01 - persephone

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  • H coisas piores que a morte. Pessoas piores tambm.

    A conversa era ruim o suficiente, mas para quantas adolescentes se diz que uma deusa? Quando sua me lhe diz isso, Persephone tem certeza que sua me enlouqueceu. No at que Boreas, o deus do inverno, tenta rapt-la, que ela percebe que sua me estava dizendo a verdade. Hades a resgata e, a fim de trazer Persephone com segurana ao submundo ele marca-a como sua noiva. Mas Boreas no vai parar por nada para conseguir Persephone. Apesar de seus sentimentos crescentes por Hades, Persephone quer voltar para o reino vivo. Persephone deve encontrar uma maneira de derrotar Boreas e recuperar sua vida.

  • Para minha filha, Isabella Elise Bevis.

    Eu tenho trabalhado em Persephone toda a sua vida,

    e ela tem sido muito compreensivo para uma criana.

  • 4

    Captulo I

    Persephone...

    Eu me curvo, fazendo o meu melhor para ignorar o som do meu nome

    sendo sussurrado no vento, enrolando-se em mim em uma brisa sensual.

    Antigamente eu teria me virado, tentando encontrar quem disse o meu

    nome, agora eu sabia melhor. No havia ningum l. Nunca houve ningum

    l.

    Pena que eu no tinha percebido isso antes de toda a escola comear

    a pensar que eu era louca.

    Persephone...

    Eu estava comeando a pensar que eles estavam certos. Eu

    podia sentir algum me observando. Olhos furando um buraco na parte de

    trs do meu pescoo, arrastando-se sobre a minha pele. Os sons abafados

    de meus colegas de classe fez pouco para me fazer sentir segura. Sussurros

    de tecido enquanto as pessoas se moviam, unhas arranhando pele, lbios

    batendo juntos, e algum respirando alto demais. Acima de tudo isso

    Professor Homer falava tranquilamente. Raro em professores, mas ele ainda

    era novo.

    Algo roou minha espinha e eu virei com o corao na garganta s

    para ver os ramos inocentes dos arbustos balanando ao vento.

    Est tudo bem, Kora? Os culos do professor Homer brilhavam

    ao sol. Ele protegeu os olhos com a mo, olhos castanhos enrugados de

    preocupao.

    Sinto muito. Desviei os olhos do arbusto e enfrentei o Professor

  • 5

    Homer. Ele esperou por Rachel e as gmeas, Jessica e Ashley, pararem de

    rir antes de continuar a histria.

    Eu abaixei minha cabea para ignorar os seus risos e sussurros. O ar

    em torno de mim enrijeceu como gelo frio. Ningum mais notou. Minha

    respirao desacelerou, e eu me forcei a ficar presa ao cho, to slida e

    imvel como o tronco cinza da rvore de carvalho na minha frente. Levou

    todas as fibras do meu ser no fechar os olhos.

    Por favor, no me veja.

    O pensamento era to ilgico como um cervo rezando para no ser

    descoberto por um caador. Eu j estava na mira do caador.

    Voc est bem?

    Eu pulei ao som do sussurro da Melissa; seus olhos castanhos

    permaneceram virados ao Professor Homer para faz-lo acreditar que ela

    estava prestando ateno. Ele estreitou os olhos em sua direo, sem perder

    uma batida na histria que ele estava dizendo a classe.

    No real, eu me lembrei, e me agarrei distrao que ela

    forneceu. Eu dei ao Professor Homer um sorriso inocente, tocando o meu

    polegar no meu peito para assinar que eu estava bem para Melissa. Ns

    tnhamos aprendido anos atrs a linguagem gestual americana para

    compartilhar segredos, mas ASL muitas vezes no era discreta. Para

    aprender outro idioma secreto, nos inscrevemos para Latim.

    No levou muito tempo para perceber que o vocabulrio no era o foco

    da classe de Latim. No, ns tivemos que aprender sobre declinaes, casos,

    conjugaes, e estruturas de sentena. No admira que a lngua estivesse

    morta.

    Professor Homer tentou mant-lo interessante, misturando educao

    clssica e mitologia. A partir de amanh comeava a pausa de inverno, e

    dois teros dos nossos colegas estavam tendo exames compensatrios,

  • 6

    estvamos tomando o que ele chamou de dia da sade mental. Ele

    encostou-se ao tronco da rvore de carvalho, mocassins marrons que

    espreitavam para fora sob as bainhas de suas calas de alfaiataria. Um

    bloco amarelo cheio de notas rabiscadas a esmo estava apoiado contra o

    tronco da rvore.

    Uma mudana no tom de voz me chamou a ateno. Enrolou as

    mangas de sua camisa azul, movendo as mos, enquanto ele contava a

    histria. Ele se inclinou para frente, a voz tornando-se ameaadora.

    Oreithyia danou em cima da margem do rio, sem saber que estava

    sendo observada.

    Uma nuvem passou sobre o sol, banhando a classe na sombra

    sbita. Arrepios subiram em meus braos quando a temperatura

    despencou. Eu vacilei quando uma rajada de vento derrubou o bloco de

    notas com um baque. As pginas amarelas se abriram, enviando pedaos

    soltos de papel flutuando em direo ao lago.

    De repente, o Deus do Inverno, Boreas, a varreu para longe em

    uma nuvem e... Professor Homer vacilou diante da viso dos papis que

    escapavam. Casou com ela.

    Revirei os olhos. Aos dezesseis anos, no era como se Melissa e eu no

    tivssemos ideia sobre o que aconteceu com a pobre Oreithyia. Ao meu lado,

    Melissa balanou a cabea como se eu tivesse falado em voz alta.

    Professor Homer continuou. Por quase um sculo depois, o povo de

    Atenas traou sua linhagem at Oreithyia e Boreas, alegando compartilhar

    o sangue dos deuses. Algum pode me dizer o que h de especial sobre este

    mito?

    Isso explica o inverno, certo? A voz de Rachel atraiu o meu

    olhar, passando por Alex, at onde ela estava sentada na extremidade oposta

    da pedra que nossa classe estava usando como um banco, ladeada por

    Ashley e Jessica.

  • 7

    Certo! Professor Homer sorriu, e cada menina suspirou. Os

    gregos antigos no sabiam por que as estaes mudavam ento eles vieram

    com mitos para explicar. Todos os anos, no aniversrio do rapto de

    Oreithyia, fica mais frio por que era quando comeou seu cativeiro.

    Um arrepio subiu minha espinha. Eu odiava o inverno. Felizmente eu

    morava em Athens, Georgia, onde o inverno raramente era srio at o final

    de janeiro e finalizado em abril. Pensei em Oreithyia, varrida em uma nuvem

    fria, e estremeci.

    O que h com voc hoje? Melissa perguntou quando a classe se

    separou.

    Essa camisa parece realmente boa em voc. Voc deve usar roxo

    com mais frequncia. Eu parei, abaixando para recolher minhas

    coisas. Eu no sabia como colocar a minha paranoia em palavras sem soar

    louca.

    Obrigada. As bochechas estreitas de Melissa coraram contra

    sua pele cor de azeitona. Ela me deu um olhar irnico para mostrar que ela

    no era alheia ao fato de que eu tinha evitado a pergunta, mas para meu

    alvio, ela no me pressionou ainda mais. Voc quer comer aqui?

    Essa uma grande ideia! Rachel saltou, passando por trs de

    Melissa. to lindo l fora. Antes que pudesse det-la, ela chamou as

    gmeas. Melissa me deu um olhar de desculpas.

    A pgina amarela parou em meus ps. Eu arranquei-a do cho, e

    caminhei para onde o Professor Homer estava reunindo pginas perdidas

    antes que o vento pudesse lev-las de novo. Ajoelhei-me para ajud-lo.

    Voc no sabe que meio-dia? Ele colocou uma pgina

    amassada no meio do seu bloco de notas. Voc no deveria estar fugindo

    deste lugar horrvel?

    Inclinei a cabea em direo ao estacionamento. Era apenas visvel

  • 8

    sobre o monte, mas mesmo a partir daqui ficou claro que estava engarrafado

    por mes pegando seus filhos. No perodo integral os alunos da escola

    infantil saiam mais cedo do que ns, mas meio-dia estragava tudo. Eu

    no acho que algum est chegando rpido a lugar nenhum.

    Menina esperta. Ele sorriu, encontrando meus olhos. Suas

    pupilas dilatadas, seus olhos castanhos desaparecendo em preto. Eu olhei

    para os papis. A ltima vez que eu tinha visto isso, aos oito anos de idade,

    eu tinha sido emparelhada com uma rvore de decorao da cerimonia e ele

    tinha professado seu amor por mim na frente de toda a escola. Eu tinha sido

    humilhada!

    A mo de Professor Homer escovou a minha quando chegamos para o

    mesmo mao de papis. Ele sacudiu a mo para trs como se tivesse sido

    picado por uma jararaca e ficou de p. Voc poderia resgatar o que sobrou

    deles e deix-los fora antes de sair? Eu estarei por perto por um tempo esta

    tarde.

    Meu aceno ficou desnecessrio quando ele j estava se afastando na

    direo ao crculo de edifcios brancos no horizonte. Senti os seus olhos me

    observando e engoli em seco, encontrando-me sozinha na beira do

    lago. Quando eu peguei o resto dos papis, minha mo se deteve sobre uma

    pgina amarela, metade submersa na gua, flocos de gelo subindo na outra

    metade.

    Que diabos...? Eu fechei meus olhos e balancei a cabea. Eu

    realmente estava louca se eu estava vendo gelo com aquele sol perfeito.

    Ei, Kora! Melissa chamou. Vai comer ou no?

    Yeah. Eu me levantei, virando, ento eu no tinha que olhar

    para o lago. Um som crepitante veio da gua, e eu apressei o passo at

    chegar parede de pedra. Sorri em agradecimento por Melissa se lembrar

    de me chamar pelo meu nome do meio. Era mais fcil dizer e muito mais

    normal do que o meu primeiro nome. Melissa e minha me ainda me

  • 9

    chamavam de Persephone, mas elas tinham me conhecido desde o

    nascimento, assim que eu as deixava continuarem com isso.

    Voc viu aquele olhar que ele lhe deu? Perguntou Jessica.

    Eu dei-lhe um olhar de morte, empurrei os papis na minha bolsa, e

    me sentei ao lado de Melissa. Atrs de ns, um trio de sniores,

    evidentemente, chegou mesma concluso sobre o estacionamento e

    comeou a jogar futebol entre eles.

    Eu aposto que voc ganha um A em sua aula. Ashley riu.

    Voc se importaria de deixar esses papis na minha sala?

    Rachel zombou, com a voz entrecortada, enquanto ela balanou as

    sobrancelhas.

    Oh meu Deus! Querem todas calarem a boca? Melissa agarrou.

    Isso no o que ele quis dizer.

    Parece que algum est com cimes, brincou Jessica.

    Sim, Melissa disparou de volta. E no sou eu.

    Engoli em seco, verificando para ver se algum tinha notado. Elas se

    sentaram em um silncio constrangedor, bem zangadas uma com a outra

    para ouvir vozes ao vento. Melissa puxou o almoo de sua bolsa de couro

    gigante, dividindo metade comigo sem dizer uma palavra. Nenhuma de ns

    ofereceu para as gmeas ou para Rachel. Oferecer comida a elas ou seria

    interpretado como um convite para almoar com a gente ou para reclamar

    sobre o seu peso, e ns no queramos oferecer tambm.

