30154 - mills, wright. do artesanato intelectual. in a imaginação sociológica

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Index 30154 MILLS, wright. Do artesanato intelectual. In: a imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.

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Page 1: 30154 - MILLS, wright. Do artesanato intelectual. in a imaginação sociológica

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BIBLIOTECA DE C:r:mNCIASSOCIAIS

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A IMAGINAÇA-:I .-.,

S·OCIOLOG IC·.~'~-·

Tradução de

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()ucrtG Eiiçi6.

ZAHAR EDITORESmo DE JANEIRO

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Titulo original:

The Sociological lmaginaticn

Publicado em 1959 pela Oxford Uriiversrty Press, Inc., Nova York

'301~(y) h S~-1-

capa de

ERlcO

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t. ' .

1975

Direitos para a língua portuguesa adquiridos por'ZAHAR EDITORESCIl.L"<.a Postal 207, ZC-OO, Rio

que se reservam a propriedade desta versão

Impresso no Brasil

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A Harvey e ,Bette

flOTARAa (LUB DE JOlNVILLf

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.~ CAMPANHA DE LIVROSPARA A F U R J - GESTÃO' 75/76

Page 3: 30154 - MILLS, wright. Do artesanato intelectual. in a imaginação sociológica

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acidentalmente e outras delíberadarnente pelos ínterêsses exís-tentes. Esses valôres são, quase sempre, ·05 únicos que oshomens tiveram oportunidade de desenvolver. São antes há-bitos inconscientemente adquiridos do q\i.~escolhas.

Se aceitarmos a opinião dogmática segundo a qual aquilo. que é do ínterêsse dos homens, quer êles se interessemeunão por isso, é que nos deve preocupar moralmente, entãocorreremos o risco de violar os valôres democráticos. . ·1)6-demos tornar-nos manipulatlores ou coatores, ou aro'boinainvés de persuasores, ·denlro de uma sociedade na,'qtial)shomens estão tentando raciocinar juntos c J1a qual ~ "valorda razão é tido em alta estima. ..

O que estou sugerindo é que, dirigindo~nos~~/q~lestões ".e preocupações, e formulando-as comoproblemh~:;jla çSêii-da social, temos a melhor oportunidade, rio )Juc·mh~~r.ebea única, de tornar a razão democràticamentereleVrfiite,pnraas questões humanas numa SOciedade lívre.. e êbtn :I§sô .coín-preenderos valôres clássicos que sublinham a pr6Hlcssa denossos estudos.

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APENDICE

Do. Artesanato Intelectual

P AnA o cientista social individual, quc se sente parte d;, tradição clássica, a ciência social é corno'. um ofício, Comehomem que se'õ1:upa---d-e"1mõlemàs·TeSübstân'Ciã;"" está entrios que fàcilmente se impacíentarn pelas cansativas I

complicadas discussões de método-e-teoria-em-geral, que lheinterrompe, em grande parte, os estudos adequados, E ·muit(melhor, acredita êle, ter uma exposição, feita por um estudioso, de como está realizando seutrabalho do que uma dúzí:de "codífícações de procedimento" por conseqüência. Sêmente pela conversação na qual os pensadores experimentadotrocam. informações sôbre suas formas práticas de trabalheserá possível transmitir. ao estudan te íniciante um ..senso útide método e teoria, Creio, portanto, que devo expor, conalgum detalhe, como realizo meu ofício, É uma declaraçã.pessoal necessária, mas escrita cr ma esperança de que outro:especialmente os que iniciam um trabalho independente, :tornarão menos pessoal, pelo fato de SUl). própria experiência

1E melhor começar, creio, -lembrando aos principiante

que os pensadores mais admiráveis' dentro da cornunidad:intelectual que escolheram n110 separam seu trabalho de suavidas. Encaram ~ ambos demasiado a isérío para ~errniti

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tal .di~iação, e desejam usar cada uma dessas coisas para o .-e~nqueclm~nto da outra. 1t claro que tal divisão é a conven-çao pn:dommante entre os homens em geral, oriunda, suponho,do vaZIOdo trabalho, que os homens em geral hoje .executarn.Mas o est~dante tera reconhecido que, cama intelectual, temfi oportunidade excepcional de estabelecer um modo de vidaque estimule os hábitos do bom trabalho. A erudição é umaesco~a de como viver e ao mesmo tempo uma escolha decarreli~; q.uer o ~aiba ou não, o trabalhador intelectual formaseu propno eu a me.dida que se aproxima da perfeição deseu oíícío, para realizar sua potencialidade, e. as oportuni-dades que lhe surgem, êle constrói um caráter que temc<;>moessência, as qualidades do bom' trabalhador. ', '

-.!:so significa que deve aprender a usar a:~xpe~iência de'sua V1da nq seu trabalho comlnuarneme. l~esse senbdo, oartesanato e o ce.ntro de si mesmo, e o~tudante está pes-soalmente· e~volY1ao em todo o produto intelectual de quese ocupe: D~er que pode "ter experiência" significa que seupassado mfluI'~' af~ta o presente, e que define a sua capaci-dade de experiência futura. Como cientista social êle' terá.~ controlar essaJplerinfluênclá bastante complexa' saber o

Y 9 . t . I'} , ') . u;-e~n~n ~ ~~~3!:..~ .~ dessa forma pode esperaru 'usa-Ia como ~~.~ P!;>va. de suas reflexões, e no processo se

~ I? . L!JJmte.tªL~_c2:f!l~_.~.rl.~~.'>._.ll1tele_~uãl.Ma.s como fazer 1SSõJr-j J ,> . Uma resposta e: ceve-se. ?rganiz~r urn arquivo, o 'que supo- I \.:fil nho. ser .a ~orma do 50ClOIogo dizer: mantenha um diário< f '\()? MUltO: e~ntor;s. criad.ores mantêm diái'i'õ'S;a necessidade'de .'. ,/.

','" ~eflexao slstematIca eXige que o sociólogo o mantenha, /t,~~ No arquivo que vou descrever unem-se a ex eríêncía '5' ,f

essoal e as atividades rofissionais os es u os ora-'çao e qs estu os ~ aDeja ..~S'.' Nesse arquívoo estudioso,C9I?oartesao Intelectuã, tentara Juntar o que. esta 'fazendo intelec-tua!mente e o que está experimentando como .pessoa. Nãoterá mêdo de usar sua experiência e relacioná-Ia diretamen-te com os vários trabalhos em desenvolvimento, Servin-do co:oo contrôle para evitar repetições de trabalho, o arquivotambem conservará suas energias, Estimulará a captura. dosli ensamentos marginais": várias idéias que podem ser sub-prod~tos a Y1 a iana, trechos de conversa ouviJlos na ruao~, ~l~da, s?nh~s, U,n~avez anotados, .podernlevar a um-ra-CI.OCI?lO.mais sistemático, bem COmo emprestam -urna rele-vancia Intelectual com a experiência mais direta,

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:1"fV "'"~ ~.:~j Os leitores terão observado como os pensadores bem rea-.'.) lizados tratam com cuidado a sua mente) como observam de., perto seu desenvolvimento e como' organizam suas experíên-'.4: cias. A razão pela qual valorizam' suas menores experiências. é que, no curso de uma vida, o homem moderno tem uma

~ experiência pessoal tão teduzldn, embora fi experiência seja'·':1 tão importante como fonte de trabalho. íritelectual original.·1 Acredito que poder ser, ao mesmo tempo, confiante e cético,1 em relação à sua experiência, é a marca i do trabalhador ma-

duro. Essá confiança ambígua é indispensável para a orí-( ginalidade de qualquer empreendimento' 'íntelectual, e o ar-

quivo é uma das formas pelas quaíspodemos desenvolver ejustificar' essa confiança,· . .

, Mantendo um arquivoadequado; e 'com isso desenvolven-do hábitos de auto-reflexão, aprendemos a manter nosso . ,.muooowtenor desperto. Sempre' que experimentamos forte. isensação Sôbre acontecimen tos ..ou idéias, devemos procurarnão deixá-Ias fugir, e ao invés disso formulá-Ias para nossosarquivos, e com isso estaremos elaborando suas implicações,mostrando a nós mesmos como êsses sentimentos ou idéias sãotolos, ou como poderão' Ser articulados de forma produtiva.O arquivo também nos .ajuda a formular o hábito de escrever.Não podemos "manter desembaraçada fi mao" se nao .escre-vemos alguma coisa pelo menos tôda semana. pesenvolvim-do. o arquivo, odemo-Jios ex erimentar como escri or e as-sim como se iz, desenvo ver nossa· ca addade de expressão.Manter um arqUIVOe empen ar-~e na expen nCla contro a a.------

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, . Uma das piores coisas que ocorremnos cientistas sociaisé só sentirem a necessidade .de escrever seus "planos" numaocasião: quando vão. pedir dinheiro para uma pesquisa espe-cífica, ou um "projeto". t como solicitação de fundos que amaioria' dos "planejamentos" é feita. ou pelo menos cuida-dosamente posta no papel. Por mais generalizado que. sejao hábito, parece-me rnuito prejudicial: assemelha-se de certaforma aos processos do 'vendedor, e dentro das expectati-vas existentes é quase, certo que resultará em pretensõesdolorosas, O projeto provavelmente será «apresentado", for-mulado de modo arbitrário muito antes do devido tempo,Com freqüência,' éalgo de artificial, preparado com o obje-tivo de conseguir dinheiro para finalidades posteriores, par

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mais elogíosas, bem como para a pesquisa planejada. O cien-11 1!sta social deve rever periàdicamente o "estado de meusN roblemas e lanos".' Um jovem, ao início de seu trabalho

.índependente, eve refletir sôbre isso, mas não podemos es-perar que êle - que também não deve esperar :- vá muitolonge, e certamente não se deve comprometer rigidamentecom o plano. Deve limitar-se quase que apenas a prepararsua tese, que infelizmente é considerada, com freqüência, seuprimeiro trabalho independente de alguma extensão. É quan-do estam os a meio caminho do tempo que ternos à DOS-sa frente para trabalhar, ou a um têrço dêle, que', essa revi-são provàvelmente será mais proveitosa '- e talvez mesmodeinterêsse para os outros:

Qualquer cientista' social que esteja, bem adiantado emseu caminho deve ter, a qualquer momento, tantos planos, ouseja, idéias, que sua indagação será sempre: "a, qual dêlesme devo dedicar, em seguida?" E deverá manter um arqui-vo especial para seu tema principal, que êle escreve e rees-creve para si mesmo, e talvez para debate com amigos, Detempos em tempos, deve revê-I o cuidadosamente e com obje-tivo, e por vêzes, também, quando está despreocupado.

