouvido pelo MP ou pelo Delegado de Policia encarregado das

    investigaes. No parece compreensvel essa regra se o colaborador vem de

    prestar sucessivas declaraes que constam do acordo e se incluem nos

    elementos essenciais da prova referida. Que o MP e a autoridade possam ouvi-

    lo novamente no constitui dificuldade, mas diligencia discutvel salvo se fato

    novo apresentar-se ou o magistrado entender de adequar os termos do acordo

    com alterao dos limites ou qui do contedo. Essa ressalva, porm,

    aparentemente encontra justificativa no fato de, homologado o acordo pelo juiz,

    presumir-se a inviabilidade de reabertura da colaborao. Malgrado esse

    possvel entendimento, que, todavia, no se revela fundado e desse modo

    torna intil a ressalva, pela prpria natureza das atividades de investigao a

    todo tempo poder o MP ou a autoridade policial ouvir o colaborador com ou

    sem a anuncia do Juiz, conforme acontea antes da instaurao da ao

    penal ou aps sua instaurao ou mesmo aps seu encerramento. De qualquer

    sorte, no haver impedimento para essa providencia uma vez que a lei admite

    a qualquer tempo a manifestao do MP pela concesso do perdo judicial

    ainda quando no proposto no acordo. O que implicitamente indica ser possvel

    obter novas informaes aps o acordo homologado, desse modo justificando

    indiretamente a continuidade das diligencias (ast. 4, 2) e, nessa linha, a

    oportunidade de novas inquiries inclusive a ouvida do colaborador sem

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    necessidade de disposio legal especfica. De outra parte, a lei admite a

    retratao da proposta. No fica claro se isso compreende a proposta aceita e

    homologada aps o cumprimento das clausulas ou apenas enquanto no

    homologada. A retratao depois da homologao revela-se, no entanto,

    impraticvel e logicamente incompatvel porque se fosse possvel a retratao

    as partes passariam a ter mais poder que o juiz sobre o estado da causa,

    contrariando o principio geral de que o juiz sempre e no poderia deixar de

    ser pena de destruir-se a logica do sistema -- o condutor do processo cujos

    atos s se desfazem por via de recurso regular. A proposta (art. 6, II) sempre

    do MP ou da Policia e a atitude do colaborador aceita-la ou no. Portanto, a

    nica hiptese de retratao da proposta ser de iniciativa da acusao e,

    embora tambm tenha o colaborador interesse em