    Rachel puxou protetor solar fora de sua bolsa e apertou-a em suas

    mos. O qu? Ela perguntou, quando todos ns olhamos para ela.

    S porque dezembro, no significa que no vai queimar. Ela esfregou

    sobre suas pernas plidas, parando quando alcanou seu short Soffe.

    Ento, Kora, isso tudo que voc vai comer?

    Por qu? Olhei para o rolo inteiro de gros, cenoura, aipo,

  • 10

    sementes de rom e blueberries. Qual o problema com isso?

    Isso , tipo, zero ponto. A voz de Ashley foi mergulhada com

    falsa simpatia.

    Ela quer dizer que no h muitas calorias, explicou Jessica. Seu

    cabelo castanho era cortado curto para distingui-la de um cabelo mais longo

    de sua irm gmea. Minha me est fazendo dieta de novo, e ela est

    rotulando cada pacote em nossa casa com um marcador preto para que ela

    saiba quantos pontos tem. Ela revirou os olhos para mostrar sua opinio

    do mtodo de dieta especial.

    Sim, voc deve comer carne ou queijo, ou algo assim,

    acrescentou Rachel.

    Eu sou vegetariana. No era uma coisa dos direitos dos

    animais; Tinha sido assim toda a minha vida. Minha me e eu preferamos

    comer coisas que vieram a partir do solo.

    Rachel balanou a cabea e pegou o telefone. Aqui. Estou

    presenteando-lhe um e-book que lida com o seu problema.

    Que problema? Olhos de Melissa brilharam.

    Rachel soltou um suspiro profundo com os lbios fechados que

    bufaram sua franja vermelhas no ar. Kora. Ela falava pausadamente,

    como se ela no quisesse continuar, mas seus olhos brilhavam, contando

    outra histria. Voc no precisa passar fome para perder peso. Quer

    dizer, a quantidade que voc perdeu j no saudvel.

    Todos os 40 quilos do fino corpo de Melissa tremiam de raiva. Oh?

    Voc est diferente. Jessica acenou com a mo. Voc est

    mais alta. Kora, voc como, o qu, 1.47 metros?

    1.52.

    Exatamente.

  • 11

    isso que vocs estavam cochichando durante a aula? eu

    perguntei incrdula. O meu problema? Eu coloquei a palavra entre

    aspas de ar.

    O qu? Ashley franziu a testa, e depois riu. No, alguma

    caloura idiota chamou Joel para sair esta manh e foi completamente

    rejeitada. Foi brutal. Ela riu. Voc deveria ter estado l.

    Ah. Eu realmente estava paranoica. Ningum tinha falado sobre

    mim, e ningum estava me observando em tudo. Provavelmente foi tudo da

    minha cabea. Meus ombros soltaram, e eu me permiti relaxar.

    No mude de assunto, Kora. Voc no tem que ter medo de pedir

    ajuda. A voz de Rachel era to aucarada que eu me senti doente.

    Tomei um grande gole da minha garrafa de gua para evitar

    protestar. Em vez disso, deixei Melissa mastig-los para fora, com a voz

    firme, com raiva.

    Eu comia, s no grandes refeies. Eu gostava de lanche durante

    todo o dia. Eu no tinha feito nada para perder peso. Meu corpo emagreceu

    e tonificou por conta prpria depois de eu completar dezesseis anos.

    Ouvi o riso suave na brisa, o som to frio que eu tremi. Os olhos de

    caador furavam buracos na parte de trs do meu pescoo. Esfreguei-o, me

    perguntando se eu deveria contar a algum sobre os sentimentos que eu

    tinha tido.

    Dizer-lhes o qu? Eu me perguntava. Esse algum estava me

    seguindo? Desculpe, me, no posso descrev-lo, porque eu nunca vi

    realmente essa pessoa. apenas um sentimento.

    Hey! Melissa acenou com a mo bem cuidada na frente do meu

    rosto. Onde voc foi?

    Pluto. Corei enquanto eu me perguntava quanto tempo ela

    estava tentando chamar minha ateno. Sinto muito.

  • 12

    Voc se lembrou de trazer os bilhetes para o concerto de Orpheus?

    Voc est pronta para ir aos bastidores?

    De jeito nenhum! Melissa exclamou e soltou um grito estridente,

    bombeando seu punho no ar. De jeito nenhum!

    Como voc conseguiu ingressos? Ashley cruzou as pernas sob

    ela e se inclinou para frente. Tem estado esgotados h meses!

    Dei de ombros. Minha me conseguiu isso de alguma forma.

    Isso em Atlanta, certo? Perguntou Jessica.

    Yeah. Estamos hospedados em um hotel. Melissa conseguiu

    manter a presuno fora de sua voz, mas eu ainda podia dizer que ela

    gostava da importncia dessa afirmao.

    Sozinhas? perguntou Rachel, incrdula.

    Nossa me nunca iria deixar isso. Ashley compartilhou um

    olhar com a sua irm.

    Eu reprimi um sorriso. Minha me confiava em mim. Diferentemente

    da maioria dos pais, se eu lhe dissesse que iria seguir suas regras, ela

    acreditava em mim. Eu vou ter que trabalhar na loja de flores da minha

    me cada minuto do intervalo, para compensar isso, mas completamente

    vale a pena.

    Absolutamente, concordou as meninas.

    Eu quero aquele grande recorte de papelo que ele tem no shopping

    para o meu aniversrio. As bochechas de Jessica ficaram rosa quando

    nos viramos para olhar para ela. Oh, vamos l, quem no gostaria de

    acordar e olhar para aquilo em seu quarto. Esse homem um deus.

    Rachel riu e comeou a dizer algo, mas alguma coisa atrs de mim

    chamou sua ateno. Seus olhos se arregalaram. Eu ouvi o meu nome

    carregado pelo vento, senti o olhar penetrante, ento engasguei quando algo

  • 13

    me atingiu por trs com fora suficiente para forar o ar dos meus pulmes

    para fora. Eu ca para frente, ofegando. As mos de Melissa dispararam em

    minha direo. Rachel e as gmeas gritaram de surpresa.

    Uma sombra caiu sobre mim.

  • 14

    Captulo II

    Eu sabia que no estava louca, eu no tinha tempo para me

    perguntar se a insanidade pode ser prefervel antes de sentir mos me

    pegando por trs.

    Voc est bem? Era Joel. Ele pegou a bola e jogou-a de volta na

    direo de seus amigos. Don, eu lhe disse para ter cuidado onde voc est

    jogando essa coisa!

    Eu vou viver, eu consegui dizer, simultaneamente aliviada que

    esse cara no era o sussurrador de nome assustador e irritada com a

    perspectiva de que ainda podia estar enlouquecendo. Empurrei-me do cho

    e me sentei, as mos se movendo automaticamente para arrumar meu

    cabelo.

    Eu encontrei-me olhando olhos azuis deslumbrantes. Ele me lanou

    um sorriso confiante e estendeu a mo. Sou Joel.

    A introduo foi intil. Eu sabia quem ele era. Todo mundo sabia

    quem ele era. Ao contrrio da maioria dos garotos na escola que tinha estado

    aqui desde a pr-escola, ele tinha sido transferido no seu ltimo ano. Eu

    tinha visto ele por perto, mas nunca tive coragem de falar com ele.

    Quando eu no disse nada ou aceitei a mo estendida, o sorriso

    vacilou. Persephone, certo?

    Kora, corrigi. O cotovelo afiado de Melissa cavou o meu lado.

    Hum, e essa Melissa. Ela me lanou um olhar irritado e, em seguida,

    deu um olhar aguado para a mo estendida.

    Certo. Eu corei e apertei sua mo. Senti uma picada de dor quando a

  • 15

    eletricidade esttica passou pelos meus dedos com um pop audvel.

    Ei, Melissa. Ele deu-lhe um sorriso fcil e varreu seu cabelo

    loiro de seu rosto.

    As bochechas dela coloram. Oi.

    Eu sou Rachel. Rachel estendeu a mo para ele. Eu me

    empurrei para trs quando a mo dela chegou perto de bater em meu

    rosto. A voz dela levou as gmeas a anunciarem seus nomes. Joel balanou

    a cabea, mas no as poupou do relance.

    Eu no te vi no ltimo jogo? Continuou ele, quando se tornou

    bvio que eu no era muito de falar.

    Ela no vai para os jogos. Jessica chegou mais perto de Joel.

    Sim, Ashley acrescentou Sem esprito escolar, eu acho.

    Mas eu estou em todos os jogos. Rachel afofou seu cabelo, como

    se isso fosse o que ela fazia todo o tempo e no fosse a presena de Joel que

    a levava a fazer isso. Eu vi voc fazer o touchdown final. Eu nunca vi

    algum correr to rpido.

    Melissa deu-lhes um olhar mordaz. Kora, eu estou indo buscar as

    minhas coisas, te encontro no carro, e vocs no acabaram de dizer que

    estavam atrasadas?

    No, disse Rachel.

    A voz alegre de Melissa desmentiu seu olhar mortal. Sim, vocs

    disseram.

    Elas pegaram a dica e foram embora. Eu poderia ter matado

    Melissa. Eu no sabia o que dizer a caras! Houve um silncio constrangedor

    e, em seguida, eu me levantei.

    Eu deveria ter ido levar isso para o Professor Homer. Eu

    segurava os papis amarelos na minha mo e me dirigi para o Edifcio

  • 16

    Lampkin.

    Joel estava ao meu lado em um flash. Eu vou lev-la. Ele no

    parecia mais confiante. Ele parecia constrangido. Eu quero dizer, um, se

    voc no se importar.

    Eu sorri. Eu no me importo.

    Ns fizemos nosso caminho pelo caminho de paraleleppedos tecidos

    por uma trilha de rvores de magnlia e maples (tipo de rvore) com folhas

    vermelhas brilhantes.

    Ento... Joel parou quando chegamos sala de aula. Sobre

    o futebol, eu estou realmente...

    Est tudo bem, eu assegurei a ele.

    Ele hesitou. Ei, eu estava pensando, se voc quer ir- Ele tocou

    minha mo. Olhei para ele, encontrando seus olhos. Suas pupilas se

    arregalaram e ele parou no meio da frase.

    Ele se inclinou para mim. Eu recuei e encontrei a porta da sala de

    aula. Eu no tinha percebido quo pouco espao havia entre ns antes.

    Eu... hum... eu deveria ir, eu guinchei, tateando atrs de mim

    para a maaneta. Eu abri a porta e praticamente cai na sala de aula.

    Confuso marcou as caractersticas de Joel. Certo. Eu sinto muito.

    Ele ficou vermelho. Vejo voc, ele murmurou antes de se retirar para

    o corredor.

    Como a maioria das salas de aula na Academia de Atenas, a porta do

    lado de fora abriu direto para a sala de aula, luz inundava a sala pelas

    janelas do cho ao teto. Eu esperei at que Joel estava fora de vista antes

    de me virar para encontrar o Professor Homer.

    Ele estava sentado em sua mesa atrs da parede de vidro que

    separava seu escritrio da sala de aula, uma caneta vermelha danava

  • 17

    atravs do papel de algum estudante infeliz. Passei os cartazes alusivos a

    Roma antiga e coloquei os papis sobre a mesa, movendo o Coliseu de peso

    de papel em cima deles para que eles no voassem para longe. Ele deu um

    aceno distrado, curvando para frente sobre o papel. Sua caneta fez uma

    barra vermelha com raiva atravs da pgina. Eu esperava que no fosse

    meu.