Um processo semelhante é um dos meios indispensáveispelo qual a realização intelectual é orientada e mantida sobcontrôle. Um intercâmbio dífundído e informal dessas re-

.visões do "estado de meus problemas" entre os cientistassociais é, creio eu, a única base para uma exposição adequadados "principais problemas da ciência social". É improvávelque em qualquer comunidade intelectual livre haja, e cer-

, tarnente não deve haver, uma série "monolítica" de proble-mas. Nessa comunidade, se florescesse de modo' vigoroso,

, haveria interlúdios 'de discussão, entre as pessoas, sôbre otrabalho futuro. Três tipos de interlúdios sôbre problemas,métodos, teoria - surgiram do trabalho dos cientistas so-ciais, e levariam de volta, novamente, a êle; seriam modela-dos pelo trabalho em andamento e, até certo ponto, consti-tuir-se-iam em guias de tal trabalho. :E: nesses ínterlúdíosque uma associação profissional encontra sua razão de, ser.E para êles, também, é necessário o arquivo.

! Sob vários tópicos em nosso arquivo, há idéias, notas pes-~OaiS, excertos de livros, itens bibliográficos e delineamentos

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J.e projetas... :E:, suponho, uma questão de hábito arbitrário,mas 'creio que o estudioso vcrllícarú 1\ conveniência de iso-lar todos êsses itens num arquivo principal de "projetos", commuitas subdivisões. Os tópicos, decerto, se modlíícarn, epor vêzescom bastante freqüência. Assim, por exemplo, oestudante que se prepara para o exame preliminar, escreveuma tese, e ao mesmo tempo faz exercícios, deve organizarseus arquivos segundo essas três áreas de atividade. Masdepois de um ano, aproximadamente, de trabalho 'de forma-tura, começará a reorganizar todo o seu arquivo, em relaçãocorn o principal projeto de sua tese. Então, à medida queprosseguir seu trabalho, observará que nenhum projeto jamaiso domina, ou impõe as categorias principais na qual é orga-nizado. 'Na verdade, o uso do' arquivo estimula a expansão "das categorias que usamos em nosso raciocínio. E a formapela qual essas categorias se modificam, desaparecendo algu-mas é surgindo outras - é um índice do, nosso progresso e •

, vigor intelectual. Finalmente, os arquivos serão dispostos deacôrdo com vários projetos mais ambiciosos, tendo muitossubprojetos que se modificam de ano para ano.'

Tudo isso exige notas. -Terernos de adquirir o hábito detomar grande número delas, de qualquer livro interessanteque leiamos - embora, devo dizer, possamos obter coisasmelhores de nós 'mesmos, quando lemos I livros, realmentemaus. O primeiro passo' na tradução d~ experiência, seja ados escritos de outros homens, ou de nossa própria vida, naesfera intelectual, é dar-lhe forma. Dar, simplesmente, nome ia uma experiência nos convida a explicá-Ia: a simples toma- , 'da de nota de um livro é quase sempre um' estímulo à re-flexão. Ao mesmo tempo, essa nota é uma grande ajuda paracompreendermos o que lemos. ,

Nossas notas poderão vir a ser de' dois tipos: ao lercertos livros muito im ortantes tentamos a render a estru- ,rora a ar umentação do autor, e tomamos notas nesse sen-ti mais re u ,nc uns anos

r ~~U.r.ab~o independente, ao invés cleler livros inteiros, comfreqüência lemos partes cle muitos dêles, ~o ponto de vista

de algum tema particular ou tópico em que estejamos Ulte-- ressados, e para os qU31S temos planos em nosso arquiVo.

AsmnTomaremos Dotas ue, nâo re resentam com 'usti a os}jyIos qUe ~mos. stamos usan o uma determina .ídéía, ,

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um determinado fato, para ª realização de nossos próprios no estudo da estratificação social, é difícil evitar ir alémdo assunto imediato, porque a "realidade" de qualquer ca-mada é, em grande parte, suas relações com o resto. Assim,comecei a pensar num livro sôbre a elite.

Não -obstante, não foi assim que o projeto' "realmente"surgiu. O que aconteceu, na verdade, foi 1) que a idéia e'o plano saíram de meus arquivos, pois todos os projetoscomigo começam e terminam nêles, e os livros são simples- 'mente resultado organizado do trabalho que nêles se proces-sa constantemente, 2) depois de algum tempo, todo o con-junto de problemas em causa passou a me dominar.

Depois de preparar meu- esbôço rudimentar, examineitodo o meu arquivo; não só nas partes que evidentemente,tinham relação com o tópico, mas também nas divisões quepareciam írrelevantes. A imaginação é levada, com freqüên-cia, a reunir itens até então isolados, descobrindo 'ligaçõesinsuspeitadas. 'Abri novas unidades no arquivo para minhnnova série de problemas, o que certamente levou a 1l0\'aSdisposições de outras partes suas.

Ao redistribuirrnos um sistema de arquivos, verificamos I

que estarnos, por assim dizer, libertando nossa imaginação. ,Evidentemente, isso ocorre devido à tentativa de combinarvárias idéias e notas sôbre diferentes tópicos. 1!: uma espé-cie de lógica da combinação, e o "acaso" por vêzes desem-penha nela um papel curioso. De forma despreocupada, ten-tamos empenhar nossos recursos intelectuais, como exemplí-ficado no arquivo, nesses novos temas.

Nó caso presente, .também comecei a usar minhas obser-vações e experiências diárias. Pensei, a príncípio, nas expe-riências que tive em relação' aos problemas da elite, e,em"seguida,conversei com pessoas que, na minha opinião, pode-

'riam ter tido .experíência com' tais. questões, ou poderiam,tê-Ias examinado. Na realidade, comecei a alterar o caráter,de minha. rotina, .de forma a incluir 1) pessoas que estavamentre as que eu desejava estudar, 2) pessoas em íntimocontato com elas, e 'S) pessoas interessadas nelas, habitual-mente de modo profissional. . ,

Não conheço a t~talidade das condíções SOCIaIS,do tra-balho intelectual, mas sem dúvida cercarjse de tim grupo depessoas que ouvem, li falam - e por vêzes têm de ser per-'sonalídades imaginárias - é .uma delas. IDe qualquer modo,

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projetos.

2.Mas como deve ser usado êsse arquivo - que até agora

estará parecendo ao leitor mais um tipo curioso de diário"literário" - na produção intelectual? A sua manutenção' éuma produção intelectual. :E: um armazenar crescente defatos e idéias, desde os 'mais vagos até os mais preciosos.A primeira coisa que eu fiz, por exemplo, depois de resolverpreparar um estudo sôbre a elite, foi um rascunho tôsco, ba-seado numa lista" dos tipos de pessoas que eu ' desejav»compreender. .

Como e por que resolvi escrever êsse estudo mostra umadas formas pelas quais as experiências da vida alimentamnosso trabalho intelectual. Não me lembro quando come-cei a me preocupar tôcnicnrnente com a "estraliíicação", mascreio que deve ter sido ao ler Veblen pela primeira 'vez.:ele sempre .. me, parecera muito frouxo, vago mesmo, sôhreo sentido de "comércio", e "indústria", que são uma espéciede tradução de' Marx para o público acadêmico americano,De qualquer modo, escrevi um livro sôbre organizações e lí--deres trabalhistas, - uma tarefa politicamente motivada;em seguida, um livro sôbre a classe média - uma tarefamotivada principalmente pelo desejo de articular minhas ,pró-prias experiências na cidade de Nova' York;: desde 1945.Amigos sugeriram, então,' que eu, devia concluir uma trilo-

-gía, escrevendo um livro sôbre as classes superiores. Creio,que já havia pensado na possibilidade, lera Balzac na décadade 1940 e me entusiasmara muito com a atribuição, que-êlese dera, de "cobrir" tôdas as principais classes e tipos na so-ciedade da época em -que vivia:' 'Eu escrevera também'sôbre UA Elite Econômica" ,e coligira e dispusera estatísticassôbre a carreira dos principais homens da política americanadesde a Constituição. Essas duas tarefas foram inspiradasprincipalmente por um trabalho de seminário sôbre a históriaamericana. T

Ao escrever êsses varios artigos e livros e Jao preparar, cursos sôbre estratífícação, houve, naturalmente, um resíduode idéias e fatos sôbre as classes superiores. Especialmente

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procurei cercar-me de todo o ambiente relevante - sociale intelectual - que julguei 'pudesse levar-me a pensar dentrodas' linhas de meu trabalho. :E: êsse o sen tido de minhasobservações acima, sôbre a fusão da vida pessoal e intelectual.

o bom trabalho na ciência social de hoje não é, e habi-tualmente não pode ser, feito de uma "pesquisa" empíricaclaramente delineada. Compõe-se, antes, de muitos estudosbons, que em pontos-chaves encerram observações geraissôbre a forma e a tendência do assunto. Assim, a decisão -quais são êsses pontos?:~ não 'pode ser tomada enquanto omaterial existente não {ôrretrabalhado e estabelecídas formu-lações .gerais hipotéticas.

Entre o "material existente", encontrei nos arquivos trêstipos relevantes para meu estudo da .elíte r várias teorias rela-cionadas com o tópico; material já utilizado por outros, comocomprovação dessas teorias; e material já reunido e em váriasfases de centralização acessível, mas ainda não transformado.em material teoricamente relevante. Somente depois de con-cluir meu primeiro esbôço de uma teoria, com a ajuda domaterial existente, posso localizar com eficiência minhas afir-mações e sugestões centrais, e planejar pesquisas para coníir-má-Ias - e talvez não tenha de fazer isso, embora saiba,naturalmente, que mais tarde terei de oscilar entre o materialexistente e a minha própria pesquisa. Qualquer exposiçãofinal deve não só "cobrir os dados", na medida em que êstesexistem e os conheço, mas deve também, de forma positiva-ou negativa, levar em conta as teorias existentes. Por vêzesêsse "levarem conta" uma idéia é feito fàcilmente, pelosimples confronto .dela com a. realidade que· a modifica ouconfirma; outras vêzes, é necessária uma análise ou qualifi-cação detalhada. Por vêzes, posso dispor das teorias existentessistemàticamente, como uma série de escolhas, e com issopermitir que seu âmbito organize o próprio problema.'·Por vêzes permito que tais teorias só se disponham segundomeu arranjo, em contextos totalmente diferentes. De qual-

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so Ver, por exemplo, Mills, A Nova Classe Média (White Coliar)Zahar, 1969, capo 13. Fiz o mesmo, em minhas notas, com Lederere Casset os. "teoristas da elite", como duas reações à doutrina de-mocrática dos séculos XVIII e XIX.

