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Como Seduzir um Duque How the Seduce a Duke Kathryn Caskie Clássicos Históricos 396 1° Livro da Série Irmãs Royle Londres, 1814 Impossível resistir… Por que será que o duque de Blackstone está tentando arruinar os planos de Mary de se casar com o irmão dele, o atraente visconde Wetherly? Basta ela virar uma esquina que lá está ele, a provocá-la... E quanto mais Mary tenta ignorá-lo, mais insistente ele se torna. Mary sabe que precisa fazer um bom casamento, mas Blackstone está longe de ser o noivo ideal! Ou não? Blackstone está determinado a impedir que seu irmão se deixe levar pelo charme de uma pretendente astuta, mesmo que se trate de uma dama tão encantadora quanto Mary Royle. Mas até Mary aparecer, mulher nenhuma havia resistido ao seu poder de sedução... Será possível que ele esteja apaixonado por aquela jovem enervantemente bela e encantadora?

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Como Seduzir um Duque

How the Seduce a Duke

Kathryn CaskieClássicos Históricos 396

1° Livro da Série Irmãs Royle

Londres, 1814

Impossível resistir…Por que será que o duque de Blackstone está tentando arruinar os planos de Mary

de se casar com o irmão dele, o atraente visconde Wetherly? Basta ela virar uma esquina que lá está ele, a provocá-la... E quanto mais Mary tenta ignorá-lo, mais insistente ele se torna. Mary sabe que precisa fazer um bom casamento, mas Blackstone está longe de ser o noivo ideal! Ou não?

Blackstone está determinado a impedir que seu irmão se deixe levar pelo charme de uma pretendente astuta, mesmo que se trate de uma dama tão encantadora quanto Mary Royle. Mas até Mary aparecer, mulher nenhuma havia resistido ao seu poder de sedução... Será possível que ele esteja apaixonado por aquela jovem enervantemente bela e encantadora?

Digitalização e Revisão: Jé Oliveira

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Kathryn Caskie - [Irmãs Role 1] - Como Seduzir um Duque (CH 396)

Kathryn Caskie se interessa há muito tempo por História da Antiguidade. De jornalista e redatora de roteiros para TV, ela passou, em grande estilo, a autora de romances históricos. Já ganhou os prêmios Golden Heart de melhor romance histórico e o da revista Romantic Times de melhor autora de romances históricos na opinião da crítica, além de figurar na lista de bestsellers do USA Today.

Querida Leitora,Este é o primeiro livro de uma série muito divertida e

sensual de romances de Kathryn Caskie, que conta as peripécias românticas de três irmãs:

Mary, Anne e Elizabeth.Divirta-se e vibre com a história de Mary, que vai deixar

você ansiando pela continuação da série!Leonice Pomponio

Editora

Copyright © 2006 by Kathryn Caskie Originalmente publicado em 2oo6 pela Avon Books.

PUBLICADO SOB ACORDO COM TRIDENT MEDIA GROUP NY, NY - USA Todos os direitos reservados.

Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

TÍTULO ORIGINAL: How to Seduce a Duke

EDITORA

Leonice Pomponio

ASSISTENTES EDITORIAIS

Patrícia Chaves Silvia Moreira

EDIÇÃO/TEXTO

Tradução: Gabriela Machado

Revisão: Giacomo Leone

ARTE

Mônica Maldonado

ILUSTRAÇÃO Hankins + Tegenborg, Ltd.

MARKETING/COMERCIAL Andrea Riccelli

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Kathryn Caskie - [Irmãs Role 1] - Como Seduzir um Duque (CH 396)

PRODUÇÃO GRÁFICA Sónia Sassi

Capítulo I

Berkeley Square,

Londres, Maio de 1814

Sob o véu da noite, três estátuas humanas se postavam atrás de uma moita de azevinhos, as vozes reduzidas a meros murmúrios.

— Ele está bem ali. — Mary, a mais velha das irmãs Royle, apontou o dedo branco pelo vão entre os galhos. — Pode vê-lo? É o loiro diante da fonte. Não é extraordinário?

— Não consigo enxergar nada além da parte de trás de uma cabeça.

Anne não achava a aventura tão divertida quanto Mary. Desde o momento em que haviam saído da mansão da tia, não parava de reclamar sobre o absurdo de terem invadido a festa no jardim do vizinho.

Contudo, ficar escondida junto à sebe era perfeitamente lógico, segundo a maneira de pensar de Mary. Não haviam sido convidadas para a festa... mas o visconde, sim.

Até então, Mary só o vira cinco vezes, e de passagem. E embora fosse excelente para julgar o caráter das pessoas, precisava de mais tempo para avaliá-lo melhor... só para certificar-se.

Observando-o às escondidas, confirmaria sua opinião inicial sobre o visconde: a de que o jovem era absolutamente perfeito.

Anne manifestou sua ansiedade para que Mary saísse da frente.

— Não precisa ser tão impaciente. Darei um passo para o lado, se você tirar a mão de mim com cuidado.

Anne ergueu um dedo de cada vez e, depois, a palma da mão.

Mary torceu-se para espiar o dano ao disfarce.

— Eu sabia! Seus dedos deixaram marcas em mim.

— Vocês duas querem, por favor, baixar o tom de voz? — Elizabeth, a mais nova das trigêmeas, pestanejou, zangada. Tinha os cílios cobertos de pó branco. — E se formos pegas? Nossa família ficará arruinada. Sou eu apenas a levar isso em consideração?

— Está escuro, Lizzie. Ninguém pode nos ver aqui. — Anne tropeçou na barra da túnica grega, mandando uma nuvem de pó branco para o ar.

— Anne tem razão. Mas também não podemos ver nem ouvir o que se passa lá. Acho que precisaremos chegar mais perto. — Mary fez um sinal para as irmãs. Então, viu Anne e Elizabeth trocarem olhares de soslaio. Oh, não. Não iriam desistir agora. Tinham de continuar com o plano. Afinal, haviam prometido ir até o fim!

— Nem pensem em ir embora! Era esse o combinado: vestir branco e nos cobrir de pó, depois invadir a festa, fingindo sermos estátuas do jardim.

Elizabeth bufou.

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— Um plano absurdo. Mas admito que, com o luar, a aparência de mármore é de fato incrível.

Anne se encolheu.

— Sinto como se formigas estivessem passeando por meu corpo. Mary, não sei como nos convenceu a participar. E o motivo? Paixão por um soldado galante? Concordo com Lizzie, isso é um absurdo sob todos os aspectos.

— Existe um oceano de diferença entre um simples soldado e um herói de guerra. Já mencionei que o título de visconde foi recentemente concedido a ele pelo próprio Regente? Como uma grande recompensa por seu valor em batalha. — Um movimento atraiu a atenção de Mary. — Oh, não! O visconde está indo embora. Vamos, temos de alcançá-lo.

Elizabeth sacudiu a cabeça com veemência.

— Vou é pular o muro, voltar para casa e tomar um banho para tirar de cima de mim essa camada de pó branco. — Segurou a mão de Anne para se firmar.

— Por favor! Não até que pelo menos o veja. Vamos nos casar, você sabe.

— É o que você diz. — Anne limpou as folhas secas grudadas no vestido. — Mas não precisa casar-se com o sujeito só para assegurar nosso futuro. Temos a temporada inteira... e mais, para encontrar a prova de que precisamos.

Mary bufou.

— Sou realista, e vocês deveriam fazer o mesmo. — Observou o visconde levar um cálice à boca, e um suspiro escapou-lhe dos lábios.

— Oh, está bem, mostre-me! — Anne ficou na ponta dos pés e espiou por sobre o topo da sebe. — Qual dos homens é ele?

Mary percebeu que havia dois homens agora. Mas enquanto o "seu" visconde — porque, na verdade, já pensava nele como seu — tinha cabelos loiros, os cabelos do outro homem eram negros como azeviche, e era quase dois palmos mais alto.

— Bem, certamente não é aquele gigante desajeitado. Meu gosto é muito mais refinado. — Mary fez sinal às irmãs para que a seguissem. As duas concordaram, relutantes. — Olhem lá. O rapaz com a bengala — murmurou quando as irmãs se puseram a seu lado. — O que eu lhes disse? Que feições belas, aristocráticas. Mostra uma boa ascendência.

— Oh, c-céus! — Elizabeth gaguejou, e seus olhos se arregalaram.

— Que gestos elegantes... — murmurou Mary, fascinada.

— Mary! — Anne balbuciou. — O cavalheiro grandalhão está vindo para esse lado!

— Não ligue para ela, Anne — Elizabeth disse baixinho — , apenas corra!

Pelo canto do olho, Mary viu Elizabeth disparar pelo escuro, com Anne logo atrás, a tropeçar desajeitada. Sacudiu o ombro e olhou de novo na direção dos dois homens.

Oh, não! Agora havia apenas um. E um vulto enorme se enfiara por uma fresta na cerca e rumava em sua direção.

Não havia tempo para correr, nem para se esconder.

Assim, sendo uma estátua de jardim um tanto suja, Mary virou as costas para a sebe e depois dobrou as mãos diante de si, tentando da melhor forma possível, fazer-se passar por uma escultura de mármore elegantemente lapidada.

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Nem bem fechou os olhos, ouviu os passos do homem bem próximos. No instante seguinte, Mary percebeu que ele havia parado bem à sua frente.

Não se mova. Não respire.

Ouviu-o soltar uma risada nervosa e rouca.

— Lugar estranho para uma estátua — resmungou o homem. — Quinn, há uma estátua aqui. Você a viu? Adorável. Tem detalhes extraordinários. Muito realistas.

A distância, Mary ouviu a voz suave do visconde.

— Deve ser uma dessas recentes aquisições de lorde Underwood.

— Não, essa estátua não tem... ah... a patina de antiguidade. Venha cá e dê uma olhada.

O cavalheiro não se afastou, e Mary teve a distinta impressão de que ele a estudava com atenção. Na verdade, estava tão perto que ela podia sentir o calor de sua respiração, e isso a fez tremer.

Oh, perdição! Por que ele não ia logo embora?

Mary receava que seu disfarce houvesse sido descoberto.

Tinha de ver o que se passava. Tinha de se arriscar.

Lentamente, abriu um pouco as pálpebras e espiou através dos cílios empoados. E viu, estupefata, a mão do estranho se esticar como se fosse empalmar-lhe um seio.

Meu Deus! Oh, Senhor, ele realmente pretende tocar meu...

— Como ousa! — Os olhos de Mary se arregalaram. Ela levou a mão para trás e desferiu uma bofetada na face do homem.

Mary jamais vira antes, no rosto de uma pessoa, um olhar tão chocado, uma expressão de surpresa tão intensa. O homem escancarou a boca e levou a mão ao ponto esbranquiçado que ela havia deixado na face esquerda.

— Peço que me perdoe, senhorita... pensei que fosse uma...

— Não, não pensou. Você sabia! Estava brincando comigo. Safado!

Então, atrás dela, estourou uma risada. O visconde, obviamente, passara pela sebe também. Mary congelou-se no lugar.

— Até uma estátua de jardim sabe que você é um libertino, Rogan. Não pode escapar de tal reputação, amigo, não importa o quanto se esforce.

Oh, Deus. O visconde está bem atrás de mim! Não havia como tornar aquela noite mais desastrosa. De jeito nenhum.

Mary virou o rosto. Não poderia deixar que o visconde visse suas feições, pois, sem dúvida, poderia reconhecê-la.

Com o coração acelerado, e sem alternativa, ela não hesitou: deu um empurrão no homem de cabelos cor de ébano e, com a rota de fuga livre, disparou a correr e sumiu na noite.

— Maldição! — O olhar do visconde seguiu atrás da figura feminina que desaparecia na escuridão. — Quem era essa?

O irmão arqueou uma sobrancelha, com ar divertido, enquanto esfregava a face dolorida, manchada de pó.

— Não tenho a menor idéia. Mas pode ter certeza, pretendo descobrir.

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Infelizmente, a direção em que Mary se arrojou era oposta à que tinha de ir. Assim, ela se viu forçada a passar por hortas, estábulos e muros cobertos de hera de pelo menos seis casas, antes de se esgueirar por um beco estreito e voltar à Berkeley Square e à grande mansão da tia, onde, junto com as irmãs, estava hospedada para a temporada.

Quando passou pela porta da frente e a fechou, Mary esvaziou os pulmões num enorme suspiro de alívio. Graças a Deus, o visconde não vira seu rosto.

Mesmo que a tivesse visto por um breve momento, com o corpo e os cabelos negros cobertos com uma espessa camada de pasta de farinha de trigo e pó-de-arroz, não a reconheceria como a mulher a quem tirava o chapéu toda terça-feira, durante o passeio no Hyde Park.

Pelo menos era o que ela esperava.

O brilho de um fogo se filtrava pela porta da sala de visitas, e ela rumou para lá, sabendo que encontraria ao menos uma das irmãs.

— Eis aí você! — Elizabeth, sentada num banco ao lado da lareira, tirava a umidade dos cabelos da cor de um cobre brilhante, que acabara de lavar.

— Tia Prudence ainda está dormindo, não é? — Mary perguntou, ansiosa.

— Você sabe a resposta. O que mais nossa velha tia estaria fazendo numa hora tão tardia... ou de manhã... ou de tarde? Anne e eu estávamos muito preocupadas com você. Temíamos que fosse pega em flagrante.

— Evidente que não estão tão preocupadas. Vocês me abandonaram!

Elizabeth olhou para o chão.

— Sim... e ficamos desoladas. — Levantou os olhos e depois sorriu. — Mas tudo está bem. Você voltou para casa. Não aconteceu nada de mau.

Mary cruzou os braços no peito e não respondeu.

— V-você não foi... surpreendida, foi?

— O grandalhão quase me desmascarou. — Mary recordou do olhar espantado na face do intrometido quando o esbofeteara, e sorriu. O safado tinha merecido. Se não o impedisse, o atrevido teria...

— Oh, Mary, graças aos céus está a salvo! — Anne, de camisola e parecendo ter saído do banho, entrou correndo na sala e fez menção de abraçar a irmã. Porém, ao perceber que Mary continuava toda branca, mudou de idéia. — Por que voltou tão tarde? O que aconteceu?

— Nada! Simplesmente corri na direção errada, e levei um tempo enorme para voltar para casa. — Então, Mary percebeu uma coloração estranha na face, no pescoço e nas mãos de Anne. Olhou com atenção, e constatou que a pele da irmã estava toda vermelha, como se tivesse sido queimada com ferro em brasa. — Eu é que pergunto o que aconteceu com você!

Anne arrancou o pente da mão de Elizabeth e passou-o nos cabelos loiros.

— O pó! — Arqueou a sobrancelha, irritada. — Eu lhe disse que estava coçando. Por que deixei que me convencesse a me disfarçar como uma estátua, nunca saberei.

— Eu só queria que vocês vissem o homem com quem decidi me casar no final da temporada. — Mary esboçou um sorriso largo. — Concordam comigo, não é? Ele é

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perfeito em todos os aspectos que interessam. — Ia se sentar no sofá, mas Elizabeth a afastou com gestos aflitos antes que o vestido empoado pudesse manchar o estofado de seda. — Não tenho muito tempo, e precisarei da ajuda de minhas irmãs para realizar o enlace.

Anne meneou a cabeça.

— Nem me atrevo a perguntar de que tipo de "ajuda" você precisa. — Enfiou o pente de volta na mão de Elizabeth. Atravessou a sala e abriu uma caixa de couro com documentos do falecido pai. De dentro dela, tirou um maço de papéis.

— Assim que comprovarmos a informação contida nessas cartas...

Mary levantou a mão.

— Pare. Não sabemos nem por onde começar. E será impossível, dado o tempo e as restrições financeiras que temos.

Elizabeth juntou-se a Anne.

— Há uma grande quantidade de informação aqui, e inúmeras pistas consistentes a seguir. Papai guardou essas cartas para nós para comprovarmos quem somos.

Bufando de frustração, Mary atravessou a sala. Fechou a caixa com um baque.

— Papai não guardou esses documentos para nós... e sim os escondeu de nós. Na verdade, escondia de todos. Se soubesse que sua morte era tão iminente, teria destruído essa caixa e o conteúdo.

— Discordo. Ele poderia ter queimado tudo, mas não o fez. Fez isso para assegurar que, um dia, os bebês que ele resgatou encontrariam seu destino. — Com os dedos inchados e vermelhos, Anne limpou as marcas brancas de pó que Mary havia deixado na caixa de couro.

— Só para argumentar, digamos que somos as meninas mencionadas nessas cartas... E vamos presumir também que cada carta dentro dessa caixa seja um Evangelho. Acha que aqueles que trabalharam tão arduamente para apagar nossa existência, permitiriam com tanta facilidade que de repente aparecêssemos diante da sociedade londrina com tiaras de diamante em nossas cabeças?

— Não seja tola, Mary. — Elizabeth meneou a cabeça diante das palavras da irmã. — Não iríamos usar tiaras. Que idéia! É preciso ser casada para usar uma tiara. Não é mesmo, Anne?

— Você não entendeu nada... — Mary suspirou. — Essa busca pode ser perigosa se as cartas forem genuínas. Se não forem, será uma colossal perda de tempo e de dinheiro.

Anne ergueu o queixinho delicado e esboçou um sorriso vencedor.

— Ora, ora, é que aí está, Lizzie. A verdade... Nossa sempre frugal e parcimoniosa Mary não quer desperdiçar um simples minuto para investigar as circunstâncias de nosso nascimento!

— E uma tarefa de Hércules, com certeza, Mary. — Elizabeth revirou os grandes olhos verdes para o alto. — Mas devemos isso a papai... e a nós mesmas.

— Muito bem, que seja. Vocês duas podem fazer o que quiserem, mas eu planejo usar meus recursos com lógica.

— Somos ricas, Mary — retrucou Anne.

— Não, não somos. Nem chegamos perto disso. Só parece assim porque vivíamos com muita simplicidade na Cornualha. — Mary sacudiu a cabeça, lançando pó pelo ar. —

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Não sei como papai conseguiu — provavelmente tinha poupado cada centavo durante anos —, mas concedeu a cada uma de nós um grande presente: um dote suficiente para atrair cavalheiros de posição e influência. Se formos cuidadosas em nossos gastos, e práticas nas escolhas, teremos meios de desfrutar de vidas confortáveis, em vez de poupar cada centavo para comprar farinha para o pão. Mas só se não formos perdulárias, e pusermos de lado a idéia fantasiosa de nossa suposta linhagem.

Mary rumou para a porta, mas ao perceber que as irmãs não haviam retrucado, voltou-se.

— Devemos ser realistas. Somos apenas três irmãs da Cornualha que herdaram belos dotes. Isso é tudo.

— Não, Mary. — Elizabeth ergueu a caixa com reverência. — Somos as filhas ocultas do Príncipe Regente e sua esposa católica, a sra. Fitzherbert.

— Nunca provaremos isso. — Mary apontou para a velha caixa de couro. — Não compreende? É apenas uma história fantasiosa, e seremos loucas em pensar diferente.

— Negue o quanto quiser, Mary — Anne contestou. — Mas você sabe tão bem quanto eu que é verdade. Pelo sangue, ao menos, somos... princesas!

Na tarde seguinte, Mary, sentada junto à janela, estava imersa nas páginas de um livro quando ouviu uma batida firme na porta da frente. Seu olhar correu para tia Prudence, que caíra adormecida na poltrona ao lado da lareira com o cálice vazio de licor na mão enrugada. Prudence roncou uma vez, mas não acordou.

Em vez de se levantar para atender, Mary entreabriu as cortinas e espiou pelo vão.

A idade avançada havia reduzido a vida social da tia muitos anos atrás. Mary e as irmãs ainda não tinham conhecidos em Londres, por isso não era razoável supor que se tratasse da visita de um amigo.

Seu único pensamento naquele instante foi amedrontador.

E se, na noite anterior, não tivesse fugido do jardim tão incógnita como acreditara? Alguém aparecera para discutir o assunto sério daquela transgressão!

Oh, Deus. Ela não tinha a menor idéia do que fazer.

Esforçou-se ao máximo para enxergar através da fresta entre as cortinas, mas simplesmente não conseguia ver quem estava diante da porta.

Ouviu-se uma segunda batida.

Mary afastou-se da janela. Deus do céu. E se o visitante fosse o seu visconde? Ou pior, o ogro gigante que ele tinha chamado de irmão?

O coração de Mary bateu como um tambor contra as costelas.

De repente, passos ecoaram pelo corredor. Ela virou-se a tempo de ver MacTavish, o velho e magro mordomo recém-contratado para administrar a casa, passar pela porta da sala.

— Por favor, não abra! — Ela saltou do banco e correu pela sala até o corredor.

MacTavish reapareceu na soleira da porta.

— Posso perguntar por que não, srta. Royle?

Mary sacudiu a cabeça, frustrada. Não era óbvio?

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— Porque... não sabemos quem é.

— Perdão, mas posso resolver esse problema simplesmente abrindo a porta.

Uma terceira sucessão de pancadas ressoou.

— Srta. Royle? Eu deveria abrir a porta.

Mary não teve outra escolha a não ser concordar.

— Claro. Mas se alguém perguntar, minhas irmãs e eu não estamos em casa.

— Muito bem, senhorita, eu compreendo... mais ou menos.

Assim que o mordomo seguiu para a entrada, Mary correu na ponta dos pés para a biblioteca, onde as irmãs tomavam chá. Espremeu-se contra a estante de livros perto da porta, e apurou o ouvido.

— Droga! Não consigo ouvir uma palavra do que estão dizendo — resmungou.

Elizabeth estreitou os olhos sobre Mary. Então, fechou o livro encadernado em couro que equilibrava no colo.

— Conheço esse olhar. O que você aprontou agora? — indagou curiosa.

Mary virou-se para a irmã com uma careta.

— Shhh! Quer que alguém a escute? Não é para estarmos em casa, sabia? Leia... seja o que for que tem aí, Lizzie.

— É um livro sobre doenças e remédios. Eu o encontrei na caixa de documentos de papai.

Anne remexeu-se na cadeira.

— Por que temos de ficar quietas? Não faz sentido. — Seus olhos se arregalaram de repente. — Deus do céu, Mary! Aconteceu alguma coisa? Você está branca como uma...

— Estátua de mármore! — Elizabeth exclamou. Ela e Anne se entreolharam, e trocaram uma risadinha à custa da outra irmã.

Mary ia retrucar quando ouviu o clique da porta da frente ao ser fechada.

Um instante depois, MacTavish se postava na soleira da porta da biblioteca com um pedaço de papel lacrado a cera no centro de uma salva de prata.

— Isso é para a senhorita. — Ergueu a bandeja diante de Mary.

— Para mim? — Ela pestanejou, mas não estendeu a mão para pegar o papel. — Ora, não posso imaginar...

As duas irmãs ficaram de pé no mesmo instante.

— De quem é, Mary? — Os olhos cor de esmeralda de Elizabeth faiscavam de excitação.

— Por certo que não sei. — Mary ergueu os olhos para o mordomo.

— Foi deixado por um lacaio de libré. — MacTavish pigarreou. — Se me permite, senhorita... Assim como abrir a porta revela a identidade de um visitante, será possível conhecer o remetente dessa mensagem simplesmente abrindo-se a maldita carta.

Anne arquejou de espanto.

— MacTavish, que linguagem!

Mary aproveitou-se para se apoderar da carta num bote só.

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— Perdão, senhorita. — O mordomo escocês inclinou a cabeça careca. — Se puderem me desculpar, por favor, irei ver se a cozinheira precisa de ajuda para colocar o assado no espeto.

Assim que MacTavish saiu da sala, Anne encarou Mary com um olhar superior.

— Por que você não pagou um pouco mais para empregar um mordomo adequado, eu jamais compreenderei. — Ela cruzou os braços no peito e voltou batendo os pés até a cadeira. — MacTavish é pouco mais que um ladrão de rua, e você sabe muito bem disso.

— Com a economia que fiz, pude contratar um mordomo e uma cozinheira, e acabei de colocar um anúncio no Bell’s Weekly Messenger à procura de uma criada — Mary retrucou. — Assim, a menos que você prefira cuidar da cozinha e fazer compras durante nossa estada em Londres, faria bem se não mencionasse os defeitos sem importância de MacTavish!

— Defeitos sem importância? O mordomo e nossa cozinheira são completamente inadequados. Seria bem melhor ter mantido a equipe doméstica de tia Prudence.

— Por favor, pare, Anne. Eles estavam roubando a olhos vistos, sabe disso. — Elizabeth virou-se, pegou o braço de Mary e empurrou a carta até os olhos da irmã. — Vamos logo, conte de quem é.

Mary engoliu em seco. Então, recompôs-se, quebrou o selo de cera escarlate e abriu a carta. Correu os olhos pelas palavras grafadas em tinta pesada, e depois ficou olhando por vários segundos para o nome do remetente.

— Oh, céus! — A carta caiu de seus dedos.

— Por favor, não nos faça esperar mais, Mary! Podemos ler?

Elizabeth pegou a carta e se pôs a lê-la. Ao terminar, recuou até a cadeira e afundou nela.

Anne ficou boquiaberta.

— Uma de vocês pode, por favor, me revelar o conteúdo da carta? Minha paciência com todo esse drama está se esgotando. De quem é a missiva, afinal?

— De lorde Lotharian, da Cavendish Square, no Marylebone Park. — Elizabeth desviou o olhar para Mary. — Precisamos ir procurá-lo, Mary!

— Enlouqueceu? — ela bufou. — Visitar um cavalheiro que não conhecemos?

— Ele alega ser um velho conhecido de papai. Não vejo razão para que tenha mentido.

Quando Mary meneou a cabeça em negativa, Elizabeth aproximou-se da mesa de chá e tomou a mão de Anne na sua. Encarou-a nos olhos até que a irmã concordasse.

— Sim, eu irei, Lizzie.

Elizabeth virou-se então para Mary.

— Todas nós devemos ir.

— Tia Prudence precisa ser informada de seu plano — Mary ponderou.

— Nossa tia está cochilando — Anne retrucou, sem rodeios. — Eu não gostaria de acordá-la.

De repente, Elizabeth levantou-se e atravessou correndo a sala. Voltou com uma chave de bronze tirada da fechadura da caixa de documentos. Estava ruborizada de excitação.

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— De acordo com a carta, essa chave pode nos ajudar em nossa busca.

Mary arqueou as sobrancelhas.

— Como esse cavalheiro saberia de nossa "busca", posso perguntar?

— Era um amigo de papai. — Os olhos de Anne faiscavam. — Ele pode saber tudo sobre nossos verdadeiros pais.

— Acho que ambas supõem coisas demais. — Mary suspirou ao se aproximar de Elizabeth e tirar-lhe a chave da mão. — Na verdade, vocês acreditam que esse simples pedaço de metal possa ser... a chave para o mistério de nosso nascimento.

Os olhos de Anne e Elizabeth se encontraram e, então, num instante, as duas saíram correndo da biblioteca, o ruído dos saltos a ecoar pelo corredor.

— Mary, venha. Precisamos ir, nesse instante!

— Isso não passa de um gracejo, acreditem. Mas irei com vocês, só para rir quando constatarem que eu tinha razão. — Com um suspiro resignado, Mary seguiu para o corredor.

Quando chegou à porta, as irmãs passaram-lhe um xale em torno dos ombros, e lhe enfiaram um chapéu na cabeça.

— Mas não desperdiçarei um bom dinheiro num coche de aluguel para esse passeio inútil. — Ela sacudiu a cabeça para enfatizar a frase. — A Cavendish Square não é muito longe, e a temperatura está agradável hoje. Iremos caminhando.

Anne abriu a porta da frente e olhou para as nuvens cinzentas no céu.

— Mas vai chover...

Mary olhou preocupada para o alto.

— Oh, Deus. Esperem um pouco, por favor. — Correu de volta para dentro da casa.

— Puxa! Mary, tão sovina, vai mesmo gastar uma moeda para alugar um coche. Céus, mal posso acreditar! — Anne exclamou.

— Então, vamos encontrar um coche de aluguel antes que ela mude de idéia. — Elizabeth correu para a rua e se pôs a acenar aflita, até que finalmente atraiu a atenção de um cocheiro, que parou na esquina da praça.

— Elizabeth, estamos em Londres! — Anne apressou-se a puxar a irmã para trás. — Esses seus modos grosseiros precisam acabar. Somos damas, não mais interioranas rudes. Lembre-se disso.

Quando Mary saiu pela porta, espantou-se ao ver as irmãs prestes a subir ao coche.

— Não, não! Peço desculpas, meu caro senhor — ela gritou ao cocheiro —, mas minhas irmãs não irão mais precisar de seus serviços.

Anne e Elizabeth viraram as cabeças, pegas de surpresa, e encararam a irmã, boquiabertas.

Mas Mary simplesmente sorriu e entregou uma sombrinha a cada uma delas.

— Já que vamos andando, por certo precisaremos disso.

O cheiro da chuva que se aproximava permeava o ar úmido quando Rogan Wetherly, o duque de Blackstone, e seu irmão Quinn, recém-agraciado com o título de visconde de

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Kathryn Caskie - [Irmãs Role 1] - Como Seduzir um Duque (CH 396)

Wetherly, refrearam suas lustrosas montarias ao descer a Oxford Street, na direção do Hyde Park.

Uma gota gelada atingiu a face de Rogan, que ergueu os olhos para o céu.

As nuvens estavam negras e pesadas. Era uma bobagem aventurar-se mesmo que a umas poucas milhas de Marylebone por causa de uma mulher.

Mas a dama em questão, de acordo com Quinn, visitava o parque toda terça-feira àquela hora. E quem era Rogan para frustrar as esperanças do irmão em encontrá-la?

— Deus do céu! Rogan, Pare! — Sem aviso, Quinn levantou-se nos estribos, esticou a mão e agarrou a rédea direita de Rogan. Puxou-a para trás com força, obrigando o cavalo do irmão a colar-se ao seu, impedindo o animal de avançar.

O coração de Rogan disparou no peito.

— Que inferno, Quinn! Se queria me derrubar da sela, quase conseguiu.

Quinn pigarreou. Tirou o chapéu e inclinou a cabeça para a frente, desviando a atenção de Rogan para o trio de espantadas mocinhas de olhos arregalados.

Bobocas. Provavelmente atravessaram a rua sem prestar atenção aos cavaleiros que se aproximavam. E agora se postavam, imóveis como estátuas, no meio da via movimentada, a menos de um passo dos dois.

A mais alta das três, olhou furiosa para Rogan por baixo da aba de seda desbotada de um chapéu ridículo decorado com fitas. Os olhos cor de âmbar fulguravam, zangados.

Por um breve instante, sua boca se torceu, e então se abriu, como se fosse lhe passar uma descompostura. Porém, a expressão mudou de repente — para uma de embaraço. Com um gesto brusco, virou a cabeça para o outro lado.

Rogan ia chamá-la quando a jovem agarrou a mão enluvada da beldade de cabelos cor de cobre a seu lado, e depois puxou a pequena comitiva para a calçada, afastando-se deles com rapidez.

— Perdeu o juízo? Poderia ter atropelado as moças. — Quinn virou na sela e observou as três jovens se enfiarem pela multidão, rua abaixo.

— É óbvio que atravessaram a rua sem prestar atenção. Mesmo que meu cavalo tivesse atropelado uma delas, a culpa não seria só minha. — Rogan levou a montaria a fazer meia-volta e juntou-se a Quinn, olhando as damas que se afastavam. — Viu de que modo a mais alta me olhou? Como se achasse que eu tinha varíola, ou pior!

— Não, não percebi. Estava ocupado demais, tentando acalmar seu cavalo.

Rogan firmou-se nos estribos para olhar melhor a jovem.

— Há algo familiar nas feições daquela moça, não concorda? — Ajeitou-se de novo na sela.

— Depois de anos de libertinagem, não é difícil que tenha enganado aquela moça no passado.

Rogan bufou.

— Aquela não enganei, tenho certeza. Ah, ela é bem bonita, mas você não viu as roupas que usava. O que era aquele chapéu? Direto do campo com nada além de dois xelins na palma da mão, eu diria.

Quinn resmungou diante do comentário, mas não respondeu. Virou o cavalo e seguiu de novo para o Hyde Park.

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— Você não pode querer continuar — Rogan gritou, mas o irmão não parou. — Olhe para o céu.

Quinn enterrou o chapéu na cabeça.

— Pode me acompanhar ou voltar para casa, Rogan, mas eu continuarei. Ela estará lá, eu sei disso. E dessa vez nós vamos nos conhecer.

Rogan meneou a cabeça e fez meia-volta com a montaria. Um instante depois, estava ao lado do irmão mais novo.

— Então, essa mulher que procura no parque... acha que é a futura viscondessa de Wetherly?

— Bem... talvez.

— Por que a pressa para ir ao altar? Você não é nenhum solteirão enrugado. É um herói, agraciado com um belo título por seu valor. É bonito, jovem e endinheirado. No entanto, deseja se acorrentar?

A expressão de Quinn tornou-se solene. Puxou as rédeas, e não disse uma palavra até que Rogan fizesse o mesmo.

— Não quero esperar para ser feliz, para ter a vida com que sonho. Em Toulouse, aprendi que posição e status podem de repente não significar coisa nenhuma. Eu podia trocar brindes com um amigo numa noite, e no dia seguinte cavar sua sepultura. — Soltou um longo suspiro ao erguer a perna direita e tirar o pé do estribo. Então, deixou que ela pendesse, flácida. — Se a guerra me ensinou alguma coisa, foi que a vida é para ser vivida, Rogan. O que, para mim, equivale a uma esposa e filhos. E não pretendo postergar isso por mais tempo.

Rogan concordou com um gesto resignado.

Seu irmão vira mais mortes durante seus anos na península, do que ele veria numa existência inteira.

Não invejava a vida idílica com que Quinn sonhava. Depois de tudo que sofrera, ele a merecia.

Só que a bem-aventurada vida de casado que o irmão procurava não existia de fato, por mais que Quinn acreditasse nisso.

Mas essa era uma conversa para outro dia.

Rogan aprumou as costas e sorriu.

— Quinn, nós iremos encontrar sua dama, contanto que voltemos à Portman Square antes que o céu desabe.

Quinn enfiou a mão debaixo do joelho e deu um jeito de colocar a bota de novo no estribo. Um sorriso malicioso curvou-lhe o canto dos lábios.

— E melhor nos apressarmos, então. — Inclinou-se sobre o pescoço da montaria e calcou os calcanhares no lombo do animal. — Eu o verei no portão, velhote.

Rogan soltou uma risada e, então, incitou o baio num galope rumo ao portão de Cumberland. O vento arrancou-lhe o chapéu da cabeça, lançando o belo acessório numa poça de lama, mas ele nem se deu ao trabalho de olhar para trás.

Tinha uma corrida a vencer.

Em poucos minutos, seu cavalo passou em disparada pelo de Quinn. Rogan soltou um berro de triunfo. Virou-se para encarar o irmão.

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— Ninguém leva a melhor sobre o duque Negro!

Quinn incitou a montaria até que os dois cavalos ficaram pescoço a pescoço. E riu quando o baio ultrapassou o de Rogan.

— Ninguém? — ele berrou.

Rogan sorriu, e logo fazia seu cavalo disparar na liderança uma vez mais.

— Não, ninguém! E isso inclui você, caro irmão!

Enormes gotas de chuva batiam no chão ao redor das irmãs Royle quando as três chegaram à Cavendish Square.

Empolgada, Elizabeth ergueu a carta diante dos olhos de Mary.

— Chegamos. E aqui, está vendo? Número dois, logo adiante.

Mary não se moveu, embora a chuva aumentasse.

— Fique pregada aqui, se quiser, Mary, mas eu não quero ver minha nova roupa de domingo arruinada pela chuva. — Anne avançou pela estreita calçada até os degraus que conduziam ao casarão. Ao chegar ao primeiro degrau, virou-se e olhou para as irmãs. — Pelo menos você me acompanhará, não é, Lizzie?

Elizabeth virou-se para Mary, estendeu a mão e afastou uma mecha úmida de cabelo da face da irmã.

— Minha irmã, eu preciso saber se esse lorde Lotharian pode nos contar algo sobre nosso nascimento. Por favor, venha conosco. Você é esperta e irá adivinhar a verdade mais depressa do que Anne ou eu. Por favor!

Mary hesitou por um instante. Tinha caminhado até ali, quase fora atropelada por isso. Poderia muito bem entrar.

— Vocês venceram — resmungou por fim. — Mas se essa aventura não produzir nada que dê suporte à história fantasiosa de nosso nascimento, devem me prometer que irão desistir da investigação e se concentrar no futuro de cada uma.

— Oh, que boba você se mostra às vezes. — Elizabeth riu. — Sabe que nunca concordaríamos com isso. — Agarrou a mão de Mary e arrastou-a para a porta, ao mesmo tempo que Anne batia a aldrava de bronze.

A porta se abriu, e um criado apressou-se a fazê-las entrar e sair da chuva.

A casa era enorme. As paredes do saguão se erguiam por três andares, num círculo que se fechava em uma escadaria adornada de balaústres dourados. O chão de mármore polido parecia um espelho.

Um trio de lacaios de repente as rodeou, assustando as irmãs. As mãos enluvadas rapidamente se apossaram de todos os xales e das sombrinhas pingando. Em seguida, os criados desapareceram tão depressa quanto tinham chegado.

— Minha patroa as receberá na biblioteca. — O lacaio inclinou a cabeça e virou-se, como se esperasse que as moças o seguissem. — Está prestes a tomar chá.

Mary esticou a mão e o cutucou no ombro antes que ele deixasse o saguão.

— Perdão, mas creio que podemos estar no lugar errado.

O homem encarou-a, desconcertado.

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Elizabeth estendeu o cartão a Mary, que o pegou, e indicou o endereço ao lacaio.

— Cavendish Square, 2.

O criado pestanejou e olhou para o cartão, para depois voltar a encarar Mary.

— Não, é o local certo, senhorita. São da família Royle, não?

— Sim, somos — Mary começou — , mas nós...

— Como eu disse, srta. Royle — o lacaio a interrompeu, como se não a tivesse ouvido —, se por favor puderem me acompanhar, eu as levarei até minha senhora.

— Pare, por favor! Não viemos aqui para ver uma senhora. — Anne, impaciente, cruzou os braços no peito.

— Viemos aqui visitar um cavalheiro... hum... lorde Lotharian. — Os brilhantes olhos verdes de Elizabeth estavam arregalados como os do criado.

— Certamente. E logo verão Sua Senhoria. Por aqui, por favor.

Elizabeth e Anne agarraram-se aos braços de Mary e seguiram o homenzinho esquálido por um longo corredor e para dentro de uma enorme biblioteca.

Livros encadernados em couro enchiam as prateleiras até o mural de moldura dourada pintado no teto. Um odor, misto de polidor de couro, cera, mofo e velhice, permeava o ar frio do aposento. No centro, uma mulher miúda, de idade, parecendo uma cebola, sentada num sofá revestido de seda, pestanejou quando as viu.

Apesar de obesa, a idosa era tão pequena que os sapatinhos que calçava nem chegavam perto do tapete turco estendido ao chão.

O lacaio dirigiu-se até o meio da sala e as anunciou.

— Minha senhora, as senhoritas Royle.

Então, apressado, saiu da biblioteca.

A velha senhora mostrou-se visivelmente emocionada.

— Oh, oh, por fim posso vê-las com meus próprios olhos. Estou tão feliz que tenham vindo! Não tínhamos certeza se viriam. Mas aqui estão vocês, e em cada detalhe, tão lindas como imaginei. Ouvi falar tanto sobre as três meninas, tanto! — Os pezinhos, calçados em sapatos de seda com saltos incrivelmente altos, balançaram, agitados.

A mão desceu pelo espaldar curvo do sofá e puxou uma alavanca de madeira. No mesmo instante, um banquinho estofado saltou para fora, por debaixo do sofá. E a velhinha roliça escorregou sobre ele, e depois, firmou os pés no tapete.

— Endireitem-se e deixem-me vê-las. Ah, que porte flexível. E são altas também, todas vocês! — O olhar da mulher cravou-se em Mary. — Qual delas é você, minha cara?

— Eu... eu sou Mary. — Ela sentiu as faces queimarem, sobretudo quando a senhora ergueu o lornhão e a estudou.

— Já que são trigêmeas, eu esperava que se parecessem muito uma com a outra, mas não é assim. A cor dos cabelos é bem diferente. Mesmo o formato dos rostos... não é nada semelhante.

A mulher virou o lornhão para cada uma das irmãs.

— Não, as três são tão diferentes como a manhã, a tarde e a noite. Só a altura imponente e os olhos denunciam o parentesco.

Voltou-se de novo para Mary.

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— Você, menina, com esses longos cabelos negros... E quase da altura de um homem! — Soltou um riso deliciado. — Tem o sangue, por certo. Uma altura espetacular sempre se revela em mulheres de linhagem real.

— É mesmo? — Elizabeth estava fascinada.

— Oh, sem dúvida. — A dama encarou Elizabeth. Chegou mais perto da jovem, e depois ficou na ponta dos pés para apontar os brilhantes cabelos cor de cobre. — Você deve ser Elizabeth. Olhem para essa coroa poderosa. A rainha Elizabeth tinha cabelos como os seus, querida. E chegava quase a um metro e oitenta de altura!

Elizabeth endereçou a Mary um olhar presunçoso.

Oh, Senhor, Mary pensou, suspirando. Como se essas observações malucas signifiquem alguma coisa...

A mulher acompanhou o olhar de Elizabeth, e emendou:

— Sua prima, Mary, rainha da Escócia, tinha quase a mesma altura que você, sabia? — Então, os pálidos olhos cinzentos procuraram Anne. — Ah, que feições delicadas! E esses cabelos como fios de ouro. Linda também, lindíssima.

Anne ruborizou-se, lisonjeada.

— Quando os olhos da sociedade caírem sobre as três, não haverá questionamentos — continuou a entusiasmada dama. — Pois está claro que têm o sangue de reis e rainhas a correr nas veias.

Mary não conseguiria suportar aquela tagarelice por muito tempo. A mulher, quem quer que fosse, não faria nenhum bem em empolgar suas irmãs daquele jeito. A história sobre o nascimento das trigêmeas não passava de um conto de fadas.

— Desculpe-me, senhora, mas receio que esteja em vantagem diante de nós. — Mary sorriu para a velha. — Ainda temos de fazer as apresentações.

— Oh, perdão. Pensei que lorde Lotharian tivesse mencionado meu nome na carta. Sou lady Upperton.

As trigêmeas encararam mudas a senhora de cabelos brancos.

— Então, não ouviram? — A idosa abriu um sorriso largo e encheu os pulmões com um suspiro fundo antes de falar. — Devo ser a madrinha de vocês, seu passaporte de entrada para a sociedade de Londres.

— Nossa... madrinha? Não compreendo. Lady Upperton, não quero parecer ingrata, mas até três minutos atrás, minhas irmãs e eu nem mesmo tínhamos ouvido falar de seu nome — disse Mary.

— Sei que parece inacreditável. Mas é tudo verdade, eu lhes asseguro. — Lady Upperton tomou a mão de Mary. — Prometi ao pai das três que faria isso quando chegasse a hora. E o farei.

Prometera ao pai delas?

— Quando? — Mary gaguejou. — Quero dizer... quando fez essa promessa a nosso pai?

A velha senhora calou-se, e ficou a tamborilar os dedinhos sobre os lábios pintados.

— Suponho que há mais de vinte anos. Depois de tomar conhecimento das circunstâncias do nascimento de vocês, como eu poderia negar a seu pai alguma coisa? Claro, as três não passavam de bebês, mas ele estava preocupado, já naquela época, com o futuro de vocês.

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— A senhora disse que ouviu falar das circunstâncias de nosso nascimento. — Anne adiantou-se e se apossou da mão da mulher.

— Oh, sim. Ele contou tudo a nós, a meu marido, que infelizmente faleceu alguns anos atrás, e a seus companheiros membros dos Velhos Libertinos de Marylebone.

As sobrancelhas de Anne se encontraram, dando-lhe um ar de confusão.

— Papai era membro de um clube de cavalheiros? Não posso imaginar algo assim.

— Era, realmente. Assim como era... é lorde Lotharian. Na verdade, acho que é hora de vocês, garotas, conhecerem-no.

A velha dama girou nos calcanhares oscilantes e seguiu até a estante à esquerda da lareira apagada.

Enviou às irmãs um sorriso malicioso, e então colocou a palma da mão sobre a face de uma deusa entalhada numa coluna. Apertou. O nariz da figura esculpida abaixou-se sob sua mão e, de repente, de algum lugar por trás da estante, soou um clique metálico.

Lady Upperton virou-se para as três irmãs e arqueou as sobrancelhas.

— Prontas?

As irmãs Royle se entreolharam, nervosas. Então, como se combinassem, sacudiram as cabeças em concordância. Exceto Mary.

— Entrem, então. — Lady Upperton empurrou com firmeza a estante, e imediatamente a parte inferior das prateleiras abriu-se como uma porta, revelando uma passagem escura.

Anne deu um passo à frente sem hesitação, com Elizabeth em seus calcanhares. Ao chegarem à abertura, estacaram e olharam para trás, para Mary, que não avançara um único passo.

Deus do céu.

De repente, Mary sentiu-se atordoada. Quando concordara em visitar lorde Lotharian com as irmãs, tinha plena certeza de que nada aconteceria a não ser voltarem para casa com outro pacote inútil de cartas ou algo semelhante.

Aquela reviravolta nos acontecimentos, contudo, era inimaginável. Não estava preparada para isso.

Nem para uma grande dama disposta a introduzi-las na sociedade londrina.

Nem para uma confraria secreta de velhos libertinos.

E, sem dúvida, nem para portas escondidas dentro de muralhas de livros antigos!

— Depressa, Mary — lady Upperton instou. — Os cavalheiros estão esperando.

— C-cavalheiros? — Mary engoliu em seco. — Pensei que íamos conhecer lorde Lotharian.

— Oh, sim, querida, mas há dois outros que ouviram a história do nascimento de vocês naquela noite. Vai querer conhecê-los também. Venha. Não fique para trás.

Mary avançou um pé lentamente na direção da estante aberta, por onde Anne e Elizabeth haviam desaparecido.