    Eu passei no banheiro no meu caminho para o carro, franzindo a

    testa. No era normal o Professor Homer apenas dispensar um

    estudante. Ele nem sequer me disse para ter umas frias agradveis. Engoli

    em seco, sem saber se realmente era o meu trabalho que ele estava

    corrigindo. Minha traduo de A Ilada foi to terrvel que ele no podia

    sequer olhar para mim? Fechei a porta do box, empurrando o bloqueio de

    deslizamento em seu suporte. Eu estava calculando o que a nota final iria

    fazer minha mdia, quando eu ouvi Jessica rindo.

    O que ele v nela? Ela to estranha. A porta bateu e eu pulei.

    Eu no entendo por que ela se esfora tanto. E voc j olhou para os olhos

    dela? Eles tm que ser lentes de contato, certo? Ningum tem olhos dessa

    cor.

    E o cabelo dela? perguntou Ashley.

    Houve um segundo de silncio e eu podia imaginar as trs olhando

    uma para a outra. Loira de garrafa, disseram em unssono.

    Elas esto falando de mim? Meus olhos eram verdes, mas eu nunca

    tinha notado nada de anormal sobre eles. Eles eram da cor de uma nova

    folha de grama, assim como minha me. Toquei uma mecha do meu cabelo

    loiro-mel. Elas no podiam estar falando de mim. A cor do meu cabelo no

    mudou nos ltimos 13 anos. Minha me teria um ataque se eu o tingisse.

    Essa no a nica coisa sobre ela que falsa. Jessica riu.

    Ouvi dizer que ela fez plstica durante o vero.

    Definitivamente, no era eu.

  • 18

    Ela age de modo inocente, tambm! Melissa praticamente seu

    co de guarda. A voz de Rachel ecoou pelo banheiro. repugnante.

    Ouvi dizer que ela est com o Professor Homer, disse Jessica.

    Ugh. Voc acha que eles j fizeram aquilo no sof? perguntou

    Ashley. A sala do Professor Homer era famosa por ter um sof de couro ao

    lado da estante.

    to errado dela ficar com Joel, disse Rachel.

    Voc quer saber de uma coisa grave? perguntou Jessica. Ela

    est provavelmente transando com Professor Homer agora.

    As meninas gritaram, e Jessica continuou. Eles esto,

    provavelmente, no sof fazendo-

    Eu entrei no banheiro, calando qualquer que seja a coisa bruta que

    ela diria em seguida. Obriguei-me a tomar uma respirao profunda e abrir

    a porta do box cinza salpicado, me restringindo de jog-la aberta.

    Encontrei seus olhares, no desviando o olhar, at que elas

    derrubaram seus olhares. Com passos medidos, passei por todos os azulejos

    brancos reluzentes at chegar a pia e lavei as minhas mos. Eu queria

    quebrar o silncio, mas por que torn-lo mais fcil para elas?

    Orgulhosa que minhas mos no tremiam, eu cavei uma escova da

    minha bolsa e arrumei o meu cabelo, e endireitei o meu vestido de

    camponesa azul, voltando-me para ter certeza que eu parecia bem por trs.

    As meninas estavam na porta como se fossem feitas de pedra. Eu olhei

    para elas e mantive meus braos ao meu lado em vez de cruz-los como eu

    queria.

    Jessica reuniu a coragem de falar, sua voz indignada. Voc-

    Eu estava usando o banheiro. Talvez da prxima vez que vocs

    quiserem espalhar lixo em um local pblico, vocs devem ter mais cuidado.

  • 19

    Eu sinto muito. Rachel tropeou em cada palavra. No

    deveria ter dito-

    No, voc no sente. Voc est dizendo isso porque voc foi pega.

    Ashley revirou os olhos. Oh, como se voc e Melissa no falassem

    sobre ns quando no estamos por perto.

    Eu no penso em voc quando voc no est por perto. Voc esto

    planejando me manter aqui o dia todo? Eles olharam para mim, confusas,

    ento um gesto para trs delas. A porta.

    Oh. Jessica soltou uma risada nervosa. Oops. Elas saram

    do meu caminho e eu deixei o banheiro, pisando rpido para evitar que a

    porta batesse no meu calcanhar.

    Quando cheguei ao meu bug amarelo bati a porta com tanta fora que

    a margarida grbera branca caiu do seu vaso no painel.

    O que aconteceu? Perguntou Melissa. Seu cinto de segurana

    estava preso, ela tinha o Facebook aberto em seu telefone. Quanto tempo eu

    tinha desperdiado ouvindo esse lixo?

    Eu balancei minha cabea e peguei minha margarida com um

    sorriso. Era difcil ficar com raiva no meu carro. Minha me tinha comprado

    para o meu aniversrio de dezesseis anos em maro passado, e eu usei meus

    poucos salrios da loja para adicionar as bordas da margarida para os pneus

    e os recortes de flores para as luzes de freio. Eu mesma tinha uma etiqueta

    de licena de flores silvestres que soletrava meu nome.

    E ento? Melissa perguntou depois que samos do

    estacionamento.

    Voc pode chamar as nossas mes e deixar que elas saibam que

    estamos a caminho? Eu no quero desperdiar mais um minuto, e elas no

  • 20

    vo falar comigo se acharem que eu estou dirigindo.

    Eu j fiz isso. Eles disseram para conduzir em segurana.

    Sempre. Eu virei para Timothy Road. Ugh. Voc no vai

    acreditar no que eu ouvi!

    Minha recapitulao da conversa durou at chegarmos estrada 316,

    e as descries coloridas de Melissa das nossas colegas e quais os destinos

    que acreditava que deviam cair sobre elas pegaram o restante da viagem de

    45 minutos para Atlanta.

    Ela se calou quando as autoestradas 75 e 85 fundiram-se e uma

    parede de caminhes que convergiam para um ou outro lado de ns. Eu

    queria poder ficar na pista da direita mais lenta em movimento, mas mantive

    mudando em uma pista de sada. Eu fiquei na faixa do meio por segurana,

    mantendo o que eu sentia era uma distncia razovel atrs de outro

    caminho intimidante. Um conversvel vermelho espremido na minha

    frente, seguido por um SUV preto.

    Srio? Segurei o volante.

    Eu acho que voc tem que seguir mais perto. A voz de Melissa

    estava apertada com a tenso. Eu avancei para frente e quase fui empurrada

    para o lado por um txi amarelo que no se incomodou dar seta. Ou no.

    Uma enorme rajada de vento bateu no meu carro, empurrando-o para

    a esquerda em direo a pista da esquerda. Um Civic azul buzinou, dirigindo

    para fora do nosso caminho.

    Melissa gritou e eu me agarrei ao volante, tentando manter o carro na

    nossa pista. Com uma converso audvel, o vento empurrou-nos do lado do

    motorista.

    O que est acontecendo? Melissa gritou.

    o vento! Agarrei-me ao volante quando uma rajada

    impulsionou o carro para frente. Eu resisti vontade de espremer os olhos

  • 21

    fechados quando aproximamos de um SUV preto.

    Por que no est afetando os outros carros?

    Eu estava muito ocupada tentando no bater nos outros carros para

    perceber como eles estavam sendo afetados. Eu cerrei os dentes e acendi

    minhas luzes de alerta, esquivando para a faixa da direita segundos antes

    de colidir com o SUV. O Prius prata no tinha escolha, alm de frear e

    deixar-nos passar.

    Tijolos, Melissa murmurou. Eu dei-lhe um sorriso

    tenso. Melissa sempre brincou que ela ia manter uma pilha de tijolos no

    carro para os maus condutores. No m ideia, mas com a nossa sorte eles

    simplesmente explodiriam de volta para no meu para-brisa.

    Uma pista para baixo, eu anunciei. Duas para sair. Meus

    dedos doam de segurar o volante enquanto eu tentava manter o controle do

    carro e esperei que os outros motoristas me deixassem passar.

    Eles no podem ver as luzes de alerta? Melissa deu o dedo do

    meio a um branco Dodge Ram rugindo por ns.

    O vento cortou atravs do para-brisa, deixando um rastro de frio em

    seu caminho. Eu gritei quando o carro ficou fora de controle e derrapou para

    o acostamento.

  • 22

    Captulo III

    Buzinas uivaram. Eu bati o p no freio imediatamente antes de bater

    no pilar de concreto de um viaduto.

    Melissa e eu olhamos uma para a outra, ofegantes. Aquilo era gelo?

    Sua mo tremia quando ela apontou para o para-brisa.

    Eu balancei a cabea, tentando alcanar a maaneta da porta. No.

    Melissa falou rpido. No saia.

    Algum pode ter se machucado. Olhei para trs para o centro

    da estrada.

    Nem um nico carro tinha sido pego em nosso rastro.

    Vamos pegar essa sada e dar o fora daqui. Melissa se inclinou

    para frente, como se pudesse fazer o carro ir.

    Tremendo, eu coloquei o carro em marcha e esperei por uma abertura

    de volta para a estrada. Ns rastejamos para frente os vinte ps para a sada

    MLK. Quando a gente sair mapeie o caminho para o hotel.

    Melissa balanou a cabea, instruindo o navegador do meu telefone

    para evitar autoestradas. Ns dirigimos em silncio at que entramos no

    estacionamento do hotel. Minhas pernas tremiam quando sai do carro e eu

    respirei fundo para me acalmar.

    Ns no podemos dizer as nossas mes sobre isso, eu disse.

    Elas nunca vo deixar a gente conduzir em qualquer lugar de novo.

    Melissa parecia perturbada, mas assentiu. Persephone, o que foi

    isso?

  • 23

    Eu balancei minha cabea e dei de ombros. Apenas o vento, eu

    acho. Por que voc no queria que eu sasse do carro?

    Um, porque uma grande maldita rodovia. As pessoas so

    acertadas trocando os pneus.

    Ah. Eu fiz uma careta com o pensamento.

    E o fato de que o seu carro estava apanhado por uma fora da

    natureza. A voz de Melissa estava seca, e pela primeira vez eu no poderia

    dizer se ela estava sendo sarcstica ou sria.

    Eu ri, o som saiu mais alto do que eu gostaria. Isso no

    possvel. Tenho certeza que os outros foram afetados; voc pode no ter sido

    capaz de ver. Eles eram todos enormes SUVs. Bati no meu carro. Este

    um peso leve.

    Havia gelo.

    Dezembro.

    Est a vinte e dois graus!

    Talvez eles estivessem tendo uma festa de Natal em cima da torre

    da CNN? O vento poderia ter vindo de cima do telhado... Eu parei,

    percebendo o quo pouco sentido aquilo fazia. H uma explicao lgica.

    Eu no duvido. Melissa ficou em silncio at que encontramos

    o nosso quarto.

    Virei-me e encontrei seus olhos. Pare de ser assustadora. Vamos

    esquecer isso, ok?

    Melissa suspirou e abriu a porta do quarto do hotel. Eu ainda no

    posso acreditar que sua me aceitou isso.

    Foi ideia dela! Eu sorri para ela em agradecimento por deixar o

    assunto morrer e inalei o cheiro qumico de tapete limpo e entrei no quarto

    mido. Eu ainda no sei como ela conseguiu.

  • 24

    As botas de Melissa deixaram impresses no tapete cor de trigo. Ela

    deixou cair sua mochila verde ao lado de uma das camas queen size com

    um thunk, em seguida, foi at a janela e afastou as cortinas com estampas

    de mrmore.

    Talvez ela tenha um namorado ou algo assim e s queira um tempo

    sozinha. Eu fiz uma careta com a ideia, colocando minha mochila com

    estampas de margarida na cama.

    Estou surpresa que sua me aceitou.