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quer modo, no livro sôbre a elite, tenho de levar em contao trabalho de homens como Mosca, Schurnpeter, Veblen,Marx, Lasswell, Michel, Weber e Pareto.

Examinando algumas das notas sôbre tais autores, vejoque oferecem três tipos de formulação: a) de alguns, apren-demos diretamente pela reformulação sistemática do que ohomem diz ou de determinados pontos ou de um todo; b)alguns autores são aceitos ou refutados, dando razões e ar-gumentos; c) outros são usados como fonte de sugestõespara nossas próprias elaborações e projetos. Isso envolve acompreensão de um ponto.ve a índagação i. cqT)10posso colo-car isso deformacomprovável.ie como ·possocomprová-Io?Como posso usá-lo como· centro do qual elaborar - comouma perspectiva da qual. surgem detalhes descritivos COmorelevantes? ~ nesse trato das idéias existentes, decerto, quen05 sentimos em continuidade com O trabalho anterior. Eisdois excertos de notas preliminares sôbre Mosca, que podemilustrar o que estou procurando descrever:

Além de suas anedotas históricas, Mosca apóia sua tese com estaafirmação: é o poder de organização que permite à minoria governarsempre. Há as minorias organizadas, e elas dominam as coisas eos homens. 60 Mas: por que não considerar também 1) a minoriaorganizada. 2) a maioria organizada, 3) a minoria desorganizada.4) a maioria desorganizada. Isso é digno de uma exploração emgrande escala: A primeira coisa a ser esclarecida: qual é exala-mente o sentido de "organizada"?· Creio que Mosca entende porisso: capaz de polítfcas e ações mais ou menos continuas e coorde-nadas. Se assim é, sua tese é certa por definição. ~le diria. tam-bém, ao que me parece, que uma "maioria orgarilzada" é irnpossl-vel, porque no final das contas ela se resumiria no :fato de que novoslideres. novas elites, estariam no alto dessas organizações majoritárias, .e éle estaria pronto a escolher ésses líderes em sua "A Classe Do-minante". Dá-Ihes o nome de "minorias diretoras", o que não passa·de tolice, frente à sua afirmação mais ampla. .

Uma coisa que me ocorre (creio ser a essência dos problemasde definição que Mosca nos apresenta) é esta: do século XIX parao XX. testemunhamos uma passagem das sociedades organizadas como1 e 4 para- uma sociedade estabeleclda mais ern :tênnos de 3 e 2.Passamos de um Estado de elite para um Estado de organização. noqual a elite já não é tão organizada nem tão unilateralmente pode-

. ao Há também em Mosca afirmações sôbre leis psicológicas quesupostamente comprovam sua opinião. Observe-se seu uso da pala-vra "natural". Mas não·é um ponto central e, além disso, não valea pena conslderá-l0.· ,

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rosa, e a massa é mais organizada e mais' poderosa. . Parte do poderse 'faz nas ruas, e em tôrno dêle a totalidade das estruturas sociaise suas "elites" giraram. E que setor da classe dominante e maisorganizado do que o bloco airlcola? . Não se trata de uma perguntaretórica: posso respondê-Ia de qualquer das duas formas, desta vez- é uma questão da gradação. Tudo o que quero, no momento, éabrir a questão.

Mosca faz uma observação que me parece excelente e mere-cedora de desenvolvimento: segundo êle, há sempre na "classe domi-nante" um grupo de cúpula, e há essa segunda camada, maior, coma qual a) a cúpula está em contato contínuo e imediato, e coma qual b) partilha das idéias e sentimentos, e portanto, segundo.acredita êle, também' as .polítícas (página 430). Conferir .l?ara 'Ver

. se nalguma outra parte do livro estabelece, outros pontos de ligação.É êsse grupo recrutado em grande parte do segundo nível? Será acúpula de alguma forma responsável pela segunda camada; ou pelomenos sensível a ela?

Esqueçamos, agora Mosca: em outro vocabulário, temos a) aelite por meio da qual entendemos, aqui, o grupo de cúpula; b) osque têm importância, e c) todos os outros. A participação no se-gundo e terceiro, neste esquema, é definida pelo primeiro, e o se-gundo pode ser bastante variado cm seu volume e composição erelações com a primeira e a terceira. (Qual é. íncídentalmente, oalcance das variações 'das relações de a) com b) e c)? ExaminarMosca para sugestões e ampliar êsse ponto, considerando-o sistema-ticamente.) .

&isc esquema pode-me permitir levar em conta. mais clara-mente, as diferentes elites, que são elites segundo as várias dimen-sões de estratificação. E, decerto, tomar de forma clara e signifi-cativa a distinção de Pareto, entre elites governantes e nâo-gover-nantes de um modo menos formal do que a dêle. Certamente, muitaspessoas de alto status estariam pelo menos na segunda. Os grandesricos, por exemplo. O Grupo ou a Elite se refere ao poder, ou àautoridade conforme o caso .. A elite, nesse vocabulário, significariasempre a elite do poder. As outras pessoas na cúpula 'seriam asclasses superiores, ou os altos círculos,

Assim. de certa. forma, talvez, possamos usar isso em relaçãoa dois grandes problemas: a estrutura da elite e as relações con-ceptuaís - mais tarde talvez as substantivas - das teorias de estra-tificação e 'elite. (Desenvolver isto.)

Do ponto de vista do poder. é mais fácil selecionar os que contamdo 'que os governantes. Quando tentamos fazer o primeiro, escolhe-mos os altos níveis como uma espécie de aglomerado frouxo, e so-mos guiados pela posição. Mas quando tentamos selecionar os segun-dos, devemos indicar detalhadamente como dispõem do poder e comoestão relacionados com os instrumentos sociais atravég dos quaís opoder é exercido .. E tratamos mais com pessoas do qu~ posições, ou

. lpelo menos levamos as pessoas em conta. .

Ora, o poder nos Estados Unidos envolve mais do que' umaelite. Como podemos julgar as. posições relativas dessas váriaselites?' Depende da questão e das decisões que estiverem sendo

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::.

tomadas. Uma elite vê a outra como constituida de pessoas quecontam. Há êsse reconhecimento mútuo entre as elites, segundo oqual 'a .outra elite conta. De uma forma ou de outra, são pessoasconsideradas mutuamente importantes. Projeto: selecionar 3 ou 4decisões da últírria década - lançar a bomba atômica, reduzir ouelevar à ',produção do aço, a greve da GM em 1945 - e traçar em

.detalhe o pessoal que partícípoutde . cada uma delas. Poderia usaras "decisões" e os responsáveis por elas como pretextos dei entre-vistas. .

3.

Chega um momento, no curso de nosso trabalho, em quenos cansamos dos outros livros. Tudo o que desejamos dêlesestão 'em nossas notas e resumos; e às margens dessas; notas, .bem .corno num arquivo separado, estão as idéias para estu-dos ernpiricos .

Não gosto de trabalho empírico, se me fôr possível evi-tá-Ia. Se 'não temos pessoal, é uma grande preocupação: selemos, então a pessoa se transforma, com Ircqüôncia,' numapreocupação ainda maior.

Na condição intelectual das Ciências Sociais de hoje, hátanto a fazer como "estruturamento " inicial (entendida apalavra como o tipo de trabalho que venho descrevendo)que muita "pesquisa cmpíríca" acaba sendo frágil" e desin-reressante, Grande parre dela, de fato, é um exercíCio formalpara. estudantes que se miciam, e por vêzes uma em rêsau 1 p ra o o ca azes Ias

.,.

su ~~~. Iceis ·da ciência social. Não há mais.vírtudes na pesquisa ernpírics 'do que na leitura, como "leitura..0 objetivo da pesquisa empinca é solucionar desacordos e

. cI~vlaas sôbre fatos, e assIm tornar mais frutileras as discussôes,ª,ª-ndo a todos os lados maior base substantiva. Os fatos aiS-

~iplinãm a razão; mas. a razão é a guarda avançada de qual-quer camp.o do conhecimento .

Embora jamais consigamos o dinheiro para realizar muitosdos estudos ernpírícos que planejamos, é preciso continuar a

. imaginá-los. Ouando planejamos um estudo empíríco, mesmoque não o realizemos, êle nos leva à pesquisa de novos dados,que com freqüência revelam relevância insuspeítada para nos-sos problemas. Assim como é tolice imaginar um campo deestudo se a resposta puder ser encontrada numa biblioteca,também é tolice pensar que exaurimos os livros antes de·

~2L

"

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. ".

tê-los traduzido em estudos ernpírícos adequados, o que síg-nífíca simplesmente em questões de fato.

Os projetos ernpíricos necessários ao meu tipo de trabalhodevem prometer primeiro, ter relevância para o primeiro es-bôço, e .sôbre o qual já escrevi linhas acima. Devemos con-Iírmá-Io em sua forma original ou provocar-lhe a modificação.Ou para colocar isso de forma mais pretensiosa, devem ter"implicações para as construções teóricas. Segundo, os pro··jetos devem ser eficientes e claros e, se possível, engenhosos.Por isso entendo que devem prometer proporcionar um grandevolume de material em proporção 3.0 tempo e esíôrço que

. exigem,"Mas como terá de ser feito isso? O modo mais econÔo·

mico de formular um problema para resolver o maior númerode seus aspectos possível é um só: o raciocínio. Racioci-nando, tentamos a) isolar cada questão de fato que perdura; , .b) fazer as indagações de fato de tal modo que as respos-tas prometem ajudar-nos a resolver DOVOS problemas, atravésde novos raciocínios. &1

Para dominar assim os problemas, temas 'de atentar paraquatro estágios; habitualmente, porém, é melhor atravessartodos -os quatro várias vêzes do que demorar-se demasiadoapenas num dêles. As fases são: 1) os elementos e defini-ções que acreditamos ter de levar em conta, em função doconhecimento geral do tópico, questão ou área de preocupa- .ção, à nossa disposição; 2) as relações lógicas entre essasdefinições e elementos; a construção dêsses pequenos rnode- .los preliminares proporciona a melhor oportunidade para ·a

U Talvez eu deva dizer o mesmo numa linguagem mais preten-siosa. a fiin de tornar evidente. aos que não o sabem, a .importân-ela de tudo isso: .