Um vento frio que soprava da passagem secreta a fez estremecer. Mesmo assim, foi em frente.

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No momento em que a escuridão da passagem a envolveu, Mary ouviu a estante começar a se fechar outra vez. Virou-se depressa.

Sob a luz vacilante da biblioteca, viu apenas o rosto sorridente da velha senhora.

— Não vai se juntar a nós, lady Upperton? — Mary perguntou.

— Oh, não, menina. É um clube de cavalheiros, afinal. Sou apenas a porteira. Vá com suas irmãs. Siga o pequeno círculo de luz que verá num instante. Siga-o até chegar à passagem. Depois, bata duas vezes. Receio que a audição de Lotharian não seja a mesma de antes. — Sem mais palavras, lady Upperton fechou a estante atrás de Mary.

— Você vem, Mary? — O murmúrio de Elizabeth ecoou a alguma distância.

— Estou indo.

Um instante depois, ela sentiu a presença das irmãs a seu lado. Como lady Upperton dissera, uma réstia de luz filtrava-se por um olho mágico ao final da passagem. As irmãs se deram as mãos instintivamente e avançaram.

Mary soltou a mão de Anne, e ia bater duas vezes na parede, como lady Upperton instruíra, mas a irmã a impediu.

— Olhe pelo olho mágico primeiro e diga-nos o que pode enxergar.

Mary ergueu a cabeça e ficou na ponta dos pés.

— Não alcanço — murmurou.

— Eu farei isso. — Elizabeth adiantou-se. — Venha, Mary, preciso me apoiar em seu joelho para subir nos ombros de Anne. Como costumávamos fazer no pomar do sr. Smythe.

— Isso é loucura. — Mary firmou uma perna atrás e dobrou o joelho para Elizabeth.

Anne gemeu quando Elizabeth sentou-se em seus ombros, comprimindo-lhe os pés nas costas para se equilibrar. Anne deu um passo vacilante para a frente.

— O que está vendo?

Elizabeth inclinou-se e espiou pelo olho mágico.

— É... uma biblioteca. Ora essa, parece a biblioteca de lady Upperton, só que ao contrário... como se fosse um reflexo no espelho!

Um som metálico ecoou. De repente, a parede se moveu, lançando Anne e Elizabeth num monte sobre o tapete persa. Mary recuou para a passagem escura.

Um homem magro como uma vara, com uma vasta cabeleira grisalha, olhou divertido para as irmãs, e depois para os dois homens parados perto da mesa de chá.

— O que eu lhes disse, cavalheiros?

Inclinou-se para colocar o cachimbo numa bandeja de madeira, e então levou o monóculo ao olho e examinou as duas jovens caídas no chão perto da lareira. Ergueu uma sobrancelha e riu com doçura.

— As meninas não são a síntese da graça e da realeza?

Mary engoliu em seco. Tinha de revelar sua presença e falar pelas irmãs, que ainda nem haviam tentado se endireitar. Continuavam caídas numa confusão de saias, pernas e braços, a olhar estupidamente para os três homens.

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Na verdade, não poderia culpá-las. Embora fossem cavalheiros entrados em anos, como seu pai, caso não tivesse falecido, havia algo de diferente neles. Uma característica, uma vitalidade. Mesmo parada ali, no escuro, Mary podia senti-la.

— Querida, por favor, saia da passagem. Não tem nada a temer. — O cavalheiro magro levantou-se do sofá e fez um sinal, embora Mary tivesse certeza de que ele não conseguia vê-la.

Droga!

Ela estampou o sorriso mais confiante que conseguiu imprimir na face e saiu de trás da estante, para a luz do candelabro.

No mesmo instante, as irmãs se ergueram do chão e foram se postar a seu lado, perto da lareira.

— Sou o conde Lotharian. — Com uma agilidade que Mary jamais acreditaria possível num homem de idade tão avançada, o lorde levou uma perna para trás, ergueu um braço de lado e a cumprimentou com a mais extravagante das mesuras.

Mary e as irmãs se curvaram numa cortesia, em retorno.

Lorde Lotharian, contudo, continuou com a pose.

Confusas, as irmãs se entreolharam, sem saber o que fazer. Mary fez um sinal às outras e, a um só tempo, as três baixaram as cabeças e dobraram os joelhos na mais profunda cortesia que já haviam feito na vida.

Mesmo assim, o velho não se moveu. Porém, começou a estalar os dedos como um louco.

— Céus, Lilywhite, me dê uma mão, por favor!

— Perdão, meu velho. Já vou ajudá-lo. — Lilywhite, bem mais baixo que Lotharian, apressou-se a se colocar ao lado do lorde. Inclinou-se para encaixar o ombro sob a axila do amigo. Então, ajudou-o a se endireitar e ficar de pé. — Bela mesura, Lotharian. A melhor que fez em anos.

Lorde Lotharian sorriu.

— Acha mesmo?

— Ora, sem dúvida.

— Não foi uma mesura adequada. — O terceiro homem, com uma absurda peruca avermelhada na cabeça, levou um cálice de conhaque aos lábios.

Lorde Lotharian ficou sério.

— O que quer dizer, Gallantine? Achei minha mesura mais que adequada: foi... magnífica!

— Engana-se. Para se executar uma mesura com maestria é preciso ficar ereto de novo. Observe. — O cavalheiro de peruca inclinou-se com graça ágil diante das irmãs Royle. Depois, sem nenhum estalar de ossos, endireitou o corpo e juntou os calcanhares num estalo triunfal. — Isso, cavalheiros, é uma mesura adequada.

Pela quarta vez, já que essa era a atitude correta diante da mesura de Gallantine, as irmãs Royle fizeram uma cortesia.

Depois, dobraram os joelhos mais duas vezes quando sir Lumley Lilywhite e o visconde Chancey Gallantine se apresentaram.

Segundo a maneira de pensar de Mary, era hora de pôr fim à pantomima.

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— Caros senhores, minhas irmãs e eu estamos dentro de um clube particular de cavalheiros. Um clube de libertinos. — Ela endireitou as costas. — Apesar de entrarmos pela casa de lady Upperton, que por alguma razão parece ser uma imagem no espelho desse clube, tenho certeza de que os senhores percebem que nossa presença aqui é bastante imprópria, já que somos jovens solteiras. — Repuxou os lábios num biquinho, como vira Anne fazer muitas vezes antes quando desejava destacar a seriedade de alguma situação. — Julgo que os cavalheiros poderiam partilhar conosco o significado da correspondência bastante enigmática, para que possamos partir o mais cedo possível e proteger o nome de nossa família. Trouxemos a chave, como pediram. — Apontou para Elizabeth, que tinha a chave numa fita de cetim azul em torno do pescoço.

— Sim, estamos ansiosas por saber para que mais a chave serve. Porém, antes disso, senhor, eu poderia pedir sua opinião? — Elizabeth deu um passo na direção de Gallantine. — Minha cortesia foi executada de modo adequado?

Quando o cavalheiro limitou-se a fitá-la, Elizabeth gaguejou.

— Eu... eu gostaria de saber. Fomos criadas no campo, e creio que pouco educadas quanto aos costumes de uma sociedade sofisticada.

Lorde Lotharian riu e respondeu em lugar de Gallantine.

— Realizou as cortesias de modo esplêndido, minha cara. E duvido que seu aprendizado social fosse falho de qualquer maneira, porque seu pai frequentava os mais seletos círculos da alta sociedade londrina.

— É mesmo? — Anne balbuciou. — Lady Upperton insinuou algo assim. Mas... ele era um simples médico do campo.

— Sim, querida, um médico. Mas nada simples. Era o médico pessoal do Príncipe de Gales. Também era um dos companheiros íntimos do príncipe. Um camarada de bebida, e membro fundador dos Velhos Libertinos de Marylebone... embora fôssemos apenas os Libertinos de Marylebone na ocasião. Éramos um belo grupo. Não enrugados como somos agora. — Sorriu por um instante e, depois, respirou fundo. — Não tenho mais orgulho da natureza de nossa associação, mas não posso negar que, na época, antes que vocês três nascessem, éramos todos íntimos de Sua Majestade o Príncipe Regente.

Papai era íntimo do príncipe?

Mary sentiu o sangue fugir da cabeça. Cambaleou até o sofá e desabou no assento.

A mão de lorde Lotharian tremia quase imperceptivelmente quando ele ergueu uma garrafa de conhaque pelo gargalo e encheu um cálice de cristal para Mary.

— Por favor, tome isso, srta. Royle. Vai acalmá-la.

— Eu... eu sinto muito. E informação demais para um só dia. — Olhou para o cálice que lhe era estendido. — Oh, não, obrigada, lorde Lotharian.

— Minha cara, recomendo veementemente um reforço holandês. — Colocou o drinque nas mãos dela. — Pois a visita de vocês não chegou ainda ao fim, e há mais que preciso lhes contar.

Mais? Cruzes, quem sabe ela devesse tomar a bebida.

Mary aceitou o conhaque e levou o cálice com rapidez à boca. Não tinha tolerância a bebidas, porém ingeriu o líquido cor de âmbar sem hesitação.

Lorde Lotharian passou a mão pelos cabelos fartos.

— Maldição — resmungou o homem. — Por favor, perdoem-me, senhoritas. Eu não deveria ter lançado o passado de seu pai aos ares como fiz.

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Anne correu para junto de Mary e sentou-se ao lado da irmã. Encarou lorde Lotharian.

— Precisávamos saber, senhor. Não fez nada errado em nos contar.

— Nossa irmã apenas não estava preparada para ouvir isso. — Elizabeth postou-se ao lado de Mary e lhe afagou o ombro. — Anne e eu acreditávamos naquilo que os documentos de meu pai sugeriam, mas Mary não acreditava.

Com uma sensação de inquietude, Mary baixou os olhos e dedicou-se à tarefa de endireitar as rendas do punho das luvas. Quando os ergueu novamente, viu-se fulminada pelo olhar de sabe-tudo de Anne.

Os cantos dos lábios da irmã se curvaram naquela sua maneira superior de ser, enquanto ela fechava os dedos em torno do pulso de Mary.

— Bem, atrevo-me a afirmar que ela não pode mais ignorar a veracidade da história... Não é, Mary?

Capítulo II

Mary pousou as mãos no colo e correu os olhos pelas cinco pessoas que a encaravam.

— Papai era educado e possuía maneiras refinadas. Não é tão difícil imaginá-lo bem-visto na sociedade londrina.

Ninguém disse uma palavra. E ela se viu obrigada a se explicar melhor.

— Não é nada fácil ver meu pai como um membro da comitiva do príncipe. Mesmo assim, não posso afirmar que isso seja impossível.

— Então você acredita! — A expressão de Elizabeth se tornou radiante.

— Não.

O corpo de Anne pareceu enrijecer. Sua testa se enrugou e, intencionalmente ou não, a garota fechou os dedos com força em torno do pulso de Mary.

— Mas você acabou de dizer...

— Não, eu não disse. — Mary sacudiu a cabeça, frustrada. — Mesmo que eu acreditasse na história do passado de papai, precisaria ainda ouvir algo que me levasse a julgar que nosso sangue tem algum resquício da cor azul.

— Eis por que pedi a vocês que viessem aqui no dia de hoje, queridas. — Lorde Lotharian fez um sinal de cabeça aos outros dois cavalheiros, convocando-os. Em silêncio, postaram-se atrás do sofá onde Mary e Anne se sentavam.

— Nós estamos convencidos da linhagem de vocês — disse lorde Lotharian, com firmeza.

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— Que provas têm? — Mary arqueou uma sobrancelha. — Alguma? Não pretendo ser rude, mas essa afirmação que fizeram, se verdadeira e escudada em evidências, não seria inconsequente, e nossas vidas mudariam para sempre. E nem me atrevo a considerar que postura a Coroa assumiria, embora julgue razoável dizer que não seria de apoio.

— Mary! — Elizabeth dirigiu um olhar de súplica a lorde Lotharian. — Senhor, por favor, perdoe as palavras bruscas de minha irmã.

— Estivesse eu no lugar dela, minhas palavras seriam as mesmas — respondeu o lorde. Então, parou por um momento e arqueou uma sobrancelha. — Contudo, eu teria esperado por uma resposta depois de pedir provas.

— Existem provas mesmo? — Por um instante, Mary quase acreditou que existissem, pois lorde Lotharian parecia bastante seguro disso.

Não... É impossível. A idéia de que as três fossem a prole do Príncipe de Gales e a sra. Fitzherbert era mais que ridícula. Era uma completa loucura.

— A chave! — Elizabeth gaguejou. — A chave é a prova!

Lorde Lotharian meneou a cabeça devagar.

— Mas o senhor nos atraiu aqui sugerindo que esta — Elizabeth mostrou a chave de bronze — era a chave para algo mais além da caixa de documentos de papai.

— E pode ser, mas não sei com certeza — Lotharian admitiu. — Permite? — Estendeu a mão para a chave, e Elizabeth entregou-a ao idoso. — A chave tem uma finalidade dupla, como mencionei. Observem. — O lorde girou a cabeça oval da chave e removeu-a, revelando uma ponta hexagonal. — Seu pai me disse que se algo acontecesse a ele, essa chave oculta abriria o alçapão.

— Que alçapão? — Anne indagou. — Em nossa casa, na Cornualha?

Lotharian deu de ombros.

— Receio não saber mais que você. Tive a impressão distinta de que estava apreensivo em me falar sobre a chave. Mas presumo que a chave secreta seja para um alçapão da casa de campo. Admito que eu nutria alguma esperança de que vocês, garotas, conhecessem melhor o significado dessas palavras misteriosas.

— Não sabemos nada de nenhum alçapão — Mary murmurou, lançando um olhar para cada uma das irmãs. — Nossa viagem até aqui foi por nada.

— Ao contrário, srta. Royle. Tínhamos uma ótima razão para solicitar a presença de vocês no dia de hoje — Gallantine interrompeu, antes que Mary pudesse dizer outra palavra.

A porta da passagem se abriu, e uma criada miúda, de olhos de corça, entrou na sala com uma bandeja de chá e biscoitos.

Mary julgou que Lotharian ergueria a mão para silenciar o amigo até que a criada saísse.

Mas ele não o fez. Gallantine continuou:

— Permita-me contar outra história de nosso passado. Algo que vocês três precisam ouvir. — Tomou um gole de conhaque com um ruído audível. — O ano era 1795. Um mês inteiro havia se passado desde que o príncipe enviara seu pai para Margate, a fim de cuidar de Maria... a sra. Fitzherbert.

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O olhar de Mary seguiu a criada, que colocava o serviço de chá na mesinha diante deles. A mulher não ergueu o olhar para ninguém. Concluiu o serviço e saiu em silêncio da sala.

— Na época — Lotharian comentou —, correram boatos de que a sra. Fitzherbert caiu doente depois que o príncipe desfez abruptamente a união dos dois e concordou em se casar com a princesa Caroline.

Mary se deu conta de que continha o fôlego, esperando a parte da história que provaria que tudo não passava de fantasia. Olhou de soslaio para Anne, a mais sensata das irmãs. Porém, mesmo ela olhava encantada para Lotharian, tal como fazia quando o pai lia contos de fada para elas, na infância.

— Ficou evidente para todos nós que George ainda gostava profundamente de Maria. Chamava-a com frequência de "esposa do meu coração", sabiam? Portanto, não pareceu inadequado para o príncipe mandar seu médico pessoal de confiança, o pai de vocês, para cuidar dela.

Lilywhite concordou com veemência.

— Mas seu pai ficou fora da cidade um mês, sem ao menos mandar uma carta a alguém. Isso era muito estranho. Comecei a imaginar se alguma coisa estava errada. Finalmente, resolvi mandar uma missiva a Margate, uma casa no campo para onde a sra. Fitzherbert tinha se recolhido, indagando dos planos do pai de vocês para retornar a Londres.

Gallantine sacudiu a peruca avermelhada, em concordância.

— Sabíamos que havia algo errado. Lilywhite bateu a mão na coxa.

— Bem, podem imaginar minha surpresa quando a carta foi devolvida intacta. Logo soubemos que seu pai não estava mais em Margate fazia semanas. Na verdade, havia se retirado para a cabana da família na Cornualha, e não expressara a ninguém nenhuma intenção de retornar a Londres, jamais.

— Ora, poderiam existir muitas razões para que ele se retirasse para a Cornualha — Mary comentou, torcendo o pulso e se livrando do aperto penoso dos dedos de Anne. — A mais provável é que a sra. Frasier, a governanta, tinha encontrado uma cesta com três bebês na soleira da porta, e ele precisasse cuidar de nós.

— Ora, ora, foi isso o que lhes contaram? — As sobrancelhas hirsutas de Lotharian se arquearam.

— Sim. Nunca foi segredo em nossa casa. — Mary olhou para cada um dos três cavalheiros. — E todos devem admitir, que é bem mais provável a hipótese de um infeliz caipira sem tostão, abandonar seus bebês na soleira da porta para serem recolhidos por alguém mais capaz de cuidar das crianças.

Gallantine concordou com a cabeça.

— A garota o pegou, Lotharian. — Foi até o balcão do bar. — Mais conhaque, alguém? — O convite foi recebido pelos dois outros cavalheiros com os cálices vazios ao alto.

Com a garrafa na mão, Gallantine serviu os amigos e depois encheu o próprio cálice.

— Obrigado, velho camarada. — Lotharian sorveu um longo gole. Depois, olhou diretamente para Mary. — Oh, sim, eu concordo. A história dos bebês abandonados é bem mais plausível. Contudo, essa conversa de os entregarem aos cuidados de seu pai está longe da verdade.

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Elizabeth inclinou-se e pousou a mão sobre a de Lotharian.

— Então, vai nos contar a verdadeira história? — Enviou um olhar inquieto para Mary e, depois, emendou: — A verdadeira história... como o senhor a conhece.

— Oh, permitam-me. — Lilywhite pegou uma pequena cadeira perto da lareira e colocou-a próximo das irmãs. — É uma narrativa bastante dramática.

O velho respirou fundo e olhou para Lotharian, como se pedisse permissão. Só quando o lorde inclinou a cabeça Lilywhite prosseguiu:

— Sem nenhuma explicação para o desaparecimento de Royle, lorde Upperton, que Deus dê descanso a sua alma, lady Upperton e nós três resolvemos nos aventurar pela Baixa Cornualha a fim de descobrir o destino de nosso amigo.

— E o que descobriram, senhor? — Anne indagou.

— Tudo. Chegamos sem aviso, tarde da noite, mas Royle nos convidou para entrar na cabana e nos ofereceu conhaque. Estava claramente perturbado com nossa repentina aparição. Falava baixo e lançava olhares para a escada a cada instante. Certamente não queria que soubéssemos que havia três bebês ali, dormindo. Era óbvio que pretendia manter o fato em segredo. Mas Royle ficava cada vez mais nervoso. Servia-se de conhaque sem parar.

— Lilywhite! — Lotharian inclinou a cabeça para trás, num gesto frustrado. — Está demorando muito com essa conversa. Vamos logo com isso, homem.

Lilywhite apressou-se em continuar.

— Em questão de uma hora, o conhaque soltou-lhe a língua, e Royle, o homem que criou as três, revelou uma série de acontecimentos inimagináveis.

Lotharian levou o cálice à boca, mas não bebeu. E Mary pôde perceber que o velho a espiava por sobre a borda do copo.

Lilywhite respirou fundo outra vez, antes de prosseguir. Era evidente que a história se tornava dramática.

— Royle nos contou que o príncipe o chamara tarde da noite, pedindo que se apressasse a ir a Margate para cuidar de sua esposa. Sim, ele disse sua esposa. Seu pai não tinha idéia do motivo da urgência, mas partiu imediatamente. Quando chegou, encontrou a sra. Fitzherbert no meio de um parto difícil, dizendo palavras sem nexo.

Lilywhite fingiu tossir e ergueu o cálice, pedindo a Gallantine que o enchesse, o que o amigo fez prontamente.

— Foi uma surpresa para Royle, já que o príncipe não mencionara nada a ele. Porém as condições da sra. Fitzherbert não eram tão estarrecedoras como aquilo que seu pai viu em seguida.

— O que ele viu? Diga-nos, por favor — Elizabeth implorou, aflita.

Lilywhite arregalou os olhos. A tensão na biblioteca tornou-se quase palpável.

— Nas sombras do quarto estavam lady Jersey e a rainha Charlotte.

— A... rainha? — Elizabeth sapateou de excitação.

— Deveras! Na verdade, quando Royle indagou sobre as faculdades alteradas da sra. Fitzherbert, foi a própria rainha que afirmou que a parturiente havia se drogado com uma grande quantidade de láudano às primeiras dores, e que não fora capaz de impedi-la. Royle examinou a paciente, erguendo-lhe as pálpebras, e as pupilas estavam negras e

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dilatadas. Contudo, quando pediu o frasco de láudano para se certificar de quanto ela havia ingerido, não lhe apresentaram nada.

— Alguém a drogou? — Anne perguntou, com a testa vincada de preocupação.

Lilywhite suspirou e deu de ombros.

— Royle suspeitou disso, mas não estava em posição de questionar a rainha. Duas longas horas depois, embora a sra. Fitzherbert mal estivesse consciente, deu à luz três bebês natimortos.

— Natimortos? — Elizabeth arquejou, como se o sonho de conto de fadas de ser uma princesa lhe tivesse sido arrancado. — Então... não poderíamos ser esses bebês...

— Basta, Lilywhite, eu terminarei. — Lotharian aproximou-se do sofá e lentamente, em três tentativas, conseguiu ajoelhar-se num dos joelhos ossudos diante de Elizabeth.

— Querida, os bebês pareciam natimortos, mas seu pai, embora conhecido como o melhor médico de Londres, não teve permissão de examinar as crianças, nem por um momento. Implorou por uma chance de revivê-las, mas a rainha não lhe deu ouvidos. Declarou os bebês mortos. Se não estivessem, logo estariam, e era assim que deveria ser.

Anne levou a mão à boca. Tinha lágrimas nos olhos.

— Embora esperasse que Royle seguisse suas ordens, ela não assumiu nenhuma responsabilidade — Gallantine interrompeu. — Em vez disso, encarregou Royle de escrever uma carta para o príncipe, informando que a sra. Fitzherbert logo estaria bem e não mostraria nenhum traço da enfermidade anterior.

— Enfermidade? Meu Deus, ela queria dizer... os bebês! — exclamou Elizabeth, com os olhos verdes faiscando de lágrimas represadas.

Lotharian fitou o tapete persa por alguns segundos antes de prosseguir.

— Depois, segundo a orientação da rainha, lady Jersey enrolou os bebês azulados no próprio xale e colocou os corpos imóveis numa cesta de vime, que se apressou a enfiar nos braços de Royle, ordenando-lhe que levasse os corpos para o campo e os queimasse. E jamais deveria falar da existência daquelas crianças. O futuro do Príncipe de Gales dependia disso.

— Mas os bebês não estavam mortos — Gallantine emendou, empolgado. — Ainda não.

— O diabo o carregue, Gallantine, está arruinando o drama da história! — Lilywhite fechou a mão em punho e socou o próprio joelho.

Lotharian estalou os dedos.

— Uma ajuda, por favor.

— Oh, certamente. — Lilywhite ajudou Lotharian a se levantar. Quando o amigo sentou-se na própria cadeira de Lilywhite, este ficou de boca aberta.

— Fique de pé do lado oposto do sofá, meu amigo, para que eu possa ver a expressão encantadora no rosto das garotas enquanto ponho um ponto final à história do nascimento e da segunda chance de vida que tiveram.

Lilywhite resmungou, mas fez o que Lotharian pedira.

— Royle era leal à Coroa e, assim, deixou Margate, como a rainha ordenara. Porém, enquanto a carruagem corria pela noite, ele ouviu um débil vagido que vinha de dentro da cesta.

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— Os bebês! — As lágrimas penduradas nos cílios de Anne escorreram por suas faces.

— Sim — Lotharian assentiu. — Royle ergueu a cesta e se deparou com três pares de olhos a espiá-lo. Então, abriu a camisa e segurou os três bebezinhos trêmulos contra o peito nu para aquecê-los, e depois enrolou seu casaco em torno deles. As crianças não estavam mortas. Se voltasse a Margate com elas, porém, certamente não sobreviveriam àquela noite.

Gallantine apertou a taça de cristal com força entre as mãos.

— Seu pai sabia o que deveria ser feito. Assim, levou as crianças até a cabana da família, onde contratou duas amas-de-leite. — Sorriu para as jovens. — Vocês sabem o resto da história. Ele as criou como filhas até se tornarem três belas damas.

— Pela manhã, Royle, provavelmente depois de se dar conta do perigo que criara para si mesmo e para os bebês ao nos contar o ocorrido, desmentiu tudo. Culpou o conhaque e seu pendor para contar casos. — Lilywhite suspirou. — Mas só precisamos olhar em seus olhos para ver que as palavras pungentes da noite anterior eram verdadeiras. Então, quando nos pediu que cuidássemos do futuro das meninas se algo lhe acontecesse, juramos que o faríamos.

— E assim será. — Gallantine engoliu as últimas gotas do conhaque e colocou a taça sobre a mesa. — Assim será.

Lotharian inclinou-se, pegou a mão de Mary na sua e fechou os dedos em torno dela.

— Eis, srta. Royle, a verdadeira história de seu nascimento.

Mary sentiu-se entorpecida.

Não, é impossível. A história não pode ser verdadeira. Não pode! É bizarra. Grandiosa demais.

Mesmo assim, ela começava a acreditar.

Não no que dizia respeito a serem filhas do príncipe.

Por tudo que ouvira, o regente era um detestável tolo mimado, e Mary se constrangeria se descobrisse que era sua filha.

Contudo, ansiava em acreditar nas atitudes heróicas de Royle. Salvar os bebês, apesar da ameaça de represália da Coroa, mostrava precisamente o caráter do pai.

Ao erguer os olhos, aturdida com as incríveis revelações, deparou-se com as irmãs, que a fitavam, na expectativa.

— Então, o que diz, Mary? — Anne parecia impaciente.

— Posso ver que ainda não está plenamente convencida — disse Lotharian. — Não importa.

O cavalheiro retornou a seu lugar ao lado da lareira e fez um gesto para que os outros dois se juntassem a ele.

Por vários instantes, as irmãs Royle apuraram os ouvidos, tentando entender os murmúrios trocados pelos cavalheiros diante da lareira. Finalmente, os três se voltaram para elas.

Lotharian sorriu e, então, dirigiu-se a Mary.

— Começaremos com você, querida, se julgar aceitável.

— Ah... começar o que, senhor?

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— Ora, cuidar de seu futuro, garota. Prometi a Royle e, a despeito de minha reputação... em outras áreas, eu lhe asseguro que sempre mantenho a palavra.

Meu futuro? Não, não, não... Lotharian tomou a mão de Mary.

— A sra. Upperton fez os preparativos. A essa hora, tudo deve estar sendo despachado para as acomodações de vocês.

Os olhos do lorde faiscavam, o que fez Mary imaginar que tipo de preparativos lady Upperton fizera.

— Minha carruagem irá buscá-las no Berkeley Square às nove horas desta noite para a festa de lady Brower, onde as três serão apresentadas à sociedade londrina.

Céus! A língua de Mary pareceu não querer obedecê-la, mas ela conseguiu pronunciar umas poucas palavras.

— Os senhores são muito gentis, mas não somos conhecidas de lady Brower.

Lotharian fez um gesto de descaso.

— Querida, você não conhece ninguém em Londres. Portanto, deve confiar em minha orientação.

Fez um gesto que englobava todas as irmãs, e depois puxou Mary até a estante giratória.

— Seu pai destinou a cada uma um dote considerável. Vocês têm os cavalheiros dos Velhos Libertinos de Marylebone para providenciar o resto. Sim, srta. Royle: ao final da temporada, juro que a verei casada adequadamente com um cavalheiro de alta posição social. Depois, Lilywhite e Gallantine farão o mesmo para suas irmãs. Que desafio divertido para todos nós!

— Refere-se a encontrar parceiros para as moças, Lotharian? — Gallantine indagou. — Ou a comprovar a linhagem delas? Eu me atrevo a dizer que essa última tarefa será bem mais que um desafio.

Por um breve instante, a preocupação vincou a testa do cavalheiro, mas, no momento seguinte, o sorriso malicioso voltou aos lábios de Lotharian.

— Ora, refiro-me a ambos, meu caro! Pois a única maneira de assegurar o futuro das irmãs Royle é lhes assegurar o passado também.

— Ouviram, irmãs? — Elizabeth balbuciou, incapaz de reprimir a empolgação. — Eles pretendem nos ajudar em todas as coisas! — Soltou uma risadinha nervosa, antes de levar a mão à boca.

Lotharian sorriu, e virou-se para girar a estante. Abriu a passagem.

Tomando aquilo como uma sugestão para que se retirassem, Mary dirigiu-se à passagem secreta, mas o velho senhor a segurou com firmeza por um instante mais.

— Não é brincadeira, senhorita — disse com toda a seriedade. — Não há lugar para um simples "senhor" ou mesmo um "sir" para você.

Mais uma vez, Mary não soube o que responder.

Não precisava de ninguém para escolher um marido. Ademais, já se interessara por um homem muito digno, um herói de guerra com título de nobreza também.

Estava prestes a admitir o fato quando relanceou os olhos para Elizabeth e Anne.

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Se havia mesmo uma chance de os Velhos Libertinos de Marylebone cuidarem do futuro matrimonial das irmãs... bem, teria de prosseguir com aquele plano, pelo menos por enquanto.

Anne e Elizabeth eram dotadas de muitos encantos, contudo pareciam perturbadas com a história dos bebês de sangue azul. Faltava às irmãs de Mary o foco necessário para colocar o futuro no devido rumo: encontrar maridos que as merecessem.

Por causa disso, a orientação e o senso de lady Upperton eram uma bênção de Deus. Com a velha senhora como madrinha, Anne e Elizabeth ficariam ocupadas em caçar maridos, em vez de desperdiçar os parcos recursos investigando a história burlesca de um suposto nascimento real.

Lotharian arqueou uma sobrancelha.

— Duvida de minhas relações, senhorita?

— Oh, n-não — Mary gaguejou.

— Muito bem. Concentraremos nossas atenções em duques, marqueses e condes... embora possamos considerar um visconde, ou mesmo um barão. Mas só se a família for muito antiga e preeminente.

Mary o encarou de olhos apertados.

— Por que um título é tão importante assim?

— Ora essa. — Lotharian deu uma piscadela maliciosa e soltou Mary, para que acompanhasse as irmãs pela passagem escura. — Porque, minha querida, você é a filha do futuro rei da Inglaterra!

Rogan e Quinn estavam ensopados até os ossos. O que não era uma grande surpresa. Não deveriam ter corrido como meninos de escola para o Hyde Park quando a chuva ameaçava desabar.

Mesmo assim, Rogan nunca dava as costas a um desafio, principalmente feito por Quinn.

Tal como imaginara, a misteriosa garota de Quinn não estava lá quando finalmente chegaram ao parque.

Pelo menos, Rogan pensou, ela fora prudente o bastante para ficar em casa num dia chuvoso como aquele. Isso mostrava que tinha um cérebro dentro da linda cabecinha. Algo que a recomendava.

Sem querer inundar de água as escadas para os quartos, os irmãos rumaram para a lareira na sala de estar e começaram a tirar as roupas ali mesmo.

Rogan enxugou os cabelos, e depois entregou ao criado a toalha molhada em troca de um camisolão quente.

— Tudo o que desejo, Quinn, é que não faça um casamento apressado.

— Por que não, se encontrei a mulher certa para mim?

— Essa garota que lhe incendeia o sangue pode muito bem ser seu par perfeito. — Rogan bufou. — Mas prometa que irá tentar conhecê-la, conhecê-la de verdade, e conhecer a família da moça, antes de falar em aliança... e filhos, pelo amor de Deus.

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Quinn jogou o casaco ensopado no espaldar de uma cadeira diante do fogo, e depois se sentou para que o lacaio tirasse suas botas molhadas.

— Já viu alguma coisa de longe, uma espingarda ou uma montaria talvez, e soube no mesmo instante que era perfeita para você?

— Uma arma é bastante diferente de uma mulher, Quinn. Se eu ficasse apaixonado por uma espingarda, poderia comprá-la, ou jogá-la nos fundos da casa. Não se pode fazer isso com uma mulher. É contra a lei, você sabe. Pelo menos eu acho. — Rogan coçou o queixo. — Pode valer a pena buscar por... referências.

Quinn riu, e se levantou. Arrancou a camisa molhada.

— Ora, sabe o que quero dizer. Ela é linda, quieta e tímida. E graciosa. E que belo porte!

— Passou pela garota a cavalo algumas vezes... e já a conhece tão bem assim?

— A beleza dela é indiscutível, Rogan. Verá em breve. Quanto à natureza, isso é bastante evidente também. Quando nos cruzamos no parque, ela sempre me olha por entre os cílios. Dá um sorriso tímido, depois enrubesce com o mais delicado tom de rosa e desvia o rosto.

— Oh, um "delicado" tom de rosa! Bem, isso muda tudo, não é? Claro, eu me corrijo. Despose-a imediatamente! Um delicado tom de rosa, imagine só.

Quinn fechou o camisolão de dormir.

— Como posso fazê-lo compreender?

— Duvido que possa. Para mim, casamento e paixão cega não combinam. Casamento é um arranjo de negócios entre famílias. — Rogan pegou dois cálices de vinho do Porto da salva do lacaio e estendeu um para o irmão. — Aja com cautela, é tudo que eu peço. Não gostaria de acabar com uma plebéia interessada apenas em sua bolsa.

— Por que é que, ao conhecer uma mulher, você imediatamente tem suspeitas desse tipo?

— Porque sou realista, meu caro. Vi muitos homens entregarem o coração a mulheres que amam apenas o dinheiro deles. Quer viver na miséria o resto da vida? Vá adiante, case-se com uma plebéia.

— Casar com uma plebéia nem sempre é a decisão errada, Rogan. Quando nosso pai casou com minha mãe, ela era uma mulher simples, sem dinheiro algum. Até o dia em que papai morreu, não houve casamento mais bem-sucedido.

Rogan virou-se de costas e fitou o fogo para que o irmão não pudesse ver o sangue lhe queimar a face.

Deus! Não poderia haver afirmação mais distante da verdade!

Como Quinn podia ser tão cego diante da ganância de sua mãe? A mulher era uma caça-dotes, nada mais, nada menos!

Cerca de um ano após a morte da mãe de Rogan, a srta. Molly Hamish, uma plebéia com carinha de santa de Lincoln shire, enterrou fundo as garras em seu pai enlutado. Ele se apaixonou, e estava tão necessitado de afeto que a desposou assim que terminou o período de luto.

O pai havia lhe contado tudo nos últimos anos. Assim que se tornou duquesa e passou a carregar um filho do marido — Quinn —, a nova esposa mostrou quem era de fato.

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Não mais fingia amar o duque, nem tolerar Rogan. Dava presentes a Quinn o tempo todo, comprava bugigangas e vestidos, e viajava pelo continente com os amigos da moda.

O velho duque foi abandonado ao próprio desespero, lamentando amargamente a apressada decisão de desposar a miserável caça-dotes.

Rogan jurou jamais repetir o erro de seu pai. E não permitiria que o irmão mais novo caísse presa de alguma plebéia ardilosa, como o pai havia caído.

Não, Rogan planejava manter o olhar atento sobre o relacionamento florescente de Quinn com aquela... mulher do Hyde Park.

— A festa de Brower é hoje. — Ele virou-se e olhou para Quinn. — Melhor ostentar uma ótima aparência essa noite. Quem sabe sua dama sem nome compareça?

O rosto de Quinn se iluminou.

— Você acha?

Rogan deu de ombros.

— Não sei, mas pelo que ouvi, metade da sociedade de Londres estará lá. E já que você diz que a moça é bem-nascida, por causa da graça de sua postura e... e...

Quinn riu.

— Então você precisa usar seu casaco azul, Rogan.

— Por quê?

— Assim também fará ótima figura, quando eu o apresentar à minha noiva. — Ele sorriu e tomou o último gole do Porto.

Rogan forçou um sorriso, e deu uma piscadela para o irmão ao sair da sala. Em vez de rumar para o quarto, seguiu direto pelo corredor e entrou na biblioteca. Lá dentro, escreveu um curto bilhete e o despachou por um lacaio.

Não deixaria a escolha do irmão nas mãos do acaso.

Caso a amada de Quinn fosse mesmo à festa, Rogan pretendia pôr em prática um plano de contingência já em ação. E esse plano envolvia a bela viúva de guerra, lady Tidwell.

Lady Upperton olhou pela cabine da carruagem, e sorriu para Mary com aprovação.

— Esse vestido marca seus contornos com tanta perfeição, querida, que se poderia imaginar que é feito de um punhado de céu da primavera e revestido de tenda tecida de nuvens fofas.

— Acho que tive a mesma impressão, lady Upperton. — Mary olhou para o vestido que a velha senhora lhe mandara, um traje de seda finíssima de um azul pálido, permeado de fios delicados de prata. Suspirou, enlevada. O vestido era lindo, sem sombra de dúvida. Mesmo assim, ela receava que fosse inteiramente transparente sob uma luz mais forte. Pelo bem da modéstia, decidiu que, na festa, evitaria se aproximar de qualquer lugar onde houvesse dois ou mais castiçais, ou dois ou mais cavalheiros.

Elizabeth e Anne estavam caladas a seu lado, no banco da carruagem, as costas retas e rígidas. Tinham no rosto um sorriso afetado, mas era evidente que estavam tão nervosas quanto Mary.

Carruagens se enfileiravam pela Grosvenor Square, ocupando três quarteirões. Aos gritos, cocheiros tentavam despachar seus passageiros na entrada principal diante da imponente mansão dos Brower.

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Através das enormes janelas do térreo e da porta da frente aberta, Mary podia ver a casa lindamente iluminada, e repleta de elegantes damas e cavalheiros, que avançavam lado a lado.

Em questão de minutos, as três irmãs e lady Upperton fariam parte da multidão que seguia pelo saguão até o salão de festas.

O andar dos convidados era tão tenebrosamente lento, e a pressão dos corpos tão grande, que Mary mal conseguia expandir as costelas para respirar. Elizabeth, contudo, não parecia se importar com o sofrimento.

— Olhe só, Mary. — Lizzie se espremia entre Mary e Anne, agarrada aos braços das irmãs. — Posso tirar meus sapatos do chão e ainda seguir em frente. Deveria tentar. Observe.

— Céus, pare com isso. Estaremos no salão a qualquer momento, e por certo haverá espaço para todos.

Quando os pulmões de Mary pareciam prestes a derreter por falta de ar, finalmente a multidão passou por um conjunto de portas duplas, e as irmãs Royle se viram dentro de um enorme aposento reluzente de luz.

Dezenas de velas queimavam ao alto, assentadas em nada menos que três fulgurantes candelabros de cristal. As paredes eram revestidas de cetim azul. Por toda parte havia lacaios de libré de seda, servindo vinho em enormes bandejas de prata.

Tomada pela surpresa, Mary sentiu-se extasiada ante aquela visão.

Anne girou de um lado para outro, inspecionando os arredores. Torceu o nariz.

— Não vejo lady Upperton.

— É provável que ela tenha ficado presa na multidão, perto da porta. — Mary ficou na ponta dos pés, mas não conseguiu avistar a velha senhora. — Tenho certeza de que nos alcançará a qualquer momento. Não se aflija.

— Não estamos aflitas. — Elizabeth olhou pelo salão, e um rubor de excitação tingiu-lhe as faces. — Quanto tempo poderemos ficar?

— Não quer dizer quanto tempo deveremos ficar? — Mary gracejou.

— Bem, queridas, quantas badaladas ouviremos no relógio depende de vocês três — alguém murmurou às irmãs.

Mary olhou para baixo, de onde o resmungo viera, e viu que lady Upperton aparecera.

A princípio, ela não queria comparecer àquela festa. Contudo, não poderia recusar a generosidade de lady Upperton sem ofender a gentil senhora; e isso não faria jamais.

Naquela tarde, quando as irmãs voltaram do Clube dos Velhos Libertinos de Marylebone, ficaram aturdidas ao encontrar vestidos de seda com os sapatos combinando, bolsas e xales sobre cada uma de suas camas.

Até mesmo uma camareira foi enviada para ajudá-las a se vestir e a arrumar os cabelos em cachos no alto das cabeças.

— Se estiverem prontas, garotas — a madrinha começou —, permitam-me apresentá-las à sociedade de Londres.

Lady Upperton não perdeu tempo. Em questão de minutos, as irmãs Royle haviam sido formalmente apresentadas a uma dúzia de damas da sociedade.

Mary já se sentia exausta.

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Anne e Elizabeth não pareciam cansadas. Seguiam a pequena mulher direto para um grupo em animada conversa. Mary, contudo, ficou para trás e permitiu que a multidão a envolvesse. Num instante, foi arrebatada para longe.

Não teve outra opção a não ser se deixar levar. E sentiu-se deslocada naquele lugar, misturada aos ricos e famosos de Londres.

Estava inquieta, uma pilha de nervos. Avistou uma pequena cadeira ao lado de um biombo japonês, a um canto do salão, e seguiu para lá.

Quando teve certeza de que não era observada, puxou a cadeirinha para trás do biombo e estatelou-se nela.

Durante tediosos minutos, ficou sentada, imóvel, ouvindo partes de conversas ou examinando as molduras ornamentadas do teto. Começou a ficar entediada.

Recostou-se na cadeirinha e bocejou. Só então notou uma fileira de livros no topo de um aparador, distante um braço da borda do biombo.

Nossa, como não os vira antes?

Ela levantou-se e, mantendo o corpo oculto por trás da beirada do biombo, estendeu o braço. Seus dedos roçaram a lombada do livro mais próximo.

Oh, que coisa. Quase... fora... de... alcance.

Ela se esticou ao máximo, e arranhou o couro da encadernação com os dedos trêmulos, mas não conseguiu puxar o livro.

De repente, o livro flutuou diante de seus olhos.

— É isso, quem sabe, o que tentava alcançar, senhorita? — soou uma voz masculina de tom surpreendentemente grave.

O rosto de um homem apareceu na beirada do biombo. Mary arregalou os olhos.

— V-você, você...

Não pretendia dizer coisa alguma. Porém, entre todas as pessoas naquela cidade que pudessem encontrá-la escondida como uma criança... que horror que fosse ele!

O desprezível irmão do visconde!

O homem sorriu.

— Não creio que tenhamos sido apresentados de modo adequado. Sou Rogan Wetherly, duque de Blackstone. — Parou por um momento, e seus olhos pareceram percorrer o corpo de Mary por inteiro, para finalmente parar no rosto. — Perdoe-me por fitá-la assim. Estou errado, ou já nos encontramos antes?

Um calor requeimou as faces de Mary.

Oh, sim, já nos encontramos. Você é o ogro do jardim. E o animal que quase nos atropelou na Oxford Street essa tarde mesmo.

Mary abriu a boca, mas fechou-a de novo. Limitou-se apenas a menear a cabeça numa negativa.

— Não? Tem certeza, senhorita? Parece-me tão familiar.

Mary sacudiu os ombros, e depois concentrou o olhar no vão entre o gigante e a beirada do biombo.

Era apertado, mas se passasse pelo vão, poderia escapar.

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— E você é...? — o duque arqueou as sobrancelhas negras, esperando que ela dissesse o nome.

Mary respirou fundo.

— Eu sou... eu estou de saída. Com licença, Vossa Graça.

Os nervos a impeliram para a frente, um pouco mais de pressa do que ela tencionava. Ao passar por Rogan, acidentalmente bateu no biombo com o cotovelo esquerdo e, com o direito, empurrou o duque, obrigando-o a cambalear para a parede.

Mary se encolheu e seguiu para um ajuntamento de cavalheiros de casacas negras quando ouviu um baque. E depois, às suas costas, um coro de arquejos.

Não conseguiu conter a curiosidade, e virou a cabeça para olhar.

O biombo caíra no chão, e Rogan, ainda de pé onde estava, parecia ter sido a pessoa que o tinha derrubado.

O duque de Blackstone cravou em Mary os olhos faiscantes. Quase uma dezena de convidados seguiu aquele olhar furioso, e o burburinho percorreu a multidão em ondas excitadas.

Mary sentiu as pernas tremerem. Estava dentro da casa havia apenas alguns minutos e já fizera papel de tola... E conquistara a inimizade do irmão do homem com quem algum dia se casaria.

Não havia escolha. Tinha de ir embora naquele instante.

Então, sentiu um leve toque no braço.

— Eis você aqui. Venha comigo, querida. — Lady Upperton apontou para o salão. — Há alguém que quer conhecê-la.

Mary soltou um suspiro de alívio. Não tinha idéia se lady Upperton tinha percebido que a resgatara de uma situação extremamente constrangedora. O importante, porém, é que ela sabia que a senhora a levava para longe de Blackstone.

Lady Upperton conduziu-a para os confins do salão, o que agradou a Mary, que se sentiria feliz em conhecer qualquer pessoa que a velhinha quisesse lhe apresentar. Afinal, fora poupada de um constrangimento inimaginável.

— Chegamos, querida. — Lady Upperton sorriu com alegria.

Mary ergueu os olhos, e de repente não conseguiu se mover.

Lorde Wetherly, o belo visconde loiro com quem estava predestinada a se casar, encontrava-se de pé bem a sua frente. Percebeu que lady Upperton fazia as apresentações, mas não conseguiu entender o que a boa senhora dizia.

Porém, ele estava ali.

Senhor das Alturas, que noite!, pensou. Embora a tivessem abandonado antes, todos os anjos do céu certamente lhe sorriam do alto agora.

Seus olhos cravaram-se nos dele, e ela o cumprimentou com um sorriso tímido.

As beiradas da boca bem-feita do visconde se ergueram, e ele curvou-se numa mesura.

— Srta. Royle.

O tom de voz era suave e agradável aos ouvidos. Bem diferente da voz profunda do irmão, que vibrava através dela de um jeito irritante.

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— Lorde Wetherly. — Mary dobrou os joelhos e executou uma perfeita cortesia, bastante praticada antes, aliás, no Clube dos Velhos Libertinos de Marylebone.

— Sou-lhe muito grato, lady Upperton, por me apresentar sua protégé. A srta. Royle e eu temos trocado olhares de vez em quando no Hyde Park, mas, na verdade, até essa noite não nos conhecíamos.