    Voc sabe que ela far qualquer coisa que sua me pedir.

    Melissa lutou com o forro da cortina creme e empurrou-a para o lado,

    revelando as espessas cortinas brancas. Ela suspirou, puxando a corda at

    que as cortinas se abriram no centro, dobrando-se como a porta meu do

    armrio. Finalmente. Luz do sol entrava pela janela.

    Bonito estacionamento. Olhei por ela para fora da janela,

    sorrindo, para que ela soubesse que eu estava brincando. Eu preferia a

    janela nua de cortinas grossas abafadas. A vista do estacionamento ainda

    era melhor do que ficar sufocando em um quarto sem janelas.

    E pensar que poderia ter vivido a vida inteira sem testemunhar

    esta viso maravilhosa. Melissa virou para me encarar. Precisamos nos

    preparar.

    Passamos a prxima hora certificando-nos de que parecamos

    perfeitas no caso de Orpheus nos ver. Vesti um vestido preto que eu tinha

    emprestado de Melissa e gemi quando ele roou o topo do meu joelho. Eu

    odeio ser baixa! Em voc, isso era praticamente indecente.

    Melissa correu uma escova pelo cabelo. Sim, mas eu no encheria

    metade desse decote tambm.

    Eu puxei o decote quadrado para cima autoconsciente, em seguida,

    girei, rindo enquanto a saia subiu no ar. Eu adorava vestidos spinny desde

  • 25

    que eu tinha sete anos.

    Oh meu Deus! Eu vim para uma parada abrupta. Eu pareo

    ter sete anos!

    Voc no parece! O reflexo de Melissa deu um passo ao lado do

    meu. Doze, pelo menos.

    Apertei os olhos para o seu reflexo. Ela no parecia ter sete

    anos. Suas pernas pareciam ir por milhas debaixo de sua saia preta

    apertada. Quatro delicadas correntes negras penduradas em seu pescoo,

    cada uma maior do que a ltima, at que chegaram a sua cintura, brilhando

    sombriamente contra blusa fluida roxa dela.

    Voc est tima. Eu sorri para ela.

    Ah, voc tambm. Ela me deu um par de saltos de tiras pretas.

    Vamos.

    Atravessamos a rua para o Tabernacle, alternativamente, zombando

    umas das outras e dando elogios por todo o caminho. Uma parte de mim se

    sentiu legal e adulta quando ns nos juntamos multido de pessoas que

    pressionavam contra o palco.

    Era alto e claustrofbico, mas no momento que Orpheus entrou no

    palco tudo isso mudou. Nossas energias convergiram com a multido em

    volta. Ns gritamos, pulamos e danamos para suas canes. Senti-me

    fortalecida e exausta.

    Meu cabelo estava uma baguna e eu estava suando quando ns

    empurramos nosso caminho nos bastidores, mas eu no me

    importei. Orpheus estava l, bebendo uma garrafa de gua, enquanto sua

    banda embalava em torno dele.

    Quando ele olhou para cima segurei a mo de Melissa e ela apertou

    com fora. Ele fez uma dupla tomada e se aproximou, uma mulher de

    aparncia comum se arrastava atrs dele.

  • 26

    Ol. Ele parecia tenso e desconfortvel. A maneira como ele

    estava em p na frente da mulher fez parecer que ele estava a protegendo.

    Esta uma grande honra. Prazer em conhec-la, Persephone.

    Pisquei, cativada pelos seus olhos dourados. Kora, corrigi. E

    esta a Melissa. Como voc sabe o meu nome?

    Sua me me contou tudo sobre voc.

    Voc conhece a minha me?

    Seus olhos escureceram. Acho que seria mais correto dizer que eu

    conheo ela. Ontem noite foi a primeira vez que nos falamos.

    Mame tinha arranjado tudo isso uma noite antes do concerto? Olhei

    em volta e percebi que ramos as nicas fs nos bastidores. O que ela havia

    dito a ele? Como ela entrou em contato com ele? E como um deus do rock

    como Orpheus conhece uma dona de loja de flores de Athens, Georgia?

    Minha confuso deve ter aparecido no meu rosto. Orpheus me

    estudou com uma intensidade que me deixou desconfortvel. Ele olhou para

    mim por um longo momento, ento assentiu com a cabea como se tivesse

    chegado a uma deciso.

    Voc realmente apenas uma criana, no ? Olha, eu sinto

    muito. Foi um longo show, e eu posso ficar um pouco nervoso... quando eu

    fico muito cansado. sempre bom conhecer uma... Ele fez uma pausa,

    os olhos procurando os meus. F?

    Eu sorri para ele. Ele acha que me encontrar timo!

    Esta minha esposa, Eurydice, disse ele, apontando para a

    mulher atrs dele. Ela tambm minha empresria. Ele colocou o

    brao em torno de seu ombro e lhe deu um sorriso que derreteu meu

    corao. Eu estaria perdido sem ela.

    Ela acenou, obviamente acostumada com os olhares abatidos de

    adolescentes no seu camarim. bom conhec-la.

  • 27

    medida que trocamos gentilezas a estudei, tentando ver o que tinha

    atrado Orpheus a esta mulher indescritvel. Sua voz era mais profunda do

    que eu teria imaginado de uma mulher com uma constituio to leve. Seu

    cabelo castanho claro fazia um halo crespo em volta da cabea. Sua pele

    plida foi marcada com sardas, e seus olhos cinzentos eram estreitos e

    apertados. Vestia-se casualmente, em jeans e uma camiseta. Meus ps

    doeram quando viram seus tnis parecendo confortveis, lembrando-me por

    que eu odiava saltos.

    Na melhor das circunstncias, essa mulher seria chamada de

    simples. Ao lado dela, Orpheus brilhava como o sol. Sua pele bronze

    imaculada parecia brilhar com sade. Seu cabelo de ouro foi puxado em um

    rabo de cavalo curto, revelando seu rosto retangular. Ele usava sua T-shirt

    de marca sem mangas preta, mostrando seu musculoso brao - e oh Deus,

    eu estava olhando.

    Foi uma cerimnia maravilhosa, disse Eurydice. Pisquei,

    seguindo o olhar para Melissa.

    Parece ser. Eu quero me casar na praia. A voz de Melissa estava

    melanclica.

    Obrigada, Melissa. Talvez eles no tivessem notado minha gafe.

    A sua hora vai chegar. Eu sei que a minha chegou. Eurydice

    sorriu, e naquele instante eu soube o que Orpheus viu nela. Todo o seu rosto

    transformou, radiante com a beleza interior.

    Ento vocs meninas so de Athens? perguntou Orpheus,

    apertando o ombro de sua esposa.

    Como estvamos tendo uma conversa fiada que eu era capaz de

    chegar a meus sentidos o suficiente para perguntar novamente por que ns

    ramos os nicos fs nos bastidores. Como minha me tinha conseguido

    isto?

  • 28

    Antes que eu percebesse, Melissa e eu estvamos em nosso caminho

    para fora da porta, carregadas com uma quantidade surpreendente de

    coisas autografadas. Eu tinha acabado de chegar porta, quando senti uma

    mo escovar meu ombro. Virei-me, surpresa ao ver Orpheus e Eurydice

    atrs de mim.

    Eu normalmente no fao isso. Orpheus me deslizou um carto

    com um nmero de telefone rabiscado mo escrito no verso do mesmo.

    Mas voc vai ter perguntas. Quando voc fizer isso, no hesite em chamar.

    Eu no-

    Voc vai. Orpheus segurou a porta aberta para mim.

    Eu sa pela porta, chocada. Melissa esperou at a porta de metal se

    fechar antes de perguntar: O que ele te deu?

    Eu brandia o carto, um sorriso triunfante se espalhando por todo o

    meu rosto. O seu nmero!

  • 29

    Captulo IV

    Totalmente valeu a pena trabalhar todas as minhas frias, eu me

    lembrei da quarta-feira seguinte, quando o telefone tocou de novo. Obriguei-

    me a tomar uma respirao calma. O ar cheirava a verde e cru. Fechei os

    olhos e tentei escolher os aromas individuais de minhas flores favoritas. Eu

    tinha encontrado o doce aroma de narcisos, a fragrncia inebriante de rosas,

    e uma pitada suave de margaridas quando o telefone vibrou.

    Xinguei sob a minha respirao. As flores poderiam ter cheiros

    relaxantes, mas a viso de muitas delas empilhadas atrs da porta de vidro

    da sala refrigerada e espera de ser feita em arranjos nas frias era

    estressante o suficiente sem mais compradores de ltima hora pedindo a

    cada trs segundos. Pior ainda, o tempo de vinte e dois graus que eu tinha

    aproveitado na ltima sexta-feira havia fugido e estava ficando frio.

    Jardim de Demeter. A voz de minha me era serena. Como

    posso ajud-lo?

    Ela sorriu para mim por trs do balco da frente enquanto ela anotava

    um pedido por telefone. Suas mangas estavam arregaadas e ela tinha uma

    mancha de sujeira em seu rosto, o que significava que ela tinha estado

    plantando no viveiro nos fundos mais cedo. Era mgico assistir as mudas

    irromperem da terra, o amadurecimento sob seu toque verde, era como se

    ela pudesse fazer qualquer coisa crescer a qualquer momento.

    Ela se moveu em torno da loja com uma graa tranquila e a confiana

    de uma rainha. Ser que eu chegarei a me sentir confortvel comigo

    mesma? Eu suspirei, amarrei meu avental verde, e inspecionei a ordem de

    trabalho na minha frente. Narcisos e papoulas. Eu poderia fazer isso.

  • 30

    Eu fiz uma careta quando eu encontrei uma anotao rabiscada no

    verso do bilhete: Narciso. Eu olhei para o nome do cliente e vi que era um

    dos nossos clientes regulares, Flora. Eu poderia imaginar a conversa que

    tinha sido feita para o pedido. A voz estridente de Flora exigindo essas

    pequenas abrteas brancas que tinha visto em um dos outros

    arranjos. Minha me suavemente perguntando se ela queria dizer narciso,

    uma flor menor, frequentemente confundida com abrtea, ento a velha

    insistindo que ela sabia o que ela estava falando at que minha me

    escreveu a ordem e posteriormente a correo a lpis. Para registro, o cliente

    nunca tem razo.

    Ns estivemos ocupadas, comentei quando ela desligou o

    telefone.

    Tem que se amar aos feriados. Ela riu. Como est Melissa?

    Dei de ombros. Ocupada fazendo ramos de frutas. Eu acho que a

    Sra. Minthe vende tantos arranjos de frutas, como ns vendemos flores.

    A me de Melissa era dona de uma loja em Watkinsville que fazia arranjos

    de vrias frutas.

    Mame comeou a falar, mas o telefone tocou. Est tocando

    durante o dia todo, disse ela depois de apertar chamada em espera.

    Eu vou levar isso para trs e trabalhar no berrio. Pode ficar na frente?

    Onde est Chloe? Eu perguntei, temendo a possibilidade de um

    cliente exigindo minha ateno. A loja estava vazia agora, mas eu sabia que

    a cada minuto que minha Me deixava minha vista algum iria entrar.

    O telefone tocou na mo de minha me, lembrando-a do autor da

    chamada em espera. Ela deu-lhe um olhar atormentado. Fazendo

    entregas. Eu no espero que ela volte essa tarde. Ela colocou o meu

    cabelo atrs da minha orelha quando eu fiz uma careta. Os clientes no

    vo morder, eu prometo. O telefone tocou novamente e minha me

    suspirou.

  • 31

    V, disse ela. Eu tenho isso.