As situações problemáticas têm de ser fo=uladas com a de-vida atenção às suas implicações teóricas e conceptuals, e tam-bém aos paradígmas da pesquísa ' empírica ·e aos modelos de ve-rificação adequados. Tais paradlgmas e modelos, por sua vez, devemser construidos de modo a permitir outras implicações teóricas econceptuais provoca das pelo seu uso. As ímplícações teóricas e con-

.ceptuais das situações problemáticas devem, prim.~o, ser plena-mente exploradas. Isso exige que o cientista sbcial especifiquecada uma dessas implicações e a considere em relação com tôdasas demais, mas também de forma- que se harmonize com .os para-digrnas da pesquisa empírica e os modelos de verificação.

222~

manifestação da imaginação sociológica; ~) a eliminação defalsas opiniões, devidas a omissões de elementos hecessá-rios, definições. impróprias ou pouco cla'ras de têrrnos ouênfase índevida em alguma parte do processo e de suas ex-tensões lógicas; 4) formulação e reformulação das questõesde fato que perdurem. ..

_ fi. terceira fase, incídentalmente, é uma parte muito ne-cessaria, ~embol'a negligenciada com Ireqüêncía, de qualquerformulação adequada de um problema. A consciência popu-lar do problem~ - como uma questão e uma preocupação- deve ser cwda~qsa:nente le·~3.da em conta: isso é partedêle. As formulações intelectuais, decerto, devem ser cuida-dosamente examinadas ·e usadas na. reformulação que. se fazou abandonadas. . .. .. '

.,.Antes de decidir quais os estudos empíricos necessários

para a tarefa a ser feita, começo a delinear um plano maisamplo,. den tro do qual vários estudos em pequena escalacom~çam a despontar .. Vejamos, novamente, um exemplo dosarquivos:

. Ainda não estou em condições de estudar os altos círculos comou.m. ~do, de modo sistemático e. empirico. Portanto, exponho de-tl~IÇOes e processos que formam uma espécie de configuração idealdesse estudo.. Posso, então, tentar, primeiro, reunir o material exis-tente <l;ue se aproxime .dessa configuração; segundo, pensar Iormasconve.rnentes de reunir mat7rial,· dentro dos .índíces existentes, queo satisfaça, em pontos crucíais; e terceiro, à medida que trabalhofaz~r pesquisa;;. empiric~s mais especificas, de grande escala, qU~serram necessarias no fim.

Os aÍtos círculos devem, decerto; ser definidos sistemàti~amentee:n. têrmos de var~á.,:,:is específicas. Formalmente -:- essa é apro-xII~ad.a,mente a opmrao de .Pareto .- são as pessoas que "têm" amaior parte do que há. para ser possuído dentro de qualquer valorou conjunto de valôres, Assim, deve tomar duas decisões: quaisas variáveis que tomarei como critério, e ·que entendo por ~a maiorparte".. Depois de ter decidido as variáveis, devo construir os me-lhores índices que :puder;· se possível índíces quantificãveis a fimde distribuir ~ população em têrmos dêles. Sàmente então' podereicomeçar a decídír o que entendo por "a maior parte", Isso deveriaem parte, ser. determinado pela inspeção empírica das várias dis-trlbuíções, e seus pontos de contato .

. Minhas variáveis-chaves deveriam; a princípio, ser bastante ge-rais para me proporcionar certa latitude na escolha de índices. em-bora bastante especificas para convidar à pesquisa de Iridíces ernpí-ricos. A medida que avançar, terei de oscilar entre as .concepções .

228'- ,

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e índices, guiado pelo desejo de não perder os sentidos pretendidos.e não obstante ser bem específico quanto a êles. Eis aqui quatrovariáveis weberíanas com as quais começarei:

I. Classe refere-se às fontes e volume de renda. Necessito, por-tanto, de distribuições de propriedade e de renda. O material idealno caso (e é muito escasso, e infelizmente com datas) é uma tabu-Iação combinada da fonte e do volume da renda anual, Assim, sa-bemos que X por cento da população recebe durante 1936 Y milhõesou mais, e que Z por cento de todo esse dinheiro era oriundo dapropriedade, W por cento das retiradas de' homens de negócios,Q por cento de salários. Nessa dimensão de classe; posso definiros círculos superiores - os que têm mais - seja como os que rece-bem determinados volumes de renda, durante determinado tempo

'":,, ou, corno os que constituem, os 20/0 superiores da pirâmide derendas, Examinar as registros do Tesouro e as relações de grandescontribuintes. Ver se as tabelas da Comissão Econômica NacÍonàI'Provisória sóbre' fontes e volume de renda podem ser atuallzadas,

Il. Status refere-se à intensidade da deferência recebida. Paraisso não existem índices simples ou quailtificáveis. Os índices exis-tentes exigem, para sua aplicação, entrevistas pessoais, e são limi-tados, até agora, aos estudos -de comunidades locais, que em suamaioria não têm grande valor. Há ainda o problema de .que, aocontrário da classe, o status envolve relações sociais: pelo menosuma pessoa para receber e outra para prestar a deferência.

É fácil confundir publicidade com deferência, - ou antes, nãosabemos ainda 'SI! o volume de publicidade deve ou não ser usadocomo um rndice de posição de status, embora seja o mais fácil deobter. (Por exemplo: em um ou' dois dias sucessivos em meados demarço de 1952, 115 seguintes categorias de pessoas foram mencionadasnominalmente no Neur YQrk Times - ou em páginas escolhidas -desenvolver ísto.)

lH. Poder refere-se à, realização' da vontade, mesmo que outro~'resistam.' Como o stctus, ainda não foi catalogado em índices. Nãocreio que possa mantê-lo numa dimensão única, mas terei de falara) da autoridade formal - definida pelos direitos e podêres deposições em várias instituições, especialmente militar, política eeconômica. E b)' podêres exercidos ínrormalmente, mas não íns-tituídos formalmente ~ . lideres 'de grupos de pressão, propagan-distas com grande número de veículos à sua disposição etc.

IV. Ocupa.ção retere-se às atividades remuneradas. Novamente,devo escolher qual a característica da ocupação, que tomarei. a) Seusar a renda média das várias ocupações, para classificá-Ias, estareinaturalmente usando a ocupação como um índice, e como a base, daclasse. Da mesma forma, b) se usar o status ou o poder tipica-mente ligados às diterentes ocupações, então estarei usando as ocupa-'ções como índíces e bases do poder, da habilidade 0)'- .~lento. Masisso não'é de' forma alguma, um modo fácil de cl!fssificar pessoas.A habilidade- não mais que o status - não é uma coisa homogênea,'da qual exista mais ou exista .rnenos, TentativaS para tratá-Ia dessaforma têm, habitualmnte, de ser feitas em têrroos do tempo ne-

224

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cessárlo para adquiri-Ias, e talvez isso deva bastar. embora eu espereencontrar uma solução melhor. '

~stes são tipos de problemas que terei de resolver para definiranalltlcamente e emplricamente os clrculos superiores, em têrmosdessas quatro variáveis-chaves. Para finalidades de planificação,suponho tê-Ias resolvido satisfatoriamente e ter distribuído a popu-lação dentro dos têrmos de cada uma delas. Teria, então. quatrogrupos de pessoas: os que estão na cúpula em classe, stctus, podere hábilidade. Suponho ainda mais, que tenha isolado os 20/0 do altode cada distribuição, como um circulo superior. Enfrentarei, então.esta pergunta emplrícamente respondível: qual a interpenetraçãoentre essas quatro distribuições? Uma gama de possibilidades poderser localizada .dentro dêste diagrama simples (-I- ,= 20/0 da cúpula;- = os ~8% 'inferiores).

C I a s se

',. +Stat'lis .Status

P od e T

++ habilidade + 1 25 6

habllidade + 9 10,13 14

+i3 4,7 811 1215 16

Se eu tivesse o material para encher êsse diagrama, êle encerra-ria os principais dados ,e muitos problemas importantes para umestudo dos' altos círculos. Proporcionaria as chnves de muitas ques-tões de definição e substâncía.: , ' ! ,

, Não tenho os dados" e não poderia obtê-Ios - o que torna 'aindamais importante que especule sôbre éles, pois o curso dessa 'refle-xão, , se tôr guiada pelo" desejo de aproximar-me das necessidadesempírícas de uma configuração ideal, atingirei 'áreas importantes,sôbre as quais talvez possa recolher material relevante, como pontode contato e gula para novas reflexões. ,

I ,Há ainda dois pontos que devo acrescentar a êste modêlo geral,

a tiro de' torná-lo !ormabnente completo. As concepções gerais das ca-madas superiores exigematenção para a duraçãc' e mobilidade. A ta-refa, aqui, é, determinar posições 0-16) entre a~ quais há movimentotípico de, indivíduos 'e grupos - dentro da presente geração, e entreas duas ou três últimas gerações.

Isso introduz a dimensão temporal da biografia (ou linhas decarreiras) e da história em meu esquema. Não são apenas novasquestões ernpírícas- são também relevantes para as definições. Poisa) desejamos deixar aberto se ao classificar .ou M? as pessoas em ,têrrnos de .qUalquer de nossas variáveis-chaves, devemos definirnossas categorias em têrmos do tempo que, elas, ou' suas famílias;ocuparam a posição em questão. .Por. exemplo posso querer decidir

15 225

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que os 20/0 superiores do status - ou pelo menos um importantetipo de status ~ consistem dos qUe ali estão pelo menos há duas

.gerações," Também b) desejo deixar aberta a questão de se devoou não construir "uma. camada", não s6 em têrmos de interseçãode múltiplas variáveis, mas também em linha com li definição deWeber, da classe social como composta das posições entre as quaishá "mo.bilidade típica e fácU", Assim, as ocupações burocrática, infe-riores e os trabalhadores assalariados médios e superiores em certasindústrias parecem formar, nesse sentido, uma camada,

No curso da leitura e da análise das teorias de outros,planejando a pesquisa. ídeal e manuseando os arquivos, co-meçamos a organizar,' Uma lista de estudos. especificas.' Al-guns dêles são demasiado" amplos para serem postos .em .prá-tica, e com o tempo serão abandonados, lamentàvelmente.Outros acabarão constituindo material para um parágrafo,lima seção, uma frase, um capítulo; outros, ainda, se trans-formarão em temas que permearão todo um livro. Eis, no-vamente, algumas notas iniciais para vários dêsses projetos:

1) Uma anállse tempo-orçamentária de um dia de .trabalhotípico de dez altos diretores de grandes ernprêsas, e o mesmo paradez administradores federais. ESS3S observações serão combinadaseom entrevistas "biográficas" detalhadas. A (in~lid:Jde é descreveras rotinas e decisões mais importantes, pelo menos em parte, emtêrrnos do tempo a elas dedicado, c obter uma visão dos tatôrcs rele-vantes para as decisões tomadas. O processo variará naturalmentecom o grau de cooperação obtido, mas 'idealmente envolverá, pri-meiro, uma entrevista na qual a história da vida e situação presentedo homem são esclarecidas: segundo, observações do dia, permane-cendo, realmente, a um canto do escritório do entrevistado, e se-g~lndo.o a tõda parte; terceiro, uma entrevista mais prolongada na-'quela noite, ou no dia seguinte, na qual examinaremos a totalidadedo dia e analisaremos os processos subjetivos envolvidos no compor-tamento externo que observamos .