— Fico honrada de que tenha se lembrado de mim, lorde Wetherly.

Antes que Quinn respondesse, um sorriso largo se formou em seus lábios ao focalizar os olhos num ponto em algum lugar atrás de Mary.

— Ah, aí está você, Rogan. Por favor, venha e conheça a srta. Royle. É protegida de lady Upperton.

Blackstone se postou ao lado do visconde. Pendeu a cabeça para o lado, e sorriu de modo enviesado.

— Srta. Royle, não é? — Endireitou a cabeça e a inclinou diante de Mary.

Lady Upperton cutucou Mary nas costelas.

— Faça uma cortesia, querida — a velha sussurrou.

Mary fez uma careta para o duque e inclinou-se até a cintura. Era o que o arrogante merecia. Afinal, aquele grandalhão lhe dera nada mais do que um simples sinal de cabeça.

— A srta. Royle e eu ainda não nos conhecíamos até agora. — O visconde lançou um olhar carrancudo ao irmão. — Embora, por coincidência, nossos caminhos tenham se cruzado no Hyde Park em várias ocasiões.

— Hyde Park? — As sobrancelhas do duque subiram até a raiz dos cabelos. — Então ela... deve ser... — Olhou de modo inquisidor nos olhos de Mary, que sentiu um rubor familiar queimar-lhe as faces.

— Ah, lá está, Quinn — Rogan disse, apontando para o rosto de Mary. — Um delicado tom de rosa.

— Sim, bem... — Quinn remexeu os pés, num evidente constrangimento, mas nada comparado ao desconforto de Mary.

Ela virou a cabeça, livrando-se do olhar de Rogan, e olhou pelo salão para localizar as irmãs.

— Maldição!

Mary virou-se bem em tempo de ver lady Upperton sacudir o leque na direção do duque.

— Há damas presentes, senhor — a senhora o repreendeu. — E não me importa se o senhor é duque ou príncipe, exijo respeito, e o terei.

— Peço perdão, lady Upperton, srta. Royle. — Blackstone estreitou os olhos sobre Mary.

Ela sentiu a respiração acelerar.

— Pensei que me recordava de tê-la visto antes, senhorita. E agora... lembrei-me de onde foi.

Mary engoliu em seco. Oh, não.

Os olhos do duque pareceram se arregalar até ficarem do dobro do tamanho.

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— Vo-você... é a estátua do jardim!

Capítulo III

— Uma estátua? — Mary pestanejou e arqueou as sobrancelhas, com um ar afetado. Apesar da inconveniência de suas entranhas se revolverem como folhas secas na ventania, pelo menos tivera alguns segundos para se preparar para o ataque de Blackstone.

Foi bem fácil, na verdade, perceber a intenção do duque, pois o homem a fitara de modo bastante estranho.

— Não compreendo, Vossa Graça, o que quer dizer com isso. — Mary encarou lorde Wetherly com expressão confusa, esperando conquistar o apoio do visconde.

O duque pareceu perceber a intenção da garota.

— Alega que não me entende, srta. Royle? Estou convencido de que sabe precisamente do que falo.

Mary deu de ombros e continuou calada.

— Tenho certeza de que a vi no jardim dos Underwood.

— Sinto muito, Vossa Graça — Ela estendeu a mão e lhe deu um tapinha no braço. — Mas não conheço os Underwood.

— Você estava lá... e fantasiada. — Rogan estreitou os olhos. — Por alguma razão, empoou os cabelos e o corpo, e fazia pose como se fosse uma estátua de jardim.

— Posando de estátua? Que bobagem é essa? — Lady Upperton enganchou a mão de Mary no braço e puxou-a para mais perto. — Diga-me, por favor. Aonde Sua Graça quer chegar, querida?

Mary forçou uma risada ríspida.

— Oh, nossa. Deve ser uma brincadeira do duque, lady Upperton. — Riu, um riso suave dessa vez, e olhou com timidez através dos cílios para o visconde. — Lorde Wetherly, por que não nos disse que tinha um irmão tão divertido?

Os olhos do duque faiscaram, e Mary percebeu que sua estratégia de ficar um movimento de xadrez à frente estava acabando com a paciência do homem.

— Srta. Royle, eu sei o que vi...

— Rogan, é claro que está enganado. — Quinn olhou suplicante para o irmão.

— Era você! — O tom de voz já se intensificava, assim como sua ira. — Embora queira fazer crer que esta é a primeira vez que nos vimos, não foi, e eu exijo que admita isso, srta. Royle.

Mary olhou para lorde Wetherly, que também esperava uma resposta que acalmasse o brutamontes do irmão. Então, ocorreu a ela de repente o que dizer.

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— Que tola eu sou. Vossa Graça tem razão.

O peito do duque pareceu empinar diante daquela admissão.

— Viu, Quinn? Ela mesma admite.

Lady Upperton puxou Mary para ainda mais perto.

— Você se disfarçou de estátua de jardim, querida?

Mary soltou uma risada tensa.

— Vossa Graça está correto ao afirmar que nos vimos antes desta noite. Foi hoje mesmo, na verdade. — Ela encarou o duque diretamente nos olhos e sorriu, confiante. — Não se lembra, senhor? Ora, quase me atropelou na Oxford Street, hoje cedo. — Olhou para Quinn, e depois para lady Upperton. — Confesso, foi apenas pela ação rápida de lorde Wetherly que minhas irmãs e eu não ficamos debaixo das patas do enorme cavalo de Sua Graça.

— Céus! — Quinn estendeu a mão e agarrou o braço de Mary. — Eram você e suas irmãs? Peço desculpas. Não lhe aconteceu nada?

— Não — Mary retrucou, docemente.

O visconde a tocava. O calor dos dedos longos aquecia sua pele.

Quinn, por sua vez, percebendo que se demorava demais com o gesto, retirou a mão.

— Perdoe-me, srta. Royle.

— Nem pense nisso, lorde Wetherly. — Mary sorriu timidamente outra vez. — Estou profundamente lisonjeada com sua gentil preocupação, eu confesso.

Se fosse socialmente aceitável, ela teve a impressão de que o duque teria erguido a cabeça e urrado, lamentando a derrota.

Um sorriso triunfante comichou nos lábios de Mary, mas ela sabia que o ponto favorável que desfrutava agora poderia ser perdido a qualquer momento. Assim, começou a planejar uma rota de fuga.

Onde estavam Anne e Elizabeth?

Lady Upperton apertou os lábios finos.

— Querida, nenhuma de vocês mencionou esse encontro com o desastre no dia de hoje.

— Não foi preciso. Lorde Wetherly nos resgatou, por felicidade. — Mary estendeu a mão ao visconde. — Na hora, fiquei abalada demais para cumprimentá-lo de modo adequado. Portanto, farei isso agora. Por favor, aceite meus agradecimentos, lorde Wetherly, por salvar nossas vidas.

— Cumpri meu dever, senhorita... e foi um prazer. — O visconde cutucou o irmão com o cotovelo. — Agora, meu irmão tem algo que deseja lhe dizer. Não é mesmo, Rogan?

— Senhorita Royle... — O duque pigarreou. — Peço que me desculpe pelo quase acidente no dia de hoje. Estou imensamente aliviado que você e suas irmãs não tenham se machucado de alguma forma. — Inclinou-se para mais perto dela. — Posso sugerir o uso de uma carruagem no futuro?

— Claro, Vossa Graça. Porém não possuímos uma carruagem, e cocheiros são muito caros para alugar com alguma regularidade. É provável que minhas irmãs e eu continuemos a caminhar sempre que possível. Estou certa de que compreende.

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Ele entortou a sobrancelha, e seus olhos brilharam, como se de repente compreendesse. Contudo, pela expressão curiosa na face do duque, Mary não conseguiu saber o que o homem poderia ter deduzido daquele comentário inocente.

Inclinou-se para o enorme animal, ainda que isso fizesse seu coração bater forte no peito. Manteve o tom de voz o mais baixo possível.

— Posso sugerir que no futuro preste mais atenção, para que a vida dos outros não fique em perigo?

Rogan forçou um sorriso.

— Acho que sucumbirei de náusea se não encontrar um copo de vinho. Quem sabe as damas possam também apreciar uma bebida?

— Eu adoraria um gole ou dois de vinho, Vossa Graça — lady Upperton murmurou, abrindo o leque e abanando o rosto empoado. — Mas não quero ser um aborrecimento.

— Aborrecimento nenhum, lady Upperton. — Rogan olhou para Mary. — Srta. Royle?

— Não, obrigada, Vossa Graça.

O duque rumou para a mesa do bar, mas antes que desse um passo, virou-se.

— Quinn, vai me ajudar?

O desapontamento ficou claro nos olhos do jovem visconde.

— Por favor, com licença, senhoras. Voltarei em seguida. — Inclinou-se educadamente, e seguiu o irmão por entre os convidados.

No momento em que os dois não eram mais visíveis entre o ajuntamento de casacas pretas, os modos de lady Upperton mudaram.

— Mary, lorde Wetherly pode não ter percebido que você estava mentindo, mas eu percebi.

Ela franziu a testa.

— Não menti. Na verdade, tive o máximo cuidado em contar a verdade.

— Eu estava segurando sua mão, querida. Senti que a torcia cada vez que o duque fazia aquela acusação ridícula sobre a estátua do jardim.

— Eu não menti.

— Pode não ter mentido, mas não contou toda a verdade. — Lady Upperton inclinou-se e ergueu o queixo. Estudou o rosto de Mary com atenção. Depois, arquejou. — Oh, você era a estátua no jardim dos Underwood! O que estava pensando?

— Eu só queria mostrar a minhas irmãs o cavalheiro com quem um dia me casarei. — Mary calou-se, mas a pequena senhora cruzou os braços no peito e arqueou as sobrancelhas, como se esperasse o restante da história.

— Naquele dia, nossa cozinheira pediu a noite livre para ganhar uns trocados extras, ajudando a preparar o jantar para a festa no jardim dos Underwood. Não podemos pagar muito a ela, e assim, concordamos. A cozinheira ficou muito feliz, como a senhora pode imaginar, e começou a nos contar sobre a comida que seria servida... E, em dado momento, mencionou que lorde Wetherly, o jovem herói de guerra, seria um dos convidados.

— Mas você disse que não conhecia os Underwood.

— Bem, não conhecemos. Portanto, não figurávamos na lista de convidados. Mas eu queria tanto que Anne e Elizabeth vissem o homem que me fazia suspirar! E, voilà, o

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visconde estaria no vizinho! Tão perto... Eu sabia que não poderia perder a oportunidade, e assim nós nos empoamos e entramos pela horta dos fundos...

— Oh, não! — Lady Upperton tirou um lenço de renda da manga do vestido. — As três?

— Por favor, não se aflija. Ninguém viu minhas irmãs. E ninguém me viu... bem, exceto o duque. Mas estava escuro, e eu, completamente marmorizada, com o pó e uma camada ou duas de farinha com água.

— Céus... Lotharian está ciente disso?

— Estou ciente de quê? — O lorde e seus comparsas, Gallantine e Lilywhite, estavam de repente de pé num círculo em torno das mulheres.

Lady Upperton virou-se para ele, agitada.

— Não temos tempo para discutir isso agora, Lotharian. Você precisa saber, contudo, que nossa Mary está de olho no visconde Wetherly, e aposto cada jóia que tenho que o rapaz está muito interessado num compromisso.

Lotharian coçou o queixo.

— Wetherly... Por que conheço esse nome?

Lilywhite ergueu o dedo.

— Talvez porque Wellington tenha mencionado o rapaz em cada despacho de Toulouse. Ou porque o regente o agraciou com um viscondado em reconhecimento por sua coragem e valor. Ora, Wetherly conduziu a Sexta Divisão no ataque heróico sobre Toulouse, sabe disso. Não é um pequeno feito. É um verdadeiro herói.

— O pai foi o falecido duque de Blackstone — Gallantine emendou. — O irmão ostenta o título agora. Certamente ouviu falar dele: o duque Negro.

— Ah... sim, o duque Negro. — Lotharian soltou uma risadinha, e os outros dois cavalheiros o acompanharam no que parecia uma espécie de piada. — Ora, esse duque é um homem a se considerar, srta. Royle.

— Blackstone? — Mary olhou para Lotharian com ar desgostoso. — Como pode sugerir tal coisa? O-ora, ele é... detestável!

— Não, não. Está equivocada. — Lotharian balançou as mãos diante do rosto como se afastasse um cheiro ruim. — Blackstone nada mais é que um jovem impetuoso. Admito que me faz lembrar de mim mesmo, na juventude.

— Ora, não se elogie, Lotharian. — Lady Upperton olhou ao redor. — Mas isso não vem ao caso. O duque Negro parece ter algum tipo de rancor contra nossa Mary...

— Eu o esbofeteei — Mary disse, com toda a franqueza. — Bem forte.

Lady Upperton se encolheu.

— Quase tenho medo de perguntar, mas é preciso. Isso ocorreu no jardim dos Underwood?

— Sim, mas juro que ele mereceu. Estava prestes a... a me tocar. — Mary dobrou os joelhos e murmurou ao ouvido da velha senhora — De um modo bastante inapropriado.

— Oh... — Lady Upperton enxugou a testa com o lenço. — Lotharian, lorde Wetherly é a escolha da srta. Royle, não o irmão mais velho. O visconde vem de uma antiga família, e conquistou honra e distinção... apesar da mãe. Não concorda?

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— Da mãe? — Mary olhou para cada um dos quatro em busca de uma resposta, mas não a obteve.

— Wetherly parece um cavalheiro perfeitamente adequado. Mandarei meus homens investigarem o rapaz. — Lotharian sorriu para Mary. — Srta. Royle, terá uma resposta em uma semana.

— Receio que não tenhamos todo esse tempo — lady Upperton apressou-se a dizer. — Minha preocupação é que Blackstone não apóie o casamento. Essa noite mesmo ele deu vários passos para envergonhar nossa menina. Temo que possa causar um dano irreparável a esse potencial compromisso, a menos que seja persuadido a parar.

— Posso distraí-lo essa noite. Depois, nós nos encontraremos outra vez pela manhã, e discutiremos uma estratégia mais ampla para manter os dois jovens enamorados juntos. — Lotharian ajustou o monóculo ao olho.

— O que pretende fazer? — A cabeça de Mary começava a latejar.

Ela já se indispusera da pior maneira possível com o duque. Os Velhos Libertinos iriam apenas tornar as coisas mais feias, disso tinha certeza.

— Ah, o que temos ali? — Lotharian, que ficava uma cabeça acima da maioria das pessoas no enorme salão, de repente pareceu alerta. — É ele, o cavalheiro alto, de ombros largos. Estou certo?

Lilywhite espiou pela multidão.

— Acertou, Lotharian.

— Ora, ora... — O lorde correu os olhos maliciosamente pelo salão. — Deixe Blackstone comigo. Lady Upperton, pode providenciar que o visconde e a srta. Royle se encontrem de novo essa noite?

A velha dama concordou com a cabeça, fazendo o queixo duplo estremecer.

Lotharian manteve o monóculo mirado em algo.

— Hum-hum... melhor se apressar, querida. Veja. — Ergueu o queixo, e apontou para o centro do salão. — O duque parece estar apresentando o irmão àquela viúva adorável, lady Tidwell.

— Isso é ruim. — Lady Upperton ergueu-se na ponta dos pés para ter um vislumbre da jovem senhora, que realmente ria ao lado de Quinn.

Rogan, contudo, não estava mais ao lado deles. Com a bebida de lady Upperton na mão, rumava direto para o grupo.

Lady Upperton ergueu o leque diante do rosto e puxou Mary para perto.

— Lady Tidwell saiu do luto. Oh, querida, o relacionamento dela com o visconde é uma triste reviravolta nos acontecimentos. Precisamos cuidar disso imediatamente!

— Não se preocupem em demasia, senhoras — Lotharian interferiu, com confiança. — A srta. Royle tem inocência e uma criação superior para recomendá-la. Lorde Wetherly tomará a decisão certa. Agora, se me dão licença, senhoras, tenho minha própria tarefa a cumprir. — Um sorriso enviesado torceu os lábios do velho lorde, e ele partiu em rota de colisão com o duque Negro.

Rogan lançou um último olhar ao irmão antes de afastar-se para levar o cálice de vinho de lady Upperton.

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Tudo corria bem. Quinn se mostrava claramente enlevado com lady Tidwell, o que ajudava a tranquilizar a mente de Rogan.

Ele não suportaria se o irmão começasse a se relacionar com a srta. Royle. Ora, a atrevida achava um enorme prazer em exasperá-lo a toda hora. Nunca, certamente, conhecera uma mulher mais irritante.

O que poderia esperar dela, afinal? Tratava-se de uma plebéia, e sem um tostão também.

Mesmo assim, era perigosa, pois era bonita e sabia como usar seus embustes.

A atrevida pertencia à pior classe de mulher. Do tipo que captura homens confiantes pelos cordões do coração, e depois os atrai para o altar só por causa de dinheiro.

A srta. Royle era uma caça-dotes. Pior ainda: tinha os olhos cravados firmemente em Quinn.

Não por muito tempo, porém.

Quando mencionara a lady Portia Tidwell que Quinn pretendia se casar e iniciar uma família antes que o ano acabasse, a dama se mostrara mais que só um pouco encantada.

Ora, ela seria o par perfeito para Quinn. Pertencia a uma boa família, possuía considerável fortuna, tinha boas maneiras e se relacionava com toda a melhor sociedade.

Rogan ia se voltar para lady Upperton quando sentiu um cutucão firme no ombro. Virou-se para ver um cavalheiro musculoso a fitá-lo com ar zangado.

— Posso ajudá-lo, senhor?

— Gostaria de conversar com o senhor no jardim, Vossa Graça. — Uma teia de veias avermelhadas se estendia pelos olhos furiosos do homem. As faces queimavam num tom escarlate, e o hálito pesado saía em arquejos rápidos.

— Posso perguntar de que se trata, senhor?

O cavalheiro bufou.

— Sabe exatamente a que isso se refere. Vários senhores de idade o viram fazer isso. Apontaram-no para mim. Exijo satisfação! No jardim!

Rogan olhou para dois cavalheiros mais velhos que observavam a discussão com sorrisos nos rostos enrugados.

— Receio, senhor, que haja alguma confusão. Posso saber o que supostamente eu fiz para aborrecê-lo?

O homem praticamente soltou fogo pelas ventas, mas manteve a voz quase num suspiro.

— Beliscou o traseiro de minha esposa!

— Eu? Tem certeza? — Blackstone olhou ao redor do salão. — Quem é sua esposa? Aponte-me, por favor.

Uma veia saltou na testa do homem, e o rosto vermelho parecia pulsar.

— Para o jardim, agora! — Agarrou a manga de Rogan e empurrou-o para o corredor.

— Está cometendo um terrível erro, senhor... — Rogan livrou-se da mão do sujeito.

— O senhor é que errou, no momento em que tocou minha esposa!

— Mas eu não toquei. Por certo eu me lembraria.

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— Pra fora!

Rogan colocou o cálice de vinho de lady Upperton na bandeja de um criado que passava.

— Então, vamos continuar nossa discussão no jardim, como sugeriu, senhor. Está bastante sufocante aqui dentro e seria bom tomar ar fresco.

Os lábios de Rogan se torceram numa careta quando ele seguiu o furioso homem pelo corredor e através das portas francesas para o jardim.

Tirou as luvas e enfiou-as entre o colete e a camisa, para não perdê-las.

Sim, quem sabe um pouco de ar esfriasse a ira de seu novo amigo. Porém, se isso não acontecesse, teria de ensinar-lhe uma lição.

No momento em que Blackstone saiu do salão, a segunda etapa do plano do quarteto de velhos foi posta em ação.

Lotharian virou-se de longe para lady Upperton, e puxou o lóbulo da orelha.

— Minha cara — a velha dama disse a Mary ao receber o sinal —, no momento em que eu distrair lady Tidwell, apareça na mesma hora ao lado de seu namorado. Quanto mais cedo o convencer a sair do salão, melhor será.

Mary pegou a mão rechonchuda da pequena lady.

— Aprecio realmente seus esforços, mas...

O rosto redondo da mulher se iluminou.

— Sei que aprecia, e é por isso que gosto tanto de ajudá-la de todas as maneiras. Há muito tempo não me sinto necessária...

— Não se trata disso, eu apenas quis...

Lady Upperton, porém, interrompeu-a batendo-lhe no dorso da mão.

— Oh, Lotharian está fazendo o sinal de novo. É minha vez! Preste atenção, e entre em ação quando for o momento! — Com isso, a pequenina senhora avançou como uma pipa por entre a multidão, sem se importar com os convidados que dispersava em sua passagem.

Mary tapou os olhos com as mãos por um momento.

Quando a noite terminará?, pensou. Nunca antes passara por tantos vexames numa noite só.

— Querida.

Mary baixou a mão e ergueu os olhos para ver Lotharian parado à sua frente, acompanhado de lorde Wetherly. Lotharian sorriu.

— Srta. Royle, acabei de conhecer o visconde Wetherly, o famoso herói de guerra. Claro, queria apresentá-lo a você, mas há pouco fui informado de que já se conhecem.

— Oh, sim, lorde Lotharian, fomos apresentados apenas alguns minutos atrás. — Mary sentiu as faces queimarem de constrangimento diante daquele plano maluco.

— Está doente, srta. Royle? — Uma preocupação verdadeira toldava os vívidos olhos azuis do visconde.

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Foi Lotharian que respondeu.

— As faces da senhorita parecem muito afogueadas. — Tirou um lenço de dentro do casaco e passou-o pelo próprio rosto. — Acho que está um tanto sufocante aqui dentro. Talvez uma caminhada ao ar fresco a reanimasse, srta. Royle.

— Eu... suponho que sim. — Mary olhou para os dois homens. — Vamos todos juntos?

Lotharian sacudiu o lenço no ar.

— Nada me agradaria mais, mas prometi a Gallantine que o apresentaria a sir Corning. — Olhou para o visconde. — Imagino se o senhor, lorde Wetherly, faria o favor de cuidar da senhorita, hum?

Os lábios de Quinn se abriram num sorriso prazeroso.

— Ficarei honrado, milorde. — Endireitou as costas e, visivelmente agitado, ofereceu o braço a Mary. — Podemos?

Mary tomou o braço estendido do visconde, e o encarou com ar tímido.

— Sem dúvida.

Céus. O plano estava funcionando! Ela não conseguia acreditar em sua sorte.

Talvez a noite não fosse tão pavorosa como havia a princípio acreditado.

Mary estremeceu quando ela e Quinn pisaram na calçada que levava ao jardim dos Brower.

O ar no pátio estava frio, sobretudo quando comparado ao calor do salão, mas não foi a temperatura da noite que a fez arrepiar-se.

Tomando o estremecimento por necessidade de calor, Quinn apressou-se a voltar para dentro e pedir o xale de Mary a um lacaio.

Ao retornar, pouco depois, ela sorriu quando ele colocou o xale com delicadeza em seus ombros.

Contudo, não era o frio que a deixava desconfortável.

Nem a excitação de passear com o homem com quem por fim se casaria.

Era aquele maldito irmão de Wetherly!

Embora o jardim parecesse deserto, ela sabia que Blackstone e seu oponente estavam em algum lugar ali perto.

— Gostaria de descer pela alameda? Lady Brower mencionou um jardim junto à fonte. Dizem que o perfume das flores aquáticas enche a noite com uma fragrância suave incomparável. — Quinn fitou-a dentro dos olhos.

Por alguns instantes, imóveis onde estavam, sob a luz dourada que vinha pelas portas do salão, os dois ficaram a se olhar com ar sonhador.

Pelo menos, Mary tentou fitá-lo assim. Mas, por alguma razão, teve dificuldade.

— Eu... eu... — Ela desviou os olhos e fitou o jardim banhado pelo luar. Receava que a qualquer minuto o duque bestial saltasse de trás dos arbustos e criasse o caos entre os dois.

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— Perdoe-me, senhorita, eu não deveria ter pedido que deixasse sua acompanhante e saísse da festa. — Quinn se apoiou na bengala e olhou para o chão.

— Desculpe, lorde Wetherly, o senhor não fez nada de errado. Eu lhe asseguro.

— Não deveria ter sugerido um passeio... sozinhos.

Diabos. Iria perder o visconde se não concentrasse melhor a atenção nele, em vez de se preocupar com o duque.

— Lorde Wetherly, eu gostaria muito de fazer um passeio pelo jardim com o senhor. Nada me agradaria mais. — Mary virou a cabeça para o lado e fitou o visconde de um jeito tímido. — Mas não avisei minhas irmãs antes que saíssemos do salão. Compreende, não é?

— Claro! E admito, fico bastante aliviado. — O visconde suspirou. — Por um instante eu acreditei que meu convite tivesse sido mal interpretado, e que a senhorita me julgasse com segundas intenções...

— Lorde Wetherly...

— Por favor, me chame de Quinn. Sei que acabamos de nos conhecer, mas sinto que a conheço muito bem.

Embora Mary não tivesse nenhuma experiência nos estágios do amor, também tinha certeza de que Quinn estava encantado, e por causa disso era provável que um pedido de casamento surgisse nas próximas semanas.

Ela quase podia sentir.

Sua mente começou a rodar com pensamentos de um futuro com... Quinn.

Já podia visualizar o casamento, naquele mesmo instante. Viveriam num grande solar no campo. Teriam três lindos filhos, duas meninas e um menino.

De repente, ela se viu puxada de volta.

— Senhorita? — Aquele olhar preocupado estava nos olhos do visconde outra vez. — Srta. Royle?

O-o quê? Oh, meu Deus. Concentre a atenção, Mary. Concentre-se!

— Por favor, me chame de Mary. — Riu baixinho. — Perdoe minha desatenção, por favor. Acho que me perdi em divagações.

Olhou dentro dos olhos de Quinn, que sorriu.

Deus do céu, ele é tão lindo quando sorri...

— E por onde andavam seus pensamentos, Mary?

Era uma boa pergunta. O que ele gostaria de ouvir? Mary bateu os cílios. Então, de repente, soube como responder.

— Eu imaginava se o julgaria um malandro terrível se... se me beijasse aqui, agora mesmo! — Fez um ar de fingida inocência.

Quinn ficou calado por um longo instante, antes que a expressão de surpresa fosse substituída por uma de ansiedade.

— Acho que só há um jeito de saber a resposta para sua pergunta.

Mary encheu-se de expectativa. A qualquer momento, lorde Wetherly iria comprimir os lábios nos seus.

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Será que devo fechar os olhos? Ou esperar até que as bocas se toquem? Fechá-los. Sim. Parece o melhor a fazer.

Fechou os olhos com força e fez biquinho, à espera de que Quinn, o homem com quem um dia se casaria, a beijasse.

A qualquer momento agora. A... qualquer... momento.

De repente, ouviu o visconde remexer os pés.

Uma lufada fria de ar soprou entre os dois, e ela teve certeza de que Quinn se afastara.

Será que ele tinha julgado seu ardor indecoroso?

No instante em que ia erguer as pálpebras, ele a arrebatou nos braços e esmagou-a contra o peito rijo e musculoso.

Mary mal conseguiu arquejar antes que aqueles lábios sensuais se apossassem dos dela, quentes e molhados, em movimentos tão... apaixonados!

Oh, meu... Deus...!

Na mesma hora, suas pernas amoleceram e pareceram assumir a consistência de marmelada, e um calor percorreu-lhe o corpo inteiro.

Jamais imaginara que um beijo poderia ser tão maravilhoso!

Ou que o gentil Quinn fosse o tipo de homem que faria sua cabeça girar tão deliciosamente.

Estava apaixonada, era isso.

Não havia outra explicação. Ela e Quinn eram feitos um para o outro. Tinham de ficar juntos. Precisava lhe dizer.

Ele devia estar apaixonado também, ou não a beijaria daquele modo!

Não pense, Mary. Apenas lhe diga.

Diga-lhe!

E no momento em que afastou seus lábios dos dele, ela confessou.

— A-acho que eu amo você...

Então, ouviu a voz de Quinn, zangada.

— Pare!

Que estranho. O visconde parecia tão longe.

— Pare agora mesmo! — Quinn implorou.

Sem entender, Mary continuou com os olhos fechados para não quebrar o encanto do momento, e se aconchegou a ele para outro beijo.

— Rogan, eu exijo!

Rogan? Mary ficou rígida. Arregalou os olhos e virou-se para o jardim, esperando ver o brutamontes do irmão de Quinn saltando dos arbustos, tal como imaginara. Tal como receara.

Em vez disso, viu Quinn de pé a seu lado. Quinn?

Então... quem a beijara? Ela imediatamente ergueu a cabeça.

Oh, Deus, não! Mil vezes não!

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— Me ama, não é, srta. Royle? — O duque Negro, ainda a esmagá-la contra o peito, riu com malícia. — E eu poderia jurar que me desprezava!

Lágrimas saltaram aos olhos de Mary.

— Solte-me, seu... seu animal vulgar.

— Você ouviu, Rogan. Solte-a, agora! — Quinn gritou. — Não posso crer que tenha feito isso. Você é meu irmão!

— Muito bem, eu a soltarei, senhorita — o duque disse, num sussurro insultante. — Qualquer coisa pela mulher que me ama. — Endireitou-se.

Mary o encarou, furiosa e bastante arfante.

— Como se atreve! — Levou a mão para trás e desferiu uma bofetada dolorida na face de Rogan.

Não conseguiu nem se recompor para olhar para trás, para Quinn, ao fugir pelas portas francesas e correr, cega pelas lágrimas da humilhação, para dentro da casa.

— Deixe-a ir, Quinn. Por enquanto. — Rogan esfregou a face com o dorso da mão. — Acho que ela pode precisar de alguns minutos para se acalmar.

— Eu deveria lhe apontar uma arma pelo que fez!

— Agi para seu próprio bem. — Quando Quinn ia protestar, Rogan ergueu a mão para silenciá-lo. — Juro, algum dia você me agradecerá por isso.

Levou a mão para tocar o ombro do irmão, mas Quinn afastou-se. Seus olhos faiscavam.

— Eu ia beijar a srta. Royle! Uma moça de família com quem posso me casar um dia... E o que você faz? Me empurra para longe e a ataca!

— Não a machuquei. Só a beijei. E, para ser franco, a dama gostou. — Rogan tentou não sorrir. Ou mencionar que também poderia ter gostado. Não a beijara para magoar o irmão, mas para ajudá-lo.

— Por que, Rogan? — Quinn estava possesso, embora lutasse para não demonstrar. — Por que diabos fez isso?

— Para salvá-lo de uma ratoeira para o altar.

Rogan seguiu até um banco de mármore e sentou-se nele. Enfiou a mão pelos cabelos antes de encarar o irmão novamente.

— Eu acabava de voltar do jardim dos fundos depois de uma discussão bastante acalorada com um cavalheiro, e ouvi a mocinha seduzindo você!

— Mary me convidou a fazer algo que eu queria há muito tempo!

— As vezes você é tão ingênuo... Mas eu não. Era uma armadilha, e você se deixou apanhar com alegria.

— Não era uma armadilha, Rogan.

— Tenho certeza de que era. Você a tomaria nos braços e a beijaria, e no mesmo instante lady Upperton e um bando de matronas rigorosas da sociedade correria para o jardim, acusando-o de arruinar a pobre srta. Royle. E como homem honrado e bom que você é, pediria que essa moça se tornasse a viscondessa Wetherly.

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Quinn, entretanto, não parecia nem um pouco comovido com o sacrifício do irmão.

Em vez disso, as faces do visconde tingiram-se de escarlate, e ele estufou o peito.

— Ouça o que digo! Um homem honrado não teria escolha a não ser desposá-la — Rogan continuou. — Mas a sociedade me apelidou de duque Negro. Tenho uma reputação desgraçada. Ninguém poderia me coagir a um casamento apelando para minha honra, porque não acreditam que eu tenha uma. Portanto, ao beijar aquela senhorita em seu lugar, eu o resgatei de um casamento forçado. Pode me agradecer agora, se quiser.

— Está maluco, Rogan! Passou tantos anos destruindo cegamente todas as mulheres que enxerga um motivo vil por trás do mais inocente dos beijos.

— Você não conhece as mulheres como eu conheço. Coloca-as num pedestal. Mas creia-me, eu sei do que são capazes. Iguais a essa moça já vi muitas. São mulheres que iludem, usam, destroem! Nada as detém quando resolvem encher as bolsas de ouro.

— Poupe-me, Rogan. Mary não é esse tipo de mulher. Não conhece a srta. Royle.

— Nem você! Não entende, meu irmão? Essa é a questão. Você nem mesmo sabia o nome dela uma hora atrás, e já lhe entrega o coração!

— Caso eu a tivesse beijado, Londres inteira poderia ter exigido que a desposasse imediatamente, e eu ficaria feliz em fazer isso! Quero me casar, Rogan. Mary é uma boa mulher, uma mulher virtuosa, de alma gentil e terna.

Rogan esfregou a face.

— Alma gentil com uma maldita mão pesada.

— Você merecia castigo pior. Só posso esperar que um dia se dê conta de que o coração de todos não é tão negro quanto o seu.

— E você aprenderá, irmãozinho, que posso ler a alma de uma mulher mais depressa do que ela consegue me dizer o nome. A srta. Royle não tem "qualidade".

— Tem. Possui uma graça que nunca vi antes.

— Está bem vestida essa noite, mas eu a vi antes, hoje. Vi o traje caipira e o chapéu absurdo. Essa jovem é na verdade uma oportunista, preocupada apenas com seu título e seus bolsos cheios, Quinn.

— Está enganado, meu irmão. — Quinn virou-se e rumou para casa.

Rogan levantou-se do banco e gritou:

— Espere e verá, Quinn!

Quando Rogan sentou-se para tomar o desjejum, Quinn já tomava seu café. Nem mesmo pareceu notar que o irmão havia entrado na sala.

O visconde estava muito elegante, o que chamou a atenção de Rogan.

— Aonde vai tão bem vestido assim, querido irmão?

Quinn não disse nada. Apenas mordeu uma fatia de torrada.

— Ora, eu não me desculpei? Caro irmão, juro de todo o coração que lamento ter beijado a srta. Royle.

— Lamenta coisa nenhuma. Queria provar que Mary deseja minha fortuna. Bem, mas isso não importa, Rogan.

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— Não?

— Não, porque tenho planos de visitar Mary esta tarde. — Forçou um sorriso e olhou diretamente para Rogan. — Então, continuarei meu caminho até a Cavendish Square para conversar com lady Upperton sobre minhas intenções de cortejar sua protégé.

Rogan saltou da cadeira.

— Quinn... — Como convenceria o irmão a mudar de idéia?

De súbito, o mordomo entrou no recinto com um cartão numa salva de prata, e se dirigiu diretamente a Quinn. Rogan silenciou e sentou-se outra vez. Um ar de confusão imediatamente se estampou no rosto do visconde.

— Cedo para um cartão, não acha? Pegue-o, Quinn, veja de quem é.

— Eu... vou terminar meu café primeiro.

Rogan levantou-se. Mesmo de onde estava, podia ver que o cartão tinha a letra de uma mulher. Seria da srta. Royle?

O irmão não fez nenhuma menção de abrir a correspondência. Por que razão?

— Quinn, posso ler em voz alta para você enquanto come. Não temos segredo não é, irmão?

Antes que Quinn respondesse, Rogan se apossou do cartão. Quebrou o selo de cera, desdobrou o papel, percorreu-o com os olhos e... maldição!

Não era da srta. Royle.

— É de lady Tidwell. — Ah, excelente: seu plano de contingência estava funcionando. Apenas não esperava que fosse acontecer tão cedo. Estendeu a carta para o irmão. — Por certo vai querer lê-la.

— Muito bem, dê-me aqui. — Quinn apanhou a carta e leu-a silenciosamente por um instante.

— Como está lady Tidwell? — Rogan perguntou. — Mal pude trocar duas palavras com ela. Vocês conversaram, não é, Quinn?

— Sim. — O visconde parecia distraído, e Rogan tomou isso como um bom presságio. — O irmão dela, Spinner, aceitou um posto em outro regimento. Parece que vai para a índia pela manhã.

Quinn olhou para Rogan, as feições não mais vincadas de preocupação, mas luminosas e alegres.

— Nós servimos juntos em Toulouse.

— Oh, é mesmo? Não tinha idéia. — Rogan sabia, é claro. Na verdade, foi a associação íntima de Quinn com o irmão de lady Tidwell que a tornara a escolha perfeita para o seu querido irmão.

— Milady me fez um convite para jantar com os dois essa tarde... antes que Spinner parta. — Quinn colocou o cartão no colo, os olhos de repente pensativos. — Gostaria muito de aceitar, mas...

— Ora, irmão, pense bem! — Rogan avançou um passo e deu um tapinha afetuoso nas costas do visconde. — Aceite o convite de lady Tidwell. Você mesmo comentou como a vida pode ser curta, principalmente para um soldado.

Quinn ergueu os olhos. Rogan acertara o alvo.

— Mas depois da noite passada... eu deveria...

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— Maldição, Quinn. Se acha que deve, se precisa mesmo visitar a srta. Royle e lady Upperton, pode fazer isso depois do jantar. Melhor ainda: amanhã, quando a mocinha tiver oportunidade de se acalmar adequadamente depois de minha... indiscrição.

— Sim, acho que você tem razão.

— Está tomando a decisão certa. — Rogan bateu nas costas do irmão outra vez, e depois saiu da sala e rumou para o quarto.

Estalou os dedos para o lacaio mais próximo no caminho, e pediu que chamasse seu criado particular imediatamente. Precisava ficar em sua melhor forma, pois tinha duas visitas muito importantes a fazer.

Primeiro, a lady Upperton.

Depois, para a garota com o brilho de moedas de ouro nos olhos: a srta. Royle.

Mary pousou o bico da jarra de chocolate na beirada da xícara de Elizabeth e começou a servir a irmã.

A noite passada fora certamente a pior de sua vida. Nunca antes se sentira tão humilhada. O duque de Blackstone era torpe, e deveria ser trancafiado para o bem de todas as mulheres.

— Mary! — Elizabeth segurou a mão da irmã e inclinou a jarra para cima. — Olhe o que você fez! A toalha!

— O-o quê? — Mary olhou para a xícara, que transbordara, espalhando chocolate pela mesa. — Oh, nossa. Deixe-me pegar algo para...

— Não ligue, mocinha. Cuidarei do estrago — disse a sra. Polkshank, a cozinheira e governanta que Mary havia contratado fazia duas semanas.

A sra. Polkshank colocou um prato de bolinhos sobre a mesa, e Elizabeth pegou um.

— Estou acostumada — disse a criada. — Quanto mais tarde era a hora na taverna, mais esparramavam coisas, e aprendi a estar sempre preparada. — Esfregou um pano na mancha. — Oh, isso não vai sair assim. Vou precisar de um pouco de vinagre. — Rumou para a porta e parou na soleira. Olhou por sobre o ombro. — Querem mais chocolate? Deseja chá, srta. Anne?

Anne meneou a cabeça, furiosa.

— Bem, voltarei num instante. — A mulher desapareceu no corredor.

Anne virou-se imediatamente para Elizabeth.

— Irmãzinha, quer, por favor, dizer a Mary que a cozinheira precisa ir embora?

Elizabeth mordeu um pedaço de bolo.

— Não concordo, Anne. Nunca tivemos refeições como as dela no campo. Acho a sra. Polkshank bastante prendada. E certamente mantém a casa mais limpa do que a equipe de ladrões que tia Prudence empregava.

Mary meneou a cabeça.

— Anne, você não está zangada porque contratei a sra. Polkshank. Pelo menos, não esta manhã. Por que a irritação?

Anne baixou a cabeça.

— Lady Upperton havia acabado de me apresentar um jovem muito divertido, um conde. Então, você chegou correndo no salão, os cabelos todos desarrumados e, num

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instante, estávamos todas do lado de fora da casa dos Brower, esperando que a carruagem nos trouxesse para casa.

— Blackstone me beijou! — Mary sentiu a voz tremer. — Aquele imoral fez tudo que podia para zombar de mim diante do irmão!

— O que não compreendo é por que um simples beijo, indesejado ou não, a perturbou tanto — comentou Anne. — A Mary que conheço o teria esbofeteado.

— Esbofeteei.

— Porém o que o duque fez abalou-a a ponto de se derramar em lágrimas, não é? Ora, se você fosse uma chorona, eu poderia esperar soluços. Mas você não é assim.

Elizabeth encarou a irmã como se a visse pela primeira vez.

— Até papai morrer, você era tão forte e confiante, tão ferozmente competitiva... Não permitiria que alguém a superasse. Por que agora, querida?

Mary apoiou os cotovelos no colo e pousou o rosto nas mãos.

— Não sei. — Lágrimas quentes rolaram por sua face. — Até papai morrer, eu conhecia meu lugar nesse mundo. Mas agora sinto-me perdida.

— O mesmo acontece com Anne e comigo. E um novo mundo para nós, Mary — disse Elizabeth. — Encontraremos nosso caminho... com o tempo.

— Só sei que o dinheiro que temos em nossos cofres é tudo que se antepõe entre nós e o trabalho de criadas. — Mary endireitou o corpo. — Precisamos usá-lo com prudência para construir um futuro seguro.

Quando Anne falou, sua voz soou doce e calma.

— E Blackstone está minando seus esforços para forjar um futuro, uma vida com lorde Wetherly. E isso que a aflige tanto.

Mary fitou a mancha na toalha da mesa e não disse nada.

Uma batida ressoou à porta, mas ninguém, a não ser MacTavish, prestou atenção. Durante toda a manhã, cartões de visita e convites para festas, musicais e soirées se empilhavam no aparador da lareira. A missão de lady Upperton de introduzir as irmãs na sociedade londrina fora um sucesso na noite anterior.

Mary enxugou uma lágrima da face com o dorso da mão.

— O duque está determinado a me manter longe de Quinn... de lorde Wetherly. E não posso fazer nada para impedir isso.

— A antiga Mary poderia — disse Elizabeth.

— Tem razão. Por que eu deveria ficar em compasso de espera, no aguardo do próximo complô para o duque me humilhar diante do irmão? Só preciso ser esperta para mantê-lo sob controle. Para evitar que esse cretino grosseiro tenha tempo ou oportunidade de colocar empecilhos entre mim e lorde Wetherly.

— Essa, sim, é nossa Mary! — Anne levantou-se da cadeira e foi abraçar a irmã, justamente quando MacTavish parou no corredor, na soleira da sala de jantar.

Mary levantou-se e ergueu o punho no ar, num gesto dramático.

— Blackstone, você encontrou sua igual.

— Será? — Do corredor, veio uma voz profunda e bastante familiar.

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Mary julgou que os olhos iriam saltar das órbitas no momento em que percebeu quem estava de pé atrás do mordomo.

— Oh, meu Senhor! Blackstone! — balbuciou, tomada pela surpresa.

O duque arqueou a sobrancelha de um jeito significativo.

— Minha cara senhorita, não é correto chamar-me de "meu Senhor Blackstone", por mais lisonjeiro que seja. Sou um duque, e a maneira educada de se dirigir a mim é Vossa Graça.

— Oh, peço desculpas... Eu... f-fiz uma pausa depois de "oh, meu Senhor" — Mary gaguejou. — O senhor entendeu tudo errado. — Lançou um olhar de súplica para as irmãs. — Anne, pegue uma folha de papel e uma pena. Eu lhe mostrarei, Vossa Graça.

— Não é preciso. Apenas... diga de novo.

Mary encarou-o, e então viu o brilho malicioso nos olhos do duque, e o sorriso largo, enviesado.

Maldito! Aquele homem a fizera de boba outra vez... Permitira novamente que Blackstone a humilhasse!

Pois muito bem, paciência. Não estava preparada para o surgimento do duque.

Porém, aquela seria a última vez!

Capítulo IV

— Por favor, perdoe-me, Vossa Graça, mas confesso que não esperava encontrá-lo em nossa sala de jantar a essa hora. Nem em qualquer outra.

Mary passou pelas irmãs e aproximou-se de Blackstone. Estendeu a mão.

— Vamos começar de novo. Bem-vindo à nossa casa, Vossa Graça. — Abaixou-se numa cortesia exagerada, digna do próprio Príncipe Regente.

Quando se levantou, olhou para as irmãs. Embora obviamente surpresas que o infame duque Negro estivesse ali, dentro de seu lar, cumprimentaram-no da mesma maneira.

— Gostaria de se juntar a nós na sala de visitas, Vossa Graça? Ficaremos mais confortáveis lá. — Como faria uma boa anfitriã, Mary sorriu calorosamente para o visitante e, ao sair para o corredor, fez um gesto para que a seguisse.

Exteriormente, estava calma e serena. No íntimo, era um feixe de nervos.

Quando entraram na sala de visitas, como era seu hábito, Mary tirou o cálice vazio das mãos ossudas da tia-avó adormecida. Ao virar-se, percebeu que Blackstone olhava para a velha senhora.

— Talvez devêssemos nos retirar para outro aposento... — O duque apontou para tia Prudence.

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— Não é preciso. — Mary meneou a cabeça e pousou a mão no ombro da tia. A mulher não se moveu, nem acordou. — Essa é nossa tia-avó, a sra. Winks.

Blackstone fez uma mesura para a senhora idosa que cochilava. E o canto da boca de Mary torceu-se num ar de riso.

— Ela é um amor, não precisa se preocupar. Sempre acreditei que minha tia aprecia a companhia de gente mais jovem, mesmo que não esteja plenamente ciente disso. — Apontou a cadeira oposta à de tia Prudence. — Por favor, sente-se, Vossa Graça.

Seus joelhos tremiam sob as compridas saias. Que ridículo, pensou ela. Não queria que o atrevido visse que estava despreparada para um ataque de surpresa.

E aquele era sem dúvida um ataque. Por que mais o duque estaria ali?

Certamente não para se desculpar por beijá-la. Isso seria cavalheirismo demais, e Blackstone não era um cavalheiro.

— Vossa Graça, nós não o esperávamos no dia de hoje — ela começou, com voz firme e calma, o que a surpreendeu. — Eu poderia perguntar a finalidade dessa visita?