    Esperei a porta de madeira pesada fechar antes de trabalhar no

    arranjo de flores. Ns tnhamos a propriedade Jardim de Demeter desde

    antes de eu nascer, e sentia como se fosse minha segunda casa. Eu sorri,

    lembrando que se eu mantivesse minhas notas e entrasse na Universidade

    da Gergia, iria ser a minha casa. Melissa e eu iramos compartilhar o

    apartamento acima da loja.

    Encostei-me ao balco e olhei ao redor da loja, imaginando todas as

    mudanas que gostaria de fazer quando minha me se aposentasse. A loja

    parecia como se tivesse sido esculpida em uma rvore de carvalho. Os pisos

    speros, balco e armrios todos do mesmo tom de mel com pontos marrons

    escuros aparecendo a poucos metros, como botes. Portas de vidro com

    revestimento de madeira montadas nas paredes, mostrando arranjos de

    flores na sua glria refrigerada. Esta poca do ano os vasos lotavam as

    prateleiras. Vasos de plantas penduradas nas vigas. As janelas compunham

    trs paredes da loja, dando aos pedestres uma viso desobstruda de nossa

    mercadoria, e permitindo que a loja fosse preenchida com a luz solar morna.

    Mame e eu chamvamos a loja de O Aqurio, quando no havia

    ningum por perto para ouvir. No havia como se esconder dos clientes

    olhando de fora. Se voc chegou cedo para trabalhar um pouco ou ficou at

    tarde para contar inventrio, eles veriam voc, eles batiam no vidro ou

    chamavam a loja para fazer seus pedidos. Isso me deixava louca.

    A primeira coisa que eu planejava fazer era contratar algum para

    lidar com todos os clientes. Eu sempre amei fazer os arranjos, fazer a

    papelada, e manter o site da loja. Eu s no gostava de lidar com

    pessoas. Eu no lido bem com o confronto, e to amigvel como a maioria

    dos nossos clientes eram, eles sempre queriam descontos, ou pedidos

    urgentes, ou combinaes de flores impossveis.

    Voltei-me para o arranjo, passando fios atravs das papoulas e

  • 32

    deixando o arranjo tomar forma sob minhas mos. Sorri para o projeto

    concludo e escrevi o carto em letra floreada, assinando o nome do marido

    de Flora, como de costume. Ele nunca se lembrava das ocasies especiais,

    ento ela comprava suas prprias flores.

    Aposto que Joel era o tipo de cara que iria se lembrar de enviar

    flores. No que isso importe, eu pensei, sorrindo quando eu coloquei a placa

    no centro do arranjo.

    Como bonito.

    Eu pulei, girando em torno para encarar o homem do outro lado do

    balco. Desculpe?

    As flores. Ele me deu um olhar estranho. Elas so

    lindas. Papoulas e narcisos, certo?

    Eu fiz um rudo evasivo, e ele sorriu pelo prazer de ter adivinhado

    certo. Parece timo. Voc realmente tem um dom.

    Obrigada. Eu tinha certeza de que meu rosto estava vermelho

    brilhante. Eu saltei como se o prprio diabo tivesse batido no meu

    ombro. Agora esse cara deve estar pensado que eu era louca tambm.

    Isso seria uma tragdia. Seus olhos eram a dar cor precisa do ouro

    lquido, como os de Orpheus. Com exceo de seu rosto angular, corte de

    cabelo curto, e o corpo mais magro, ele poderia ser Orpheus. Gostaria de

    saber se eles esto relacionados.

    Horrorizada, eu percebi que eu o estava encarando. Ah... hum...

    como posso ajud-lo? Eu coloquei uma mecha do meu cabelo ondulado

    atrs da minha orelha.

    Seus olhos brilharam com diverso. Minhas bochechas aqueceram

    quando percebi que um cara to quente como ele devia estar acostumado a

    fazer vendedoras ficarem nervosas por razes diferentes do que ser pega

    desprevenida. Olhei para o sino dourado antigo contra a porta, me xingando

  • 33

    por estar to envolvida com as flores estpidas que eu no tinha ouvido

    tocar quando ele entrou.

    ... Arranjo para ser entregue na prxima semana, ele dizia,

    inclinando-se sobre o balco.

    claro. Eu respirei para me recompor. Eu pesquei a caneta e o

    caderno de pedidos do bolso do meu avental, reunindo confiana na rotina

    familiar. Posso pegar seu primeiro e ltimo nome?

    Pirithous, ele respondeu, soletrando para mim. Ele olhou para

    baixo para ler o nome estampado no meu peito. Prazer em conhec-la,

    Persephone, disse ele, pronunciando-o: Purse-a-phone.

    Eu apertei meus dentes. Minha me se recusou a mudar o meu nome

    para Kora no avental. Estava chegando ao ponto em que eu estava pensando

    em consertar eu mesma.

    Persephone, eu corrigi. Assim como Stephanie. Qual a

    ocasio? Eu segurei a caneta sobre o papel.

    Ele sorriu e passou os dedos pelo seu cabelo dourado. O aniversrio

    da minha me.

    Meus olhos se arregalaram quando percebi por que ele achava que eu

    tinha perguntado. Com mais nfase do que a situao exigia, eu escrevi o

    aniversrio da me na linha apropriada para mostrar a ele que eu estava

    pedindo profissionalmente, no pescando para ver se ele era solteiro.

    Meu rosto ficou vermelho em todo o processo de encomenda porque

    Pirithous ficava me provocando ou interpretando mal as minhas

    perguntas. Eu fiquei com raiva quando eu percebi que ele estava gostando

    de me ver to nervosa.

    Eu quis dizer o que eu disse, sabe. Ele se inclinou tanto sobre

    o balco que eu me perguntei como ele manteve o equilbrio.

    Huh? Eu respondi de forma articulada.

  • 34

    Voc linda. Voc... quer tomar um caf em algum momento?

    Ok, eu pensei, o bastante. Hora de retirar as armas grandes.

    Desculpe. Minha me no me deixa namorar at eu completar

    dezoito anos. Alguns caras no se importavam que eu fosse menor de

    idade, mas os que se importavam sempre faziam caretas como se eu tivesse

    oferecido veneno de rato.

    Eu dei-lhe um sorriso inocente e baixei o troco em sua mo

    aberta. Pirithous fechou como se um vento frio tocasse sua pele. Seus dedos

    roaram os meus. Ele sorriu e, pela primeira vez desde que ele entrou na

    loja de flores, olhou nos meus olhos.

    Suas pupilas se arregalaram e ele rapidamente fechou os olhos,

    olhando para longe de mim. Eu no acredito nisso.

    No, realmente, balbuciei to rpido as palavras se embolaram

    juntas. Eu acabei de completar dezesseis anos em maro deste

    ano. Minha me um pouco paranoica, mas voc no pode culp-la com a

    universidade na rua e garotos de fraternidade por toda a cidade.

    Ele estava certo! Filha de Zeus. Eu no imaginava que tinha

    sobrado algum.

    Falando de garotos de fraternidade... No um pouco tarde no

    semestre para se comprometer?

    Sua mo veio para em volta do meu pulso com um aperto de ferro.

    Deixe-me ir, ele demandou os olhos brilhando.

    Depois de voc! Lutei para puxar a minha mo livre.

    Ele riu. Voc no tem ideia, no ? O que voc ? O que voc

    fez? Oh, verdade, voc no pode mentir. Voc realmente tem dezesseis

    anos. Ele balanou a cabea como se em descrena. Ainda melhor. Eu

    pensei que ele tinha me enviado em uma misso tola. Todo mundo sabe que

  • 35

    Zeus est morto, mas aqui est voc, seus olhos brilharam loucamente,

    minha chance de imortalidade.

    Eu puxei meu brao para trs, mas ele no a soltou. Pnico inundou

    meu peito. Voc est drogado? Deixe-me ir!

    Lutei contra seu aperto quando ele me puxou ao redor do balco.

    Voc minha. Eu te encontrei primeiro. Voc pertence a mim!

    Eu agarrei o balco com a mo livre. Meus dedos se fecharam em

    torno de uma caneta, e com mais fora do que eu pensava ser possvel eu

    bati-a em seu brao.

    Ele gritou de dor e eu arranquei meu brao livre e fui para trs do

    balco. Abri a gaveta, derramando o contedo, procurando a pequena faca

    que eu usava para cortar fios e hastes florais. Eu peguei um vislumbre da

    ala verde e agarrei-a.

    Para trs! Eu acenei a faca de arranjo em sua direo.

    Persephone? Minha me chamou, abrindo a porta da sala de

    armazenamento. Est tudo... Ela olhou do sangramento no brao de

    Pirithous at faca pronta no ar.

    Mudei-me entre ele e minha me. Eu vou chamar a polcia! Eu

    pesquei meu celular no bolso do avental.

    Isso pareceu penetrar a raiva manaca de Pirithous o suficiente para

    ele olhar para mim, os olhos cheios de dio. Eu voltarei por voc. ele

    sussurrou, em seguida, correu para fora da porta.

    Como o inferno eu murmurei, fechando a porta atrs dele.

  • 36

    Captulo V

    Vinte minutos mais tarde, eu estava sentada em frente do nosso

    computador assistindo o replay das gravaes da segurana para a

    polcia. Olhei para minha me. Ela parecia to vulnervel encolhida na

    cadeira verde com os ps debaixo dela. Seus olhos estavam arregalados de

    medo, enquanto observava o incidente se reproduzir no monitor.

    Eu no ouvi nada. Estendi a mo e acariciei a mo dela, e seus

    olhos culpados viraram-se para mim. No at que ele gritou.

    Eu no sabia o que dizer. Eu nunca tinha visto minha me com

    medo. Ela no ficava com medo, ela se organizava. Ela fazia malabarismos

    sendo uma me solteira, uma pequena empresria, e ter uma vida social

    intensa com uma facilidade que eu invejava.

    V-la assustada me fez me sentir pior. Minhas mos tremiam

    enquanto eu respondia as perguntas que os oficiais me fizeram antes de sair

    com uma cpia do nosso vdeo de segurana. Minha me fechou a porta

    atrs de si e ficou ali, de costas para a porta, parecendo perdida.

    Voc quer falar sobre isso? ela perguntou.

    Eu balancei minha cabea, de joelhos para pegar as flores espalhadas.

    Ele me assustou.

    Fiquei surpresa quando minha me se ajoelhou ao meu lado, pegou

    vrios objetos do cho, e os colocou no seu devido lugar na gaveta. Eu no

    tinha ouvido-a atravessar a sala.

    Isto foi uma brincadeira de fraternidade, ou voc acha que ele era

    um psicopata? Quero dizer, por que ele viria atrs de mim? Eu pensei nos

  • 37

    sentimentos que eu tinha de estar sendo seguida, a tempestade de neve

    estranha na estrada, e o encontro com Orpheus. Eu balancei minha cabea.

    s que... Nada mais faz sentido. Ouviu esse cara? Ele disse que eu era

    filha de Zeus? E que eu no podia mentir? Voc... voc no v mais louco

    do que isso.

    Engoli em seco. Se eu realmente estava ficando louca, imaginando

    vozes e sendo paranoica, era assim que eu ficaria? Agredir funcionrios

    aleatrios em lojas de flores?

    Eu preciso dizer a ela. Isto no era apenas assustador, era srio. E se

    eu ficar ruim o suficiente para machucar algum?

    Eu acho que ele estava perturbado. Mame reuniu os cartes

    de visita e os colocou de volta no balco.

    Me, eu acho que eu estou ficando louca.

    Ela piscou. O qu?

