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A Consolidao da dominao burguesa no Brasil recente e o papel do BNDES
Joo Paulo de Oliveira Moreira
Tem este artigo o objetivo de apresentar o papel do BNDES no processo de
consolidao da dominao burguesa no Brasil recente, tanto atravs do financiamento
de programas sociais com vias a educar e incorporar ideologicamente a classe
trabalhadora no mercado consumidor, quanto no financiamento da internacionalizao de
empresas originrias do Brasil para fora do pas, alavancando assim a insero na corrida
capital-imperialista internacional. Trabalharemos aqui com a hiptese de que este um
movimento duplo, consorciado, que age tanto interna quanto externamente, num processo
de complementaridade. Portanto, as formas coercitivas no desaparecem internamente,
mas coexistem com os mecanismos de estruturao do consenso para dentro, otimizando
a expanso da burguesia brasileira para fora do pas.
1- O Brasil dos anos 1990: Um breve histrico da reconfigurao da dominao
burguesa
A partir de 1990, a experincia da dominao burguesa no Brasil assume a feio
democrtico-representativa, num cenrio de reconfigurao do pacto de dominao, que
se organiza entre a transio tutelada da Ditadura Empresarial-Militar e o Plano Real,
com a proliferao de Aparelhos Privados de Hegemonia1, das Fundaes e Associaes
1 Em Marxismo e Poltica: A Dualidade de Poderes e Outros Ensaios, um dos principais comentadores do marxista sardo Antonio Gramsci, Carlos Nelson Coutinho, deu a seguinte definio para Aparelhos
Privados de Hegemonia: (...) so organismos sociais privados, o que significa que a adeso aos mesmos
voluntria e no coercitiva, tornando-os assim relativamente autnomos em face do Estado em sentido
estrito (no contexto, portanto, de sua configurao ampliada, isto , sociedade poltica + sociedade civil,
possvel nas conformaes sociais do tipo ocidental FF); mas deve-se observar que Gramsci pe o
adjetivo privado entre aspas, querendo com isso significar que apesar desse seu carter voluntrio ou
contratual eles tm uma indiscutvel dimenso pblica, na medida em que so parte integrante das
relaes de poder em dada sociedade (COUTINHO, 1994,p.54-55). Carlos Nelson Coutinho ainda
diferenciou os Aparelhos Privados de Hegemonia de Gramsci, para os Aparelhos Ideolgicos do
Estado, de Luis Althusser, apontando que o francs tentou descaracterizar a originalidade de Gramsci ao
defender que a distino da noo de sociedade civil e sociedade poltica so burguesas,assim como a
ampliao do Estado no era um fenmeno recente para Althusser,devendo se travar uma intensa luta fora
do Estado (COUTINHO, 1999, p. 132-134). Sobre os Aparelhos Ideolgicos do Estado, Althusser
atribua uma srie de realidades que se apresentam ao observador enquanto imediatas sob a forma de
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sem Fins Lucrativos (FASFIL), a ininterrupta sofisticao do aparato coercitivo estatal, a
tentativa permanente de apassivamento das formas organizativas da classe trabalhadora,
a criao de programas de combate a misria e a busca por incorporar molecularmente os
subalternizados no mercado consumidor2.
Nesse caso, a dominao de classe no Brasil passou a atuar de maneira a coexistir
consenso e coero em nveis que se alteraram de acordo com o patamar das lutas de
classes. Aqui, neste artigo, focaremos mais as aes de convencimento, apresentando
muito brevemente a poltica coercitiva desenvolvida no perodo recente.
Ainda no incio de 1988, foram desenvolvidos os trabalhos finais da constituinte
(entre janeiro e outubro), com a liderana das entidades empresariais3 e do campo
conservador, mutilando as propostas mais avanadas de reformas estruturais no pas, alm
de pouco absorver as perspectivas mais combativas do movimento sindical e popular
emergente desde a crise da Ditadura Empresarial-Militar.
Nesse caso, a nova institucionalidade (democrtico-liberal) preservou em seu
interior, nas palavras de Florestan Fernandes4, elementos fundamentais da
institucionalidade autoritria anterior para garantir a dominao burguesa:
instituies distintas e especializadas: escolas, igrejas, informao, cultura, poltica, sindicatos etc.