2) Uma análise dos fins de semana ela classe superior, nosquais. as rotinas serão observadas de perto, seguindo-se entrevistasde análises com o homem .e outros' membros de sua tamflia, nasegunda-feira seguinte.

Para ambas as tarefas, tenho bons contatos e, naturalmente, osbons contatos, se devidamente tratados, levam a outros ainda melhores(acrescentado em 1957: isso mostrou-se um engano). .

3) Um estudo da verba de representação de outrosrprivilegiosque, juntamente com os salários e outras rendas, formam Jo padrão cestilo de vida nos altos níveis. A idéia, aqui, é ubter a)go de concretosóbre a • burocrat izaçâo do consumo", li transferência das despesasprivadas para as contas correntes comerciais.

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4) Atualizar o tipo' de informação contido em livros comoAmerica's 'Sb::t;y Familie.s, de Lundberg, que se baseou nos impostospagos 'em 1923.

5) Reunir e sistematizar, dos registros do Tesouro e outrasfontes governamentais, a distribuição dos vários tipos de prppríe-dade privada, pelas quantias. .

6) Estudar à carreira dos Presidentes, todos os membros doGabinete e todos os membros do Supremo Tribunal. Já tenho issoem cartões IBM, desde o período constitucional até o segundo irnan-dato de .Truman, mas desejo ampliar os itens usados e analísá-Iosde nôvo.

..,

! :Há outros "projetos' (35,-aproximadamente) dêsse tipo

(por exemplo, a comparação do volume de dinheiro gastonas eleições presidencaís de 1896 e 1952, comparação deta-lhada do Morgan de 1910 e Kaiser de 1950, é algo de con-creto sôbre as carreiras 'de "almirantes e generais"), Mas, àmedida que avançamos, devemos, decerto, ajustar nossoobjetivo ao que é acessível. '.

Depois de tomadas essas notas, comecei a ler trabalhoshistóricos sôbre os grupos de cúpula, tomando notas oca-sionais (e não arquivadas) e interpretando a leitura. Nãotemos, realmente, de estudar um tópico no qual estejamostrabalhando, pois como já disse, quando estamos no assunto,êle é encontrado por tõda parte. Tornamo-nos sensíveis aosseus temas, vemos 'e ouvimos referências fi: êles em tôda anossa experiência; especialmente, acredito, em áreas aparen-temente não-correlatas. Até mesmo os meios de comunica-ção em massa, em particular os maus Iílrnes e os romancesbaratos, as revistas de fotonovelas e os' programas noturnosde rádio, adquirem nova importância para nós,

4,

Mas o . leitor pode indagar: como ocorrem as idéias?Como é a imaginação estimulada a colocar juntos tôdas asimagens e fatos, a torná-Ias relevantes e dar sentido a êles?Não creio' que tenha, realmente, uma resposta, Posso apenasfalar das condições gerais e de algumas técnicas simples que,acredito, aumentaram minhas possibilidades de ·chegar a al-guma coisa de nôvo.

A imaginação sociológica, permitam-me lembrar, consisteem grande partena capacidade de passar de Uma perspecti-

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'.

va a outra,. e no processo estabelecer 'uma visão adequadad; u~a socled~d.e total de' seus componentes. ~ essa .ima-gma~o .que dlstmgue o cientista social do simples técnicoOs tecmc.os a?eq~ados. p<:dem ser treinados nuns pouco~a;lOsdift imagmação socíológíej, também pode ser cultivada;e a Cllment.~, oC:Jrf: sem um grande volume de trabalho,que com' frequencla e de rotina.·2 Não obstante h'qualíd d' d ' a uma, ~ e :nespera a em relação a ela, talvez porque suaessencia s~J~ u~a c0';lbinação de idéias que não supúnha-mf.s comb:.navels - digamos, uma mistura de idéias da Filo-so Ia al,e~a e da Ecor;omia britânica. Há um certo estado

.• ?e 'e~pmto .alegre atras dessa' combÜ1ação, bem 'COmo ummteresse realme~te. muito grande em ver o sentido do ~undo.qu~ falta ao~ técnicos. Talvez êstes sejam demasiado bemtreinados, tre~nados Com demasiada precisão. Como ninguémpode ser trel~ado. apenas no que já é conhecido, o treina:lento por vezes IDcapacita-nos de aprender novos modos:eva-nos a rebelar-nos contra o que deveria ser a princípio'

espontâneo e desorganizado mesmo. Mas lcmo~de nos ape:gar a Imagens e .noções vagas, se forem nossas; e devemos de-.senvolvê-Ia~, P?IS quase sempre as idéias originais se apre-sentam assim, ,micialmente ..

. Há formas definidas creio, de estimular a imaginaçãosociológica: .' . '

1)., N.o nív,el mais conéreto, a .redisposição do arquivo ..como ja disse, e uma forma de convidar a imaginação. Sim:'plesrnente esvaziamos pastas ate então desligadas entre .simtsturarnos s.eu conteúdo, e lhe damos nova disposição. Pro~curam~.s. f~ze-lo de forma mais ou menos despreocupadaA fr~quencla e a. extensão dessa nova arrumação variam comos 1iferentes problem:s. que temos, e com a forma pela qualevo uern. Mas a mecanica do processo é apenas essa. Deve-'mos. ter em mente, decerto, os vários problemas sôbre osquais estamos trabalhando ativamente, mas também. pro-cura:emos ~r passivamente receptivos a qualquer ligação im-prevista e nao-planificada. .

~'

i82 Ver "os excelentes t'

criadora" de Hutch' ar ~goS sõbre ·percepção" e "realizaçãonízado nor Patríck lnMsoln,1hem tudy of lnternational, RelCltions, orga-

'" 1 U a Y. N. York, .1949.

228

I1I,

',.,

2) Uma atitude lúcida em relação às frases e palavrascom que as várias questões são definidas libera, com fre-qüência, a imaginação. Procuremos sinônimos para cada: umde nossos têrmos-chaves nos dicionários e nos livros técnicos,a fim de conhecer tôda a extensão de suas conotaçôes, Essehábito simples nos levará a aperfeiçoar os têrmos do proble-ma; e portanto defíni-los com menor número de palavras emaior precisão. Sàmente conhecendo os vários sentidos dadosa cada palavra,' podemos escolher exatamente aquelas comas quais desejamos trabalhar. Mas êsse interêsse nas palavrasvai mais longe;, Em .todo trabalho" especialmente na .análisedas afirmações 'teóricas, tentaremos manter a 'atenção' sôbreo nível de generalidades de cada palavra, e com freqüênciaverificaremos ser útil decompor. uma afirmação de alto nívelem sentidos mais concretos. Quando isso é feito,a afirma-ção frequentemente se desdobra em dois ou três componen- 'tes, cada qual com dimensões diferentes. Também tentare-mos elevar o nível de generalidade, afastar os qualificadoresespecíficos e examinar a- afirmação ou dedução reformuladamais abstratamente, para ver se a podemos ampliar ou de-senvolver. Assim; de cima e de baixo, procuramos conhecer,em busca de um sentido mais 'cláro, todos os aspectos e im-'plicações da idéia.

3) Muitas das noções gerais que encontramos .se elas-sífícam em tipos, quando sôbre elas refletimos. Uma novaclassificação é o início habitual de urna evolução proveitosa.A capacidade de estabelecer tipos e em seguida procurar ascondições. e conseqüências de cada tipo se tornará, em suma,um procedimento automático. Ao invés de nos contentarmos.com as classificações existentes; em particular as ditadas pelobom senso devemos buscar os denominadores comuns e Iatô-res de dif~renciação dentro e 'entre elas. Os bons tipos exi-gem que. os critérios de classificação sejam explicitos e sis-temáticos, Para isso, temos de desenvolver o hábito da clas--sificação cruzada.·

A técnica dessa classificação não é, decerto, limitada aomaterial quantitativo; na verdade, é a melhor fOrma de ima-ginar e obter novos tipos, bem como criticar e' esclarecer'

.outros, mais antigos. 'Cartas, quadros e diagramas i de tipoqualitativo não são apenas formas de, evidenciar o trabalhojá realizado -:- são, com freqüência" Instrumentos autênticosda produção. ' Esclarecem as "dimensões" dos tipos,que tam-

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·..

bém nos ajudam a imaginar e construir. Na verdade nos úl~times quinze anos não creio ter escrito mais de uma dúzia depáginas de esboços sem usar a classificação cruzada - emboradecerto, não se revelem tais diagramas. A maioria dêlesn~o revela qualquer utilidade, mas ainda assim teremos apren-dído alguma coisa, Quando funcionam, ajudam-nos a pensarcom mais clareza e escrever com mais objetividade. Permi-tem-nos descobrir o pleno alcance e as relações dos têrrnosmesmos com os quaís pensamos e os fatos de que nos ocupamos.

Para o sociólogo, a classificação cruzada é o que a dia-grarnação de uma sentença é para o grarnático. Sob muitosaspectos,a classificação cruzada é a gramática mesma da ima-ginação sociológica. Como' tôda gramática, deve ser con-trolada, não se lhe permitindo escapar aos seus objetivos.