    Ultimamente tem acontecido coisas muito estranhas, e eu sei que

    no real, no pode ser real, porque ningum mais percebe.

    Ela puxou a cadeira para trs e sentou-se. Que tipo de coisas?

    Tudo saiu em uma confuso. Eu tenho tido esses sentimentos

    estranhos, e todo mundo age estranho ao meu redor. H essa coisa que

    acontece com os olhos e de repente eles no agem como eles mais. E o

    tempo. Eu balancei minha cabea. Quanto mais eu falava, mais estranho

    parecia. Eu no quero enlouquecer e comear a atacar as pessoas.

    Oh, querida. Ela colocou a mo sobre a minha e me chamou

    para a cadeira ao lado dela. Voc no est ficando louca. Isso minha

    culpa. Eu pensei que eu ia ter mais tempo para te dizer, mais tempo para

    prepar-la.

    Dizer-me o qu?

  • 38

    Ela fechou os olhos e respirou fundo. Quando ela falou, as palavras

    pareciam cair fora de sua boca contra sua vontade. Voc uma deusa.

    Me, eu estou falando srio, eu disse irritada com ela por ser

    to leviana.

    Eu ia esperar at voc se formar. Construir uma rede de apoio de

    pessoas que entendem, mas se voc j est mostrando os seus poderes, eu

    esperei muito tempo.

    Minha testa enrugou incrdula. Voc realmente acredita nisso?

    No havia nenhum trao de humor em sua voz.

    Ela me deu um olhar e continuou falando. Voc tinha que agir

    normalmente e se entrosar para estar segura, seria muito mais difcil se voc

    soubesse que no humana.

    No era humana? Minha cabea estava girando. Era gentico. Claro

    que era gentico. Loucura corria em famlias. Me, eu acho que devemos

    chamar algum. Esta noite foi estressante, mas...

    Isto no um colapso nervoso, Persephone. Voc uma deusa.

    Ela parecia mudar cada vez que ela falava essa palavra. Era como se

    ela fosse menos minha me e mais outra coisa. Sua expresso ficou mais

    distante, os olhos de alguma forma ficaram mais velhos, mais

    sbios. Olhando para ela, no havia nada confortante sobre ela que me

    lembrasse a minha me. Isso era outra coisa. Algo poderoso.

    Algo assustador.

    No. Isso era uma loucura. Todo mundo secretamente desejava que

    fosse especial. Mas, em todos os meus sonhos de descobrir que eu era um

    super-herona ou uma bruxa, ou talvez at mesmo uma princesa, eu nunca

    tinha ido to longe como pensar em ser uma deusa. Isso era muito

    pretensioso. Apenas pessoas gravemente perturbadas pensavam que eles

    eram deuses. As palavras que minha me tinha falado no eram uma

  • 39

    fantasia tolervel que poderia ser aceita; elas eram perigosas.

    Pare de dizer isso! Se eu fosse uma deusa, eu teria poderes e

    poderia ter explodido esse cara embora!

    Ns no somos to poderosos quanto costumvamos ser. A

    maioria dos deuses restantes so aqueles que esto associados com a

    natureza. As pessoas ainda acreditam e temem o mundo ao seu

    redor. Temos sorte, Persephone. Como a Deusa da Natureza, a minha

    posio bastante segura.

    Voc acha que a Deusa da Natureza? Eu interrompi em

    descrena.

    Eu presido principalmente sobre a agricultura.

    Pensei em nossa loja. Como Demeter?

    Eu sou Demeter, ou Ceres para os romanos, ou centenas de

    outros nomes, dependendo da poca ou cultura.

    Claro.

    Ela suspirou, parecendo velha e cansada quando ela me estudou.

    Com o tempo voc vai chegar a um acordo com sua divindade. Por enquanto,

    tudo o que voc precisa saber que voc foi descoberta, por isso temos que

    ir embora.

    Espere! Eu chorei, alarmada. Ir? Ir para onde?

    Athens. Temos muitos lugares que podemos ir...

    Como mudar? No podemos, me! Estou no meio do ano

    escolar! E sobre a loja? E a nossa casa? Eu no posso deixar Melissa -

    Melissa vai vir com a gente, claro.

    Como? Controle da mente? Duvido que a Sra. Minthe vai ficar bem

    com voc levando sua filha!

    Eu tinha que fazer alguma coisa antes que ela fizesse alguma loucura,

  • 40

    como colocar a nossa casa no mercado ou sequestrar minha melhor

    amiga. Olhei para o telefone, pensando para quem voc deveria ligar quando

    sua me enlouqueceu. Isso era uma coisa 9-1-1, ou devo pesquisar no

    Google a ala psiquitrica local? O que aconteceria a mim se minha me

    tivesse que ser internada?

    Minthe uma das minhas sacerdotisas. Ela vai para onde ela

    mandada. Melissa a sua sacerdotisa, e ela precisa estar com voc.

    Uh huh, com certeza, me.

    Quanto escola, voc tem uma eternidade para terminar a sua

    educao. Eu espero que ns resolvamos at o final das frias, mas se no

    der-

    Eternidade?

    Sim, querida. Voc imortal.

    Eu ri. Claro. Que bobagem minha. Uma eternidade no ensino

    mdio - o que poderia ser melhor? Meus olhos se arregalaram quando ela

    esvaziou a caixa registradora e se dirigiu ao quarto dos fundos, onde

    mantnhamos o cofre. O que voc est fazendo?

    Persephone, temos que sair daqui! H uma razo pra voc ser a

    primeira divindade plena nascida em milhares de anos. No era seguro

    antes, e este lugar no mais seguro.

    Se voc uma deusa, voc no pode

    simplesmente... ferir qualquer um que vier atrs de ns? Tentei

    argumentar com ela quando ela enfiou o dinheiro todo da loja em sua bolsa.

    Se ns no podemos fazer nada de especial, por que algum iria vir atrs

    de ns?

    Porque voc uma filha de Zeus.

    Eu sufoquei uma risada histrica e esperei at que ter certeza que eu

    poderia falar. Eu sabia que se eu risse agora eu nunca iria parar.

  • 41

    Me, no seja grosseira. Se voc Demeter, ento Zeus seria o seu

    irmo, para no mencionar que ele era casado. Ela olhou para mim como

    se estivesse tentando descobrir a relevncia dessa afirmao. Com outra

    pessoa! Acenei minhas mos, frustrada. Voc realmente espera que eu

    acredite que voc teve um caso com seu irmo?

    Minha me respirou fundo. Isso no funciona assim. Ns fomos

    criados, no nascemos. Geneticamente, no temos nada em comum um com

    o outro. Irmo e irm so ttulos humanos para a relao que temos com o

    outro. E o casamento diferente entre os deuses. Os seres humanos tm

    um cdigo moral muito mais estreito.

    Uma viso falsa me criar como um ento.

    Nada que eu fao sem razo. Se voc quiser, podemos discutir

    os diferentes costumes e padres morais entre deuses e humanos na

    estrada. Temos uma longa viagem pela frente. Agora entre no carro.

    Decidi a alegrar. Era isso ou lev-la a srio, e eu no podia lidar com

    isso. Se eu tratasse isso como uma piada tempo suficiente, talvez ela fosse

    abrir um sorriso, ou rir e admitir estava apenas brincando comigo. Poderia

    ser isso. Mame tinha um horrvel senso de humor.

    Eu suponho que o Monte Olympus uma viagem bastante

    longa. Mas ei, eu sempre quis conhecer o meu pai.

    A maioria dos deuses morreram milhares de anos atrs, quando o

    Olympus caiu.

    Ok, eu estava fazendo graa com ela. Me, eu tenho apenas

    dezesseis anos.

    Eu no podia deix-la vir ao mundo naquela poca, disse ela,

    pegando a minha mo. Eram tempos terrveis. Esperei at que fosse

    seguro. Amaldioei minhas sacerdotisas com a imortalidade, ento eu teria

    sempre adoradores.

  • 42

    No parece muito uma maldio.

    E quando o tempo foi certo, eu fiz Melissa nascer. Eu vou

    amaldioar mais sacerdotisas para voc ao longo do tempo.

    Bem, obrigada por isso.

    Meu sarcasmo se perdeu nela.

    Como uma filha de Zeus, voc especialmente abenoada. Ela

    soltou minha mo e virou-se para dar uma ltima olhada ao redor da loja.

    Voc ser bem sucedida em qualquer coisa-

    Eu no podia ouvir mais. Eu pulei a porta e corri para o

    estacionamento. Minha me tinha perdido a cabea a um delrio de pnico

    de propores greco-romanas. Era minha culpa. Eu trouxe para casa

    muitos dos mitos do Professor Homer.

    Eu me atrapalhei com as chaves, observando a porta da loja para ver

    se minha me saa. Meu carro rugiu para a vida antes que ela chegasse

    porta e a abrisse, engatei a marcha e arranquei do estacionamento, evitando

    a pequena rvore em seu centro. Meu celular tocou e eu silenciei-o, jogando-

    o no banco de trs. Eu liguei o rdio quando me virei para Lumpkin Street.

    Quando Five Points desapareceu de meu retrovisor eu deixei-me

    chorar. O que eu ia fazer? Eu no sabia muito sobre as pessoas malucas.

    Este foi o primeiro passo antes da minha me entrar em algum tipo de fria

    assassina? Oh meu Deus, ser que ela tomou a minha sugesto para ferir

    as pessoas a srio? Eu tinha que avisar a Chloe para no voltar para a loja.

    Estiquei-me para o meu celular instintivamente antes de lembrar que

    ele estava no banco de trs. Eu olhei no meu espelho retrovisor. A tela ainda

    estava acesa, indicando que uma chamada estava chegando ao

    fim. Lembrei-me de mame dizendo que Chloe no estava voltando aps as

    entregas. Eu s esperava que fosse o caso.

    As lojas e trfego desapareceram atrs de mim, substitudas por

  • 43

    rvores e estradas sinuosas. Eu percebi que estava dirigido para a fazenda

    de Melissa. Eu precisava avis-la no caso de minha me realmente tentar

    sequestr-la. Sra. Minthe poderia me ajudar. Ela poderia me dizer o que

    fazer.

  • 44

    Captulo VI

    O mais recente lbum de Orpheus tocava pelo os meus alto falantes

    cantando Mortus Dei, quando o meu bug descia Hog Mountain Road. E se

    ela no estiver louca? Uma voz no fundo da minha mente sussurrou. Eu

    ri. Foi assim que tudo comeou? Vozes se disfarando como meus prprios

    pensamentos? Ela tinha que estar louca.

    Segurei o volante. Se eu comeasse a acreditar nas alucinaes da

    minha me de divindade o meu mundo iria despencar! Se ela estivesse

    dizendo a verdade, isso significaria que tudo o que eu sabia sobre mim era

    uma mentira. Minha me, e at mesmo Melissa, as duas pessoas que eu

    confiava mais do que em qualquer outra pessoa no mundo, tinham mentido

    para mim toda a minha vida.

    No. Eu prefiro acreditar que minha me estava louca. Eles tinham

    plulas para corrigir a loucura. A confiana era mais difcil de reparar. Vidas

    eram mais difceis de reconstruir. Eu no podia me afastar! Esta era nica

    casa que eu j tinha conhecido. Eu corrigiria isso de alguma forma.

    Faz sentido.

    Cale a boca!

    Imagens espontaneamente passaram pela minha mente. Olhos

    desaparecendo atrs de pupilas dilatadas. Geada subindo as pginas

    amarelas. Ventania de gelo em meu para-brisa. Orpheus me entregando o

    seu carto.