Anne e Elizabeth sentaram-se em silêncio, praticamente grudadas, e ficaram a olhar para o duque como dois ratos do campo encurralados por um gato faminto num celeiro.

Blackstone cravou os olhos em Mary e então, de repente, ela sentiu que não conseguia respirar.

— Vim até aqui, minha cara, para me desculpar por minhas atitudes da noite passada. — Ele engoliu em seco, e desviou o olhar para Anne e Elizabeth por um breve instante, arrancando um pequeno suspiro de cada uma. — Eu não deveria pedir isso, mas... poderia conversar com a senhorita em particular por um instante ou dois?

O duque mal acabava de pronunciar essas palavras quando Anne e Elizabeth se puseram de pé e saíram depressa da sala de visitas.

Covardes. A pulsação de Mary acelerou-se. Agora, estava absolutamente sozinha com Blackstone. A não ser por tia Prudence, que ressonou alto, como a lembrá-la de sua presença.

Mesmo assim, estava por conta própria, e completamente despreparada para aquilo. Não suportaria ficar sentada ali com um homem que tirara vantagem dela, e no dia anterior.

Mary levantou-se e abriu a boca para pedir licença e sair.

— Por favor, senhorita. Não vá. Não lhe farei mal algum, juro. — O duque ficou de pé e, numa única passada, estava diante dela. — Por favor.

Com uma gentileza que a surpreendeu, ele pousou a mão no ombro de Mary e a guiou de volta ao sofá, fazendo com que se sentasse. Ajoelhou-se diante da jovem e tomou-lhe a mão.

Santos abençoados, o que acontecerá agora?

Blackstone fechou os dedos em torno da delicada mão e apertou-a. Levou-a até o peito.

— Espero mesmo que possa dispor-se a me perdoar, srta. Royle. O que fiz foi desprezível, e a única justificativa que tenho para o fato é que agi em prol de Quinn.

— Sim, o que o senhor fez foi horrível. Queira me desculpar por não compreender seu motivo, mas o próprio visconde não pareceu apreciar seus atos.

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Sem saber por quê, Mary olhou para sua mão, que o duque segurava contra o peito. Mesmo debaixo do colete e do casaco, podia sentir a curva dos músculos firmes. De repente, veio-lhe a lembrança da sensação de estar comprimida contra aquele peito rijo.

Minúsculas gotas de suor umedeceram a depressão entre seus seios.

Oh, como está abafado na sala, pensou. Corando até a raiz dos cabelos, desviou o olhar das formas do duque e cravou-o no sino sobre a mesa perto da lareira. Se pelo menos o duque voltasse a se sentar na cadeira, ela poderia chamar MacTavish e mandar o mordomo abrir as janelas. Uma brisa seria uma bênção...

Puxou a mão, mas Blackstone não a soltou. O duque Negro baixou a cabeça, e pareceu procurar algo no tapete, talvez um lembrete do que deveria dizer. E quando os ergueu de novo, mostrou-se inseguro.

Não, não pode ser. É um truque, pensou Mary.

— Serei honesto com a senhorita — Blackstone finalmente disse.

— Gostaria que não agisse de outra forma, Vossa Graça.

— Quando a ouvi seduzindo Quinn para que a beijasse, tive a impressão de que uma armadilha se fechava em torno de meu irmão, para obrigá-lo a um casamento.

Ele aproximou o belo rosto do de Mary, obrigando-a a se recostar contra o sofá para que os narizes não se esfregassem.

— Tive certeza de que no momento em que se beijassem, sua madrinha surgiria, alegaria que Quinn a arruinara e exigiria um compromisso.

Uma explosão de riso escapou dos lábios de Mary.

— O senhor deve me julgar bem mais esperta do que sou, se tem a impressão de que eu seria capaz de arquitetar um ardil tão sorrateiro.

— Não creio que a tenha superestimado, srta. Royle. Embora receie ter interpretado mal sua intenção.

— Se achou que eu enredaria o visconde, por que não o chamou para longe? Por que se adiantou e me beijou daquele modo traiçoeiro?

Blackstone soltou-lhe a mão e ficou de pé. Afastou-se e caminhou até a lareira.

— Porque eu tinha de saber. — Ele apoiou o cotovelo no aparador e virou a cabeça para fitá-la. — Tinha de saber se a senhorita havia armado um plano. Se era do tipo que procura se casar por dinheiro.

Mary se abalou profundamente diante daquelas palavras.

— Vossa Graça — balbuciou, ofendida —, não tenho nenhuma necessidade de dinheiro, eu lhe asseguro. Recebi um dote bastante substancial.

Blackstone olhou ao redor, pela sala, prestando atenção em especial ao sofá desfiado e ao tapete roto.

— Se isso é verdade, peço que me perdoe.

— É verdade! — Mary olhou para o vestido usado e, de repente, desejou estar vestida com algo mais fino. — As aparências talvez não traduzam a verdade. Essa é a casa de nossa tia-avó. Quando viemos viver aqui, os criados praticamente já haviam destituído a casa de todos os valores, graças a Deus chegamos a tempo.

Blackstone meneou a cabeça, pensativo.

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Cruzes! Por que se importava com o que aquele homem achava da mobília? Ou do vestido que usava? Por que uma boa opinião a seu respeito importava?

— Então, Vossa Graça, o senhor me testou? Como me saí?

— Acha que eu viria aqui pedir-lhe perdão se ainda duvidasse dos motivos da senhorita com relação a meu irmão?

— Não, suponho que não.

— Então... aceita minhas desculpas?

— Agradeço sua atitude. Fico feliz em aceitar as desculpas. — Mary obrigou-se a sorrir. Então virou-se, passou pelo duque e rumou para a porta. — Obrigada por vir, Vossa Graça. Permita-me mostrar-lhe a saída.

De repente, ela sentiu que mãos enérgicas a seguravam pelos ombros e a faziam girar. Viu-se de frente com Blackstone. E mais uma vez o ar pareceu sumir de seus pulmões.

— Há... algo mais, Vossa Graça?

— Só mais um pedido. Deixe-me tentar consertar minha grave indiscrição da noite passada. — Os olhos do duque pareceram mergulhar nos de Mary, em busca de uma resposta. — Por favor.

— Qual é o... pedido?

— Consinta em compartilhar um passeio em meu faetonte. Meu irmão mencionou que a senhorita gosta de tomar ar no Hyde Park. Permita-me isso, e se nunca mais quiser me ver de novo, eu entenderei. Por favor, diga que sim.

Mary não conseguiu falar. Será que ele estava sendo sincero? Parecia ansioso... Ou isso era um truque também?

— Muito bem, Vossa Graça. Devo esperá-lo por volta das três da tarde?

Blackstone soltou-a, mas tomou-lhe a mão direita e levou-a aos lábios. Beijou-a suavemente.

— Obrigado.

Sem mais palavras, o duque fez meia-volta e desapareceu pela porta da sala.

Mary olhou para a mão onde os lábios de Blackstone haviam pousado.

Oh, minha nossa!

Com o que, pelo amor de Deus, acabara de concordar?

Mary tinha a impressão de que Blackstone não chegaria na hora combinada, porém estava errada.

Ele não apenas tocou a aldrava no exato momento em que o relógio da biblioteca batia a hora certa, mas chegou com um buquê de rosas cor de damasco, atadas com uma fita de seda azul.

Certamente havia alguma mensagem insultante escondida entre as pétalas e as folhas brilhantes. Mary, contudo, nunca fora muito boa em enigmas. E já que não conseguiu decifrar a mensagem das flores, entregou-as a MacTavish e mandou que as colocasse num vaso.

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Depois, só depois, agradeceu ao duque pela gentileza.

O que mais poderia fazer?

Embora ela suspeitasse de que os modos educados eram fingidos, não uma característica inata, Blackstone se mostrava um cavalheiro. Até mesmo convidara Anne e Elizabeth para também irem ao parque...

Ambas recusaram, é claro.

De qualquer modo, o veículo parado diante da casa era um faetonte de assentos altos destinado a transportar apenas duas pessoas.

Menos de um quarto de hora depois que Blackstone batera à porta, Mary se viu dentro do faetonte, com a coxa direita comprimida contra a esquerda do duque, a descer pela Oxford Street na direção do Hyde Park. Olhou de soslaio para Blackstone. Ele era extraordinariamente grande, e o veículo fora construído para acomodar uma pessoa comum. E aquele homem podia ser tudo, exceto comum.

Rogan estalou o chicote no ar, e os cavalos se lançaram num trote rápido. Mary agarrou-se à borda do assento. Já se via jogada para fora se ele virasse a próxima esquina naquela velocidade.

— Vossa Graça, creio que seu convite era para um passeio no Hyde Park. Pelo amor de Deus, refreie os cavalos! — ela gritou, assustada. — Ou nunca chegaremos ao parque... vivos.

Blackstone riu, e puxou as rédeas. Os cavalos, já suados e arfantes, diminuíram o passo para um trote mais leve.

Mary, no entanto, respirava em arquejos. E levou a mão ao peito, fazendo o melhor para acalmar os nervos.

— Peço desculpas. Acabei de comprar o veículo e a parelha, e imaginava se seria veloz. Acho que deixei meus pensamentos voarem.

— É evidente que está mais acostumado a ser levado do que a dirigir. — Ela ergueu uma sobrancelha. — Talvez eu devesse pegar as rédeas. Eu dirigia a charrete para a igreja todos os domingos. Comecei faz dez anos. — Sacudiu a cabeça de um jeito confiante.

— Que idéia esplêndida, senhorita. — Blackstone entregou-lhe as rédeas e, depois, saltou da boleia. Deu a volta e parou do lado dela. Empurrou-a pelo banco. — A senhorita ofereceu, eu aceitei. Tome as rédeas, e eu vou relaxar e apreciar a vista.

— Mas...

— Vamos. Não se demore. Estamos no meio da rua.

Mary percebeu que não tinha escolha.

Só havia um pequeno senão. Na verdade, pegara as rédeas da charrete duas vezes. Uma num domingo, dez anos atrás, e depois outra vez, quando levara o reverendo para dar a extrema-unção a seu pai.

Que droga!

Com um ligeiro sacudir das rédeas, Mary incitou os cavalos, que seguiram bem devagar, pela Oxford Street, na direção do parque.

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Logo soaram brados de frustração e palavrões sonoros. Um cocheiro zangado, um carroceiro vermelho de raiva e um condutor carrancudo passaram sacudindo o punho ou o chicote no ar.

Depois de três ou quatro xingamentos, contudo, finalmente ocorreu a Mary que talvez devesse soltar as rédeas um pouco. Porém, se andasse mais depressa, poderia perder o controle do veículo e fazê-lo tombar.

— A rua está movimentada hoje — murmurou, sentindo o rosto queimar. — Bem, guiar uma charrete é diferente de dirigir um faetonte de assento alto... não é, Vossa Graça?

— Pode me conceder a honra de me chamar por meu nome de batismo: Rogan?

Mary pestanejou.

— Não creio que seja adequado, Vossa Graça. Afinal, mal nos conhecemos. Posso chamá-lo de... Blackstone, talvez?

— Acho que não. Os cavalheiros me chamam assim rotineiramente. — Estendeu o braço e tirou as rédeas com delicadeza das mãos de Mary, e incitou a parelha. — Só Quinn me chama de Rogan, e faz muito tempo desde que ouvi meu nome ser pronunciado suavemente pelos lábios de uma mulher. Sinto falta disso. — Estalou as rédeas e os cavalos apressaram o passo.

Um tremor percorreu o corpo de Mary, que ficou rígida. O duque, comprimido contra ela, logo percebeu-lhe a reação.

— Acho que entendeu mal meu comentário, srta. Royle. — Virou-se, e a fitou.

— Mesmo? — Mary agarrou-se ao banco. — Tem um cocheiro adiante. Preste atenção.

Mas Blackstone continuava a fitá-la enquanto dirigia.

— Só quis dizer que minha avó foi a última mulher que pronunciou meu nome com gentileza. E isso muitos anos atrás.

Mary arregalou os olhos. Fincou os dedos no banco.

— Por certo houve outras... Amigas, por exemplo. Oh, Deus. Olhe para a frente!

— A senhorita conhece a reputação que tenho. Algumas coisas não passam de exagero e fofocas, mas ouso dizer que outras são justas. E, devo admitir, a história de não mostrar predileção por uma mulher durante muito tempo... bem, não fica longe da verdade.

Rogan olhou adiante, só para desviar a parelha e evitar o choque contra um coche reforçado. Então fitou Mary nos olhos outra vez.

— Só os mais íntimos me chamam de Rogan.

Sua voz, sonora e profunda, ressoou pelos ouvidos de Mary como o rumor das rodas sobre o pavimento.

— Perdoe-me, mas eu não acredito que tenha conquistado tal distinção — murmurou ela.

— Mas conquistará. Posso sentir. — Blackstone sorriu.

— Receio que precise se explicar. — Uma carruagem atravessou a rua apenas a vinte passos do faetonte. Mary se assustou. — Por favor, Vossa Graça, olhe para a frente. A rua está cheia de veículos.

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— Meu irmão acredita que a senhorita seja uma pessoa especial. Os instintos me dizem que terá algum tipo de relacionamento com nossa família. Diante disso, deveríamos ser amigos, no mínimo. Não concorda?

Isso é tão estranho... Ele quer que nos tornemos amigos?, Mary pensou.

— Sim, Vossa Graça, é lógico presumir que ficaremos na companhia um do outro com frequência. Concordo, deveríamos ser amigos.

— Então, por favor, me chame de Rogan, mesmo que apenas eu possa ouvir. Como um favor a mim, seu amigo.

— Está bem, se fizer o favor de olhar em frente, para a rua. — Mary respirou fundo, preparando-se para o momento em que o faetonte se chocasse contra a carruagem.

— Está bem, quem? — Um sorriso brincalhão surgiu nos lábios do duque quando o momento do impacto se tornava mais iminente.

— Está bem, Rogan! — Mary fechou os olhos. — Eu o chamarei de Rogan. E pode me chamar de Mary. Mas, por favor, pare!

O faetonte se inclinou e ela arregalou os olhos quando o duque firmou a perna direita na boleia e puxou as rédeas com força.

Os cavalos quase empinaram, mas diminuíram a marcha imediatamente. As patas dançaram no calçamento até que a carruagem parasse de todo com um guincho.

— Obrigada... Rogan. — O coração de Mary batia com tanta força que ela mal conseguia ouvir a própria voz.

— Mary, querida, você não precisava ter medo de nada. Acredite. Restavam-me pelo menos uns cinco segundos até que você concordasse em me chamar de Rogan. E usaria cada um. Valeu a pena, pois agora somos amigos.

Ela puxou um lenço da bolsa e enxugou a testa antes de encarar Rogan.

— Somos amigos. Mas teria concordado bem mais depressa caso receasse pela minha própria vida.

— É mesmo? — O duque arqueou a sobrancelha e sorriu. — Tentarei me lembrar disso no futuro.

— Rezarei para que o faça. — Então, por alguma razão, Mary se deu conta que se sentia bastante à vontade com o duque Negro.

Com Rogan.

Olhou-o de soslaio. E sorriu, sem querer.

Evidentemente, aquele era um dia de visitas inesperadas. Dessa vez, contudo, quando a aldrava da porta soou, o sol se pusera havia muito tempo.

Mary terminava de jantar com as irmãs quando MacTavish entrou na sala de jantar e informou-a de que um cavalheiro a aguardava na sala de visitas.

Já era tarde, bem mais que o recomendável para uma visita, segundo as regras de compostura. Assim, ela imaginou que o recém-chegado fosse seu novo amigo, que nunca se guiava pelas regras da sociedade: Rogan, o duque de Blackstone.

Ela, contudo, não se sentiu nem um pouco aborrecida por receber uma visita do duque tão tarde. Os cabelos estavam um pouco despenteados.

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É apenas Rogan, disse a si mesma, e nem se importou em olhar para o espelho pendurado no corredor. Seguiu direto para a sala.

Só que não foi Rogan quem viu apoiado na bengala, a andar de um lado para outro.

Era Quinn.

Aquilo mudava tudo. Sua aparência estava péssima, e lorde Wetherly era seu pretendente!

Quinn ergueu os olhos azuis no momento em que Mary cruzou a soleira da porta, deixando-a sem nenhuma chance de se retirar para cuidar da aparência.

Aflita, ela enfiou um cacho de cabelo solto atrás da orelha e mordeu os lábios para pôr um pouco de cor neles; mas sabia que ainda assim parecia uma trapeira. Mas o que fazer?

— Oh, srta. Royle. Peço desculpas pela hora tardia, mas eu não poderia esperar até amanhã para visitá-la.

Mary inclinou-se numa ligeira cortesia.

— Não se preocupe com isso, lorde Wetherly... Quinn. É sempre bem-vindo em nossa casa.

Ele tomou-lhe as mãos.

— Como disse, eu não podia esperar, embora agora eu me dê conta que é inteiramente inapropriado chegar sem aviso.

Nervoso, o visconde parecia ter dificuldade em fitá-la nos olhos. A bengala escapou e caiu ao chão, e ele olhou ansioso para o sofá.

— Venha. — Mary passou por sobre a bengala e apressou-se a conduzi-o até o sofá. Acomodaram-se no assento. — Diga-me o que o preocupa. Vejo a tensão em seu rosto.

Quinn baixou a cabeça.

— Tenho algo a confessar, mas não sei como abordar o assunto. Não quero magoá-la.

— E por que julga que seria capaz de uma coisa dessas?

Quinn não respondeu. Mary pousou sua mão sobre a dele, apoiada no assento.

— Meu caro, por favor, diga-me o que o aborrece. Não posso vê-lo em tal estado.

O visconde ergueu os olhos e a fitou.

— É muito boa, Mary. — Ergueu a mão livre e colocou-a sobre a dela, fechando-a entre os dedos. — Pensei em visitá-la essa tarde, mas recebi um cartão de lady Tidwell.

Lady Tidwell? Lady Upperton a avisara que a viúva poderia causar preocupação.

Quinn encarou-a nos olhos, e embora ela sentisse uma pontada dolorosa de surpresa, não mostrou nenhuma reação diante daquelas palavras. Deveria haver alguma explicação. Tinha certeza.

— O irmão dela, o tenente Spinner, um amigo que tenho em grande consideração, serviu comigo na península... em Toulouse. Veio visitar a irmã antes de embarcar para a índia. Queria conversar comigo sobre um assunto que lhe pareceu ser importante. Então, fui vê-lo e a lady Tidwell.

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— Como é gentil. — Mary a custo conseguia se controlar. O longo início da conversa a fazia imaginar as horríveis notícias de que Quinn era portador. — Por favor, continue. Não me contou o que o aflige.

— Minha cara Mary, por favor, creia quando lhe digo que a tenho na mais alta estima.

Outro prelúdio. E gratuito.

Mary conteve a respiração, esperando o "mas" complementar.

— Mas Spinner me pediu um imenso favor, que não posso recusar. Por favor, compreenda, ele praticamente salvou minha vida em Toulouse. Eu lhe devo muito.

A garganta de Mary fechou-se, e ela engoliu em seco.

— Diga-me, o que foi que prometeu a ele?

Os olhos azuis de Quinn faiscaram. Seriam lágrimas?

— Lady Tidwell acabou de sair do período de luto e quer recuperar seu lugar na sociedade.

— Eu a vi conversando com você na festa dos Brower. Ela é... muito bonita.

— Ela era. — Quinn apertou a mão de Mary entre as suas. — Mas não está tão bem quanto parece. O irmão diz que ela pensa demais no marido que morreu em Salamanca e, quando isso acontece, lady Tidwell cai num estado preocupante de melancolia.

Mary franziu a testa.

— Estou confusa. Como o estado dela o afeta?

— Spinner julga que se lady Tidwell ficasse ocupada, socialmente, poderia emergir dessa depressão. Ele pediu-me para acompanhá-la pelo resto da temporada.

Mary saltou de pé.

— O quê? — E quanto a mim... e quanto a nós?, pensou, aflita.

— Oh, Mary, saiba que gosto imensamente de você. Umas poucas semanas de consideração é tudo que lhe peço. Por favor. Devo a vida a Spinner. Tenho de ajudá-lo.

Mary sentiu-se atordoada. Deu alguns passos e sentou-se numa poltrona perto da lareira.

— Não se aflija. Não ficará sozinha enquanto cumpro meu dever. Meu irmão irá acompanhá-la em meu lugar.

As palavras do visconde a atingiram como um balde de água gelada.

— O duque? O homem que o empurrou para fora do caminho e me beijou?

— Ele me contou que lhe pediu desculpas hoje cedo, e que você aceitou. Não é verdade? — Quinn levantou-se.

Mary esforçou-se para acalmar-se.

— Ele se desculpou, e eu aceitei.

— Então não há problema com o arranjo.

— Perdoe-me, Quinn, mas não precisava se preocupar comigo. Não quero a companhia de seu irmão. Tenho minhas irmãs, afinal.

— Mary, você é uma bela mulher. Sei que é errado me sentir desse jeito, mas eu não poderia suportar vê-la dançando e conversando com outro cavalheiro.

— Ora, não há nada com que se preocupar. Não tenho interesse em nenhum outro.

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— Por favor, Mary. Aguente a companhia de meu irmão durante algumas semanas... por mim.

Mary olhou para o visconde.

Quinn era o homem mais honrado que já conhecera, além de seu pai. Não poderia pedir que se recusasse a atender ao pedido do tenente.

— Está bem, Quinn, aceitarei a companhia do duque. Mas somente até o final da temporada. — Sorriu cordialmente, tentando amenizar a situação.

— Ótimo! — Quinn pegou a bengala do chão. — Agora, eu a deixarei para que descanse. E novamente peço desculpas por vir tão tarde. Mas, como já disse, eu precisava discutir o assunto com você de imediato.

Antes que Mary pudesse se levantar, Quinn rumou para a porta, girando a bengala entre os dedos. Saiu para o corredor e curvou-se numa mesura. Um instante depois, Mary ouviu a porta da frente fechar-se com um clique.

Adorável. Simplesmente adorável.

Ela foi até a biblioteca para pegar o livro sobre moléstias que Elizabeth encontrara na caixa de documentos do pai, alguns dias antes. Poderia precisar dele. Seria ridículo pensar que poderia fingir uma dor de cabeça todas as noites, pelo resto da temporada.

Sim, precisaria de uma coleção completa de enfermidades para servir de desculpa para não ir aos eventos sociais.

Pois não haveria outra maneira possível de sobreviver à temporada de braços com Rogan, o duque Negro.

Absolutamente nenhuma.

— Olhe, Anne! — Elizabeth apontou para Mary, que estava de pé no meio da elegante loja de madame Devy, os braços para cima como se tivesse uma urna romana nos ombros. — A estátua de Blackstone nos seguiu até aqui.

Anne levou a mão aos lábios, mas Mary ouviu a risadinha. E não ficou nada alegre.

Espichou o pescoço e relanceou os olhos para o relógio de mesa.

Duas horas. Estavam ali fazia duas tediosas horas.

Primeiro, haviam passado uma hora examinando incontáveis modelos do La Belle Assemblée. Depois de um deles escolhido, a modista a enrolara em tecidos, fitas e rendas.

Mary não aguentava mais.

— Estamos quase terminando, lady Upperton? Meus braços estão entorpecidos e minhas costas doem. Para falar a verdade, gosto muito dessa seda. Assim, por que não escolhemos logo e acabamos com isso?

Lady Upperton estalou a língua quando a modista acabou de drapear a seda rosa pelo ombro de Mary. Então mirou-a por alguns instantes, pensativa, antes de menear a cabeça.

— Não, não, madame Devy, a cor não cai bem a ela. O tom é muito forte e anula o róseo natural das faces e lábios da srta. Royle. Não serve. Teria uma nuance mais suave?

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— Uma nuance mais discreta? Oui, milady, tenho. — A mulher arrancou a seda do corpo de Mary e depois pediu à assistente para que pegasse outro lote de seda das prateleiras.

A garota colocou o rolo nos braços da francesa e depois a ajudou a desenrolar vários metros de tecido, com que a modista envolveu Mary.

— É isso! — Os olhos de Elizabeth cintilaram. — Oh, é esse, sem dúvida. Você verá, Mary. O vestido, nesse tecido, será seu predileto.

— Mademoiselle tem um olho clínico. Acho que tem razão. O que diz, lady Upperton?

— Oh, sim, madame. Acho que ficará excelente para a Festa dos Heróis na próxima semana. — A expressão da velha senhora tornou-se de repente preocupada. — Conseguirá fazer o vestido e entregá-lo a tempo? Prometeu-me que se viéssemos à loja e escolhêssemos tudo de uma vez, apressaria a feitura dos vestidos.

A modista olhou para as folhas de modelo e depois para os metros de seda em torno de Mary. Pareceu consternada.

— Um vestido, sim, mas três...?

— Seja quanto for, eu pagarei. Precisamos de três vestidos novos para a festa. — Lady Upperton pegou a bolsa da mesa e sacudiu-a, para que as moedas retinissem. — Pode terminar em tempo?

A modista concordou.

— Oui. Terei de contratar cada costureira da cidade se tiver de entregar os vestidos das senhoritas antes do baile. É verdade, minha senhora, que o próprio Wellington pode comparecer?

— Não sei. Embora sua presença fosse tornar o evento muito empolgante, não é? — Piscou para a modista.

— Lady Upperton — murmurou Mary —, por favor, não faça isso. Não gaste dinheiro comigo. Posso pagar madame Devy eu mesma... ou, melhor ainda, usar o vestido azul da festa dos Brower.

Lady Upperton estalou a língua outra vez.

— Que bobagem, querida. Ele já viu aquele vestido. Não vamos deixar que pense que você tem apenas um traje apropriado para a noite.

— Por que não? É verdade.

Lady Upperton a encarou.

— Sim, querida, sei disso. É por esse motivo que estamos hoje aqui. Se você tiver de receber um pedido de casamento ao final do verão, irá precisar de um guarda-roupa apropriado agora mesmo. As escolhas de hoje serão as primeiras de muitas, disso pode ter certeza.

— Mas...

— Nem se dê ao trabalho de tentar dissuadi-la, Mary — disse Anne. — Lady Upperton tem razão.

— Além disso, você deve admitir — emendou Elizabeth — que mesmo nossos melhores trajes de domingo, que usávamos no campo, não são nada adequados às salas de estar de Londres.

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Lady Upperton pôs-se a circular em torno de Mary como uma ave de rapina. Tinha as feições concentradas, os dedinhos esticados, e os ridículos saltos altos das sandálias turcas estalavam no chão de madeira, conforme ela andava de um lado para outro.

— A seda complementa sua compleição, querida. O vestido irá virar a cabeça de toda dama e cavalheiro nos salões de Argyle. — A pequena senhora descansou as mãos nos quadris, e sorriu. — Ora, eu me atrevo a afirmar que o duque não será capaz de tirar os olhos de você. — Então, enviou a Mary uma piscadela maliciosa.

Mary pensou não tê-la ouvido direito.

— E-estou confusa, lady Upperton. A senhora mencionou o duque. Na verdade, quis dizer o visconde Wetherly, não é?

Anne e Elizabeth colocaram as amostras de renda no balcão e se inclinaram para ouvir melhor.

Lady Upperton não respondeu de imediato. Estendeu uma faixa de cetim marfim a madame Devy, que a amarrou sob os seios de Mary.

— Não, não, é bastante arrojado. Vamos experimentar o cetim vinho.

— Oui, madame.

Então, a mulherzinha rechonchuda ergueu os olhos para Mary.

— Não, querida. Eu quis dizer o duque. — Sorriu e deu um ligeiro cutucão em Mary. — Ele me visitou ontem pedindo permissão para acompanhá-la no lugar do irmão. Muito cavalheiresco, não concorda? — Tamborilou o indicador no lábio inferior. — Suponho que deveria ser em torno de uma da tarde. — Olhou para Mary. — Por que pergunta, querida?

— Porque o duque esteve na Berkeley Square pela manhã para se desculpar por ter me beijado, e depois apareceu de novo, às três da tarde, para um passeio de faetonte no Hyde Park. Mas lorde Wetherly não me visitou até... — Mary estreitou os olhos.

— Oh, céus! — O olhar de Elizabeth cravou-se no de Anne. — Sabe o que isso significa?

— Sei. — Anne se encolheu.

— Bem, eu não sei! — Lady Upperton retrucou. — Que importância tem a hora que o duque me visitou, Anne?

— Lorde Wetherly foi ver Mary para informá-la da promessa de acompanhar lady Tidwell durante a temporada, e do acordo com o irmão para que cuidasse de Mary. Porém, só fez isso tarde da noite de ontem!

Mary não acreditava no que ouvia.

— Quer dizer, lady Upperton, que o duque não é nenhum cavalheiro. Sabia que lorde Wetherly seria convidado a acompanhar lady Tidwell bem antes que pedissem esse favor ao visconde.

Mary agarrou uma pequena almofada da mão da modista e começou a arrancar os alfinetes que seguravam a seda no lugar.

— Blackstone quase me fez de boba e me levou a crer que fosse realmente um cavalheiro bem-educado e cheio de consideração. Mas eu me enganei! — Rangeu os dentes ao tentar tirar um alfinete da parte de trás do ombro. — Ora, creio que essa situação envolvendo lady Tidwell foi obra de Blackstone, um meio de afastar lorde Wetherly de mim! — Arrancou o último alfinete e se livrou do casulo de seda. — Duque Negro, sem dúvida! Alma perversa! Dessa vez, porém, ele foi longe demais!

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Sem uma palavra de explicação para ninguém, Mary girou nos calcanhares, pegou seu xale e saiu batendo os pés em direção à porta, a resmungar zangada.

— Vá em frente com esses horríveis joguinhos, Blackstone! Posso sobreviver a você. Dois meses passam depressa!

— Sim, srta. Royle, tenho certeza. — A sra. Polkshank sacudiu o queixo duplo ao completar a xícara de chá de Mary. — O duque não vai beliscar o traseiro de alguém no musical dessa noite... oh, desculpe a linguagem! Perdão, ouvi um pouco da conversa quando a senhorita e suas irmãs conversavam a noite passada.

— Tem certeza de que ele não estará lá? — Mary insistiu.

— Oh, certeza absoluta. Não consta da lista de convidados. — A cozinheira abriu um sorriso orgulhoso. — Consegui a informação de um dos empregados dos Harrington, e só me custou um beijo!

— Um beijo? — Mary estreitou os olhos. — O que aconteceu aos dois xelins que lhe dei?

Envergonhada, a sra. Polkshank mostrou as moedas e colocou-as sobre a mesa de chá.

— Já que consegui a informação que a senhorita precisava, eu poderia... ahn... ficar com o dinheiro?

Mary suspirou. Um xelim aqui, dois pence ali...

Evitar o duque Negro estava se tornando muito caro. E até que o verão passasse...

Mesmo assim, ficaria contente em pagar meia coroa toda noite, se isso pudesse mantê-la longe do espertalhão do duque.

— Está bem, sra. Polkshank, o dinheiro é seu. Obrigada pelo relato. — Mary tomou um gole do chá fumegante.

Lady Upperton iria exultar quando Mary comparecesse ao evento, principalmente depois de ter perdido a festa de lady Holland na noite anterior, alegando dor de cabeça.

— O que ouviu sobre a Festa dos Heróis? Alguma coisa interessante?

— Pelo que sei, toda a sociedade de Londres estará lá. E sendo lorde Wetherly um dos heróis a serem homenageados...

— Devo comparecer — Mary comentou. — Por lorde Wetherly.

— Bem, sim. Mas eu ia dizer que o irmão dele sem dúvida estará lá. Não acha?

Mary olhou para a cozinheira.

— Creio que tem razão, sra. Polkshank.

— Obrigada.

— Deixei alguns xelins ao lado da chaleira para comprar carne. Use-os, ou guarde-os para a senhora, contanto que me faça saber se o duque de Blackstone comparecerá às festas cujos convites deixei na mesa da cozinha.

A senhora sorriu, revelando a falha onde deveria haver o dente da frente.

Nesse momento, Mary ergueu os olhos, e viu Anne logo atrás da cozinheira.

— Isso é tudo, sra. Polkshank — Mary disse, séria. — Obrigada.

— Sim, senhorita. — A cozinheira saiu da sala e rumou para as escadas.

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Anne cruzou os braços na altura do peito.

— Há quanto tempo está parada aí?

— Tempo suficiente para constatar que você, nossa irmã sovina, que não nos deixa alugar um cocheiro nem com chuva, está pagando a cozinheira para espionar a lista de convidados de eventos sociais!

— De que outro jeito eu sobreviveria aos próximos dois meses? Não suporto aquele homem.

Anne descruzou os braços e bateu a mão na mesa.

— Sei de um jeito. Aja como uma mulher sensata. Lady Upperton nos proporcionou uma entrée incomparável na sociedade. Você deveria ficar pelo menos um pouco agradecida.

— Milady tem minha gratidão pelo que vem fazendo por você e por Elizabeth, mas eu já conheci o cavalheiro com quem pretendo me casar. Que utilidade posso ter comparecendo a essas festas?

— Isso nos ajudaria, Mary.

— Como eu poderia ajudar? Não conheço quase ninguém na cidade. E os Velhos Libertinos já se comprometeram a vê-las casadas.

— Oh, está usando antolhos. — Anne sentou-se ao lado da irmã. — Você é esperta, Mary. É curiosa. Precisamos que nos ajude a investigar a história que nos contaram. Tudo que temos é uma caixa de documentos com garranchos e cartas.

Mary pousou a mão no livro a seu lado.

— Temos o compêndio médico de papai.

— E dois frascos de láudano vazios. — Ouviu-se a voz da outra irmã.

Mary e Anne ergueram os olhos e viram Elizabeth parada na soleira da porta com dois pequenos frascos cor de âmbar na mão.

Anne levantou-se e foi até a irmã. Pegou os frascos e ergueu-os contra a luz do sol.

— Onde os encontrou? Não me lembro de vê-los na casa. — Entregou um deles a Mary.

— Nem eu. — Mary virou o frasco na mão.

— Derrubei sem querer a caixa da mesa, essa manhã. Quando caiu, ouvi um estalo — começou Elizabeth. — Documentos e cartas não estalam, e assim esvaziei a caixa no tapete. Estava como antes: um diário, alguns papéis... Nada que pudesse ter feito o ruído que eu ouvi. Sabia que havia algo mais na caixa. Só não conseguia ver. Então a sacudi, e escutei novamente um leve tilintar.

— Não compreendo. Onde encontrou os frascos? — Anne perguntou.

Os olhos de Elizabeth brilharam.

— Corri os dedos pelo interior da caixa à procura de algo que não estivesse vendo. Então senti... um pequeno ressalto de metal. — Pegou a chave que usava na fita em torno do pescoço. Torceu a cabeça oval e tirou-a, deixando à mostra o encaixe hexagonal. — Lembram-se do que lorde Lotharian nos disse? Que papai mencionou a chave que abria um alçapão?

Mary levantou-se num salto.

— Em nossa casa na Cornualha.

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— Sim, isso foi o que todas presumimos. Mas estávamos enganadas. — Elizabeth ergueu a pequena chave ao alto. — Quando a enfiei no ressalto e a girei, a base da caixa de repente se abriu. Foi quando me dei conta de que a caixa tinha um fundo falso, um alçapão! Quando o abri, achei os frascos, enrolados num pano sujo.

— Para abafar o ruído. — Anne segurou-se no espaldar da cadeira para se firmar. — Não acha que esses frascos continham o láudano usado para...

Elizabeth sacudiu a cabeça lentamente.

— Drogar nossa mãe... a sra. Fitzherbert!

Mary cravou o olhar no frasco em sua mão. Levou-o ao nariz e cheirou-o.

— Não, não é possível...

Capítulo V

A casa dos Harrington, embora próxima da residência de lady Upperton e do Clube dos Velhos Libertinos de Marylebone, era pequena em comparação às outras mansões que a ladeavam, na Cavendish Square.

Mesmo assim, quando Mary entrou na galeria para o concerto musical com as irmãs, ficou com o queixo caído de admiração.

Cada parede estava coberta de pinturas — paisagens, naturezas-mortas e retratos com temas alegóricos, religiosos ou mitológicos. Os quadros impressionantes eram obra, evidentemente, de um único artista de talento incomparável.

Ao passar por pelo menos dez filas de convidados, os ouvidos de Mary se encheram com uma coleção de notas aleatórias. Ela voltou o olhar para os músicos que afinavam os instrumentos, e viu Lotharian a distância.

Lotharian levantou-se da cadeira na primeira fila. Acenou para um lacaio que, rapidamente, guiou as irmãs Royle para os assentos perto dele e de lady Upperton, sir Lilywhite e lorde Gallantine.

Lady Upperton abraçou Anne e Elizabeth, mas quando cumprimentou Mary, agarrou-a pela mão e segurou-a com firmeza.

— Você se sentará aqui, querida — disse, com um brilho malicioso no olhar. Apontou para a cadeira ao lado, na ala central.

— Ora, obrigada, lady Upperton. — Ao se sentar, Mary percebeu que a cadeira perto da sua ainda estava desocupada.

Isso não a preocuparia normalmente, mas depois que lady Upperton várias vezes impediu que outros convidados se sentassem no lugar vazio, ela percebeu que havia um plano em andamento. Olhou para a senhora gorducha e para o lorde esbelto, mas os dois a fitaram com ar inocente.

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Mary não era tola. Só pôde rezar para que o complô não incluísse o desagradável duque de Blackstone.

De repente, do fundo, uma onda de aplausos entusiasmados invadiu o ambiente.

Ela torceu-se na cadeira a tempo de ver que a multidão aplaudia Quinn, o famoso herói de guerra, que acabara de entrar no corredor entre os assentos. Pelo braço, para consternação de Mary, trazia lady Tidwell, a bela viúva.

Ela sentiu as entranhas se retorcerem.

Droga! Deveria ter perguntado à sra. Polkshank se lorde Wetherly iria ao concerto. Por que não pensara nisso? Pelo menos estaria mais bem preparada para ver Quinn... com a viúva.

Quando o visconde aproximou-se com lady Tidwell, seus olhos procuraram os de Mary e, mais uma vez, reluziram de alegria. Ele sorriu. E, de repente, Mary julgou que talvez Quinn viesse cumprimentá-la.

Mordeu o lábio inferior, sugando o superior para dentro da boca por um momento, para lhes dar um pouco de cor. Depois, olhou para o vestido. Sim, estava pronta para encará-lo.

Tão graciosamente quanto conseguiu, ela levantou-se da cadeira e fez uma mesura diante de Quinn. Estendeu a mão. Ele ia se aproximar, quando os músicos atacaram o primeiro acorde.

O visconde apressou o passo, e seguiu com lady Tidwell para a fileira de cadeiras vazias.

Mary virou-se e lançou um olhar furioso para o maestro. O homem arruinara tudo! Ela só precisava de um momento mais para falar com Quinn.

Apenas o tempo de trocar umas poucas palavras, reafirmar-lhe que esperaria o quanto fosse preciso para que ficassem juntos.

Quando ela se virou para olhar de novo para Quinn, viu que ele e lady Tidwell tinham se instalado no meio da galeria.

Então, o visconde fez algo estranho. Sorriu mais uma vez para Mary, e depois arqueou as sobrancelhas e inclinou a cabeça, olhando para a nave central.

Mary seguiu a direção do olhar.

Oh, não! Lá estava... Rogan!

Ostentava aquele seu sorriso enviesado e, pior ainda, seguia direto para a cadeira vazia a seu lado.

Não, não, isso não pode estar acontecendo!

A sra. Polkshank me garantiu que o duque não viria ao recital desta noite!

Raciocinando depressa, Mary jogou a bolsa e o leque de renda sobre a cadeira, na esperança de que Blackstone acreditasse que o lugar já estava ocupado.

Mas o duque não se deixou enganar.

Nem sequer se preocupou em não atrapalhar os músicos quando passou pelo maestro e rumou para o lugar ao lado dela.

— Obrigado, minha cara srta. Royle. — Com ar casual, tirou a bolsa e o leque da cadeira e estendeu-os a Mary. — Que bom que guardou uma cadeira para mim.

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Mary pensou em dizer que a bolsa e o leque pertenciam a outra pessoa, e que Blackstone se apossara do lugar de alguma senhora. Mas isso seria mentir. E, afinal, o leque fora feito da mesma renda de seu vestido. Mesmo um homem notaria isso.

Resolveu que não iria olhar para Rogan, embora seus olhos insistissem em se desviar para o lado. Não poderia permitir. Fitou-o, de soslaio, por fim.

Rogan sorriu-lhe, com ar condescendente. Devia estar pensando que a fizera de boba. Que ela realmente acreditara que ele fazia um grande favor a Quinn, cuidando dela — quando, na verdade, o safado tramara para separá-los.

Para se distrair, ela olhou para o relógio a um canto. Fechou os olhos e contou até sessenta. Abriu-os de novo e conferiu o andamento do ponteiro. Fez isso mais umas duas vezes, e logo se entediou.

Como sobreviveria à noite com o duque sentado a seu lado? E com Quinn apenas umas poucas fileiras atrás, com a bela viúva?

Conforme os minutos passavam, Mary começou a imaginar se Quinn estava se divertindo com lady Tidwell. Um rápido olhar para o casal não seria tão inconveniente... Não se fosse de soslaio.

Colocou o leque no colo, meio desequilibrado. Quando tirou a mão, o leque caiu no chão, entre seu assento e o de Rogan.

Inclinou-se para pegá-lo, mas a mão do duque se enfiou entre as cadeiras e seus dedos se fecharam sobre o leque.

A sorte não me sorri, pensou Mary. Claro que o intrometido resolvera escolher aquele exato momento para agir como um cavalheiro.

Brilhante, absolutamente brilhante!

Mesmo assim, Mary dobrou-se até a cintura e enfiou a mão entre os assentos também, fingindo não perceber que Rogan já pegara o leque. E enquanto tateava o chão, virou a cabeça o máximo que se atreveu e desviou o olhar para a esquerda, na esperança de ter um vislumbre de Quinn.

E teve, de fato. Só que a visão surpreendente a fez se virar completamente na cadeira para se assegurar do que vira.

Quinn segurava a mão de lady Tidwell entre as suas. Oh, Deus. O visconde prendera as dela daquele mesmo jeito, na sala de visitas, algumas noites antes.

Mary sentiu os olhos arderem ao perceber o ar de adoração com que Quinn fitava a viúva.

Uma lágrima tremulou em seus cílios e, lentamente, escorreu pela face.

— Vire-se, garota. Está atraindo a atenção das pessoas. — Lady Upperton agarrou o braço de Mary e virou-a na cadeira.

— Seu leque, srta. Royle. — Rogan a encarou. E, sem dúvida, viu as lágrimas, quando fechou o leque e colocou-o na mão enluvada de Mary, junto com um lenço.

Diabos! Ela tentou reprimir as lágrimas sem a necessidade do lenço de Rogan. Respirou fundo, e ergueu o queixo, procurando manter as lágrimas represadas nos olhos.

Olhou para o alto. E percebeu que havia uma enorme pintura logo atrás dos músicos.

Concentre-se na pintura. Não naquilo que Quinn pode estar fazendo.

Era um retrato a óleo, de tamanho natural, de uma bela mulher. Parecia tratar-se de uma pessoa bem-nascida. Tinha um ar aristocrático.

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A expressão era séria e reservada. Contudo, Mary quase podia crer que os olhos reluziam. O céu pintado atrás da mulher era sombrio e dramático, o que tornava o vestido branco vívido e fresco. Os cabelos estavam recolhidos sobre a cabeça, com cachos a cair pelo pescoço. Em torno dos ombros, em profundo contraste com a aparência quase virginal, havia um xale de cashmere escarlate e dourado.

Mary olhou para o xale, tão ousado e vívido, e depois, mais uma vez, concentrou-se nos olhos da mulher. Pareciam cintilar com uma furtiva vitalidade.

Com um poder feminino.

Sentia que conhecia aquela mulher. Poderia ver-lhe a alma através do olhar.

— Mary? — Lady Upperton cutucou-a no ombro.

Ao se virar para a velha senhora, as lágrimas que lutara para controlar lhe escorreram pelas faces. Enxugou-as com o lenço de Rogan. Depois, dobrou-o e fechou-o contra a palma da mão.

— Mary?

Tarde demais, ela se deu conta de que os músicos tinham parado de tocar, e lady Upperton a encarava incisivamente.

— Mil desculpas, lady Upperton. Fiquei arrebatada pela mulher na pintura.

— Não seria a primeira. Sir Joseph possui muitos quadros do artista George Romney, mas esse é uma obra-prima.

— Ora, por quê?

— Dizem que o próprio Príncipe Regente encomendou a pintura... quando a dama era sua amante. — Lady Upperton pegou o braço de Mary, e puxou-a para mais perto. — Ela o perdeu para outra. O príncipe não pagou a encomenda, nem reclamou a pintura. Então, o quadro ficou no estúdio de Romney até a morte do artista, quando a casa e tudo que havia nela foram vendidos pelo herdeiro.

Mary recostou-se na cadeira e ergueu os olhos mais uma vez para a pintura. E, pelo canto do olho, viu que Rogan fazia o mesmo.

— Tinha uma beleza clássica — ele admitiu, terminando com um suspiro afetado.

Mary não se voltou para fitá-lo. Dirigiu-se à sra. Upperton.

— Quem era ela?

— Está falando sério? Realmente não sabe? — Rogan se intrometeu rudemente na conversa. — Puxa, você é mesmo uma mocinha do campo, não?

— Sim, sou. — Mary encarou o duque, furiosa. — Mas não me dirigi a Vossa Graça.

Rogan soltou uma risadinha.

— Ora, a senhorita de repente tomou antipatia por mim... ou está se esforçando para brincar de inacessível? — Ergueu a sobrancelha, o que serviu apenas para enfurecê-la ainda mais.

— Acho que sabe, Vossa Graça. — Mary o encarou com raiva, sustentando o olhar ferino por tanto tempo quanto conseguiu.

Senhoras e cavalheiros sentados perto de repente começaram a observá-los, como esperassem ansiosos por uma troca de socos entre a caipira e o duque bem-nascido.

Lady Upperton percebeu a atenção despertada e, mais que depressa, interrompeu a troca acalorada de palavras.

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Riu com gosto.