4) Freqüentemente, temos a melhor percepção consi-derando os. extremos - pensando o oposto daquilo que nospreocupa diretamente, Se refletimos sôbre o desespêro, pen-samos também, então, na tranqüilidade; se estudamos o ava-rento, lembramo-nos do perdulário. A coisa mais difícil nom,~do ~ estudar um objeto: quando procuramos contrastarvanos d~les, ternos melhor percepção dos materiais c pode-n~os e~lluo estabelecer as dimensões em que as comparaçõessao feitas. Veremos que oscilar entre a atenção e essas di-mensões e os tipos. concretos é bastante esclarecedor. Essat~cnica é também làgicamente sólida, pois sem uma amostra,s? .podemos formular' suposições sôbre , as 'freqüências esta-t:stlCas: o que pode~os fazer é dar o alcance e os principaistipos de alguns fenômenos, e para isso é mais' econômicoé~n:eça~mos c~onstruindo "tipos polares" que se oponham emvarias dimensoes. Isso não quer dizer) naturalmente, que nãolutare~os 'para ganhar e manter um senso de proporção _que nao busquemos uma chave para as freqüências de deter-~inados tipos. Na verdade, estarnos sempre tentando COm-bm?r essa busca com a procura de índices para os quais po-denamos encontrar ou colhér estatísticas.

Devemos USar vários pontos de vista ~ essa a minha idéiac,e~tral. Perguntaremos, por exemplo, como um cientista po-Iítioc que .lemos rec~n,temente abordaria tal pontol ou comoo abordanam tal psícólogj, experírnen tal, ou tal histOriador?Pr~curan:os pensar em têrmos de vários pontos de vista, e

, assim deixamos que nossa mente se transforme num prisma

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..::"

móvel colhendo luz de tantos ângulos quanto possível.Quant'o a isso; escrever diálogos é muito útil.

Muitas vêzes nos descobriremos pensando contra algu-ma coisa, e ao procurar compreender um, nôvo campo ~t~lectual, uma das primeiras coisas a Jazer é expor os pnnci-pais argumentos. Um dos sentidos da expressão "estar a parda literatura" é ser capaz de localizar os adversários e ami-gos de todo ponto de vista existente. Incídentalrnente, nãoé muito aconselhável nos impregnarmos demasiado da lite-ratura - podemos afogar-nos nela, como Mortímer. Adler.

'TalveZ o importante seja saber quando devemos e, quan-do não devemos.

5) O fato de que, em favor da simplicidade, na elas-sííicação cruzada, devemos trabalhar primeiro em têrmos desim-ou-não, estimula-nos a pensar nos extremos opostos. Issoé geralmente bom, pois a análise qualitativa, ná? pode proIX?r- •cíonar as 'freqüências ou grandezas. Sua técnica e seu obje-tivo e dar a variedade dos tipos. Para muitas finalidades, nãoprecisamos de -mais do que isso, embora para outra, decerto,precisemos de obter' uma idéia mais precisa das proporçõesem jôgo.' .

A imaginação pode ser libertada, .às vêzes, invertendo-sedelíberadarnente o senso de proporção. OJ Se alguma coisa nosparece .muíto pequena, imaginar que é simplesmente enorme,e indaguemos: 'que diferença faria isso? E vice-versa, p~raos fenômenos gigantescos. Que aspectos teriam as aldeiasanalfabetas, COmpopulações de 30 milhões? Hoje, pelo me-'nos) não penso, nunca, em contar realmente, ou medir,nada antes de ter jogado com cada um de seus elementose condiçôes e conseqüências, num mundo imaginário no' qualcontrole a escala de tudo. É, isso que- 'os estatísticos -deve-riam entender mas não entendem, com sua horrível [rasezí-nha "conhece; o' universo de fazer a amostragem".

G) 'Qualquer que. seja o problema de qu: nos ocupa-mos veremos ser útil tentar obter uma percepçao comparadado material. A busca de casos comparáveis, seja numa ci-vilização e período histórico, ou em vários, nos dá as chaves.

es Kenneth Burke, an~lisando Nletzsc:he, deu a isso o nome de"perspectiva pela incongruência". Ver' Burke, Permanence, andChange, N. York, 1936.

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".

Jam~i~ deved~mos pensar em descrever uma, instituição naAmenca do século XX, sem ter em mente instituições seme-lhantes em outros tipos de estruturas e períodos. Isso ocor-re mesmo que não façamos comparações explícitas. Como, t:mpo, chegaremos quase automàticamente a orientar bis-toncament~ a nossa reflexão. Uma, razão disso é que porvêzes o objeto de nosso exame é limitado em número: paratêrmos dêle uma percepção comparada, temos de colocá-Iadentro de, uma moldura histórica. Ou, em outras palavras,a abordagem pelo contraste exige o exame do material his-tórico. Isso por vêzesresulta em aspectos úteis para uma aná-líse de k>Jdfincias, ou leva a uma tipología de fases. Omaterial histórico, ,portanto; será usado devido ao desejo dese obter um alcance 'maior, ou um ·alcance mais adequadode algum fenômeno - e por isso entendo uma perspectivaque inclua as variações de dimensões conhecidas. Certo co-nhecimento da história é indispensável ao sociólogo; nem talconhecimento, não importando o que mais saiba, estará sim-plesmente inválido.

7) Há, finalmente, um ponto que tem mais relaçãocom o ofício de preparar um livro do que com a liberaçãoda imaginação. Esses dois aspectos são, porém, com fre-qüência, um mesmo: a forma pela qual dispomos o materialpara apresentação sempre afeta o conteúdo de nosso traba-lho,'. Adquiri tal. idéia com um grande compilador, LambertDa~J.S, que d.epols de ver como a usei, creio que não a acei-tana como filha sua. Essa idéia é a distinção entre o temae o tópico.

. O tópico é um assunto, como "a carreira dos diretoresde emprês~" ou "o crescente poder dos oficiais militares",ouvo declínío das matronas na sociedade". Habitualmente,a maior parte do que temos a dizer sôbre um tópico podeser fàcilmente colocada num capítulo ou parte de capítulo.'Mas a ordem na qual todos os nossos tópicos é disposta nosleva, com freqüência, ao reino dos temas.

O tema é uma idéia, habitualmente de alguma tendên-cia .significativa, um conceito importante, uma distinção-cha-ve, com a racionalidade e razão, por exemplo. Ao trfballiar-mos na construção de um livro, quando chegamos a com-preender os. dois. ou três ou, segundo o caso" os seis ou seteternas, então saberemos que estamos no' alto da tarefa. Re-

conhecermos êsses temas porque insistem em serem arras-tados para todos os tipos de tópicos e talvez julguemos quese trata de simples repetições. E por vêzes o são! É quasecerto que estarão, sempre, nos parágrafos mais .densos e con-'fusos, mal escritos, 'de nosso manuscrito.

O que devemos fazer é isolá-Ias e .formulá-los de modogeral, com a maior clareza e brevidade possível. Então, bemsístemàtícamente, devemos estabelecer uma classificação cru_Ozada dêles, dentro do âmbito total de nossos tópicos. Issosignifica que indagaremos de cada tópico: corno é afetadopor êsses ternas? r:: ainda: qual o sentido, se houver, de cadaum dêsses temas e dêsses tópicos?

O tema pode exigir um capítulo ou uma seção, talvezao ser introduzido inicialmente, ou talvez num sumário final.

.,. . Em geral, creio que a maioria dos autores - bem como dospensadores mais sistemáticos - concordarão que 'em deter-minada altura todos os temas devem aparecer juntos, emrelação mútua. Com freqüência, embora nem sempre, é pos-sível fazer isso no início de um livro. Habitualmente, emqualquer livro bem construído, deverá ser feito mais ou me-nos no fim. E, evidentemente, em todo o livro devemospelo menos relacionar' os temas com cada tópico. É maisfácil escrever sôbre isso do que fazê-Ia, pois a questão nemsempre é tão mecânica. quanto aparenta. Mas por vêzes é- pelo menos, se os temas estão devidamente isolados e es-clarecidos. Mas aí está a questão. Pois aquilo que no con-

~ -..I texto do' artesanato literário tem o nome de tema, no COn-I j.... texto do trabalho. i~telectual recebe o nome .de idé!as.o-, ~"~ Podemos verificar, por vêzes, que um livro nao tem, na

>vIr (;J' realidade, temas. É apenas uma fileira de tópicos,' cercados.~ ir: r( por introduções metodológicas à' metodologia, introduções

j' : [' IÍ teóricas à teoria. Elas são; na verdade, indispensáveis ao~ J' ~ preparo de livros por homens sem idéias. .E indispensável'(j'~ \/{ \ também é a .falta de inteligibilidade.

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5.Todos concordarão em que Os trabalhos devem ser apre-

sentados em linguagem clara e simples" na medida em queo assunto e os pensamentos o permitam. Mas como podere-mos notar, uma prosa empolada e políssílábíca não predo-mina Das Ciências Sociais .. Os que a empregam julgam, creio

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.•

eu, estar imitando a "ciência física", e não' têm consciênciade que tal prosa não é totalmente necessária. Já disse, naverdade e com autoridade, que há "uma crise seria na alfa-betização" - crise de que participam os cientistas sociais. &.Será essa linguagem peculiar provocada pelo fato de estaremsendo debatidos questões, conceitos, métodos sutis e pro-fundos? Se não, quais então as razões daquilo que MalcolmCowley chamou, apropriadamente, de "soclíngua"? es Seráela realmente necessária para um trabalho adequado? Sefôr,nada se poderá fazer; mas se não Iôr, então COmoevitá-Ia?

Acredito que essa falta de inteligíbilídade fácil habitual-mente nada tem a ver com a complexidade do assunto, nemcom a profundidade do pensamento. Relaciona-se quase to-talmente com certas confusões do autor acadêmico sôbre seupróprio staius.

Em muitos círculos acadêmicos, hoje, quem tentar es-crever de forma simplesmente inteligível é condenado como"simples literato" ou, pior ainda, como "simples jornalista".Talvez o leitor já saiba que tais frases, tal como habitual-

. mente usadas, indicam apenas uma dedução espúria: super-ficial, porque compreensível. O homem acadêmico na Amé-rica está procurando levar uma vida intelectual sériaynumcontexto social que, com freqüência, parece contrário a ela.Seu prestígio deve compensar muitos dos valôres predomi-nantes que sacrificou ao escolher a. carreira acadêmica. Seudesejo de prestígio toma-se dependente de sua auto-imagem

. como' "cientista". Ser chamado de "mero jornalista" faz com.que se sinta indigno e superficial. É esta situação, creio, arazão do vocabulário complicado e da forma prolixa de es-crever e falar. É menos difícil aprender tal estilo do que

et Foi Edmund Wilson' considerado de modo geral como "omelhor critico no mundo de 'Ungua inglêsa", que escreveu: "Quantoà minha experiência com artigos de especialistas em Antropologia eSociologia, levou-me a concluir que a exigência. em minha univer-sidade ideal, de. ter os trabalhos de todos os departamento"s subme-tidos a um professor de Iíngua, poderia resultar nó revãluclcnamentodêsses assuntos ~ se é que o segundo dêles conseguíése, realmente,sobreviver." A Piece of MV Mind, N. York, 195{).p. 164.

e; Malcolrn Cowley, "Sociological Habit Patlerns in Linguistic:'Transmogrification", The Repórter, 20'de setembro de 1956,pp. 41 e 55.