    Orpheus... Virei cabea para olhar para o meu telefone, empoleirado

    tentadoramente no banco de trs. Eu xinguei, voltando minha ateno para

  • 45

    a estrada. Um cervo disparou passando. Eu nem sequer abrandei.

    Era isso que ele estava falando? De jeito nenhum. Voc nunca esteve

    doente, eu me lembrei. Deuses no podem ficar doentes, podem? As outras

    crianas na escola ficavam doentes o tempo todo, resfriados, alergias, algo

    assim.

    E a sensao de estar sendo observada, Persephone? Eu

    desabafei. Tem uma resposta para isso? Este livro louco. Quer dizer, eu

    estou mesmo falando sozinha.

    Pirithous mencionou algum o mandando.

    Eu queria colocar as minhas mos sobre os meus ouvidos, mas o

    volante maldito exigiu minha ateno. Eu cantei o mais alto que pude, mas

    a voz dentro de mim no seria silenciada.

    Ouvi a voz de Melissa. Voc sabe que ela vai fazer qualquer coisa

    que sua me pedir.

    Voc vai ter perguntas.

    No! Eu apertei o boto do rdio aumentando a

    msica. Cascalho rangia sob meus pneus quando eu parei na calada de

    Melissa. Eu nem sequer tive tempo de bater antes de Melissa abrir a porta

    e se jogar em meus braos.

    Sua me ligou e disse-nos o que aconteceu! Voc est bem? Ela

    me puxou para dentro da casa antes que eu pudesse formular uma resposta.

    Toda essa conduo imprudente e eu tinha ido exatamente onde ela

    esperava. Vai entender.

    O que a minha me disse exatamente?

    Ela disse que um cara descobriu o que voc e tentou lev-la!

    Descobriu o que voc ! Minha esperana que tudo isso fosse uma

    teoria maluca de minha me estava sendo arrancado do meu alcance.

  • 46

    O que voc quer dizer com isso?

    Ele descobriu que voc uma deusa.

    Eu no conseguia respirar. O mundo girou. Eu estava escorregando e

    deslizando para o lado, incapaz de recuperar o equilbrio.

    Persephone Melissa gritou enquanto eu balanava sobre os

    meus ps.

    Eu respirei fundo, forando os pontos brilhantes a deslizar

    lentamente. Eu tropecei longe de Melissa e de volta para a varanda de

    madeira. Voc tambm, no.

    Eu sinto muito. Eu queria dizer a voc, mas sua me no me

    deixou. Ela estendeu a mo para me firmar.

    Fique longe de mim! Voltei a descer as escadas e ir para o meu

    carro. Melissa gritou atrs de mim, mas eu a ignorei. Eu precisava sair

    daqui. Eu precisava pensar para processar tudo o que tinha acontecido. O

    caminho passou em um borro e eu no conseguia me lembrar de como eu

    me encontrei no Memorial Park.

    Eu fiz o meu caminho para o meu local de piquenique de costume; as

    flores, rvores e fluente fonte de gua no meio do lago espumante sempre

    me acalmaram. Meu estmago roncou, lembrando-me que eu no almocei

    com toda a confuso. Eu cavei na minha bolsa para o meu estoque de

    lanches e tirei um saco plstico cheio de sementes de rom.

    Passei pelo playground em direo ao jardim de rocha, espalhando

    meu cobertor com estampas de margarida em cima da grama

    branqueada. Flores silvestres cresciam, graas ao clima ameno. Minha

    respirao ficou presa quando um pssaro levantou voo dos arbustos

    prximos ponte de madeira que atravessa o lago. Eu comi uma semente

    de rom e tentei pensar. Eu precisava de um plano.

    Meus dedos manchados de vermelho reverentemente agarraram o

  • 47

    carto que Orpheus tinha me dado. Ser que minha me achava que ele era

    um deus? Mame tinha dito algo sobre a construo de uma rede de

    apoio. Talvez fosse por isso que ele agiu de modo estranho ao meu redor.

    Mas Melissa acredita em minha me. O que isso significa?

    Minhas mos tremiam enquanto eu segurava o carto. Se mais uma

    pessoa acreditava em sua teoria, eu saberia. Eu saberia que eu no estava

    ficando louca, que algo estava legitimamente diferente em mim.

    Eu no precisava olhar para o carto para discar o nmero. Meu

    corao ameaou bater livre do meu peito quando o telefone tocou.

    Ol?

    Minha boca ficou seca com o som de sua voz.

    Ol? Ele esperou um instante, parecendo irritado agora. Tem

    algum a?

    Eu desliguei. Eu no poderia perguntar-lhe se eu era uma deusa! Ele

    pensaria que eu estava louca! Ou pior, ele saberia que eu no estava.

    Isso era ridculo. Se eu fosse uma deusa, eu deveria ser capaz de fazer

    algo. Se eu no podia, eu no era uma Deusa. No havia necessidade de

    arrastar ningum para isso.

    Eu no posso acreditar que estou mesmo considerando isso, eu

    murmurei.

    Meu cabelo bateu no meu rosto quando uma brisa passou ao meu

    redor. Sentei-me e coloquei minha mo sobre a terra fresca e escura diante

    de mim, sentindo a energia atravs do solo. Fechei os olhos e me concentrei

    em fazer algo, qualquer coisa, acontecer.

    Eu senti uma ccega contra minha palma e levantei a mo, abrindo

    os olhos. Eu quase ca de cara no cho quando uma haste verde brilhante

    se desenrolou em entre dois dos meus dedos estendidos. Eu quase no

  • 48

    respirava enquanto ptalas vermelhas desabrocharam em uma pequena

    papoula vermelha.

    Engoli em seco. Eu tinha poderes! Eu era uma deusa! Eu no estava

    louca, minha me no estava louca. Melissa, Orpheus, era tudo

    verdade. No era?

    Eu no estou tendo alucinaes, estou? Eu toquei a flor,

    sentindo a ptala de seda escovar contra a minha mo. O vento empurrou-

    me para frente com fora. Meu saco de sementes de rom abriu, espalhando

    as sementes ao redor da papoula. Meu vestido bateu contra meus tornozelos

    como calafrios na minha pele. Ouvi estalos e girei ao redor para ver o cho

    congelando em torno da flor.

    A geada se arrastou em minha direo. Os ramos acima se

    estenderam em direo ao meu rosto, gelo avanando ao longo dos

    ramos. Eu ouvi um estalo alto e um galho enorme quebrou da rvore e foi

    arremessado em direo a minha cabea.

    Eu gritei e tropecei para trs. O ramo caiu na minha frente, raspando

    minhas pernas. Eu corri para o estacionamento o mais rpido que pude. A

    geada se fechando em torno de mim. Eu nunca tinha sido claustrofbica,

    mas quando a geada cortou meu caminho de fuga com um muro slido

    branco, entrei em pnico.

    Nvoa rolava como a morte fria, cortando a minha vista para o

    parque. Enrolando em volta de mim, roando meu rosto, braos e

    pernas. Voltei-me para a rvore e corri mais rpido, meu vestido

    emaranhando-se entre minhas pernas quando o nevoeiro e o vento gelado

    sopraram contra a minha pele.

    O estacionamento para o outro lado! Minha mente gritou. O outro

    caminho estava bloqueado por uma montanha de gelo. Eu me senti como se

    eu estivesse sendo conduzida. Por gelo?

    Eu escorreguei no cho gelado, caindo de cara na geada. Gelo subiu

  • 49

    pelos os meus dedos dos ps e ao longo de minhas pernas. Eu me debatia e

    gritava. Senti o nevoeiro se tornar uma massa slida em cima de mim,

    prendendo-me contra o cho. O gelo se empilhando ao redor do meu

    corpo. Estou sendo enterrada viva?

    Eu cavei minhas unhas na neve gelada na minha frente e tentei abrir

    um caminho para sair da armadilha da morte. Eu estava to apavorada que

    eu no senti quando minhas unhas quebraram contra a parede

    impenetrvel de gelo, deixando crescentes vermelhas do sangue jorrando da

    minha pele sensvel tentava escapar pela minha garganta enquanto eu

    arranhava linhas vermelhas no gelo. O gelo estava acima dos meus joelhos,

    serpenteando o seu caminho at as minhas coxas. Eu tremi.

    Tremer bom, eu me lembrei. Isso significa que seu corpo no

    desistiu... ainda. O frio era doloroso, como mil pequenas facas picando

    minha pele. Um tremor violento subiu pela minha espinha, enviando ondas

    de dor atravs de mim.

    Socorro! Eu gritei, sabendo que era intil. Eu ia morrer aqui.

    S que eu no podia morrer. Eu podia? Mame disse que eu era

    imortal, mas estava tudo includo? Ser que eu tenho uma fraqueza? Neve

    era a minha Kryptonita? Se eu me machucasse, eu iria curar ou ficaria

    presa em um corpo ferido e com dor para sempre?

    De repente eu no sabia se a imortalidade era uma coisa boa ou uma

    coisa ruim. A mgoa fria. Eu estava chutando, gritando e arranhando a

    minha sada da geada, mas para cada centmetro que eu ganhei, uma

    montanha de gelo se empilhou ao meu redor. Eu pensei ter ouvido o riso de

    um homem com o vento, o som de alguma forma mais frio do que o gelo que

    me congelava no lugar.

    O cho ante a minha mo estendida tremia. A agitao aumentou. A

    terra se sacudiu debaixo de mim. A superfcie rachou e o som foi to alto

    que por um momento tudo o que eu podia ouvir era o estridente zumbido

  • 50

    nos meus ouvidos. A terra se dividiu em uma fenda incrivelmente

    profunda. Minha voz ficou rouca de gritar enquanto eu olhava para o abismo

    sem fim, presa e incapaz de me mover para longe da borda vertiginosa. Um

    carro preto meia-noite, puxado por quatro cavalos crepusculares que

    parecia que tinham sido criados a partir do cu noturno, surgiu a partir da

    fenda. Eu abaixei minha cabea na neve com um gemido assustado quando

    eles passaram por cima do meu corpo de bruos.

    A nvoa em volta de mim dissipou enquanto o gelo derretia para longe

    do meu corpo. Aterrorizada, eu pulei para os meus ps, parando quando eu

    fiquei olho-no-olho com um dos cavalos que puxavam a carruagem

    assustadora. Por um momento eu no podia fazer nada alm de olhar em

    seus enormes olhos, sem emoo. Um gemido estrangulado saiu de minha

    garganta e o cavalo bufou para mim.

    Eles no eram negros; eles no eram nada. Eles eram uma ausncia

    de cor e de luz, um vazio, um turbilho nauseante. Eles machucavam s de

    olhar. Minha cabea doa, e meu estmago se embrulhou. Cerrei os punhos

    e me voltei para o motorista.

    Seus olhos azuis eltricos encontraram os meus, e ele parecia ver tudo

    o que eu tinha feito e tudo o que eu faria. Eu tive a estranha sensao que

    eu tinha sido julgada e considerada culpada. De jeito nenhum esse cara era

    humano. Sua pele parecia ter sido esculpida em mrmore; seu cabelo era o

    mesmo preto desorientador que os cavalos. Um terrvel poder emanava de

    sua altura, estrutura escultural.

    Eu no podia falar. Eu no podia me mover. Sua capa bano moveu-

    se atrs dele enquanto marchava em minha direo. Quando chegou ao

    alcance da mo eu bati de volta vida e me afastei dele.

    Ns temos que sair daqui.