(ALTHUSSER, 1985, p.68-69). 2 Segundo Lucia Neves, o Social-Liberalismo nos anos 1990 preconizou uma agenda que
conciliasse Mercado com justia social, com o objetivo de obter a paz social e reduzir a
pobreza, tendo sua expresso no Brasil durante os Governos FHC, inicialmente com os
Programas Mos obra, Brasil e Avana Brasil, sendo aprofundado com o Comunidade
Solidria, e consolidado nos Governos Lula (NEVES, Lucia Maria Wanderley. Entrevista para
o Programa Debate Brasil,06/05/2015,Disponvel em:
https://www.youtube.com/watch?v=Wb35ZFGvoMs . 3 importante citar que Mario Amato (FIESP) juntamente com Albano Franco (CNI),
desencadearam uma srie de iniciativas para definir uma pauta comum do empresariado,
envolvendo diversos Aparelhos Privados de Hegemonia, tais como: a SRB, a FCSP, a FAESP, o
Sindicato dos Bancos do Estado de So Paulo e a ACSP. A pauta girava em torno da desindexao
da economia, com o fim da URP e a definio de um redutor para definio do ndice de reajustes
de preos e salrios; a reduo do dficit pblico; transformao da dvida pblica em
investimento de risco; maior participao da iniciativa privada nos servios pblicos e no setor
de infra-estrutura (MACIEL, 2012, p.325-326). 4 Ver: FERNANDES, Florestan. A Constituio Inacabada: Vias Histricas e Significado
Poltico. So Paulo: Estao Liberdade, 1989. ; Para uma anlise da participao das fraes do
capital na constituinte ver: Quem foi quem na constituinte: nas questes de interesse dos
trabalhadores, Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, So Paulo: Cortez: Obor,
1988.
https://www.youtube.com/watch?v=Wb35ZFGvoMs
3
(...) uma variedade especial de dominao burguesa: a que resiste organizada e
institucionalmente s presses igualitrias das estruturas nacionais da ordem estabelecida,
sobrepondo-se e mesmo negando as impulses integrativas delas decorrentes. Configura-
se, assim, um despotismo burgus e uma clara separao entre sociedade civil e Nao.
Da resulta, por sua vez, que as classes burguesas tendem a identificar a dominao
burguesa como um direito natural revolucionrio de mando absoluto, que deve
beneficiar a parte ativa e esclarecida da sociedade civil (todos os que se classificam
em e participam da ordem social competitiva; e, simetricamente, que elas tendem a
reduzir a Nao a um ente abstrato (ou a uma fico legal til), ao qual s atribuem
realidade em situaes nas quais ela encarne a vontade poltica da referida minoria ativa
e esclarecida (FERNANDES, 1987, p.302).
Em 1989 ocorreram as primeiras eleies diretas para Presidente aps a Ditadura,
com um cenrio de pluralidade de candidaturas e a existncia de fortes candidatos de
esquerda como Lula (PT) e Brizola (PDT), acirrando ainda mais o cenrio. No 2 turno
das eleies, ocorreu uma polarizao entre o projeto liberalizante que defendia as
expropriaes via privatizaes, levado a cabo por Fernando Collor, e a perspectiva
democrtico-popular, representada por Lula.
Com a vitria eleitoral de Collor e o inicio do Programa de privatizaes, o ano
de 1990, no mbito dos grandes meios de comunicao, da intelectualidade e do espectro
poltico-institucional, consolidou-se como aquilo que Jos Luis Fiori denominou de um
amplo consenso liberal, favorvel a adoo do programa completo de estabilizao,
ajustes e reformas institucionais5.
No primeiro semestre de 1992, diversos setores do capital,assim como da grande
mdia, apresentaram descontentamentos com os rumos do Governo Collor, culminando
com uma reportagem da revista Veja que publicou uma entrevista em que Pedro Collor
acusava o Presidente da Repblica de participao em negcios escusos. No dia 25 de
junho, a revista Isto divulgou uma entrevista com Francisco Eriberto Freire Frana,
motorista particular da secretria de Collor (Ana Acioli), o qual relatava que os depsitos
das empresas do empresrio e tesoureiro PC Farias eram feitos na conta dessa secretria.
5 FIORI & TAVARES, 1993, p.153
4
Esse episdio engendrou um deslocamento do foco da CPI do empresrio PC
Farias para o Presidente Collor, abrindo assim caminho para os trmites legais do
impedimento do chefe de Estado6. Itamar Franco, Vice de Collor, assumiu a presidncia
com o impeachment e prosseguiu com o processo de privatizaes iniciado pelo seu
antecessor, dando assim continuidade as expropriaes que foram consolidadas e
aprofundadas por FHC.
No incio do Governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, foi criado o
Programa Comunidade Solidria, voltado ao combate fome e pobreza. Tendo sido
institudo um conselho, composto de 21 membros de Aparelhos Privados de Hegemonia,
dos ministros da Sade, Educao, Trabalho, Fazenda, Planejamento, Esportes e do chefe
de Gabinete da Presidncia, liderado pela primeira dama, a antroploga Ruth Cardoso.
O Comunidade Solidria foi sendo desdobrado em outros programas, como
Alfabetizao Solidria, Capacitao Solidria, Universidade Solidria, Esporte Solidrio
e Artesanato Solidrio, alm das polticas focali