— Minha nossa, a guerra acabou, não vamos iniciar outra! — Bateu no braço de Mary com o leque, forçando-a a desviar o olhar beligerante. Então, diminuiu o tom de voz. — A mulher do quadro é Frances, a condessa de Jersey.

Mary se sentiu gelar.

— Quer dizer... a própria lady Jersey?

A mulher que enrolara os bebês arroxeados de frio em seu xale e os entregara a seu pai?

Expulsou a idéia da cabeça.

Impossível. Impossível!

— Sim, isso mesmo. — Lady Upperton suspirou. — Como vê, ela era bastante bonita em seus dias. E tirava plena vantagem dessa beleza.

— Então, não está mais viva.

— Não, ela está viva, sim. Eu a vi faz apenas um ano — Rogan mencionou casualmente. — Era... conhecida de meu pai.

— Conhece lady Jersey?

— Apenas superficialmente.

O tom de voz masculino tornou-se mais sonoro, suave e doce como vinho do Porto com chocolate. O tipo de voz que um homem usa para seduzir, conquistar. Rogan continuou a falar tão baixo que Mary foi obrigada a se inclinar para ouvir o que o ele dizia.

— Ela não parece mais a sereia dessas pinturas — Blackstone murmurou. — Ainda é bastante atraente, mas não mais linda, como você, minha cara. — Calou-se por uns instantes e fítou-a, fazendo o coração de Mary disparar.

Rogan estendeu a mão e, por um momento breve, deslizou dois dedos pelo cabelo dela.

— O cabelo de lady Jersey não é sedoso e farto como o seu. Está grisalho.

Mary engoliu em seco.

O olhar do duque deslizou lentamente pelas formas de Mary, a percorrer cada curva como a carícia de um amante.

— E ela não tem mais o corpo esguio e flexível com que todo homem sonha.

Mary abriu o leque. A galeria de repente se tornara muito quente, agora que a platéia começava a sair. Como gostaria que o duque se afastasse. Que fosse falar com o irmão... e com a querida lady Tidwell!

Afastou-se, na esperança de que lady Upperton tivesse ouvido as palavras lascivas de Rogan e parasse de fomentar aquele tipo de encontro. Mas a velha senhora estava imersa em conversação com Lotharian, e muito concentrada para notar alguma coisa errada.

Rogan, é evidente, percebera isso também. Pois aproximou a boca da orelha de Mary e murmurou em seu ouvido, o hálito quente a provocar arrepios:

— Devo contar mais? Ou gostaria de sair para o pátio e tomar um pouco de ar? Se bem me lembro, você gosta de passeios à noite no jardim. — Endereçou-lhe uma piscadela velada.

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Mary o encarou.

— Não posso acreditar em tamanha audácia. Não, isso não é direito. Ah, eu sabia que deveria esperar uma coisa dessas!

— Acabará me magoando, srta. Royle. — Rogan tomou-lhe a mão livre e comprimiu-a contra o coração. — Eu só queria compensá-la... por tanto aborrecimento.

— Espera que eu acredite nisso? É bem esperto, Vossa Graça — ela murmurou, num tom rouco.

Queria que a frase transmitisse poder, mas, em vez disso, a voz saiu fraca e débil.

Oh, que vexame. Sacudindo o leque, desviou seu olhar do de Rogan e interrompeu sem nenhuma finura a conversa dos mais velhos ao lado.

— Lady Upperton, lady Jersey ainda mora em Londres?

Era uma pergunta válida, não apenas para evitar Rogan e seus murmúrios perturbadoramente quentes. Talvez Anne e Elizabeth pudessem conversar com lady Jersey e parar com as idéias fantasiosas de ter sangue real. Lady Upperton deu de ombros.

— Não a vejo em sociedade faz vários meses. Ouvi dizer que esteve em Cheltenham recentemente.

Rogan levantou-se da cadeira, assustando Mary.

Sua altura era nada mais, nada menos que extraordinária, e a compleição, musculosa e sólida, bastante diferente do corpo elegante e esbelto de Quinn.

Mary tentou acalmar-se e se recompor ao olhar para aquela mandíbula quadrada e forte, os cintilantes olhos castanho-escuros e... aqueles lábios. Oh, lembrava-se daquela boca muito bem. Sacudiu o leque diante do rosto afogueado.

Estava abafado na galeria. Será que era a única a notar?

Rogan lhe sorriu, fazendo-a enrubescer.

Ela não poderia negar que algumas mulheres o achariam incrivelmente belo, se preferissem aquela aparência morena, rude. Claro, não era seu caso.

Mesmo assim, havia algo muito atraente nele. Afinal, ele era irmão de Quinn.

Contudo, nada entre os dois se assemelhava. Enquanto os cabelos ondulados de Rogan eram negros como o ébano, tão negros que desferiam lampejos azuis sob a luz do candelabro, os do irmão eram loiros e evocavam a cor do trigo antes da colheita.

Ergueu os olhos e, constrangida, encontrou o olhar incisivo de Blackstone.

Inesperadamente, ele lhe estendeu a mão.

— Eu sei que Quinn ficaria muito feliz em vê-la. Ele falou da esperança de que você aparecesse no concerto esta noite.

— É mesmo?

— Sim. Eu ia convidar meu irmão e a srta. Tidwell para se reunirem a mim para uma taça de vinho. Gostaria de nos acompanhar?

Seria possível que Mary havia interpretado mal a afeição de Quinn por lady Tidwell?

O que vira nos olhos dele talvez fosse compaixão por uma viúva mergulhada em melancolia.

Então, dirigiu um sorriso vibrante a Rogan.

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— Sim, Vossa Graça. Eu gostaria muito... se lady Upperton permitir. — Mary olhou para a senhora rechonchuda, que trocou um rápido olhar com Lotharian.

— Está bem, querida — disse lady Upperton —, mas iremos embora dentro de uma hora. Preste atenção e nos encontre antes disso. — Entortou os lábios pintados num trejeito divertido. — Creio que irá lembrar-se de onde fica o relógio, não?

Mary enrubesceu.

— Sim, claro. — Olhou para Rogan de novo e, então, deu-lhe a mão com suavidade.

Os dedos de Blackstone se curvaram em torno dos dela e, imediatamente, Mary sentiu o calor que emanava do duque, mesmo através da luva de seda. E o calor subiu-lhe até as faces outra vez, enquanto ele a ajudava a se levantar da cadeira. Depois, lhe ofereceu o braço e, juntos, passaram pelo maestro, que arrumava as partituras, e desceram pelo corredor central cheio de gente, na direção de Quinn.

E de lady Tidwell.

Mary ergueu-se na ponta dos pés, conforme se espremiam pela multidão de convidados, na esperança de ter um vislumbre do visconde.

Rogan, cuja altura era uma vantagem, não tinha esse problema.

— Oh, não — o duque murmurou. — Ele foi embora.

— O quê? — Mary notou o desespero na própria voz, e se encolheu.

Não tinha desejo algum de que Blackstone percebesse sua falta de confiança. Porém, o que mais poderia sentir, quando seu futuro marido se via obrigado a tomar o braço de uma viúva linda e solitária todas as noites?

Sendo assim, ela emendou:

— O recital foi longo, não concorda? Seu irmão deve ter ido para a mesa do bar. — Ergueu os olhos para o duque e sorriu com afetação. — Vamos fazer o mesmo?

Rogan apertou-lhe o braço com firmeza do lado do corpo enquanto caminhavam, como se receasse que ela fugisse. E olhou-a de um jeito tão candente que ela estremeceu, ao se dar conta, de repente, do perigo de seu flerte.

Não era assim que o duque queria que se sentisse? Nervosa e insegura?

Era assim que os libertinos mantinham a vantagem.

E, naquele momento, enquanto desciam juntos pelo corredor, ocorreu-lhe que não havia como evitar Rogan, nem como fugir dele.

Por mais que detestasse, Mary sabia que teria de aceitar que Rogan assumira o controle de seu relacionamento com o visconde.

Caso se aproximasse de Quinn, Rogan simplesmente a ridicularizaria com sua esperteza, e num instante ela sentiria o chão sumir sob seus pés.

Blackstone sabia como abalar sua confiança. Ele usava a sensualidade como uma arma contra ela. Tinha anos de prática brincando de libertino, afinal.

Pelo que Mary ouvira dizer, Rogan também tinha anos de experiência em seduzir e descartar as mais experientes e belas mulheres da sociedade.

Não sou páreo para o duque Negro, pensou, desolada.

Ela estacou de repente, quando um pensamento lhe ocorreu.

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Qual a experiência de Rogan em evitar o avanço de uma inocente? Um sorrisinho ergueu-lhe os cantos dos lábios.

Decidiu que era hora de descobrir.

Rogan, ao perceber que ela havia parado, fez o mesmo.

— Algum problema, senhorita?

— Nenhum.

Mary descobrira o plano perfeito!

Um plano para o qual o duque provavelmente não estaria preparado.

Um plano que o faria correr em busca de sua casa de campo.

Sim, o sedutor está prestes a se tornar... o seduzido!

Coragem. Era tudo o que Mary precisava para recuperar o controle de seu futuro com Quinn.

Infelizmente, no entanto, quando Rogan a levou pelo salão até a mesa do bar, ela sabia que lhe faltava o mais importante.

— Estranho — Rogan esquadrinhou o salão repleto, com um ar ansioso. — Não vejo Quinn aqui também. Eu tinha certeza de que ele traria lady Tidwell para tomar um drinque.

O que importava se Mary tinha pouca tolerância a bebidas de qualquer tipo? A menor quantidade tinha o poder de deixá-la tonta. Mas, naquela noite, talvez um pouco de bebida lhe desse coragem.

— A noite está agradável, e a casa, muito fechada. Acha que os dois saíram para tomar um pouco de ar?

— Sim, talvez — Blackstone murmurou, com ar ausente, enquanto corria o olhar pelo salão.

— Que tal pegarmos uma taça de vinho e nos aventurarmos pelo pátio e nos juntarmos a eles? — Mary ergueu as sobrancelhas, como se a sugestão fosse absolutamente inocente.

Rogan virou-se e perscrutou-a com o olhar.

— Vinho? Oh, está certo.

Ele caminhou na direção de um lacaio que circulava pelo salão, equilibrando uma bandeja de prata cheia de taças de clarete, mas parou de repente e virou-se para trás, olhando para Mary.

— Vossa Graça, quer que eu o ajude?

— Vo-você vai me esperar aqui, não é? — A expressão no rosto de Rogan era séria demais para aquilo que ele falava.

— Voltarei num instante.

Será que o duque julgara que no momento em que lhe desse as costas, ela irromperia pelo pátio para conquistar Quinn?

— Não arredarei pé desse lugar, Vossa Graça. Prometo. Não irei embora.

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— Muito bem, então. — A expressão de Rogan iluminou-se.

Mary observou quando o duque se apressou para alcançar o lacaio, que estava agora no fundo do salão.

Que cavalheiro estranho...

E então, suas irmãs apareceram.

— Que reunião tediosa, não? — Elizabeth levou a taça de vinho aos lábios e tomou um gole. — Quando lady Upperton falou em sair do recital, eu a encorajei a ir embora o mais cedo possível.

— Então, está pronta? — Anne indagou. — A carruagem de lady Upperton está à espera na porta.

— Ir embora agora? — Mary olhou para Rogan no instante em que ele pegava duas taças da bandeja do criado. — Oh, não. Ainda tenho de falar com lorde Wetherly.

Anne olhou-a com irritação.

— Bem, vá e diga-lhe adeus agora, por favor.

— Não demore, Mary. — Elizabeth apontou para o salão. — Não há homens solteiros aqui. Olhe ao redor. Apenas cavalheiros e horríveis senhoras casadas.

— Ora, eu posso voltar andando para Berkeley Square. O ar da noite está agradável. — Mary sacudiu a mão, dispensando as irmãs. — Vão na frente, sem mim. Voltarei logo para casa.

— Mas não podemos deixá-la! — exclamou Elizabeth.

— Bobagem. — Mary tirou o cálice de vinho da mão de Elizabeth, e quase derramou a metade do conteúdo que restava. — Vão!

— Você não pode andar pelo caminho todo até em casa, de noite, principalmente com esse vestido! — Anne falava sério, pois cruzou os braços no peito, como sempre fazia quando a irmã mais velha propunha alguma atitude indecorosa.

Mary engoliu em seco. Rogan havia parado para falar com os anfitriões, mas estava apenas a poucos passos de distância. Voltaria a qualquer momento.

— Não se aflija, Anne. Pedirei a lorde Wetherly que me leve para casa. Sumam, agora. Irei embora logo.

— Está bem — Anne concordou. — Acho sua idéia bastante razoável.

— Finalmente. Vamos. — Elizabeth tomou a mão de Anne e, sem olhar para trás, puxou-a pelo corredor. — Boa noite, Mary.

— Boa noite — ela murmurou em resposta, com doçura.

Minha idéia é bastante razoável.

Mary sorriu. Se as duas soubessem...

Olhou para a taça de vinho de Elizabeth.

Coragem, disse, ao engolir o clarete num único gole. Livrou-se da taça, colocando-o na bandeja de um lacaio que passava, desatento.

Mary sabia como seduzir o duque. Ou julgava que sabia.

Precisava apenas fingir ser receptiva aos seus galanteios. Agir como se tivesse interesse nele.

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Ela mudou.

Rogan se deu conta disso no mesmo instante em que retornou ao lado da srta. Royle, depois de equilibrar dois cálices de vinho em meio a um ajuntamento ondulante de convidados dos Harrington.

— Aqui está, Mary. — Quando colocou a taça de vinho na mão dela, levou-a depressa à boca. E a mão tremia visivelmente.

Embora sorrisse com graça e se mostrasse serena, Mary parecia incapaz de evitar que os dedos tremelicassem. Por alguma razão, estava profundamente ansiosa e tensa, bem mais do que antes.

Rogan não gostou de vê-la daquele jeito. Aquele tremor quase o fez lamentar ter brincado com a garota.

Contudo, não tivera escolha. Precisava proteger o irmão. As palavras sedutoras haviam sido necessárias para manter Mary afastada de Quinn.

Ela estava ciente de que ele a estudava. Se houvesse um biombo ali perto, tinha certeza de que ela se esconderia atrás, em busca de refúgio.

Posicionando o leque de renda entre os dois como um escudo enfeitado, Mary abriu-o com um clique.

Diabos. Ele era assim tão ameaçador?

Óbvio. Para Mary, era.

Os olhos cor de âmbar pareciam enormes e redondos, e ela levou o cálice de vinho à boca, num gesto nervoso, vezes seguidas, até consumir todo o clarete.

Rogan arqueou as sobrancelhas.

— Parece que gostou do vinho. Quer que eu vá buscar outro?

— Não, eu ainda não acabei este... — Estendeu a mão trêmula e olhou para o cálice vazio. — Oh! — Olhou para o duque, as faces enrubescidas de embaraço. — Pensando bem, eu gostaria de outro. Mas deixe-me acompanhá-lo dessa vez, por favor.

Suas pálpebras pareciam pesadas, e os olhos faiscavam com a luz das velas.

— O criado com as bebidas está logo ali. — Ela inclinou a cabeça, apontando para as portas que conduziam ao corredor. — Podemos ir até o pátio depois e respirar um pouco de ar fresco. O que acha, Rogan? — perguntou, abaixando o tom de voz e inclinando-se para mais perto de Blackstone.

Outra mudança de comportamento, pensou o duque, intrigado.

Num instante Mary tremia como uma criança assustada; no seguinte, esbanjava manha feminina, como a mais versada das cortesãs francesas.

Aquilo não fazia sentido para ele.

Qual é o jogo dessa atrevida?

Seria preciso mimá-la por algum tempo, até descobrir o que ela pretendia.

Mary sorriu e lhe ofereceu o braço.

— Podemos?

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Ela estava tremendo de novo. Ora, que coisa desconcertante.

— Quem sabe possamos encontrar o visconde. — Os lábios de Mary se repuxaram no mais falso dos sorrisos.

— Acha mesmo, senhorita?

Agora Rogan compreendia.

Na verdade, não era a brisa da noite que ela procurava. Era o maldito do seu irmão!

Mary receava que Quinn estivesse começando a sentir afeição por outra mulher. E não iria recuar e deixar lady Tidwell roubar-lhe o prêmio dourado.

— É l-lógico, Vossa Graça. — Ela meneou a cabeça de um jeito preguiçoso. — Não concorda? — O vinho parecia entorpecê-la com rapidez, afetando-lhe a fala e fazendo pesar suas pálpebras.

— Não estou tão convencido, mas se quiser se assegurar, senhorita, vamos sair e ver. Pelo menos desfrutaremos de ar fresco. Por aqui, por favor.

Rogan a conduziu na direção de uma bandeja cheia de taças. A multidão os comprimia, e Mary recostou-se nele, em busca de apoio. Ele sentiu a maciez dos seios contra as costelas.

No mesmo instante, percebeu que se excitara.

Maldição do inferno. Agora não!

Não poderia sentir tais coisas por ela!

O ar frio ajudaria. Tinha de ajudar.

Afinal, ele sabia que Quinn e sua acompanhante não seriam encontrados no pátio, nem no jardim. Pois sir Joseph lhe dissera, momentos atrás, que lady Tidwell não estava se sentindo bem, e que meia hora atrás o irmão a levara para casa.

Era inevitável. Ficaria com a srta. Royle no pátio... os dois, sozinhos.

A lua crescente parecia brilhar de forma incomum, trazendo à mente de Mary a lembrança da noite em que suas irmãs tinham visto Quinn pela primeira vez.

Foi assim que ela optara por relembrar aquela ocasião. Era bem mais agradável recordar disso, e tentar esquecer o momento em que Rogan se enfiara entre ela e Quinn e a beijara, transformando seu corpo todo em geléia.

No presente momento, contudo, um ato assim tão lascivo não era uma preocupação. Ela e o duque Negro não estariam sozinhos. Outra mulher, mesmo que fosse lady Tidwell, estaria presente, e Rogan não ousaria tocá-la nessas circunstâncias.

Nem iria arriscar-se a ferir o coração do irmão novamente. Assim pensando, correu os olhos pelo pátio banhado de luar.

— Não vejo lorde Wetherly e lady Tidwell. E o senhor, Vossa Gra... — Ela virou a cabeça para encará-lo, e sentiu no mesmo instante o mundo rodar. — Quero dizer, Rogan?

Estranho... sinto-me tão... tão... sonolenta.

Com as pernas um pouco bambas, Mary agarrou-se em Rogan em busca de apoio. Fitou-o.

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Ah, mas esse homem é muito atraente...

Seu olhar desceu para os lábios cheios do duque, e começou a recordar-se do beijo que recebera. Ficou a imaginar se, caso Blackstone a beijasse bem ali, naquele instante, ela gostaria.

Rogan fitou-a com uma expressão curiosa na face.

— Meu irmão e lady Tidwell? Oh, não estão aqui. Eu não esperava encontrá-los.

— Não disse isso a mim! — Ou dissera? Mary não conseguia se lembrar. Sentiu o corpo vacilar contra Rogan, e aquelas mãos fortes de repente estavam sobre ela.

— Bem, os dois não estão aqui. Podemos voltar para dentro, se quiser. — Rogan tinha aquele brilho arrogante nos olhos outra vez. — Eu soube que meu irmão e lady Tidwell foram embora mais cedo do recital. Mas pensei que um pouco de ar fresco seria revigorante.

A cabeça de Mary girava quando ela ergueu o rosto para encarar Rogan.

— Então, estamos absolutamente sozinhos.

— Parece que sim, senhorita.

— Mary. Permiti que me chamasse de Mary. — Meu Deus, minha cabeça parece tão pesada... — Por que não me chama pelo nome? Não gosta de mim?

Rogan tentou dar um passo para trás, mas Mary o segurou firme, do contrário perderia o equilíbrio. Quando se aconchegou contra ele outra vez, sentiu algo duro entre os dois.

Céus...

O duque parecia gostar dela.

Um sorriso apossou-se dos lábios de Mary, que se sentia bastante corajosa agora.

E definitivamente pronta para mudar o equilíbrio de poder entre os dois. Primeiro, iria acariciar a face de Rogan com a mão nua.

Lançou ao duque o que esperava fosse um olhar sedutor enquanto descia a luva até o punho. Não conseguiu, porém, tirar os dedos, e deixou a luva enrugada na base da mão.

Será que acabara de ouvir uma risadinha?

— Rogan. — Embora não pretendesse, sua voz saiu rouca e grave. — Você pensou nisso?

Os olhos de Blackstone a perscrutaram.

— Em que, Mary?

Ela ficou na ponta dos pés.

— Em me beijar... de novo.

Deslizou os dedos em torno do pescoço de Rogan e puxou-Ihe a cabeça para baixo. Fechou as pálpebras e entreabriu a boca ligeiramente.

— Mary — Rogan murmurou —, acho que você não está acostumada aos efeitos do vinho. Precisa parar com isso agora, antes de fazer algo de que irá se lamentar pela manhã.

— Você não pensou nisso? Deveria. — Abriu os olhos e o fitou, ansiosa. — Tentei esquecer a sensação de seu corpo comprimido ao meu... Lutei para varrer da memória a

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sua boca, tão quente e molhada, escorregando por meus lábios. Mas, Deus me ajude, não consigo.

— Mary, por favor, não diga mais uma palavra. — Rogan segurou-a pelo pulso, e procurou tirar-lhe a mão da nuca.

Ela não sabe o que está fazendo. Faça-a parar. Parar agora.

— Mas... você não compreende. Tomei o vinho para ter coragem. Portanto, não vou me arrepender. — Mary pousou a mão suavemente sobre a face de Rogan por um instante, e depois deslizou os dedos pela têmpora e enterrou-os em seus cabelos.

Rogan fechou os olhos e respirou fundo. Havia tanto tempo, não o acariciavam com tal ternura! E embora não quisesse nada mais a não ser que ela continuasse, sabia que não poderia permitir isso. Pegou-lhe a mão e tirou-a dos cabelos.

— Mary, pare...

Ela passou o indicador por seus lábios.

— Quieto... Apenas escute. O que senti quando você me beijou foi como... nada que eu tenha experimentado antes.

Rogan agarrou-lhe o pulso.

— Você é mesmo ingênua.

— Não tanto quanto pensa.

— Ora, minha cara, duvido.

— Está enganado, senhor. — Mary baixou os olhos para a calçada por um instante, antes de fitá-lo com um sorriso nos lábios. — Creia, sei como é um beijo. O que você me deu não foi o meu primeiro.

— Não?

Ela meneou a cabeça e enrubesceu de modo cativante.

— Mas não minto ao admitir que quando sua boca tocou a minha, cada pedaço de mim se sentiu vivo como nunca antes.

Rogan deixou o olhar passear por aquelas faces coradas e mergulhar profundamente nos olhos da jovem.

— O que quer de mim, Mary?

— Que me beije de novo, e agora. Tenho de saber.

— Saber o quê?

— Se foi você, Rogan, que me despertou... ou se foi minha crença de que eu estava nos braços de Quinn.

Nos braços de Quinn. Mas que inferno!, o duque pensou, inflamando-se.

Segurou-a pela cintura com ambas as mãos e empurrou-a de leve.

— Que jogo é esse, senhorita?

Os olhos de Mary de repente refletiram a luz do luar.

— Não é nenhum jogo. Apenas quero saber! Por favor!

A respiração de Rogan tornou-se acelerada.

Afaste-se. Vire-se e vá para longe dela. Agora.

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Porque, apesar de ter tentado separar aquela mocinha de Quinn, no final do verão ela poderia se tornar a viscondessa de Wetherly, esposa de seu irmão.

— Rogan... — Mary murmurou, arquejante. — Um beijo!

Blackstone não conseguiu se controlar. Puxou-a contra si, e ficaram a um suspiro de distância um do outro.

E, sob a luz fria do luar, envolveu-a nos braços e debruçou-se sobre ela.

Descansou a mão em suas costas, na curva da cintura, fazendo-a arquear-se contra ele enquanto deslizava os lábios pela pele macia do pescoço de Mary.

Ela gemeu e aconchegou-se ao duque.

Então, Rogan escorregou a boca ao longo do pescoço, parando por um momento para lhe murmurar ao ouvido:

— E a mesma sensação?

— Ainda não sei. — Ela apoiou a mão no peito forte, e as pontas dos dedos se afundaram nos músculos rijos. — Beije-me, Rogan!

Num gesto suave, o duque roçou os dedos pela linha do maxilar de Mary e, então, segurou-a pelo queixo e virou-lhe o rosto para cima. Fitou-a longamente, antes de se apossar da boca entreaberta.

Mary inclinou os lábios contra os dele, e aprofundou o beijo, numa entrega total.

Rogan sentiu o desejo explodir-lhe nas veias, como nunca antes. Podia sentir o cheiro de rosas na pele de Mary, saborear o vinho na língua doce, sentir o calor da respiração arfante da moça.

Estava se afogando nela, e não queria subir à superfície.

O pátio dissolveu-se em torno dos dois. Os pensamentos se evaporaram.

Tudo que ele percebia era Mary, sua única necessidade.

Puxou-a com força, e sentiu os seios fartos comprimidos contra o peito. E ela enlaçou-o com força pelo pescoço.

Rogan afastou-a por um breve instante, e fitou-a dentro dos olhos.

— E a mesma sensação, Mary?

Ela o encarou com os olhos mortiços, e seus lábios se curvaram num sorriso.

— Sim!

Ele arquejou, e enterrou a língua na boca suave, que o esperava, tomado pela necessidade de possuí-la. E enquanto a beijava com avidez, sua mão deslizou pelo quadril de Mary, a comprimi-la contra o membro rijo.

Ela interrompeu o beijo então, e o fitou de modo diferente.

— Mary, eu não sei o que me fez...

— O que disse?

Os olhos toldados de Mary pareceram rolar para o alto e as pálpebras se fecharam.

— Mary? Oh, meu Deus. — Rogan a sacudiu, e viu que ela tentava abrir os olhos. — Pode me ouvir? Você está bem?

Mas então, os olhos se fecharam novamente, e ela desabou sobre ele. Rogan olhou para a jovem, largada em seus braços.

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— Mary!

Capítulo VI

Mary tinha os olhos tão pesados, e os membros tão inertes, que não teve pressa de acordar de seu cochilo... e daquele sonho perigoso, porém delicioso...

Sentia que balançava gentilmente, as costas a descansar no peito de Rogan, as mãos másculas segurando-a pela cintura, apertando-a.

Mesmo através da camada de anáguas e saias, podia sentir a rigidez da lança em riste a ferroá-la, revelando a prova do desejo de Rogan por ela.

Em torno de ambos ecoava um ruído estrondoso, que ressoava de modo irritante em sua cabeça, fazendo-a despertar.

Ela abriu os olhos devagar e virou-se para encarar o duque. Estava completamente escuro dentro da carruagem que os transportava pela noite.

Ela pestanejou. Aquele sonho era diferente.

Quando Mary se mexeu, Rogan enfiou a mão por baixo de seus braços e puxou-a para mais perto.

Ela não conseguiu resistir ao sorriso do duque. Desde a noite em que encontrara Rogan pela primeira vez sonhava sonhos assim, lascivos e voluntariosos, mas nunca numa carruagem.

E jamais um sonho tão visceral como aquele.

No raio de luar que se filtrou pela janela fechada, podia divisar as feições de Rogan. Sorriu e comprimiu-se contra ele, erguendo-se no assento para que pudesse esfregar o nariz na pele exposta entre o colarinho engomado e o lóbulo da orelha.

— Mary — o duque murmurou, sem vontade de afastá-la. — Eu a estou levando para casa.

— Não... Ainda não, por favor. — Tentou sentar-se ereta, mas sua cabeça começou a girar. Estendeu a mão para Rogan, e usando as lapelas do casaco como alavanca, passou o joelho sobre as pernas dele, montando-o.

— Quero que me beije de novo!

As mãos de Rogan a prenderam pela cintura. E ele parecia bastante aturdido com aquela ousadia. Tentou afastá-la.

— Mary, não podemos fazer isso.

Jogando os braços em torno do pescoço de Rogan, Mary agarrou-se a ele.

— Sim, podemos. Ninguém saberá. Além disso, não será a primeira vez.

Era verdade. Em seus sonhos, tinham ficado juntos dezenas de vezes, daquele jeito.

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Correu os dedos pelos cabelos fartos do duque e beijou-o profundamente. Rogan gemeu contra seus lábios, um gemido grave e profundo, que a fez se arrepiar toda.

Os quadris rijos de Rogan pareceram se mover por conta própria, e Mary pôde sentir-lhe a ereção comprimir-se contra a saia amassada.

Seu próprio corpo incendiou-se e, instintivamente, ela arqueou as costas e se apertou contra Rogan.

O duque inclinou a cabeça para trás, só o suficiente para fitá-la nos olhos, sem interromper o beijo. Mesmo na penumbra, a pergunta naquele olhar era clara.

— Rogan... — ela murmurou, num arquejo rouco, e seus dedos começaram a lhe desatar o nó da gravata.

Blackstone deslizou a ponta da língua pela curva do lábio superior de Mary, antes de afundar-se na cavidade úmida. Mary gemeu, e deixou que ele aprofundasse o beijo. Lutava para lhe abrir o colete e arrancar a camisa de dentro das calças.

Num movimento repentino, o duque a ergueu num gesto rude, virou-a e acomodou-a de costas no banco da carruagem. Então, ajoelhou-se ao lado do assento, fitando-a com aqueles olhos sombrios, denunciadores.

Sem uma palavra, deslizou os dedos pelo rosto de Mary, para baixo e ao longo da linha do maxilar, e depois desceu rapidamente do centro do pescoço para a base do decote rendado.

O polegar escorregou para a esquerda, sobre o monte do seio. Mary arqueou-se contra aquela mão ardente, estremecendo de prazer com o calor do contato.

Sim, aquele era o libertino com que sonhara!

As mãos de Rogan desceram pelo vestido, fizeram a seda escorregar de seus ombros, e depois puxaram o tecido pelos braços, desnudando-lhe os seios.

Mary gemia agora; ainda assim, Rogan não fez nada além de admirá-la. E ela se sentiu tão sensual, tão lasciva! E queria mais, muito mais.

— Toque-me, Rogan...

O olhar do duque a percorreu lentamente.

— Tem certeza? — Inclinou-se e sugou o mamilo por um instante, fazendo-a arfar.

Mary tentou falar, mas só conseguiu sacudir a cabeça. Exultou ao sentir o calor da respiração quente em sua pele.

— É isso o que você quer?

— É só o começo... espere e verá...

Agarrando-o pelo casaco, puxou-o para mais perto.

Rogan ficou de pé. Inclinou-se para não bater a cabeça no teto da carruagem, e jogou o casaco no chão. Tirou o colete também.

O coração de Mary disparou quando ela viu a silhueta máscula se mover de modo decidido para a ponta do assento. Rogan virou-se para encará-la, e depois enfiou as mãos de baixo de seus joelhos e afastou-os com um gesto brusco. Então se ajoelhou entre suas pernas abertas.

O olhar naqueles olhos escuros era primitivo e másculo, e provocou uma onda de rubor que subiu pelos seios nus de Mary até as faces.

E só um sonho. Apenas um sonho. Por favor, que eu não acorde desta vez!

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— Não pare... — ela murmurou.

Mary se retorceu contra a ereção rija enquanto Blackstone a sugava, lambia e tocava, excitando-a ao máximo.

A lança dura de carne tornou-se mais rija, e começou a latejar contra suas pernas. Erguendo um joelho, ela passou uma perna sobre o quadril de Rogan, e comprimiu o corpo contra a virilha pulsante.

— Tem certeza, querida?

O duque levantou o corpo e, enquanto se ajoelhava entre as pernas de Mary, puxou as camadas de saias até o alto dos quadris.

— Sim... oh, sim...

Estava prestes a acontecer. Ele ia reclamar seu corpo! Mas Mary sempre acordava um instante antes que ele a possuísse. Tinha de apressar aquele sonho.

— Rogan, não espere! — implorou.

Sobre o monte amassado de saias, podia ver que ele tateava a frente das calças.

— Depressa...

Ele se apoiou nos joelhos e debruçou-se sobre ela.

Sorriu de um jeito malicioso ao posicionar o polegar contra suas partes íntimas. Descreveu um lento círculo em torno do pequeno botão saliente, fazendo-a choramingar e se contorcer de prazer.

Por favor, não acorde... Ah, tão perto!

Então, ela sentiu algo rijo tocá-la, bem no centro de sua feminilidade. Depois, passou a deslizar entre as dobras úmidas, separando-as.

Sua cabeça rodopiava agora. Tudo que desejava era puxar Rogan, senti-lo dentro de si.

— Agora, Rogan...

O duque mirou aqueles olhos enormes, cheios de desejo; cerrou as pálpebras e afundou-se naquele calor.

Houve um grito.

Suas pálpebras se abriram no mesmo instante, e ele se deparou com Mary a fitá-lo, com espanto, gemendo de dor.

De repente, a carruagem parou num solavanco, inclinando-se ligeiramente nos eixos, fazendo os seios de Mary balançarem sob seu corpo. Ele perdeu o equilíbrio e quase despencou no chão do veículo.

— Berkeley Square, Vossa Graça.

Maldição! A moça era virgem!

A mão de Rogan tremia quando a enfiou nos cabelos. Fora um tolo.

Estava tão convencido de que Quinn era o alvo da mocinha caçadora de dotes que não percebera o plano ganancioso armado para ele!

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Que atriz! Tão adorável e inocente e, no entanto, tão experiente na arte da sedução que não conseguiu rejeitá-la.

Não quis, na verdade!

Rogan jamais desejara uma mulher tão loucamente.

Ao passar pelo sofá, parou e afundou-se nele.

Onde diabos estava Quinn? Tinha de lhe contar o que acontecera. Tinha de confessar.

Apoiou os cotovelos nos joelhos e descansou a cabeça nas mãos.

Pelo que sabia, Quinn amava a garota, mesmo que aquela caipira esperta não chegasse nem perto de merecer seu afeto.

Tirou a cabeça das mãos e esmurrou a mesa de chá de carvalho.

Como pudera ser tão cego, tão estúpido?

Saltou de pé e apressou-se a abrir as janelas e espiar para fora. A praça estava escura e vazia, como estaria tão tarde da noite.

Eram quase duas horas da manhã. Quinn e lady Tidwell tinham saído do recital horas atrás. Onde diabos estava seu irmão?

Rogan encostou-se na parede perto da janela esquerda, e bateu a testa contra a superfície revestida de papel.

Passara as últimas horas remoendo o que havia acontecido e as opções que tinha.

Poderia partir o coração de Quinn.

Poderia se tornar a notícia do ano para os colunistas dos jornais.

Seu corpo deslizou pela parede, dobrando-se como uma sanfona. Fechou os olhos, resignado.

Tinha de se casar com Mary Royle.

Maldita mulher!

Rogan abriu os olhos de novo quando o relógio no corredor bateu a sexta badalada. Ouviu o "clique" da porta da frente se fechando.

— Quinn? É você?

Escutou passos no corredor, e então viu seu irmão entrar na sala.

— Rogan? Que diabos faz acordado? Acabou de chegar em casa, não foi?

— Não. — Ele esforçou-se para ficar de pé. — Estava esperando por você aqui.

Um rubor violento tingiu a pele clara da face de Quinn.

— Me pegou.

Rogan não tinha disposição para joguinhos tolos.

— Onde você estava?

— Você é um cavalheiro. Não deveria fazer uma pergunta dessas.

— Diga-me onde você estava!

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— Droga, Rogan. Tenho certeza de que sabe a resposta. — Quinn esticou a bengala para a frente e seguiu num passo rígido para a sala. — Estava com... ela.

— Lady Tidwell.

— Sim. Não me orgulho de meu comportamento. — Manquitolou até o sofá e sentou-se.

— Por que não? — O tom de Rogan era ríspido, mas de certa forma isso era melhor, caso Quinn se enervasse quando tivesse de admitir o que fizera com a srta. Royle.

— Ela é frágil. Meu Deus, é viúva!

— Obviamente isso não o deteve, não é?

— Por que está tão soturno? Pensei que, dada a sua própria inclinação, você não se mostraria tão crítico. — Bufou. — Não tenho dúvida de que já está ciente de que lady Tidwell e eu saímos do recital mais cedo.

— Estou. Mas isso não explica por que está se esgueirando para dentro de minha casa como um ladrão antes do amanhecer.

— Ela estava se sentindo triste. A orquestra tocou uma sonata que o marido apreciava muito.

Rogan não disse nada. Cruzou os braços e esperou que Quinn continuasse. Pelo menos postergava a tarefa constrangedora de explicar o próprio comportamento animal daquela noite.

— Eu a levei para casa, e tentei confortá-la. Estava inconsolável, a princípio, mas depois se acalmou e se animou com minha presença.

— Oh, Senhor meu Deus.

— Que diabos, Rogan, eu não pretendia que meu relacionamento com lady Tidwell avançasse. Gosto muito da srta. Royle. Mas... — Seu olhar desviou-se para a lareira apagada e lá ficou.

Rogan suspirou, sentindo um certo alívio.

Oh, sabia que deveria admitir tudo ao irmão agora, enquanto Quinn navegava na própria culpa. Mas que bem faria magoando-o?

— Rogan, eu... eu acho que nutro sentimentos por ela.

Rogan empertigou-se.

— Pela srta. Royle?

Quinn meneou a cabeça.

— Não, não. Achei que poderia gostar dela, até que vim a... conhecer melhor lady Tidwell esta noite.

— Não pode contar à srta. Royle.

— O quê? Por que não? Eu devo. É o caminho honrado a tomar.

— Mas acabaria partindo o coração da garota. — Rogan parou diante do sofá. — Já ponderou que ela pode estar apaixonada por você?

— Já. — O peito de Quinn pareceu se estufar de modo heróico. — É por isso mesmo que devo confessar.

— Confessar só irá aliviar sua própria consciência. Não ajudá-la.

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— Então, o que sugere, Rogan?

— Deixe-me fazer o que prometi. Deixe-me assumir essa responsabilidade. Cortejarei a srta. Royle em seu lugar.

Quinn meneou a cabeça com aparente incredulidade.

— Que bem faria agindo assim?

— Ora, posso conquistar o coração dela.

— Conquistar o... Ora, por que você faria isso?

Por um momento, Rogan levou em consideração a possibilidade de contar a verdade a Quinn. Contudo, confessando apenas aliviaria a própria consciência, como dissera ao irmão.

— Porque talvez seja hora de deixar de lado meus costumes de solteiro e encontrar uma esposa.

Quinn espantou-se.

— Pelo amor de Deus! Nunca pensei que o ouviria pronunciar essas palavras!

— Bem, agora ouviu.

E logo Mary ouviria também.

Quando o sol se infiltrou pela janela de Mary e incidiu sobre seu rosto, ela acordou num sobressalto.

— Finalmente acordou! — Anne estava sentada na cadeira de balanço ao lado da cama, e Elizabeth, de pé diante da janela, bocejava.

— Que horas são? — Mary esfregou os olhos.

— Quase sete — retrucou Elizabeth.

— Tão cedo? — Ela sentou-se e tirou um grampo pendurado num cacho diante de seus olhos. — Sei que vocês duas voltaram cedo para casa, a noite passada, mas eu não, e poderia dormir um pouco mais.

— Oh, sabemos que chegou tarde. — Os lábios de Anne estavam repuxados, com ar amargo.

— Nós a carregamos até o quarto. — Elizabeth soprou no vidro, correu o dedo pela superfície embaçada e desenhou um coração. — Bem, o duque de Blackstone a carregou até aqui, e Cherie vestiu sua camisola e a colocou para dormir.

Anne lançou a Mary um olhar incisivo.

— Não podíamos acreditar no que estava acontecendo. O duque Negro a deitou na cama. Deve haver uma explicação lógica para isso.

— Lógica... — Mary ficou imóvel. O coração palpitava loucamente, e a boca parecia cheia de algodão.

O vinho.

Oh, valha-me Deus. Oh, não.

Um desvario de imagens encheu-lhe a mente.

Não, não pode ter acontecido!

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— Carregou-a nos braços desde a carruagem. — Anne aproximou-se e se sentou na beirada da cama. — Quer nos contar o que houve?

A carruagem. Oh, não...

— E-ele não explicou? — Mary engoliu em seco e olhou esperançosa para as irmãs.

— Não, não explicou nada. — Elizabeth soltou uma risadinha. — Mas tenho minhas suspeitas.

Mary fingiu uma carranca e lançou um olhar furioso para cada uma das irmãs.

— Pensei que fosse bastante evidente. Simplesmente me entreguei ao prazer do excelente vinho dos Harrington. Sabem que não tenho tolerância por bebidas.

— Isso é óbvio. — Anne debruçou-se para a frente, ficando perto de Mary. — Aprontou um espetáculo? Ou não sabe e terá de ler sobre isso nas colunas de fofocas pela manhã?

Mary pensou um momento na pergunta.

Na verdade, ela não sabia.

— Como estão sendo estúpidas, vocês duas. Há uma explicação simples para tudo. Lady Tidwell não estava se sentindo bem, então lorde Wetherly acompanhou-a até em casa. Eu não tinha outro meio de transporte, então Blackstone ofereceu sua carruagem.

Anne forçou um sorriso.

— E quando vai nos oferecer a "explicação simples"?

— O balanço da carruagem, o vinho e o calor da noite me embalaram. Eu adormeci. É tudo. — Mary puxou as cobertas, mas pensou melhor. — Agora, se me desculparem, eu gostaria de fazer a toalete.

— Está bem. — Anne estreitou os olhos, mas levantou-se da cama, e puxou Elizabeth para a porta. — Conversaremos mais sobre isso quando tomarmos o desjejum, pois sei que há mais nessa história do que você está nos contando, irmãzinha.

No momento em que a porta se fechou, Mary jogou a coberta e levantou a barra da camisola.

Não... não! Estava tão certa de que fora apenas um sonho!

Mas não havia como negar a evidência diante de seus olhos.

Ali, na junção de suas coxas, havia manchas de sangue. Cobriu as pernas e tapou os olhos com as palmas das mãos.

Deus a ajudasse. Estava arruinada.

Depois de se vestir, Mary não desceu as escadas para se reunir a Anne e Elizabeth no desjejum. Girou a chave na fechadura da porta do quarto, assegurando sua privacidade por algum tempo.

Precisava ponderar a situação na qual agora se encontrava, e as opções a seu alcance.

Com uma colher de prata, mexeu o pó de casca de salgueiro na porção de água e bebeu a mistura. Pelo menos presumia que fosse casca de salgueiro aquilo que a jovem criada muda lhe dera.

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Mary nem pedira o remédio mas, de alguma forma, a nova criada adivinhara — sempre sabia o que as irmãs Royle precisavam antes que elas mesmas descobrissem.

Nenhuma das três imaginava como a criada conseguia.

A moça se empregara como faz-tudo apenas duas semanas atrás, depois de responder ao anúncio que Mary colocara no Bell’s Weekly Messenger para o posto.

Durante a curta entrevista, que consistira numa série de meneios e sacudir de cabeça em resposta às perguntas de Mary, ficara claro que a jovem não podia ou não conseguia falar, nem mostrava capacidade de escrever ou fazer contas. Mesmo assim, parecia compreender tudo que lhe era dito.

E, tendo em vista as constantes reclamações de Anne contra o mordomo tagarela e a cozinheira boquirrota, o fato de a criada "faz-tudo" não falar era uma vantagem.

Suas habilidades, somadas ao fato de que aceitara o mísero salário que Mary podia oferecer, a tornaram bem-vinda na equipe doméstica.

Seu nome era um mistério, contudo. Nem mesmo a sra. Polkshank conseguia arrancá-lo dela e, assim, se convencera que a jovem de olhos castanhos era na verdade uma espia francesa.

As irmãs não acreditavam nisso, mas caçoavam da sra. Polkshank chamando a nova criada de Cherie.

Mary esfregou os dedos nas têmporas. Por que tomara tanto vinho?

Ouviu-se uma batida suave na porta. Ela virou a cabeça depressa, amplificando ainda mais o zumbido terrível.

— Quem é?

Não houve resposta. Tirou a chave da gaveta e atravessou o quarto. Destrancou a fechadura. Entreabriu a porta e viu que era Cherie.

Os grandes olhos castanhos da criada desceram para a valise a seu lado. Ela então a ergueu, o que parecia impossível, dada a sua compleição franzina. Mas quando Mary abriu completamente a porta, Cherie carregou a mala para dentro do quarto e colocou-a sobre a cama.

Mary olhou para a valise de couro, e seus olhos marejaram de lágrimas.

A criada esperou pacientemente por alguns instantes. Quando percebeu que ela não se moveria para pegar ou abrir a valise, agarrou a alça da mala.

— Não! Não, você tem razão, Cherie. — Mary limpou uma lágrima pendurada nos cílios. — É minha única opção. Tenho de voltar à Cornualha. É apenas uma questão de dias, talvez horas, antes que toda a Londres saiba de minha indiscrição.

Cherie endereçou-lhe um sorriso triste e, no mesmo instante, Mary desabou e debulhou-se em lágrimas.

— Que tola eu fui, Cherie! Eu não era páreo para aquele libertino, e pensei que poderia tirá-lo do sério brincando de inocente, fingindo que o desejava...

A criada pegou um lenço da gaveta e enxugou as lágrimas do rosto de Mary.

— Mas o vinho arruinou tudo. E agora tenho de ir embora. Não posso ficar aqui e arriscar-me a arruinar a reputação de minhas irmãs também.

A criada tocou-a no braço, e, depois de conseguir atenção, apontou para si mesma com um olhar suplicante.

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Mary demorou alguns instantes para se dar conta do que o gesto significava, mas então compreendeu.

— Não, preciso ir sozinha. — Esboçou um sorriso. — Além disso, Anne não iria liberá-la. Você é o único membro de nossa equipe da casa de quem ela realmente gosta. — Agarrou os braços ossudos da criada. — Vai ficar, não vai, Cherie? Por favor!

A moça sacudiu a cabeça lentamente e, depois, virou-se e abriu a valise.

— Obrigada, posso fazer a mala sozinha. Se você demorar muito, Anne irá procurá-la, e não quero que ela saiba que Irei embora sem que eu esteja pronta.

A criada concordou com a cabeça outra vez antes de lançar os braços de repente em torno de Mary e abraçá-la com força. Depois, virou-se e saiu depressa do quarto.