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não aprendê-lo. Tomou-se uma. convenção - os que não oempregam, estão sujeitos à desaprovação. l~ode ser resultadode um cerrar fileiras acadê-micas dos medíocres, que compre-enslvelments -excluem aquêles ..que despertam a atenção daspessoas inteligentes, acadêmicas ou não. .

. Escrever é pretender a atenção dos leitbres. Isso é partede qualqu.er. estilo .. Escrever' é também pretender para si umstaius pelo menos bastante para ser lido .. O jovem acadê-mico participa muito de arribas as pretensões, e porque senteque lhe falta uma posição pública, com freqüência coloca ostaius acima da atenção do leitor a que se dirige. Na verda-de, na América, até mesmo .os mais realizados homens deconhecimento não gozam de' muito prestígio entre amploscírculos e públicos. Sob êsse aspecto, o caso da Sociologia éum exemplo extremo: em grande parte, os hábitos socioló-gicos de estilo nasceram na época em que os sociólogos tinhamreduzido staius, até mesmo entre outros intelectuais. Odesejo de prestígio é uma das razões pelas quais os acadê-micos escorregam, com tanta facilidade, para o ininteligível.E esta é, por sua vez, a razão pela qual não alcançam 6siaius desejado. Um círculo verdadeiramente vicioso - masdo qual qualquer intelectual pode sair fàcilmente,

Para superar a prosa acadêmica, temos. de superar pri-meiro a: pose acadêmica. É muito menos importante estudara gramática e ·as raizes da língua do que esclarecer nossasrespostas a estas três perguntas: 1) Quais, no final das con-tas, a dificuldade e a complexidade de meu assunto?' 2) Quan-do escrevo, que' staius estou pretendendo para mim mesmo?3) Para quem procuro escrever? . ' .

1) A resposta habitual à primeira pergunta é: nã; étão difícil e complexo quanto a forma adotada para apresen-t~-lo. A prova disso está em tôda parte: revela-se' pela faci-lidade Com que 95% dos livros de ciência social podem ser .traduzidos em linguagem ao alcance de qualquer pessoamedianamente culta. ee

ao . Para alguns exemplos dessa tradução, ver o capitulo 2. Inci-dentahnente, o melhor livro que conheço sôbre o problema de reda-ção é o dé Robert Graves e Alan Hcdges, The ·Re-ader Ouer YOUT

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Mas, indagará o leitor, não precisamos, por vêzes, de têr-mos técnicos?·07 ~ claro que sim, mas "técnico" não signi-fica necessàriamente "difícil", e sem dúvida, não significa ummero jargão. Se os têrmos técnicos são realmente necessá-rios, e também seu sentido é explicado ..clara e precisamente,não será difícil usá-los num contexto simples, que os apre-sente Significativamente para o leitor.

Há talvez uma objeção: as palavras da linguagem comumestão quase sempre "carregadas" de sentimentos e valôres epor isso seria melhor evitá-Ias em favor de novas palavrasou têrmos t'::I:riicos. Eis' minl:ia respcsta·:: é' certo "que ,as pa-'lavras comuns estão por vêzes "carregadas". Mas muitostêrrnos técnicos em uso na ciência social também estão car-"regados. Escrever com clareza é controlar tais "cargas", dizerexatamente o que queremos, e' de forma que somente êssesentido, e apenas êle, será entendido pelos outros. Supo-nhamos que DOSSO sentido pretendido esta limitado por umcírculo de um metro e meio, no' centro do qual ficamos nós;suponhamos que '0 sentido compreendido pelo nosso leitoré outro círculo semelhante, no qual está êle, Os círculos,esperemos, se confundem. As proporções em que êles seconfundem retratam o êxito com que nos comunicamos. Nocírculo do leitor, a parte que não se confunde - 'é a áreado sentido não-controlado; êle lhe deu o sentido que quis.Em nosso círculo, a parte que não se confunde - é outramostra de nosso fracasso: não conseguimos transmiti-Ia.

~h01.Lder, N. York, 1944. Ver também o excelente debate por Barzune Grat!, The ModeTn Resea.TcMT, op. cit.; G. E. Montague, A. Wri-ter'3 Nous on His Tra.de, Londres, '19W-1949, e Bonamy Dobrée,Modem. 'Prose Style, Oxford, 1934-1950. . .

.6r Os que compreendem B. linguagem matemática muito melhordo que eu dizem. ser ela precisa, econômíca.. clara. É .por isso quedescon!lo de tantos cientistas sociais que pretendem para a Mate-mática um lugar central entre os métodos de estudo social, e nãoobstante escrevem prosa Imprecisamente, antieconómlcamente eobscuramente. Deveriam tomar uma lição com Paul Lazarsfeld, que.acredita multo na Matemática e cuja prosa sempre revela, até mesmo'rium primeiro esbôço, as qualidades matemáticas indicadfs. Quandonão posso compreender sua Matemática, sei que isso é flnseqüênciade minha ignorância; como discordo do que êle escreve em lingua-gem não-matemática, sei que é porque êle está enganado, pois sem-pre entendemos precisamente o que .êle está dizendo, e portantoexatamente onde se enganou.

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A habilidade do autor está em fazer que o círculo de sen-tido do leitor coincida exatamente com o seu, escrever de talmodo que ambos fiquem no mesmo círculo de. sentido con-trolado.

Meu primeiro ponto, portanto, é o de que a maioria da· "soclíngua". não tem relação com qualquer complexidade deassunto ou pensamento. :E:. usada..:.. creio que quase i total-mente -' para as pretensões acadêmicas. Escrever. dessaforma é dizer para o 'leitor (quase sempre íriconscientemente,tenho a certeza): "Sei de alguma coisa. tão difícil que vocêsó poderá' compreendê-Ia se aprender primeiro' minha 'lingua-gem difícil. Enquanto isso, você é' um mero jornalista;' umleigo, ou algum outro tipo subdesenvolvido,"

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2) Para responder à segunda pergunta, devemos dis-tinguir duas formas de apresentar o trabalho de' ciência so-cial, segundo a idéia que o autor faz de si mesmo, e a vozcom a qual fala. Uma forma nasce da idéia de que êle é um

· homem que pode gritar, murmurar ou rir. entre dentes -mas será sempre entendido.. É também evidente o tipo dehomem que é: confiante ou neurótico, direto ou complicado,é o centro de experiência e. pensamento. Descobriu algumacoisa, e nos está falando dela, explicando como a descobriu.É 'essa a voz existente atrás das melhores exposições.

A outra forma de apresentar o trabalho' é a de não usarqualquer voz humana. Essa forma de escrever não é, absolu-

· tamente, uma "voz". É um som autônomo, 'uma prosa Iabrí-cada por uma máquina. O fato de estar cheia de [argão nãoé tão digna de nota .quanto seu rnaneírísmo extremado; riãoé apenas impessoal, é pretensiosamente' impessoal. Os bo-letins governamen·tais· são, por vêzes, escritos nesse 'estilo .As cartas comerciais também. E grande parte da cíêncíasocial. Qualquer escrito - com exceção talvez de algunsgrandes estílístas -' que não seja imagínável como discursohumano é um mau escrito. .

3) Mas finalmente há a questão dos que devem ouvira voz - e refletir nisso também nos leva a pensar nas ca-racterísticas' do estilo. É muito importante para. qualquer

·autor ter em mente exatamente quais os públicos a que sedirige - e também o que realmente pensa dêles, Não são

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questões fáceis: para respondô-Ias bem são necessárias de_Ocisôes sôbre si mesmo bem corno sôbre o conhecimento elopúblico leitor. Escrever é 'pretender ser lido, mas por quem?

Uma resposta foi sugerida por meu colega, Lionel Tríl-líng, que me autorizou a reproduzi-Ia. Devemos supor que'nos pediram uma conferência sôbre um assunto que conhe-cemos bem, perante um público de professôres e alunos detodos os departamentos de uma importante universidade, bemcomo várias pessoas interessadas, vindas da cidade próxima.Suponhamos que êsse público está à nossa frente, e que temo Aireilo de saber; suponhamos que estamos dispostos' atransmitir-lhe êsse conhecimento. E, escrevamos,

Há quatro possibilidades simples à disposição' do cien-tista social como autor, Se êle se reconhecer C0ll10 uma voze supor que fala para um público como o que descrevi, ten-tará escrever lima prosa legível. Se considerar-se como umavoz, mas não tiver CJI1:llCJuerr-onsciôncia elo público, poderácair Iàcilmcute em elucubraçôes ininteligíveis. Deveria termais cautela. Se considerar-se menos uma voz do que umagente de algum som impessoal, então - se encontrar pú-blico - mais provàvclmcute será um culto, Se, sem conhe-cer sua própria voz, não encontrar nenhum público, masfalar apenas para um registro que ninguém faz, então supo-nho que teremos ele admitir que se trata ele um verdadeirofabricante de prosa padronizada: um som anônimo num gran-de salão vazio,' É um espetáculo aterrorizador, como na

'nove.!a de Kaíka, e realmente deve' ser: estarnos falando do,..~irriite da, razão,

A linha entre a profundidade e a verborragia é, comfreqüência, delicada; perigosa mesmo. Ninguém negará oencanto curioso' daqueles que '--:- como, no .pequeno poemade Whítrnan - ao início de seus estudos, ficam tão conten-tes e atemorizados, ao mesmo tempo, com o primeiro pas-so, que não desejam mais ir além. Em si, a língua constituium mundo maravilhoso, mas, envolvidos nesse mundo, nãodevemos tomar a confusão do início com a profundidade dosresultados acabados. Como membros da comunidade ,aca-dêmíca, devemos ver-nos como representantes de tuma lín-guagem realmente grande, e esperar e exigir de nós mes-mos que, ao falar ou escrever, estejamos dando, prossegui.mento ao discurso do homem civilizado.