    Deixe-me ir! Eu gritei, puxando meu brao. Ele se fechou sobre

    mim, me empurrando em direo ao carro. Lutei contra ele, gritando de

  • 51

    raiva quando ele me pegou e me atirou em suas costas como um saco de

    batatas.

    Eu dei um soco em suas costas, chutando minhas pernas. Deixe-

    me ir! Algum me ajude! Socorro!

    Lembrei-me do instrutor de alguma classe de autodefesa perdido h

    muito tempo na memria lembrando-me um peso morto era mais difcil de

    transportar do que um cativo movendo. Meu corpo se rebelou contra a ideia

    de relaxar, assim que eu empurrei de lado sua capa, tirei a camisa para

    cima e passei as unhas rasgadas e esfarrapadas em sua pele nua. Suas

    mos abriram com a surpresa e eu deslizei de suas costas para o cho duro.

    Minha respirao deixou meu corpo quando eu ca no cho com fora

    suficiente para deixar-me tonta. Com uma fora que eu no sabia que eu

    possua, eu me movi para longe, agarrando-o quando ele me puxou de volta.

    Basta! Ele gritou. No temos tempo para isso! Eu tenho que

    te tirar daqui!

    No! Eu gritei. Ser que ele realmente esperava que eu apenas

    fosse? Certo homem assustador e estranho, eu vou entrar em seu carro

    assustador da morte. Sem problemas.

    Seu olhar furtivo deslizou pelo parque vazio, e ele xingou em voz to

    suave como seda. Eu sinto muito.

    Meus olhos se arregalaram de surpresa quando seus lbios

    pressionaram contra os meus. Eu fiquei selvagem, batendo e arranhando e

    empurrando tudo que podia tocar. Ele no se moveu. Ele exalou, e eu

    afundei sem vida em seus braos.

    Atravs de uma nvoa, senti-me ser levantada e levada embora. Eu

    tentei abrir meus olhos, mas eles estavam muito pesados.

    Voc lidou muito bem, Hades, a voz sarcstica de uma mulher

    se intrometeu na nvoa dos meus pensamentos. Voc sabe o que poderia

  • 52

    ter feito um pouco mais fcil?

    Eu tenho certeza que voc vai me dizer.

    Hades? Lutei com mais fora contra o peso dos meus

    olhos. O Hades? Senhor do Submundo, Hades?

    Merda!

    Um simples 'eu sou o cara bom' poderia ter-

    Voc acha que eu sou o cara bom, Cassandra? Ele riu.

    Que tal 'Estou aqui para salv-la?

    Eu no quis dizer isso? Ele me colocou em uma superfcie

    macia. Eu preciso falar com Demeter, diga a ela o que quase aconteceu

    aqui. Poderia-

    Voc no vai voltar para casa. Era uma afirmao, no uma

    pergunta.

    Deuses me ajudem Cassandra, eu pensei que voc estava

    brincando.

    Voc sabe que eu no brinco com a minha...

    Tentei ouvir, mas a conversa no estava fazendo qualquer sentido e

    minha mente estava decodificando suas bobagens. Pensei em minha toalha

    de piquenique, papoula, e as sementes de rom. O que tinha acontecido? A

    aberrao da tempestade de gelo teria sido consequncia do uso de meus

    poderes? Algo cutucou a parte de trs do meu crebro, chamando antigos

    mitos e lendas para frente, mas a minha mente baniu esses pensamentos e

    se rendeu a escurido feliz.

  • 53

    Captulo VII

    Eu sentia como se estivesse deitada em uma nuvem feita de seda. Eu

    fiz uma careta, os olhos vibrando abertos. Minha cama no era assim

    confortvel, e os meus lenis no eram feitos de seda, cetim, ou qualquer

    que seja este material escorregadio brilhante. Sentei-me, olhando ao redor

    da sala, desorientada. Parecia meu quarto, mas mais rico de alguma forma.

    Eu sa da cama. No momento em que meus ps tocaram o cho de

    madeira gelado as lembranas correram atravs de mim. Engoli em seco

    quando recordei o congelamento da terra e o carro explodindo do cho. Eu

    tracei os meus lbios formigando com o meu dedo. Ele me beijou! Bem, mais

    ou menos.

    Eu me sentia diferente, mais leve de alguma forma. Pela primeira vez

    na minha vida, eu tinha acordado sem quaisquer necessidades urgentes. Eu

    no estava com fome, ou com sede, nada doa; Senti-me alegre.

    Era enervante. Minhas mos tremiam e meu corao batia to rpido

    que eu pensei que ia sair do meu peito. Engoli em seco, me lembrando do

    homem que tinha me levado. Eu soltei meu telefone da minha cintura. Era

    4:44. Eu estive fora por mais de seis horas? Tentei ligar para o 911, mas

    no consegui sinal. Eu andei pela sala, mantendo um olho no meu

    celular. Sem sorte.

    Estudei meu reflexo no espelho de corpo inteiro pendurado na

    porta. O tecido do meu vestido branco estava de alguma forma sem danos

    da minha luta no parque. Os arranhes do gelo em minhas pernas tinham

    desaparecido; Eu no tinha nenhuma contuso da queda ou tanto quanto

    um fio de cabelo na minha cabea fora do lugar. Eu verifiquei minhas

  • 54

    unhas, esperando que elas estivessem quebradas, speras, e

    sangrenta. Elas estavam perfeitas. Eu fiz uma careta, estudando-as mais de

    perto, at meu esmalte claro tinha sido restaurado.

    S os meus lbios estavam diferentes. Eles estavam vermelhos como

    uma rom e macios ao toque.

    Que diabos?

    Fiquei surpresa ao encontrar a porta aberta. Abri-a e pisei em um

    salo enorme, que parecia como se tivesse sido esculpido em bano. Nem

    uma nica impresso digital marcava a superfcie ou acabamento de prata

    reluzente. O cho era de um tabuleiro de xadrez de mrmore preto e

    branco. Olhei para cima, curiosa para saber se o teto era feito de mrmore

    tambm, mas no podia dizer, porque era muito acima da minha cabea.

    Eu memorizei todos os detalhes, em busca de algo que pudesse me

    ajudar a identificar este lugar para os policiais. Eu no conseguia pensar

    em um nico edifcio em Athens desta altura e se ele tivesse me levado para

    outra cidade? Quanto tempo eu tinha apagado? Eu chequei o tempo no meu

    telefone de novo: 4:44.

    Deve estar quebrado. Seria surpreendente se ele tivesse sobrevivido

    ileso a toda aquela provao, mas quando eu rolei atravs da tela tudo

    parecia funcionar.

    Tomei passos lentos e cuidadosos, sabendo que em um salo

    cavernoso assim o som dos meus passos seriam amplificados. Eu no vi

    nenhuma luminria e me perguntei como os corredores eram iluminados. A

    luz a no era nem fraca nem brilhante; ela s... existia.

    Ouvi vozes altas. Isso soa como a mame! Corri em direo s vozes

    e parei do lado de fora de uma porta entreaberta, olhando com incerteza.

    ... Devia ter deixado Boreas peg-la? A voz de Hades subiu no

    pequeno quarto, ecoando nos painis de parede de madeira.

  • 55

    Minha me Fiz uma pausa; no era minha me. Era uma imagem

    plida dela. Sua forma vacilou, uma tapearia vermelha se tornando visvel

    por trs dela, ento se solidificou. Seus lbios estavam apertados de raiva.

    Claro que no! Mas o que voc fez foi-

    Nada menos que um milagre, Demeter. Talvez voc deveria estar

    me agradecendo por me incomodar.

    o porqu de voc se preocupar que me assusta, Hades. Ela

    fez um gesto de exasperao com suas mos. O que voc fez foi- Ela

    parou com um suspiro. Voc poderia ter apenas a enviado para mim. Eu

    poderia ter -

    Feito absolutamente nada, Hades estalou. O brilho suave das

    lmpadas caam sobre seu rosto. Toda a sala estava tingida do vermelho dos

    abajures. Voc mal tem o poder de matar uma mosca.

    Mas voc-

    Ela estaria melhor morta! Hades trovejou. Voc no entende

    isso? Nenhum de vocs viu Oreithyia depois que ele terminou com ela, s

    eu! Eu praticamente tive que afog-la no rio Lethe para lavar para longe

    essas memrias; no h mais nada dela! esse o destino que voc prefere

    para a sua filha, Demeter? Porque isso o que teria acontecido se eu a

    tivesse enviado para voc.

    Eu estou... morta? Minha voz estava trmula quando entrei no

    quarto. O silncio desceu sobre a sala, pois ambos me encararam. Senti-me

    como um inseto sendo examinado em um frasco. Eu respirei fundo e

    endireitei as costas, ento eu estava em p na minha altura total, cerrando

    os punhos para que minhas mos trmulas no mostrassem o meu

    medo. Eu levantei meu queixo e encontrei o olhar de Hades com o que eu

    esperava que fosse uma expresso entediada no meu rosto, mas o que,

    provavelmente, mais parecia um cervo travado nos faris.

  • 56

    Persephone, o rosto da minha me relaxou. Graas a Deus

    voc est bem.

    Tentei arrancar meu olhar de Hades para olh-la, mas era difcil. Eu

    nunca tinha visto algum que se parecia com ele. As estrelas de cinema,

    modelos, eles eram nada em comparao, e quo aterrorizada eu estava que

    eu tinha morrido, eu no conseguia desviar o olhar dele.

    Srio? Ele poderia muito bem ser o diabo. Com esse pensamento

    reconfortante eu empurrei minha cabea para o lado e olhei para minha

    me.

    Estou morta? eu perguntei novamente, suprimindo a borda em

    pnico na minha voz. Estar morta explicaria muito.

    Voc no est morta. Hades falou, arrancando a minha ateno

    de volta para ele como um elstico. Seus lbios se curvaram em um sorriso

    sardnico. Eu tive a ntida impresso de que ele gostava da minha luta para

    desviar o olhar. Graas a minha interveno.

    Apertei os olhos com nojo. Ento ele era um daqueles caras.

    Ento, eu tenho que te agradecer por me apagar e me arrastar aqui contra

    a minha vontade? Onde estou, e como fao para chegar em casa?

    Ei, eu te salvei! Hades olhou para trs e para frente entre minha

    me e eu. Nenhuma boa ao, n?

    No parecia que eu estava sendo resgatada, parecia como um

    rapto! Voc me beijou!

    Sobre isso... Minha me encarou Hades.

    Deixe, Demeter. Essa era a nica maneira de traz-la aqui para

    baixo e voc sabe disso.

    Onde aqui?

    Voc est no submundo. A voz de minha me era delicada.

  • 57

    Mas voc no est morta. Hades tornou possvel para voc viajar entre os

    planos.

    Oh, eu disse, balanando a cabea quando eu entendi. Posso

    ir para casa agora? Olhei para Hades e acrescentei um relutante Por

    favor?

    Voc pode ir e vir quando quiser, mas eu no acho que seria

    sbio. Voc j chamou a ateno do Deus Boreas. Ele tentou subjugar voc,

    mas eu fui capaz de intervir. Da prxima vez voc pode no ter tanta sorte.

    Da prxima vez? Eu no gostei do som disso.

    Boreas no facilmente dissuadido uma vez que ele v algo que

    ele quer, Mame explicou. Ele o Deus do Inverno, de modo que seu

    poder est em seu pico agora. Mas podemos tomar precaues para mant-

    la segura at o inverno passar.

    A melhor precauo que voc pode tomar a de deix-la comigo,

    Hades interveio. Nenhum deus pode vir atrs dela no submundo.

    V