Mary seguiu a jovem e fechou a porta.

Depois, abriu o guarda-roupa, tirou algumas peças de roupa e arrumou-as na valise.

Sua mente parecia um turbilhão. Tinha de ver a contabilidade da casa antes de partir. Anne e Elizabeth não lidavam bem com contas, e tia Prudence era muito velha para isso.

Olhou pela janela para a Berkeley Square. Suas irmãs precisariam saber, naturalmente, mas não até que ela procurasse lady Upperton e os Velhos Libertinos para explicar tudo.

Fechou a valise e colocou-a debaixo da cama para escondê-la dos olhares curiosos das irmãs.

Teria de seguir para Cavendish Square naquele instante mesmo. Não poderia suportar se sua madrinha soubesse de sua desgraça por outra pessoa.

Principalmente se essa pessoa fosse o pior dos libertinos, o duque de Blackstone.

Era cedo ainda quando Rogan chegou a Cavendish Square.

Aparecera na Corte Eclesiástica logo às primeiras luzes do dia e esperara na carruagem que o escritório do arcebispo se abrisse. Agora, com o assunto resolvido, tinha no bolso do casaco a licença especial lavrada em nome da srta. Royle e no seu. Poderiam se casar naquele mesmo dia se ela assim o desejasse.

O plano ardiloso de Mary Royle havia alcançado êxito.

Quanto a ele, não estava ansioso por isso, mas a própria luxúria o colocara naquela situação, e não havia nada que pudesse fazer para mudar o fato.

Desmontou do cavalo. Era hora de enfrentar a madrinha de Mary, lady Upperton.

Logo depois de se anunciar, era conduzido pelo corredor até a biblioteca onde lady Upperton estava sentada.

Quando seus olhos se fixaram na pequena senhora, seus ouvidos distinguiram um distinto clique metálico, e ele julgou que vira a estante se mexer.

— Entre, entre, Vossa Graça. — O sorriso da velha senhora era radioso. — Nós... eu estava esperando pelo senhor.

— É mesmo?

— Sim.

Aquilo seria mais difícil do que pensara.

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— Então, já conversou com a srta. Royle.

— Eu estava no recital a noite passada. Não se lembra de ter conversado comigo? — Lady Upperton riu alegremente.

— Eu... me lembro.

— Vossa Graça, esquece que fui testemunha de sua conversa com a srta. Royle.

Rogan olhou com ar vago para a senhora.

— Nenhum dos dois conseguia dizer uma palavra civilizada ao outro. Alguém poderia pensar que se detestam. — Ela se inclinou e deu-lhe um tapinha no joelho. — No entanto, os olhos de ambos contavam uma história completamente diferente.

— Peço desculpas, lady Upperton, mas não compreendo.

— Caro senhor, todos, menos vocês dois, puderam ver como estão enamorados um pelo outro. Ora, o senhor e a srta. Royle são o assunto da sociedade no dia de hoje.

— Somos? — Rogan não gostou do que ouvia. Como a sociedade londrina soubera do que havia se passado entre ele e Mary?

— Ouvi boatos de que o livro dos White está cheio de apostas de um casamento antes do dia de São Miguel.

Rogan pigarreou, e, sem pensar, enfiou a mão no bolso do casaco e tocou a licença especial.

— Minha boa senhora, creio que leu meu coração. Ou melhor, minha consciência. Se a srta. Royle me aceitar, e a senhora me der sua bênção, eu me casarei com ela hoje mesmo.

A cor fugiu do rosto de lady Upperton, e seus lábios começaram a tremer.

— Céus! A profundidade dos sentimentos de vocês é bem maior do que eu imaginava. Isso é maravilhoso!

Rogan ergueu a mão.

— Sou rico e tenho um título de nobreza. Estou bastante certo de que ela aceitará meu pedido.

Lady Upperton estreitou os olhos com ar de suspeita.

— Então, por que não está mais feliz? Se a srta. Royle quiser desposá-lo, claro que eu lhe darei minha bênção.

Rogan tamborilou os dedos no joelho.

— Não há como questionar, ela precisa se casar comigo. Minha preocupação é apenas que a senhorita nutra algum sentimento mais terno por meu irmão, lorde Wetherly.

— Oh... — A senhora levou os dedos aos lábios. — Tem certeza?

— Não, não tenho. Não conheço o coração da srta. Royle. Contudo, conheço o do meu irmão... e ele pertence a lady Tidwell.

De repente, ouviu-se um ruído surdo atrás das estantes, Rogan saltou de pé, embora lady Upperton não se assustasse e continuasse sentada.

— Ratos. — Ela sacudiu os ombros. — Não se preocupe, são apenas alguns ratos entre as paredes.

— Devem ser ratos... bem grandes.

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— Hum... — A idosa voltou o rosto redondo para a estante perto da lareira e estreitou os olhos. — Conhece por acaso um bom caçador de ratos?

Mary jogou o manto azul sobre os ombros ao descer depressa as escadas.

Esperava sair pela porta da frente sem ser vista, e caminhar até a casa de lady Upperton e dos Velhos Libertinos sozinha.

Aproximava-se da escada quando a sra. Polkshank exclamou do fim do corredor:

— Ouvi dizer que não quis comer nada essa manhã, senhorita!

Mary parou. Esperava que as irmãs não tivessem ouvido a cozinheira.

— Posso preparar alguma coisa, se quiser.

— Não, obrigada, estou... — Foi então que Mary viu a faixa de um belo tecido vermelho, enrolada em torno da cintura da mulher. Lentamente, aproximou-se. — Posso ver a faixa, sra. Polkshank?

A cozinheira desatou o nó e estendeu a faixa para Mary, que sacudiu as dobras e correu os dedos pelo pano. Era macio e, embora muito manchado no meio, não havia como confundir o tecido furta-cor em escarlate e dourado.

Era cashmere.

Um xale de cashmere.

Ansiosa, Mary correu para a sala e ergueu o xale para examiná-lo à luz da janela.

— Onde conseguiu isso? — Voltou-se e perscrutou a sra. Polkshank com severidade no olhar. — Sabia que é um xale de cashmere? Um xale muito caro! Quando era novo, provavelmente custava tanto quanto uma casa! Mas está estragado agora, não é?

A sra. Polkshank ficou pálida como cera.

— Não o roubei, senhorita. Achei-o na lixeira. Imaginei que ninguém iria se importar se o cortasse para servir de trapo de limpeza.

Mary não podia acreditar no que ouvia.

— Ia cortar isso em trapos?

— Bem, não tinha essa aparência quando o peguei. Estava todo preto e cheio de fuligem, como se tivesse sido enfiado na chaminé para impedir a ventania.

Mary examinou o xale mais uma vez.

— Não parece assim agora.

— Cherie o lavou muito bem. É uma boa moça, embora francesa e tudo o mais. Mas não se pode escolher de onde se vem, não é?

— Não, não se pode. — Mary apertou o xale entre os dedos. — Creio que este xale é o trapo que Elizabeth encontrou dentro da caixa de documentos de meu pai. Eu gostaria de ficar com ele.

A cozinheira retorceu os dedos, como se quisesse se apossar do xale.

— Como a senhorita mesma disse, está estragado. Não vale mais nada...

— Mas significa muito para Anne e Elizabeth.

A sra. Polkshank resmungou.

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Mary mordeu os lábios.

— Aceitaria um... guinéu por ele?

A face da cozinheira reluziu, e um sorriso torceu-lhe os lábios.

— Bem, é cashmere, como a senhorita observou. As pontas devem valer alguma coisa. Está vendo os fios de ouro?

— Sra. Polkshank, o xale foi encontrado nessa casa. Por direito, já me pertence.

— Está bem. Obrigada, srta. Royle. Um guinéu é uma compensação justa por eu ter salvado o xale.

— De nada, sra. Polkshank. — Mary passou pela cozinheira e seguiu pelo corredor. Olhou para o relógio. — Onde estão minhas irmãs?

— Na biblioteca, examinando alguns papéis. Quer que as chame?

— Não, obrigada. Irei até lá.

Quando chegou à biblioteca, Mary parou do lado de fora e estendeu o xale pelo braço.

Aquilo era loucura.

Uma rematada loucura.

Mas tinha de admitir que a história dos bebês da sra. Fitzherbert se tornava mais e mais difícil de se negar.

Mary chegou à casa de lady Upperton duas horas depois. Não estava sozinha, pois Anne e Elizabeth a acompanhavam.

Nem chegara de mãos vazias. Dobrado e escondido com cuidado no centro de uma cesta pendurada em seu braço, estava o xale de cashmere.

Possivelmente, o mesmo xale que lady Jersey tirara dos próprios ombros e usara para enrolar os bebês secretos.

Porém, elas precisariam da ajuda de lady Upperton e de lorde Lotharian para se certificarem.

Quando as irmãs foram admitidas à biblioteca, lady Upperton estava, como sempre, sentada no sofá, servindo o chá a lorde Lotharian.

— As srtas. Royle estão aqui — anunciou o lacaio.

A senhora ergueu os olhos e estendeu a mão para cumprimentar as meninas.

Mary se sentou no sofá.

— Lady Upperton, precisamos conversar sobre um assunto de grande importância.

Lady Upperton e lorde Lotharian trocaram um olhar cúmplice.

— Sem dúvida. — Pousou a mão na de Mary e apertou-a. — Já recebi a visita de um jovem rapaz esta manhã. Importa-se em adivinhar quem poderia ser?

A confusão era evidente nas feições de Anne e Elizabeth.

Mary ainda não se decidira como contar às irmãs o que acontecera entre ela e o duque de Blackstone.

— Querida senhora, eu me arriscaria a dizer que foi o duque de Blackstone. Mas, por favor, não vamos falar dele agora.

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Elizabeth levantou-se e puxou a cesta do braço de Mary.

— Deparamos com uma pista. Acredito que se trate de uma evidência acerca de nosso nobre nascimento!

— Evidência? — Lotharian inclinou-se para a frente, profundamente interessado. — O que tem aí na cesta?

Elizabeth enfiou os dedos na cesta, mas antes que pudesse retirar o xale, Mary afastou-lhe a mão.

— Primeiro, precisamos saber se podem nos levar até a galeria dos Harrington sem levantar suspeitas. — Olhou incisivamente para o casal de velhos.

— Ora, por certo. — Era óbvio que lady Upperton mal podia esperar para ver o conteúdo da cesta. — Posso apelar para o orgulho de sir Joseph de suas pinturas. E lorde Lotharian aqui é um mestre na ilusão. Mas por que precisa ir à galeria?

— Porque descobrimos algo escondido dentro de uma das Baixas de documentos de papai — Anne anunciou.

— A noite passada, durante o recital — Mary explicou —, eu posso ter visto algo no retrato de lady Jersey que se parece muito... com isto.

Mary fez um sinal a Elizabeth, e a irmã ergueu o xale de cashmere e o depositou nos braços esticados de Anne.

Lotharian cravou o olhar espantado no xale vermelho, e depois encarou lady Upperton de olhos arregalados.

— Meu Deus! Será...? — indagou.

— Nem ouso acreditar. — Mary engoliu em seco. — Sim, este pode ser o xale de lady Jersey.

— Sabe o que isso significa? — Lotharian questionou.

— Sei — Mary respondeu, solenemente.

Capítulo VII

Mary jamais imaginaria que a maneira astuta de lady Upperton para conseguir entrar na galeria dos Harrington naquela noite envolveria Rogan, o duque de Blackstone.

Mas envolvia.

Nem teria acreditado que ela própria seria lançada como isca para levar o duque a participar involuntariamente daquele plano.

Não tinha saída naquela questão, pois não admitira o que acontecera entre os dois para ninguém. Exceto para a criada, Cherie; mas a moça era muda, não oferecia perigo. Mary confiava em seu silêncio.

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Assim, ela fez o melhor que pôde para desviar os olhos do duque quando sir Joseph e lady Harrington conduziram o grupo para a galeria, naquela noite.

— Blackstone, lady Harrington e eu estamos honrados de que tenha se lembrado de nossa hospitalidade e nos brindado com os convites para a Festa dos Heróis.

— O prazer é todo meu, sir Joseph.

Sir Joseph fez uma mesura.

— Lady Harrington não cabia em si de empolgação quando lady Upperton a visitou essa tarde. Os jornais relataram que o próprio Wellington pode retornar a Londres em tempo de comparecer à cerimônia.

Rogan remexeu-se nos pés e cruzou as mãos às costas.

— Fico contente que o senhor e sua esposa possam se juntar a nós. — Lançou um olhar irritado para lady Upperton. — Podemos ir? Meu irmão está sendo homenageado na festa e não quero perder um só momento.

Para seu horror, Mary viu que Elizabeth e Anne tinham se afastado do grupo e paravam diante do retrato de lady Jersey.

— Ah... sim, concordo, deveríamos nos apressar. Lady Harrington, permitiria que víssemos as pinturas na sala? Durante o recital, não pudemos apreciá-las direito... embora tenhamos ouvido dizer que há uma paisagem absolutamente espantosa.

Lady Harrington parecia vibrar.

— Claro, por certo. Venha por aqui. Sei a que quadro se refere.

Lotharian olhou para as irmãs em frente ao retrato de lady Jersey.

— Srta. Royle — ele disse a Mary —, poderia cuidar para que as jovens não demorem para se reunirem a nós? Vejo que estão enlevadas com as pinturas aqui, mas não podem se demorar. A Festa dos Heróis nos aguarda. — Então, o velho passou o braço pelo ombro de Rogan e puxou-o. — Eu me atrevo a afirmar, Blackstone, por aquilo que ouvi dizer, que você não irá querer perder nada.

Quando os demais saíram da galeria, Mary correu para Anne e Elizabeth.

— Venha, Mary, vamos ver e comparar.

Mary relanceou os olhos ao redor para se assegurar que nenhum criado perambulava pela sala. Então, tirou do ombro a capa de cetim e entregou-a a Anne, deixando à mostra o xale de cashmere.

Elizabeth tirou o xale gentilmente dos ombros de Mary e ergueu-o diante da pintura. Os lábios da garota tremiam, e os olhos se encheram de lágrimas.

— Está vendo... o que eu vejo?

Mary via. Anne também.

O padrão tecido à mão, que levaria intermináveis meses para completar, era idêntico.

O fundo escarlate era exatamente o mesmo.

O uso esparso dos fios dourados... ora, não havia como questionar.

O cashmere nas mãos de Elizabeth, embora manchado e velho, era de fato o mesmo xale no retrato de lady Jersey.

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Os pêlos da nuca de Mary se eriçaram, e embora o ar na sala fosse abafado e quente, um arrepio subiu por seu corpo e pelo couro cabeludo, como se tivesse sido tocada por um espectro. Ela se sacudiu, tentando expulsar a sensação desagradável.

O rosto de Anne ficou branco, e de repente a jovem pendeu para a frente. Elizabeth largou o xale e apressou-se em amparar a irmã, pouco antes que batesse a cabeça no chão.

Mary agachou-se ao lado de Anne, enquanto Elizabeth lhe dava tapinhas no rosto.

— Anne, Anne?

A garota sorriu e sacudiu a cabeça.

— Não se assuste, Mary. Estou bem. Acho que foi a excitação.

— Excitação de quê?

A voz familiar e profunda de Rogan veio do fundo da galeria.

Os olhos de Elizabeth se arregalaram ao procurar os de Mary, assustados.

Mary não se voltou. Continuou agachada ao lado da irmã, os dedos a tatearem o chão, em busca do xale. Finalmente, pegou-o pela beirada e o puxou. Podia ouvir os passos de Rogan se aproximando. Com rapidez, ergueu a barra do vestido e enfiou o xale tão alto quanto pôde, entre as saias e a combinação. Ao se levantar, apertou os dedos em torno do volume, para firmar o xale no lugar.

Forçou um sorriso atencioso, e encarou o duque nos olhos.

— Que excitação? Ah, como você é divertido! Ora, Vossa Graça, a festa de hoje é o grande acontecimento social da temporada. — Repuxou os lábios com um sorriso falso. — E nós não passamos de caipiras, como você sempre me recorda.

— A carruagem nos espera. Estamos de saída.

Rogan olhou para Anne, ainda no chão, apoiada em Elizabeth.

— Está tudo bem? Devo pedir ajuda?

Mary olhou discretamente para o retrato de lady Jersey.

— Tudo está esplêndido, Vossa Graça.

Rogan aproximou-se das irmãs e estendeu as mãos a cada uma, ajudando-as a se levantarem.

— Muito bem. Podemos ir?

— Naturalmente — retrucou Anne, ao pegar a capa de cetim e colocá-la nos ombros de Mary.

Os olhares de Anne e Elizabeth se cruzaram, e Elizabeth saiu para o corredor, relanceando os olhos nervosamente a cada poucos segundos para Mary, que vinha logo atrás, com Rogan.

Mary agarrava o xale através das saias e andava devagar, rezando para que o cashmere — a evidência, quem sabe, de sua linhagem — não caísse no chão enquanto caminhava.

Rogan lhe ofereceu o braço, e ela sabia que tinha de aceitar, nem que fosse para evitar um olhar não desejado. Mas não havia como tomar-lhe o braço sem deixar cair o xale.

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Assim, fingiu que não viu o braço estendido, arrancando um resmungo de desapontamento do duque.

Não poderia fazer nada. Não deixaria cair o xale.

Mary olhou adiante, de queixo erguido. Atravessou a galeria, o corredor e saiu pela porta da frente.

Três reluzentes carruagens seguiram o caminho da casa dos Harrington na Cavendish Square para os opulentos salões de Argyle, onde a Festa dos Heróis estava prestes a começar.

Mary olhou pela janela da carruagem do duque de Blackstone, que corria pelo calçamento.

Não podia acreditar que estava sentada no mesmo banco onde, na noite anterior, aquele homem lhe tirara a castidade.

Podia sentir o olhar ardente de Rogan, sem dúvida sentindo a ironia da situação, tal como ela.

Agora, estavam sentados de lados opostos, as mãos enluvadas pousadas ao colo.

Que irônico. Menos de vinte e quatro horas antes, estavam ofegando, e se beijando... e agora era completamente diferente.

Estava quente na carruagem.

Mary relanceou os olhos para Elizabeth, que parecia não se perturbar com o calor.

O suor começou a porejar em sua sobrancelha, e a beirada de renda da roupa íntima pinicava sua pele.

A única parte de seu corpo que não estava comichando na carruagem fechada era a mão que segurava o xale debaixo das saias. O problema é que apertava o cashmere com tanta força que a mão começava a ficar dormente!

— Como lady Upperton o convenceu a estender aos Harrington o convite para a festa? — Elizabeth perguntou de repente ao duque. — O senhor quebrou alguma coisa de valor durante o recital e sentiu que lhes devia alguma coisa em troca?

— Elizabeth! — Mary exclamou, com rispidez. Involuntariamente, seu olhar ergueu-se para Rogan, que a observava.

— Não, nada disso. — Blackstone estava bastante sério. — A senhora simplesmente me pediu que fizesse isso como um favor pessoal. Em troca, me daria algo de que preciso.

— E o que seria? Vai nos contar? — insistiu Elizabeth.

— Está sendo rude, Elizabeth — retrucou Mary. — Pare de fazer perguntas.

Aquele sorriso malicioso de repente apontou nos lábios do duque.

— Eu lhe contarei, já que lady Upperton me concedeu o que eu queria.

Mary mal conseguia respirar. Não tinha idéia do que ele poderia dizer em seguida. Mas sem dúvida não era nada bom, pelo jeito com que Rogan a encarava.

— Pedi-lhe a bênção.

— Para quê? — Elizabeth mostrou-se intrigada.

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— Sem ela, eu não poderia pedir a sua irmã que se casasse comigo. — O duque não sorria, nem mexia um só músculo.

Céus. Que tipo de brincadeira é essa?, pensou Mary, pasma. Libertinos não se casam! Há um clube inteiro cheio de velhos libertinos em Cavendish Square que comprova o fato sem nenhum equívoco!

Então, Mary viu. Um ligeiro sorriso a repuxar a boca de Rogan. Ah, era apenas outro de seus jogos depravados.

— Então, srta. Royle, o que me diz? Vai se casar comigo?

Ela empertigou-se no assento e o encarou. Podia enxergar dentro daqueles olhos. Ele não falava sério. A proposta não era sincera. Blackstone não caíra de joelhos, nem confessara seu imorredouro amor.

Aquilo não passava de um jogo. Uma competição.

Quem recuaria primeiro?

— Sim, irei. — Mary sorriu confiante, embora aquela guerra de nervos já a exaurisse. — Quando?

Rogan inclinou-se para a frente, até que seus narizes quase se tocassem no meio dos bancos.

— Esta noite, se quiser.

Ela meneou a cabeça.

— Precisaríamos de uma licença especial.

Rogan concordou, pensativo, e depois, como se acabasse de se recordar de alguma coisa, enfiou a mão no bolso e tirou um papel.

— Oh, que engraçado. Acontece que tenho uma. Então, esta noite, está combinado?

Deus, o duque gosta de levar jogos a sério!

— Seu irmão está sendo homenageado hoje. Seria horrível de nossa parte roubar-lhe esse momento.

— Tem razão. — Rogan calou-se por um instante e olhou pela janela. Então, propôs: — Que tal logo depois da festa? Teremos uma porção de testemunhas, e sem dúvida haverá várias autoridades eclesiásticas presentes.

— Várias, você diz? — Mary engoliu em seco. — Bem... então, teremos como escolher.

Rogan dirigiu-lhe um sorriso sem graça.

— Combinado.

— Naturalmente. — Mary começou a ter câimbras na mão. Distraída, a flexionou. E o xale escorregou para o chão.

Oh, não! Ela ergueu o pé, aflita, e puxou a ponta do cashmere por baixo das saias para o vão na base do assento da carruagem.

Quando ergueu os olhos outra vez, Elizabeth olhava de um para outro, de boca aberta.

— Não... isso... é pura maluquice. — Uma risadinha nervosa escapou de Elizabeth. — Vocês não vão se casar esta noite.

Rogan cruzou os braços no peito.

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— Eu lhe asseguro que sim. Pretendo me casar com sua irmã antes de o sol raiar.

O coração de Mary batia aceleradamente no peito. Ela respirou fundo três vezes, para se acalmar.

Pensa que sou tola... Isso é apenas uma horrível guerra de nervos, e é um jogo que pretendo ganhar!

— O que me diz, senhorita? — o duque perguntou a Mary.

— Oh, sim. Antes de o sol raiar.

Elizabeth bateu palmas, entusiasmada.

— Não posso crer. Tudo aconteceu tão depressa, mas que notícia maravilhosa!

— Sim, maravilhosa — resmungou Mary.

Elizabeth debruçou-se no banco e abraçou a irmã. Depois, olhou para Rogan, e começou a tagarelar, excitada:

— Anne não vai acreditar. Tinha certeza de que seria a primeira a se casar. Mas não... é a nossa Mary!

Mary engoliu em seco. O que estava fazendo? Mentira para a irmã para ganhar de Rogan naquele seu jogo mesquinho.

Ah, acertaria as coisas na festa. Explicaria tudo às duas. Elas compreenderiam.

Não era como se fosse realmente se casar com o duque de Blackstone...

No momento em que a carruagem de Blackstone freou diante da entrada dos salões de Argyle, Mary estava entorpecida.

Durante o breve trajeto da casa dos Harrington até a festa, ela não apenas chutara debaixo do banco o único farrapo de evidência que tinham de seu nascimento, mas também concordara em se casar com o homem que mais desprezava no mundo.

Não deveria sequer ter se levantado da cama naquela manhã, pois o dia não poderia transcorrer de maneira pior.

Elizabeth saltou da carruagem, ansiosa para partilhar as notícias das núpcias inesperadas.

— Você vem, Mary? Depressa! — Sem esperar resposta, rumou para as portas.

Rogan levantou-se e ofereceu a mão a Mary, mas ela fingiu não notar e continuou imóvel, sentada. Não havia como recuperar o xale sem que ele percebesse e fizesse perguntas.

O duque sem dúvida usaria o xale como trunfo para humilhá-la mais uma vez. Ela não queria nem uma coisa nem outra. Portanto, julgou melhor deixar o xale dentro da carruagem por enquanto, pois acabara de ter uma idéia brilhante para recuperá-lo mais tarde.

Apesar dos melhores esforços de Mary para se apressar junto com seu "noivo" — com quem ia de braços dados — a fim de conversar com Elizabeth antes de chegar ao

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salão, a empolgação da irmã em compartilhar daquela alegria pareceu lhe dar asas nos pés.

Assim que passaram pelas portas monumentais, ela finalmente tirou seu braço do de Rogan.

— Perdoe-me, mas eu gostaria de pedir à minha irmã que se contenha em anunciar nosso casamento... pelo menos até depois que seu irmão e os outros heróis forem homenageados.

Assim dizendo, ela correu os olhos pelo saguão e avistou Elizabeth no meio da imponente escadaria à frente. Ergueu as saias do chão e avançou, parando para lançar um olhar coquete por sobre o ombro.

— Por favor, com licença... meu amor.

A princípio, o duque arqueou as sobrancelhas até a raiz dos cabelos, para depois lhe devolver um sorriso divertido.

Mary apressou-se, conseguindo alcançar a irmã no topo das escadas. Agarrou a mão da irmã e puxou-a para o saguão no patamar da escadaria.

Elizabeth tentou tirar a mão, mas Mary encarou-a com firmeza.

— Não deve dizer uma palavra a ninguém sobre o que ouviu. Prometa-me!

— Mas por quê? Se eu fosse me casar com um belo duque muito rico, ficaria no meio dos salões de Argyle e gritaria para toda a sociedade de Londres. — Puxou a mão. — E você deveria fazer o mesmo. Mas se não quiser, eu faço.

— Você não pode, Elizabeth.

— Por que não?

— Porque Blackstone não quer se casar comigo, nem eu com ele.

Rugas apareceram entre as sobrancelhas de Elizabeth.

— Não entendo. Vi a licença. Sei que o duque pretende se casar com você. — Ruborizou-se. — Eu vi!

— O que quer dizer com isso? — Mary encarou a irmã por alguns instantes. — Oh, não... Pensei que tivéssemos superado isso.

— Bem, eu ainda tenho os sonhos. Só que não conto mais a você nem a Anne. Sei que as duas não acreditam em mim, mas afirmo, posso ver o futuro desdobrar-se. E vi você se casando com o duque de Blackstone. Você se tornará esposa dele, esta noite.

Mary riu. Era verdade que às vezes a irmã previa as coisas antes de acontecerem. Mas, com frequência, ela se enganava nas tais previsões. Afinal, prever o futuro assim, era tão fácil quanto jogar uma moeda no ar e adivinhar de que lado cairia.

E, dessa vez, Elizabeth estava errada.

— Eu vi o vestido. Quando se casou com ele, você usava exatamente este vestido.

— Mas foi você que me encorajou a comprá-lo, não se lembra?

— Não nego que influenciei a escolha. Fiz isso porque já havia sonhado com essa roupa. Já sabia como seria especial. Já o tinha visto em seu casamento.

Mary soltou um longo suspiro.

— Elizabeth, admito, existe uma atração física entre mim e o duque de Blackstone. Mais nada.

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— Não. Isso tinha de ser. Estava escrito.

Mary agarrou o pulso da irmã e sacudiu-a.

— Sei que acredita nisso, mas eu não, e estou pedindo: não fale do que ouviu na carruagem. É uma guerra de nervos entre mim e o duque. Nada mais. — Puxou Elizabeth e abraçou-a com força. — Por favor.

Quando as duas se afastaram, Elizabeth concordou com a cabeça.

— Não contarei a ninguém. Até o sol raiar. Mas você verá, Mary, a essa altura já será a duquesa de Blackstone.

Embora Mary não quisesse admitir, a confiança de Elizabeth no casamento iminente a preocupou.

— Ah, aí está você, minha querida — murmurou lady Upperton. — Como foi o trajeto?

A pequena mulher fazia um incrível contraste ao lado do alto e esbelto Lotharian.

O lorde inclinou-se como se fosse fazer uma mesura, virou a cabeça e murmurou ao ouvido de Mary:

— E quanto ao xale? Combina?

— Combinou — ela respondeu, num murmúrio, e depois ergueu a voz num tom normal. — Ah, lady Upperton, o trajeto foi sem incidentes. Que noite adorável para a festa, não concorda? — Aproximou-se da senhora, abaixou-se e sussurrou: — Parece que devo me casar com o duque de Blackstone esta noite, e que a senhora lhe deu sua bênção.

Lady Upperton trocou um olhar preocupado com Lotharian.

— Sim, o clima está bastante ameno, excelente para um evento tão auspicioso como esse. — Então, a mulher pequenina se ergueu na ponta dos pés e aproximou a boca do ouvido de Mary. — Casar esta noite? Minha Nossa Senhora!

— Isso não passa de um gracejo. Algum jogo que Blackstone está jogando comigo para abalar meus nervos. Esse sujeito é desprezível.

Lotharian de repente acenou para alguém a distância.

— Por favor, com licença. Há alguém que me deve uma bela quantia no jogo, e não pretendo deixar que fuja desta vez. — Como um falcão, Lotharian observou o cavalheiro atravessar o salão. — Perdoem-me, por favor. Ele me viu. Não posso me retardar.

Lady Upperton tomou o braço de Mary e puxou-a de lado.

— Desprezível, você disse? Ora, querida, Blackstone é muito mais adequado para você que o irmão, lorde Wetherly.

— Como pode dizer uma coisa dessas? — Mary torceu o nariz. — Wetherly é o tipo de homem com que toda mulher sonha em se casar.

— Sim, ele é. Wetherly é um bom homem, um cavalheiro compassivo, mas flexível também. Você é muito impulsiva para ele, e ele muito maleável para você. Não prefere um homem que faça seu sangue ferver? Acho que sim. Não, tenho certeza que sim. Eu também.

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A velha equilibrou-se nos saltos altos de suas sandálias turcas, e encarou-a. Mary estreitou os olhos.

Lá estava aquele olhar curioso nos olhos azuis desbotados de lady Upperton, outra vez. Ora, era quase como se a velha senhora soubesse de tudo. Soubesse dos anseios apaixonados por Rogan que incendiavam seu corpo e seu coração.

— Lady Upperton, de onde tirou tais idéias?

De repente, ela sentiu uma certa mão em sua cintura e outra em seu ombro.

— Srta. Royle, o mestre-de-cerimônias anunciou a primeira dança. Posso ter esse prazer?

— Bem, eu...

Rogan se inclinou e murmurou-lhe ao ouvido.

— Estou prestes a ser seu marido em poucas horas, afinal.

Um calor subiu e desceu por dentro de Mary.

Droga, como aquele homem conseguia fazê-la enrubescer.

— Fico honrada, Vossa Graça. — Ergueu a mão e fitou o duque, que a conduziu pela multidão até a pista de dança.

O salão imponente a impressionou. As colunas gregas pareciam se erguer até o céu. Seis reluzentes candelabros de Cristal, em formato de balão, com doze círios imensos cada um, pendiam do teto, lançando um brilho quase mágico sobre a pista.

A luz dourada parecia acentuar os lampejos azuis dos cabelos de Rogan. Lady Upperton estava certa. Ele era um homem extraordinariamente belo.

Assim que os acordes vibrantes da orquestra encheram o ar, e Mary acomodou-se nos braços de Rogan para dançar, um calor e uma sensação de conforto a invadiram. Uma sensação que jamais sentira antes. Mas ela sentiu também, para sua infinita surpresa, que não queria que aquele momento findasse.

Ergueu os olhos para fitar o duque, e viu que ele a observava. As mãos fortes se apertaram em torno de seu corpo.

Não era possível. Não poderia sentir algo assim por ele, o infame duque Negro.

Era tudo uma ilusão, que iria desabar em torno dela no momento em que se permitisse amá-lo.

Amar?

Céus. De onde aquela idéia surgira?

Isso era errado, muito errado.

Então, em vez de esperar que Rogan iniciasse algum complô abominável, ela tomou providências para destruir aquele momento de felicidade.

Arqueou as sobrancelhas.

— Vossa Graça, já escolheu uma igreja dentre as disponíveis? — Sentiu o corpo de Rogan estremecer de choque. E não pôde conter o sorriso de triunfo ao entrar sob o arco dos braços dos dançarinos, na quadrilha.

Rogan a encarou, e um calor irrompeu pelas entranhas de Mary. Que tolice, disse a si mesma. Nada daquilo era real.

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Sorriu com frieza, mas, interiormente, para seu horror, seu corpo ainda pulsava incontrolável com a proximidade daquelas formas viris.

O toque de Rogan mudou, de reconfortante e quente para duro e mecânico.

— Não se aflija, srta. Royle. Pedi que se casasse comigo, e pretendo fazer justamente isso.

— Não acha que essa farsa já foi longe demais? Olhe a seu redor. A nata da sociedade está à nossa volta como abutres, esperando que você me jogue de lado.

Blackstone ergueu a mão de Mary acima da cabeça e fez com que ela girasse num círculo completo. Não disse uma palavra.

E, então, ela cutucou-o de novo.

— Todos estão esperando. Você deve saber disso. Ande, faça logo, e ninguém irá julgá-lo mal.

— Eu me casarei com você.

— Por que esse jogo? Não tem sentido para mim.

Um brilho sombrio apareceu nos olhos do duque.

— Esquece o que aconteceu entre nós na noite passada?

— Não tenho certeza absoluta se alguma coisa aconteceu. Não tolero vinho e como você sabe, eu exagerei na bebida.

Uma dor começou a minar seu coração. Mary não sabia por quê, mas estava lá. Doendo.

— Você concordou em se casar comigo, esta noite mesmo.

— Eu... eu concordei.

— Embora toda a Londres possa acreditar que eu seja um libertino incorrigível da pior espécie, acredito realmente em honrar minhas promessas.

— Assim como eu. — Um enjoo revoltou as entranhas de Mary. E ela percebeu para onde aquela conversa desagradável rumava.

O jogo ainda estava em curso.

— No entanto, você não pretende honrar a promessa que me fez hoje.

Mary o encarou furiosa.

— Está enganado. Eu honrarei. Neste minuto mesmo, assim que a dança chegar ao fim, se quiser.

— Na verdade, prefiro me casar neste exato momento. — Ele a rodopiou. — De que outra forma eu teria certeza de que você não irá pular fora?

Ela comprimiu os lábios.

— E de que outra maneira eu poderia ter certeza de que você não fugirá?

Abruptamente, Rogan parou de dançar. Entrelaçou seus dedos nos de Mary e arrastou-a para fora da pista. Quando chegaram ao salão, posicionou-a entre lady Upperton e as irmãs

— Lorde Lotharian me apresentou, poucos minutos atrás, a uma pessoa com quem preciso conversar. — Ele esticou o pescoço e correu o olhar pelo teatro. — Ah, lá está Lotharian. E meu homem. — Virou-se de novo para Mary. — Não se aflija, minha querida,

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eu não a estou abandonando. Me ausentarei apenas por uns poucos minutos e, quando voltar, você se tornará uma duquesa.

Mary cruzou os braços no peito.

— Não arredarei pé deste local, Vossa Graça.

Anne pareceu abalada.

— Uma duquesa? O que ele quis dizer com isso?

Mary olhou para Elizabeth. Para seu imenso alívio, a irmã não dera com a língua nos dentes e mantivera a promessa de não contar nada.

— Anne, não tenho tempo para explicar. — Puxou a irmã para mais perto. — Antes que Blackstone retorne, preciso que você vá até a rua, ache a carruagem dele, e faça com que a abram. Se o cocheiro fizer perguntas, diga que deixei meu leque no banco. Você o encontrará enfiado entre a parede e a porta esquerda.

Anne bufou.

— Não perderei a homenagem aos heróis só para pegar seu leque. — Empurrou o próprio leque no peito da irmã. — Tome, pegue o meu, se está tão acalorada.

Mary rangeu os dentes.

— Não fale, apenas me ouça. Não procurará pelo leque, na verdade! Deixei cair o xale dentro da carruagem, e o chutei para debaixo do banco!

— O xale de cashmere? — Anne abriu o leque e se abanou violentamente. — Mary, é nossa única prova de quem somos. Quem nascemos para ser.

Lotharian aproximou-se do trio justamente naquele instante.

— Oh, meu caro Lotharian. — Lady Upperton parecia prestes a desmaiar. — Mary derrubou o xale de cashmere na carruagem de Blackstone.

— Ora, ora, isso não foi nada prudente. Nem um pouco prudente, mocinha.

— Por favor, leve Anne e Elizabeth para recuperar o xale. Elas sabem o que fazer, só precisam encontrá-lo antes que o lacaio de Blackstone ou o cocheiro o encontrem.

— Está bem. Pode contar comigo. — Lotharian bateu os calcanhares, e conduziu Anne e Elizabeth depressa pelo salão e pela grande escadaria.

Mary levou a mão ao peito e procurou controlar a respiração. Ao se voltar para lady Upperton, viu que ela erguera os binóculos e percorria o salão de dança.

— Veja, menina. — Ela estendeu o binóculo a Mary. — O que Blackstone está fazendo?

Mary olhou para o ponto que a mulher indicara. Depois, estreitou os olhos. Rogan batia nas costas de um cavalheiro. Depois, olhou de soslaio ao redor e disfarçadamente colocou uma pequena bolsa de couro na mão do homem.

— Creio que acabou de dar um saco de dinheiro àquele Cavalheiro.

— Eu disse que ele tramava alguma coisa. Continue observando. — Lady Upperton dirigiu o binóculo ao duque. — Muito suspeito.

Depois de testemunhar aquela transação deveras intrigante, Mary não conseguiu se refrear. Continuou a observar o duque, e viu quando ele se aproximou de Quinn e puxou o irmão para longe de lady Tidwell e de uma senhora mais velha.

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Então, ela se deu conta de que sua atenção estivera concentrada exclusivamente em Rogan o tempo todo. Quinn poderia ser qualquer outro cavalheiro, tão pouco ela o notaria. Era o belo duque alto, de cabelos cor de ébano que a deixava sem fôlego, à espera. Quem a fazia recordar-se de coisas que não deveria. A imaginar como seria aquele peito musculoso que sentira na ponta dos dedos.

De repente, lady Upperton fez meia-volta.

— Oh! Blackstone está voltando. Vire-se, vire-se, Mary!

Um instante depois, Rogan reunia-se a elas novamente.

Mary correu os olhos pelo salão e viu que o homem a quem o duque dera dinheiro, um quarto de hora antes, estava de pé perto do maestro, com um embrulho sob o braço.

— Lady Upperton, srta. Royle. — Rogan cravou os olhos em Mary. — As duas me dariam a honra de se reunirem a mim na sala turca por uns poucos minutos? Apontou para as portas perto da grande escadaria. — Por favor.

Lady Upperton pareceu confusa.

— Ora, claro, Vossa Graça. — A mulher desviou os olhos para Mary, que não dissera nada.

— Srta. Royle? — Rogan ofereceu-lhe o braço. — Podemos?

Ela concordou em silêncio. Lady Upperton podia não saber o que estava prestes a acontecer. Mary, porém, sabia com certeza.

Era hora de jogar a cartada final.

Capítulo VIII

A sala turca era toda decorada em azul, desde os tapetes luxuosos até as cortinas drapeadas que cobriam as paredes.

Rogan apontou para o mais próximo dos sofás otomanos que se enfileiravam pelo aposento, e tanto Mary como lady Upperton, obviamente pouco à vontade, sentaram-se, obedientes.

— Os outros já deveriam estar aqui no momento. Não devem demorar. — Ele começou a andar de um lado para outro diante da porta.

— O que está acontecendo, querida? — As sobrancelhas brancas de lady Upperton subiam e desciam, nervosamente.

Mary não sabia... não com certeza, de qualquer forma. Tinha uma idéia, e essa idéia a deixava à beira de um ataque de nervos.

Para passar o tempo, ela ergueu o olhar para o imenso candelabro de cristal cintilante suspenso ao alto. Havia algo pintado no teto, e ela levou a mão para proteger os olhos e enxergar a pintura, uma águia em vôo a agarrar um raio.

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Vozes baixas do lado de fora atraíram seu olhar para as portas abertas. Ela se inclinou para a frente, o suficiente p a r a ver Rogan estender a mão para dois homens diferentes. Em seguida, ele se virou e apontou para dentro. Mary sentou-se ereta e olhou adiante.

— Lady Upperton, srta. Royle, eu lhes apresento o sr. Archer. Conheci-o esta noite, por intermédio de lorde Lotharian. Que boa sorte o nosso encontro. O sr. Archer é um vigário e concordou em presidir a cerimônia de nosso casamento.

Mary inclinou-se numa ligeira cortesia, mas antes que se endireitasse, lady Upperton cutucou-a no braço e apontou para o cavalheiro.

Era ele. O homem em cuja mão estendida Rogan colocara a bolsa de dinheiro.

Então, aquele era o plano. Pagar um cavalheiro para se passar por ministro da Igreja, e depois observá-la se contorcer de constrangimento.

Bem, graças à aguda atenção de lady Upperton e seu binóculo bem assentado, Mary não iria cair na grande farsa de Rogan.

Ah-ah! Agora que vira as cartas do duque, poderia blefar.

— Sr. Archer, que bom que pode oficiar nosso casamento, principalmente assim, em cima da hora. — Ela sorriu e, depois, observou o sorriso convencido de Rogan dissolver-se num trejeito estranho.

— E vocês duas conhecem bem meu irmão. — O duque deu um passo para o lado, e Quinn entrou na sala.

— Lady Upperton. — Ele fez uma mesura e então olhou timidamente para Mary. — Srta. Royle, fico encantado em tê-la em nossa família. — Adiantou-se e pegou-lhe a mão direita, apertando-a gentilmente. Parecia um pedido de desculpas.

Procurando forças, Mary encarou Quinn dentro dos olhos. Estava pronta para o golpe que a presença dele poderia lhe infligir, e por saber que ele a entregava de boa vontade ao maldito irmão.

Porém, surpreendentemente, não sentiu dor. Nem desapontamento.

Como poderia ser? Estava apaixonada por Quinn. Acreditava que ele fosse o seu futuro. E, no entanto... naquele momento, não sentiu absolutamente nada.

Rogan deu um passo para a frente e desfez o elo entre os dois. Com um gesto possessivo, tomou a mão de Mary e colocou-a pousada em seu braço. Fitou-a incisivamente.

— Quinn será uma testemunha.

O duque Negro era bastante cruel. Se Mary estivesse apaixonada por Quinn, como ela acreditara com toda a honestidade que poderia estar, escolher o irmão como testemunha seria um golpe muito baixo. E se Quinn compartilhasse daqueles sentimentos, isso o magoaria também.

Mas era óbvio que Quinn não se magoara. Caso contrário, não aceitaria um papel naquela trama complicada de Rogan.

— Lady Upperton, pode servir de testemunha também? — O tom de Rogan era sério e firme.

— Querida?— Os olhos azuis fitaram Mary. Lady Upperton afastou-a de Rogan e levou-a até alguns passos de distância. — Eu creio que ele é o homem perfeito para você.

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É o parceiro de seu coração. Mas, primeiro, preciso ouvir que você não mais nutre sentimentos por lorde Wetherly.

Mary espantou-se com a pergunta.

— Não, não estou.

— O que diz seu coração?

Ela baixou a cabeça.

— Nunca o amei. Só pensei que amava.

Lady Upperton esboçou um sorriso radiante.

— Então, servirei de testemunha, minha menina querida —disse, para todos ouvirem. E então a velha senhora empurrou Mary de volta na direção dos cavalheiros.

— Lady Upperton, por favor, espere... — Mary gaguejou, mas antes que pudesse terminar o pensamento, Rogan puxou-a.

— Querida — a voz soou baixa, quase caçoísta —, não mudará de idéia, não é?

Blackstone era tão seguro de si mesmo... Tão seguro de que ela iria se virar e escapulir como uma lebre assustada...

— De maneira alguma. — Mary olhou para a frente e concentrou-se no suposto vigário. — Estou pronta.

Rogan tomou-lhe as mãos na sua, e a cerimônia começou.

O casamento não passou de uma mescla perturbadora de palavras sacras e bobagens completas.

Não é real!, Mary recordou quando Rogan enfiou um anel de ouro em seu dedo e ajeitou-o no anular.

Assim que o sr. Archer proferiu a advertência final:

— Aquilo que Deus uniu, que o homem não separe —, Mary ergueu os olhos e deparou-se com Lotharian e suas irmãs paradas na soleira da porta, as bocas escancaradas de espanto.

A farsa tinha de acabar. Não havia dúvida: Rogan ganhara.

Mary voltou-se para o sr. Archer, pretendendo pedir que parasse com aquela tolice, mas era tarde demais.

— ...os declaro marido e mulher.

Ela olhou para Rogan, e viu que ele a fitava... como se estivesse deslumbrado. Sentiu seu estômago revirar-se. Algo estava muito errado. Pelo canto do olho, viu as irmãs e o velho lorde se apressarem a entrar na sala, mas seu olhar permaneceu cravado no de Rogan.

Ele segurou-a pelo queixo e inclinou seu rosto para cima.

— Você ganhou, minha cara. É uma duquesa e viverá o resto da vida com luxo e conforto. — Beijou-lhe os lábios de um jeito duro antes de se afastar.

Aquele beijo fora um castigo.

Quando Rogan se afastou, Mary ficou parada, confusa, e sentindo-se magoada por alguma razão.

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E os momentos seguintes foram uma sequência de apertos de mão, e beijos de congratulações.

De repente, uma pena foi enfiada na mão de Mary, que se viu guiada para um livro de páginas carimbadas e numeradas.

— Está certo. Assine seu nome completo, querida — pediu lady Upperton. — Ótimo, ótimo. Agora, aqui também.

A única folha de papel que ela assinara foi apanhada depressa por lady Upperton e lorde Wetherly, que se inclinaram, um de cada vez, para colocar os nomes do documento também.

— Parabéns. Posso ser o primeiro a me dirigir a Vossa Graça? — O sr. Archer inclinou-se numa reverência diante de Mary. — Foi uma honra estar a seu serviço.

O cavalheiro assinou o papel também, afixou um selo de cinco xelins ao documento, entregou-o a Rogan e, depois, com o registro encadernado debaixo do braço, saiu abruptamente da sala.