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Há ainda outro ponto relacionado com a influência mútuaentre' a escrita e o pensamento. Se escrevermos apenas comreferência ao que Hans Reíchenbach chamou' de "contextoda descoberta", seremos compreendidos por muito poucagente; além disso, tenderíamos a ser bem subjetivos em nos- 'sa formulação. Para tornar mais objetivo o nosso pensa-mente, qualquer que seja, devemos trabalhar no contexto daapresentação. Finalmente, apresentamos nosso pensamentoa nós mesmos, o que tem, com freqüência, o nome de "pen-sar claramente". Então, quando sentirmos que o temos emforma, o apresentamos a outros - e verificamos que não. odeixamos claro. Estarnos, agora, no "contexto da apresen-tação". Por vêzes observamos que. ao .tentar apresentar nos-so pensamento, o modificamos - não só em suas formas,mas também em seu conteúdo. Surgirão novas idéias à me-dida que trabalharmos no contexto da apre.sentação. Em .s~ma,será um nôvo contexto de descoberta, diferente do original,em nível mais alto, creio, porque mais socialmente objelivo.E novamente não podemos divorciar o que pensamos do queescrevemos. .Ternos de nos movimentar entre êsses dois con-textos, e sempre que nOS movimentamos é bom saber paraonde estarnos indo,

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Do que eu disse, poderemos compreender que na prá-tica jamais "começamos a trabalhar num projeto": já esta-mos "trabalhando", seja num veio pessoal, nos arquivos, nasnotas tomadas aos rascunhos, ou nos, empreendimentos dirí-gídos, Seguindo êsse modo de vida e trabalho, haverá sem-pre muitos tópicos que desejaremos ampliar! Depois de nosdecidirmos quais são êles, tentaremos usar topo o nosso ar-quivo, nossas notas de leitura, nossa conversação, nossa sele-<'.ãode -pessoas - tudo, para êsse tópico' ou tema, Estamos

:ocurando construir um pequeno mundo encerrando' todosos elementos-chaves que participam Ido trab~lho.a ser exe-cutado colocar cada um dêles em seu lugar;' de modo sís-temátíco, reajustar continuamente essa estrutura em relaçãoaos' fatos que ocorrem em cada uma de suas partes. Viversimplesmente nesse mundo construido é 'saber o que é ne-cessário: idéias, fatos, idéias, números, idéi,s.

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. Assim, descobriremos e descreveremos, fixando os tipospara a ordenação do que descobrimos. focalizando e organi-zando a experiência, distinguindo os itens por nome. Essabusca de ordem nos levará a procurar padrões e tendênciasencontrar 'relações que possam ser típicas e causais. Pro-curarer,n0s, em suma, os sentidos das coisas que encontramos,das COIsas que possam ser interpretadas como mostra visívelde algo invisí~el. Faremos um inventário de tudo o queparece envolvído no que estnmos procurando compreender,Buscaremos o essencial, e cuídadr».. .'.,sisternàticamente rela-ci?~<lrc;:n0:: êsses itens com outros.. a LUl de formar uma es-pecie de rncdêlo funcional. E então relacionaremos êsse mo-dêlo COm o que estivermos procurando explicar. Por vêzesé dífícíl, mas com freqüência, não o conseguiremos. '

. Mas sempre, entre todos os detalhes estaremos buscan-do incUcadC?res que possam mostrar a pri~cipal tendência, 'asformas subjacenres e as tendências do 'âmbito da sociedadeem meio do século XX. Pois, no fim, é isso - a variedadehumana - que constitui sempre o objeto de nossos escritos:

Pensar é lutar para impor ordem, e ao mesmo tempoabarcar o maior número possível de aspectos. Não deve-mos parar de pensar dcmusiado cedo - ou deixaremos decon~ecer tudo o que devemos. Não podemos permitir quecontínua para sempre, ou nós mesmos explodiremos. É êsse~ile~a, creio, que torna a reflexão, nas raras ocasiões em quee mais ou menos bem sucedida, a emprêsa mais apaixonantede que o ser humano é capaz.

. - Talvez eu pOSSa resumir melhor o que venh~ procurandodizer, .na forma de alguns preceitos e avisos:

1) . Sejamos um bom artesão: evitemos qualquer nor-i. .ma de procedimento rígída .. Acima de tudo, busquemos de-senvolver e usar a imaginação sociológica. Evitemos o fetí-chísmo do método e da técnica. É imperiosa a reabilitaçãod? artesão intelectual despretensioso, e devemos tentar ser,DOSmesm~s, êsse artesão. Que cada homem seja seu própriometodologísta, que, cada homem seja seu própri~ técnico;

. ~ue a teona e o metodo Se tornem novamente parte da prá-tíca de um artesanato. Defendemos. o primado do intelec-tual individual; sejamos a mente que enfrenta, por si mes-ma, os problemas do homem e sociedade.

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2) Evitemos a síngularídade bízantína dos Conceitosassociados e dissociados, .0 rnaneírismo da verborragia. Im-ponhamos a nós mesmos, e aos. outros, a simplicidade dasafirmações claras. Só usemos os têrmos complicados quandoacreditarmos firmemente que sua utilização amplia o âmbitode nossas sensibilidades, a precisão de nossas referências, aprofundidade de nosso raciocínio. Evitemos usar a inínteligí-bilidade como meio de fugir aos julgamentos sôbre a socie-dade - c como meio de Iugír aos julgamentos cios leitoressôbre nosso l.,.d~:lll:c.

'. 3) Façamos as construções trans-hístóricas que julgar-mos necessárias, mas pratiquemos- também as rninúcias sub--históricas. Estabeleçamos uma teoria bastante formal e mo-delos do melhor modo possível. Examinemos' em detalhe ospequenos fatos e suas relações, e os grandes acontecimentosímpares também, Mas não sejamos fanáticos: relacionemostodo êsse trabalho, continuamente e de perto, com O nívelda realidade histórica. Não suponhamos que alguma outrapessoa fará isso para nós, algum dia, nalgum. lugar. Torne-mos nossa tarefa como deíínídora dessa realidade; formule-mos nossos problemas em seus têrrnos; em seu nível tente-llIOS resolver tais problemas c assim solucionar as questões epreocupações que envolvem. E jamais ·escrevam.os mais detrês .páginas sem ler em mente pelo menos um .exemplosólido. .

4) Não estudemos apenas um ambiente pequeno de-pois' de outro: estudemos as· estruturas sociais nas quaís osambientes estão organizados. Em têrrnos dêsses estudos de

. estruturas mais' amplas, escolhamos os ambientes que precisa-mos estudar detalhadamentee os examinemos de' modo a com-preender a .influência mútua entre êles e a estrutura. Pro-cedamos de modo semelhante no que se relaciona com o pe-ríodo de tempo. Não sejamos apenas jornalistas, por' maisprecisos. O jornalismo pode ser uma grande realização Inte-lectual, mas a nossa é maior! Não ·nos limitemos, portanto,a relatar pesquisas insignificantes em limitados momentos detempo. Tomemos como nosso âmbito temporal o curso da'história e localizemos nêle as semanas, anos, épocas que exa-minamos.

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5) Devemos compreender que nosso pbjetívo é o en-tendimento comparado e pleno das estruturas sociais que sur- .

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giram e hoje existem na história mundial. Para realizar êsseobjetivo, devemos evitar a .especialização arbitrária dos de-partamentos acadêmicos existentes. Especializaremos' varia-damente nosso trabalho, segundo o tópico e, acima de tudo,segundo o problema significativo. Ao formular e tentar re-~olver tais problemas, não hesitemos, na verdade procure-mos, de forma permanente e imaginativa, valer-nos das pers-pectivas e material, idéias e métodos, de qualquer e de to-dos os estudos sensíveis do homem e da sociedade. São nossosestudos; .são parte do .tiLle somos parte; não deixemos' que nossejam tírados por aquêles que os encerrariam num jargãoestéril e nas pretensões de especialização

6) Mantenhamos sempre os olhos abertos para a ima-gem do homem - a noção genérica de sua natureza humana- que pelo nosso trabalho, estamos supondo e considerandoimplícita. E também para a imagem da história - nossanoção de corno a história está sendo feita. Numa palavra,devemos desenvolver e rever continuamente nossas opiniõessôbre os problemas de história, de biografia e de estruturasocial, nos quais a biografia e a história se cruzam. Mante-nhamos nossos olhos abertos para as variedades da indivi-dualidade, e para os modelos de transformações de épocas.Devemos usar o que vemos e o que imaginamos como chavespara nosso estudo da variedade humana.

7) Devemos saber que herdamos e estamos levandoà frente a tradição da análise social clássica; por isso, bus-quemos compreender o homem não como um fragmento iso-'lado, não como um campo ou sistema inteligível, em si mes-mo. Procuremos cornpreendê-lo como agente histórico e'social, e as formas pelas quais sua variedade é complexa-mente selecionada e íntríncadamente formada' pelas varie-dades de sociedades humanas. Antes de concluirmos qual-quer trabalho, por mais ocasional, orientemos êsse trabalho

. para a tarefa central e permanente de compreender a estru-tura e a 'tendência, o condícíonarnentoe os sentidos, de DOSSOpróprio período, o terrível e magnífico mundo da sociedadehumana na segunda metade do século XX.

8) Não devemos permitir. que as questões públicas, taiscomo oficialmente formuladas, nem as preocupações, taiscomo experimentadas privada mente, determinem os proble-mas que estudamos. Acima de tudo, não devemos abrir mão

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d~ nossa autonomia moral e ~oütica, aceitando, pelas condi-çoes de alguma outra pessoa, o praticalismo iliberal do ethosburocrático, ou o pratícalísmo liberal do díspersívo. Muitosproblemas pessoais não podem ser resolvidos simplesmentecomo preocupações, mas devem ser compreendidos em têr-m~s _de questões públicas - em têrmos dos problemas dec~açao, d? processo histórico. O sentido humano das ques-toes públicas pode ser revelado relacionando-se tais questõescom as preocupações pessoais - e com os problemas da vidaindividual. Os 'problemas da ciência social; quando forrnu-lados adequadamente, devem incluir tanto as preocupaçõescomo as questões, a biografia e a história, e o âmbito de suasrelações complexas. Dentro dêsse âmbito, a vida do indiví-duo e a evolução das sociedades ocorrem; e dentro dêsseâmbito a imaginação sociológica tem sua possibilidade deinfluir na qualidade da vida humana de nossa época.

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