— Mary? — Anne pousou a mão na face da irmã. — O que há de errado com você? Parece envergonhada.

Mary fitou-a dentro dos olhos.

— Algo está errado. Isso não deveria acontecer.

— O que quer dizer? — Anne indagou baixinho, como se tentasse acalmá-la.

— No salão, vi Rogan entregar sorrateiramente um saco de moedas ao sr. Archer. Isso tudo foi uma farsa.

Olhou para Elizabeth então, e viu que a irmã meneava a cabeça.

Mary percebeu que um gemido escapava de seus próprios lábios.

— Trata-se de um falso vigário, e...

Lotharian chegou mais perto.

— Querida menina, eu conheço o sr. Archer faz vários anos.

— Então... ele é mesmo um vigário? — Espantada, olhou para o anel em seu dedo. — Mas isso era apenas um jogo de vontades. Não um casamento de verdade!

Rogan aproximou-se por detrás dela.

— Sei que foi um jogo para você, mas não para mim. Fiquei deslumbrado com sua beleza e seu modo terno. Não v i que eu era o verdadeiro alvo na busca por um título e dinheiro.

Ao ouvir tais palavras, Lotharian empurrou o duque para longe de Mary.

— Como se atreve! Como ousa fazer tal acusação! Eu lhe asseguro, essa moça possui um grande dote, e é de sangue nobre. Da mais absoluta nobreza! Verdade seja dita, Blackstone, ela não tem necessidade de seu título insignificante.

Mary meneou a cabeça.

— Não. Tudo isso tem de parar. — Mas os olhos de Lotharian lampejavam de fúria.

— Ela é filha de um médico do campo, Lotharian.

— Não, senhor. Mary foi criada por um médico na Cornualha. Mas ela, e as irmãs, são filhas verdadeiras do próprio Príncipe Regente.

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Rogan passou por Lotharian e pegou o braço de Mary.

— Que bobagem é essa?

— É a verdade. — Lotharian enfiou a mão dentro do casaco e tirou o xale de cashmere. — E tenho a prova!

Rogan continuou olhando para ela, esperando por uma resposta.

— É verdade, Mary?

— Eu não sei. Eu lhe afirmo, não sei.

Será possível? Ou toda essa gente fugiu do manicômio?

Rogan olhou para o velho que sacudia um pano vermelho manchado no ar. Em seguida, olhou para a irmã ruiva de Mary que balbuciava a palavra "princesas" vezes seguidas.

Viu a velhota que corria os dedinhos pela borda do xale com reverência.

Oh, sim. Estavam todos loucos.

Baixou o olhar para Mary e fitou aqueles olhos dourados, que buscavam os dele, aflitos.

— É verdade, Mary? Você deve saber.

— Até esta noite, eu não acreditava que fosse possível — ela admitiu, com relutância. — Era apenas uma história insana... acerca de três bebês reais, abandonados para morrer e entregues a meu pai no xale de lady Jersey.

— Você disse que não acreditava... até esta noite? — insistiu Rogan.

— Sim. Era só uma história, além da compreensão, até que encontramos o xale escondido entre os pertences de meu pai. Este xale, e o comparamos com um que lady Jersey usava no retrato pendurado na galeria Harrington. Constatamos que são o mesmo material.

Os olhos de Rogan se arregalaram.

— Apesar disso, mesmo que tenha pertencido a lady Jersey, isso não prova...

— Tem razão, não prova. — Mary estendeu a mão e tocou-lhe o ombro gentilmente. — Fôssemos ou não, eu e minhas irmãs aqueles bebês, isso não importa. O que importa é que você e eu cometemos um enorme erro esta noite. Por favor, Rogan, vamos encontrar o sr. Archer antes que seja tarde. Vamos admitir a ele o nosso engano e esperar que o vigário possa encontrar, no coração, um motivo para esquecer que essa união aconteceu alguma vez. Cometemos um erro.

— Um erro — o duque repetiu, com ar ausente.

Rogan tinha de pensar. Encontrar sentido em tudo aquilo. Porém, o burburinho na sala tornava isso quase impossível.

Havia apenas uma única coisa a fazer. Ele pegou a mão de Mary e, antes que alguém pudesse impedi-lo, saiu correndo com a jovem e desceu a grande escadaria.

Quando chegaram ao pé da escada, ele virou-a para que o fitasse.

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— Foi um erro, Rogan. Um imenso erro. Pensei que esta noite toda, desde seu pedido de casamento até a cerimônia, não fosse mais que uma brincadeira. Pensei que me fazia de boba e, assim, joguei o seu jogo, esperando que pudesse superá-lo.

— E acho que me superou. Penso que você sacrificou o corpo, a virgindade, por meu nome e por bolsos recheados.

— Precisamos reverter essa paródia de casamento. Devemos! Você não queria realmente se casar comigo. Nem eu com você.

— Mary, nesse momento você é uma duquesa. Sabe o que estou dizendo?

— Sei. — Ela correu a mão pelo braço de Rogan. — Vamos encontrar o vigário, por favor. Talvez não seja tarde demais para desfazer o que fizemos esta noite.

Deus. Ele a julgara mal.

Julgara de modo cruel aquela bela e terna criatura. Mary nunca quisera o seu dinheiro. Não era uma oportunista, como a mãe caça-dotes de Quinn. Era apenas uma moça inocente.

Como não conseguira enxergar a verdade, quando estava tão evidente o tempo todo?

Rogan puxou-a para si e, sem pensar, beijou-a na boca. Quando a soltou, pôde ver que a assustara.

— Eu... peço desculpas. Estou bastante aliviado que finalmente saibamos a verdade de um sobre o outro.

— Eu também. — Mary sorriu. — Agora, podemos ir à procura do vigário. Se continuarmos casados muito mais tempo e a notícia escapar, se contarem que você teve a atitude honrada para comigo, sua reputação como o duque Negro será manchada além da possibilidade de reparação.

Rogan inclinou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada.

— Bem, não podemos permitir, não é?

— Sem dúvida.

Ele a agarrou pela mão e, juntos, subiram a grande escadaria e entraram no teatro.

A carruagem balançou até parar diante da casa das irmãs Royle, em Berkeley Square. Sem esperar pelo cocheiro, Rogan saltou do veículo e estendeu a mão para Mary descer.

— Depressa. Pegue apenas uma muda ou duas de roupa, e seja lá o que você for precisar para a viagem. — Rogan praticamente arrastou-a até a porta. — Se partirmos agora mesmo, alcançaremos o vigário bem antes que ele e a irmã cheguem a Gretna Green.

— Acha que conseguiremos?

— Claro, se nos apressarmos. Poderia nos poupar alguns dias de viagem.

— Voltarei em alguns minutos. — Mary correu para dentro e subiu as escadas até seu quarto, chamando aflita por Cherie.

Nunca antes havia imaginado uma situação como aquela. Quando voltaram ao teatro e perguntaram sobre o paradeiro do vigário, foram informados por Lotharian que o sr. Archer já tinha ido embora.

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Mary ouvira dizer que, alguns momentos antes, a irmã do vigário tinha entrado no salão, aborrecida e agitada, os olhos cheios de lágrimas, porque a filha teimosa havia fugido para Gretna Green com o belo lacaio da equipe doméstica.

O vigário deixara a Festa dos Heróis imediatamente. Agora, certamente, ele e a irmã empreendiam a perseguição ao jovem casal em fuga.

E em poucos minutos, Rogan e Mary estariam atrás dele também.

Ela abriu um lenço e colocou no meio dele uma escova de cabelos, um pente de chifre, um punhado de grampos e uns poucos potes e frascos da penteadeira. Amarrou o lenço num pequeno embrulho e virou-se para chamar outra vez por Cherie.

Mas a criada já estava atrás dela, tirando a valise de baixo da cama, onde Mary a deixara quando tinha pensado em voltar para o campo.

Cherie abriu a valise e depois correu até o armário, voltando com duas combinações, vestidos e meias. Tirou os itens de toalete da mão de Mary e colocou tudo dentro da mala, e depois afivelou a valise.

Voltou os olhos sombrios e questionadores para Mary.

— O duque e eu nos casamos esta noite. — Estendeu a mau e mostrou à criada o anel de ouro no dedo anular.

Cherie sorriu de modo radioso, e sacudiu a cabeça, emocionada.

— Não, não estou feliz. Foi um erro. Nenhum de nós queria esse casamento e, assim, estamos partindo para encontrar o vigário e colocar um fim a esse enlace antes que seja tarde demais.

A criada estendeu a mão e passou o dedo indicador pela aliança. Ergueu a mão de Mary e colocou-a sobre o coração da jovem.

Mary olhou para a aliança que reluzia em seu dedo e, depois, para os olhos castanhos de Cherie.

Sua garganta de repente parecia inflamada. Ia deixar a mão pender de lado, mas a criada a comprimiu de volta sobre o coração.

— Não. Foi mesmo um erro.

Cherie não tirou os olhos de Mary.

— Não estou apaixonada por ele.

Mary tentou passar por Cherie para pegar a alça da valise, mas a criada segurou-a pelos braços e a imobilizou.

Tornou a pegar a mão de Mary, e, pela terceira vez, colocou-a sobre o coração.

Os olhos de Mary começaram a arder.

— Não importa o que eu sinto, de qualquer maneira, Cherie. Mesmo que eu o amasse — sua voz alquebrou-se —, nossa união não devia se realizar. Para o duque, nada mais sou do que uma moça do campo, uma caipira. Ele não me acha digna de atenção.

A criada levou a mão ao rosto de Mary. E foi tudo que bastou para que uma lágrima escorresse de seus olhos.

Deixando o sentimentalismo de lado, ela agarrou a valise e virou-se para a porta. Parou antes de dar um único passo.

O corpo enorme de Rogan dominava a soleira da porta.

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Sem ser convidado, o duque entrou no quarto, o que a deixou chocada. Contudo, ele era agora seu marido.

Pelo menos por enquanto.

Rogan pegou a valise da mão dela.

— Há algo mais que precise para a viagem? Temos de ir.

O olhar de Mary perpassou pelo quarto até que sua atenção foi atraída pelo livro de doenças de seu pai. Ela o pegou, caso a simulação de uma dor de cabeça na noite de núpcias não fosse suficiente.

— Só isso.

Em seguida, como se sentisse que nunca mais voltaria para casa, Mary abraçou a pequena Cherie com força, em despedida.

Mais de uma hora havia se passado quando Mary se deu conta de que não haviam apanhado as roupas de Rogan na Casa do duque, em Portman Square.

O peso do silêncio a incomodava. Quando não suportou mais, resolveu mencionar o esquecimento.

— Você não tem nenhuma muda de roupa.

Como se a voz de Mary fosse uma afronta ao silêncio da cabine, Rogan virou o rosto da janela, e a fitou com frieza.

— Eu não a considero indigna de minha atenção! — As palavras foram pronunciadas como se ele as tivesse repetido incontáveis vezes.

Mary baixou os olhos diante daquele olhar incisivo. Rogan ouvira quando ela conversava com Cherie.

Oh, meu Deus.

— No mínimo, você pode precisar de roupas de dormir — emendou, na esperança de desviar a conversa para outro assunto.

— Não uso roupas para dormir. — Havia uma entonação ríspida na voz de Rogan.

— Oh... — Ela desviou o olhar para a janela, de repente ansiosa para escapar daquela presença avassaladora. — Nem eu — resmungou, desejando romper a tensão entre os dois. Mas não ouviu nenhuma risada, nem um riso abafado. Nada.

— Mary, olhe para mim — Rogan disse, por fim. Estendeu a mão e segurou a dela.

O contato forçou-a a obedecer.

Ela o encarou. Um lampejo de bronze dentro daqueles olhos castanhos pareceu fulgir sob a luz da lanterna da carruagem. Porém, o que ela viu naqueles olhos não era o que esperava. Não havia sombra de raiva; só pesar.

Com ternura, ele passou o polegar por sua mão.

— Eu estava enganado sobre você. Errei em cada julgamento a seu respeito, em cada presunção, em cada preconceito. Eu deveria ter ouvido o que meu coração dizia. Mas não ouvi. — Rogan inclinou a cabeça para trás e olhou para o teto da carruagem. — Durante anos, me protegi do sofrimento de dar meu afeto e meu coração, a alguém que não gostasse de mim, mas sim de meu título e meu dinheiro. — Fitou-a, então, os olhos sombrios e marejados de lágrimas. — Eu duvidava dos motivos de todo mundo, não importava a situação, e desconfiava de todas as mulheres.

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Mary sentiu o coração apertar-se com a emoção contida naquelas palavras. Levantou-se e sentou-se perto dele. Hesitante, pousou a mão em seu ombro.

— Quem o magoou? Quem fez isso a você?

Ele se empertigou, dando de ombros, fazendo com que a mão de Mary escorregasse de seu casaco.

— Ninguém me magoou. Aprendi uma valiosa lição, só isso. — Enfiou os cotovelos nos joelhos e aninhou a cabeça entre as mãos.

Mary ficou calada e imóvel. Queria tanto confortá-lo...

Estendeu o braço e tocou-o no ombro outra vez.

— Quem fez isso com você? — tornou a perguntar.

Rogan virou a cabeça e a fitou.

— Ela não me magoou. Magoou meu pai. Fingiu amá-lo, fingiu me amar. Mas logo depois que se casaram, mostrou quem realmente era. O afeto, a gentileza e o amor foi tudo uma farsa. Ela só queria o dinheiro dele. Era tudo que desejava.

— Sua madrasta — Mary murmurou, hesitante.

Rogan concordou e desviou o olhar para a janela e para a paisagem que passava.

— Ela magoou meu pai terrivelmente.

— E o magoou também.

— Não ouviu o que eu disse? Ela magoou meu pai!

— Ela o magoou também — Mary retrucou, com firmeza. — Tornou-o desconfiado. Fez você ter medo de abrir o coração para uma mulher.

Não houve resposta. Ela passou a mão suavemente pela têmpora de Rogan, e deslizou os dedos pelos cabelos fartos, em torno da nuca e lentamente pelo pescoço e as costas. Os olhos do duque se fecharam, e ela ouviu um suave suspiro escapar de seus lábios.

Sabia que Rogan precisava dela. Precisava de seu conforto. Precisava de seu contato gentil.

Inclinou-se para mais perto, até que se aconchegou no peito largo. Então, levou os dedos para cima, para a curva da nuca até os cabelos outra vez. E, ao fazer isso, roçou seus lábios na face dele, e beijou-o suavemente.

As pálpebras de Rogan se abriram como se ela o houvesse surpreendido. Ele se virou e envolveu-a nos braços.

Mary o abraçou pela cintura, em resposta, e ergueu os lábios, comprimindo-os contra a boca quente de Rogan.

Quando rompeu o elo, lentamente, muito lentamente, Rogan respirou fundo.

— Mary...

Ela ajoelhou-se no assento e equilibrou-se contra ele. Num toque terno e delicado, pousou os lábios na testa do duque. Sentiu a respiração quente de Rogan e ouviu-o murmurar ligo ininteligível.

Rogan fechou os olhos enquanto Mary distribuía beijos úmidos sobre as suas pálpebras, sobre a face e mais abaixo, no queixo áspero de barba, antes de beijá-lo na boca mais uma vez.

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— Mary. — O nome pareceu soprado num hálito quente. — Eu... eu...

Seu maxilar roçou contra a pele sensível de Mary quando a paixão dos beijos se tornou incontrolável.

— Eu... — Ele se afastou apenas o suficiente para fitá-la nos olhos, com olhar inflamado de desejo, que incendiou Mary. — Eu... não posso! — Agarrou-a pela cintura e empurrou-a para longe. — Não podemos, a menos que terminemos nossa perseguição ao vigário.

Ela pestanejou, sentindo-se de repente perturbada.

— O que está dizendo?

Rogan encarou-a.

— Nós... podemos continuar como marido e mulher.

— Você enlouqueceu? — Mary endireitou-se e olhou ao redor. — É a única explicação para o que está sugerindo.

— Esqueceu que eu a arruinei, nessa mesma carruagem! E teria me deitado com você de novo se não nos separássemos agora.

— Sim, preciso me lembrar disso, e evitar andar de carruagem com você no futuro. — Ela arqueou uma sobrancelha.

— Estou falando sério, Mary.

— Eu dificilmente me julgaria arruinada. A menos que você anuncie nosso... encontro, ninguém saberá, e não sofrerei nada — ela retrucou depressa, sufocando as palpitações do coração.

— Eu a prejudiquei e, portanto, julgo que é justo para você que continuemos casados.

Mary olhou para o alto e lançou as mãos para o ar.

— Esqueceu-se de que não queria se casar comigo? — Ela suspirou, irritada.

— Tem certeza disso? — Rogan a estudou, como se quisesse enxergar dentro dela, procurando uma resposta.

A ternura em sua expressão e as palavras do duque a surpreenderam e, inexplicavelmente, Mary levantou-se num impulso. Fez um biquinho, puxou o fôlego e apoiou a mão no teto da cabine para não cair.

Que droga estar dentro de uma carruagem, correndo por uma estrada esburacada e cheia de pedras.

Não havia lugar algum para onde ir. Nenhum local para ordenar os pensamentos. Nenhum espaço para arquitetar uma resposta expressiva.

E, assim, resignada, ela se sentou, cruzou as mãos no colo e olhou, muda, pela janela.

Continuar esposa de Rogan... Que idéia ridícula!

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Capítulo IX

O condutor da carruagem parou para refrescar os cavalos várias vezes durante a longa noite, tornando quase impossível para Mary dormir.

Ela tentara apoiar a cabeça contra as esquadrias de couro, mas o balanço constante do veículo, a mantivera acordada.

Por volta das quatro horas da manhã, não aguentou mais. Pediu a Rogan que parassem a fim de descansar e tomar um desjejum.

Para sua surpresa, ele concordou, dizendo que era uma ótima sugestão.

O único problema era que a hospedaria estava completamente lotada. Na verdade, se Rogan não tivesse dinheiro suficiente para dar uma propina a outra hóspede que cedeu o quarto a eles, os dois não teriam uma cama, afinal.

Diante disso, não houve outro jeito a não ser partilharem a mesma cama.

Mary sentia-se exausta demais para discutir. Portanto, enfiou o livro sobre doenças debaixo do braço, só para o caso de precisar de alguma coisa, e seguiu o brilho da vela que o estalajadeiro dera a Rogan, pela escada escura e para dentro do pequeno quarto de dormir.

Rogan acendeu o lampião na mesa-de-cabeceira, e no mesmo instante começou a se despir.

— Rogan. — As palavras saíram estranguladas. — Sei que não vê necessidade de roupa para dormir, mas poderia usar alguma coisa? Compreendo que somos marido e mulher, mas com um pouco de sorte, amanhã não estaremos mais casados.

— Está bem, minha querida. — Rogan riu. — Mas não precisa ter medo. — Olhou para o livro que ela carregava debaixo do braço. — Embora esta seja nossa noite de núpcias, você está segura de qualquer avanço na cama.

— Oh, eu sei disso — ela murmurou, com fingida inocência. Deixou o livro de lado e deitou-se sob as cobertas. — Isto aqui é uma cama, não uma carruagem, afinal.

Rogan caiu na risada, e enfiou-se na cama ao lado dela.

Mary não sabia quando acontecera, ou por quê, mas sentia-se à vontade na presença do duque, agora. Um conforto que ela não notara antes.

Em questão de minutos, embora deitada numa cama estreita com um homem que fazia seu coração galopar como uma parelha ágil em pleno galope, ela sentiu que mergulhava no sono.

Três horas mais tarde, o sol infiltrou-se pela cortina esticada diante da janela.

Mary levantou-se, parou sob a luz do sol, e ergueu um espelho de mão para o rosto que ardia. Fez uma careta para a imagem.

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— Vermelho. Está completamente vermelho!

Rogan esfregou os olhos ao acordar, e pestanejou.

— Vermelho? O que está vermelho?

— Isto. — Mary girou nos calcanhares e apontou para o queixo. — Olhe só o que você fez.

Rogan ergueu-se num dos cotovelos e apertou os olhos.

— Com os diabos, como isso aconteceu. — Então, seus alhos se arregalaram, e ele esfregou os pêlos duros do rosto. — Não pode ser...

— Sua barba. É óbvio que arranhei meu rosto quando estávamos nos beijando a noite passada na carruagem.

— Peço desculpas, minha querida, mas creio que eu estava tentando impedir que você me beijasse.

— Não quando isto aconteceu. — Mary ergueu o espelho de novo e espiou o reflexo com um suspiro. — Lembro-me bem claramente.

— Eu também. — Rogan sorriu com ar malicioso e saiu da cama. Aproximou-se dela e depois se inclinou, depositando um beijo terno na pele avermelhada.

Mary sorriu e sacudiu o dedo com ar brincalhão.

— Para trás, Blackstone. Meu queixo já está vermelho o suficiente!

Rogan enfiou rapidamente a camisa e puxou a mão de Mary com o espelho, e ergueu-a diante de si para poder amarrar a gravata adequadamente. Ou, pelo menos, tão bem como um cavalheiro desacostumado a se vestir sozinho poderia fazer.

Ele já estava terminando quando Mary sentiu o cheiro de toucinho frito, e seu estômago roncou de fome.

— Podemos tomar o desjejum antes de embarcar na carruagem?

— Claro. — Havia um tom divertido na voz de Rogan. — Preciso de toda a energia que puder reunir se quiser passar outro dia na carruagem com você.

Com um sorriso zombeteiro, Mary pegou o seu livro, a capa e a bolsa, e ficou observando o duque enquanto ele enfiava o casaco pelos ombros largos.

Ela suspirou baixinho, expulsando os pensamentos travessos que assaltavam sua mente.

Que homem glorioso...

Rogan abriu a porta, dando passagem para Mary. E ela virou a cabeça para fitá-lo ao cruzar pela soleira. Deu um passo e chocou-se contra um cavalheiro que, naquele exato momento, passava pelo corredor.

— Oh, peço desculpas, senhora — ele começou, ao se afastar do caminho de Mary.

— A culpa é minha, senhor. Por favor, perdoe-m... — Mary sentiu o sangue fugir do rosto. — Sr. Archer!

— Bom dia, vigário — Rogan disse, surpreso. — Justamente o cavalheiro que esperávamos encontrar hoje.

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Rogan postou-se à frente de Mary, que, parecia, não conseguir pronunciar nenhuma palavra.

— Os santos sejam louvados, Vossa Graça! — O vigário apressou-se a fazer uma mesura. — Que coincidência esplêndida, encontrá-lo e à sua esposa, na estrada. — O homem olhou para Mary e inclinou-se.

— Não é uma coincidência de maneira alguma. Nós o seguimos durante a noite, perguntando sempre que parávamos, para saber se o senhor havia passado ou não pelo mesmo caminho.

— Não me diga? — O vigário relanceou os olhos, nervoso, para trás, pelo corredor.

— Está amassando o chapéu, senhor. — Mary notou.

E estava de fato. O sr. Archer apertava demais o chapéu. O rosto brilhava como um farol, e gotas de suor lhe pontilhavam a testa.

Uma mulher pesada, quase duas vezes do tamanho do vigário, desceu o corredor na direção deles.

— Estou indo, meu querido.

Rogan a fitou com um olhar curioso.

Quando ela chegou perto do vigário, deu-lhe uma cotovelada.

— Obrigada por me esperar. — Endereçou a Rogan um olhar de apreciação, mas não prestou atenção a Mary. — Não vai me apresentar seu amigo, Archie?

O vigário não conseguiu esconder a apreensão no olhar.

— Vossa Graça, e Vossa Graça — ele inclinou a cabeça diante de Rogan e Mary —, apresento minha irmã, Heloise.

— Oh, essa é boa. — A mulher soltou uma risadinha. — Sim, sou irmã dele. — O decote de seu vestido era baixo, e mal lhe cobria os seios. Dificilmente apropriado para a irmã de um vigário.

Rogan sentiu a mão de Mary em seu ombro, e se virou. Deparou-se com os olhos dela, toldados de suspeita.

— Irmã? — ela balbuciou.

Não, Rogan não acreditava nisso também. Mas a verdadeira razão para o sr. Archer viajar para a Escócia não era de sua conta.

— Vigário, podemos nos reunir na sala de refeições? Temos urgência em conversar um assunto importante com o senhor.

O vigário tornou-se mais agitado. Visivelmente.

— Oh, sim, bem... estamos com uma pressa horrível.

— Sr. Archer, foi cometido um grande erro...

Foi então que Rogan percebeu o traje inadequado do vigário. O casaco era de casimira azul real, e o colete — que diabos! — era de uma elegante seda cinza.

Dificilmente seria o traje sóbrio de um homem da igreja da Inglaterra.

Rogan franziu as sobrancelhas e estudou o sr. Archer.

O vigário esboçou um sorriso trêmulo. Olhou de relance para Mary, como se procurando por um alívio para a atenção concentrada do duque.

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— Minha cara senhora, machucou-se durante a viagem?

— Machuquei-me? — Mary repetiu.

— Ele quis dizer seu queixo, querida. Está todo arranhado e vermelho. — A irmã do vigário bateu no próprio queixo com o indicador. Então, riu e olhou para o sr. Archer. — Não, ela não está machucada, caro irmão. — Virou-se de novo para Mary. — Está, Vossa Graça?

Mary parecia mortificada.

Rogan colocou-se entre ela e a suposta irmã do vigário.

— Sr. Archer — disse, com mais rispidez do que pretendia. — Eu irei conversar com o senhor.

O vigário soltou um suspiro fundo. Deixou cair o chapéu no chão e levou as palmas das mãos aos olhos. Começou a resmungar.

— Eu sabia que isso iria acontecer. Eu sabia. — Abaixou as mãos e apanhou o chapéu de feltro do chão. — Venha comigo. Tenho tudo em minha mala. — Virou-se e seguiu pelo corredor.

A mulher se afastou na direção da escada.

— Seu assunto não me diz respeito. Estou faminta e posso sentir o cheiro de toucinho e pão daqui.

O vigário apontou a porta no final do corredor.

— Sei o que veio buscar.

Rogan passou o braço de um jeito protetor em torno da cintura de Mary, e conduziu-a até o quarto do vigário.

Quando lá entraram, o sr. Archer revirava uma mala de couro. Tirou uma folha de papel e entregou-a a Rogan.

— Aqui está a licença. Eu a queimaria se fosse o senhor. — Virou-se para a mala e pegou um tomo encadernado de dentro.

Resmungando o tempo todo, Archer folheou as páginas até encontrar aquela que continha o registro do casamento. Pegou uma faquinha e cortou o papel fora.

— Não pode fazer isso. — Mary arquejou. — Destruir um registro é punido com a morte!

— Ah, mulher instruída. — Archer entregou a página para Rogan. — Sim, tem razão. Bateu o livro na mão fechada . — Mas este aqui é apenas o registro de minhas contas domésticas.

— Eu... eu não compreendo. — Mary virou-se e olhou para Rogan em busca de uma resposta.

Com um esforço imenso para recobrar a compostura e adoçar a ira que o fazia querer destroçar o homem, Rogan contou a Mary a verdade crua e nua.

— Parece que nosso sr. Archer aqui não é realmente um vigário.

— Então, nós... nunca nos casamos!

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Mary deveria estar feliz, exultante que ela e Rogan nunca tivessem se casado afinal. Contudo, não sentiu nenhuma dessas coisas.

Em vez disso, sentia-se oca. E as lágrimas surgiram em seus cílios.

— Eu... eu preciso me sentar.

Rogan ajudou-a a ir até uma cadeira de tábua perto da porta. Depois, virou-se para o pretenso vigário.

— Como aconteceu isso? Quem arquitetou essa confusão?

Agarrou o falso ministro pelo pescoço e jogou o homem contra a parede.

— Diga, agora!

Os olhos de Archer quase saltaram das órbitas, e um gemido abafado saiu por sua boca aberta.

— Rogan, não! — Mary gritou. — Por favor, deixe-o falar.

O duque retirou a mão como se tivesse se queimado.

Archer esfregou o pescoço e deslizou pela parede. Sentou-se no chão, de pernas abertas.

— Eu disse a Lotharian que isso era uma loucura. Mas ele tinha certeza de que iria funcionar. — O homem olhou pelo quarto e para Mary. — E, a julgar pelo queixo arranhado da dama, poderia estar com a razão.

Rogan avançou um passo.

— O que quer dizer? Explique-se melhor, Archer.

O duque era um homem impressionante, e, fumegando com uma ira mal controlada como estava agora, deixava apavorado o homem que tremia no chão.

— Eu devia um bom dinheiro a Lotharian. Não tinha como pagar. Então, quando ele se aproximou de mim na festa com um proposta que zeraria minhas contas, bem, eu não poderia recusar.

— Que proposta? — A expressão de Rogan era uma máscara de raiva.

— Ele precisava de alguém para fingir-se de vigário. Para realizar um falso casamento... se tudo saísse como planejado. Ele sabia que eu poderia fazer isso. Estudei para clérigo na juventude até... até que minha verdadeira natureza se expôs. Perdi alguns dízimos da paróquia... para minha fraqueza, o jogo.

Mary levantou-se e veio se postar ao lado de Rogan. Enfiou a mão em torno do punho fechado e acariciou-o, aliviando a tensão que o duque concentrava ali, até que ele relaxou os dedos e os entrelaçou aos dela.

— Por que Lotharian queria arranjar esse falso casamento? Que razão poderia ter?

— O senhor não deve conhecer bem Lotharian. Ele é um jogador de primeiro escalão. Pode ler uma pessoa tão bem que consegue prever suas ações em qualquer situação. E ele previu a sua, srta. Royle, assim como a do senhor, Vossa Graça.

— Qual foi a previsão? — A mão de Rogan fechou-se em torno da de Mary.

— Ele sabia que vocês usavam antolhos. Que estavam tão zangados que não poderiam imaginar a possibilidade de se enganarem na percepção que tinham um do outro. E que a antipatia apaixonada de cada um, mascarava verdadeiramente a própria paixão. Que eram feitos para ficarem juntos.

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Mary sentiu o calor subir para a face. Não conseguiu olhar para Rogan, embora ansiasse em saber se ele se sentia tal como ela.

Sim, Lotharian estava certo. Por mais safado que fosse, e evidentemente era, ele estava certo.

— Mas, por que o casamento? Pela avaliação de nossa natureza, segundo Lotharian, a srta. Royle e eu iríamos, em algum momento, nos dar conta dessa "assim-chamada" paixão.

— Eu não sei. O senhor deve fazer essa pergunta a ele. Tudo que sei é que o falso casamento não era tão importante como sua perseguição a mim pela grande estrada do Norte.

— Não compreendo. A perseguição fez com que soubemos que nunca estivemos casados — Mary retrucou.

— Não, o tempo que passaram juntos, sozinhos, unidos num propósito, foi o fato importante que Lotharian visualizou. Tempo suficiente para verem um ao outro claramente. Tempo para perceber que o amor não apenas seria possível, mas... inevitável.

Mary ouviu a respiração de Rogan sibilar na garganta. E ela não sabia o que dizer ou fazer. Poderia Lotharian estar certo?

Ambos permaneceram em silêncio por alguns momentos antes que Rogan seguisse para a porta, puxando Mary.

— Retornaremos a Londres. Agora.

A carruagem disparou pela estrada, levantando nuvens de terra.

Mary sentava-se dura e rígida no canto.

— Você não sabia também — murmurou, de repente. As palavras soaram como uma observação, mas Rogan pareceu ouvir uma pergunta.

— Pensei que fosse bastante evidente. Se você não tivesse impedido, eu poderia ter esmurrado Archer.

— Não foi culpa dele.

— Não, foi de Lotharian, e isso não ficará assim. — Rogan soltou um longo suspiro e depois se inclinou para fitar Mary dentro dos olhos. — Sinto muito por tudo isso.

— Você sente? — Ela o encarou de um jeito estranho. — Não há como culpá-lo pela situação.

— Nada disso teria acontecido se eu me controlasse. — Havia algo faiscando naquele olhar, e Mary sabia que Rogan tinha mais a dizer. — Se não tivesse tão envolvido com você aquela noite, e deixado o coração superar minha lógica, talvez eu estivesse disposto a fazer qualquer coisa para torná-la minha.

Mary ficou muda, a fitá-lo.

— Lotharian estava certo, pelo menos quanto a meus sentimentos por você. Eu nunca a odiei. Eu... a desejava. Desejei desde o momento em que a vi pela primeira vez... no jardim. Só não conseguia admitir para mim mesmo.

Ao ouvir aquelas palavras, o coração de Mary disparou dentro do peito.

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— Eu nunca o odiei também. Eu... — Ela não pôde admitir mais nada.

Na verdade, sabia que aquilo que acontecera na carruagem fora culpa sua. Seus desejos, suas paixões, seus sonhos ousados tinham ganhado vida por obra sua.

Mas era muito a confessar.

E assim, procurou amenizar a conversa.

— Contudo, eu realmente pensei que você fosse um libertino sem-vergonha.

Por um momento, os olhos de Rogan resplandeceram.

— E você não estava errada. — Então, seu olhar tornou-se sério outra vez. — Mas não sou mais esse homem.

Mary o avaliou por um instante.

— Não, acho que não.

— Então não há razão para não nos casarmos.

— Exceto um.

— Qual?

— Amor.

Quando Mary chegou a Berkeley Square naquela noite, suas irmãs não estavam em casa. Cansada e exaurida, aquilo lhe foi muito conveniente.

A sra. Polkshank serviu-a com um jantar frio na cama, em que Mary mal tocou, embora pouco tivesse se alimentado durante o dia inteiro.

Depois da refeição, Cherie lhe preparou um banho quente, e ela entrou na banheira com ar de bem-aventurança. Ao erguer a mão esquerda cheia de bolhas de sabão, viu a aliança de ouro que Rogan colocara em seu dedo.

Puxou o anel. Tinha de devolvê-lo pela manhã. Tentou torcê-lo, mas os dedos tinham inchado na água quente, e o anel não saía.

Uma tristeza brutal e primitiva a invadiu.

Poderia ter concordado em se casar com Rogan quando ele pedira isso na carruagem. Não precisaria pensar sobre o assunto.

Tudo que o duque tinha de dizer era que a amava.

Porém, ele não dissera.

A dor em seu coração transformou-se em algo torturante. Um soluço sufocou-a, e ela se permitiu chorar alto, sacudida pelo pranto.

Cherie entrou correndo no quarto, enrolou-a numa tolha e a levou para a cama.

Quando a criada apagou as velas, Mary curvou-se de lado, puxou a coberta até o queixo e enterrou a face no travesseiro.

Então, algo lhe ocorreu, e ela se sentou num salto.

Rogan não confessara seu amor por ela.

— E nem eu a ele.

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Quando Mary desceu as escadas, bem cedo na manhã seguinte, não tinha intenção de sentar-se e fazer o desjejum com as irmãs.

Tinha uma missão. Definitivamente, a mais importante de sua vida. Apesar disso, tinha de ir à sala de refeições. Precisava de um pouco de manteiga. A aliança teimosa ainda não saíra de seu dedo inchado.

Ela havia se arrumado com todo o capricho. Era importante que estivesse em seu melhor traje quando colocasse o anel de volta na mão de Rogan. Porque a verdadeira razão de procurar o duque não era para devolver a aliança, mas confessar seus sentimentos por ele.

Dizer que o amava.

Mary estremeceu só de pensar naquele momento. O que diria e faria se ele não respondesse da maneira que ela esperava?

E se ele apenas dissesse "obrigado", e nada mais?

De qualquer maneira, precisava devolver a aliança. Se tivesse sorte, e ele admitisse que a amava, então veria o anel em seu dedo em breve.

Se não... bem, a aliança nunca fora realmente sua, de qualquer maneira.

— Ah, aí está você! — Elizabeth exclamou, quando Mary entrou na sala de refeições. A irmã saltou da cadeira e correu para abraçá-la. — A sra. Polkshank nos contou que você voltou para casa a noite passada.

— E que você praticamente desmaiou de cansaço. — Anne tinha uma expressão preocupada.

Mary respirou fundo e soltou um longo suspiro. Esperava não ter de contar tudo às irmãs antes de ver Rogan, e explicar que o casamento fora uma farsa.

Tinha uma missão a cumprir primeiro, afinal, e sabia que qualquer menção não seria adequada, pelo menos para uma das irmãs em particular. Uma jovem visitar um homem solteiro, bem, era contra as regras de conduta, como Anne certamente a relembraria.

— Preciso contar algo. Algo... horrível — ela começou.

— Que o casamento foi uma armação de Lotharian? — Elizabeth a interrompeu.

— O-ora, sim! Como sabia?

— Lady Upperton nos contou tudo — Elizabeth admitiu. — Está furiosa com o lorde.

— Ela achou que havia reconhecido o vigário durante a cerimônia. E percebeu, tarde demais, que o conhecia da sala de carteado do Almack's — emendou Anne. — Quando apertou Lotharian quanto a isso, ele confessou o plano, embora ainda afirmasse que era a coisa certa a fazer.

— Disse que, se não agisse depressa... — Elizabeth calou-se, a olhar para o mordomo que se aproximava de Mary com uma bandeja cheia de correspondência e um jornal. — Como eu estava dizendo, caso ele não agisse depressa, você e o duque nunca se dariam conta de que pertenciam um ao outro.

— Vossa Graça — MacTavish chamou —, chegaram alguns cartões para a senhora.

— Por favor, coloque sobre a mesa. — Só então, Mary se deu conta da forma como o mordomo a tratara. — MacTavish, por que me chamou de 'Vossa Graça?

— Estava escutando nossa conversa, seu criado insolente? — Anne indagou, com os olhos apertados.

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— Não, senhorita. Aconteceu de eu ver a famigerada coluna de fofocas no jornal esta manhã. — Pegou o jornal e apontou uma coluna na primeira página. — Aqui está.

Elizabeth arrancou o jornal da mão dele e leu a manchete em letras garrafais: Srta. Royle desposa duque em cerimônia-surpresa. Ela olhou para Mary.

— Foi talvez... outra cerimônia-surpresa?

Mary meneou a cabeça devagar e depois desabou na cadeira mais próxima da mesa.

Anne correu e começou a dar-lhe tapinhas nas faces.

— Oh, não... Mary, Mary, seu nome estará arruinado assim que souberem que o casamento foi uma farsa. Nossos nomes serão arruinados também. Ninguém vai querer alguma relação com a família Royle!

Naquele exato momento, ouviu-se uma batida forte à porta da frente.

As irmãs trocaram olhares preocupados. Ao ver o mordomo desaparecer pelo corredor, uma delas gritou:

— Não atenda!

— Tarde demais — veio a voz profunda de Rogan da soleira da porta.

Mary o encarou, incrédula.

— Rogan!

— Podemos conversar em particular? — Ele tinha na mão um jornal.

Ela apoiou-se na mesa e se levantou.

— Podemos falar na sala. — Relanceou os olhos para os olhos calorosos do duque ao passar, fazendo um gesto para que ele a seguisse. — Por aqui, por favor.

Rogan tamborilava os dedos no jornal dobrado, que equilibrara no joelho.

— Mary, não sei como alguém soube da cerimônia nos saIões de Argyle. Mas não há nada que possamos fazer quanto a coluna agora. A essas alturas, todo mundo já leu sobre nosso casamento.

— Poderíamos fazer uma retificação.

— Que somente traria mais interesse e curiosidade quanto à nossa situação. — Inclinou-se e tomou a mão de Mary. — Não, receio que não tenhamos outra maneira de evitar a desonra de nossos nomes de família: precisamos nos casar.

— Perdão...

— Sinto muito, mas precisamos, e devemos fazer isso depressa e sem alarde.

Os olhos de Mary estavam tão redondos e dourados como o sol, ao encará-lo. Ela concordou, hesitante.

— Se não... há nada mais a fazer...

De repente, o coração de Rogan pesou em seu peito. Esperava que ela se sentisse mais feliz com a perspectiva de compartilharem suas vidas.

— Não há — ele finalmente retrucou.

— Muito bem. — Os olhos de Mary reluziram com as lagrimas represadas.

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Será que seu pedido era tão terrível assim que a fazia chorar? Rogan engoliu em seco e levantou-se depressa.

— Passarei instruções a meu advogado para ir até a Corte Eclesiástica e conseguir outra Licença Especial no instante em que o escritório do arcebispo abrir na manhã de segunda-feira. Nesse ínterim, encontrarei um clérigo. Tem alguma preferência?

— Qualquer um — disse Mary, com um sorriso sem graça —, menos o sr. Archer. — Então, como se algo brotasse em sua mente, puxou a aliança, tentando desesperadamente arrancá-la do dedo. — Não quer sair. Sinto muito, Rogan, eu tentei, mas meu dedo está inchado. Parece que a aliança quer ficar aqui para sempre.

— E assim será — ele murmurou, com doçura. — Mandarei a carruagem às três da tarde, é tempo suficiente para você?

— Tempo para quê? — ela indagou, ao acompanhá-lo pelo corredor.

— Ora, para fazer as malas.

— Por que eu faria isso? — Arregalou os olhos.

— Até que nos casemos de verdade, temos de resguardar as aparências e darmos a impressão de que somos marido e mulher. — Então, para que não houvesse mal-entendidos, Rogan resolveu ser mais franco. — Mary, você tem de mudar-se para minha casa. Para o meu quarto.

— S-seu quarto — ela gaguejou. — Não está falando sério?

— Os criados comentam, e já que não sabemos a fonte da informação da coluna, não podemos nos arriscar.

Mary ficou a encará-lo com olhos vagos.

— Então, às três da tarde?

— S-sim. — Ela esfregou os dedos nas têmporas. — Estarei pronta.

Um sol ardido caía sobre Londres, levando multidões ao Hyde Park para aproveitar a brisa das árvores. Em qualquer outro dia, às três horas, seria lá que Mary estaria.

Não naquele dia, porém.

Diante da janela da sala, a se abanar incessantemente, ela esperava a carruagem de Rogan que a levaria, e a seus poucos pertences, para a Portman Square.

Cherie afofou um travesseiro e o colocou atrás das costas de tia Prudence, depois de tirar o cálice vazio das mãos da velha senhora. Ia sair da sala, mas pareceu mudar de idéia. Aproximou-se de Mary e apertou-lhe a mão. Tinha os olhos vermelhos.

— Não fique triste, Cherie. Nós nos veremos bastante, eu prometo. — Mary colocou o leque no colo e afagou a mão da criada.

Cherie sacudiu a cabeça. Apontou o peito.

— Eu não compreendo. O que está tentando me dizer?

A criada saiu correndo da sala e voltou pouco depois, trazendo um pedaço de papel com algo escrito. Mary o ergueu até a luz da janela.

Lorde Lotharian me mandou para observá-la.

O que era aquilo? Mary voltou o olhar para a criada.

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— Você foi mandada aqui para me espionar... e espionar minhas irmãs, por lorde Lotharian?

— Eu disse que ela era uma espia. A sra. Polkshank entrou na sala e colocou uma bandeja de chá sobre a mesa ao lado de tia Prudence. — Pergunte se ela é francesa. Aposto que é.

— Sra. Polkshank, por favor, chame minhas irmãs — Mary ordenou. — Eu gostaria de conversar com Cherie em particular, se não se importa.

— Sim, senhorita. — A cozinheira saiu pelo corredor, olhando por sobre o ombro.

De repente, Mary se deu conta de que vira Cherie antes.

— Deus! Você serviu o chá naquele dia em que minhas irmãs e eu visitamos o Clube dos Velhos Libertinos.

A criada concordou com a cabeça, e baixou o olhar para o chão.

— E vem dando informações a lorde Lotharian durante todo esse tempo?

A criada negou enfaticamente. Ergueu um dedo no ar.

— Uma vez. Passou informação a ele uma vez. — Mary fitou-a, pensativa. — Uma vez. O que lhe disse?

Cherie estendeu a mão e tocou a aliança. Depois, apontou p a r a o coração de Mary.

— Você disse... que eu amava o duque? — Não era realmente uma pergunta. Podia ver a resposta no rosto de Cherie.

Foi assim que Lotharian soubera de seus sentimentos. Provavelmente era essa a maneira com que descobria a verdadeira natureza das pessoas tão bem. O homem era um jogador, e bom, aparentemente. Sabia que, para ganhar, era preciso deixar pouca chance para o acaso.

A criada de repente ficou imóvel, como se ouvisse alguma coisa.

E então, Mary ouviu também. Focou a atenção para o corredor. Uma de suas irmãs devia estar descendo a escada.

Voltou-se de novo para Cherie.

— E foi tudo o que você contou a ele.

Cherie fez um gesto afirmativo com a cabeça.

— Quer ficar aqui, com minhas irmãs.

Novamente, a criada concordou.

— Então, isso ficará entre nós. E você deve me prometer não contar a ninguém o que se passa nesta casa. Entende?

Cherie sorriu, e depois saiu apressada da sala.

Foi então que Mary notou que tia Prudence a fitava por entre os olhos semicerrados.

— Tia Prudence, estava me ouvindo?

— Ficaria surpresa do quanto eu escuto quando os outros pensam que estou dormindo. — A velha sorriu maliciosamente. — Mas não se aflija, minha querida. Tenho a tendência de esquecer seja qual for o segredo que descobri antes de pestanejar de novo. Portanto, continue.

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No momento em que Elizabeth entrou na sala, tia Prudence fechou as pálpebras, mas o sorriso demorou-se em seus lábios.

Elizabeth carregava uma valise com os objetos de toalete de Mary, e colocou-a ao lado do baú solitário que a irmã levaria para a casa do pretenso marido.

— Não posso acreditar que você está nos deixando. — Ela tomou-lhe a mão. — Como faremos sem você.

Mary obrigou-se a dar uma risadinha.

— Querida, vocês não ficarão sem mim. Podemos nos ver todo dia, se quiser.

— Prometa que virá. Acho que Anne vai jogar cada centavo fora, da despesa da casa, em um mês. Dois, no máximo.

A risada de Mary foi verdadeira, dessa vez.

— A sra. Polkshank é muito econômica, e duvido muito que você precise se preocupar.

— Quando é o casamento? Soube de mais alguma coisa?

— Não, e não creio que saberei até que a licença esteja assegurada. — Mary apertou a mão de Elizabeth. — Mas prometo, irmã, você será a primeira a saber. — Recostou-se na cadeira e fechou os olhos quando uma brisa suave soprou pela janela. — Se eu estivesse em casa esta noite, juro que dormiria no pátio para sentir o ar fresco noturno.

— Em vez disso, estará dormindo com um duque — Anne disse, da porta.

As pálpebras de Mary se abriram no mesmo instante, e ela se sentou.

— Não há nada que eu possa fazer a respeito, Anne. Iria querer que eu ficasse aqui e arriscasse que alguma notícia se espalhasse, de que eu e Blackstone nunca fomos legalmente casados?

— Não. Sei que você estava pensando em mim e em Elizabeth quando concordou com a solução do duque. — Anne baixou os olhos. — Espero que me perdoe. Mas não consigo deixar de me preocupar que você não esteja mais aqui.

— Oh, Anne. Isso tinha de acontecer algum dia. Apenas as circunstâncias exigem que seja hoje.

O espocar de patas de cavalo ecoou pela rua quando a carruagem reluzente de Blackstone entrou na Berkeley Square e parou diante da mansão das irmãs Royle.

Mary olhou pela janela e, com um suspiro, levantou-se. Seu estômago se revirou em nós apertados quando ela avistou Rogan e um lacaio subirem os degraus da casa. A aldrava da porta soou, deixando-a em pânico. Passou depressa pelas Irmãs, rumo à porta.

Abriu-a para o duque e o lacaio, em seguida se virou para as irmãs e abraçou-as com força.

— Todo dia. Lembrem-se, podemos nos ver todos os dias.

— E precisamos, pois temos de localizar lady Jersey ainda — Elizabeth retrucou, como se aquilo pudesse ser uma isca para atraí-la de volta à casa. — Temos de confrontá-la a respeito do xale de cashmere.

— Lady Jersey? — Rogan indagou.

Um calor subiu pelas faces de Mary quando seu olhar encontrou o dele.

— Eu já falei, isso não quer dizer nada.

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— Quer sim! — Elizabeth contestou. — O xale de cashmere que Lotharian mostrou na sala turca pertencia a lady Jersey. Temos certeza, pois ela o estava usando no retrato pendurado na galeria Harrington.

Rogan pestanejou de surpresa.

— Lembro-me dessa pintura. Devo admitir, esse seu mistério, Mary, é bastante intrigante. — A voz não tinha traço de zombaria. — Tem certeza de que o xale que possui é o mesmo?

Ela respirou fundo. Não queria discutir o assunto com Rogan, com ninguém, naquele momento.

— Creio que sim.

— É. — A convicção de Anne era evidente, e Mary gostaria de compartilhar dessa certeza inflexível. — Não precisa mais esconder nada de Blackstone. Ele vai ser seu marido.

Rogan abriu um sorriso feliz para Anne.

— Obrigado, cunhada. — Baixou a voz para um tom confidencial. — Mas lembre-se, pelo bem de todos nós — apontou o lacaio que carregava o baú de Mary pelo corredor —, que já somos casados.

Quando a carruagem chegou a Portman Square poucos minutos depois, Mary avistou Quinn, pela janela da cabine, a descer manquitolando os degraus da frente da casa até uma carruagem que o esperava.

Um lacaio de libré carregava uma pesada valise e entregou-a ao cocheiro na boleia.

Mary virou-se no assento e olhou para Rogan.

— Para onde ele está indo?

Rogan espiou pela janela quando a carruagem parou em frente à casa. Não respondeu, mas abriu a porta e saltou para a calçada.

— Que diabos é isso, Quinn? — Mary ouviu-o gritar, quando tomou a mão do lacaio e desceu do veículo.

Quinn apoiou na bengala e pousou a outra mão no ombro de Rogan.

— Vou para o campo. Ficarei lá por uns poucos dias para deixar que você... e a duquesa... tenham tempo de se acomodar.

— Não precisa ir embora — Rogan disse, sem muita convicção, no entender de Mary.

— Ah, preciso, sim. É hora de explorar minha nova propriedade, inspecionar as terras... ver o que precisa ser feito para tornar a casa mais adequada a uma... família.

— Está dizendo que você e... lady Tidwell... — Rogan arqueou uma sobrancelha.

— Ainda não. Mas sinto que será logo. É melhor estar preparado, não?

Quinn tirou a mão do ombro de Rogan e dirigiu-se a Mary.

— Irmã...

Ele fez uma mesura, e depois a beijou de leve na face. Mary retribuiu da mesma forma.

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— Você sabe que não estamos casados ainda — ela murmurou, ao ouvido de Quinn.

— Rogan me explicou tudo esta manhã — ele respondeu, baixinho. — Sinto muito pelo anúncio no jornal.

— Não importa. Amo seu irmão e quem sabe ele me ame algum dia também.

Mary não sabia o que lhe dera na cabeça, ou por que precisava admitir seus sentimentos por Rogan para alguém, mas não conseguiu evitar.

Os olhos de Quinn faiscaram, e ele virou-se para olhar o irmão, com um sorriso largo.

— O que os dois estão aprontando? — Rogan pestanejou, constrangido.

O estômago de Mary se contraiu, e não relaxou até que Quinn sorriu e acenou com a bengala para Rogan, ao se apoiar e subir na carruagem.

— Eu o verei quarta-feira pela manhã — Quinn disse para o irmão.

Então, o cocheiro fechou a porta, e Mary ficou a ver a carruagem se afastar até sumir de vista.

Rogan franziu as sobrancelhas.

— Podemos entrar, minha querida?

Um sorriso brincou nos lábios de Mary quando ela tomou-lhe o braço e subiu os degraus do limiar da porta.

O lacaio passou e abriu a porta.

Rogan parou e relanceou os olhos para Mary com um ar malicioso. Então, abaixou-se e ergueu-a no colo. Deu um passo para dentro.

— Bem-vinda a seu novo lar, minha duquesa.

Capítulo X

O dia passou bem mais depressa do que Mary poderia imaginar. Sentada diante de uma mesa ao lado de uma das janelas do quarto, ela olhou para o pôr-do-sol multicolorido acima das residências de Portman Square.

Cada aposento da casa era elegantemente equipado com tecidos de um rico padrão e obras-primas incomuns. E inúmeras peças de mobília de tamanho enorme, que Rogan apressou-se em explicar terem sido feitas sob encomenda para acomodar sua altura fora do padrão.

Mary olhou para a cama imensa entre as janelas. Era construída solidamente, tal como o próprio Rogan. E, para seu horror, ela se viu imaginando o duque a erguê-la nos braços, completamente nu, os músculos duros e rijos ao carregá-la para a cama, a fitá-la com um jeito malicioso, devasso no olhar.

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Quanto faltaria até a noite de núpcias?

Mary sorriu com tal pensamento. Abriu a valise que Elizabeth arrumara e tirou os frascos, grampos e potes, e os distribuiu pela penteadeira. Soltou o nó do lenço e enxugou as gotas de suor da testa.

— Está bastante quente aqui dentro, não?

Mary virou-se e se deparou com Rogan de pé na soleira da porta, a observá-la.

— Se terminou, por que não se junta a mim para um refresco no pátio? Há uma brisa soprando no gramado do jardim.

— Parece adorável. — Mary sorriu para ele. — Irei num instante.

Quando ouviu os passos de Rogan descendo a escada, ela ergueu o espelho de mão da penteadeira e olhou para o reflexo.

Droga! Bem que receava. Suas faces estavam tão vermelhas como o sol poente.

Olhou pela janela e viu que o céu já escurecia. As fachadas das casas assumiam um tênue tom de cinza, mas as alamedas estavam escuras como tinta.

Suspirou de alívio. Pelo menos, na penumbra crescente, seu rubor não seria tão óbvio. Passou os dedos pelo rosto. Ou assim ela esperava.

Quando Mary desceu as escadas, a casa, que a tarde toda fervilhara com criadas apressadas e lacaios ocupados, parecia quase deserta.

E conforme percorria o corredor em sombras, ela espiou dentro de cada aposento por que passava. Mas não havia ninguém. A casa estava toda escura. Nem uma única vela iluminava o caminho até as janelas francesas que levavam ao jardim.

— Rogan? — chamou, nervosa. Girou a maçaneta e saiu para o pátio.

Grilos cricrilavam pela noite, e o ar cheirava a lilases e rosas. Mas o duque não estava lá fora.

— Por favor, Rogan, responda. Está aí?

— Aqui, minha querida.

Mary girou na direção do som daquela voz profunda. Apertou os olhos para enxergar.

Um único foco de luz tremeluzia a alguma distância. Um farol na escuridão.

Ela desceu uma trilha coberta de cascas de ostras esmagadas para o interior do jardim verdejante, aproximando-se da luz.

Ele estava perto agora, do outro lado de uma enorme nogueira.

Mary afastou-se da trilha e as gavinhas da hera enroscaram-se em torno de seus tornozelos.

— Rogan? — Ela se apoiou no tronco rústico e olhou em volta da árvore. Mas a luz de repente sumira.

A lua começava a nascer, e raios de um azul suave se infiltravam pelos ramos da nogueira. Logo adiante, ela viu algo de relance, algo que se movia numa pequena clareira.

— Rogan, é você?

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Ela se apressou a chegar até o retalho de grama que vira e, quando se aproximou, parou e conteve o fôlego.

Onde estava ele?

Mãos enormes e fortes de súbito pousaram em seus ombros, vindas de trás, e ela suspirou de prazer.

— Ah, eis minha deusa — ele murmurou. — Minha estátua de jardim.

Aquela boca aproximou-se, úmida, de sua orelha, a respiração quente roçou a pele de seu pescoço.

— Será que o luar dará vida à minha estátua como fez antes?

— Rogan.

Mary fechou os olhos e aconchegou-se contra o duque, desfrutando daquela proximidade.

— Talvez um beijo possa acordá-la. Tentarei.

Ele virou-a para que o encarasse. E, lentamente, desceu as mãos até segurá-la pela cintura e puxá-la contra o peito.

— Não, não podemos... os criados. — Mary empurrou-o pelos ombros. — Não devemos...

— Eles foram embora, por essa noite. — Rogan sorriu. — Todos eles.

Ela soltou um gemido, só porque uma moça solteira deveria agir assim, mas o protesto vazio foi abafado quando os lábios de Rogan fecharam-se sobre sua boca.

Ela o desejava. Demais. Arqueou o corpo contra o dele e entregou-se àquele beijo doce.

Rogan afastou-se por milímetros, e murmurou:

— Preciso de você, Mary. Preciso de você em minha vida. Só sinto não ter percebido antes...

— Antes de nos casarmos cerimoniosamente? — Ela inclinou a cabeça e sorriu, e beijou-o de leve enquanto deslizava os dedos de um modo sensual pelos músculos firmes do peito de Rogan.

Deus do céu, ela não deveria fazer isso. Beijá-lo, tocá-lo como fazia, iria colocá-la num caminho sem volta.

Mas naquela noite, naquele instante, não se importava.

Rogan ia ser seu marido.

Desta vez, ele seria, com certeza. Não havia como questionar.

E, assim, Mary se entregou às paixões que reprimira por tanto tempo. Voluntariamente. Ansiosamente.

Com dedos trêmulos, ela pegou a beirada da camisa e abriu-a, colocando as palmas sobre a pele macia.

Rogan estremeceu de prazer ao contato, e puxou-a com força contra o corpo.

Ela o mordiscou na longa coluna do pescoço, provou o gosto salgado ao beijar a veia que latejava. Mas as mãos, os braços, ainda ansiavam pelo contato daquele corpo.

Queria mais. Queria Rogan por inteiro.

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Abruptamente, ela recuou, e ergueu-lhe a camisa. E um lampejo primitivo despontou, excitado, nos olhos de Rogan, que deixou cair os braços, permitindo que ela tirasse da camisa de seus ombros e a arrancasse de seu corpo.

Ele olhou com avidez para o vestido leve que ela usava, e a respiração de Mary tornou-se mais rápida.

Uma brisa mais forte soprou-lhe os cabelos soltos, colando o tecido contra o corpo esguio, e o ar mais frio retesou-lhe os mamilos.

Os olhos de Rogan se concentraram no mesmo instante nos dois botões duros que se ressaltavam contra o tecido. E seus dedos traçaram a curva de um dos seios, para depois empalmá-lo por completo. Então, ele roçou o polegar contra o mamilo ereto.

Mary arquejou com a carícia ousada, e seus próprios pensamentos atrevidos levaram sua excitação ao auge. Ergueu a cabeça e o encarou, incapaz de falar.

— Preciso de você também — disse, por fim, num murmúrio.

Rogan segurou-a pela curva da cintura e, com a outra mão, tirou-lhe o vestido dos ombros. Depois, a combinação, puxando as peças até a cintura.

Instintivamente, Mary cruzou os braços sobre os seios, para cobri-los.

Rogan acariciou-lhe a face e fitou-a profundamente.

— Não precisa ter medo de mim. — Seus dedos escorregaram pelo pescoço, e depois mais para baixo, até que afastaram os braços de Mary suavemente, roçando a pele macia dos seios.

Ela fechou os olhos com a sensação.

— Não tenho medo. — As palavras mal passavam de um sussurro. — Eu o quero.

A respiração de Rogan sibilou num gemido ao ouvir aquelas palavras.

— Oh, Mary... — O nome dela, envolto naquela respiração ardente, banhou-lhe o pescoço. E os lábios molhados seguiram o mesmo caminho, a deslizar pela pele eriçada.

Mary inclinou a cabeça para trás, e seus cabelos caíram soltos dos grampos, fazendo os cachos despencarem em cascata por suas costas. A mão de Rogan, que a segurava com firmeza pela cintura, subiu e firmou-se na curva da nuca. Ele ergueu sua face e beijou-a com volúpia.

Ao mover sua boca sobre a dela, Rogan afastou a mão do seio e, de repente, inclinou-se e agarrou-a por trás dos joelhos, erguendo Mary nos braços antes de depositá-la suavemente sobre a grama.

Debruçou-se sobre a amada, percorrendo o corpo com os olhos chamejantes.

Mary gemia agora de desejo. Estendeu a mão suplicante para ele.

Quando o duque se ajoelhou, ela o enlaçou pelo pescoço e puxou-o. Colou seus lábios aos de Rogan, a língua a se insinuar em sua boca.

Mary arqueara-se, puxara-o com ambas as mãos, excitando-o ainda mais. Sua atitude, seu desejo por ele, sua paixão não eram mais uma dúvida. Queria-o tão loucamente como ele a desejava.

E naquele instante.

Rogan rolou para o lado e, ao devorar-lhe a boca, ergueu a barra do vestido e da combinação, e empurrou-as acima da cintura, desnudando-a.

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Mary suspirou, e separou as pernas quando Rogan deslizou a mão lentamente pelas coxas sedosas, cada vez mais alto até que sentiu a quentura úmida de sua intimidade sob a palma. Ao tatear o ninho felpudo que encontrara, comprimiu o monte com a mão.

Mary sentiu um calor úmido requeimar-lhe o vão entre as pernas, quando ele começou a massagear o pequenino botão que havia ali.

Então, ela arregalou os olhos e ficou tensa. Agarrou-o com força pelo punho, tentando afastar-lhe a mão.

— Rogan, eu o quero! Não quero esperar!

Ele apoiou-se nos cotovelos e beijou-a no umbigo. Mas Mary o enlaçou pelo pescoço e o puxou, fazendo com que escorregasse os lábios pelas costelas. Mais alto ainda, para sugar-lhe os seios. E, depois, trouxe-o até a altura da boca.

Ele apoiou a mão na grama e, com a outra, posicionou o membro ereto entre as dobras úmidas. Acariciou-a com a ponta firme, então, ergueu-lhe as nádegas e deslizou lentamente para dentro.

Mary retesou-se, e arregalou os olhos quando seu corpo envolveu a lança firme por inteiro.

Rogan parou, sentindo os músculos se contraírem em torno de seu membro conforme mergulhava mais fundo. Então, ele fechou os olhos, tomado de um anseio indescritível de possuí-la, de tomá-la depressa.

Com mais força. Mais depressa. Mais fundo.

Num gesto que o surpreendeu, Mary ergueu o joelho e enganchou a perna em torno de suas costas. E firmou a perna esquerda, fazendo-o enterrar-se ainda mais.

Apoiado nas mãos, ele investiu para dentro daquele calor chamejante. E gritinhos de prazer saíam dos lábios de Mary conforme ele a invadia com mais intensidade.

Então, ela gritou seu nome, e o corpo de Rogan foi sacudido por uma convulsão. Chegara ao clímax.

Beijou-a, e apoiou a cabeça na curva do pescoço de Mary. Pensou tê-la ouvido dizer algo... mas não, não poderia ser.

Seria esperar demais.

— Eu te amo, Rogan.

Na manhã seguinte, Mary acordou e se viu sozinha naquela cama gigantesca. Ou, melhor, a casa de seu futuro marido. Sorriu em sua bem-aventurança.

Talvez algum dia usassem realmente uma cama para algo mais do que dormir. Mas, até lá, haveria sempre um jardim, carruagens... Ela soltou um sorriso de felicidade.

De qualquer forma, estavam mais do que casados, afinal de contas.

Ora, tinha havido uma cerimônia, ilegal, é fato, mais com a presença da família e dos amigos. E ela já tinha até a aliança.

Olhou para a mão. Não estava lá. Maldição!

Um tremor a percorreu, e ela saltou da cama e arrancou os lençóis e as cobertas.

Sacudiu os travesseiros e os jogou no chão enquanto procurava pelo colchão.

Oh, Deus, não conseguia encontrá-la em lugar algum! Como poderia ter saído de seu dedo? Ela estava com a aliança já fazia dois dias e não tivera como retirá-la!

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Por que agora, quando iria precisar dela a qualquer momento?

Então, a idéia lhe ocorreu. O jardim! Devia ter caído na grama na noite passada.

Vestida apenas com a combinação, desceu as escadas correndo, seguiu pelo corredor e saiu para o pátio reluzente.

— Bom dia, querida. — Rogan estava sentado ao lado de outro cavalheiro diante de uma pilha de papéis. — Este é o sr. Lawson, meu advogado.

De súbito, consciente de seu estado quase desnudo, Mary cruzou os braços no peito, inclinou a cabeça e esboçou um sorriso constrangido para o advogado.

— Bom dia.

Então, deslizou os pés descalços para trás, recuando até as portas francesas. Quando o calcanhar tocou o limiar da soleira, ela estendeu a mão e tateou até encontrar a maçaneta.

— Mary, quer alguma coisa? — Rogan indagou.

Ela comprimiu a maçaneta e a porta se abriu às suas costas.

— Não, não. Não era nada, na verdade. Eu só... queria saber se você estava em casa, nada mais. — Ia passar pela porta quando ouviu a voz grave de Rogan.

— Mary...

Ela recuou para dentro e espiou pelo vão da porta.

— Sim?

Rogan tinha um sorriso divertido no rosto.

— Recebi uma resposta do cura da paróquia de Marylebone. O casamento será lá, no fim da noite de quarta-feira. Está de acordo?

— No fim da quarta-feira? — Aturdida, ela saiu de trás da proteção da porta.

— Sim. Melhor não alertar os vizinhos que os recém-casados vão se casar de novo.

— Oh, está certo. Quarta-feira serve perfeitamente. — Então, sem mais palavras, ela correu para dentro e irrompeu pelo quarto, para se vestir.

Revirou os frascos de cristal com perfumes e estojos de pó-de-arroz sobre a mesa. Procurou pelas costuras do vestido que usava na noite anterior.

Nada.

Pelo menos o casamento não seria no dia seguinte. Ela tinha até quarta-feira à noite para encontrar a aliança.

Mary vestiu-se depressa, mas sua aflição com relação ao anel a obrigou a andar de um lado para outro pelo quarto. Finalmente, resolveu que já se demorara demais para terminar a toalete. Não havia sentido andar pela casa como um animal enjaulado. A aliança não seria encontrada no quarto.

Rogan e o advogado poderiam ter saído do pátio no momento, deixando o caminho livre para que ela fizesse uma busca adequada no jardim.

Assim pensando, fez meia-volta, saiu depressa do quarto, e desceu as escadas na ponta dos pés.

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Julgava que poderia admitir ter perdido a aliança, mas Rogan fora tão terno ao afirmar que o anel não sairia porque queria ficar no dedo dela para sempre...

Não, se ela não conseguisse localizá-lo, teria de comprar outro. Não poderia ser difícil de encontrar outra aliança. Qualquer joalheiro na Bond Street teria uma, não teria?

Então, de repente, acendeu-se uma luzinha em seu cérebro.

Todos presumem que eu seja uma mulher casada.

Se a aliança não estivesse em seu dedo, ela não poderia sair daquela casa! Se saísse, e percebessem a falta do anel, poderiam surgir boatos e a verdade da tramóia de Lotharian poderia vir à tona.

Todos os planos de se casarem secretamente iriam por água abaixo! Não serviriam de nada.

Não, não, não. Ela precisava da ajuda das irmãs para encontrar o anel agora mesmo. Tinha de mandar um bilhete para elas e pedir que a visitassem assim que pudessem.

Mary correu pelas escadas e percorreu a metade do corredor quando ouviu a voz profunda de Rogan vinda do pátio.

Ela entrou no escritório em busca de algum papel e tinta para escrever o bilhete. Perto da janela, havia uma enorme escrivaninha de mogno com puxadores feito em cabeça de leão.

Puxou a alça da gaveta da frente e a abriu. Dentro, havia vários documentos, cartas e... ah, finalmente, uma folha de papel.

Sentou-se para escrever o bilhete.

— Oh, perdição! — Mary olhou para o papel. Não notara que o lado de trás já estava usado.

Ao se levantar, ia devolver a folha à gaveta quando notou seu nome escrito num texto. Aproximou-se da janela e ergueu o papel para a luz do sol.

Moça do campo conquista o coração do duque

Casamento entre os Royle e os Blackstone

As palavras estavam riscadas. Evidente não fora a escolha vencedora. Mas seus olhos caíram sobre aquilo que estava escrito embaixo e sublinhado três vezes:

Srta. Royle desposa duque em casamento de surpresa

Assim que Mary leu a frase, reconheceu-a como a nota da coluna que lera no jornal — a coluna que obrigara a outro casamento, uma união legal. E ela foi tomada por uma ira cega.

Rogan havia escrito a nota e a enviara para ser colocada em destaque no jornal. Ele fizera isso!

Mary socou o papel contra a mesa. Mas, por quê? Por que ele faria uma coisa dessas?

Ora! Importava?

Não, de forma alguma. Rogan a manipulara. Outra vez.

Nada era Sagrado para aquele devasso. Tudo não passava de um jogo de xadrez.

Ela virou-se e saiu correndo para o quarto. Pegou o livro do pai. Tudo o mais ela deixou para trás, ao sair como louca da casa, batendo a porta atrás de si.

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Não se importava com o que a sociedade pudesse dizer a seu respeito, ou dele, ou da farsa do casamento. Naquele momento, nada tinha importância.

Tudo que Mary sabia é que nunca voltaria. Que sorte que perdera a aliança. Se não tivesse perdido, poderia nunca saber o que Rogan fizera, sem qualquer respeito por ela e pelas irmãs.

A balançar os braços, furiosa, enquanto andava, ela atravessou a praça na direção da Oxford Street, a caminho de sua casa, em Berkeley Square.

Depois que o sr Lawson deixou o pátio, Rogan demorou-se ali um pouco mais. Tudo naquele dia parecia mais doce, o ar, o sol... sua vida.

Com um sorriso a lhe curvar os lábios, ele caminhou pela trilha de cascalhos de ostras até o jardim, o rosto erguido para o sol cálido.

Percorreu o caminho que estalava a seus pés, passou pelas heras e pela nogueira até que chegou à clareira.

Meneou a cabeça, contente. Aquele era o lugar. O próprio local onde Mary confessara seu amor por ele. E seria o local onde ele faria o mesmo, diante de Deus e da família.

Aquele era o local onde se casariam.

Só então percebeu que algo lhe atraíra o olhar. Algo reluzente e faiscante entre as folhas brilhantes de grama. Rogan ajoelhou-se e pegou o círculo dourado. A aliança de Mary.

Deveria ter escorregado de seu dedo na noite passada enquanto eles... faziam amor.

Rogan levantou-se e limpou a aliança no casaco, polindo-a. Então, uma idéia lhe ocorreu. Quando Mary correra para o pátio, meio despida, a expressão abalada, certamente havia sido porque acabara de se dar conta de que a aliança tinha saído de seu dedo.

Ele sorriu. Era bem provável que ela tivesse derrubado o quarto a essas alturas, procurando o anel. Rogan fez meia-volta e rumou para a casa.

O quarto estava em desordem, como ele previra. Travesseiros, lençóis e a coberta estavam espalhados pelo chão. Mesmo o colchão fora virado no estrado. Ele riu, imaginando o jeito que deveria estar Mary, em pânico, a revirar tudo.

Julgou que ela deveria estar vasculhando os outros aposentos. Ele desceu as escadas, mas não a encontrou na sala.

Nem na biblioteca, nem na copa, nem na sala de jantar.

Ele seguiu pelo corredor até o escritório e enfiou a cabeça pelo vão da porta.

— Mary, você está aí?

Ia se afastar, quando pelo canto do olho, viu algo fora de lugar. Entrou no aposento e foi até a mesa. Pegou a folha de papel que estava o tinteiro e uma pena.

No mesmo instante percebeu que a letra era de Quinn. Ergueu o papel e começou a ler.

Mal podia crer, ao se dar conta do que tinha na mão.

E o que Mary encontrara.

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— Maldição!

— Mary está magoada. Não me receberá, não receberá meus cartões ou meus recados. — Rogan tirou os olhos do chapéu e encarou o rosto redondo de lady Upperton. — Preciso de sua ajuda. Ela a escutará.

— Meu caro rapaz, ela o escutará também — disse a velha senhora. — Você só precisa lhe mostrar uma razão.

— Que mais razão existe do que eu amar Mary e querer passar minha vida com ela?

— Quer mesmo, Blackstone?

— Quero.

— Disse isso a Mary?

— Não... não especificamente. — Rogan virou o chapéu nas mãos e pensou na pergunta. — Mary sabe como me sinto em relação a ela. Tenho certeza disso.

Lady Upperton bufou.

— Nunca subestime o poder das palavras, Blackstone. As vezes quando mais precisamos ouvi-las, as palavras podem ser mais fortes que os atos.

Rogan ponderou sobre o que lady Upperton dissera. E era verdade. Quando Mary havia dito: "Eu te amo" em seu ouvido, seu coração transbordara de felicidade.

Ele não sabia o quanto precisava ouvir essas três palavras tão simples. Mas parecia que havia esperado a vida inteira para ouvir aquele singelo: "Eu te amo".

— Falarei com Lotharian. Iremos ajudá-lo, Blackstone. — A mulher ergueu a mão antes que Rogan pudesse argumentar contra a prudência daquela sugestão. — Ora, ora, não interrompa. Lotharian precisa redimir-se. Ele quer ver você e Mary juntos, quase tanto quanto você mesmo.

A mulherzinha escorregou até a ponta do sofá e puxou uma alavanca. Um banquinho saiu do assento.

— Você disse que o cura está disponível para oficiar o casamento na quarta-feira, correto?

— Realmente. Às dez da noite.

Lady Upperton apoiou-se no banquinho e depois no chão. Rogan segurou-a pelo cotovelo, enquanto a senhora o acompanhava até o saguão de entrada.

— Não mude seus planos — ela lhe disse, ao chegarem à porta que um lacaio abriu.

— Mas como irá...

— Não, não, chega de conversa por ora. — Ela lhe deu um tapinha no braço. — Espere por minha mensagem pela manhã. Vai haver um casamento. — Os lábios pintados de vermelho-sangue se curvaram. — Você verá. Confie na pureza do coração de Mary. Ela não o decepcionará.

Era quarta-feira.

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E, naquela noite, Mary deveria ter se tornado a duquesa de Blackstone.

Em vez disso, ela e as irmãs permaneciam dentro da casa, cortinas corridas, a aldrava retirada da porta da frente como se não estivessem em casa.

Mary ouviu a porta se abrir, levantou-se do banco sob a janela na sala de visitas, e foi encontrar as irmãs que haviam ido até Portman Square recolher seus pertences deixados na casa de Rogan.

Só que tinham voltado rápido demais.

Quando ela entrou no saguão, viu que Elizabeth e Anne não estavam sozinhas.

A bengala de Quinn estalou no chão de mármore conforme ele seguiu em sua direção, de mão estendida.

— Senhorita Royle — ele disse, a voz um pouco trêmula. — Precisamos conversar. Por favor.

O olhar de Mary desviou-se para Anne.

— Tínhamos acabado de chegar quando a carruagem de lorde Wetherly parou diante da casa. Ele vinha da casa de campo para ajudar o irmão a preparar o casamento.

— Só que suas irmãs me contaram que não haveria casamento hoje. E, eu receio, que a culpa seja minha. — O olhar de Quinn andou pelo assoalho antes que ele reunisse coragem de encarar Mary.

— Sua culpa? Como? — ela indagou. Quando Quinn não respondeu de pronto, ela fez um gesto para que ele a acompanhasse até a sala.

Elizabeth fez menção de segui-los, mas Mary virou-se para a irmã.

— Vocês duas poderiam, por favor, colocar minhas coisas em meu quarto? — pediu, esperando conseguir alguns momentos em particular para escutar o que Quinn tinha a dizer sem que as irmãs ouvissem cada palavra.

— Oh, não pegamos suas coisas. E pedimos desculpas por isso. — Elizabeth olhou, nervosa, para Anne, em busca de apoio.

— Quinn tinha razão quando disse que precisava contar o que aconteceu, e que isso iria resolver o mal-entendido entre você e o duque. — Anne deu um passo à frente. — Portanto, eu disse a Elizabeth que deveríamos voltar para casa e deixar suas coisas na mansão. Era o curso de ação mais prudente, pois pode haver um casamento ainda esta noite, afinal de contas.

Mary endereçou um olhar furioso para Anne, mas não disse uma palavra. Seguiu para a sala com lorde Wetherly.

Ofereceu-lhe uma cadeira, mas Quinn pareceu um pouco ansioso, e disse que preferia continuar de pé.

— Eu... eu pensei que você soubesse — ele gaguejou.

— Não compreendo, Quinn.

— Pedi desculpas. E você aceitou. — Ele a fitou com os olhos apertados, confusos.

Mary colocou as mãos no joelho e inclinou-se para a frente.

— Por favor, Quinn, fale com clareza. Não me lembro de qualquer pedido de desculpas. O que você poderia ter feito que precisasse disso?

— Você não sabe mesmo?

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Mary meneou a cabeça, irritada, esperando que ele esclarecesse logo aquela confusão.

— Eu estava tão feliz por meu irmão. Tão alegre que ele tivesse encontrado uma mulher que merecesse o seu coração... — Ele engoliu em seco, e respirou fundo. — Queria compartilhar a felicidade de meu irmão com todo mundo. Mas eram tão poucos na cerimônia. Assim, escrevi a coluna contando do casamento nos salões de Argyle.

Mary saltou de pé.

— Você? Mas eu encontrei o papel entre os documentos de Rogan, na escrivaninha.

— Eu o pus lá, para depois comparar com a coluna de fofocas quando fosse publicada. Você conhece a tendência dos colunistas para o exagero. Queria ter certeza de que tinham informado tudo corretamente. Era importante para mim.

— Rogan não viu o rascunho, ou sabia da coluna antes que fosse publicada, então...

— Não, não viu. — Quinn deu de ombros, com vergonha. — Eu estava lendo a própria coluna no jornal quando Rogan desceu as escadas para o desjejum. Eu tinha me ausentado na noite anterior e não sabia que ele estava em casa.

A cabeça de Mary começou a latejar. Não queria ouvir mais nada, mas sabia que precisava.

— Quando Rogan me contou que o casamento foi uma farsa de Lotharian, eu não consegui nem falar. Ele pegou o jornal e se deparou com a coluna. Rumou para a porta antes que eu pudesse confessar meu erro. Quando ia saindo, ele me disse que traria você de volta. Eu sabia que ele ia se casar com você, e o trem andaria nos trilhos de novo.

— Por que não lhe contou? Ou me contou?

— Rogan estava tão feliz. Oh, ele tentou não demonstrar, mas eu percebi. Eu nunca vi um homem cujo coração estivesse tão transbordante de felicidade. E eu não consegui contar a ele. Além disso, o artigo realmente não importava, de qualquer forma. Você e ele iriam se casar.

As sobrancelhas de Mary se franziram.

— Espere um pouco. Você realmente mencionou a coluna para mim. — Ela ergueu um dedo no ar quando revirou a memória para se recordar das palavras. — Você se desculpou pela coluna. — Mary olhou para Quinn. — Mas pensei que quisesse dizer que a publicação fosse lamentável. Não que você a tinha escrito!

Quinn tossiu, engasgado numa meia risada.

— Suponho que eu sabia de alguma maneira que você tinha compreendido mal. Mas eu esperava que você se desse conta de que eu havia fornecido a informação ao jornal quando o lesse, e visse que meu nome, apenas, fora deixado de fora.

Mary meneou a cabeça.

— Fiquei abalada demais pelas consequências para notar — ela disse, ofegante. Virou-se e seguiu às cegas para o hall de entrada, tirando o chapéu do gancho da parede.

Quinn seguiu-a.

— Sinto muito, Mary. Não sabe o quanto.

Ela abriu a porta e desceu os degraus. A bengala de Quinn estalou às suas costas.

— Tenho de falar com Rogan. Tenho de pedir desculpas por duvidar dele...

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— Deixe-me levá-la a Portman Square — ofereceu Quinn. — É o mínimo que posso fazer.

Antes que pudesse aceitar, Mary ouviu MacTavish chamá-la da porta da frente.

— Srta. Royle! — Ele sacudia um pedaço de papel na mão. — Chegou isso para a senhorita enquanto estava na sala com lorde Wetherly.

— Lerei quando voltar — ela retrucou, rispidamente.

— É do duque, senhorita. O insolente lacaio me fez jurar que eu lhe diria que era muito importante.

Mary fez meia-volta e correu escada acima. Pegou o bilhete. Rompeu o selo e desdobrou a carta. Seus olhos percorreram as poucas linhas. Então, ela olhou para Quinn.

— Ele foi para Cavendish Square. Pode me levar até lá para encontrá-lo?

— Será uma honra, cunhada.

Mary e Quinn foram conduzidos até a biblioteca de lady Upperton, onde Lotharian os esperava.

Mary relanceou os olhos pelo aposento. Rogan não estava lá. Ela estendeu o bilhete e mostrou-o a lady Upperton e Lotharian.

— Eu... tinha a impressão de que Blackstone estaria aqui.

— Oh, ele estará. — O lorde levantou-se e aproximou-se para lhe apertar a mão.

Mary deu um passo para trás.

— Minha linda, você pode estar bastante aborrecida comigo agora, mas eu juro, em uma hora, estará beijando minha face.

— Duvido muito, meu senhor. Os últimos poucos dias foram os mais miseráveis de minha vida. — Mary dirigiu-se a lady Upperton. — Peço desculpas, lady Upperton, mas se Rogan não está aqui, então onde está? É importante que eu converse com ele imediatamente.

— Estou aqui.

Mary girou nos calcanhares e se deparou com Rogan, que entrava na sala de braço dado com uma mulher mais velha de cabelos grisalhos.

A mulher tinha uma postura régia, e Mary teve certeza de que a reconhecia de algum lugar. Só não conseguia se lembrar de onde.

Lotharian e lady Upperton dirigiram-se à dama. Mas os olhos de Mary estavam cravados em Rogan, e ela não prestou mais atenção à desconhecida.

O duque soltou o braço da mulher e deixou-a de lado para se postar ao lado de Mary.

— Preciso conversar com você — ele murmurou.

Lady Upperton virou-se e puxou ambos pelo braço.

— Haverá muito tempo, todo tempo do mundo para os dois se falarem. Mas agora é hora de ouvirmos lady Jersey.

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— Lady Jersey? — Mary balbuciou. Arregalou os olhos ao fitar a mulher. Sim, era ela. A mulher do retrato na galeria Harrington.

Só que agora estava mais velha. De cabelos grisalhos, não da cor de avelã. A pele pálida, em vez de vibrante.

— Lady Jersey! M-mas, como?

Lady Jersey permitiu que Lotharian a conduzisse até uma poltrona, e sentou-se. Então, a dama ergueu os olhos para Mary e fitou-a como se a avaliasse.

— Conheci o falecido duque de Blackstone muito bem. O filho dele, aqui, me perguntou se eu viria conversar com você sobre um xale de cashmere meu que você poderia ter encontrado.

Os olhos de Mary estavam redondos de espanto.

— Sim, encontramos um xale entre as coisas de meu pai depois que ele morreu.

Lady Jersey arqueou as sobrancelhas finas.

— Eu creio que a conheço, garota.

Um relâmpago perpassou pelas entranhas de Mary quando lhe ocorreu que, se a história dos Velhos Libertinos era verdadeira, aquela mulher teria preferido que ela e suas irmãs estivessem... mortas.

Lady Upperton apressou-se em fazer as apresentações.

Mary dobrou os joelhos, numa cortesia hesitante. Seus joelhos pareciam ter se enregelado.

— Srta. Royle? — Lady Jersey estreitou os olhos. — Seu nome me é familiar, embora suas feições não sejam. Já nos vimos antes? No teatro, ou numa festa talvez?

— Não, não senhora. Talvez tenha conhecido meu pai, e saiba o nome dele. Ele foi o médico pessoal do Príncipe de Gales por algum tempo.

Mary observou-a, em busca de uma vacilação, qualquer coisa que pudesse camuflar a verdade da história de seu nascimento.

Mas não percebeu nada.

— Não me recordo dele, especificamente. — O tom de lady Jersey permaneceu indiferente. Que estranho que pudesse falar por entre os dentes, sem mover a boca a não ser o mínimo. — O príncipe mantém os serviços de inúmeros médicos. Tanto antes como agora.

Lotharian apresentou o xale, ao se dar conta, como Mary, que a paciência de lady Jersey estava por um fio.

— Este é o xale de cashmere que o duque mencionou — disse. — Foi notado que a senhora usava um do mesmo desenho no retrato agora pendurado na galeria Harrington. Este xale é seu?

Lady Jersey inclinou-se e examinou o xale.

— Parece ser um dos vários xales de cashmere que eu tinha.

Os olhos de lady Upperton cintilavam.

— Lady Jersey, o xale está horrivelmente manchado... com o que parece sangue seco. Pode nos dizer como isso veio a acontecer? E como o sr. Royle poderia ter ficado de posse de seu xale?

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Um sorriso constrangido estampou-se nos lábios de lady Jersey.

— Houve apenas uma ocasião em que minha roupa poderia ter ficado manchada. — Ela levantou o xale com a beirada da bolsa, erguendo-o da mesa de chá. Depois, olhou para lady Upperton e riu. — Eu não deveria contar, mas já que este xale em particular parece ter grande interesse para vocês, farei isso. Aconteceu muitos anos atrás. O Príncipe de Gales estava febril e não conseguíamos consolá-lo depois que a sra. Fitzherbert o havia deixado. O médico não teve escolha. Ele precisava fazer uma sangria.

Mary engoliu em seco, atenta.

— Eu era uma amiga íntima dele na ocasião, então me sentei com ele para lhe acalmar os nervos enquanto o médico fazia a incisão em seu braço. Ele se mexeu, contudo, e o sangue escorreu. O médico, precisando agir depressa, tirou meu xale dos ombros e amarrou-o em torno do braço do príncipe para estancar a hemorragia.

— E o xale? — Rogan insistiu. — O que houve com ele?

Lady Jersey levantou-se.

— Nunca mais o vi. Nem me importei. Tinha outros... — Olhou para Rogan. — Agora, se não há mais nada, Blackstone, eu gostaria de voltar para meus alojamentos, por favor.

Rogan fez uma mesura, e depois se voltou para o irmão. Uma troca de olhares foi tudo que bastou para Quinn tomar o braço de lady Jersey e acompanhá-la até a carruagem que esperava.

— Bem, sinto muito que o relato não fosse mais encorajador, srta. Royle. — Lotharian suspirou fundo.

— Isso não muda nada para mim. Não é meu passado que me interessa, mas principalmente meu futuro. — Mary deixou que seu olhar se demorasse no rosto de Rogan. — Embora minhas irmãs possam ficar muito desapontadas. — Então, fitou a velha senhora e sorriu. — Mas nossa estada em Londres ainda não terminou e, eu ouso dizer, com Elizabeth e Anne fuçando por aí, haverá outras pistas.

— A sra. Fitzherbert ainda vive — Rogan interrompeu. — Eu poderia me aproximar dela por você e suas irmãs.

— Obrigada, mas não. — Mary encarou o duque dentro dos olhos. — Minhas irmãs e eu concordamos que nunca nos acercaríamos de uma mulher tão respeitada.

Lady Upperton viu a troca de olhares.

— Lotharian, eu poderia conversar com você no corredor por um momento?

— O quê? Seja o que...

— Tenho enfrentado um problema com ratos. Venha cá. — Com rapidez impressionante, ela pegou o braço de Lotharian e o conduziu para fora da biblioteca e para o corredor.

Os olhos de Mary se encheram de lágrimas ao fitar Rogan.

— Sinto tanto, meu amor, eu deveria ter confiado em você. — Sua voz tremia de profundo pesar, e ela não conseguiu represar a torrente de lágrimas que começou a escorrer por suas faces. — Sinto tanto...

Rogan pousou os dedos sobre os lábios de Mary para calá-la.

— Shhh... Não diga mais nada. Por favor, escute apenas.

Mary concordou, muda.

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Rogan aninhou-lhe o rosto nas mãos e fitou os olhos marejados de lágrimas, enquanto enxugava as faces molhadas com os polegares.

— Eu te amo, Mary. Com todo o meu coração e tudo que eu sou, eu te amo. — Inclinou-se e pousou seus lábios nos dela. Quando afastou a boca daqueles lábios macios, ele disse: — Não posso torná-la uma princesa, mas se me aceitar esta noite, você será uma duquesa.

Enfiou a mão no bolso do colete e tirou uma aliança de ouro, que ergueu diante dos olhos de Mary.

— Se me amar como eu te amo, diga que me aceitará, Mary. Diga que será minha esposa.

— Eu serei.

Portman Square, naquela noite

A lua brilhava como um lampião sobre a clareira gramada do jardim onde as três mulheres se postavam, sua tez suave e branca como mármore sob o reflexo azul do luar.

Os vestidos cor de neve caíam graciosamente pelos ombros, num belo drapeado, amarrados por fitas cruzadas de seda com marfim. Pareciam deusas de outro tempo e lugar.

Uma, em particular.

Rogan sorriu com orgulho quando correu os olhos por Mary, de pé a seu lado. As irmãs se postavam, obedientes, à esquerda. E seu irmão à direita.

O ar recendia a um perfume suave e doce das corbelhas de botões de rosas colocadas anteriormente pela clareira, enquanto o chão parecia um tapete de veludo, revestido como estava de pétalas, para o casamento.

Lágrimas de alegria desciam pelas faces de lady Upperton, deixando trilhas úmidas no rosto empoado. Lorde Lotharian estava ao lado dela, com um sorriso confiante, mas seu olhar pareceu se iluminar ao ver as pequenas bolsas de moedas que Gallantine e Lilywhite tinham nas mãos.

O cura encarou Mary, à espera de uma resposta.

— Sim — ela respondeu. Voltou os olhos para Rogan, e seu sorriso alargou-se.

Rogan apertou-lhe a mão. Jamais se sentira tão venturosamente feliz. Jamais antes sentira o coração tão transbordante de alegria.

Jamais estivera tão completamente apaixonado.

— Eu te amo — ele sussurrou para Mary, ao colocar a aliança em seu dedo e empurrá-la até a base do anular. — E a amarei para sempre.

— Eu te amo também, e amarei sempre — ela repetiu.

Um calor vibrante espalhou-se pelo corpo de Rogan então.

Ele sabia que a aliança jamais sairia do dedo de Mary novamente, porque, desta vez, nada ficaria entre os dois.

Estariam verdadeiramente juntos... para todo o sempre.

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Epílogo

Mary recostou-se na almofada dentro da carruagem e inclinou a página do livro de seu pai para a luz que vinha da janela.

— Você não pode ler esse livro durante a viagem inteira até Blackstone Hall. — Rogan tirou-lhe o volume das mãos.

— Não consigo parar de imaginar por que meu pai incluiu esse livro, de todos os outros textos médicos em sua biblioteca, na caixa de documentos. Elizabeth tem certeza de que existe uma pista ou alguma informação importante nesse livro. Informação que pode nos ajudar a identificar nossa verdadeira origem, nossos pais verdadeiros. Meu pai rabiscou muitas notas, sublinhou trechos. Tem de haver algo aqui.

— Pensei que esse livro fosse sobre como seduzir um duque.

—Hum... lembrou-se disso, não é? — Mary sorriu para o marido. — Bem, estudei esse capítulo em particular. Na verdade, eu o decorei.

— É mesmo? — Um canto da boca de Rogan se arqueou, e ele endereçou aquele sorriso malicioso a Mary. — E o que esse capítulo sugere?

— Oh, é bastante simples. — Mary puxou a cortina na janela e virou-se, com um sorriso sedutor. — Basta encontrar uma carruagem...

Um lacaio, vestido de cetim azul-escuro, postava-se fora do alcance do brilho circular da vela sobre a escrivaninha.

O homem era quase invisível para lady Jersey quando ela enfiou a pena no tinteiro de cristal e correu-a pelo pergaminho. Contudo, sabia que ele estava ali. Esperava para entregar a carta absolutamente importante que ela se apressava em escrever.

Depois de salpicar areia nas linhas, lady Jersey passou o mata-borrão antes de dobrar e selar o papel com um pingo de cera vermelha. Comprimiu o anel de sinete na cera quente, e depois estendeu a missiva ao lacaio.

— Leve-a a ela. Depressa. Ela precisa saber.

O criado fez uma mesura, e desapareceu além do alcance da luz.

Lady Jersey apoiou os cotovelos na escrivaninha. Os grãos de areia se enterravam na pele fina enquanto ela encostava a cabeça nas mãos trêmulas. Fechou os olhos.

Deus me perdoe.

Os bebês estavam vivos.

Tinham sobrevivido.

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